Gênero Discursivo Oratória - Diálogos Possíveis Nas
Gênero Discursivo Oratória - Diálogos Possíveis Nas
Gênero Discursivo Oratória - Diálogos Possíveis Nas
estudo realizado por professores que usam o verbal constitui assim a realidade fundamen-
status de participantes como base para desen- tal da língua.
volver habilidades de observação e análise da
prática docente. Desse modo, o trabalho com a linguagem
Além disso, destaca André (2004) que a em sala de aula deve, obrigatoriamente, obser-
pesquisa-ação envolve um plano de ação com var que o processo interativo se estabelece a
enfoque nos objetivos; bem como no acompa- partir de uma dada finalidade social que envolve
nhamento do processo e no controle da ação uma relação valorativa em relação a esse “outro”
planejada, bem como o relato desse mesmo pro- como partícipe da enunciação. Nesse contexto,
cesso. Logo, a presente pesquisa foi realizada cabe ao professor e ao texto lido o papel de me-
durante as aulas de Linguagem Jurídica no cur- diadores, pois é por meio deles que a interação
so de Direito, buscando investigar estratégias de se estabelecerá.
inserção da oralidade em diferentes instâncias Por conseguinte, o trabalho com a orali-
oportunizadas nas aulas, visando destacar o tra- dade na sala de aula deve ser organizado obje-
tamento da linguagem como interação. Portanto, tivando a manifestação da expressão consoante
a pesquisadora, em contato com seus alunos, a este ‘outro’, função social e gênero, visualizan-
organizou planos de aulas que focalizassem a do o ouvinte como coprodutor, ou seja, produtor
oralidade, aplicou-os nas suas turmas para pos- de novos sentidos, manifestados por meio da
teriormente descrevê-los e analisá-los. atitude responsiva.
Consoantes aos pressupostos de
DIMENSÃO INTERACIONAL NA LINGUAGEM Bakhtin/Volochinov (2004, p.113) “(...) toda pa-
E A ORALIDADE lavra comporta duas faces. Ela é determinada
tanto pelo fato de que procede de alguém, como
A interação verbal caracteriza-se como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela cons-
um fenômeno social, manifestado por intermédio titui justamente o produto da interação do locutor
da enunciação e constituindo-se como realidade e do ouvinte”. Interação essa de natureza social,
fundamental da língua, uma vez que nos comu- já que aqui são partilhados: julgamento de valor,
nicamos e interagimos constantemente por meio crenças e ideologias situadas historicamente e
da linguagem. Portanto, compreendemos que a socialmente; e que definirão os dizeres autori-
linguagem como atividade humana possui um zados ou não, o estilo e o gênero a ser empre-
legado histórico e cultural, já que por meio dela gado em detrimento da relação com o outro e
manifestam-se as relações históricas e sociais a situação imediata. Ainda em relação a essa
de seus locutores. diferenciação Bakhtin/Volochinov (1992, p.112)
Assim, conforme pressupostos de pontuam:
Bakhtin e o círculo o estudo da língua deve pau-
tar-se nas situações sociais, compreendendo- A palavra dirige-se a um interlocutor: variará
-a como fato social, em que estão envolvidos se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo
social ou não, se esta for inferior ou superior
diferentes indivíduos, pois nos comunicamos
na hierarquia social [...] Não pode haver in-
sempre com o “outro” e é a ele que buscamos terlocutor abstrato; não teríamos linguagem
convencer ou refutar. Logo, nosso discurso em comum com tal interlocutor, nem no sentido
todos os momentos é perpassado por diferentes próprio, nem no figurado.
vozes que permitem a construção da ‘nossa pa-
lavra’, que parte necessariamente na ‘palavra do E nesse processo, consoante aos estu-
outro’. Por conseguinte, a concepção de palavra dos de Vygotsky, cabe ao docente a função de
neutra para Bakhtin (2003, p. 125) é mera ilusão, ‘par superior’, capaz de mediar o trabalho obje-
pois: tivando à efetivação da expressão em conformi-
dade aos aspectos exteriores (condições reais
A verdadeira substância da língua não é de enunciação – situação imediata e interlocu-
constituída por um sistema abstrato de for-
tor). Entretanto, a explicitação destes fatores
mas linguísticas nem pela enunciação mono-
no ambiente escolar não é tarefa fácil e caberá
lógica isolada, nem pelo ato psicofisiológico
de sua produção, mas pelo fenômeno social mais uma vez ao docente criar estratégias que
de interação verbal, realizada através da se aproximem dos usos da linguagem na socie-
enunciação ou das enunciações. A interação dade.
que também utilizou a oratória devido a aproxi- que os auxiliassem neste intento.
mação de uma situação concreta de uso da ora- Portanto, diante do interesse e da ne-
lidade em ambientes públicos e formais. cessidade realizamos uma sequência de aulas
Acerca do estilo de linguagem a ser em- abordando este assunto, atividade esta que se-
pregado, destaca-se que há espaço para o estilo ria finalizada durante um concurso de oratória
individual, todavia, cada escolha deverá priorizar aberto a todos os acadêmicos da turma.
o tipo de público, o tema, o momento, ou seja, o Inicialmente incitou-se a discussão:
contexto imediato delimitará os enunciados pos- Como alguém ‘aprende’ a falar bem? O que é
síveis de serem empregados, além disso, é fun- falar bem? Logo, discutimos as diferentes estra-
damental o tratamento da organização gramati- tégias orais utilizadas pelo jurista, em diferentes
cal priorizando a aproximação ao uso da língua locais, tais como o júri, uma palestra para leigos,
padrão, bem como recursos de textualização uma entrevista, uma conversa entre pares, ou
(conjunções, repetições, e hiperônimos) que ga- mesmo no cotidiano familiar. Tal questionamen-
rante a coesão e atribuem sentidos ao discurso. to visava a observação da necessidade de ade-
Neste contexto, sabemos que o trata- quação ao contexto, portanto, o conceito de ‘fa-
mento da oralidade na escola tem sido pouco lar bem’ varia em consonância ao objetivo, quem
explorada, fato esse que se deve inicialmente a fala, sobre o que fala, com qual intencionalidade
crença de que os usos orais ligam-se a vida, logo, e principalmente para quem fala, fatores esses
não são objeto de ensino (Marcuschi, 2001). Ou presentes na escrita e na fala, já que utilizamos
ainda conforme afirma Antunes (2003) a ideia de a linguagem em enunciados concretos direcio-
que a fala é local de violação de regras, delegan- nados a um interlocutor.
do os erros a fala, e desconsiderando as situa- A seguir foram apresentadas algumas
ções sociais mais formais de interação, que fun- considerações expositivas sobre a oratória, des-
damentalmente pressupõem outros padrões de tacamos que o Estatuto do Advogado Lei 8.906
oralidade. Outro fato observado por essa autora de 04/07/94, prevê os seguintes usos da lingua-
é a concentração de atividades com os gêneros gem oral: em sessões de julgamento; usar a pa-
orais informais, tais como: conversa, ‘troca de lavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal;
ideias’, explicação para o vizinho, restringindo- reclamar verbalmente ou por escrito, perante
-se a mera manifestação coloquial e informal qualquer juízo, tribunal ou autoridade;
que não denota analise dos aspectos da conver- Assim, quais seriam as características
sação. do bom orador? Segundo Polito (2008), pode-
Portanto, percebemos consoante a An- mos reunir as seguintes características: credi-
tunes (2003, p. 25) a ausência de oportunida- bilidade, voz, espontaneidade, apresentação,
des de explicação dos padrões gerais de con- cumprimento do tempo, linguagem, postura,
versação, por meio da abordagem dos gêneros aparência, envolvimento, confiança, coerência
orais da comunicação pública que demandam de conduta e preparo. Dentre as características
registros mais formais, escolhas lexicais espe- apresentadas é fundamental destacar grande
cializadas, padrões textuais mais rígidos, além parte residem nos aspectos extraverbais, já que
do atendimento a certas convenções sociais exi- dependem de valores e julgamentos partilhados
gidas pelas situações do ‘falar em público’. por um determinado grupo social.
Na próxima seção apresentaremos como Também foram destacados aspectos fo-
se deu o trabalho com o gênero discursivo orató- nológicos acerca da respiração, ajuste de volu-
ria no curso de Direito. me, entoação adequada ao conteúdo apresen-
tado, bem como velocidade. Neste contexto, os
A ORATÓRIA NA SALA DE AULA NO ENSINO itens entoação e velocidade são fundamentais,
SUPERIOR já que contribuem para a coerência do conteúdo
exposto, uma entoação adequada cria maior ex-
A prática realizada nesta pesquisa iniciou pressividade ao enunciado. Além disso, a veloci-
a partir de uma conversa com os acadêmicos dade da fala deve estar diretamente relacionada
acerca da oratória e de sua importância para ao grau de complexidade do enunciado para a
o profissional de Direito. Durante esse diálogo compreensão do interlocutor. Neste contexto,
muitos demonstraram interesse em melhorar Antunes (2003, p. 104) compreende que os ele-
sua comunicação, e perguntavam estratégias mentos de natureza suprasegmental (entoação,
pausas, dentre outros) “contribuem para a cons- de produção textual e/ou oral são indispensáveis
trução de sentidos e das intenções pretendidas”. para a concretização da fala e da escrita como
Portanto, caberá ao locutor prever possíveis di- enunciação (momento de circulação).
ficuldades por parte do interlocutor, e neste ins- Destacamos ainda que as estratégias de
tante ater-se a uma velocidade mais lenta que argumentação e contra-argumentação já haviam
engendre a compreensão responsiva. sido trabalhadas com a turma anteriormente,
Por fim, destacamos os gestos, que de- logo por não terem dificuldades neste quesito,
vem orientar a fala, logo, conforme afirma Weil, essa etapa não foi apresentada neste momen-
“o corpo fala”, sua sintaxe é distinta da língua, to, por isso não explorada neste estudo. A partir
mas é facilmente reconhecida por falante que dessas discussões partimos para a próxima eta-
partilham do mesmo grupo social. Fato esse pa: o concurso. Assim, na próxima seção abor-
também pontuado por Antunes (2003) sobre a daremos o planejamento desta atividade uma
função das expressões fisionômicas, gestos e vez que era fundamental criar condições reais
recursos de representação cênica (movimentar- para uso deste gênero.
-se) que conferem significados complementares
no processo de interação verbal. A CIRCULAÇÃO DO GÊNERO DISCURSIVO
Posteriormente, foram disponibilizados ORATÓRIA
alguns vídeos de juristas considerados exemplos
de boa oratória e apresentado um vídeo no qual Como havíamos previsto a próxima etapa
Waldir Troncoso Peres, grande orador, expõe seria o concurso de oratória. Assim, inicialmen-
como chegou ao êxito da oratória. Também foi te em conjunto com o professor de Sociologia
recomendado que assistissem a dois filmes que Geral e Jurídica foram decididos os assuntos a
demonstram o uso da oratória na área forense: serem destacados no concurso. A ideia era con-
“O grande desafio” (2010-DVD) e o “Desafio da jugar saberes trabalhados nas duas disciplinas,
lei” (1999) em ambos ocorrem discursos públi- pois o acadêmico necessitaria ter ‘o que dizer’
cos e formais. Sobre essa instância destaca-se para a partir disso, criar um discurso coerente
o comentário de um acadêmico, que ao deparar- de oratória. Assim, com base nos conteúdos e
-se com o vídeo do jurista Troncoso Peres, e ob- nas leituras exigidas na disciplina de Sociologia
servar aquela caracterização frágil de um idoso, optamos pelos temas: PEDOFILIA NO BRA-
questionou-se sobre a competência de sua fala, SIL” e ‘: “A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NO
entretanto, esse mesmo acadêmico ao assistir BRASIL”.Após definidos os temas, foi divulgado
a entrevista completa percebeu o quanto aque- nas salas e corredores o edital de inscrição do
la fragilidade é ideologicamente construída nos concurso que premiaria os três primeiros coloca-
seus valores, e que o jurista utilizada a lingua- dos com um livro “Oratória para advogados” de
gem com uma maestria inquestionável. Neste Reinaldo Polito, bem como certificação de par-
momento, discutimos a importância da aparên- ticipação, aos demais candidatos seria garan-
cia durante as situações concretas de interlocu- tida a certificação de participação. Neste edital
ção, mas ao mesmo tempo observamos a ne- foram descritas as regras de participação, bem
cessidade de cuidado com as pré-concepções como o tempo, e a necessidade da entrega de
carregadas de valores preconceituosos constru- um texto escrito 24h antes do concurso. Além
ídos socialmente e culturalmente, e que muitas disso, foram expostos os critérios de avaliação:
vezes (como no caso exposto) não possuem va- voz, conteúdo, apresentação e tempo. Também
lor de verdade e são ‘ingenuamente’ transferidas foi disponibilizado auxílio na escrita dos textos,
disseminadas. desde que solicitadas com antecedência. Sobre
Buscamos priorizar na organização des- essa questão destaca-se que apenas dois aca-
te estudo sobre oratória que o tratamento di- dêmicos solicitaram revisão da escrita.
dático dos gêneros discursivos deve levar em Depois de encerrado o período de ins-
consideração a finalidade, interlocutor, gênero crição (20 dias) contamos com apenas cinco
(conteúdo, estilo e estrutura), suporte, circula- inscritos. Esperava-se um número maior, já que
ção e posição do sujeito, definidas por Bakhtin estavam envolvidos na atividade cerca de 120
e compreendidas por Geraldi (1997) por: O que alunos (duas turmas de 60 alunos). Sobre essa
dizer; Para quem dizer; Como dizer: Por que di- questão percebemos que alguns acadêmicos
zer; e estratégias do dizer. Logo, as condições sentiram-se receosos de participar devido um
ou dois acadêmicos já terem experiência com de uso da exposição oral em ambientes formais,
o discurso público oral. Entretanto, vale desta- situação essa que será corriqueira na carreira
car esses acadêmicos decidiram não participar, pretendida.
espontaneamente. Destacamos ainda que todos Sobre a forma de argumentação, como
os alunos indiferentemente da inscrição deve- previsto, os acadêmicos organizaram o conteúdo
riam assistir ao concurso, uma vez que ele foi a partir dos conhecimentos adquiridos, principal-
realizado no horário destinado a aula da discipli- mente nas leituras e discussões da disciplina de
na de Linguagem Jurídica. Sobre esse fato, os Sociologia Geral e Jurídica, todavia, como a prá-
acadêmicos foram orientados sobre competên- tica foi realizada no curso de Direito, a organiza-
cia para ‘escutar’, pois além de falar precisamos ção argumentativa priorizou os aspectos legais
desenvolver a habilidade de escutar com aten- acerca dos assuntos explorados, demonstran-
ção e respeito os diferentes interlocutores. “A ati- do ainda, cuidado com a manutenção temática,
vidade receptiva de quem escuta o discurso do respeito ao tempo previsto para fala, elementos
outro é uma atividade de participação, de coope- reiterativos, conectores, e hiperônimos que visa-
ração em vista da própria natureza interativa da vam destacar o caráter de planejamento da fala.
linguagem. Não há interação se não há ouvinte” Todos os candidatos optaram pela leitura, entre-
(ANTUNES, 2003, p. 105). tanto, a realizaram com cuidado na entonação,
Para julgamento dos trabalhos, foram contato visual com o interlocutor, movimentação
convidados professores de diferentes áreas e recursos gestuais, fato esse que conferiu dina-
(Sociologia, Língua Portuguesa e Direito), sen- micidade as apresentações.
do composta uma banca julgadora composta por Ao final da prática, após o agradecimen-
docentes de diferentes áreas. to e retirada da banca julgadora, visando opor-
tunizar a fala ao número maior de acadêmicos
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CIRCULA- foi realizada uma prática dialogada denominada
ÇÃO DO GÊNERO ORATÓRIA “conversa”. Previamente foram escritas algumas
perguntas e situações diferentes, que exigiam a
Durante as apresentações o público (co- exposição oral. Todos os acadêmicos foram con-
legas de classe) posicionou-se como plateia, vidados a retirar uma pergunta da caixa e após
logo, houve uma atitude responsiva em relação a leitura desta pergunta, deveriam respondê-la
aos locutores, pois o silêncio e a atenção que no palco utilizando o microfone (já que no lo-
dispensaram as apresentações demonstraram cal encontravam-se cerca de 120 pessoas e o
a compreensão e a vinculação da prática reali- ambiente era grande). As perguntas abordavam
zada a uma situação concreta de uso da orató- conteúdos de natureza diversa, tais como: Con-
ria. Neste sentido, acreditamos que consoante a vide formalmente seus colegas para o curso de
Antunes (2003) o concurso possibilitou o desen- Filosofia Jurídica; Por que escolheu o curso de
volvimento da competência de saber escutar o Direito; Qual o benefício da leitura para o aca-
outro com atenção, habilidade essa pouco esti- dêmico de Direito; Qual o benefício da atividade
mulada socialmente. física para o ser humano, dentre muitas outras.
Além disso, mesmo com um número pe- Neste contexto, buscávamos demonstrar que a
quenos de candidatos, foi possível notar o ner- fala em ambiente público ocorre de diferentes
vosismo e a preocupação dos candidatos, com formas, mais ou menos formais, pois são dife-
a aparência, com a impostação da voz (já que rentes da conversa, do debate, da exposição,
utilizam microfone) e com o uso adequado da da explicação, do elogio, do aviso, o convite, o
fala e norma-padrão, gestos e argumentos. Nas recado, ou a defesa de argumentos, logo, para
apresentações priorizava-se o olhar como um planejá-las o locutor demanda de competências
elo entre o locutor e interlocutor, bem com os as- que devem ser trabalhadas (ANTUNES, 2003).
pectos gestuais. Vale lembrar que somente um Nesta ocasião um grande número de aca-
candidato era do sexo feminino e segundo essa dêmicos participaram (cerca de 40) aceitaram
candidata “por mais simples que seja este con- pegar uma pergunta ‘surpresa’ e respondê-la no
curso, ele está sendo encarado por mim como palco. Tal resposta demonstrou que o concurso
um desafio, logo, por eu participar, já estou ga- os estimulou a falar e a expor-se, mesmo que
nhando”. A candidata atendeu ao edital do con- por poucos minutos e de maneira improvisada.
curso, que visava criar uma situação concreta
ISSN 1516-1579
• Periodicidade: Semestral
• e-mail: [email protected]
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