Wagner Silva - Alfa - 2022port
Wagner Silva - Alfa - 2022port
Wagner Silva - Alfa - 2022port
Kiahra ANTONELLA *
Wagner Rodrigues SILVA **
Cristiane Carvalho de Paula BRITO ***
Introdução
*
Universidade Federal do Tocantins (UFT). Professora no Instituto Federal do Tocantins (IFTO). Palmas - TO - Brasil.
[email protected]. ORCID: 0000-0002-2624-0286.
**
Universidade Federal do Tocantins (UFT). Palmas - TO - Brasil. [email protected]. ORCID: 0000-0002-3994-
1225.
***
Universidade Federal de Uberlândia (ILEEL/UFU). Uberlândia - MG - Brasil. [email protected]. ORCID:
0000-0002-7210-6635.
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os sentidos do aprender produzidos pelas vozes dos alunos enquanto estudantes de
Língua Portuguesa (LP), envolvendo pressupostos teóricos e metodologias fortemente
enraizadas. Isto é, ao enunciarem, as pessoas manifestam tomadas de posição em seu
discurso, revelando movimentos identificatórios em construção e produzidos na relação
com o outro.
Em sintonia com a Linguística Aplicada (LA), parece-nos essencial continuar
problematizando a identidade ou o status que o ensino de LP vem propagando nas
escolas brasileiras, especialmente numa época marcada por profundas transformações
sociais e novas exigências para a produção de conhecimentos. Com a articulação de
dispositivos teórico-metodológicos da Análise do Discurso pecheutiana (AD), o diálogo
entre diferentes áreas do conhecimento propicia uma relevante reflexividade acerca do
que é legitimado na/pela escola em oposição ao que é desejado por grande parte dos
atores envolvidos ou interessados na referida instituição (BRITO; GUILHERME, 2013).
Neste artigo, identificamos representações discursivas acerca do ensino de LP, em
enunciados produzidos por estudantes do 7º ano, matriculados em uma escola rural de
Palmas, capital do Estado do Tocantins. Para tanto, realçamos algumas representações
sobre o ensino de gramática, que se configura como uma prática escolar de linguagem
sobre a qual os professores ainda manifestam bastante insegurança (REIS; SILVA;
FREITAS, 2021; SILVEIRA; SILVA; REIS, 2019). Também pontuamos algumas
implicações teóricas e problematizamos alguns desdobramentos para o ensino de
língua materna a partir dos discursos identificados, conforme característico da
dinâmica investigativa das pesquisas em LA (CAVALCANTI, 2004). Entendemos
que a problematização de discursividades acena caminhos para se repensar o ensino,
considerando abordagens que tomem a língua como prática social.
Os enunciados analisados foram gerados a partir de uma entrevista semiestruturada,
utilizada como instrumento para caracterização dos alunos antes da intervenção
pedagógica planejada no projeto ConGraEduC1, concebido para desenvolver a
conscientização dos alunos sobre o funcionamento da gramática do português brasileiro.
Assim, pretende-se informar a intervenção pela abordagem pedagógica da educação
científica e, ainda, familiarizar os estudantes com práticas de investigação sobre a
própria língua materna (SILVA, 2020).
Para isso, mobilizamos alguns dispositivos teórico-analíticos da AD, a exemplo
da noção de memória, de inter e intradiscurso e da noção de ressonância discursiva
(ORLANDI, 2007, 2020; PÊCHEUX, 1997; SERRANI, 1990, 1998, 2001). Paralelo
a isso, conceitos da LA envolvendo o ensino ou estudo de gramática e de letramentos
são considerados a fim de discutir os gestos de leitura advindos das discursividades
instauradas (BAGNO, 2000; KLEIMAN, 2013; SIGNORINI, 2004, 2006, 2007,
2012; SILVA, 2011). Nesse imbricamento de áreas, algumas categorias gramaticais
da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) são utilizadas para auxiliar o exame da
1
Trata-se do projeto Conscientização Gramatical pela Educação Científica, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa
da Universidade Federal do Tocantins (UFT), a partir do parecer 3.457.383. O projeto é desenvolvido no grupo de
pesquisa Práticas de Linguagens (PLES) e coordenado pelo Prof. Dr. Wagner Rodrigues Silva (UFT/CNPq).
2
Cabem ainda nessa noção apresentada pela autora parametrizações entre o formal e o informal, língua e dialeto, língua
culta e não culta. (SIGNORINI, 2006).
3
Uma versão adaptada desta proposta para escolas brasileiras é apresentada por Silva (2015).
4
“Esses alunos se consideravam uma ‘nova geração’ que não precisa aceitar as classificações étnicas do apartheid”
(MARTIN; ROSE, 2012, p. 313).
5
Esse termo foi tomado de empréstimo de Signorini (2006) e se refere ao estado de invisibilidade e exclusão de falantes
em contextos de uso da língua legitimada.
6
Do ponto de vista da metafunção interpessoal, quando dois ou mais interlocutores estão em interação face a face,
como é o caso dos enunciados ilustrados, as respostas podem ser representadas por orações do tipo sim e não ou por
proposições declarativas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014; THOMPSON, 2014).
SD7 MI: Gramática -- eu acho -- que na minha cabeça é algo que a gente ((pausa)) que a
gente estuda assim alguma coisa.
SD8 JV: na minha opinião acho que gramática é interpretar alguma coisa ((sussurrando))
não tenho certeza não professora
Fonte: ConGraEduC.
[...] saber uma fala significa saber uma língua. Saber uma língua significa
saber uma gramática [...] Saber uma gramática não significa saber de
cor algumas regras que se aprendem na escola, ou saber fazer análises
morfológicas e sintáticas. Mais profundo do que esse conhecimento
é o conhecimento (intuitivo e inconsciente) necessário para se falar
efetivamente a língua (POSSENTI, 1996 p. 30).
7
Nas palavras de Halliday e Matthiessen (2014, p. 144), “é a escolha entre o positivo e o negativo. Para algo ser
discutível, deve estar especificado pela polaridade”.
O que se pode entrever na SD9 é que os termos “sobre verbos vírgulas”, “como
se escreve a palavra... vírgula” atuam como fenômenos8 de construções gramaticais
responsáveis pela explicitação de representações mentais. O afeto e a percepção dos
participantes, formas de avaliar um determinado objeto, relacionam a aula de português
a conteúdos de gramática. Eles quase não conseguem nomear, optando por generalizar
o que estudam a partir do uso da expressão nominal “essas coisas”. Isso por sua vez
instaura uma contradição, atravessada pela ausência e pela presença no tocante à
representação de gramática normativa. Se por um lado há discursividades que apontam
para o seu funcionamento na memória discursiva dos sujeitos, por outro, há depoimentos
anteriores que acenam para a ausência desse saber.
Os discursos analisados revelam uma heterogeneidade de vozes no espaço escolar,
pelas quais os sujeitos se colocam em estado de desigualdade linguística. A forma de
enunciação sobre a aprendizagem de gramática se pauta no imaginário do falante ideal,
que, por meio do domínio da norma, consegue falar e escrever corretamente.
8
No sistema de transitividade da LSF, o fenômeno, juntamente com o experienciador e o processo, são categorias
das orações mentais (experiências que ocorrem no mundo interno). O fenômeno pode se referir a pessoas, objetos
concretos ou abstrações.
9
Sobre a prática de leitura, é dito na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que “o Eixo Leitura compreende as
práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e
multissemióticos e da sua interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras literárias;
pesquisas e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos, realização de procedimentos; conhecimento, discussão
e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter
mais conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades” (BRASIL,
2017, p. 71, grifo do autor).
10
Esse enunciado, apesar de ser uma resposta à questão sobre a prática de leitura, foi incluído aqui no tópico sobre escrita
por ser bastante espontâneo e por reforçar a discursividade da cópia, algo recorrente em outros depoimentos dessa
estudante.
Nesses depoimentos, vêm à tona dizeres que fazem ressoar a ideia da projeção futura
nas aulas de LP, algo que nunca se alcança, cujo sentido aponta para uma falta. As ações
são em sua maioria materiais e operam discursivamente expressando um acontecimento
concreto (“fazer pesquisa, fazer trabalho em grupo” – SD18; “passeios” – S19; “passar
o projeto” – SD20; “fazer mais tarefa brincando” – SD21). O que se pode entrever é
uma inversão na representação das aulas de LP sugerida pelos participantes: em vez
de atividades repetitivas e com certa passividade (“não de copiar” – S19; “ficar toda
hora só escrevendo, só sentado” – S20), aulas com maior interação.
A identificação desses discursos é da ordem do devir, ou seja, acena para os
desejos dos alunos de que a aula pudesse ser diferente do que normalmente acontece,
resultando em aprendizagem para eles. São mencionadas metodologias (“atividades em
grupo” – SD18) passeios (SD19), projetos (SD20) e recursos (“videoaulas” – SD19),
pesquisa na internet (SD20), que apontam para fora da escola, atividades que, na visão
deles, colaborariam para melhorar o ensino de LP, ou seja, sistemas de objetos12 que
11
É possível que o aluno esteja se baseando em uma aula ministrada na sala sobre essa temática, cuja metodologia
empregada fez uso de pesquisa na internet via smartphone.
12
Os sistemas de objetos se referem aos atores não-humanos, na concepção da rede de Latour (2004), cujos impactos
recaem direta ou indiretamente na aula. Entre esses atores mais citados nos enunciados, o livro didático e o quadro
Considerações Finais
Agradecimentos
ANTONELLA, K.; SILVA, W.; BRITO, C. Representations about the teaching of Portuguese
Language in a rural school. Alfa, São Paulo, v.66, 2022.
■■ ABSTRACT: This research investigates discursive representations about the teaching of the
Portuguese Language (PL), in a rural school in the Northern Region of Brazil. We take a
transdisciplinary approach to Applied Linguistics and use theoretical assumptions of science
education and discursive theories of language. Such assumptions inform the qualitative
approach of the linguistic analysis carried out. The research data are constituted from a
semi-structured interview, carried out before a pedagogical intervention within the scope
of the research project ConGraEduC (CNPq 441194/2019-2). For this scientific paper, we
considered the answers presented by students from basic education to eight out of fifteen
questions in a script. For the analysis of the answers, we considered the interweaving between
the intra and interdiscourse, in order to investigate the memory evoked by the participants
when enunciating about PL and, especially, about grammar. Results suggest that grammar is
represented both by a silencing and by the discourse of normativity once students claim not
to know it and conceive language as a mere set of rules.
REFERÊNCIAS
BAGNO, M. Preconceito Linguístico: o que é como se faz. 48 ed. São Paulo: Loyola,
2007.
BAGNO, M. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia & exclusão
social. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf. Acesso em: 26
jul. 2020.