Revista Cadernos de Comunicação 2021

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Comunicação da cidade turística no

Facebook: movimento de residentes


e práticas da Prefeitura Municipal
de Salvador

Moabe Breno Ferreira Costa


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
NATAL, Rio Grande do Norte, BRASIL
[email protected]
Maria Lúcia Bastos Alves
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
NATAL, Rio Grande do Norte, BRASIL
[email protected]

* O artigo é uma atualização do trabalho, com mesmo título, apresentado no GP de Co-


municação e Desenvolvimento Regional e Local, XIX Encontro dos Grupos de Pesquisas
em Comunicação, evento componente do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comu-
nicação, realizado pela Universidade Federal do Pará, na capital do Estado, Belém, em
2019. Nesta versão há modificações substanciais.
cadernos de comunicação
uNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

Comunicação da cidade turística no Facebook: movimento


de residentes e práticas da Prefeitura Municipal de Salva-
dor
Resumo: Propõem-se reflexões sobre a comunicação turística realizada no
Facebook pela Prefeitura do Salvador e por residentes. O método é crítico-
-dialético, utilizando de revisão de literatura, entrevista a gestores públicos
e monitoramento das fanpages governamental e de bairros turísticos. Iden-
tificam-se diferentes baianidades na rede e possibilidades de construções
de sistemas sociodigitais turísticos. Estes cooperam para potencializar a co-
municação e gestões de crises da cultura.
Palavras-chave: comunicação turística; sistema sociodigital; diferentes baia-
nidades; gestão de crises.

comunicación de la ciudad turística en Facebook: movi-


miento de residentes e prácticas del Ayuntamiento de Sal-
vador
Resumen: Se proponen reflexiones sobre la comunicación turística realiza-
da en Facebook por el Ayuntamiento de Salvador y por los residentes. El
método es dialéctico crítico, utiliza una revisión de literatura, entrevista a
gestores públicos y monitorea fanpages gubernamentales y distritos turís-
ticos. Se identifican diferentes “baianidades” en la red y posibilidades para
construir sistemas sociodigitales. Estos cooperan para potenciar la comuni-
cación turística y gestionar las crisis culturales.
Palabras clave: comunicación turística; sistema sociodigital; diferentes
“baianidades”; gestión de crisis.

Communication of the tourist city on Facebook: move-


ment of residents and Salvador City Hall practices
Abstract: This Project proposes a reflection on the tourist communication
carried out on Facebook by the Salvador City Hall and residents. The method
is critical-dialectic, using literature review, interviewing public managers and
monitoring governmental fanpages and tourist districts. Different elements
of Bahia culture are identified in the network and possibilities of building
tourist sociodigital systems. These cooperate to enhance communication
and to manage cultural crises.
Keywords: tourist communication; sociodigital system; Bahia cultural ele-
ments; crisis management.

Rev. Cad. Comun., Santa Maria, v.25, n.1, art 8, p.2 de 22, Jan/Abr.2021
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1 INTRODUção
De acordo com Maldonado (2007), as redes digitais correspondem a es-
truturas híbridas que envolvem engenharias específicas, relações sociais e
micronarrativas de interlocutores. Sua essência é estabelecer articulações
entre diferentes setores com o objetivo de construções de sentidos comuns.
Nos processos interativos em redes digitais, circulam elementos de repre-
sentação das práticas sociais, de modo que a produção comunicacional e a
cultura formam um ciclo interdependente, no qual o ambiente interno da
rede se alimenta do ambiente social.
Nota-se uma sistemática operacional que envolve aspectos subjetivos,
físicos e cognitivos de interlocutores, constituindo um elemento regulador
de dinâmicas dotadas de interdependências entre ações nos espaços físicos
e digitais. É um motor da cultura que impulsiona os fluxos das relações hu-
manas. Segundo Eagleton (2005), a cultura existe e se atualiza por meio de
processos dotados de conflitos.
É o que se verifica nas interatividades em postagens turísticas na Fanpa-
ge da Prefeitura do Salvador1, capital da Bahia, e nas relações sociais nas pá-
ginas de bairros institucionalizados como turísticos, a exemplo da AmaBar-
ra-SOS Barra2 e do Fórum Permanente do Rio Vermelho3. O poder municipal
reproduz uma baianidade alegórica, construída ao longo da história pela
comunicação massiva, que é simultaneamente retroalimentada e conflitada
pelos seguidores, apontando para diferentes baianidades.
Nas fanpages dos bairros, estes conflitos são representados por uma sim-
biose entre os ambientes digital e social que constitui um universo informa-
cional, multilateral e flexível na qual circulam signos locais, com o propósito
de gerar transformações materiais na cultura turística. Ao permitirem com-
preensões sobre perfis cognitivos e inteligências coletivas e ao culminarem
em transformações no ambiente físico, considera-se que esta dinâmica re-
presenta a construção de sistemas sociodigitais – um ciclo interdependente
entre discurso no ambiente digital e comportamento social (COSTA, 2020).
Diante desta problemática, o objetivo deste construto é estabelecer

1 https://www.facebook.com/prefeituradesalvador/
2 https://www.facebook.com/search/top/?q=amabarra%20-%20sos%20barra /. Aces-
sos em 25/04 de 2017 e em 04/04/2017.
3 https://www.facebook.com/groups/464660233693563/?fref=ts/. Acessos em
25/04 de 2017 e em 04/04/2017.

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uma reflexão sobre a comunicação turística praticada pela Prefeitura do


Salvador e por grupos de residentes no Facebook. Tem-se como objetos de
investigação as fanpages da Prefeitura Municipal de Salvador e dos bairros
da Barra e do Rio Vermelho. Por se tratar de um estudo que estabelece re-
lações entre teorias e práticas sociais, parte-se da racionalidade do método
crítico-dialético, tendo como procedimentos metodológicos entrevistas se-
miestruturadas a gestores municipais, monitoramento das fanpages e revi-
são de literatura.
O artigo está divido em três partes. A primeira descreve o método e
procedimentos operacionais. Em seguida, ‘Contextualizações sobre comu-
nicação turística’, apresenta-se uma revisão de literatura, com reflexões que
culminam na ideia do sistema sociodigital turístico. Na terceira parte, ‘As
diferentes baianidades no Facebook’, estão os resultados da investigação,
considerando conceitos de turismo e de comunicação que definem práti-
cas da gestão municipal de Salvador. Pondera-se a necessidade do poder
público construir sistemas sociodigitais e como estes podem cooperar para
potencializar a comunicação e gestões de crises da cultura turística.
Conclui-se que a comunicação turística praticada pelo governo não pode
ser reduzida à mera ‘ferramenta de marketing’, reproduzindo estereótipos
de baianidade. Deve ser pensada como a produção de processos interati-
vos, envolvendo percepções, experiências e cognições de cidadãos, onde
estão signos que impulsionam sistemas de inovações da cultura turística.

2 Metodologia
Martins (1994, p. 24) explica que o método crítico-dialético considera
o materialismo histórico e a concepção dinâmica da realidade, buscando a
“inter-relação do todo com as partes e vice-versa, da tese com a antítese”,
de modo que sua validade científica se dá no processo de correlações. As
discussões são embasadas nas práticas sociais e processos históricos, apre-
sentando propostas críticas no sentido de desvendar conflitos de intenções
e de interesses, com fins transformadores.
Desenvolveu-se uma lógica interna para articular teorias e empirias,
utilizando como procedimentos metodológicos, revisão de literatura, en-
trevistas aos então secretários municipais de Comunicação e de Cultura e
Turismo, e monitoramento das Fanpages da Prefeitura Municipal de Salvador
e dos bairros da Barra (AmaBarra-SOS Barra) e do Rio Vermelho (Fórum Per-
manente no Rio Vermelho).

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As entrevistas ocorreram nos dias 06 e 11 de abril de 2017 (Secretário


de Comunicação e de Cultura e Turismo, respectivamente), nas sedes dos
órgãos4. Foram realizadas questões semiestruturadas referentes ao conceito
da gestão de comunicação pública turística, relação entre cultura e turismo,
importância do turismo para Salvador, principais aspectos do turismo no
destino e preparativos para o receptivo.
O monitoramento das páginas AmaBarra-SOS Barra e do Fórum per-
manente do Rio Vermelho ocorreu durante o ano de 2017, em períodos es-
porádicos (no mínimo duas vezes a cada mês da investigação. Foram veri-
ficadas interatividades realizadas a partir de 2013 – quando se inicia a atual
gestão municipal, reeleita em 2016).
Já o monitoramento da Fanpage da Prefeitura ocorreu entre janeiro de
2017 e janeiro de 2018 também em períodos esporádicos. A partir de de-
zembro de 2017, foram realizados acessos diários à página. Segundo os
gestores, neste mês, iniciam-se as manifestações populares que integram
o calendário turístico do município e a gestão intensifica a comunicação tu-
rística.
A revisão de literatura ocorreu durante todo o processo de produção
deste artigo. Tem-se uma narrativa interdisciplinar, reunindo pesquisadores
em comunicação turística e organizacional, cultura digital bem como críticos
da relação entre comunicação e sociedade.

3 Contextualizações sobre estudos da comunicação tu-


rística
A dinâmica das redes digitais propõe que as organizações, sejam elas de
mídia ou governamentais e empresariais, devem edificar processos comu-
nicacionais dotados de convergências tecnológicas, políticas, mercadológi-
cas e sociais nos quais estão trocas de informações e de experiências para
a promoção de realizações coletivas, de modo a gerar conexões múltiplas
e inovadoras. No entanto, alguns estudos reduzem a comunicação turísti-
ca a estratégias mercadológicas, considerando-a como uma ‘ferramenta do
marketing turistico’.
Litvin, Goldsmith e Pan (2017) ressaltam a importância das Tecnologias

4 A Secretaria de Comunicação funciona no Palácio Thomé de Souza, sede do gover-


no, na praça de mesmo nome, no Centro Histórico, e a de Cultura e Turismo na Graça, um
bairro de classe média alta do Salvador.

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de Informação e Comunicação (TIC) para o marketing turístico, a partir de


processos interativos gerados entre organizações e clientes. Os autores res-
saltam a importância de se conhecer a origem de conteúdos manifestos em
redes, identificando quem exerce influência e quem é influenciado, quem
comenta e por quê, com o objetivo de desenvolverem estratégias de con-
vencimento.
Liu e Park (2015) consideram que as avaliações dos usuários da inter-
net sobre os ‘produtos turísticos’ podem afetar diretrizes organizaconais,
especificamente suas estratégias de comunicação, tornando úteis manifes-
tações dos usuários sobre suas práticas nos locais. Para os autores, o po-
der de influência do usuário, a quantidade e qualidade de suas publicações
referentes aos serviços e produtos são fatores que afetam a utilidade das
manifestações online. Com isso, apostam nos digital influencers como fator
de promoção turística, o que reduz o processo produtivo da comunicação à
subtividades de famosos.
Mendes Filho, Mills, Tan e Milne (2017) creem que ‘consumidores’ têm
nas plataformas digitais novos espaços para afirmação de vontades e dese-
jos, constituindo novos mecanismos de empoderamento. Conforme ponde-
ram, turistas podem utilizar de sites, blogs e redes sociais para decidirem
sobre suas viagens, considerando as manifestações de outros internautas.
O empoderamento seria, nesse contexto, um tipo de motivação para exer-
cutar uma ação que se manifesta como mudanças comportamentais em
quatro cognições ou tarefas e avaliações: significado, competência, autode-
terminação (escolha) e impacto. Tais proposições devem ser utilizadas nas
estratégias de marketing das empresas.
Uma crítica a estas pesquisas é que elas não pensam o destino de for-
ma integrada, mas na promoção isolada de equipamentos e prestadores de
serviços. De acordo com Cooper, Hall e Trigo (2011), tratam-se de estraté-
gias que reproduzem procedimentos do marketing de relacionamentos cujo
objetivo principal é estimular o consumo de produtos turísticos institucio-
nalizados. Buscam-se técnicas comunicacionais voltadas para antecipar e
fomentar desejos, vontades e gostos, e para criar necessidades imediatas,
nas quais, o prazer se opõe ao cotidiano, como se este fosse apenas uma
extensão do trabalho.
Estes estudos da comunicação turística equivalem a atualizações da
Escola Americana (MATTELART, 2004), pois apresentam medidas quantita-
tivas, caráter funcionalista e concepção da sociedade enquanto formação

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de públicos alvos (segmentos turísticos) a serem atingidos por signos que


provocam efeitos mentais imediatos, criando muitas vezes estereótipos so-
bre os lugares. Turistas são compreendidos como organismos sociais, cujos
desejos e vontades podem ser atingidos por dispositivos comunicacionais
devidamente estruturados. Em vez de gerarem tendências de turismo, ali-
mentam a ‘indústria do turismo’.
Para Dencker (2015, p. 41), tendência de turismo é um processo de mu-
danças que resulta da observação de comportamentos dos cidadãos para a
criação de sistemas de inovações capazes de gerar mudanças de estilo de
vida, inspirando a criação de novos hábitos sociais e de consumo incorpo-
rados ao cotidiano das pessoas. O que difere das perspectivas encontradas
nos estudos da comunicação turística citados, que propõem transformar es-
tilos de vida em marketing turístico, alimentando a ‘indústria do turismo’ –
termo baseado no conceito de indústria cultural.

O poder da indústria cultural provém de sua identificação com a


necessidade produzida, não da simples oposição a ela, mesmo
que se tratasse de uma oposição entre a omnipotência e impotên-
cia. – A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo
tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de tra-
balho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfren-
tá-lo. [...] A indústria cultural tem a tendência de se transformar
num conjunto de proposições protocolares e, por isso mesmo, no
profeta irrefutável da ordem existente. Ela se esgueira com ma-
estria entre os escolhos da informação ostensivamente falsa e da
verdade manifesta, reproduzindo com fidelidade o fenómeno cuja
opacidade bloqueia o discernimento e erige em ideal o fenómeno
omnipresente (ADORNO E HORKHEIMER, 1947, p. 63-70).

Como explica Mattelart (2004), essa a lógica da indústria cultural pro-


põe a atualização contínua de bens de consumo, por isso, as pesquisas de
opinião dos autores da comunicação turística em análise representam es-
tratégias do marketing voltadas para contextualizar vontades e desejos
imediatos do ‘consumidor’. Possibilitam a criação de intenções de consu-
mo, alimentando a atualização da indústria ao mesmo tempo em que gera
necessidades imediatas aos cidadãos. Geralmente, priorizam organizações
comerciais, desconsiderando o papel dos poderes públicos para a promo-
ção dos destinos.
Estas abordagens apontam para a necessidade de reestruturações de
sistemas de valores da gestão da comunicação turística, incluindo atualiza-

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ções da cultura, formas como residentes e turistas percebem o turismo bem


como o papel do poder público. Para Costa (2020), a cidade virtual turística
pode representar uma estratégia para o governo municipal, pensando na
conexão entre perspectivas de organizações e cidadãos. Também denomi-
nada de cidade digital ou cibercidade, essa ambiência corresponde à organi-
zação de elementos do urbano no ciberespaço, sinalizando suas potenciali-
dades e complexidades.
O processo exige que se conheça ao máximo a dinâmica do lugar, para
que a projeção não se torne uma metáfora simplificadora. “O design deve
explorar o potencial de conexão entre as pessoas e evitar ser uma simples
transposição espacial do espaço. O modelo não deve ser substitutivo, nem
transpositivo, mas complementar” (LEMOS, 2001, p. 17). Na cidade digital,
instituições públicas e privadas, conselhos municipais, associações de mora-
dores, escolas, igrejas, museus e demais sistemas sociais se cruzam, consti-
tuindo infovias turísticas. Por elas, residentes e turistas podem se conectar,
trocarem experiências sobre especificidades do lugar, compartilharem in-
formações, executarem serviços, fomentando diversos processos interati-
vos.
A cidade virtual representa uma tentativa de promoção de igualdade de
oportunidades e o acesso público e universal à informação. Esta extensão
da cidade é uma possibilidade de superação de antagonismos sociais, a par-
tir da redistribuição de poder, que passa a deslocar-se de um ponto central,
ou seja, de instituições que sempre governaram de cima para baixo, para um
“novo paradigma de poder distribuído democraticamente e compartilhado
por todos nós” (JENKINS, 2009, p. 290). E este novo paradigma, não se limi-
ta à comunicação midiática (jornalismo, publicidade, entretenimento), mas
a todas as organizações que dependem da produção de informações para
fazerem circular suas ações, ideologias e serviços.
Governos, empresas turísticas e cidadãos podem desenvolver por meio
de redes digitais estratégias que lhes permitam encontrar soluções conjun-
tas para problemáticas sociais, atualizando suas identidades de acordo com
as transformações locais. A comunicação turística por meios digitais deve
estabelecer conectividade entre mídias, setores sociais, políticos e empresa-
riais; deve colaborar para potencialização de ações, antecipar informações,
facilitar compras de mercadorias e aquisições de serviços. Ainda, deve pôr
em relação direta residentes, organizações e turistas, permitindo que o in-
ternauta construa seus próprios roteiros para usufruto da cidade.

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Portanto, a internet é ambiente ideal para a gestão da comunicação tu-


rística baseado em inteligências coletivas e fomento ao desenvolvimento
de sistemas sociodigitais, que podem ser edificados a partir da interativi-
dade em redes digitais, como as fanpages. Com base em Lumhann (2005) e
em Madonado (2007), Costa (2020) entende o sistema sociodigital turístico
como uma ambiência informacional flexível a partir da relação simbiótica
entre estruturas de redes digitais e dinâmicas sociais do centro receptivo,
na qual circulam signos da cultura que permitem compreensões sobre per-
fis cognitivos, práticas cotidianas e inteligências coletivas que por sua vez
compõem memórias individuais e sociais, fomentando modificações nas re-
lações sociais e estruturas urbanas.
Trata-se de um sistema de inteligibilidade, cuja autopoiese deriva da ra-
cionalidade tecnológica e da dinâmica cultural. De acordo com a perspecti-
va de Lohmann e Panosso Neto (2012), o sistema sociodigital turístico deve
envolver meio ambiente (local em que o sistema se encontra), elementos
internos e externos (as partes do sistema) e a relação entre eles. Ainda, de-
vem ter especificidades (atributos), produção, recepção, dissipação e orga-
nização de conteúdos que correspondem a processos de input (o que entra
no sistema), output (o que sai do sistema) e feedback (o controle do sistema
para mantê-lo funcionando corretamente), constituindo um modelo repre-
sentativo e operacional.
Nas trilhas de Sodré (2014), considera-se que o sistema sociodigital tu-
rístico se configura como uma forma de vida social, na qual as atividades e
valores humanos são pautados pela digitalização, constituindo ‘ecossiste-
mas tecnológicos’. Trata-se de uma ambiência de redescrição de questões
localizadas e do universo semiótico que envolve as pessoas por meio de pla-
taformas interativas.
Por meio do sistema, podem-se gerar novas perspectivas educacionais
e democráticas e colaborar para que interlocutores assumam posturas mais
conscientes e coletivas referentes a temas de interesses comuns. Com base
na visão de Freitas e Brandt (2019), considera-se que o sistema sociodigital
turístico contribui para o fortalecimento do diálogo entre gestão municipal
e cidadãos, estimulando suas participações nas tomadas de decisões refe-
rentes a suas áreas de interesse. Dinâmica que para Machado, Durante e
Viegas Junior (2019) coopera para o gerenciamento de crises.
A ideia de sistema sociodigital turístico propõe que se compreenda o
turismo como um processo cultural associado diretamente a produções co-

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municativas que, na contemporaneidade, correspondem a processos inte-


rativos, por meio dos quais se estabelecem conexões diretas entre poderes
públicos, empresas, residentes e visitantes. A comunicação torna-se, por-
tanto, um fenômeno regulador da cultura turística, deixando de ser uma
mera ‘ferramenta de marketing turístico’.
Propõe-se que a produção de sistemas sociodigitais turísticos deve
construir movimentos cíclicos e interdependentes entre percepções, expe-
riências e formulações cognitivas, conectando práticas sociais e produções
comunicacionais em um ciclo que gera continuamente novas formas comu-
nicativas e novas produções culturais. A seguir, estão apresentadas experi-
ências de organizações de residentes de bairros turísticos de Salvador que
representam sistemas sociodigitais. Também se discutem práticas comuni-
cacionais turística da administração municipal, observando seus efeitos na
cultura soteropolitana.

4 As diferentes baianidades no Facebook


Movimentações de residentes da capital baiana no Facebook oferecem
um ponto de partida para se refletir sobre as diferentes realidades pro-
postas pela comunicação turística. As fanpages do governo municipal e de
bairros da cidade apontam para uma população dinâmica e interativa, que
encontrou na rede um meio para revelar suas perspectivas, valores, expe-
riências, angústias, anseios, posicionamentos políticos e suas concepções
sobre a cidade. Afinal, “o que parece relevante em perspectiva macro-social
é a teoria de que a sociedade constrói a realidade social através de proces-
sos interacionais pelos quais indivíduos e grupos e setores da sociedade se
relacionam” (BRAGA, 2006, p. 11).
Por meio do Facebook, soteropolitanos não apenas produzem conheci-
mentos e memórias, mas também estão interferindo na dinâmica local. As
fanpages dos bairros da Barra e do Rio Vermelho ilustram esta constatação.
Amabarra-SOS Barra e Fórum Permanente do Rio Vermelho, que no perío-
do de monitoramento reuniam respectivamente 8.925 e 3.548 seguidores,
ganharam notoriedade na capital, chamando a atenção dos governos. Por
meio das redes, os residentes organizavam movimentos culturais, manifes-
tações públicas e convocavam assembleias em espaços físicos para finaliza-
ções das propostas discutidas no ambiente digital.
Pela interatividade no Amabarra-SOS Barra, a população conseguiu que
a prefeitura transferisse a festa do Réveillon do Farol da Barra, para outro

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espaço da cidade. A mudança culminou na intensificação de ações de manu-


tenção do monumento, redefinindo sua função como paisagem, patrimônio
e atrativo turístico. Os moradores da Barra também propuseram ao governo
a normatização do volume do som dos trios elétricos e seus locais de con-
centração durante o Carnaval, bem como a regulamentação do horário de
início e término dos desfiles de trios e blocos, no circuito Barra-Ondina. In-
tegrantes do Rio Vermelho em Ação elaboraram diversas petições, exigindo
da prefeitura transparência nas obras de requalificação do bairro, mobilizan-
do imprensa, Ministério Público, empresários, políticos e toda a sociedade.
Estas ações representam a ideia de sistema sociodigital, pois nos pro-
cessos interativos por meio das fanpages estão interdependências entre os
interlocutores, de modo que um acaba influenciando o outro, construindo
comunicações por meio de inteligências coletivas. Fomentam-se relações
horizontais entre instituições e cidadãos, apontando para consolidações de
protocolos culturais democráticos. Verifica-se a incorporação do turismo ao
cotidiano popular e um processo de organização social por meio da plata-
forma digital. Como explica Jenkins (2009, p. 131), “as comunidades onli-
ne proporcionaram aos “consumidores inspiradores” um lugar onde expor
suas resistências às novas formas de comercialismo”.
Tal dinâmica apontam para um novo cenário da comunicação turística
contemporânea, no qual o residente do centro receptivo não somente pro-
duz informações, mas também reivindica participação nas tomadas de deci-
sões públicas. Como considera Marcuse (2013), essas relações apresentam-
-se como ‘realizações da civilização’, indicando o desejo dos cidadãos em
construírem o cotidiano de acordo com suas concepções de prazer, como
se fossem ‘reconstruções do paraíso’.
Nas fanpages dos bairros da Barra e do Rio Vermelho estão vontades de
verdades e buscas pela liberdade de expressão e rupturas com mecanismos
de dominação criados pelos governos. Principalmente, nota-se que a postu-
ra popular tem exigido das gestões públicas nova atuação frente à produ-
ção da comunicação turística. Os exemplos reiteram as plataformas como
representações sociais e importantes lugares de reflexões sobre o turismo
em Salvador, influenciando outros soteropolitanos a questionarem as inter-
venções públicas nas áreas institucionalizadas como turísticas, como está
representado abaixo.
As fanpages dos bairros promovem processos cíclicos entre manifesta-
ções em rede digital e organização social. Nota-se o protagonismo do turis-

Rev. Cad. Comun., Santa Maria, v.25, n.1, art 8, p.11 de 22, Jan/Abr.2021
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mo no pensamento do soteropolitano, não apenas como uma possibilida-


de esporádica de obtenção de lucros, mas como fator intrínseco à vida – o
turismo gera tendências. Reitera-se a importância das redes digitais para
a democracia e exercício da cidadania, já que permitem a proliferação de
discursos múltiplos, materializando o diálogo e a troca de ideias entre inter-
locutores, como sugerem Freitas e Brandt (2019).
Esta contextualização é reafirmada pela interatividade na Fanpage da
Prefeitura do Salvador que, até o final do processo de monitoramento, so-
mava o total de 250.619 seguidores. Entre os meses de dezembro de 2017
e janeiro de 2018, contabilizou-se o total de 109.009 processos interativos,
considerando visualizações de vídeos, compartilhamentos, comentários,
likes e deslikes e manifestações de emoticons. Esse total de interatividade
envolveu 49 postagens realizadas pela prefeitura, das quais 18 referiam-se
à promoção turística e 31 a realizações em outros setores. Porém, o total
de processos interativos nas publicações turísticas (88.575) foi quase qua-
tro vezes maior que as geradas nas publicações referentes a outros setores
(20.434).
No entanto, não se pode dizer que essa dinâmica constitui sistemas so-
ciodigitais, visto que não há um movimento cíclico entre as manifestações
populares e as produções da prefeitura em sua fanpage. As postagens da
organização, não ofereciam respostas às questões e solicitações populares,
parecendo seguir um cronograma de publicações pré-determinado, com
ocorrem nos sistemas fechados de comunicação. As Figuras 01, 02 e 03 ilus-
tram este contexto.

Rev. Cad. Comun., Santa Maria, v.25, n.1, art 8, p.12 de 22, Jan/Abr.2021
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Figura 01: ‘já diziam uns barbudos por aí: “Aponta pra fé e rema”

Publicação de promoção turística na fanpage da Prefeitura Municipal de Salvador.

Publicada às 19h07, do dia 13/01/2017, a postagem traz uma fotografia do


pôr do sol na Baía de Todos os Santos, com o slogan "Já diziam uns barbudos
por aí: Aponta pra fé e rema" e a hashtag "#CapitalOficialdoVerão". Sete dias
após a disponibilização, registraram-se 589 curtidas, 37 compartilhamentos,
14 comentários, entre os quais, 12 reiteram o imaginário dissipado pelo go-
verno, outros dois manifestam problemáticas referentes à infraestrutura ur-
bana, conforme as figuras 02 e 03.

Rev. Cad. Comun., Santa Maria, v.25, n.1, art 8, p.13 de 22, Jan/Abr.2021
cadernos de comunicação
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Figura 02: ‘já diziam uns barbudos por aí: “Aponta pra fé e rema”

O usuário utiliza a hashtag #capitaloficialdoverão para tecer críticas sobre a gestão


do turismo em Salvador.

O usuário da Figura 02 reproduz a postagem por meio da hashtag ‘ca-


pitaloficialdoverão’, fazendo uma crítica às intervenções da atual gestão,
reverberando manifestações dos movimentos Amabarra-SOS Barra e Fórum
Permanente do Rio Vermelho sobre as obras de requalificação dos respecti-
vos bairros. No mesmo tom de críticas, o último usuário da Figura 03, abai-
xo, faz sua manifestação no próprio espaço de comentários da postagem,
articulando fotografia e texto, com um fragmento em caixa alta, que na lin-
guagem do Facebook significa falar alto: “Praia do Farol da Barra hoje... tris-
te ver um dos locais mais emblemáticos entregue, TODOS OS DOMINGOS,
à baderna”.

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Figura 03: Comentários de usuários na postagem ‘aponta pra fé e rema’

Os comentários indicam a fanpage municipal como local de debates públicos no


qual os usuários manifestam suas percepções sobre a cidade

Na Figura 03 acima, a prefeitura interagiu apenas com o primeiro usuá-


rio, que corrobora com seu discurso. Na interação, a administração pública
diz que em Salvador “a gente gosta de tudo um pouco”. A reposta gera uma
ideia de ‘local da permissividade’, mas também está relacionada à noção
de multiplicidade cultural e festividade contida em conceitos de turismo e
de cultura e turismo, definidos pelo então Secretário de Cultura e Turismo,
apresentados abaixo.
Turismo:

A prefeitura entende o turismo como um vetor de desenvolvimen-


to econômico e social para a cidade do Salvador, e evidente com
uma ênfase importante em virtude da característica ou da voca-
ção econômica da cidade do Salvador, sobretudo, nos últimos 50
anos quando a cidade perdeu uma indústria instalada; uma indús-
tria de transformação, e passou a ter em serviços e, sobretudo,
no turismo a sua principal produção, movimentação econômica e
geração de emprego. Então, a prefeitura vê o turismo como esse
vetor de desenvolvimento da cidade, vinculado evidentemente às
consequências dessa atividade no âmbito da promoção da cidade.
Foi através do turismo que Salvador se projetou nacional e inter-
nacionalmente. (SECRETÁRIO DE CULTURA E TURISMO DE SALVA-
DOR, 2017, entrevista para a pesquisa)

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Cultura e turismo:

Tem alguns aspectos de atração turística que envolve questões da


história, da cultura local; e Salvador, em particular, possui diversos
fatores de atração turística como, por exemplo, as belezas natu-
rais, sol e praia, como uma das motivações do turismo e lazer; ain-
da, no sentido de turismo de lazer, um calendário de festas popu-
lares, com força suficiente para atrair a atenção de visitantes, não
só pelo aspecto da dimensão, mas também daquilo que envolve
o sincretismo religioso, as manifestações artísticas e culturais; a
expressão maior da festa, o Carnaval. (SECRETÁRIO DE CULTURA
E TURISMO DE SALVADOR, 2017, entrevista para a pesquisa)

O secretário destaca também a gastronomia e a vocação de Salvador


como cidade cosmopolita. Pontua ícones do patrimônio material e imate-
rial como Elevador Lacerda5, Pelourinho6, capoeira, religião e misturas ét-
nicas como aspectos que fortalecem o imaginário turístico e criam “uma
identidade’ própria de Salvador. “A apropriação desse patrimônio é a maior
representação da cultura com o turismo”, afirmou o secretário, separando
turismo da cultura.
Em síntese, o gestor apresenta uma visão da cultura e turismo como
um somatório de elementos estáticos e históricos, interligados pela pers-
pectiva econômica. Tal perspectiva representa uma política neoliberal que
se apropria de tecnologias para dissipação das ideologias de governo. A
comunicação e o turismo tornam-se mecanismos de consenso (BABERO,
2015), cujas transformações centram-se no antigo modelo de gestão um
para todos. O conceito de comunicação organizacional definido pelo então
Secretário Municipal de Comunicação contextualiza esta formulação.

A comunicação organizacional (pública) representa um esforço de


mostrar ao público o que está sendo feito dentro de uma política
determinada pelo prefeito, que compreende eficiência, racionali-
dade dos serviços públicos e inserir Salvador no patamar das ino-
vações” (SECRETÁRIO DE COMUNICAÇÃO, 2017, entrevista para
esta pesquisa).

5 O Elevador Lacerda é o primeiro elevador urbano do mundo, inaugurado em


08/12/1873, e até hoje faz o transporte entre a Cidade Baixa e Cidade Alta.
6 O Pelourinho é um bairro localizado no Centro Histórico de Salvador que integra o
Patrimônio Histórico da ONU.

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Pode-se dizer que expressões como “esforço de mostrar ao público”


e “política determinada pelo prefeito” apontam para a perspectiva de
Luhmann (2005) que institui a comunicação como um sistema fechado.
Nele, o fluxo de informações vai sempre do topo para as bases (um para
todos), de modo que a gestão mantém unicamente o controle sobre o que
é dissipado para a população, distanciando-se da noção de processos inte-
rativos que caracterizam a comunicação contemporânea e oportunizam a
realização de sistemas sociodigitais.
A constatação é reiterada pela gestão da comunicação turística pratica-
da pela Prefeitura do Salvador. Segundo informações dos então secretários
entrevistados, a promoção turística tem início no mês de outubro, com a
divulgação do Festival Virada Salvador (Réveillon), e é intensificada entre
os meses de dezembro (início das festas populares locais) e março, quando
é realizado o último evento do calendário de verão, Festival da Cidade, que
ocorre em comemoração à data de fundação do município (29/03).
Em toda a campanha, é difundido o imaginário da festa e da alegria com
o slogan: ‘Salvador, capital oficial do verão’, transformado em hashtag para
indicar postagens turísticas nas redes digitais. A estratégia inclui a veicula-
ção de produtos jornalísticos e publicitários em veículos impressos, eletrôni-
cos e digitais de alcance nacional e regional. A prefeitura também participa
de feiras nacionais e mundiais para promoção da cidade, e realiza eventos
de divulgação turística para agências e outros setores empresariais, em cen-
tros emissivos.
O recorte temporal de intensificação da campanha (dezembro a março)
aponta para uma visão mais econômica que social referente ao turismo e
para certa negligência com o residente, que só é estimulado a usufruir da
cidade em uma época do ano. O turismo é reproduzido como uma segunda
realidade do município, difundindo elementos que caracterizam uma ‘baia-
nidade idílica’, construídos ao longo da história pelos meios de comunicação
de massa.
Sá (2006) considera que a ideia de baianidade representa o sentimento
de diferença que baianos têm em relação ao resto do país e do mundo. Nele,
estão discursos particulares que indicam tanto consensos políticos com vis-
tas à dominação, quanto a base para a reprodução de uma multiplicidade de
bens simbólicos, negociados no mercado internacional da cultura.
Guerreiro (2005) considera diferentes ‘baianidades’. Uma que é a expe-
riência concreta das pessoas que interagem em Salvador e seu Recôncavo,

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mas também há a construção política de uma diferença regional e local bem


como uma baianidade que se delineia no mundo da literatura, música, dança,
artes plásticas, expressões culturais que estão ancoradas nesta mesma vida
cotidiana. E há a imagem turística que se apoia na interface entre as outras.
Essas baianidades estão representadas nas Figuras 01, 02 e 03 bem como
pela atuação dos residentes junto à cultura turística por meio das fanpages
dos bairros da Barra e do Rio Vermelho.
Essas representações sinalizam que a comunicação turística contempo-
rânea requer rupturas com modelos deterministas, nos quais interlocuto-
res devem interferir diretamente na produção comunicacional e no próprio
planejamento da cidade. Afinal, nas interatividades das postagens turísticas
nas fanpages analisadas, estão percepções de residentes e turistas sobre a
cidade, sinalizando suas relações com o espaço físico e suas compreensões
sobre a cultura, que sinalizam o turismo incorporado ao cotidiano e não
como uma segunda realidade.
A interatividade no Facebook sinaliza que há uma cultura turística so-
teropolitana cujos fluxos envolvem convergências entre aspectos sociais,
ambientais, econômicos, políticos, urbanos e tecnológicos na mente dos ci-
dadãos. Os seguidores das fanpages analisadas apresentam consciências e
interesses diversos referentes à cultura turística, na qual há uma inter-rela-
ção entre fatores que constituem diferentes modos de vida. Suas manifesta-
ções apontam para formas de compreensões sobre aspectos institucionais,
sociais, econômicos, políticos, tecnológicos e das formas de como o poder
municipal se relaciona com a cidade e com turismo.
Estas dimensões exigem que a prefeitura desenvolva uma estratégia co-
municacional dinâmica e autopoiética diferente da gestão retórica e impo-
sitiva praticada pela atual administração. Em Costa (2020), a comunicação
turística deve constituir-se enquanto sistemas de inteligibilidade voltados
para o fomento a construções coletivas e intervenções no ambiente social,
possibilitando que governos, cidadãos e empresas possam debater sobre
aspectos da cultura, sinalizando formas de como estão relacionados turis-
mo e cotidiano.
A comunicação turística deve envolver codificações e decodificações
de conteúdos diversos alojados na cultura para serem dissipados por dife-
rentes formas e formatos. Estas devem constituir-se como dispositivos dis-
cursivos, obedecendo às estruturas tecnológicas e linguagens das platafor-
mas de mídia. A comunicação turística praticada pela Prefeitura de Salvador

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deve estabelecer conexões múltiplas entre plataformas de mídias e conte-


údos, construindo um sistema sociodigital. Tanto a instância de delimitação
quanto residentes e organizações sociais e econômicas do município devem
participar do processo de produção de conteúdos, gerando elementos que
representam as diversas baianidades de Salvador.
Assim, podem constituir “um processo endógeno, autônomo e demo-
crático, que permite aos cidadãos exercerem sua cidadania plena” (MACHA-
DO, DURANTE E VIEGAS JUNIOR, 2019, p. 4). Tal processo permite a todos
participarem das decisões sobre as ações públicas e também fiscaliza-las.
Por esse caminho, compreende-se que as críticas e cobranças dos cidadãos
podem servir de subsídios para autoanalise da gestão, cooperando para o
desenvolvimento de estratégias de inibição e/ou o gerenciamento de crises
organizacionais.
Para Kunsch (2016), a gestão da comunicação de organizações públicas
representa um processo de organização de conteúdos e ações pertinentes
ao desenvolvimento social. Isso implica que o governo municipal deve pro-
mover caminhos para a articulação dos empreendimentos turísticos e pers-
pectivas populares, mas não subordinar as comunidades e instituições às
suas ideologias. Trata-se de um processo de cocriação, que aponta para ges-
tão compartilhada, apropriando-se da potencialidade operacional de tecno-
logias disponíveis.

5 Considerações
As interações a partir de postagens turísticas referentes à capital baiana
no Facebook propõem que a comunicação da cidade turística corresponde à
construção de arcabouços de significações sobre estruturas locais, ou seja,
sobre a totalidade de aspectos da natureza e da cultura cotidiana que apon-
tam para identidades específicas e que têm potencialidades para atrair visi-
tantes e motivar residentes a consumirem a própria cultura, atualizando-a
continuamente.
O Facebook é um local de identificação dos signos populares sobre a cul-
tura turística. Importante destacar que somente as manifestações em rede
não caracterizam de fato o conhecimento e perspectivas dos cidadãos so-
bre a cidade, mas são pontos de partida para atingi-los. Compete à adminis-
tração municipal elencar e organizar elementos signicos para compor pro-
cessos comunicacionais turísticos democratizantes, com a perspectiva do
sistema sociodigital.

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O sistema sociodigital alimenta rituais interativos que envolvem diferen-


tes interlocutores, estabelecendo ciclos contínuos entre trocas informacio-
nais e intervenções no espaço físico por meio de redes digitais. Esse mo-
vimento, além de caracterizar processos de participação, convergências e
conexões, aponta para a produção de sentidos da cultura local a partir de
comunicações turísticas, já que a atividade exerce um protagonismo no pen-
samento popular de Salvador.

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Moabe Breno Ferreira Costa

Doutor em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande


do Norte (UFRN). Possui graduação em Comunicação Social,
pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), e mestrado
em Cultura e Turismo, pelo programa integrado entre a Uni-
versidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e a Universidade Fe-
deral da Bahia (UFBA). É professor universitário e tem expe-
riência em assessoria de comunicação de cidades turísticas.
E-mail: [email protected]

Maria Lúcia Bastos Alves


Doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo
(2004) e Pós-doutorado pela University of Roehampton, UK.
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN) e mestre em Ciências Sociais
pela mesma instituição. É professora Associada IV da UFRN,
com atuação no Programa de Pós Graduação em Ciências
Sociais (Mestrado e Doutorado) e de Turismo (Mestrado e
Doutorado).
E-mail: [email protected]

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