4 Divisão Social Do Espaço e Fragmentação Socioespacial

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Artigo

Mercator, Fortaleza, v.21,e21015, 2022. ISSN:1984-2201

DIVISÃO SOCIAL DO ESPAÇO E


FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL
https://doi.org/10.4215/rm2022.e21015
Vanessa Moura de Lacerda Teixeira ᵃ* - Cláudio Smalley Soares Pereira ᵇ - Cleiton Ferreira da Silva ᶜ
(a) Doutorado em Geografia. Université Jean-Moulin, Lyon, França.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1537-1723. LATTES: http://lattes.cnpq.br/3457980486066606.
(b) Doutorado em Geografia. Professor da Universidade Federal de Pernambuco, Petrolina (PE), Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4624-4057. LATTES: http://lattes.cnpq.br/3198754128199522.
(c) Doutorado em Geografia. Universidade Federal de Pernambuco, Petrolina (PE), Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3846-763X. LATTES: http://lattes.cnpq.br/1502258455082335.

Article history: (*) CORRESPONDING AUTHOR


Received 29 December, 2021 Address: UNESP. Vila Santa Helena, Presidente Prudente (SP), Brasil.
Accepted 20 June, 2022
Published 15 September, 2022 CEP:19060900. Tel: (+55 18) 32295388
E-mail: [email protected]

Resumo
O presente trabalho aborda a produção do espaço urbano em Mossoró, no Rio Grande do Norte, sob a perspectiva de análise que articula a divisão
social do espaço e a fragmentação socioespacial. A hipótese levantada é que, no contexto da urbanização contemporânea, a lógica urbana
fragmentária desempenha um papel significativo na estruturação e reestruturação dos espaços urbanos. A contradição centro-periferia se redefine,
associada à produção de novos espaços de consumo e à profusão de formas de habitação popular e espaços residenciais fechados. Para isso, o
mapeamento e cruzamento de dados destes mesmos espaços, as formas de habitação e, consequentemente entrevistas com citadinos que os habitam,
foram fundamentais para a análise. O artigo problematiza, portanto, o estudo da fragmentação socioespacial como possibilidade expressiva para se
compreender a urbanização brasileira contemporânea e conclui sobre as práticas espaciais e a apropriação do espaço como elemento fundamental
para a compreensão do processo de fragmentação nas cidades médias brasileiras.
Palavras-chave: Fragmentação Socioespacial, Centralidade Urbana, Divisão Social e Territorial do Trabalho, Mossoró, Brasil.

Abstract / Résumé
SOCIAL DIVISION OF SPACE AND SOCIO-SPATIAL FRAGMENTATION

This paper addresses the production of urban space in Mossoró, in Rio Grande do Norte State, through an analysis that articulates the social division
of space and socio-spatial fragmentation. The hypothesis is that, in the context of contemporary urbanization, the fragmentary urban logic plays a
significant role in structuring and restructuring urban spaces. The center-periphery contradiction is redefined, associated with the production of new
spaces for consumption and the profusion of popular housing forms and closed residential spaces. For this, the mapping and cross-referencing data
from these same spaces, the forms of habitation and, consequently, interviews with inhabitants, were fundamental for the analysis So, this article
highlights the study of socio-spatial fragmentation as an expressive possibility to understand contemporary Brazilian urbanization. It concludes on
spatial practices and the appropriation of space as a fundamental element to understand the fragmentation process in Brazilian medium-sized cities.
Keywords: Sociospatial Fragmentation, Urban Centrality, Social and Territorial Division of Labour, Mossoró, Brazil.
DIVISION SOCIALE DE L'ESPACE ET FRAGMENTATION SOCIO-SPATIALE

Cet article aborde la production de l'espace urbain à Mossoró, dans le Rio Grande do Norte, à travers une analyse qui articule la division sociale de
l'espace et la fragmentation socio-spatiale. L'hypothèse soulevée est que, dans le contexte de l'urbanisation contemporaine, la logique urbaine
fragmentaire joue un rôle important dans la structuration et la restructuration des espaces urbains. La contradiction centre-périphérie est redéfinie,
associée à la production de nouveaux espaces de consommation et à la profusion de formes d'habitat populaire et d'espaces résidentiels fermés. Pour
cela, la cartographie et le croisement des données, les formes d'habitat et, par conséquent, les entretiens avec les habitant, ont été fondamentaux pour
l'analyse. Par conséquent, l'article interroge l'étude de la fragmentation socio-spatiale comme une possibilité expressive pour comprendre
l'urbanisation brésilienne contemporaine et conclut sur les pratiques spatiales et l'appropriation de l'espace comme un élément fondamental pour
comprendre le processus de fragmentation dans les villes moyennes brésiliennes.
Mots-clés: Turismo; Costa brasileña; Urbanización; Desarrollo desigual; Guia Quatro Rodas.

This is an open access article under the CC BY Creative Commons license


Copyright © 2022, Universidade Federal do Ceará.
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Vanessa Moura de Lacerda Teixeira - Cláudio Smalley Soares Pereira - Cleiton Ferreira da Silva

INTRODUÇÃO
As dinâmicas econômicas, sociais e políticas do período da globalização produziram alterações
substanciais no âmbito das cidades ao redor do mundo. No Brasil, a urbanização se tornou um processo
chave para se compreender o território nacional, transformando o papel das cidades na divisão territorial
do trabalho e redesenhando a divisão social do espaço urbano, em um contexto de neoliberalismo e de
desigualdades socioespaciais.
Nesta pesquisa, as cidades e o fenômeno urbano são compreendidos no seio de totalidades
articuladas em movimento, conforme argumenta Silveira (2015), posto que se torna difícil compreender
um espaço urbano, em particular, desconsiderando as conexões e articulações que se estabelecem entre
as especificidades e as tendências gerais do período atual.
O objetivo deste artigo é discutir a apropriação desigual da cidade que consubstancia a
fragmentação socioespacial, em função da divisão social do espaço, além de relacionar esta divisão à
concentração de comércio e serviços e a espacialização da habitação dos respectivos citadinos na cidade
de Mossoró/RN. A divisão social do espaço, portanto, será compreendida a partir da articulação do
processo de fragmentação socioespacial e suas relações com a apropriação desigual e a produção do
espaço1. Busca-se, desta maneira, analisar como o uso da cidade por diferentes grupos socioeconômicos
têm influenciado no modo de vida urbano, ao mesmo tempo em que uma nova condição de centralidade,
então criada, reflete novas formas de consumo do espaço urbano, em um contexto de redefinição da
relação centro-periferia.
Do ponto de vista metodológico, realizou-se um mapeamento cruzando-se dados de localização
dos principais conjuntos de habitação popular representados pelo Programa Minha Casa Minha Vida
(PMCMV)2 e de Espaços Residenciais Fechados (ERF) de alto e médio padrão, com as atividades de
comércio, serviços públicos e privados, mobilidade e lazer. Utilizou-se, ainda, de oito entrevistas3
realizadas com citadinos, dos quais quatro integram os chamados habitats populares (moradores do
PMCMV faixa 1, com renda familiar entre 1 e 3 salários-mínimos), e quatro moradores que habitam os
ERF, integrantes das classes média e alta. A ideia foi tentar capturar práticas espaciais por meio da
identificação dos locais de trabalho e consumo destes entrevistados. Parte-se, portanto, do pressuposto
que a divisão social do espaço urbano tem expressado na maneira como os moradores se apropriam,
vivem, consomem e desfrutam a cidade, de modo que estas ações cotidianas revelam o processo de
fragmentação socioespacial na produção do espaço.
Com base nisso, a pesquisa apoiou-se em um referencial teórico-metodológico que aborda a
fragmentação socioespacial, tendo em vista as relações que este processo estabelece com as dinâmicas
de redefinição da contradição centro-periferia no espaço urbano e o modo como os citadinos, por meio
de suas práticas espaciais e seu “capital espacial”, contribuem para a divisão social do espaço e o
processo de produção espacial da cidade, notadamente devido ao uso e apropriação do espaço urbano.
O artigo está dividido em duas partes. A primeira parte aborda a divisão social do espaço urbano e
sua articulação com a fragmentação socioespacial. A segunda parte analisa a apropriação desigual e
fragmentada pelos sujeitos sociais, bem como a conformação territorial referente aos espaços de
concentração comercial e de serviços ao longo dos anos. A análise de Mossoró fomenta debates teóricos,
conceituais e empíricos a respeito das formas de apropriação da cidade e os principais componentes que
problematizam o processo de fragmentação socioespacial.

A DIVISÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E A


FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL: ASPECTOS
CONCEITUAIS
A divisão social do espaço se articula neste artigo com a fragmentação socioespacial, a qual
assume uma importância central no âmbito nos estudos sobre a produção do espaço urbano no período
contemporâneo. Esclarecer esses conceitos é, portanto, fundamental.
O conceito de fragmentação socioespacial é bastante complexo e perpassa uma importante
literatura desde os anos 1960, estudada e atualizada por diversos autores (cf. SPOSITO; GÓES, 2013;

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NAVEZ-BOUCHANINE, 2002; PRÉVÔT-SCHAPIRA; PÍNEDA, 2008; PRÉVÔT-SCHAPIRA, 2001;


RHEIN; ELISSALDE, 2004; SPOSITO, 2019a, 2020; LEGROUX, 2021). Sposito e Sposito (2020)
examinaram as diversas noções acerca da fragmentação apontando contribuições e insuficiências. Para
os autores, a fragmentação socioespacial é, ao mesmo tempo, um conceito multidimensional e
polissêmico.
Ao proporem uma maior precisão conceitual, Sposito e Sposito (2020) sugerem que a
fragmentação socioespacial deve ser considerada enquanto um processo que caracteriza a urbanização
contemporânea englobando, ao mesmo tempo que delas se distingue, a segregação, a autossegregação, a
segmentação socioespacial dos usos dos espaços de consumo etc. Nesse sentido, “fragmentação
socioespacial, conceito mais recente, pode abarcar os demais, sem com isso superá-los ou descartá-los,
mas sim incorporando-os na reflexão” (SPOSITO; SPOSITO, 2020, p. 3). Essa adjetivação
“socioespacial” é justificada pelos autores por revelar um fenômeno social e espacial, ou seja,
“articulações e codeterminações entre condições sociais e condições espaciais, tanto quanto se expressa
social e espacialmente” (SPOSITO; GÓES, 2013, p. 281). Tal concepção revela a particularidade da
urbanização contemporânea, sobretudo no âmbito do capitalismo pós-fordista e suscita questões e
reflexões sobre o modo como essa urbanização se realiza no capitalismo periférico.
Segundo Prévôt-Schapira e Pineda (2008, p. 76-79), a “fragmentação urbana” é caracterizada por
três dinâmicas: a) “competição institucional e segmentação da ação pública”; b) “a economia urbana
entre lugares, redes e fluxos”; e c) “a fragmentação sócio-espacial como desintegração social e
desarticulação urbana”. Esta última se refere à “análise da relação, muitas vezes contraditória, entre a
mudança social e as evoluções da estrutura urbana” (p. 75). Ainda que seja exatamente essa dinâmica da
fragmentação socioespacial que nos interessa, é importante frisar, concordando com ambos, que “a
interrelação entre essas três lógicas multiplica os pontos de fricção e intensifica os antagonismos entre
os atores e as redes que se disputam e se repartem no espaço urbano”, as quais ocorrem em
circunstâncias marcadas pelo “dinamismo econômico e o crescimento da desigualdade e da pobreza” (p.
75).
No que diz respeito aos propósitos deste artigo, é importante considerar as práticas espaciais como
sendo, ao mesmo tempo, condição e produto da fragmentação socioespacial, pois é nesse âmbito que se
pode observar a apropriação do espaço urbano. Assim, a definição de “capital espacial” proposta por
Prévôt-Schapira (2001, p. 49), como “o conjunto interiorizado de formas de relação (intelectuais e
práticas) de um indivíduo com o espaço considerado como um bem social”, que remete à análise do
espaço “em função das representações e dos usos que os indivíduos fazem dele”, será útil.
Apesar de os estudos na América Latina focalizarem a fragmentação socioespacial com maior
destaque para os espaços metropolitanos, conforme destacam Sposito e Sposito (2020), é notório que tal
processo, considerado enquanto uma dinâmica mais ampla da urbanização contemporânea, abrange
também espaços urbanos de diferentes complexidades. Nesse caso, as cidades médias brasileiras
apresentam sinais bastante eloquentes de que a fragmentação socioespacial já se tornou um processo que
as incorporou. O estudo de Sposito e Góes (2013) identificou que cada vez mais os elementos objetivos
e subjetivos que caracterizam a fragmentação socioespacial em cidades médias, estão associados aos
espaços residenciais fechados e a novas lógicas de localização do capital comercial, associados às
dinâmicas imobiliárias, ao medo e à insegurança.
Na fragmentação, há uma inter-relação entre a dimensão social e a complexificação de rupturas e
separações no tecido urbano contemporâneo (LEGROUX, 2021, p. 238):

Ela expressa i) um acirramento dos processos de segregação e diferenciação dos e nos diferentes espaços
urbanos, em termos de classes sociais e de funções atribuídas a estes (trabalho, lazer, moradia, etc.), e ii)
formas e conteúdos urbanos socioespaciais cada vez mais complexos, com ênfase nas rupturas e separações.

São as novas formas de produção e apropriação da cidade, calcadas em novas lógicas de


estruturação do espaço urbano. Esse processo, uma vez que tem fortes relações com as mudanças das
lógicas centro-periferia, tem relação direta com a divisão social do espaço. Como lembra Roncayolo
(1988), a divisão social e funcional do espaço mantém uma relação contraditória com a centralidade.
Essa relação aparece de forma clara, como nos modelos de Ecologia Urbana de Burgess, Hoyt e Harris e

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Ulmann (cf. RONCAYOLO, 1988; PEREIRA, 2016).


A divisão social do espaço urbano é concomitante à maneira pela qual o espaço é produzido. Na
perspectiva de Lefebvre (2000), o espaço é uma produção social e histórica, que intervém e condiciona a
produção social e as lógicas econômicas, políticas e culturais. Não é possível, nesse sentido, separar a
sociedade do espaço e, no modo de produção capitalista, o espaço assume contradições entre valor de
uso e valor de troca, produção social e apropriação privada, entre outras.
Em um de seus últimos textos, Lefebvre (1991, p. 16) afirmou que como parte um movimento de
“planetarização do urbano” o espaço se homogeneiza ao mesmo tempo que se fragmenta: “E assim que
o espaço social, enquanto se homogeneiza, se fragmenta em espaços de trabalho, de lazer, de produção
material, de serviços diversos”. Essa contradição é seguida da constatação de que “as classes sociais se
hierarquizam e se inscrevem no espaço, e cada vez mais”. Nesse processo, a metamorfose da cidade
lançou por terra as ilusões da modernidade, de uma vida urbana nova, inteiramente renovada; ao
contrário, o que se viu foi que “quanto mais a cidade se estende, mais as relações se degradam”,
demonstrando que “a vida na cidade não deu lugar a relações sociais inteiramente novas” (ibidem, p.
14).
O processo de fragmentação socioespacial, compreendido como fenômeno urbano
contemporâneo, evidencia-se por meio da ampliação da divisão social do espaço. O cerne deste processo
no urbano contemporâneo é o que Lussault (2009) chama de “princípio separativo”: “o urbano
contemporâneo é marcado, às vezes, pela afirmação mobilitária e pelo sucesso do princípio separativo.
A separação espacial das realidades sociais caracteriza a urbanização contemporânea” (LUSSAULT,
2009, p. 754). Trata-se de uma “nova condição urbana” (PEREIRA, 2020) na qual as cidades médias
estão imersas.
Encontramos tentativas importantes de entender a divisão social do espaço em Lipietz (1982),
Roncayolo (1988) e Sposito e Góes (2013). Esses autores enxergam a divisão social do espaço por
prismas distintos, mas estão de acordo com o fato deste processo ser fundamental para a compreensão da
cidade capitalista moderna. Lipietz (1982) argumenta que a divisão social do espaço “é um fenômeno
extremamente complexo”, no qual se fazem presentes a estrutura social, os efeitos das práticas sociais e
o poder das classes dominantes nos modos de produção do espaço e os papéis do Estado e do mercado.
Roncayolo (1988, p. 79) propõe uma relação entre divisão funcional e social do espaço. Ele identifica a
“divisão funcional do espaço” com a “distribuição das funções que descrevem a atividade urbana em seu
conjunto”; estas “respondem a exigências técnicas, as do comércio varejista, as instalações pouco
comuns ou os edifícios industriais”, e se inscrevem nos marcos da “competição econômica”. Já a
“divisão social do espaço”, segundo Roncayolo (1988, p. 80) não pode ser “medida” somente de acordo
com a “distribuição da residência”, mas envolve os “locais de encontro” e a desigualdade de poder do
acesso aos bens e à expressão cultural por parte dos diversos grupos sociais.
Por sua vez, Sposito e Góes (2013, p. 98-102) entendem a divisão do espaço em termos de
“divisão técnica” no que diz respeito a “usos e funções diferentes: residencial, comercial, de serviços, de
circulação”, ao passo que do ponto de vista social, a divisão do espaço refere-se à “como se apropriam
do espaço os indivíduos, os grupos e as classes”. Tanto Roncayolo (1988) como Sposito e Góes (2013)
defendem uma posição que usos e funções sejam articulados e relacionados, o que consistiria em uma
análise mais abrangente da divisão social do espaço.
Roncayolo (1988) argumenta ainda, que as noções de divisão social do espaço, juntamente com a
divisão funcional do espaço, articulam-se com a centralidade, apoiando-se mutuamente, ao mesmo
tempo que se contrapõem. É aí, por exemplo, que se pode compreender as lógicas que produzem a
cidade, a estruturação centro-periferia e as maneiras como as classes e os grupos sociais vivem e se
apropriam da cidade. Roncayolo (1988, p. 93-100) lembra, também, que a divisão social e funcional do
espaço leva em consideração os agentes sociais (políticos, econômicos) e os “modos de produção do
espaço” que relacionam preço do solo, habitação, comércios, lugares de encontro, intervenção pública
etc. Entende-se daí ser importante em seu argumento a ideia de que “a morfologia da cidade é, também,
social”, devido aos “grupos sociais, aos seus movimentos, as estruturas materiais que são construções
sociais e lugares de práticas” (RONCAYOLO, 2011, p.11).
Em Mossoró, assim como em muitas cidades médias brasileiras, o processo de fragmentação
socioespacial sinaliza para uma nova divisão social do espaço urbano, no qual, como veremos a seguir,

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as formas de estruturação do espaço urbano estão dialeticamente relacionadas com as práticas espaciais
e as formas de apropriação da cidade pelos citadinos.

APROPRIAÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO URBANO EM


MOSSORÓ
A pesquisa de campo, realizada em outubro de 2019, permitiu o estabelecimento de contatos com
“agentes bem-informados”4, com os quais realizou entrevistas e conversas informais. Tratam-se de
agentes públicos e privados (secretarias de habitação e planejamento urbano, agentes imobiliários,
entidades de classes ligadas ao setor imobiliário, etc.) que forneceram informações sobre as lógicas de
produção do espaço urbano, os direcionamentos dos novos capitais privados em termos de habitação e
de atividades comerciais e de serviços.
A cidade de Mossoró apresenta significativos índices de desigualdades sociais, uma vez que 38%
de sua população tem rendimento mensal per capita de até meio salário-mínimo (BANCO DO
NORDESTE, 2019), e com um nível de pobreza que varia entre 3,72%, 12,81% e 35,33% para os
extremamente pobres, os pobres e os vulneráveis à pobreza, respectivamente (Ibidem, n.p.). No outro
extremo, calcula-se, que os 20% mais ricos de Mossoró se apropriam de 57,6% da renda que é produzida
(ibidem, n.p.).
Pôde-se observar, empiricamente, a nova divisão social do espaço urbano de Mossoró, que tem,
além das estratégias espaciais dos capitais na redefinição da centralidade urbana, uma forte participação
do poder público na conformação espacial de empreendimentos residenciais dos setores populares e
setores da classe média e alta. Essas ações condicionam, do nosso ponto de vista, formas diferentes de
apropriação, vivência e cotidianidade dos moradores na cidade de Mossoró, ou seja, revelam os “capitais
espaciais” destes moradores, segundo expressão de Prévôt-Schapira (2001). Essas transformações já
vêm sendo registradas na bibliografia que estuda as transformações espaciais de Mossoró já há algum
tempo (ELIAS; PEQUENO, 2010; COUTO, 2017; DIAS, 2019

Figura 1 - Mossoró: Raio de proximidade e estabelecimentos de comércio e serviços por setor censitário.

Como se observa na figura 1, é possível interpretar a relação de distância dos ERF e

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empreendimentos do PMCMV, com os estabelecimentos de comércio e serviços. Esse mapa mostra que
alguns empreendimentos do PMCMV, em especial os da Faixa 1, são pouco providos de
estabelecimentos (comerciais e serviços) dentro de seus raios de proximidade de 500 metros e 1000
metros.Isso fortalece a tese de que tais moradores, por falta de equipamentos e serviços diversos,
precisam acessar outras áreas da cidade, em especial as centrais, para a realização de seu consumo e
atividades do cotidiano, como supermercados, shopping, bancos, equipamentos de saúde e educação
superior, fundamentalmente dependendo de um transporte público ineficiente e precário.
O mapa mostra, também, uma concentração de novos empreendimentos imobiliários verticais no
eixo noroeste-sudoeste, acompanhando a tendência de crescimento e expansão da cidade com fortes
investimentos do Estado nas esferas municipal, estadual e federal (pelo planejamento urbano) em
direção ao shopping-center Partage5, inaugurado em 2007, com grau de expansão também para outros
serviços, abarcando moradias, essencialmente, dos setores da classe média e alta da cidade, com fortes
ações do poder público (ELIAS; PEQUENO, 2010; COUTO, 2017; DIAS, 2019). Essa área também
conta com grandes capitais comerciais, com uma unidade do Atacadão (Carrefour), uma do Maxxi
(Grupo Big), além do campus Mossoró da Universidade Potiguar (UNP) e o empreendimento comercial
e residencial West Home & Business6, ao lado do shopping Partage. Uma unidade da Havan e o campus
da Uninassau estão em construção na mesma área.
Observa-se, portanto, que este espaço possui uma relativa infraestrutura urbana, enquanto os
habitats populares, assentaram-se em áreas periféricas e com limitados serviços e infraestrutura, ou seja,
o afastamento socioespacial dos mais pobres, em áreas menos dotadas de consumo coletivo e a
concentração dos ricos em áreas mais distantes do centro, servidas de bens e serviços públicos
(SPOSITO, 2019b). Nota-se, destarte, o papel do Estado como um importante agente da produção do
espaço urbano7. Esse eixo8, como observa-se no mapa, apresenta também uma forte concentração de
hipermercados e supermercados, o que possibilita aos moradores um melhor acesso às zonas de
consumo.
O shopping-center Partage, situado no bairro Nova Betânia, considerado uma zona de expansão
da cidade, vem fomentando um novo modo de consumir na cidade, para além da área central,
constituindo um processo em curso de multiplicação de áreas centrais ou de multicentralidade e, assim,
estruturando um elemento característico da fragmentação socioespacial, alterando, portanto, o padrão
monocêntrico que caracterizava anos anteriores (SPOSITO, 2007; WHITAKER, 2017) ou ainda
centralidades tradicionais (SPOSITO; GÓES, 2013).

Figura 2 - Mossoró: espaços comerciais, serviços e tipologias habitação.

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Indicativos desse processo de fragmentação socioespacial se dão a partir da associação entre


habitat, áreas comerciais, serviços e mobilidade, a partir da captura do cotidiano dos citadinos.
Entendemos que os empreendimentos imobiliários (especialmente de alto padrão) implantados próximos
ao shopping Partage reforçam a fragmentação socioespacial por criarem rupturas e fraturas
sócio-temporais no espaço urbano (CALDEIRA, 2000; LEGROUX, 2021). Os ERF’s tendem a isolar,
ainda que relativamente, os habitantes da vivência urbana no cotidiano, na medida em que retiram do
espaço público a possibilidade do contato urbano (SPOSITO; GÓES, 2013). Como demonstra um dos
entrevistados, morador de ERF: “Se eu tenho que sair eu vou nos lugares que tenha minhas melhores
referências e muitas vezes não é no bairro. Porque nosso condomínio é uma cidade (risos) (Morador
ERF)”. A fragmentação socioespacial é, nesse sentido, um aprofundamento da separação espacial que
visa diminuir ao máximo os contatos que são constitutivos da vida urbana. Um morador de ERF, se
expressou da seguinte maneira:

Nosso condomínio é um condomínio horizontal, é um condomínio de casas, então eu tenho um quintal, um


cachorro, eles (os filhos) dão uma voltinha com os cachorros na rua, eles respiram um ar diferente... eu tenho
colegas que têm filhos em apartamentos e a situação é mais complicada... porque o que limita o apartamento
do coletivo é talvez uma porta. Então a gente tem aqui um espaço maior pra eles se soltarem... Ah! Pra gente
também... de repente punha uma cadeira na calçada a gente vê o horizonte, a gente vê a nuvem se
aproximando, a gente vê o vizinho passando a dois metros de distância... então a gente consegue ter... ter mais
tranquilidade neste ponto… A gente tem conseguido resolver um bocado de coisa por aqui dentro mesmo, é
uma ilhazinha, é... vamos dizer assim, um castelo que se criou aqui, onde a gente tá conseguindo ter uma vida
diferente até nesses momentos de crise maior (Morador ERF).

Com relação aos habitats populares, 06 (seis) conjuntos do PMCMV da faixa 1 analisados neste
estudo, estão em média a 6,5 km do centro principal: Residencial Monsenhor Américo Simonetti,
Residencial João Newton Escossia, Residencial Jardim das Palmeiras, Santa Julia, Residencial Mossoró
I e Residencial Odete Rosado. Quase todos possuíam em 2010 em seu raio de proximidade de 1000
metros entre 21 e 51 estabelecimentos de comércio e serviços. O distanciamento de tais conjuntos da
área central, principal zona de concentração de comércio e serviços, reitera a necessidade de mobilidade
da população, ou seja, para a realização do deslocamento cotidiano, os citadinos necessitam acessar
meios de transporte.
Todavia, estudos sobre mobilidade já realizados e avançados em sociologia (SHELLER, 2014,
2017; URRY, 2000; KAUFFMANN et al., 2004) indicam que um aumento de mobilidade não significa
aumento de acessibilidade. Considerada como um termo polissêmico, a noção de mobilidade é
comumente confundida com outros conceitos como os de circulação, transporte, acessibilidade ou
trânsito, superando a ideia de deslocamento físico (BALBIM, 2016). O mesmo autor destaca que: “a
mobilidade está relacionada às determinações individuais: vontades ou motivações, esperanças,
limitações, imposições etc.”, que seriam para ele determinadas pela “organização do espaço, as
condições econômicas, sociais e políticas, os modos de vida, o contexto simbólico, as características de
acessibilidade e o desenvolvimento científico e tecnológico” (BALBIM, 2016, p. 27).
Todas essas condicionantes para a mobilidade, sobretudo a organização do espaço, as condições
econômicas e sociais e as características de acessibilidade, impõem aos citadinos certas limitações e
graus variados de liberdade, ensejando diferentes formas de articulação com a cidade. Com o intuito de
compreendermos essas formas de articulação dos citadinos com a cidade tendo-se a divisão social do
espaço urbano como vetor de compreensão da fragmentação socioespacial, cruzamos os dados
quantitativos anteriores acerca dos estabelecimentos de comércio e serviços com algumas entrevistas de
cunho qualitativo.
Sintetizando os dados levantados, a tabela 1 mostra que existia em 2010 uma quantidade maior de
estabelecimentos de comércio e serviços com relação aos demais estabelecimentos de educação e saúde,
dentro do raio de 500 metros e 1000 metros dos loteamentos analisados. Este dado sugere que para
acessar tais serviços, boa parte dos habitantes desses empreendimentos do PMCMV acabam por utilizar
os estabelecimentos do centro da cidade ou de bairros longínquos, que possuem tais equipamentos,
especialmente os de saúde e educação. A tabela também mostra que uma boa parte do total dos
estabelecimentos não se encontra dentro dos raios de proximidade proposto, o que reforça ainda mais o

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grau de afastamento dos citadinos no acesso a tais serviços. Por exemplo, do total dos estabelecimentos
existentes, menos de 51% estão compreendidos no raio de 1000 metros, ou seja, os citadinos moradores
dos bairros situados nessas localidades devem utilizar serviços a uma distância superior a 1 km de suas
moradias.

Tabela 1 - Mossoró: Estabelecimentos de comércio e serviços (CNEFE) variáveis de educação, saúde, e


estabelecimentos comerciais e de serviços em geral.

Assim, a análise de oito entrevistas realizadas em Mossoró, sendo quatro de citadinos do


PMCMV Faixa 1 (A, B, C, D) e quatro citadinos de empreendimentos residenciais fechados (E, F, G, H)
nos permitiu uma maior aproximação sobre alguns aspectos da fragmentação socioespacial,
possibilitando uma análise cartográfica qualitativa (Fig. 3). Em primeiro lugar, mostra que o centro da
cidade de Mossoró ainda representa uma forte centralidade, em razão do deslocamento cotidiano dos
citadinos entrevistados ao centro, especialmente para os setores populares. Por exemplo, os citadinos A
e B, moradores dos PMCMV Santa Julia e Parque Verde, respectivamente, trabalham e consomem no
centro da cidade ou em suas proximidades (Fig. 3).

“Eu trabalho em uma esmalteria aqui no centro de Mossoró Mesmo....Eu vou ao centro (núcleo comercial) no
máximo duas vezes por mês” (Morador MCMV).

“De mês em mês (ida ao centro), quando chega os boletos pra pagar. Às vezes fazer pesquisas de preço, pra
fazer alguma compras. Visitar as lojas pra fazer pesquisa de preço” (Morador MCMV).

Em segundo lugar, as entrevistas com moradores de empreendimentos do PMCMV possibilitaram


conhecer a forma de transporte dos citadinos aqui estudados. O citadino A possui motocicleta particular
e realiza seus deslocamentos cotidianos praticamente sob duas rodas; e o B depende de transporte
público. A citadina D é dona de casa e, portanto, trabalha em sua moradia, mas consome no centro e no
shopping Partage, próximo de sua residência. O citadino C é um caso particular pois seu local de
trabalho se situa a 80 km de Mossoró, e seus locais de consumo variam de acordo com o trajeto de
retorno após o trabalho. Este citadino possui carro próprio permitindo maior alcance a zonas distantes da
cidade.

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Figura 3 - Mossoró: Moradia, consumo e trabalho dos citadinos: relação aos raios de proximidade.

Com relação aos citadinos moradores de empreendimentos residenciais fechados (E, F, G, H), os
citadinos F e G trabalham no centro ou em sua proximidade, e os citadinos E e H são trabalham
próximos de suas residências. Todos possuem um veículo individual. No que tange aos locais de
consumo, todos eles se dirigem ao shopping Partage. Os citadinos E e G moradores do condomínio
fechado Ninho, situado a 10 km deste shopping, levam aproximadamente 20 minutos de trajeto de carro
para acessá-lo. O citadino F, consome próximo ao seu local de moradia, ou dentro dele, por exemplo,
alimentação que é oferecida dentro do próprio condomínio:

[...] nós temos padarias funcionando aqui... através de... uma espécie de caminhõezinhos com seus produtos
quase todos os dias da semana, a partir da quarta. Então, quarta, quinta e sexta, nós já temos as padarias
vendendo pão fresco, salgados, bolos. Ficam num ponto aqui do condomínio é...Nós temos uma avenida aqui
no condomínio de quase dois quilômetros né?! Então cabe (risos), cabe muita coisa... e no fim de semana,
sexta, sábado, domingo. Aí os food trucks ficam se revezando, então nós temos uma lista de food trucks e
todo fim de semana aquela lista era gira né?! Então, estamos sempre tentando não ter concorrência, nós não
vamos colocar dois food truck que vende hambúrguer ao mesmo tempo, hambúrguer gourmet, nós vamos
colocar um que tenha açaí e um que tenha pastel. Hambúrguer e um crepe. (Morador de ERF).

Percebe-se assim, que este último, diferentemente dos demais, e até mesmo de moradores de
PMCMV, realiza grande parte de suas atividades do cotidiano dentro de seu raio de proximidade a
menos de 1 km de distância. As lógicas de localização do capital comercial associadas às dinâmicas
imobiliárias (SPOSITO; GÓES, 2013) representadas pelos espaços residenciais fechados, em que o
medo e a insegurança ressignificam as práticas espaciais em suas nuances objetivas e subjetivas, são
aqui claramente identificadas. Rupturas e separações (LEGROUX, 2021) são constantemente
reproduzidas, de um lado, pela lógica do capital imobiliário de forma objetiva, e de outro por aqueles
que consomem tais produtos imobiliários de maneira subjetiva. O morador do residencial fechado acima
assimila a ideia de que tais produtos imobiliários promovem a segurança e o conforto, especialmente
para seu lazer, seu habitat, sua mobilidade, seu consumo. No entanto, para seu trabalho, as barreiras e
separações devem ser ultrapassadas. Deste modo, é possível entendermos como a fragmentação
socioespacial se manifesta, sobretudo quando comparamos os diferentes grupos sociais, resultado de tal

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divisão social do espaço urbano.


Resumindo: as principais características das práticas cotidianas realizadas pelos citadinos
entrevistados mostram que o centro continua sendo um dos principais espaços de compras e serviços dos
habitats populares e, eventualmente, o shopping é acessado por estes setores, mas essencialmente para
lazer (praças de alimentação) e não para compras de produtos em lojas que atendem um perfil de classe
média/alta ou acesso a consultas médicas, por exemplo. Os moradores de habitats de médio e alto padrão
acessam com mais frequência o shopping, enquanto o acesso ao centro é mais reduzido, mas não
excluído. E, por fim, há uma confluência de espaços de consumo, principalmente supermercados, entre
os dois grupos, mas a distância não é um obstáculo aos setores de médio e alto padrão, uma vez que
acessar a cidade fica mais fácil com o uso do carro próprio. Como sugere Pereira (2020, p. 303).

O lugar de residência diz muito sobre as possibilidades de uso e apropriação do espaço; diz muito sobre a
capacidade de consumo, de pagar por um aluguel, de comprometer a renda em transporte, saúde e educação,
enfim, de controle do tempo e do espaço para sua reprodução. Por exemplo, se for um bairro mais central ou
periférico, se for vetor de expansão urbana para as classes mais altas, ou um vetor de expansão e concentração
de habitantes de baixos estratos socioeconômicos, o que pode ainda estar relacionado a índices de violência,
as possibilidades e limites em torno da apropriação do uso espaço serão bastante diferentes.

De acordo com essas análises cartográficas, associando dados quantitativos e qualitativos,


percebe-se, preliminarmente, que Mossoró ainda apresenta uma forte concentração de atividades
comerciais e de serviços no centro da cidade. Porém, é bastante evidente a crescente descentralização
das atividades econômicas a partir da instalação do shopping Partage, que vem promovendo a expansão
imobiliária para esta zona, criando uma “nova área central”. Percebe-se, portanto, uma diferenciação na
divisão social do espaço urbano que evidencia um processo de fragmentação socioespacial em curso na
cidade.
As entrevistas preliminares nos permitem já observar uma tendência de surgimento de novas
centralidades, mesmo o centro exercendo forte atração, tanto para as classes minoritárias como as de
médio e alto padrão, mas o uso com temporalidade e frequência diferentes, aguçando ainda mais a
divisão social do espaço já posta e herdada de historicidades justapostas e diferentes. Assim,
concordamos com Sposito e Góes (2013, p. 301), para quem a observa-se, no contexto das cidades
médias e da própria urbanização brasileira:

uma nova divisão técnica, e, portanto, econômica, do tempo e do espaço, que é também social, porque se
refere aos novos ambientes para o consumo de bens e serviços cada vez mais segmentados, aumentando e
tornando mais complexo o mosaico das desigualdades socioespaciais, nas formas de mobilidade e
acessibilidade aos fragmentos que compõem a cidade contemporânea.

Chega-se, portanto, à conclusão, de que há diferenças nas formas de uso, do tempo e da


apropriação da cidade pelos citadinos, onde a divisão social do espaço urbano tem sido um fator que
corrobora para estas diferenciações, intensificando as desigualdades e sinalizando para o processo de
fragmentação socioespacial que tem caracterizado as cidades brasileiras, com a expansão da perda de
uma certa unidade espacial (NAVEZ-BOUCHANINE, 2002).

CONCLUSÃO
Algumas considerações finais podem ser elencadas como parte da pesquisa realizada até aqui, o
que sugere um direcionamento em relação aos encaminhamentos da pesquisa que é executada em caráter
nacional. Em primeiro lugar, a divisão social do espaço assume em Mossoró características que
permitem afirmar que a expressão socioespacial no âmbito da cidade está articulada no contexto global,
proporcionando uma reprodução de desigualdades socioespaciais que precisa ser explorada na
continuidade da investigação. Essa ampliação das desigualdades socioespaciais se relaciona com uma
fratura diretamente observável no âmbito da morfologia urbana e das práticas espaciais.
Foi possível analisar maneiras diferenciadas de apropriação e uso do espaço pelos grupos

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socioeconômicos. Com esse conjunto de dados trouxemos formas de apropriação desigual da cidade,
principais componentes que problematizam o processo de fragmentação socioespacial e os padrões de
crescimento da cidade de Mossoró na contemporaneidade. As entrevistas utilizadas neste artigo
evidenciam as novas qualidades nas práticas espaciais dos citadinos, revelando os diversos “capitais
espaciais” mobilizados pelos diversos sujeitos e que estão diretamente ligados à divisão social do espaço
urbano.
Isso dá novas qualidades às formas-conteúdo que caracterizam a cidade de Mossoró no século
XXI e demanda mais reflexões sobre a inserção de uma forma comercial como um shopping se articula
com outros processos como a segregação e a autossegregação. Além disso, a lógica da produção
habitacional, como foi vista, reforça um padrão de segregação espacial em termos de habitações
populares, demandando para esses citadinos, uma maior dependência do centro da cidade. Os espaços
residenciais fechados mediante níveis elevados de renda dos habitantes e as possibilidades advindas da
dinamicidade de mobilidade espacial particular, permitem uma maior e mais ampla combinação entre os
espaços comerciais do centro da cidade e os novos espaços de consumo que se instalam em outras áreas,
como o shopping.
Portanto, espaços periféricos, especialmente nas áreas em que se localizam as habitações
populares, possuem menor disponibilidade e diversidade de comércio, serviços e áreas de lazer,
enquanto empreendimentos de médio e alto padrão são mais bem atendidos, seja pela proximidade ou
pela possibilidade de deslocamento que os sujeitos destas classes sociais possuem. Como Harvey (1980,
p. 146) bem frisou a respeito do controle do espaço e do tempo na cidade capitalista: “os ricos, que estão
plenos de escolha econômica, são mais capazes de escapar das consequências de tal monopólio [da
propriedade privada], do que os pobres, cujas escolhas são muitíssimas limitadas”, assim “o rico pode
dominar o espaço enquanto o pobre está aprisionado a ele”.
As desigualdades socioespaciais que se apresentam em Mossoró, reforçam a necessidade de se
buscar analisar a divisão social do espaço e a divisão territorial do trabalho, levando em consideração
usos e apropriações por diferentes grupos sociais e características socioeconômicas. A pesquisa que está
em desenvolvimento vem demonstrando que a fragmentação socioespacial tem imbricações com a
centralidade, o consumo e com novas formas do habitar, que terminam por reproduzir desigualdades e
contradições no espaço urbano.

NOTAS
1- Este texto é parte de análises do Projeto Temático “Fragmentação socioespacial e urbanização
brasileira: escalas, vetores, ritmos e formas” (Processo FAPESP: 18/07701-8). O olhar lançado sobre
Mossoró justifica-se pelo fato dessa cidade ser um dos nove centros urbanos que estão sendo alvo do
projeto de pesquisa já mencionado, nos quais a hipótese da fragmentação socioespacial no contexto da
urbanização brasileira é investigada. Trata-se, portanto, de resultados parciais que estão sendo
sistematizados na medida em que a pesquisa avança. Os procedimentos metodológicos aqui empregados
constituem parte dos que são operacionalizados na pesquisa mais ampla da qual este artigo faz parte.
2- O PMCMV surge aqui neste trabalho, como uma lógica de estruturação que amplia o
distanciamento dos mais pobres e potencializa a ação dos agentes imobiliários no espaço urbano,
reproduzindo padrões de fragmentação socioespacial, a exemplo da cidade média de Dourados-MS
(CALIXTO, 2022).
3- As entrevistas com os citadinos foram complementadas através de plataformas de
videoconferência, como o Google Meet ao longo de 2020, em função da pandemia pela Covid-19. A
ideia foi capturar trajetos, espacialidade e cotidiano dos citadinos, a partir de dois tipos de moradores
(habitats populares do MCMV e médio e alto padrão dos condomínios fechados), seu local de moradia,
local de trabalho, ida e frequência ao centro da cidade, local de lazer e o transporte utilizado para os
deslocamentos. A utilização de oito entrevistados, sendo quatro para cada tipo de morador, baseou-se, na
possibilidade de ilustrar o debate teórico-conceitual, não sendo excessivo no número de citadinos, uma
vez que não era o objetivo da pesquisa neste momento. Todas as entrevistas foram realizadas com um
roteiro semiestruturado, gravadas com a permissão dos entrevistados, sob a garantia do anonimato e
utilização das mesmas, para fins eminentemente da pesquisa, respeitando, assim, as recomendações do

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Comitê de Ética e da resolução 510 de 7 abril 2016 no que diz respeito às especificidades das pesquisas
em Ciências Humanas e Sociais. Assim, buscou-se a proteção das informações dos sujeitos, evitando
acarretar riscos maiores dos que os existentes na vida cotidiana. Em razão disso, os entrevistados foram
identificados com códigos, para protegê-los.
4- Utilizamos no projeto a terminologia “agentes bem-informados” para classificar os “agentes”
por sua capacidade de atuação no espaço urbano e “bem-informados” para caracterizar as informações
que eles possuem, devido à função e atuação que exercem na cidade analisada (SILVA et. al, 2022, no
prelo).
5- Na área central do mapa é possível observar três centros comerciais que são enquadrados na
pesquisa como shopping, baseando-se na classificação da Associação Brasileira de Shopping Centers
(ABRASCE) que assim os definem, ver em: https://abrasce.com.br/. Todavia, acrescentamos que o
principal e que não se enquadra como centro comercial, para o senso comum, é o localizado no setor
noroeste da cidade, denominado de Shopping Partage.
6- Trata-se de um empreendimento da Embraco Construtora, com apartamentos de dois e três
quatros e salas comerciais. Mais informações podem ser encontradas no site eletrônico da empresa,
disponível em: https://construtoraembraco.com.br/empreendimento/whb.
7- O papel do Estado como agente da produção do espaço urbano não é o tema deste artigo,
porém os diversos investimentos estatais das mais diversas naturezas, como moradia, mobilidade e lazer,
por exemplo, estão sendo investigados na pesquisa da qual este artigo faz parte.
8- Diferentemente de outros setores da cidade que possuem ERF’s e que são mais distantes do
centro, este eixo de expansão é próximo ao centro e possui um dos metros quadrados mais caros da
cidade, concentrando importantes condomínios fechados como o Alphaville-Mossoró e
empreendimentos em construção, como o Residencial Condomínio das Américas, da Embraco
Construtora, cujo investimento alcança R$ 120 milhões segundo a mídia local.

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