Minha Escolha (Im) Perfeita - Priscilla Averati

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Copyright © 2023 Priscilla Averati

Todos os direitos reservados

Capa: Thainá Brandão


Revisão: Mariana Acquaro
Diagramação: Priscilla Averati

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer forma


ou quaisquer meios eletrônicos, mecânico e processo xerográfico, sem
autorização por escrito dos editores.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
SINOPSE

PLAYLIST

NOTA DA AUTORA

GLOSSÁRIO

EPÍGRAFE

DEDICATÓRIA

PRÓLOGO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

CAPÍTULO 34

CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37

CAPÍTULO 38

CAPÍTULO 39

CAPÍTULO 40

CAPÍTULO 41

CAPÍTULO 42

CAPÍTULO 43

CAPÍTULO 44

CAPÍTULO 45

EPÍLOGO 1

EPÍLOGO 2

AGRADECIMENTOS

ENTRE EM CONTATO

SOBRE A AUTORA

OUTRAS OBRAS
Jasper Hill reveza seu tempo entre o curso de direito, seu papel como
jogador do aclamado time de futebol americano e zelar pela segurança noturna da
pacata Silent Grove, uma cidade nem tão comum quanto parece.

Victoria Miller buscava uma noite de aventura e acabou esbarrando com o


jogador que parece ser um risco à sua personalidade cuidadosa. Alto, forte, lindo e
completamente irresistível.

O que tinha tudo para ser apenas mais um romance como tantos outros, se
torna algo impossível de acontecer: Ele, faz parte de um clã de lobisomens
enquanto ela é integrante de uma família fundadora da cidade, totalmente proibida
para ele.

Jasper é um lobo nem tão mal assim e faria qualquer coisa pela sua
amada.
Victoria está prestes a se descobrir mais forte do que jamais imaginou ser
e, juntos, vão provar que amor à primeira vista existe sim e que o final feliz é
possível, basta acreditar — e, às vezes, — lutar por ele.

Romance proibido, situações de risco e perigo iminente, segredos antigos


e novas histórias a serem escritas. Sejam bem-vindos de volta a Silent Grove e
seus mistérios.
Para ouvir:
1 | Abra o app do Spotify;
2 | Vá na aba Pesquisar;
3 | Toque sobre o ícone da câmera;
4 | Aponte para o código abaixo:

Aproveite!
Oiiie, querida leitor(a)!!!

Mais uma vez é importante avisar para que iniciem essa leitura de mente
aberta, já que esse romance tem um bocado de fantasia. Então, esperem situações
inusitadas e místicas. Além disso, nesse universo fantasioso, talvez as coisas não
sejam como as conhecemos ou lemos em outras obras.
Se lembrem de que, assim como todos nós, os personagens não são
perfeitos. São jovens na faixa dos vinte e poucos anos, com suas fragilidades,
imaturidades, medos e aptos a várias presepadas, assim como todos nós.
ATENÇÃO! Essa história contém cenas impróprias para menores de
dezoito anos. Contém palavras de baixo calão, violência, conteúdo sexual, e
conduta inadequada de personagens.
PS: Caso você tenha adquirido essa obra de forma ilegal por qualquer
outro meio que não seja a Amazon/Kindle Unlimited, saiba que esse tipo de
compartilhamento não foi autorizado por mim e é uma violação dos direitos
autorais.
Como sempre, a seguir teremos um pequeno glossário para ajudar em
algumas referências que eu costumo trazer em meus livros.
Espero que se apaixonem por esse casal como eu e mergulhem de cabeça
nessa aventura. Bem-vindos à pequena e pacata Silent Grove.
Ah! E se você puder, avalie o livro, evitando spoilers.
Divirta-se!
Priscilla Averati
Averty: Fictício reino europeu criado pela autora para sediar suas estórias.
Famoso pelos seus alpes e clima ameno, ele é o palco da maioria das estórias do
Averativerso a partir de 2022.
MontZaffir: É a capital de Averty e o local onde a família real reside.
MontBianc: Cidade universitária mais ao interior de Averty.
Silent Grove: Cidade do interior do país que fica em um Vale, cercada de
florestas onde a neblina dos Alpes desce toda as noites, tornando-a um tanto
sombria.
“Há trevas na vida e há luzes, e você é uma das luzes, a luz de todas as luzes.”

Bram Stoker
A todos os que acreditam e persistem em seus sonhos.
Não desistam.
Ao Filipe e às minhas Amoras.
Se eu pudesse voltar no tempo... faria tudo exatamente igual. Não é como
se eu tivesse alguma escolha, desde que coloquei os olhos naquela garota, tempos
atrás.
Apesar de toda a merda, não consigo sequer imaginar meu mundo sem
Victoria Miller: a razão da minha existência.
Mesmo que, nesse momento, com o corpo exausto de tanto correr e ainda
um pouco tonto, por causa de mais uma das muitas reviravoltas do meu destino,
tudo em que consigo pensar, e desejar com toda a força do meu ser, é que ela
esteja bem.
Porque eu não conseguiria seguir vivendo em um mundo no qual ela não
exista.
Por minha culpa.
Eu falhei — meu lobo lamenta, colérico.
Um uivo dolorido eclode do meu peito, enquanto cravo as garras afiadas e
escuras na terra. A fera dentro de mim também se culpa por tudo o que está
acontecendo e meu peito arde, o coração se encolhendo, enquanto os pulmões
teimosos se dilatam em busca de ar. Um esforço inútil, se a porcaria do plano não
der certo. Não viverei sem ela. Como poderia?
Enquanto ouço os outros se aproximarem, não me movo.
— Me deixem em paz, caralho! — grito, através da conexão gerada quando
Liam, meu irmão e líder, finalmente, aceitou seu destino, alguns meses antes.
— Pode xingar o quanto quiser, Jas! — Para variar, o tom de Mack não
contém o tom divertido de sempre. — Ainda estaremos aqui.
Porra!
— Eu estraguei tudo! — Lanço-me ao chão, meu corpo em sua versão
lupina, contorcendo-se pela dor que abrasa meu peito e a minha mente.
Victoria, minha metade, meu Raio de Sol, está em perigo, quando sua
segurança sempre foi a minha única e maior prioridade.
— Jasper! — é a voz imperiosa que chama e me faz voltar à razão por um
instante.
Meu alpha, de certa forma, entende, melhor do que ninguém, o que estou
sentindo, embora, não totalmente. Sua escolhida está a salvo, agora.
— O plano vai dar certo — afirma. — Vicky precisa de você.
— Não. Ela deveria me odiar. — E aqui está, a dor pungente e torturante,
mais uma vez. — Eu deveria estar lá, porra!
E, sem esperar por uma ordem dele, que me obrigaria a dar meia volta e
retornar à Silent Grove, eu volto a correr. Como se isso afastasse a merda de
situação em que estamos e a possibilidade de perdê-la.
— Tem até à noite para retornar. — O tom grave em sua voz, forçando-me
a obedecê-lo. — Vai dar certo, Jas. Nós precisamos acreditar.
Acreditar...
Ciente de que não conseguirei seguir em frente, após a ordem do Alpha,
dou a volta após alguns quilômetros, ainda sentindo a essência de Mack correndo
próximo a mim. Todos eles preocupados comigo e com ela. Minha alcateia. Nossa
família.
— Exatamente. Não vamos a lugar nenhum, Jas. — A porcaria do sujeito
teimoso afirma em minha mente.
Droga.
Ciente de que, talvez, eu me arrependa ao seguir através das árvores, de
volta à cidade e, de que, possivelmente, isso me seja cobrado, em algum momento,
não consigo parar. Eu nunca tive escolha.
Desde que nossos olhares se cruzaram, naquela festa, eu nunca tive chance.
Talvez, tenha sido o cheiro adocicado, a inocência nos olhos castanhos ou a beleza
dos traços delicados de seu rosto; pouco importa. Fosse lá o que houvesse em
Victoria Miller, ela foi a eleita da fera que habita minha pele e que faria qualquer
coisa por ela.
Exceto me afastar.
E, quando minha forma lupina salta por entre as pedras e riachos, meu
único foco é ela. Como foi, desde o primeiro dia. E será, até o último, que parece
cada vez mais próximo, e essa é a razão de todo o meu desespero. Essa merda de
plano precisa dar certo.
Ou eu jamais me perdoarei.
Tudo parece exatamente igual em Silent Grove.
O mesmo ar sombrio, a neblina no fim da tarde, as pessoas, os treinos e
tudo o que nos cerca, segue sem qualquer alteração. Apesar de eu estar prestes a
fazer vinte e um anos, no mesmo dia em que a faculdade decidiu marcar a tal festa
para recebermos os calouros da Emberwood University e, claro, o técnico e o
reitor não nos permitiriam ficar de fora, o que, para mim, significa uma festa sem
graça, nos padrões da faculdade, ao invés do que eu havia planejado, meses antes.
Algo mais selvagem e digno do que eu sou.
Filhos da lua, ou amaldiçoados por alguma entidade revoltada com o que
um humano fez durante a vida: várias são as lendas e mistérios em torno do que
somos. A verdade, no fim das contas, é uma só: lobisomens não se transformam
apenas em noites de lua cheia e prata é algo que evitamos a todo custo. Somos
fortes, inteligentes e bonitos. Além de exímios atletas. Não que isso seja
divulgado, mas me espanta que ninguém desconfie do quanto somos realmente
bons e, ainda assim, vivemos isolados, em uma cidade cercada por florestas. O
nome do time é Warrior Wolves, pelo amor de Deus!
É o que estou pensando, enquanto espero os dois idiotas que entraram na
cafeteria para buscar algo para comermos, já que a mansão da Colina continua em
reforma e a cozinha ainda parece uma zona de guerra, se considerarmos a camada
grossa de poeira branca que encontramos conforme passávamos uns dias na casa
dos meus pais. E de Liam, se ele fosse capaz de aceitar, é claro.
Finjo não notar a atenção da Sra. Holloway, como sempre, vigiando a vida
alheia, da janela de sua casa, com os olhos claros fixos em mim. Conhecida por
suas previsões não solicitadas, a velha agourenta segue me encarando, como se eu
fosse um maldito rato de laboratório. Dentro de mim, a fera rosna, indignada com
a atenção.
Maldito seja Mack, que é um esfomeado de merda e nos forçou a parar
aqui na cafeteira, tamanho era o seu medo de chegar à Colina e não ter nada para
comer. Ash, como o bom líder que é, acompanhou-o até o lugar, para impedir que
o maluco comprasse todo o estoque de comida da lanchonete, e me deixou sozinho
sob os cuidados da idosa, que segue me observando com um sorriso pequeno no
rosto enrugado.
Ela sempre tem esse ar de quem está aprontando alguma coisa.
— É... as coisas vão mudar, em breve — afirma em um tom sombrio. Deus
me livre! Essa mulher é cheia de previsões agourentas. Credo. —, Jasper Hill. —
Apenas aquiesço, confirmando quem sou, embora ela não tenha realmente
perguntado.
Desvio os olhos, deixando-os vagar até o pequeno sobrado amarelo de
porta vermelha, tradicional de uma das famílias mais antigas do lugar, quando o
som da fechadura destravando, no interior, chama a minha atenção, porém, antes
que a porta se abra, a mulher volta a falar.
— É como se você soubesse… — Deus me livre de saber qualquer coisa.
Uma essência deliciosa faz meu lobo ronronar dentro de mim e o modo
como a velha senhora me encara, me faz pensar que ela foi capaz de ouvi-lo.
Baunilha, lírios e patchouli — uma combinação interessante e feminina.
E deliciosa — a fera complementa.
— Sra. Holloway, eu posso garantir que não sei de nada. — Dou de
ombros enquanto observo, aliviado, os dois babacas vindo com várias sacolas em
direção ao carro. Graças aos céus. Mack sorrindo, como o palhaço que é, ao lado
do outro sujeito, vestindo preto dos pés à cabeça, com sua cara de poucos amigos,
como sempre.
Mas ela não está mais prestando atenção em mim, seus olhos se focam em
Ash, que finge não estar vendo a senhorinha. Certamente, minha mãe acertaria um
daqueles tapas ardidos em sua nuca, se o visse agir dessa forma, e estou quase
dizendo isso a ele, quando a mulher solta um riso. Algo melódico e estranho, que
faz até mesmo Ash parar no lugar.
Talvez, algumas coisas tenham mudado por aqui, afinal.
— Liam Ashbourne, seja bem-vindo de volta! — E então, seus olhos se
voltam para mim e o sorriso desaparece, quando minhas narinas dilatam,
absorvendo o perfume inebriante quando a porta finalmente se abre e um arrepio
estranho percorre o meu corpo inteiro. — Tudo, exatamente, como deve ser.
Puta que pariu. Tá repreendido!
Com uma troca rápida de olhares, despedimo-nos da mulher e entramos
correndo no carro. Os dois babacas nos bancos da frente, enquanto duelo com a
tonelada de coisas no banco de trás. Ainda estou olhando para a idosa, quando o
veículo desaparece na neblina do fim de tarde, ouvindo os idiotas caírem na
gargalhada.
— Nem uma semana de volta à cidade e Jasper já tem um encontro —
Mack comenta, estalando a língua, como se recriminasse tal fato.
— Tia Emma criou um gentleman — Ash complementa em um tom
divertido. — Pretende levar a Sra. Holloway à festa?
Mas que filhos da mãe!
— Vão se foder, vocês dois — reclamo, jogando a cabeça para trás, no
encosto do banco e fechando os olhos, tentando a todo custo não pensar no olhar
sombrio que a mulher me lançou, pouco antes de Ash chegar. Ou no fato de que
não cheguei a ver a dona da essência deliciosa.
As coisas vão mudar, em breve — ela disse. E as palavras seguem
circulando, sem parar, em minha cabeça.
Observo quando o velho Grosby faz o sinal da cruz e fecha com rapidez a
porta de sua casa, assim que nos vê passar, exatamente como sempre fez.
Tudo na mesma, por aqui...
Por enquanto — a fera adverte.

— Qual é a dessa frescura de torteletes? — Ash pega a caixinha de


plástico, contendo três tortinhas recheadas com uma espécie de calda vermelha e
alguns morangos. — Mack?
— Não são para você, Chefinho. — toma a embalagem das mãos do idiota
debochado e a aninha no antebraço, como a porcaria de um bebê. O capitão do
Warrior Wolves revira os olhos. — São um pequeno agrado para os meus pais.
— Mack também é um bom garoto — o idiota, sentado à ponta da mesa,
ironiza. — Quem diria?
— Sim, eu sou. — Mack faz uma firula com o braço livre. — Meus pais
amam essas belezuras e estou há mais de três semanas sem fazer uma visita.
Minha mãe deve estar arrasada.
A verdade é que a mãe dele é dramática e ele tem, não apenas um, mas,
dois pais, que fazem qualquer coisa pela mulher que seus lobos escolheram —
algo que acontece raramente entre os nossos, mas que parece ser quase que uma
tradição quando se trata dos Blackmoon, já que os pais de Mack não foram o
primeiro caso da família. Infelizmente, para o nosso amigo, para agradar a amada
eles não se importariam de punir o filho rebelde que a fez sofrer. Um filho da mãe
esperto, é o que ele é.
— Seus pais, com certeza, não vão deixar isso barato. — Ash aponta para
os doces bem decorados. — Talvez, devesse ter comprado mais alguns.
Mack encara a pequena embalagem por alguns minutos, antes de bater a
mão na mesa e ir até o gancho perto da porta para pegar a chave do carro.
— Que porra! — Sai, levando seus doces e xingando a si mesmo, e a nós
dois, enquanto volta à cafeteria.
Olho o cômodo ao redor, observando os móveis antigos dispostos aqui — a
maioria coberta por lençóis antigos, colocados quando decidimos transformar a
mansão dos Ashbourne, no topo de uma das colinas, e deixá-la com um aspecto
mais interessante do que o mausoléu com que se parecia antes.
— Você é cruel, Liam — Meneio a cabeça lentamente, enquanto ouvimos
os pneus do carro cantarem, antes de sair pelo portão metálico.
— Eu só estava tentando ajudar. — Dá de ombros e, então, comenta: — As
coisas, por aqui, até que não estão tão ruins. Ainda mais, se levarmos em conta o
tempo em que ficou fechada e a reforma...
— É, não muito. — Puxo um dos lençóis antigos, revelando um sofá
maltratado pelo pó de gesso. — Só lamento que tenha que dividir sua cama com
uma família de gambás.
Foi comovente, nosso primeiro encontro com os inquilinos do lugar.
Talvez, eles pudessem sentir o que somos, por baixo da nossa aparência normal, e
inundaram o segundo andar inteiro com o fedor horrível de suas bundas, antes de
fugirem por um buraco na alvenaria, em um dos quartos.
Observo o exato momento em que o filho da mãe, de olhos muito escuros,
nega e abre o sorriso que aprendi a conhecer muito bem, e que significa
ENCRENCA, em letras bem grandes e brilhantes.
— Aquele seria o seu quarto, Jas. — O babaca se levanta, espreguiçando
os braços tatuados. — Eu vou ficar com a suíte, no fim do corredor. Boa sorte.
— Isso é o que você pensa, Chefinho — falo, apenas para irritá-lo.
Se há algo que precisa ser levado em consideração é que, homens da nossa
idade, são tão maduros quanto garotos de quinze anos, e é só por isso, que saímos
correndo feito dois idiotas, empurrando um ao outro pela escada, enquanto
batalhamos pelo único quarto realmente habitável nesse lugar, que ainda está no
meio de uma grande reforma.

Abro os olhos e encaro o teto mofado por alguns minutos, o pequeno feixe
de luz, vindo de um furo um pouco acima da minha cabeça, despertando-me cedo
demais. Levanto-me, ainda um pouco bêbado pela nossa pequena comemoração
pela nova fase de nossas vidas e, antes de sair do quarto, viro-me para o lugar mais
ao canto, próximo à parede, onde Mack, usando apenas uma boxer branca, parece
ter engolido uma turbina de avião, enquanto Liam poderia ter sido mumificado
durante a madrugada, dormindo de barriga para cima, com alguns filhotes de
gambá aninhados em seu torso tatuado.
Impossível não tirar uma foto desse momento tão comovente.
E, claro, é exatamente o que eu faço, guardando a imagem para uma
situação oportuna, enquanto desço a escadaria de madeira antiga, para tentar
improvisar um café da manhã. Hoje é um dia especial. Mesmo que eu tenha que ir
à tal festa, para os calouros na universidade, ao invés da minha.

— Vocês só podem estar brincando! — Os olhos escuros de Liam se


revezam entre mim e o cidadão usando nada mais do que uma máscara de lobo e
uma calça jeans, exibindo o tronco definido.
Em minha defesa, não estou totalmente nu da cintura para cima, como
Mack. Nem usando uma camisa social aberta, como Eli. Os suspensórios deram
um toque de classe à minha fantasia.
— Lobos? — repete em um rosnado. — Não.
— Você deveria se juntar a nós — convido, apontando para a máscara que
ele segura com força em suas mãos, parado no meio da sala de casa. — É uma
festa à fantasia, Ash, e hoje é o meu aniversário.
Golpe baixo, eu sei.
— Não. Porra, não mesmo — refuta e joga a máscara novinha, de pêlo
sintético escuro, para Wolf, que corre dela como se tivesse acabado de ver um
fantasma. Covarde. — Eli?
— Nem fodendo — o loiro sentado no sofá, vestindo sua calça preta e uma
camisa de tecido claro aberta, afirma, seu rosto se contorcendo em uma careta ao
olhar para a máscara que entregamos a ele.
— Sério? — Mack abre um sorriso e dá um passo em sua direção, fazendo
o rosto, normalmente branco, feito cera, corar violentamente. — Eli? É um
desafio? Porque eu poderia facilmente fodê-lo, usando apenas ela.
Honestamente? Tem certas ocasiões nas quais não dá para não ficar
constrangido. A tensão presente, sempre que esses dois estão por perto, é algo
difícil de explicar, por isso, apenas dou-lhes as costas e arrumo meu cabelo diante
do espelho, ajeitando também os suspensórios pretos que cruzam meu peito e se
prendem no cós da calça jeans escura.
— Pegue leve essa noite, ok? — Ash se aproxima, olhando para mim
através do espelho. — É lua cheia e nos tornamos mais… imprudentes.
Como se eu não soubesse disso. Ou não sentisse o chamado da lua, mais
forte a cada minuto.
— Vai ficar tudo bem, Liam. — Sorrio ao ver Eli vestir a máscara, após
uma conversa rápida com Mack. Previsível. — O que poderia dar errado?
Um pouco trêmula, termino de fazer o babyliss no cabelo, soltando bem os
cachos pesados, e aprecio a minha imagem no espelho. As bochechas coradas e o
coração um pouco acelerado deixam clara a ansiedade que estou sentindo com
essa nova fase da minha vida. Finalmente, faculdade de Direito, aí vou eu! E, em
breve, minha mãe e eu conseguiremos mudar de vida, então, quem sabe,
recomeçar em algum outro lugar.
Não que eu odeie Silent Grove, mas tudo nessa cidade é tão previsível. De
uma forma irritante, às vezes. Foi como quando comecei a sair com Chad
Graymane II e nosso casamento já foi dado como certo por todos os moradores
dali, inclusive pelos pais dele, após um simples jantar em sua casa. Nem preciso
dizer que não passamos do segundo mês e alguns beijos sem paixão alguma.
Nada contra Chad — ele é um cara legal. Tudo contra essa cobrança idiota,
apenas porque viemos de famílias tradicionais da cidade. Ridículo. O meu pai era
um Miller e, mesmo assim, foi embora, deixando-nos para trás como se não
valêssemos nada. Mas ninguém comenta muito sobre isso, é claro. Tudo foi
abafado, quando meus avós morreram em um acidente de carro e deixaram toda a
sua fortuna para o irresponsável do filho.
— Quem nós queremos matar? — Kat, uma das minhas melhores amigas e
futura companheira de equipe no squad das líderes de torcida da Emberwood
University, aproxima-se de mim, usando um vestido preto curto, enquanto o meu
segue justo até os joelhos.
Aliso o tecido fino, um pouco brilhante e quase branco, avaliando a nós
duas diante do espelho.
— Amiga, tá tudo bem? — Seus olhos verdes me encaram pelo reflexo.
— Você já se sentiu cansada de tudo? — pergunto, ajeitando a presilha
coberta por pequenas pérolas, que segura minha franja. — Às vezes, eu sinto
vontade de...
— Meter o louco? — indaga, quando não consigo encontrar as palavras
certas e me faz gargalhar. Kat é uma pessoa divertida e espirituosa, que sempre me
faz rir quando preciso. — Sabe de uma coisa? Tira essa roupa, Vicky.
Arregalo os olhos, enquanto ela passa o próprio vestido pela cabeça,
entregando-o a mim.
— Kat, eu não sei se essa é uma boa ideia. — Avalio o tecido escuro e fino
em minhas mãos.
Revira os olhos maquiados e, logo, está desfilando com o meu vestido pelo
quarto, em busca de suas botas de cano curto em um tom metalizado, deixando seu
look totalmente arrojado, ao invés de deixá-la com cara de debutante virginal,
como faz comigo.
O vestido de Kat também é justo e bem curto e o tecido preto fica colado
em todas as minhas curvas suaves, conferindo-me um ar sensual, ao invés da
aparência inocente de sempre.
— Gostosa! — Ela dá um tapa em minha bunda e, então, termina de
retocar o batom diante do espelho. — Vamos logo com isso! Hoje, nós vamos
barbarizar! — Encaixa a máscara prateada no rosto, ajeitando os fios escuros de
seu cabelo. — Vamos logo, Vicky!
Eu posso fazer isso.

Definitivamente, eu não tenho a menor condição de ficar nesse lugar.


O grande ginásio da faculdade, onde a festa acontece, está tomado por
enfeites bregas e, de tempos em tempos, sinto o olhar maléfico de algumas
veteranas sobre nós. Algo que não parece incomodar tanto Kat, que bebe mais um
gole da bebida colorida em seu copo e flerta descaradamente com um cara alto,
que está do outro lado do salão.
Um DJ, com sua mesa de som montada em uma das extremidades do lugar,
toca uma música agitada e as batidas dos alto-falantes parecem retumbar dentro de
mim e, quando ela me puxa para a pista de dança, decido me entregar ao ritmo
hipnotizante da melodia, ignorando tudo ao meu redor, enquanto me divirto com a
minha amiga, sem que ninguém me reconheça em meio ao local escuro e às luzes
multicoloridas.
Sem nenhuma obrigação de ser a boa menina da qual minha mãe se
orgulha, sempre que ouve alguém me elogiar por aí.
Ficamos assim por um bom tempo — pelo menos, até que o aclamado time
de futebol americano chegue ao salão, ofuscando a música à medida que o
burburinho se torna cada vez mais alto. O primeiro deles que vejo é o tal Ash, o
capitão do time, que entra no lugar como se fosse o dono de tudo, fumando seu
cigarro e correndo os olhos por todos os cantos, com seu ar ameaçador de sempre.
Exatamente do modo como ouvimos falar.
Sem máscaras ou subterfúgios, ele apenas segue em frente, ignorando
todos os olhares que a sua presença atrai. Apenas ele mesmo.
E, por alguns segundos, eu o invejo.
Bem, pelo menos, até que os outros apareçam, três deles com máscaras de
lobo e vestindo apenas calças jeans e coturnos.
— Sabe? Eu sempre quis ir a uma dessas boates de strip-tease, como
naquele filme dos homens gostosos. Aparentemente, os deuses sorriram para a
pobre Kat. E ela terá, pelo menos, um deles fazendo um lap dance para ela, até o
fim da noite. Eu garanto.
— Você diz cada coisa — bufo, gargalhando em seguida. — Até parece,
que um deles...
Mas é claro que estou falando sozinha. Aquela maluca já desapareceu,
mais uma vez, deixando-me para trás na pista de dança. Talvez, seja a deixa para
que eu realmente vá embora. A rebeldia não é para todo mundo. Ela combina com
caras como Ash e alguns outros, como aquele jogador alto, que parece prestes a
devorar a boca de uma garota, antes mesmo que tivesse tempo de se sentar.
Esse é o tipo de coisa que eu queria experimentar. Uma vez apenas. O
modo como o corpo da garota tenta se fundir ao dele é um tanto constrangedor,
mas muito excitante, confesso. Não consigo sequer imaginar o que ela está
sentindo, nesse momento, mas não deve ser ruim.
Não mesmo.
Com o corpo inapropriadamente quente, levo meu copo vazio até o bar e
tento conseguir mais uma bebida, quando alguém esbarra em mim e me empurra
na direção do peito definido de um dos lobos de antes. Exceto, que esse usa
suspensórios e tem a pele bronzeada, ao invés do tom negro do sujeito sendo
agarrado na beira da pista de dança.
— Me...me desculpe — peço com a voz fraca, observando que ele abaixa a
cabeça para perto da minha boca, para me ouvir.
Ao mesmo tempo, ouço a voz de Kat me avisando, ainda dentro do táxi
que nos trouxe até aqui: “Ninguém sabe quem você é. Aproveite.”
— Está tudo bem, Raio de Sol — seus dedos brincam com os fios soltos do
meu cabelo — eu não me importaria, nem se me queimasse.
Há algo no modo como ele fala, que faz minha pulsação acelerar e, quando
as pessoas sem noção, mais uma vez me empurram na direção de seu peito
exposto, deixo-me ir. Sentindo a mão forte envolver a minha cintura, tentando nos
equilibrar, quando me puxa em direção ao seu corpo. Subo as mãos pelos
músculos de suas costas, sentindo sua pele se arrepiar sob o meu toque e o som
ruidoso que sua máscara faz, quando ele puxa o ar.
— Raio de Sol, você não deveria fazer isso — a voz rouca avisa em meu
ouvido. — Eu posso não ser um cara decente.
— E se for exatamente isso que estive procurando durante a festa toda? —
A coragem aparece e observo, interessada, o sorriso sacana que estica seus lábios.
— Então, loirinha, sua busca acabou — é o que ele diz, inclinando seu
rosto para o meu.
Eu vou beijar um cara usando uma máscara de lobo. É isso.
E, claro, esse foi o momento escolhido para que alguém se irritasse com os
empurrões e uma briga começasse, bem ao nosso lado. Quando a confusão se
inicia, alguém colide contra as minhas costas, arrancando um gritinho meu, por
causa do susto, e isso faz com que o homem forte que abraçava a minha cintura se
coloque à minha frente, em uma postura protetora, e as pessoas que se
aglomeravam para ajudar a dissipar a bagunça, ou para inflamar ainda mais os
nervos dos envolvidos na pancadaria, fossem me afastando dele, até que eu não o
enxergasse mais.
Logo no momento em que decidi me arriscar…

Em Silent Grove, a pacata cidade onde nasci e cresci — assim como toda a
minha família, antes de mim, exceto por minha prima e tia, que se rebelaram e
hoje moram na capital do país, Montzaffir — nada dura muito, após as sete da
noite. Talvez, seja culpa da neblina espessa que toma conta da cidade e que piora
muito nos dias mais frios, ou seja, apenas reflexo da criação de todos aqui, que
temem os lobos e possíveis outras lendas tenebrosas que habitam a floresta densa
que cerca a cidade.
De toda forma, aqui estou eu. Em um dos quatro reservados do banheiro
feminino, pensando em como farei para encontrar aquela maluca da Kat. Já é tarde
e, apesar de todos os avisos para não prolongarmos demais a festa, a música
seguiu rolando no salão, até dois minutos atrás. As vaias e os protestos no salão,
indicam que a festa acabou.
Bem, exceto para o casal no reservado ao lado do meu, onde as coisas
parecem bastante quentes, enquanto do outro lado, uma pobre moça parece estar
com sérios problemas intestinais. Termino de me aliviar e logo saio do meu
esconderijo, lavando as mãos rapidamente, antes de seguir porta afora, decidida a
encontrar minha amiga para darmos o fora daqui, mas, assim que passo pelo
batente, sou agarrada pelo antebraço e tenho minhas costas prensadas contra a
parede fria de tijolos.
Eu grito, é claro. Mas então, o indicador comprido toca os meus lábios e
me faz erguer os olhos para o rosto coberto pela máscara de lobo, em contraste
com o peitoral nu — os suspensórios caídos na lateral da cintura.
— Fomos interrompidos, mais cedo, Raio de Sol. — A voz baixa, em meu
ouvido, faz meu corpo inteiro se arrepiar. — Quase acreditei que havia sido uma
invenção da minha cabeça.
O indicador desce pelo meu queixo, explorando o meu pescoço e
acompanhando o decote profundo do vestido de Kat, fazendo meu corpo reagir, no
mesmo instante, ao rastro quente que deixa no caminho e a minha respiração
muito mais pesada, apenas com o toque suave.
— É tarde. — Consigo achar minha voz, engolindo em seco quando ele
traça o caminho contrário, subindo o dedo até o meu rosto, percorrendo os limites
da máscara dourada, antes de tentar erguê-la. Fazendo-me lembrar de um livro que
li há algum tempo atrás, onde a mocinha se arrisca em uma noite de aventura com
um homem misterioso, que depois, propõe um acordo de uma noite[1]. Assim como
eu, essa noite. — Não. — Sem hesitar, ele recua dois passos, seus olhos focando
algo atrás de mim, então, abre um sorrisinho sacana, como se soubesse o que está
acontecendo dentro do banheiro. — Não tire.
Ele inclina a cabeça de lado, observando-me, como se tentasse entender o
que pretendo, mas parece desistir, poucos segundos depois, posicionando-se ao
meu lado e, descansando o corpo contra a parede, pega minha mão e me puxa para
mais perto. Estremeço ao sentir o meu corpo contra o seu e o cheiro mentolado de
seu hálito.
Uma noite para ser rebelde, Vicky.
No tempo em que os olhos castanhos se focam nos meus, tomo as rédeas
da situação e, nas pontas dos pés, suspendo sua máscara, apenas para liberar a sua
boca e pressionar, de leve, meus lábios nos seus, sendo recompensada
imediatamente com a pegada forte de suas mãos em minha cintura, enquanto
nossas línguas duelam em um misto de força, desejo e intensidade. De uma forma
a qual eu nunca fui beijada antes.
Arrebatamento.
Agarro seu pescoço, erguendo ainda mais as pontas dos pés, colando ao
máximo o meu corpo no seu, como se eu não conseguisse me conter enquanto sua
língua devora a minha e seu sabor almiscarado explode em minha boca, fazendo-
me arder de dentro para fora, como se não houvesse qualquer outra opção. Roço
meu corpo no seu, vagarosamente, sentindo-o exalar de forma ruidosa em meus
lábios, incendiando meu corpo com uma potência ainda mais forte.
Não me espanta quando ele inverte nossa posição, minhas costas
novamente contra a parede do ginásio, que já deve estar vazio a essa hora, mas
esses são apenas fragmentos de pensamentos que consigo reunir, já que todo o
meu foco está no modo como o sinto tão descontrolado quanto eu, tentando ter
mais de mim, como se não suportasse qualquer distanciamento.
E ele não está sozinho. Quando ele arranca a própria máscara, jogando-a
longe, seguro seu cabelo, puxando-o, enquanto nos agarramos feito dois loucos e,
quando sinto o aperto de suas mãos em uma das minhas coxas, erguendo-a, o som
de saltos se aproximando nos tira do torpor insano em que nos metemos.
— Amiga! Até que enfim, te achei! — A voz de Kat nos saúda, fazendo
com que eu gema baixinho e o “lobo” esconda o rosto no meu pescoço, beijando
ali, antes de morder devagar, arrancando um suspiro da minha boca e me fazendo
agarrar os fios curtos de sua nuca com mais força.
— Caralho, Raio de Sol — o tom gutural de sua reclamação, me faz puxá-
lo de seu esconderijo e colar minha boca na sua mais uma vez.
— Sua safada! Tá na hora da gente ir! — Kat reclama, de pé, no início do
corredor. — Se despeça do seu lobão e vamos logo! Tá tarde!
Meu? O comentário ridículo me faz rir, ao mesmo tempo que uma parte de
mim acha que faz muito sentido.
Sinto meu peito se apertar de forma estranha e um tanto ressentida, já que,
provavelmente, não voltarei a trocar mais do que um olhar com esse sujeito que
me deixou louca com apenas um beijo. E, por algum motivo que me foge
totalmente à compreensão, encerro esse último beijo prendendo seu lábio inferior
com os dentes, mordendo-o com força, antes de me afastar. O rosnado que deixa
sua garganta reverbera de forma infinita em minha cabeça.
O modo como seus olhos se escurecem quando toca a própria boca com as
pontas dos dedos, faz meu interior inteiro se agitar, desejando aceitar o braço que
ele estende em minha direção, como um convite silencioso. Mas não o faço.
Ao invés disso, corro até Kat, engancho meu braço no seu e saímos juntas
do ginásio, para o carro que já nos espera, próximo à guarita. O tempo todo, sinto
o peso de seu olhar sobre mim.
Agitada e ansiosa, a fera à espreita, dentro de mim, se move. Exigindo algo
que ainda não entendo bem o que é, estarmos neste período de lua cheia não ajuda
na contenção dos meus instintos. Isso explica eu estar sentado na sala, diante da
tela grande que chegou algumas horas mais cedo e que Eli instalou ao voltar da
festa, enquanto sigo sentindo a ardência do corte no lábio levemente inchado,
provocado pelo anjo loiro, antes de ir embora sem sequer se despedir, como a
porcaria da Cinderela.
Uma pena, para ela, que eu esteja bem longe de ser um príncipe.
Entre todas as outras pessoas ali, ela brilhava diferente sob as luzes
coloridas do lugar, aproximar-me foi algo natural e que eu não conseguiria evitar,
nem mesmo se quisesse. Seja pelo modo como os seus quadris se moviam ou pelo
brilho esverdeado dos olhos, destacados pela máscara, eu não sei dizer o que
cativou minha atenção, mas foi provar seu gosto insanamente doce e viciante, que
me fez perder o rumo e desejar por mais.
Muito mais — exige.
A culpa foi daquela porcaria de mordida... Caralho!
Há anos, meu lobo e eu nos tornamos um só. Basta que uma velha bruxa
me avise que as coisas iriam mudar e uma feiticeira loira, invocada do meu inferno
particular, apareça de forma misteriosa e morda meu lábio inferior, para que o
safado comece a cantar feito um passarinho. Maravilha.
— É, realmente, Jas não parece bem. — Com a atenção de volta ao
momento, deparo-me com a mão larga diante do meu rosto e Mack faz questão de
repetir o movimento, estalando os dedos algumas vezes. — E está meio... tenso.
Aponta para o volume evidente entre as minhas pernas.
— Eu diria que, definitivamente, as coisas estão... duras para ele, essa
noite — Eli complementa, fazendo Ash dar uma gargalhada, enquanto perde o
jogo para o babaca piadista.
— Estou morando com um bando de manja-rola? — Reviro os olhos,
antes de ajeitar as joias da família dentro da calça jeans, que é a única roupa que
visto no momento, levantando-me em seguida para esticar o corpo. — Devo me
preocupar?
— Não sei… Vai rolar alguma competição de tamanhos? — Mack, claro,
não deixaria passar. — Nesse caso, eu não julgaria o seu receio. É difícil conviver
com alguém como eu.
A autoestima desse babaca não conhece limites.
— Porra, cara. — Eli não desvia os olhos da tela.
— Longe demais, Mack — Ash declara, enquanto Eli o vence no jogo
idiota, mais uma vez.
— Alan Mackenzie Blackmoon não tem vergonha de seus dotes! — O
idiota se levanta e faz uma pose ridícula, evidenciando os músculos antes de
apontar para o volume obsceno na cueca boxer. — E agora, vai tomar um banho,
para mais uma noite dormindo no chão. Jas, não vamos julgar se demorar um
tempo a mais no banheiro, após essa visão impactante.
Todos caem na gargalhada, é claro. Sem conseguir me conter, assim que
ele se afasta, levo a mão até a boca, sentindo os cortes pequenos, causados pelos
dentes daquela loira gostosa, arderem. Aquela garota só pode ser venenosa. Ash
para de rir, assim que percebe o movimento, e estreita os olhos.
— Jasper... — Ele se levanta, vindo em minha direção. — Aconteceu
alguma coisa?
Sim. Encontrei um anjo loiro que literalmente devorou todo o meu juízo
em um beijo erótico e sensual dos infernos, e fez meu corpo inteiro arder, como se
ela fosse um pedaço do Sol. Dramático pra caralho.
— É só a lua cheia, cara — garanto a nós dois, evitando falar em voz alta o
rumo dos meus pensamentos confusos. — Daqui a duas noites, nem me lembrarei
dessa festa.
Ou dessa garota.
É o que eu espero.

Lírios, patchouli, baunilha, flores de laranjeira.


Hipnotizante.
Deslizo meu nariz pela pele macia do pescoço esguio, antes que o cheiro
invasivo e almiscarado invada meu olfato e um sabor estranho tome a minha boca.
— Porra, Jas! — Mack reclama, se sentando no colchão e esfregando o
pescoço. — Você me mordeu! Sem nem me pagar uma merda de jantar antes!
Ah, merda.
Uma semana, desde aquela maldita festa. As aulas já começaram com tudo
e os treinos voltam hoje, graças aos céus. As corridas pela floresta não foram o
suficiente para reduzir a tensão absurda que me toma o corpo inteiro, sempre que
penso naquela loira mascarada.
Estou perdendo a cabeça, por alguém que eu nem conheço.
Levanto-me rapidamente e sigo para o banheiro. Um banho gelado é tudo
de que preciso para iniciar o dia de hoje e aplacar o desejo incômodo que toma o
meu corpo e que parece clamar pela dona da máscara dourada e pela pele macia e
cheirosa de seu pescoço. Além disso, precisamos urgentemente liberar os outros
quartos. Não é seguro dormir ao meu lado, ao que tudo indica, e se o ego de Mack
inflar um pouco mais, teremos que matá-lo.
Debaixo da água gelada, observo a triste situação do meu corpo traidor,
que não cede, nem mesmo, ao pensar que praticamente agarrei Mack enquanto
dormia. Porra. Encosto a cabeça no azulejo frio, deixando a água cair na minha
cabeça com pressão o bastante para não me permitir respirar e constato,
desanimado, que nem mesmo assim, consigo tirar o perfume, que exala
feminilidade, da minha cabeça.
Esfrego o pescoço, relembrando das suas unhas arranhando a pele ali,
enquanto escorrego a mão pelos ombros, peito e barriga, antes de tomar na mão a
maldita parte da minha anatomia que clama por atenção. Estou desesperado. E
fodido. Assim que envolvo a largura com meus dedos, meu corpo se arrepia
instantaneamente e não demoro muito, antes de começar a descer e subir a mão em
minha extensão, imaginando os dedos finos com suas unhas pintadas, ao invés dos
meus. E é isso que me leva a jogar a cabeça para trás, sentindo meu mundo
explodir, enquanto me alivio debaixo do chuveiro, como um adolescente idiota.
Eu preciso encontrá-la e acabar com isso de uma vez por todas. É a falta de
conclusão, daquele amasso delicioso e intenso, que me deixou assim.
Eu vou te caçar, Raio de Sol.

Desço as escadas, ouvindo o som da cafeteira de última geração que Liam


comprou e a conversa alta dos outros integrantes da nossa “fraternidade”, se é
que podemos chamar assim.
— Olha, cara, nada contra você me desejar. — O idiota me segura pelos
ombros, quando voltamos a nos encontrar, na cozinha. — Nós podemos dar um
jeito nisso, você sabe — segue falando, ignorando a expressão chocada no rosto
dos outros dois, já sentados à mesa, tomando seu café da manhã. — Mas não é
assim que funciona. Eu sou o tipo de cara que precisa ser conquistado.
Reviro os olhos com tanta força, que temo que eles nunca mais retornem à
sua posição normal.
— Mack, vou repetir mais uma vez: — É a minha vez de segurar os
ombros largos do sujeito, que hoje substituiu as argolas de suas orelhas pelos
pequenos diamantes brilhantes, por causa dos treinos. Ele é, sem dúvida, o mais
vaidoso entre nós. — Não tenho interesse algum em você. Aceite.
— É triste ver o quanto algumas pessoas vivem em negação. O seu
subconsciente sabe da verdade. — O filho da mãe estala a língua e finge uma
expressão de tristeza, seguindo em frente, em direção à escada. — Bem, graças a
Deus, os treinos voltam hoje. Alguém precisa queimar sua energia extra,
urgentemente.
Nisso, o idiota tem razão.

O bom e velho futebol americano é realmente tudo de que eu precisava


para voltar ao meu foco de sempre. Suado, sujo e com algumas escoriações,
devido às jogadas mais ofensivas; o treinador Clifford não nos daria folga alguma,
depois desse recesso escolar, e a dor é muito bem-vinda, quando me distrai dos
pensamentos que insistem em viajar até aquela merda de festa no ginásio.
— Graças ao bom Deus, temos tempo até o primeiro jogo — o homem
mais velho, usando um boné vermelho, reclama — Vocês estão uma bagunça!
Hill! Onde é que está a porra da sua cabeça?
Nos fios loiros de uma garota, que provavelmente, não verei nunca mais. É
o que eu penso, antes de derrubar um pouco da água do squeeze em minha cabeça
e sentir meu corpo inteiro retesar, super alerta, de repente.
O cheiro... Baunilha, lírios, patchouli.
Ela está aqui — a fera avisa, espreitando pelos meus olhos, enquanto ergo
a cabeça, olhando ao redor, minhas narinas se expandindo, assim como meu peito,
enquanto procuro pela dona do perfume feminino delicioso que me faz salivar e
deixa meu corpo em uma espécie de estado de necessidade impossível de ser
aplacado.
— Eli! — a voz de Ash chama, de algum lugar às minhas costas e seu tom
preocupado é detectado, em algum momento, na minha cabeça, mas não consigo
me importar com isso.
— Jasper? Qual é o problema? — Ouço a voz do futuro médico ao meu
lado e preciso conter um rosnado furioso, quando sinto o aperto de sua mão em
meu ombro. Bastante ciente de que está ali para restringir meus movimentos, se
necessário.
— Que merda tá acontecendo? — Liam para do outro lado, ouço quando
seus pulmões se expandem, buscando algum indício de ameaça.
Mas não encontra nada. Já que a única ameaçada, neste momento, é a
minha sanidade.
— Porra, cara! — Bate o ombro no meu, seguindo junto aos outros para o
vestiário, mas para no meio do caminho e se vira de costas. — Encontre-a e
resolva essa merda. E, em poucos dias, essa fissura vai passar.
Recordo-me de quando, em uma noite de lua cheia, Viv — uma das garotas
da alcateia — mordeu o ombro de Ash. Ele se tornou obcecado por ela, por quase
um mês, até se recuperar do que os mais velhos chamavam de reivindicação lunar.
Algo como uma experimentação do que seria realmente ser marcado por alguém.
Na época, rimos muito dele e, se eu soubesse, o que sei agora, não teria
feito metade das idiotices que fiz, apenas para provocá-lo. Depois disso, ele não se
envolveu com mais ninguém, temendo gerar um vínculo permanente.
Ah, as vantagens e desvantagens de ser um lobo.
— Vamos? — Eli, ainda ao meu lado, convida e eu o sigo para os
vestiários, muito mais calmo, agora, do que antes.
É isso. Vou encontrá-la, continuaremos de onde paramos, nos
entregaremos à luxúria por uma noite e, então, seguiremos nossas vidas.
Exatamente como tinha que ser.
O trabalho de juntar todos os materiais, após o treino, sempre sobra para as
novatas, é claro. Sem reclamar, observo enquanto as veteranas do squad deixam o
campo com suas bolsas a tiracolo, enquanto sigo catando os halteres e
colchonetes, que os outros poderiam ter tido a boa vontade de não deixar
espalhados por todo o lugar.
Tudo bem, talvez eu esteja reclamando. Embora, não verbalmente, já que a
capitã da equipe está de olho em mim e, desde o teste para selecionar os novos
integrantes, não pareço ter conquistado muito de sua simpatia. Graças à
proximidade de alguns jogadores do Warrior Wolves — os astros da Universidade
— deixo de ser o foco do olhar maléfico e sinto meus ombros relaxarem, enquanto
saio de fininho, carregando uma caixa pesada com alguns itens que já juntei.
Estou tão distraída na minha missão, de conseguir chegar a tempo no
pequeno depósito, do outro lado do campo, sem ter os pés amassados pelo peso do
conteúdo da caixa que tampa grande parte da minha visão, que não percebo que há
alguém à minha frente, até colidir contra os músculos tensos do peitoral de um dos
jogadores.
— Eu fico com isso — a voz, que soa divertida, ao mesmo tempo em que
toma a caixa pesada das minhas mãos, parece-me familiar. Embora eu não
conheça muitas pessoas que poderiam estar aqui, nesse momento. — Raio de Sol.
Não pode ser.
Não.
Eu sou uma idiota. É claro que o grupo de lobos, naquela festa, seria parte
do time de futebol americano. Eles chegaram acompanhados pelo temido
quarterback, que não se deu ao trabalho de usar qualquer máscara naquela noite.
— Vai acabar se machucando. — Sustentando o peso da caixa em um
braço apenas, ele segura meu punho com um sorriso largo no rosto bonito.
Isso, sem contar os olhos intensos cor-de-chocolate. Foco, Vicky. Foco.
— É... então… — Coloco as mãos para trás, rompendo o contato e
evitando que ele note o arrepio que fez todos os mínimos pelos do meu braço se
arrepiarem. — Obrigada. E... me desculpa. Eu acho.
O dono dos cabelos castanhos e sedosos — eu bem sei — inclina a cabeça
e morde o canto do lábio inferior, sem desviar os olhos de mim. A intensidade
absurda do momento, faz meu corpo responder de forma exagerada e, em um
reflexo insano, afasto-me. Tentando conter a reação inapropriada.
Foi só um beijo, pelo amor de Deus! Controle-se, garota!
— Por que parece que está prestes a sair correndo? — Ele se aproxima,
abaixando o rosto.
Ah, ótimo. Agora, ele vai me achar uma idiota emocionada.
— Estou atrasada para a próxima aula. — E, quando olho para a saída, a
capitã está nos observando com atenção. Os braços cruzados e o ódio faiscando
em seu olhar denunciam que ela não está gostando muito da interação. — Olha, a
Stacy não parece muito feliz, agora, e eu realmente quero fazer parte das líderes de
torcida, então... é melhor eu ir. Até qualquer dia e obrigada pela ajuda! — Aponto
para a caixa, quando noto seu olhar confuso.
— Ei! — ele grita, quando me afasto sem esperar sua resposta. — Me dê
um nome, loirinha!
Viro-me de costas e sorrio, dando de ombros, fingindo indiferença apenas
para não o deixar ainda mais convencido do que parece ser.
— Eu meio que gostei de Raio de Sol. — O sorriso frustrado em seu rosto
me faz gargalhar.
Não volto a olhar em sua direção, só pego minhas coisas e sigo para fora
do campo, ainda sentindo seu olhar me envolver como uma segunda pele; mesmo
permanecendo na mira da capitã da equipe, não consigo deixar de me sentir
quente.
Talvez eu seja emocionada demais e essa coisa de rebeldia não combine
mesmo comigo, no fim das contas.

Eu sou uma boa pessoa.


Repito mais uma vez, após mais um chilique da capitã da equipe, que
segue pegando no meu pé. Mesmo que uma semana já tenha se passado, após
aquela interação com Jasper Hill — o cara que descobri ser o lobo beijoqueiro da
festa, por quem ela tem um crush absurdo e que é um dos jogadores do ataque de
ouro do Warrior Wolves.
Não ajuda muito, ele sempre me lançar aquelas piscadelas e tentar me
cercar em toda e qualquer oportunidade que seja. No último treino, tive que sair
correndo com a caixa, antes que ele aparecesse com aquele jeito galante e os
sorrisos brilhantes, capazes de arruinar calcinhas por aí.
Meu Deus, para que tanta intensidade?
Antes que o treino do time de futebol americano termine, junto todos os
pompons — minha tarefa da vez — sob o escrutínio da garota, que soltou os fios
castanhos do rabo-de-cavalo apertado e tenta fazer charme para alguns jogadores,
de forma bastante óbvia. Seus olhos se intercalam entre o ranço que sente por mim
e a paixonite por Jasper e Ash — o capitão da equipe — que esbraveja, nesse
momento, após um passe errado do gigante de pele negra, que gargalha, apesar da
bronca.
O time é bem famoso no país inteiro, pela sua capacidade de vencer, mas a
beleza de todos eles também é um quesito a ser levado em conta. Todos, sem
exceção, são absurdamente atraentes. Os caras parecem modelos de catálogo, e
alguns ainda têm um charme perigoso, o que os torna ainda mais desejáveis.
É o que Kat fez questão de frisar, quando contei a ela a minha suspeita de
que o tal Lobão, da festa, era ninguém menos do que Jasper Hill e que ele havia
me reconhecido. Ou, talvez, tenha sido apenas uma coincidência. Elas acontecem
o tempo todo, certo?
— Pronta? — Uma das outras integrantes mais antigas da equipe,
aproxima-se de Stacy.
— Assim que a novata terminar. — Torce o rosto bonito em uma careta, ao
olhar em minha direção. — Desatenta e preguiçosa... Não sei se precisamos de
alguém assim na nossa equipe.
A voz venenosa me faz parar no lugar. Eu realmente quero fazer parte do
squad. Sou boa nisso e é uma matéria optativa[2] mais interessante do que robótica,
convenhamos. Mas não sou obrigada a lidar com toda essa animosidade, porém,
antes que eu exploda e mande Stacy se ferrar, sua amiga me lança um sorriso
gentil e toca o ombro da amiga.
— Victoria é ótima nos saltos, e você sabe que precisamos de alguém
como ela — argumenta, mesmo sob o olhar incrédulo da outra, que franze o rosto.
— Pare já com isso, vai te dar rugas precoces. Melhore essa cara, Jasper e Eli
estão vindo em nossa direção.
É quase um milagre, o modo como sua expressão muda. Ela poderia dar
um curso, ou algo assim: “De bruxa má à princesa inocente, em apenas poucos
segundos”. Ah, o poder do crush.
Pego a caixa e estou me afastando, quando os dois jogadores se juntam às
garotas, que os esperavam ansiosas.
— Stacy, Phoebs! — A voz macia, com o tom divertido de sempre, me
alcança do outro lado do campo. Logo, eles começam a conversar sobre os
próximos jogos e as expectativas de conquistar o título nacional mais uma vez,
quando o safado afirma, assim que me vê voltar: — Vocês estão arrasando com as
novas rotinas. As novatas são muito boas.
— Algumas são. — Quase ofereço um guardanapo para que limpe o
veneno que escorre de sua boca, mas apenas mordo a língua, mantendo-me quieta,
como a boa garota que sou. — Outras, nem tanto.
— Essa loirinha deu uns saltos bem legais, hoje. — Aponta para mim, se
aproximando lentamente. — Seria loucura perder alguém tão talentoso.
O tal Eli Crestmoon, que parece ser o mais tranquilo dentre eles, com seus
olhos claros e cabelos quase loiros, sorri, concordando.
— É, ela realmente é uma boa para a equipe — Phoebe, a amiga mais
ponderada da capitã, concorda. — Seja bem-vinda ao time, Vicky.
Era só eles aparecerem, para que eu fosse aceita? Sério mesmo? Por que
não veio antes, Jasper Hill?
O jogador se aproxima de mim, tomando a caixa de halteres, mais uma
vez, das minhas mãos.
— Deixe isso comigo, Vicky — ele avisa, parecendo bem satisfeito ao
dizer o meu nome. — É sempre bom te ver, Raio de Sol.
— Obrigada — murmuro e sinto meu rosto corar, enquanto o sigo levando
uma segunda caixa. — Ela gosta de você, sabe? Stacy — explico, quando suas
sobrancelhas se erguem, confusas.
— Uma pena, para ela, que eu já esteja interessado em outra pessoa, então.
Ah, não.
— Vai ser difícil tolerar o mau humor, mas vamos superar. — Assim que
voltamos para a área próxima das arquibancadas, encaixo a alça da mochila sobre
um ombro, observando as garotas entretidas, rindo com Eli e Mack Blackmoon,
que chegou por ali, em algum momento. — Tomara que não seja ninguém da
equipe. Ela me odiou, apenas por ter me ajudado, no outro dia, e nem deve ter
gostado muito de termos repetido a dose.
Seu rosto se contorce em uma expressão triste e, então, preocupada.
— Vou ter que desapontar você, Raio de Sol. — Abaixa o rosto para falar
ao pé do meu ouvido. — E tenho certeza de que sabe exatamente por quem estou
interessado. Não sou famoso por disfarçar bem as minhas intenções.
Será que ele não entendeu o que acabei de dizer, ou apenas não se importa?
— Não me cause problemas, Jasper — imploro. — De toda forma, não
estou interessada.
A sensação dos lábios grossos se movendo contra os meus e da pele quente
dos seus ombros sob meus dedos, naquela festa, invadindo a minha mente e me
fazendo corar violentamente. Ótima hora para pensar nisso, Vicky.
O risinho debochado que surge em seu rosto, faz parecer que ele sabe
exatamente o que se passa em minha cabeça nesse momento.
— Você mente muito mal — debocha. — E, para o seu azar, eu amo um
desafio... — Sorri, andando até o depósito e deixando a caixa lá, antes de parar de
novo à minha frente, em poucos passos. — Vai ser um prazer provar o quanto está
interessada, Raio de Sol.
— Boa sorte com isso. — Torço a cara e saio pisando duro, ignorando a
todos, enquanto marcho para longe dali, sentindo meu coração disparado e a boca
seca, ao contrário de outros locais, que instantaneamente ficaram úmidos. Lugares
que nunca deveriam ter se envolvido em uma simples conversa, tipo a minha
lingerie.

Eu sei que é apenas o primeiro período do curso de Direito e que ainda


estamos no início do semestre, mas estou exausta. Tão cansada, que as letras
pequenas do livro começaram a se misturar, enquanto eu tentava entender a todo
custo a nova matéria de filosofia.
Não levo muito jeito para divagações, ao que tudo indica. E a coisa de
pensar, contínuas vezes, sobre um mesmo assunto, é o que está me fazendo pirar
com relação a tudo o que tem acontecido desde aquela festa.
— Vicky? Filhota? — minha mãe chama, após bater na porta. — Está tudo
bem?
— Cansada, mas bem — garanto a ela, abrindo espaço para que se sente ao
meu lado. As olheiras sob os olhos verdes, fortes como sempre. — Você deveria
parar de pegar os plantões noturnos, mãe. Está visivelmente exausta.
— Eu vou — como sempre, ela promete, mas sei que não irá cumprir —,
logo que você se formar.
Porcaria de situação.
— Os advogados de Montbianc ainda não entraram em contato, sobre o
processo? — Ela apenas nega, segurando minha mão com mais firmeza.
— Sabe? Fico pensando, se não deveríamos deixar isso de lado. — Ela
sempre teve esse receio bobo, de que o processo, que movi contra o meu genitor
fujão, causasse-nos algum problema.
Como se vê-la trabalhando desse jeito, não fosse cobrar seu preço, em
algum momento. Sempre que posso, pego alguns trabalhos para tentar ajudar em
casa: como babá, alguns turnos na cafeteria em frente à nossa casa e alguns outros
bicos. Tudo, claro, sob protestos da mulher, que parece ter cochilado, apenas ao se
deitar ao meu lado na minha cama de solteiro.
Não me importa que meu pai tenha sumido no mundo e nos deixado para
trás, a pensão é direito meu e eu vou, sim, seguir com esse processo. Dona Elinor
Miller querendo, ou não. E, quando conseguirmos, ela não precisará se matar de
trabalhar desse jeito. Só espero que a justiça não demore demais.
A última atualização foi o fato de terem encontrado Jack Miller em uma
cidade do outro lado do país, lutando judicialmente contra o bloqueio de todos os
bens da herança dos meus avós — incluindo algumas casas e uma soma bastante
significativa em dinheiro, nos bancos — por causa da suspeita de fraude de
seguro, que deu origem à uma investigação policial, envolvendo o acidente que os
matou, já que as circunstâncias pareciam um tanto estranhas. Talvez, tenha sido
isso que me inspirou a ingressar na carreira jurídica, no fim das contas. Há mais de
uma maneira de se fazer diferença na vida de alguém, e garantir seus direitos é
uma delas.
Meu pai pode ter escolhido ir embora, mas vai cumprir com suas
obrigações, de uma maneira ou outra. E eu vou garantir que isso aconteça. Deito a
cabeça no travesseiro, junto com a minha mãe, e sorrio quando a ouço roncar
baixinho.
As coisas vão mudar, mamãe. Eu sei que vão.
Tempo demais esperando. Desejando. Ansiando. Meu lobo reclama
constantemente, exigindo.
Sonhando acordado e sofrendo dormindo — essa tem sido a minha sina,
desde aquela noite, quando provei o gosto daquela loirinha. Meu lobo está irritado
pela demora, e se move inquieto, dentro de mim, ansioso por sentir o sabor doce
dos lábios cheios mais uma vez, e não é sem esforço que a vejo se afastar, em
todas as minhas contínuas tentativas de me aproximar, sempre fugindo
descaradamente de mim, sem vergonha nenhuma de fazê-lo.
Maldita necessidade do caralho.
O diagnóstico sobre a minha situação veio nesta manhã. Cansados de
serem acordados com a minha movimentação insone pela casa e de me verem
correr atrás da garota fujona, Ash e os outros insistiram para que eu procurasse
pela velha Holloway, que abriu um sorriso convencido ao constatar que batia em
sua porta.
— Demorou mais do que imaginei, garoto Hill. — Virou-se de costas e
caminhou até uma espécie de cristaleira, cheia de potes estranhos preenchidos com
líquidos das mais variadas cores.
Segundo meu pai nos contou, ela não é uma bruxa, mas descende de uma
família que detinha poderes mágicos, séculos atrás e que, por isso, tinha
entendimento sobre certos elixires e feitiços, e um pouco de clarividência. O que a
torna quase um oráculo de todas as merdas que estão à espreita. Credo.
A parte mais terrível foi ter que contar a ela sobre a minha condição
precária. Ninguém quer falar da evidente falta de controle e das horas debaixo do
chuveiro frio, com uma senhorinha que poderia muito bem ser minha avó. No fim
das contas, o constrangimento foi substituído pelo alívio, quando ela nos garantiu
— a mim e a Ash, que obriguei a me acompanhar — que se tratava do que os
antigos chamavam de Reivindicação Lunar. Que deve ter sido iniciada quando a
loba, com quem eu estive, mordeu o meu lábio.
— Não foi uma de nós. — Ash, claro, tinha que fazer o alívio de antes
desaparecer completamente e ser substituído por apreensão. — Tenho quase
certeza de que é apenas uma garota comum. Seu cheiro é bastante normal.
Engulo o rosnado que sobe pela minha garganta. Não há nada de comum
naquela loira. Absolutamente nada.
— É mesmo? — A mulher estreita os olhos. — E como ela tem reagido às
suas investidas, criança?
Por que é que ela tem que falar como toda vilã de filme infantil? Sinto-me
a porcaria do garotinho, prestes a ser engordado para virar sopa da bruxa má.
— Fugindo — bufo —, embora eu possa notar a sua... necessidade.
Ash arregala os olhos ao mesmo tempo que a velhinha se engasga, e então,
sorri, achando graça da nossa cara, obviamente.
— Hum... entendo. — Coça os fios grisalhos sob a toquinha cor de
caramelo em sua cabeça, ponderando. — Talvez se ela fosse… não. Não acredito
que seja. — A discussão mental, da senhora à minha frente, deixando-me ainda
mais tenso. — Ela feriu a sua boca, você disse antes. Provavelmente, é efeito do
seu sangue no organismo da pobre garota. Isso explicaria a tal... necessidade.
— Como uma droga? — Ash é quem questiona.
— Sim, é um bom exemplo. — Ela mexe em alguns potes e, então, guarda-
os, sem me entregar nenhum deles. — Nos tempos antigos, havia relatos de caça
aos lobos, por conta dos efeitos afrodisíacos de seu sangue, em pequenas doses,
nos humanos. As fêmeas no cio tiveram que ser escondidas, durante alguns
séculos, por conta disso. Uma barbaridade.
— Meu Deus! — Chocado por nunca ter ouvido falar disso, olho de Liam
para a velhinha. Mas, logo, volto à questão mais importante para o momento. — O
que a senhora recomenda? — busco algum pequeno frasco remanescente em suas
mãos, mas ela apenas cruza os braços e sorri.
— Banhos gelados e tempo resolverão isso. — Bate nas costas da minha
mão e sorri, daquele jeito assustador, para Liam, antes de se sentar na poltrona
marrom e ligar a televisão. — Agora, é hora da minha novela. Cuidem-se,
crianças. As mudanças se aproximam.
Nada como uma previsão sinistra, para encerrar uma visita à casa da bruxa,
certo? Pelo menos, não fomos presos em gaiolas de ferro, esperando por nosso
momento de sermos devorados.

Mais um dia na minha rotina de sofrimento diário. Distraído, nervoso e


impossivelmente duro, eu a vejo saltar e girar junto à sua equipe, quando deveria
estar prestando atenção à porcaria do jogo. Não demora muito para que eu seja
derrubado, mais uma vez, e tenha que enfrentar a ira do treinador e do capitão do
time, que parece prestes a arrancar a minha cabeça.
— Precisamos de você cem por cento focado no campo! — Ash grita,
furioso. — Porra, Jas! Foco!
Não é como se eu não estivesse tentando. Jogo todo o conteúdo da
garrafinha térmica no meu rosto e tento me recuperar. A primeira jogada flui com
a competência pela qual me tornei famoso, e isso parece agradar muito aos meus
colegas de equipe. Porém, o meu foco dura pouco tempo. Basta apenas ouvir sua
voz, como acaba de acontecer, e pronto. Mais um treino onde minha concentração
foi prejudicada pela proximidade de seu perfume, que não me deixa pensar direito.
Caralho de garota gostosa!
— Não force a barra — a voz de Eli interrompe os meus pensamentos,
aproximando-se de mim quando dou um passo à frente, tentado a segui-la para
longe dali. — Ela parece ser tímida e, talvez, tenha que ser conquistada.
— Você não entende... — Esfrego o rosto, mantendo a respiração curta,
para evitar sentir o rastro adocicado de sua excitação.
Eu não resistiria.
— Ela também sente — o idiota garante. É claro que ele também sentiu.
Preciso travar o maxilar para não rosnar. Maldita Reivindicação Lunar. — Só não
está preparada. Parecia, até mesmo, um pouco assustada ao sair daqui.
Droga.
— Um banho gelado — falo, mais para mim mesmo, do que para o cara ao
meu lado. — É disso que preciso para me impedir de fazer uma besteira.
Que consistiria em obedecer ao meu instinto, persegui-la pelos corredores
vazios dessa faculdade e possuí-la no chão, ou contra a parede de alguma sala
desocupada, ouvindo-a gemer meu nome, enquanto arranha a minha pele. Algo
que, analisando agora, enquanto me arrasto até o maldito vestiário, não parece tão
má ideia assim.
Caralho de visão deliciosa.
Se não fosse Eli, que me segue feito uma sombra, talvez eu não estivesse a
caminho do chuveiro.
Se ela soubesse do que desperta em mim, sempre que foge, não o faria.
Os lobos são exímios caçadores. Predadores pacientes, eles esperam em
silêncio pelo momento certo de atacar. É possível que isso explique o fato de estar,
há quase quinze minutos, dentro de uma sala vazia, tentando ler mais uma vez o
mesmo trecho da matéria idiota envolvendo tributos.
Em um dia normal, seria o bastante para ter elaborado todo o trabalho que
devo entregar amanhã, mas não há nada de normal em mim, hoje. Mal consegui
pregar os olhos durante essa madrugada e nem mesmo uma corrida pela floresta
conseguiu dissolver a vontade insana que parece dominar todo o meu corpo.
Maldita hora que pus as mãos naquela garota.
Como se tivesse sido invocada pelos meus pensamentos, sinto seu cheiro
feminino, tão delicado quanto sua pele clara e macia, e me levanto lentamente,
preparando-me para o ataque. Porque já não consigo mais lidar com suas fugas e
com o cheiro hipnotizante que ela exala, sempre que estou por perto. Como se a tal
Reivindicação Lunar tivesse afetado a nós dois — algo impossível, já que ela é
apenas humana.
Os passos pesados, de alguém correndo, interrompem meu movimento
para trazê-la para dentro da sala, e o fedor de Chad II toma conta de quase todo o
espaço. Esse babaca, sempre disposto a estragar meus planos.
— Vicky! Terra para Victoria? — O idiota sorri, passando a mão diante do
rosto dela. Aparentemente, ela gostou do gesto, tanto quanto eu. Exceto que ela
não rosnaria, como desejo fazer agora. — Em que planeta você estava?
— Longe — responde, corando. — Aconteceu alguma coisa?
— Sobre a prova de amanhã... E se estudássemos juntos? Quem sabe, eu
possa te ajudar e...
Puta merda! Que ideia tosca é essa? E desde quando, essa garota é amiga
de Chad Babaca II?
— Não vai dar... — Sorri, apertando o código civil contra o peito de forma
defensiva. — Quem sabe, outro dia?
Quem sabe, nunca?
— Tudo bem — o idiota responde. — Quer uma carona pra casa? — E
esse merda não desiste, mas sigo assistindo à cena pelo reflexo no vidro da porta, e
a vejo negar.
Assim que ele sai pelas portas duplas que dão acesso à portaria, onde fica o
estacionamento, eu paro na porta e cruzo os braços. Esperando. Vicky arregala os
olhos e abraça ainda mais forte o livro, mas não recua. Na verdade, o brilho nos
olhos esverdeados parece quase um convite. Ou talvez, eu só esteja necessitado
demais por ela.
— Ele parecia muito disposto a ter um tempo com você. — Finjo que a
ideia não faz meu interior completo arder de ciúmes.
— É, eu notei. — Rompe o contato entre nós, quando baixa os olhos.
Sempre fugindo… — O que faz aqui, Jasper?
Em dois passos, estou a poucos centímetros de seu corpo, fazendo-a
arquejar pelo susto, mas o cheiro delicioso, que desprende de sua pele, não a deixa
disfarçar o que sente agora.
— Talvez, eu também queira um tempo com você — murmuro, roçando a
boca em sua testa, enquanto acaricio seu braço, até a curva do cotovelo. Fazendo-a
recuar, guiando seu corpo gostoso até tê-la cercada entre mim e a parede, do outro
lado do corredor. — Não consigo te tirar da cabeça, Raio de Sol. — Deslizo a
lateral do meu rosto pelo seu. — Preciso de um pouco mais daquele beijo. Do seu
gosto....
Não faz ideia do quanto.
— Jasper... — A porcaria de um encanto. Sem conseguir esperar muito,
abaixo a cabeça, deixando meus lábios se arrastarem pelos seus, transformando
nossas respirações em uma só, meu coração acelerado, na simples expectativa de
um beijo.
— Vicky! — a voz estridente, da fiel escudeira dos infernos, chama e me
faz murchar na mesma hora. Sempre ela.
Logo em seguida, o grupo de outros alunos, saídos do mesmo buraco que a
garota irritante, se aproxima e dá à Vicky a clareza de pensamento para fugir de
mim, mais uma vez. Só que, antes, seguro seu punho, fazendo-a se virar para me
olhar.
E, dessa vez, o que vejo em seu rosto me deixa ainda mais determinado a
tê-la. O sofrimento, ali, é reflexo do que me aflige e, por hoje, posso considerar
isso como uma pequena vitória.
— Vai haver uma festa na Colina, amanhã — aviso, e então, acaricio de
leve seu pulso, sentindo-o tão acelerado quanto as batidas frenéticas no meu peito.
— Esteja lá, por favor.
A pequena multidão começa a sair pelas portas duplas e, logo, a loirinha
fujona é tragada pelas pessoas e levada embora, enquanto me recosto à parede,
sentindo o peito pesado e as bolas terrivelmente doloridas. Maldita seja essa lua
idiota.

Observando o portão, tomo mais um gole da cerveja, enquanto observo as


pessoas chegando para as famosas festas na Colina. Detesto a sensação inquietante
que se acumula dentro de mim, a cada minuto que passa e não a vejo chegar.
Talvez, seja melhor que não venha.
— Qual é a merda da vez? — Liam, o mais próximo de um irmão que
terei, aproxima-se, recostando-se no gradil baixo diante da janela da sala. —
Ainda na fissura da novata?
— Caralho, Liam — esfrego o rosto, desanimado. — É tudo tão... intenso.
— É, uma merda do caralho. — Toma um gole longo da garrafa de vodka
vagabunda que separou para si. — A vantagem é que não dura para sempre.
Graças a Deus.
Eu, definitivamente, não aguentaria uma vida inteira disso.
— Boa sorte, irmão. — Liam Ashbourne, o futuro alpha do nosso clã, bate
a garrafa na minha, antes de se afastar. — Lembre-se de não reivindicá-la pra
valer, ok?
Sigo seu olhar e, logo, a vejo. Caminhando com seus saltos altos e finos
pelo jardim, usando um vestido curto rosa claro, na altura das coxas, sob o casaco
em um tom rosa mais escuro. Conversando com a amiga empata-foda, segue até o
salão, onde a maior parte das pessoas está e, pelo modo como move a cabeça,
parece estar procurando por alguém. Por mim.
Jogo a garrafa no lixo mais próximo e sigo em sua direção, ignorando todo
o resto da festa. Meu foco é apenas a loira gostosa, que me reivindicou
acidentalmente, na última lua cheia e deixou meu lobo desesperado por mais.
— Você veio — Paro à sua frente, observando-a corar.
— Porque eu obriguei — Katrina, uma das líderes de torcida, também
conhecida por interromper nossas interações, segue mantendo seu maldito posto.
— Não precisa agradecer, Jasper Hill.
Vicky revira os olhos e nos faz rir.
— Tenho uma dívida com você, Kat — aviso à garota, que avalia Mack,
alguns metros à frente, antes que seus olhos encontrem Liam, sentado, como
sempre, afastado de tudo, sem paciência alguma para ninguém. — Não vá tão
longe, não faço milagres — Aviso, fazendo-a rir mais uma vez.
Seus olhos claros voltam para Mack, que agora parece distraído em uma
conversa com Eli e uma garota. Esses dois...
— Não me importaria de ser o recheio daquele sanduíche — comenta de
forma pensativa, ao mesmo tempo que a amiga se engasga ao seu lado, totalmente
chocada com o comentário malicioso. — Vai me dizer que não ia querer?
Minha atenção totalmente focada em sua resposta, é claro. Mas Vicky
apenas tenta recobrar o fôlego e ignora a nós dois, o modo como meu corpo parece
consciente de cada movimento seu, é doentio. A centímetros de distância, consigo
sentir seu coração bombear com força, acelerado, e o perfume hipnotizante da sua
excitação, misturado ao seu cheiro adocicado usual.
Loucura. É tudo absurdo.
— Vamos lá, leve-me até o meu destino, bonitão. — Kat engancha um
braço ao meu e outro ao de Vicky, puxando-nos em direção aos dois idiotas, um
pouco mais à frente. — E aí, poderão ter um tempo a sós. Viu, como eu sou
boazinha?
Maluca, eu diria, em qualquer outro momento, mas, ainda assim, muito
eficiente em me ajudar, então, não reclamo, apenas sigo com seu plano e a levo até
os meus dois amigos, que parecem mais do que satisfeitos pela nova companhia.
Mack enlaça a cintura da garota, enquanto ela abraça Eli, que sorri de qualquer
coisa que o pequeno furacão tenha falado em seu ouvido. Desejo sorte a ela e, sem
conseguir esperar mais, seguro a loirinha ao meu lado pela mão, que, apesar de
arfar com a surpresa do gesto, não tenta se libertar, enquanto nos conduzo para
longe de toda a confusão. Na parte de trás da casa, escondidos pela construção
antiga, eu paro, cercando-a entre o meu corpo e a parede. Totalmente incapaz de
me manter longe por mais tempo.
— Pretendia seguir fugindo de mim? — Abaixo-me para falar em seu
ouvido, para que me escute acima do som alto, mesmo aqui. — Para que tanta
crueldade, Raio de Sol?
Noto quando ela estremece e, apesar das pupilas dilatadas e das batidas
enfurecidas do seu coração, eu me afasto. Porra! Eu não sou um selvagem. Não o
tempo todo, pelo menos. Com alguma dificuldade, recuo, enfiando as mãos nos
bolsos, para evitar tocá-la.
— Tudo bem, eu posso ter viajado, ou entendido errado. — Recuo mais
dois passos, sentindo o sabor amargo da rejeição corroer o meu paladar. — Talvez,
seja melhor nós voltarmos para a festa, Vicky.
Graças aos céus, ela não se move. Apenas dá um passo em minha direção
— hesitante e incerto, mas, ainda assim, o suficiente para fazer meu coração parar
por um segundo — ela aceita a minha mão, e logo reduz a distância entre nós,
colocando-se na ponta dos pés e, de forma delicada, exala o cheiro doce de seus
lábios, diretamente na minha boca.
Tortura.
— Raio de Sol, não faça isso comigo — a súplica sai em um rosnado
sofrido. — Não quero forçar nada e...
Não consigo terminar a sentença, já que ela envolve o meu pescoço com
uma das mãos delicadas e cola sua boca à minha. Não há como descrever o que
sinto nesse momento, além da sensação de, finalmente, estar respirando, após um
período longo embaixo da água. Surpreso, ainda de olhos abertos, perco-me nas
chamas esverdeadas dos seus, antes que ela os feche, se entregando. Meu corpo
reage de forma instantânea ao senti-la deslizar timidamente a língua em meu lábio
inferior.
Até que enfim — a fera que habita a minha pele comemora.
Seu sabor adocicado invade o meu paladar e inflama todo o meu interior.
Só isso explica a força com que agarro sua cintura, trazendo-a para mais perto, em
uma espécie de necessidade desesperada por mais contato. Por mais tudo. Quando
meus dedos torcem o tecido fino do vestido sob o casaco e Vicky geme baixinho
em minha boca, sinto o pouco controle, que havia conseguido reunir, escapar de
mim.
Ansioso por mais, seguro suas coxas e elevo seu corpo sem nenhuma
dificuldade, e começo a andar às cegas, até encontrar a parede da construção e,
sem conseguir me conter, traço todas as curvas delicadas da loira, absurdamente
gostosa, com as mãos. Tão malditamente gostosa. Roço os dentes de leve pela
curva do seu pescoço, antes de chupar a pele macia ali, sentindo-a aumentar o
aperto em meu cabelo, respondendo a cada investida minha, com igual desespero e
vontade. Um uivo ao longe, desperta-me da loucura obscena e me faz acordar do
transe, encontrando a garota que tem dominado meus sonhos com os olhos
cerrados e os lábios vermelhos e inchados por conta do beijo nada gentil que
trocamos.
— Raio de Sol... — Colo minha testa na dela, respirando aos arquejos,
enquanto transamos a seco, ainda vestidos, contra a parede da mansão Ashbourne.
Totalmente descontrolados. — Se continuarmos, eu não vou conseguir parar.
— Não pare... — implora baixinho, suas mãos apertando mais forte o meu
cabelo, enquanto seu corpo se move contra o meu. — Eu preciso de... mais.
Somos dois.
Eu não sou assim. Nunca fui tão… assanhada.
Sempre fui a garota exemplar e boazinha, aquela que não deu trabalho
algum à mãe, que a criou sozinha, e que nunca sai da linha. Isso explica o fato de,
nesse momento, eu ter a sensação de ser atropelada por um trem. Que, tem
aproximadamente um metro e noventa, braços fortes, olhos castanhos e brilhantes
e uma boca macia e exigente, que está me levando à loucura.
Enquanto seu corpo pressiona o meu contra a parede, em uma parte isolada
do lugar no qual a festa acontece, não consigo pensar em nada, além da
necessidade insana por mais. É como se uma parte adormecida, dentro de mim,
tivesse despertado — furiosa e exigente — e tudo o que ela quer é mais desse
homem, que parece tão desesperado quanto eu.
Sinto o meu corpo se arrepiar em todos os lugares onde as mãos quentes
tocam e é impossível me manter parada, quando o ouço gemer baixo em minha
boca, mordendo meu queixo, antes de descer os lábios pelo meu pescoço,
estremecendo ao sentir o toque das minhas mãos frias nos músculos de seu
abdômen, sob o tecido branco de sua camisa. Eu achei que isso nem existia fora
das telas do cinema.
— Raio de Sol... — a voz enrouquecida alerta, como se Jasper estivesse
lutando contra si mesmo — Eu não... Porra, eu não deveria...
Morde o lóbulo da minha orelha, e então, afasta o rosto apenas para olhar
minha face. A tristeza em seus olhos de chocolate líquido quase me comove — em
outra ocasião, eu realmente me preocuparia — mas, agora, apenas um ganido
indignado por termos parado, escapa da minha garganta. Mortificada, eu tapo a
boca e o observo sorrir.
— Eu não sei o que aconteceu comigo... — admito, ecoando meus
pensamentos. — Normalmente, eu não sou assim, mas...
— Está tudo bem. — Firma ainda mais uma das mãos grandes em minha
cintura, enquanto a outra viaja pelo meu pescoço, até encontrar meu cabelo,
fechando-se em punho ali, fazendo-me erguer a cabeça para olhar para ele. — Eu
também sinto, Raio de Sol. — Esfrega a ponta do nariz no meu. Um gesto
romântico, que deixa as minhas pernas bambas, ao mesmo tempo que arranca um
gemido vergonhoso da minha boca.
Definitivamente, essa não sou eu.
Não é que eu seja uma garota inocente de tudo — há algum tempo, sei bem
o que me leva a um orgasmo, porém, tudo o que aconteceu, até agora, é bem
diferente do que tenho feito sozinha há anos. Muito diferente. Observo quando
Jasper ergue a cabeça, as narinas se inflando quando puxa o ar com força, antes de
voltar toda a força dos olhos escuros para mim. De repente, tudo é demais: o toque
quente, o cheiro delicioso de lavanda e pinheiros que exala dele e seu corpo perto
e, ao mesmo tempo, longe demais. Não é o bastante.
— Jasper… — O tom suplicante em minha voz é vexaminoso, mas não
consigo me impedir.
— Que droga... — Inspira mais uma vez, agora, o nariz percorre o meu
pescoço e, quando volta a olhar para mim, há um ar de resolução em seu rosto. —
Eu tentei, porra, mas não posso mais resistir...
— Não resista — imploro.
E é assim que, segundos depois, Jasper Hill me devora. Com desespero,
desejo e algo mais... Algo que faz a dor que sinto entre as pernas aumentar e meu
corpo se aquecer de forma imprópria e exagerada. À medida que sua língua
explora o interior da minha boca, uma de suas mãos desce pela lateral do meu
corpo, e deixa um rastro quente por todo lugar que toca, fazendo-me suspirar, à
espera de mais.
Sua boca não deixa a minha, nem mesmo, quando uma de suas mãos
encontra a bainha do vestido curto e a sobe cada vez mais, em direção aos limites
da calcinha de renda que já se encontra completamente arruinada, a essa altura.
Quando as pontas dos dedos tocam o tecido fino, agarro com força nos ombros
largos, tentando me equilibrar, por conta do choque que o mínimo toque envia
para todo o meu corpo.
Os dedos sobem e descem pela extensão úmida, antes de pressionarem o
ponto inchado ali, me fazendo gemer dentro de sua boca, enquanto abro mais as
pernas, deixando-o mais livre para seguir em frente. Sem hesitar, dessa vez, ele
rosna baixo ao colocar a lingerie de lado e me encontrar totalmente molhada. Para
o meu choque, ele para tudo e se afasta. Os olhos brilhando de forma intensa e
ainda mais escuros, quando leva os dois dedos úmidos à boca, saboreando-os.
Meu rosto se esquenta, mas não consigo deixar de achar o movimento
incrivelmente erótico, e isso me torna ainda mais úmida do que antes.
Provavelmente, até o fim da noite, serei apenas uma poça derramada por aqui.
— Tão fodidamente gostosa. — Jasper termina de lamber o indicador com
os olhos focados em mim. Mais uma vez, ao longe, um lobo uiva na floresta,
fazendo-me pular no lugar. Olhando na direção em que a neblina já começa a
tomar conta. — Não se preocupe. — O sorriso que expande seus lábios é perigoso.
— Eles não podem te fazer mal.
— Me desculpe, se não confio muito nisso. — De alguma forma, encontro
a minha voz. — Eles são selvagens e podem fazer picadinho de nós. Tenho certeza
de que já ouviu sobre os perigos da floresta de Silent Grove.
Jasper gargalha, agarrando mais uma vez a minha cintura e puxando-me
para ele, ao me fazer sentir o quanto seu corpo também está afetado com a nossa
proximidade.
— O único perigo, para mim, essa noite é você, Vicky — o modo sério
com que diz isso, interrompe a minha gargalhada.
— Então, estamos a salvo. Eu sou só uma boa menina, vivendo uma
aventura. — O sorriso de Jasper não chega aos seus olhos, mas não tenho tempo
de pensar muito a respeito, já que, dessa vez, quando desliza de volta ao vão entre
as minhas pernas, sua mão vai direto ao ponto, sem nenhum preâmbulo e, quando
ele esfrega o ponto inchado e vibrante com os dedos, afundo meu rosto em seu
peito, aproveitando da sensação quente que domina cada parte de mim e me faz
amolecer nos braços fortes.
— Então, minha boa menina... — segue massageando meu clitóris,
fazendo-me abrir mais as pernas, quando seus dedos assumem um ritmo intenso e
sem pausa — vamos aproveitar o momento. — Morde o lóbulo da minha orelha,
deslizando os dentes pelo meu pescoço — Quero ouvi-la chamar o meu nome,
quando gozar nos meus dedos, Vicky.
Tudo bem. Em todos os romances que já li — os mais apimentados, claro
— eu sempre revirei os olhos para essas cenas. Achei brega e ri da cara dos
personagens, garantindo a mim mesma que teria uma crise de risos, ao invés de
sentir tesão, caso alguém me dissesse algo assim na vida real. E aqui estou eu,
com as unhas fincadas nos ombros largos de um jogador de futebol americano,
rebolando os quadris contra seus dedos ágeis, atormentada por um desejo
implacável, que parece capaz de roubar toda a minha sanidade, se eu não...
Ahhhhhh!
Quase. Meu corpo está se rendendo rápido demais. Nunca foi assim.
— O meu nome, Vicky — a voz rouca ordena. O volume rígido contra a
minha barriga é mais uma forma de tortura lenta. Seus dedos aceleram o
movimento e não consigo sentir nada, que não seja o jogador que agarra forte o
meu quadril, que se move de forma involuntária, buscando por mais. — O. Meu.
Nome.
Estou caindo.
Rápido. Forte.
E então, eu me perco, choramingando e gemendo baixinho dentro da boca
desse cara gostoso que sorri, enquanto acelera ainda mais os dedos em mim. Não
consigo me impedir de fechar os olhos e lançar a cabeça para trás, quando minhas
pernas amolecem e eu chamo seu nome contínuas vezes.
— Jasper… Jasper! — imploro, ainda em seu abraço, quando tenho a
impressão de que seus olhos parecem ainda mais escuros. Totalmente escuros.
O que seria impossível, é claro. Confirmo isso ao olhar novamente e me
deparar com a sua expressão um tanto chocada, mas satisfeita, os olhos fechados,
enquanto me beija. Meu corpo ainda sendo sacudido pelos tremores resultantes do
que acabamos de fazer, quando sua língua explora a minha boca de forma voraz,
mas terna; carinhosa de uma forma inexplicável, como se Jasper quisesse gravar
aquele momento para sempre.
Uma bobagem. Eu tenho certeza de que jamais vou me esquecer dessa
noite.
Ou dele.
Somente quando os uivos na floresta se intensificam e parecem cada vez
mais próximos, é que Jasper se afasta um pouco, respirando fundo em meu cabelo,
antes. O som de patas, em algum lugar às nossas costas, me deixa mais alerta.
— É só o Wolf — comenta baixinho, como se conseguisse saber
exatamente o que penso. — Ele é inofensivo, na maior parte do tempo.
Não demora muito para que o grande cachorro passe por nós, trotando
muito tranquilo em direção à casa, apesar dos uivos na floresta. Talvez, ele tenha
consciência do perigo que seria entrar em uma disputa com um animal selvagem
que, aparentemente, está se aproximando bastante dos limites da floresta, já quase
escondida pela neblina.
— Jasper, eu... — Totalmente sem graça, tento agir com uma naturalidade
que não sinto. Eu não menti quando disse que nunca havia feito nada assim.
— Está se sentindo melhor? — Em outra situação, eu acharia que ele está
se gabando, mas o olhar sério e preocupado em seu rosto, parece genuíno e não,
debochado.
— Eu acho que sim. — Aquele ardor de antes, adormecido, após a
bagunça dentro da minha lingerie arruinada. — Você?
Jasper não responde, apenas se afasta um pouco mais, segurando meu rosto
entre as palmas largas e beijando a minha boca mais uma vez. Sua língua
percorrendo meu lábio inferior, antes de chupá-lo, arrancando um gemido baixo de
mim e dele.
Um uivo mais alto ecoa, próximo demais, e sinto o suspiro desanimado do
jogador contra o meu rosto, antes que ele me abrace mais uma vez, apertando a
minha cintura contra a rigidez em seu quadril, antes de voltar a se afastar. Tomo
coragem e deslizo a mão sobre o volume evidente entre nós e ele exala de forma
entrecortada, fechando os olhos brevemente.
— É melhor voltarmos para a festa — murmura, com o maxilar travado,
parecendo contrariado. — Antes que Kat venha te buscar.
— É um milagre que ela ainda não tenha aparecido — brinco, enquanto
Jasper acaricia minha mão com a sua, rindo da minha declaração. — Mas os lobos
na floresta cumpriram bem o seu trabalho.
— É, eles cumpriram. — Os olhos castanhos brilham, um tanto furiosos.
— Mas teremos tempo, Raio de Sol. E muitas outras oportunidades. — O tom
esperançoso me faz sorrir.
Paraliso no lugar, diante de sua insegurança descabida. Jasper nota, claro, e
se vira para mim, sorrindo de modo relaxado, como faz durante os treinos e
sempre que o vejo pelo campus. A intensidade séria, de antes, totalmente
esquecida.
— Se você estiver interessada em mais aventuras comigo, claro. — Uma
piscadela faz meu corpo inteiro estremecer em antecipação.
Porque eu quero. Muito.
— Me pergunte novamente, amanhã. — Ele abre mais um sorriso, capaz
de me derreter por dentro, em resposta. Como se soubesse exatamente o que se
passa na minha cabeça, ele pisca novamente.
— Eu gosto do desafio, Vicky. — Segura firme a minha mão, antes de
começar a andar, liderando o caminho, sem se importar com os olhares sobre nós.
— Lembre-se disso.
Como se eu pudesse esquecer.

Já passa da meia noite e, deitada na minha cama, tento acalmar o meu


corpo para, finalmente, cair no sono, mas é impossível me manter quieta no
colchão, depois de tudo o que aconteceu nessa tarde. Já era quase sete e meia da
noite e a neblina espessa já cobria praticamente tudo, quando Jasper e Mack nos
deixaram em minha casa. Kat, surpreendentemente, manteve-se calada e um tanto
introspectiva, até se deitar no colchão que estendemos no chão do quarto e parece
ter dormido com muito mais facilidade do que eu.
Como minha mãe estava na sala e, claro, quis conversar sobre a festa com
a gente, não pudemos falar sobre tudo o que rolou, mas tenho certeza de que
saberei de tudo, nos mínimos detalhes antes que o café da manhã acabe.
— Tudo bem — ouço-a dizer, sentando-se na cama improvisada. — O que
aconteceu com você, para estar agitada desse jeito?
Antes mesmo que amanheça, então.
— Eu pensei que estivesse dormindo — respondo, ainda deitada. — Você
parecia... cansada.
— Eu estou moída, amiga — Kat responde sorrindo. — Olha, eu não sei
como as coisas rolaram com você, mas acho que fui estragada para sempre.
Sento-me de forma abrupta na cama, olhando com atenção para a minha
amiga, a tempo de notar seu rosto assumindo um tom vermelho intenso.
— Você realmente ficou com os dois? — Ergo a sobrancelha. — Eles
fizeram algo com você, que...
— Não precisa continuar. — Gargalha baixinho. — Eu só estava
provocando vocês. Mack é... intenso. Foi com ele que eu fiquei. E você?
— Jasper também é bem... — Ela ri ainda mais. — Se os lobos não
tivessem interrompido, talvez eu...
— Você teria transado com ele? — Kat se ergue e me agarra pelos ombros.
— Amiga, eu sempre achei que você estava esperando se apaixonar, antes de...
É, essa era a minha ideia inicial. Perder a virgindade com alguém, por
quem eu estivesse apaixonada, e Kat me ouviu repetir essas palavras tantas e
tantas vezes, que não posso culpá-la por se sentir tão surpresa.
— Foi uma... loucura — admito. — É quase como se eu não conseguisse
parar, até ter tudo o que pudesse.
E só de falar nisso, sinto meu corpo inteiro se aquecer de dentro para fora.
Aquela necessidade ardente, retornando com tudo, mais uma vez.
— Uau! — Ela se abana do calor hipotético. — Será que vai rolar de
novo?
— Jasper disse algo sobre continuarmos com a aventura. — Sorrio feito
uma boba. — Vocês?
— Não sei. — Dá de ombros. —Talvez, eu experimente um novo sabor, na
próxima.
— Não sendo o meu jogador, você pode ficar à vontade. — Bato meu
ombro contra o dela.
— Seu? — Ela bate o corpo contra o meu mais uma vez. — Talvez, a
paixão já esteja a caminho, não é? E, não se preocupe, é Elijah Crestmoon quem
está na minha mira agora.
— Que safada! — Abraço os ombros finos, enquanto ela tenta se
desvencilhar.
— Eu? Olha só quem fala! Toda derretida pelo running back do Warrior
Wolves.
— Cala a boca, Kat! — Jogo-me de costas na cama, me sentindo uma
adolescente boba.
Depois de um bom tempo falando bobagens sobre a festa e nossas
respectivas companhias, nós finalmente nos deitamos e, sonolenta, tenho a
impressão de ouvir um rosnado baixo do lado de fora — quase uma gargalhada.
Estou ouvindo coisas.
Depois de mais uma noite horrível, basicamente insone, rolando na cama
— em um quarto só meu, dessa vez, já que a reforma do segundo andar foi
encerrada, graças a Deus — sigo sendo bombardeado, inúmeras vezes, pelas
lembranças vívidas de tudo o que rolou entre a loirinha gostosa e eu, durante
aquela festa.
Não importa que eu já esteja na universidade, acompanhado pelos meus
amigos, esperando as aulas começarem, sigo sonhando acordado, sentindo desde o
gosto delicioso de sua boca, até mesmo o som dos gemidos e sussurros que
arranquei dela, enquanto afundava meus dedos em seu calor úmido, tentando
aliviar a tal necessidade provocada pelo meu sangue em seu corpo e pela tal
Reivindicação Lunar.
E aumentando a minha vontade em zilhões de vezes, é claro.
A quem eu quero enganar? Mais de uma semana, agarrando-a em todo
lugar, sempre que posso, tentando ter mais de Vicky, sem nunca me sentir
completamente satisfeito. Agora mesmo, parado diante da secretaria do campus,
eu a espero chegar. Impaciente. Necessitado.
É por causa disso, que não consigo parar de pensar nela. Vicky. Victoria.
Seus fios loiros, sua pele sedosa e aquela boca deliciosa, prestes a mastigar o meu
juízo, somente de olhar para mim. Exatamente como está fazendo agora.
Como é que vou ter algum controle?
Com sua atenção total sobre mim, aponto em direção ao campo vazio e,
sem esperar, sigo adiante. Apenas esperando ansiosamente. Não demora muito
para que eu sinta o seu cheiro adocicado e agarre seu corpo pequeno contra o meu.
Mais uma vez, esfomeado, permito-me prová-la. A fera, dentro de mim, rugindo
satisfeita, enquanto avanço sobre ela, tomando para mim tudo o que pode me dar e
entregando mais do que deveria.
Preciso mantê-lo fora disso. — Relembro-me ao descansar minha testa
contra a sua. Os olhos ainda fechados, conforme um sorriso lindo estica os lábios
grossos.
Minha — ruge meu lobo.
Volte para o seu sono de beleza, cara. Não complique as coisas para nós
— peço, antes de voltar a beijá-la, sem conseguir me refrear.
Totalmente sem controle, quando se trata dessa garota.

É natural que, após meu lobo fazer o seu decreto, eu tenha tentado me
afastar.
Aproveitando-me do início dos primeiros jogos da temporada e dos treinos
mais longos, tenho tentado me distanciar um pouco de Vicky, mantendo meu lobo
sob controle. Não estamos prontos para reivindicar alguém, ou tomá-la como
nossa. Ainda mais, uma humana. Ainda não. Embora eu a mantenha sempre sob a
minha vista, nunca me afastando demais, porque não sei se sou capaz de fazê-lo.
Mas esses são segredos que tenho guardado para mim, e tento combatê-los
sozinho, enquanto observo-a chegar à faculdade.
Estou prestes a reduzir a distância entre nós, mandando a porcaria do
afastamento autoimposto para os ares, quando Chad II, como o maldito fura-olho
que parece ser, aproxima-se dela e lança o braço nojento sobre os ombros finos,
cobertos por um casaco claro, realçando ainda mais o brilho dourado de seus
cabelos, enquanto ela olha para ele e abre um sorriso tímido, mas simpático.
Mas que merda é essa?
Alguém precisa conhecer o seu lugar. Que é longe, bem distante mesmo,
da minha garota. Estou prestes a ir até eles e tirar as garras do folgado de cima
dela, quando noto, pela visão periférica, Liam caminhando determinado até mim,
vindo, provavelmente, de uma das reuniões idiotas do Conselho — uma das
instituições remanescentes dos Acordos firmados, quando a maioria de nós ainda
não existia.
Um dos lados ruins de ser a porcaria de um lobisomem em Silent Grove.
Ou lobo, como preferimos chamar. A merda do passado, segue reverberando em
nossas vidas, até a presente data, através de regras idiotas e obrigações. A
seriedade em sua expressão e a força de sua mão em meu ombro me fazem parar e
me deixam subitamente preocupado. Seus olhos escuros acompanham a cena
ridícula, enquanto encaramos o babaca carente de atenção, com cara de poucos
amigos.
— A realeza da cidade — Brennan, um dos novatos na defesa do Warrior
Wolves e membro do nosso clã, comenta, parando ao nosso lado.
A cena é tão clichê, que até mesmo há uma brisa leve, movimentando os
cabelos loiros dos dois. Só falta a coisa toda em câmera lenta. Porra.
— Do que o adolescente tá falando? — Mack, que se mantinha quieto no
canto dele, também se aproxima. Uma espécie de plateia, para o babaca folgado,
se engraçando com a mulher dos outros sem qualquer noção.
— Do que tá falando? — questiono, desviando o olhar dos dois, um tanto
aliviado, quando ela se desvencilha dele e seus olhos encontram os meus, e ela
sorri. Um sorriso lindo, enquanto seu rosto cora violentamente. Chupa, fura-olho
do caralho. — Brennan?
— Greymane e Miller, juntos. — Aponta com o queixo na direção dos
dois. Vicky ainda olha para mim, enquanto o idiota fala sem parar.
Mas não correspondo ao seu sorriso. Honestamente, como poderia? Tenho
quase certeza de que a merda do meu coração parou de bater.
Não.
— Chad I deve estar emocionado — indiferente ao som terrível de algo se
partindo dentro de mim, ele segue falando, mas Liam o interrompe, mandando que
se cale.
— Não — nego, sinto-me um pouco tonto. — Cara, não.
— Eu devia ter buscado saber — Liam lamenta, baixando seus olhos
escuros para a ponta das botas pretas. — Mas é verdade, Jas. Aquela é Victoria
Miller.
— A minha Vicky não é uma Miller. — Não pode ser. Porra, não. Ou…
Tudo estará acabado entre nós, constato, desalentado.
— E, se não fosse, seria uma Lawson. — Brennan enterra meus sonhos de
vez. — Meu pai disse ontem, que o prefeito Graymane já planeja o futuro
casamento do filho com a garota Miller.
Casamento.
Garota Miller.
Caralho.
Tento buscar na memória todas as nossas conversas. Ela nunca falou seu
sobrenome. Uma aventura. Porra.
Nervoso, indignado e sentindo algo estranho, mas que ganha um volume
muito alto dentro de mim, a cada minuto que passa, eu tento me estabilizar.
— Jas... — Liam aperta meu ombro novamente. — É melhor irmos pra
casa.
Foco novamente seus olhos, ainda mais esverdeados na luz do sol, que bate
na lateral do rosto bonito e a deixa ainda mais irresistivelmente linda. E totalmente
proibida para mim.
Estava bom demais para ser verdade, não é?
Malditos sejam os acordos e os nossos pais, por nos tirarem da cidade
durante a adolescência, por medo de que nos encantássemos por alguma herdeira
das malditas famílias fundadoras, repetindo os erros de Owen Ashbourne, que
culminaram em toda essa merda e que nos deixa escravos do Conselho até hoje..
Não serviu para merda nenhuma, no fim das contas. Aqui estou eu, viciado nos
beijos de uma garota que foi proibida para mim, antes mesmo de nascermos.
Alheia à confusão que ameaça transbordar do meu corpo trêmulo, Vicky
acena para mim, um sorriso brilhante e lindo, que faz meu coração saltar dolorido
no peito. Incapaz de corresponder, apenas sigo Liam até nossas motos, sem olhar
para trás e, em poucos minutos, estamos em casa.
— Pelo menos, você não a reivindicou pra valer — Liam diz, alguns
minutos depois, estendendo-me um copo cheio do que parece ser uísque.
Ainda bem.

Tento lutar contra os braços que me prendem e um rosnado feroz irrompe


da minha garganta, fazendo meu peito vibrar.
— Sou eu, Jasper — o tom severo de Liam avisa, e eu me deixo relaxar,
sentindo o aperto forte das garras escuras em meus braços. — Caralho.
É a quinta noite, nos últimos sete dias.
São quinze dias evitando Vicky e me escondendo dentro de casa para que
não corra o risco de vê-la, mas, ao observar o estado de destruição do meu quarto,
as coisas não estão saindo como esperado. Droga!
— Cara, que merda é essa? — questiona. — Ainda por causa da loirinha,
Miller?
Não há nada de diminutivo, em se tratando de Victoria Miller, e é hora de
eu admitir isso, antes que alguém se machuque de verdade.
— Eu preciso de ajuda — murmuro, sentindo meu peito arder ao menor
pensamento com relação àquela garota. — Porra, cara, eu tô muito ferrado.
Os olhos do meu futuro alpha se estreitam em minha direção.
— Mas você disse que não a reivindicou — pondera.
— Eu não... Não. — Repasso em minha cabeça todos os momentos e não,
não houve reivindicação alguma. — Caralho, Liam! Tem alguma merda errada
comigo.
— Meu pai acha que devemos procurar a Sra. Holloway mais uma vez. —
Ele também não parece feliz em ter que estar na companhia daquela coruja velha.
— Talvez ela tenha algum remédio para reduzir essa… obsessão.
— É o que eu espero. — E essa é a mais pura verdade. — Não dá para
ficar pior do que já estou, não é?

É. Eu estava enganado, no fim das contas.


Dá para piorar. E muito.
Sentado na sala pequena da casa da Sra. Holloway, sob a mira de seu olhar
atento, finjo não me sentir acuado ou estremecer, a cada vez que ela se aproxima,
como se conseguisse ver dentro de mim. Talvez ela veja.
— Ele não a reivindicou — Liam repete, mais uma vez, a mesma coisa que
afirmei outras tantas vezes. O quarterback, vestido de preto dos pés à cabeça, com
os braços tatuados à mostra, parece inconformado com o silêncio da mulher. —
Sra. Holloway? O meu... pai disse que a senhora poderia nos ajudar. Ele está certo
ou não?
Ela desvia os olhos para ele, observando-o entretida. Liam sempre tem
dificuldade em falar de Owen Ashbourne. Se pelos longos sermões, através das
chamadas de vídeo, ou por tudo o que aconteceu no passado, e resultou nessa
merda de Acordo dos infernos, não sei dizer. Mas, neste momento, não nutro
simpatia alguma por ele. Se não fosse a tal proibição de merda, eu não estaria
aqui, humilhando-me atrás de uma poção ruim, para tentar me esquecer de
Victoria Miller.
— Não há muito a ser feito, agora, creio eu. — Aponta para mim e para as
veias escuras, mais pronunciadas em meus antebraços. — Ele a quer. — Um
suspiro triste, antes da pausa dramática que, eu tenho certeza, vai mudar a minha
vida toda. — Seu lobo a escolheu, criança. Um Hill e uma Miller, juntos. —
Considera por um momento. — Interessante.
Sério mesmo? Porra.
— Eu não a reivindiquei! — Descontrolo-me diante de toda a situação. —
Como é que pode...
— Acontece, às vezes. — Usando um vestido florido e um casaco
amarronzado, ela bate algumas vezes a mão enrugada nas costas da minha. — Seu
lobo viu, nela, algo que o conquistou. Ou talvez, isso já estivesse destinado a
acontecer, quem saberia dizer? Não era uma Reivindicação Lunar, no fim das
contas. Se não foi você a fazê-lo, a garota Miller o reivindicou, Hill. Ou o seu
lobo. Está preparado para enfrentar uma guerra?
— Sem guerras. — É meu amigo e líder quem toma a frente, diante da
minha evidente falta de ação. — Nós vamos seguir cumprindo os acordos.
— Por enquanto. — Ela se levanta com alguma dificuldade e caminha até
a cristaleira, cheia de recipientes de vidro, escolhendo um deles, o tom verde
leitoso do líquido lá dentro, não é nada apetitoso ou animador. — Não desanime,
Jasper Hill, nem tudo está perdido. Confie em seu lobo, às vezes, o instinto nos
salva de grandes perdas.
Ah.
Porra.
— Por enquanto, mantenha-se longe dela. — Volta a se sentar, pegando o
controle remoto na mesinha mais ao centro da sala. — Apenas até se controlar
melhor e entrar em total comunhão com o seu lobo. Em breve, eu creio. Esse elixir
vai ajudá-lo a domar a sua fera e deixá-la mais disposta a esperar pelo momento
certo. Boa sorte.
E, simples assim, como se não tivesse acabado de me informar que eu
viverei uma vida de merda, separado da minha escolhida para sempre, ela começa
a assistir à porcaria de uma novela turca, dispensando-nos sem nenhuma
cerimônia.
— Porra, Jas! — Liam aperta meu ombro em sinal de apoio. — Nós vamos
tentar algo.
— Algo do tipo: pular de uma ponte, quando ela se casar com Chad II? —
Observo o sobrado amarelo à frente, sentindo o perfume adocicado invadir meu
olfato e a sensação é a de respirar pela primeira vez, após muito tempo prendendo
a respiração.
— Isso, provavelmente, não te mataria, seu filho da puta — Liam afirma,
colocando o capacete e montando em sua moto. — Mas deixaria a sua mãe brava
pra caralho. Não volte a falar merdas. Nós vamos dar um jeito.
Eu realmente queria ter tanta confiança. Guardo o pote de vidro dentro do
bolso interno da jaqueta e coloco meu capacete, antes de montar na minha moto e
sair dali.
Fodido para caralho.
Nada de final feliz para Jasper Hill, ao que tudo indica. Esse é o tipo de
coisa que acontece com os príncipes, não com os lobos.
Três meses depois...

Jogador Fofo e Sr. Idiota — é como tenho chamado as duas personalidades


do jogador que corre incessantemente pelo campo, nesse momento. Uma
referência fajuta a “O Médico e o Monstro”, eu sei, mas não consegui nada mais,
que expressasse as inúmeras mudanças das atitudes dele com relação a mim, nos
últimos tempos.
Para minha surpresa, do estágio de nos agarrarmos em toda e qualquer
oportunidade pelo campus, passamos a ser meros conhecidos, que se esbarram de
vez em quando pelo campus da Universidade, ou durante os nossos treinos. Sem
nenhuma conversa ou explicação. Tudo apenas aconteceu, de uma hora para a
outra.
Hoje é um dos dias em que o Sr. Idiota é quem está no comando do corpo
de Jasper Hill — é o primeiro pensamento, quando o vejo dar o melhor de si no
treino, junto com os seus amigos, sem me dispensar sequer um segundo olhar. A
frieza nos olhos castanhos não combina em absolutamente nada com o modo
como me olhou, dois dias atrás, quando nos encontramos em um dos corredores
do prédio no qual cursamos Direito. Naquele dia, havia um brilho triste e desejoso
quando me cumprimentou, hesitante, e se desculpou ao esbarrar em mim
brevemente, a caminho da próxima aula, sendo engraçadinho, como o Jasper que
conheci naquela noite da festa, e por quem acabei me apaixonando, se eu for bem
honesta comigo mesma.
É mesmo a minha cara, acabar apaixonada pelo cara com quem me
arrisquei em meu único momento de rebeldia. Parabéns, Vicky. Brilhou!
— Quem ele é hoje, amiga? — Kat se aproxima, sacudindo os pompons,
mas basta uma olhada na expressão revoltada em meu rosto, para que ela saiba. —
Ah, droga.
Ela não espera a minha resposta, porque, quando Jasper agarra a cintura da
ruiva, vestida de preto dos pés à cabeça, e beija a lateral de sua testa, envolvendo-a
de forma íntima, a resposta fica bem clara. O que eu realmente esperava que fosse
acontecer?
— Vicky... — Kat começa a dizer, mas eu apenas nego e volto aos
alongamentos. — Ele é um idiota.
— Não importa. — Sentada no tapete emborrachado, estico as pernas à
minha frente e alcanço as pontas dos pés. — Ele pode fazer o que quiser, não
temos nada um com o outro.
Se o meu coração iludido dói, ninguém precisa saber. Mesmo que Elijah,
com seus olhos irritantemente claros, sorria de forma triste para mim, como se
tivesse ouvido a minha declaração e discordasse dela, antes de voltar ao seu treino.
Jasper Hill que se dane!

Eu sempre tive sorte.


É algo que sempre irritou muito minha prima, Harper, e acabou resultando
em muitas brigas e discussões ao longo da nossa infância. Até mesmo Kat tem
dificuldade de lidar com o fato de que, normalmente, as coisas costumam dar certo
para mim.
Mas, isso foi antes.
Tenho quase certeza de que aquele babaca acabou roubando a minha sorte
com um beijo — como naquele filme dos anos 2000 — e agora, a azarada da vez,
sou eu. Só isso explica, eu estar totalmente encharcada de chuva, abrigada sob a
guarita do hotel em Montbianc, aonde o jogo desta tarde aconteceu, enquanto a
tempestade lava tudo ao redor. Aparentemente, uma árvore caiu na estrada e parou
o trânsito completamente. Então, os responsáveis pelas equipes decidiram
pernoitar por aqui e seguir viagem de volta à Silent Grove pela manhã.
Além disso, bastou uma ida ao banheiro, para que me deixassem trancada
para fora do quarto, sem a porcaria da chave, enquanto o resto da minha equipe
curte em algum lugar da cidade, bem maior do que a nossa. Maldito momento para
Kat ter faltado ao jogo, por causa de uma gripe, ou ela certamente não teria
deixado que saíssem do hotel sem mim.
E é claro que o meu celular estaria descarregado.
Com o desânimo crescente, e sem ter como avisar à minha mãe sobre o
imprevisto, apoio os braços no balcão, enquanto espero, ainda com a mochila nas
costas, até que a funcionária encontre o zelador para abrir a porta do quarto para
mim com a chave mestra, mas o homem parece bastante ocupado, nesse momento.
— Estou tentando falar com ele, querida. — A mulher bonita, com os
olhos escuros realçados pela sombra azulada, sorri para mim. — Por que não se
senta na recepção, enquanto espera?
Olho para mim mesma, totalmente molhada de chuva e, então, para os
sofás claros dispostos diante do que parece ser uma lareira. Que situação, meu
Deus. Aproximo-me da parede de pedras, ali no saguão, e logo, o calor do fogo me
aquece. Minha pele, gelada por conta da chuva, arrepiando-se com a diferença de
temperatura.
Encontro um banquinho metálico e me sento, apoiando a mochila no colo,
enquanto espero que a chuva passe e eu possa ir encontrar o resto da equipe, ou
que o zelador ocupado chegue. Qualquer uma das opções me atenderia
perfeitamente.
Estou observando as pessoas, que andam para lá e para cá, com seus
guarda-chuvas abertos e suas roupas pesadas de frio, e permito à minha mente
descansar. Não há muito o que eu possa fazer no momento, não é mesmo? Mas
então, logo ouço o som de passos se aproximando cada vez mais rápido de onde
estou e parando abruptamente, seguidos de um murmúrio baixo — um
xingamento, para ser mais exata — e, quando ergo os olhos, encontro-o ali, já de
banho tomado, vestindo calça jeans e uma camiseta branca sob a jaqueta dos
Warrior Wolves, com o olhar fixo em mim.
Não é possível.
— Porra! — O Sr. Idiota esfrega o rosto e xinga mais alguns palavrões,
antes de se apoiar na parede, tirando o telefone do bolso. — Nem um minuto de
sossego, nessa merda de vida!
As luzes do corredor piscam, enquanto um trovão ecoa do lado de fora,
fazendo-me estremecer. A pobre mulher no guichê também me pareceu bastante
assustada com o rompante do jogador idiota que agora para à minha frente,
catalogando a minha situação deplorável. Seus olhos focados na ponta do rabo de
cavalo que goteja no piso de madeira.
— O que faz aqui desse jeito, Victoria? — questiona, em um tom nervoso,
quase acusatório.
— Minha equipe decidiu ir a algum lugar, enquanto eu fui ao banheiro —
respondo educadamente. — Levaram a chave e a moça da recepção ainda não
conseguiu achar o zelador que, aparentemente, é a única pessoa que pode abrir a
porta para mim. Meu celular descarregou e...
Um casal passa correndo pelas portas de vidro e uma rajada de vento joga
uma mecha ensopada do meu rabo de cavalo em meu rosto, os olhos castanhos
acompanham o movimento com atenção, antes de pegar o telefone no bolso e
discar rapidamente, afastando-se.
Mais xingos depois, ele volta a se aproximar, ainda com o telefone na
orelha.
— Caralho, Elijah... — E vamos para mais uma rodada de xingamentos e
maldições. — O que quer dizer com... merda! Tá bom! Tá bom, caralho! — apela,
antes de jogar o telefone na bolsa. — Os idiotas estão com as suas amigas em um
pub longe daqui e devem demorar.
— Maravilha! — constato, logo, pego uma revista de fofoca que estava
sobre a mesa e começo a folheá-la, enquanto tremo de frio sob o casaco úmido.
Não que eu vá reclamar de algo assim com ele, é claro.
— O que pensa que tá fazendo? — As luzes piscam de novo e ele estala a
língua, fechando os olhos e puxando o ar com força, impaciente.
— Aproveitando meu tempo livre? — debocho, apesar de acabar
mordendo a língua enquanto bato os dentes. — Logo, o zelador vai aparecer e...
— Você vai acabar pegando uma pneumonia. — Tira as mão do bolso e se
abaixa para pegar a minha mochila, tomando-a de mim. — Precisa tirar essa roupa
molhada e de um banho quente. Vamos.
— Prefiro esperar pelo zelador. — Puxo a alça da mochila de volta,
tentando trazê-la para o meu colo outra vez. — Obrigada.
— Victoria, eles vão demorar — avisa, usando um tom frio e pausado, mas
que faz uma descarga de adrenalina correr em minhas veias. — Você vai ficar
doente por usar essas roupas encharcadas. Tá frio para caralho, hoje, então, pega
essa porcaria de mochila e me siga. Por favor.
O Sr. Idiota tem razão, dessa vez. E o vento, sempre que alguém abre a
porta, está realmente congelante. Por isso, sigo-o até as escadas — já que as luzes
piscam o tempo todo, tornando o elevador um tanto inseguro — e após alguns
lances de degraus, chegamos a um corredor acarpetado antigo e paro, logo atrás
dele, que abre a porta de madeira branca e dá um passo para o lado, abrindo
espaço para que eu passe, antes de me seguir, fechando-a logo depois.
Jasper segue até o sofá pequeno, diante do cômodo onde ficam as camas de
solteiro, e deixa minha mochila ali, enquanto sigo até o armário de madeira e, na
ponta dos pés, tento pegar uma das toalhas brancas empilhadas na prateleira, sem
muito sucesso, por causa da baixa estatura.
Sinto a sensação agradável do calor de seu corpo atrás do meu, ainda que
ele não encoste em mim em momento algum, antes que ele pegue a toalha branca
e a estenda para mim.
— Tire o casaco, eu vou pendurá-lo na cadeira, perto do aquecedor, para
ver se ele seca um pouco. — Desço a peça molhada pelos meus ombros, focando
as pontas sujas de lama dos meus tênis, incapaz de olhar para Jasper, que respira
de forma pesada e constante, antes de se afastar.
Eu deveria ficar calada. Sei bem que eu e Jasper nunca tivemos, realmente,
nada um com o outro, mas não consigo me conter. Essa parece ser a única
constante, sempre que esse sujeito está próximo a mim.
— Aconteceu alguma coisa? — nada mais do que um murmúrio. — Eu fiz
algo que…? — pergunto, a caminho do banheiro. — Não éramos amigos, mas...
Jasper abaixa a cabeça e, com as mãos na cintura, em uma postura rígida,
ele nega, puxando o ar com força.
— Não. Sem conversa, Victoria. — Aqui está o tom frio novamente, me
fazendo odiar a indiferença com que diz o meu nome. — Tome logo o seu banho e
vamos sair daqui.
A indignação toma o meu sangue. Quem ele pensa que é, para ficar me
dando ordens assim?
— Eu realmente não te entendo! — A raiva tingindo cada palavra que sai
da minha boca. — Será que dá pra mandar a versão idiota embora, por um
minuto? Quer dizer, o que eu te fiz, para ser tratada dessa forma? — Jasper se
afasta, mantendo-se de costas para mim, diante da mesa redonda de dois lugares,
disposta ao lado do sofá pequeno. — Por que se preocupar se eu vou pegar a
merda de uma pneumonia, se mal consegue tolerar a minha presença?
Quando o arranjo floral que estava sobre a mesa acerta a parede,
quebrando-se em milhares de pedaços, eu me calo. Jasper se vira em minha
direção, o maxilar travado com força, enquanto caminha até mim, fazendo-me
recuar até a parede, coberta com um papel de parede avermelhado. A violência do
gesto deveria me deixar em pânico, mas tudo o que sinto é calor. Além de uma
descarga de energia que percorre meu corpo todo e faz meu coração se acelerar,
totalmente fora de controle.
— Eu. Disse. Não. — Rosna indócil. Engolindo em seco quando os olhos
furiosos encontram os meus e então, descem para a minha boca. Minha pulsação
martelando em meus ouvidos, quando ele atinge a parede ao lado da minha
cabeça, com a mão espalmada. — Porra! Eu não posso mais...
Desce o rosto até o meu pescoço, puxando o ar ali, antes de correr o nariz
pela linha do meu queixo, até estar mais uma vez de frente para mim. À exceção
do seu nariz, apesar da distância pequena, nenhuma parte do seu corpo toca o meu.
— Não existe “nós”, quando se trata de mim e você — murmura, mais
para si mesmo do que para mim. Sua boca tão próxima à minha, que consigo
sentir de leve o roçar dos lábios contra os meus. — Não há futuro...
O sofrimento que seus olhos revelam, faz meu coração se apertar e não
consigo me impedir de erguer uma mão e tocar a lateral de seu rosto, observando-
o fechar os olhos e seus ombros caírem, em uma postura derrotada e triste.
As inúmeras variações de humor irão me enlouquecer. O que aconteceu,
Jasper?
— Não faça isso — a súplica sai em um fio de voz. — Não, quando... é tão
fodidamente injusto... — Deixa a cabeça pender no espaço entre nós e, quando
ergue os olhos, a tristeza ali, em nada combina com a frieza de seu tom de voz. —
Chad é o cara pra você. Não eu. Tome o seu banho e vista uma roupa seca, por
favor. Fique à vontade, eu vou esperar lá fora.
Dá as costas para mim, como se o assunto estivesse encerrado e eu não
tivesse direito a dizer nada mais.
— Chad? — questiono, indo atrás dele. — Que loucura é essa? E se eu não
quiser? E se não estiver interessada? Eu não entendo... Isso tudo é ciúme? Jasper,
eu e Chad não somos mais do que bons amigos e... — Não consigo evitar de rir de
toda essa situação idiota.
Mais uma vez, ele parece perder o controle e avança, parando à minha
frente em uma postura tensa, mas não ameaçadora. Desespero é o que cada
movimento e a expressão em seu rosto denunciam.
— Quem me dera, fosse tão simples... — Uma risada sem humor algum.
— Não... É muito mais do que isso, Victoria. — Seu indicador e dedão seguram
meu queixo com força, erguendo meu rosto para ele. — Quer a verdade? Eu odeio
o Chad, por ter tudo o que não posso ter. Chame de inveja, cobiça, ciúmes, a
merda que for — rosna, enquanto esfrega o dedão contra o meu lábio inferior. —
Satisfeita? Eu me sinto miserável a cada minuto longe de você e não poder fazer
nada tá me matando. É isso que queria saber? É o suficiente?
— Mas, Jasper, não é ele que eu quero — murmuro em um lamento, contra
o seu polegar, atraindo sua atenção para os meus olhos.
— Não importa. — Desliza sua boca contra a minha, antes de morder de
leve meu lábio inferior. — Você não entende...
Não posso mais.
Por isso, não penso muito, antes de colar minha boca à sua, mordendo seu
lábio inferior, antes que minha língua encontre com a dele de forma urgente e
vigorosa, agarrando os seus ombros quando ele tenta recuar, sentindo o calor do
seu corpo tomar o meu, fazendo-me esquecer das roupas molhadas e de todo o
resto.
Quando suas mãos percorrem minhas costas, pressionando-me com força
contra o peito largo, antes de alcançarem o meu cabelo, enroscando uma delas no
rabo de cavalo, puxando os fios com força, enquanto desce a boca pelo meu
pescoço, finalmente, entregue ao momento, sinto-me exultante e poderosa.
— Não... — murmura, entre as mordidas e os puxões de cabelo. — Não
podemos, Vicky. Eu não posso... Não há um futuro para nós. Vou te magoar e me
odiar por isso, depois. Não...
— Eu não me importo. — E, chocada, constato que é verdade. Agarro com
força os seus ombros, antes de deslizar as unhas para sua nuca. — Desde que eu
seja sua. Nem que seja só dessa vez.
— Porra! — Uma espécie de rosnado meio animalesco irrompe de seu
peito — Não entende o que eu sinto, não é? A necessidade... a dor, meu Deus,
Vicky, tem alguma ideia do que tá me pedindo?
— A necessidade... — murmuro, sentindo meu peito arder
desesperadamente e meu ventre se contrair dolorido, quando levo sua mão rumo
ao meu centro, para que entenda o que estou dizendo. — Eu sinto, Jasper. Eu sinto
tudo.
Ele se afasta um pouco, o bastante para que seus olhos encontrem os meus
— assustados, maravilhados — e, então, roça a ponta do nariz no meu, antes de
me erguer em seu colo com habilidade, enquanto circulo sua cintura com minhas
pernas e ele nos conduz até uma das camas de solteiro, sentando-se ali e
afundando o rosto em meu peito, como se pudesse ouvir e sentir o turbilhão de
emoções que acontece aqui dentro. Borbulhando em meu interior, como sempre
acontece quando ele está por perto. Jasper corre os dentes pelo meu colo, meu
pescoço e meu queixo e, então, ergue o cropped úmido do meu uniforme, junto
com o sutiã, deixando-me totalmente exposta para seus olhos escuros, voltando a
cabeça para o mesmo lugar, como se para confirmar algo.
— Você não seria tão cruel, a ponto de me dispensar assim, não é? — digo,
após algum tempo sentindo-o respirar de forma pesada, aninhado em meu peito.
— Não sei o que fazer — geme baixinho, quando me movo sobre o seu
colo. — Isso vai doer, Raio de Sol. — Afasta-se e esfrega o peito, na altura do
coração. — Mas eu não sei se posso negar qualquer coisa a você. — Decidido, ele
ergue seu rosto e me encara com firmeza, encaixando-me melhor com sua ereção,
que atinge o ponto sensível no alto das minhas coxas mais uma vez, nos fazendo
arfar.
E quando sua boca reencontra a minha, não há dúvida ou confusão. Como
antes, Jasper me devora. Seus dentes, sua língua, as mãos que apertam com força
os meus quadris — seu corpo inteiro está presente e envolvido nesse beijo
delicioso que me faz suspirar, entregando-me totalmente ao momento.
Até que as batidas na porta, anunciando a chegada de alguém, interrompem
o momento e eu abro os olhos, a tempo de ver a expressão de sofrimento no rosto
do homem que me agarrava, desesperadamente, segundos antes.
— Precisamos atender? — meu tom, pouco mais do que um sussurro
sofrido.
— Existe mesmo um ser misericordioso olhando por mim, no fim das
contas. — Jasper exala, levantando-se, me colocando no chão e recuando um
passo. — É melhor ir tomar seu banho, Vicky. — Aponta para o banheiro. — Vou
ver quem é.
Horas depois, deitada na cama, ouvindo as risadas afetadas das garotas
bêbadas, que Elijah anunciou terem retornado ao hotel, quando bateu à porta,
interrompendo meu momento com Jasper, eu tento dormir, enquanto sinto meus
lábios formigarem, ainda sentindo a textura macia e a urgência dos beijos de mais
cedo. Nunca foi assim.
O que é que ele esconde?
Qual seria o segredo de Jasper Hill?
Seria sempre assim? A necessidade, o tormento... Esse vazio dentro do
peito sempre que ela está longe?
Mas que merda.
Esfrego o rosto e tento me manter alerta, enquanto olho para a trilha de
sangue que se estende pelos próximos metros, que levam aos restos mortais de um
turista e suas coisas, espalhadas por todo o lugar.
— Que merda, cara. — Mack, vestindo apenas uma boxer preta, para ao
meu lado na floresta, enquanto esperamos que Liam chegue da reunião do tal
Conselho. — É o terceiro, nas últimas duas semanas.
— E por falar nele... — respondo, olhando para os faróis de moto que
irrompem através das árvores.
— Caralho! — Ouço, antes que consiga vê-lo. — É o terceiro ataque
consecutivo e o Conselho já está na minha cola, por causa dessa merda.
Precisamos encontrar esses malditos invasores, Mack...
— O rastro deles está cada vez mais próximo do centro da cidade, Ash. É
como se eles estivessem procurando por alguma coisa...
— Ou alguém — complemento, observando o semblante sombrio dos
meus amigos. — Talvez, seja hora de aumentar as vigílias. E expandir o perímetro
para dentro da cidade.
— Merda! — ele xinga e esfrega o rosto, antes de concordar. — Não é
como se tivéssemos escolha, os babacas emproados terão que lidar com isso. Vou
avisá-los, assim que chegar em casa. — Ao longe, a sirene dos carros de polícia
nos alerta e trocamos um olhar cúmplice, antes que o primeiro carro pare, alguns
metros à frente. — Vão pra casa, eu vou lidar com o delegado Mooncrest e os
encontro lá. — Mack assente e, logo, o lobo de pelos acinzentados corre para
dentro da floresta, estou prestes a me transformar, quando sinto a mão de Ash
sobre meu braço. — Acha que consegue? As rondas, agora, vão envolver o centro
da cidade e...
— Não vou quebrar, Liam — garanto a ele, antes de me transformar e
correr em direção ao centro da cidade sob minhas quatro patas.
Não mais do que já estou quebrado.

Três dias em rondas infinitas e sem energia para ir à faculdade — em parte,


pelo cansaço de passar a noite quase toda acordado, mas, se for honesto comigo
mesmo, admitiria que é apenas mais uma tentativa boba de evitar me encontrar
com o objeto da minha obsessão. Não é como se eu precisasse de mais incentivo
para isso.
Maldito lobo do caralho.
Victoria Miller: que merda de decisão ridícula. Eu poderia ter Viv —
observo a ruiva que acaba de desmontar de sua moto e corre apressada para dentro
do prédio da administração, com os cabelos vermelhos voando atrás de si — ou
qualquer outra garota nessa merda de cidade, mas, não... Ele não poderia se
contentar com nenhuma delas.
Claro que não.
Sua escolhida teria que ser a única que é totalmente proibida para nós.
Abaixo a cabeça, em uma negativa lenta e desalentada, antes de ajeitar a
mochila sobre um dos ombros e, finalmente, entrar no prédio destinado ao Direito,
rezando para não encontrar a loirinha, que é capaz de banir qualquer pensamento
meu, com apenas um olhar.
Assim que termino de cruzar o corredor e entro na segurança da minha sala
de aula, respiro aliviado e consigo, finalmente, desligar a mente de todos os
problemas e focar apenas no que o professor fala, ignorando toda a merda que
acontece ao meu redor.

A tranquilidade durou apenas algumas poucas horas. Agora, sentado em


uma cadeira desconfortável, ouvindo um bando de engravatados, com idade para
serem meus pais, discursarem sobre as nossas responsabilidades e as mais variadas
formas passivas de tentarem nos culpar pelos ataques aos turistas, nos últimos
dias, ela se esvaiu.
Liam, de pé ao meu lado, também não parece estar gostando do tom da
conversa e, considerando os nós brancos em seus dedos, apoiados no encosto da
cadeira, falta pouco para que ele jogue tudo para o alto e fale o que realmente
pensa sobre os covardes, que nada fazem, além de nos dar ordens, como se
fôssemos cães de guarda.
Babacas pretensiosos.
— Estamos fazendo tudo o que podemos — o delegado Mooncrest, pai de
Elijah, intervém, ao notar o nervosismo evidente de nosso futuro líder. — Tenho
certeza de que...
— Um pirralho, que não sabe acatar ordens, está cuidando de tudo? — o
prefeito Graymane interrompe o delegado e o rosnado baixo de Liam ecoa no
espaço fechado da sala onde estamos conversando.
Não surpreende quando o quarterback se aproxima da mesa,
vagarosamente, e apoia as palmas no tampo, a fim de ficar cara a cara com o
prefeito.
— Xingue o quanto quiser e fale as bobagens de sempre, mas não me
desafie, Graymane. — Mais um rosnado perigoso. — Eu e Jasper podemos
destruí-los em questão de segundos, e isso nem seria uma ideia tão ruim, nesse
momento.
— Ashbourne! — O reitor se aproxima, enxugando a testa com um lenço
antiquado. — Essa foi uma brincadeira sem graça. Vamos voltar a discutir as
medidas a serem tomadas, ok?
Liam se vira, para voltar ao lugar, e abre um leve sorriso, antes de se sentar
novamente, ao lado do delegado, um pouco mais à frente.
O resto da reunião — mais duas horas sofridas — segue seu curso, quando,
finalmente, os outros encerram o assunto com nenhuma decisão muito bem
acertada, o que torna tudo ainda mais inútil e desgastante. Estamos quase deixando
a sala e seus móveis antigos, quando o prefeito passa por nós e resmunga baixo,
para que apenas Liam consiga ouvir — ou, pelo menos, essa deve ser a sua
intenção, desconsiderando que há mais de nós com audição apurada no espaço
confinado.
— Nunca mais me ameace, cria insolente. — Enxuga os cantos da boca em
um lenço de tecido que acabou de sacar do bolso. Como a porcaria de um
gangster do passado.
— Basta que não me subestime, Graymane — meu irmão responde no
mesmo tom, enquanto aperta mais firmemente a mão do homem, que sai da sala
abrindo-a diante do rosto, provavelmente, conferindo se não há algum osso
quebrado. — Vamos?
— Por favor — respondo e, lado a lado, deixamos a reitoria. — Um
engradado de cerveja será pouco, para encerrar essa noite.
— Nem me fale. E ainda temos que buscar mais do elixir na Holloway. —
E, nesse momento, sinto-me murchar mais um pouco. O gosto daquela gosma
esverdeada é terrível, fora que não tem funcionado mais do que alguns poucos
dias.
Mas não digo nada, apenas o sigo para longe dali e tento não pensar que,
em poucos minutos, estarei há apenas alguns metros de distância daquele maldito
sobrado amarelo, que exala o perfume de Victoria por toda aquela rua.
Eu sei, já que sempre termino minha ronda por ali, como um maldito
stalker. E o fato de eu admitir algo assim, só revela que meus problemas são muito
maiores do que eu poderia imaginar.
Um brinde à gororoba mágica, então.

Mais uma vez, sinto a textura do gramado contra a lateral do meu rosto e a
ardência dos pequenos cortes, quando sou derrubado pela equipe de defesa do time
adversário.
— Hill! — o treinador grita, da lateral do campo. — Você tá dormindo,
porra?!
— Cara, você tá bem? — Mack me ajuda a levantar.
São os efeitos do tal elixir mágico no meu corpo. A letargia, os reflexos
mais lentos, não são efeitos sentidos apenas pelo meu lobo — meu corpo também
é afetado e já não sei dizer qual sensação é pior.
— Levanta logo daí, porra! — Liam berra no centro do campo. — Vamos
vencer esse bando de filho da puta!
Um líder nato. O verdadeiro Alpha.
— Eu tô bem — respondo ao olhar preocupado do jogador ainda parado à
minha frente. — Você ouviu o chefe.
— A cerveja dessa noite é por minha conta, Jas — Mack avisa, correndo
até sua posição e acenando brevemente às garotas que sacodem seus pompons
coloridos na lateral do campo.
A dor que corta o meu peito ao vislumbrar os fios dourados me levaria ao
chão outra vez, se eu não tivesse fincado os pés na grama áspera e, ignorando o
desejo irracional de me virar para olhar em sua direção — ou pior, ir até ela —
corro para a minha posição, sob o olhar indignado do treinador e preocupado do
quarterback, que caminha até mim, determinado.
Ele toca as barras de proteção no meu capacete até que eu não consiga
desviar da força de seus olhos, totalmente escuros. Se ele tem noção do que está
fazendo, não faço ideia, mas essa é uma das poucas vezes em que ele permite que
o Alpha assuma as rédeas.
— Concentre-se, porra! — ordena, e então, meu foco inteiro está na
presença do jogador à minha frente. — Vamos ganhar a porra desse jogo!
Sim, nós vamos.
— Vamos acabar com eles! — grito para o time, que se prepara para o
próximo e, se tudo der certo, último lance do jogo.
Enquanto corro através do campo, fazendo minha parte, nada mais existe.
Desempenho a minha função com a agilidade habitual e, em poucos lances, a
vitória é nossa. Como eu sabia que seria. Juntos, somos imbatíveis. Quando o juiz
decreta o fim da partida, celebramos e nos abraçamos, antes de irmos em direção
aos vestiários. Agitados e eufóricos com a adrenalina do jogo, não há muito em
que pensar, e eu aproveito da paz e tranquilidade desse momento. Já que essa
sensação não dura o bastante para amenizar meu interior caótico, sempre que
Victoria Miller está por perto.
— Preparem-se, Warrior Wolves — a voz de Mack troveja pelo lugar
fechado e parcialmente tomado pela névoa, devido à água quente dos chuveiros.
— Hoje, a Colina está em festa!
Alguns jogadores uivam — uma espécie de grito de guerra — enquanto
outros aplaudem, empolgados pela celebração de mais uma vitória.
Até mesmo, nisso, ela se faz presente — reclamo em silêncio, mas percebo
os olhos escuros do meu melhor amigo, focados em mim.
Não me julgue. Não é como se eu pudesse me controlar, não é?
Sete dias.
Uma semana, desde aquele momento naquele quarto de hotel e, desde
então, não o vi mais do que algumas poucas vezes, nos treinos de futebol ou
andando apressado pelos corredores do campus — Jasper, como das outras vezes,
parece ter se arrependido.
As palavras que usou naquela noite, ainda girando em minha cabeça, todos
os dias. “Não existe “nós”, quando se trata de mim e você.” — ele confessara, na
ocasião, com um tom sofrido. E o que foi aquela ideia envolvendo Chad? Deixo os
pensamentos de lado, enquanto termino de esquentar meu jantar — uma lasanha
congelada de microondas — voltando a prestar atenção ao noticiário local na
televisão, que não para de falar sobre os últimos ataques a alguns turistas, na
floresta.
Como se dona Elinor precisasse de mais motivos para implicar, sempre
que saio de casa.
Foram cinco turistas “desaparecidos” no último mês. Quatro, encontrados
mortos, vítimas de ataques brutais de animais selvagens. Lobos, segundo a
repórter, que repete a informação a cada frase mais longa. Aparentemente, as feras
que habitam a floresta que cerca a cidade, estão mais agitadas do que de costume e
não parecem muito inclinadas a aceitar ninguém invadindo seu território.
Infelizmente, não se fala em outra coisa e as imagens dos turistas, sorrindo
em fotos cedidas pelas famílias, seguem passando em um loop infindável de
reportagens e entrevistas. Abutres. Penalizada com as histórias tristes, tiro o prato
do microondas e me sento à mesa, observando o quadrado fumegante de massa e
molho e mudando de canal, para uma série qualquer, tentando não pensar em tudo
o que está acontecendo tão perto de nós.
Entre Jasper e toda a situação esquisita entre nós, e os ataques recentes na
floresta, meus pensamentos seguem igualmente confusos e barulhentos. Às vezes,
tudo que precisamos é de um pouco de distração e uma série ruim e confortável,
para terminar um dia exaustivo.
Eu, pelo menos, preciso.

Meu corpo cai em queda livre, pela terceira vez, nessa tarde e, assim como
as outras duas companheiras de equipe, aterrizo perfeitamente nos braços dos dois
integrantes do squad, que celebram a execução perfeita de mais um movimento
sincronizado.
— Arrasamos mais uma vez, Vicky! — Ted beija o topo da minha cabeça,
enquanto Chris abraça meus ombros. — Acho que podemos passar para o próximo
movimento.
— Vocês mandaram muito bem! — uma das veteranas, a menos pior delas,
nos cumprimenta. — E sem tirar o sorriso do rosto! Vicky, você nasceu pra isso!
— Obrigada! — Mesmo sem graça, sorrio orgulhosa, enquanto sinto o
peso do olhar sobre mim. Não demoro muito a encontrá-lo, do outro lado do
campo, alguns metros à frente. Pego em flagrante, Jasper me cumprimenta de
longe, com um sorriso triste, antes de voltar à sua posição.
Por que tanta tristeza?
E por que a sensação de que ela tem a ver comigo?
— Vamos tentar alguns rodopios, dessa vez? — Chris bate o ombro no
meu, enquanto me entrega uma garrafinha de água. — Pronta?
— Não, mas vamos nessa. — Sorrio, antes de tomar metade do conteúdo
da garrafa e voltar ao treino.
Uma coisa de cada vez.

Depois de um banho rápido e alguns minutos de conversa jogada fora, com


Kat, que segue falando sem parar, enquanto deixamos os prédios antigos da
Universidade para trás, observo desconfiada a neblina típica descer dos cumes das
montanhas rochosas para a floresta e se espalhar pelas ruas da cidade.
O aspecto nublado, de sempre, não é mais tão aconchegante e charmoso,
após os últimos eventos e, talvez, isso explique as ruas que levam ao centro
histórico e às lanchonetes mais badaladas estarem mais vazias do que o comum,
para uma sexta-feira.
— Nossa, tá parecendo uma cidade fantasma. — Kat abraça a si mesma,
notando o mesmo que eu. — Muito estranha, essa coisa dos ataques, né?
— Vocês não deviam ficar zanzando por aí — Sr. Grosby, um dos
habitantes mais velhos por aqui, avisa e fecha a cara, antes de se enfiar para dentro
de sua casa, resmungando algo sobre jovens idiotas.
— Pelo menos, ele tentou disfarçar. — Minha amiga dá de ombros, e o
tom magoado que usa, nos faz cair na gargalhada, um som que ecoa pelas vielas
estreitas, entre as casas mais antigas na rua, onde a velha igreja, protegida por seus
lobos de pedra se encerra. — Ai, esse lugar me dá arrepios.
— Em todos nós — confirmo, desviando os olhos dos animais ferozes,
entalhados em pedra, que vigiam o lugar e que parecem nos observar atentamente.
Há algo sobre o medo, que nos faz imaginar coisas, e tenho certeza de que
é só por isso, que vislumbro, pela visão periférica, algo se movimentando entre as
estátuas imóveis, como se nos seguindo à distância, camuflando-se à neblina mais
espessa por aqui.
— Melhor apressarmos o passo. — Kat, que também parece ter
compartilhado meu delírio, puxa-me pela mão e, juntas, praticamente corremos
pelo piso desnivelado das ruas mais antigas.
Minutos depois, sem fôlego e um pouco suadas, chegamos às ruas mais
movimentadas e, finalmente, respiramos fundo, aliviadas.
— É melhor prevenir, do que remediar. — Kat olha as ruas por onde
viemos, já quase completamente tomadas pela névoa. — Da próxima vez, pedimos
um carro.
— De acordo — afirmo, antes de nos assustarmos, quando uma buzina alta
ecoa às nossas costas.
— Duas medrosas — minha amiga zomba. Mas meu coração segue
acelerado, embora eu não mencione nada sobre isso. — Ali está a minha carona!
Aponta para o carro branco, onde um senhor mais velho mexe no celular com uma
expressão concentrada. — Nos vemos na festa, amanhã?
— Mas não somos medrosas? — provoco-a. — A Colina fica bem no topo
da floresta e lá, ouvimos os lobos uivando por perto, lembra?
— Sim, nós somos — admite, antes de abrir um sorriso bastante sarcástico.
— Mas também somos sem-vergonhas e não perderemos essa festa por nada.
Esteja pronta às quatro. — E, então, corre até o carro, assustando o pobre homem,
quando bate na janela.
— Maluca! — Nego com a cabeça, acenando uma despedida para ela e
para o Sr. Dashmond, antes de me virar para atravessar a rua e andar alguns
poucos metros até a minha casa.
A brisa fria me faz arrepiar e a impressão de estar sendo observada me
atinge com tudo, fazendo meu coração disparar mais uma vez. Bem, pelo menos,
até dar de cara com a Sra. Holloway, que me observa atentamente, um pouco mais
à frente, parada à sua janela, com uma expressão bastante sombria.
Credo.
— Tenha cuidado, Victoria — a voz profunda e rouca avisa. — Há mais
escondido das nossas vistas, do que sequer imaginamos.
Como se eu precisasse de mais coisas para me manter acordada à noite.
— Tome, esse xarope vai garantir noites mais tranquilas. — Como se lesse
meus pensamentos, ela me entrega um frasco pequeno, cheio de um líquido
amarelado. — Duas gotas, antes de se deitar, bastarão.
— Sra. Holloway, eu não... — começo a dizer, mas ela ergue uma mão
enrugada, encerrando o assunto.
— Me agradecerá, depois, acredite. — Sorri e fecha a janela, falando algo
sobre sua novela.
Mas que loucura é essa?
Jogo o frasco na mochila e atravesso a rua, andando rapidamente até
chegar em casa, sem desgrudar os olhos da porta, enquanto sinto um calor
estranho em minha nuca, como se meu corpo me avisasse de que estou sendo
observada. Antes de entrar, volto a olhar para a janela, poucos metros à frente, mas
não há mais a presença da mulher idosa.
Como uma criança medrosa, entro depressa e bato a porta às minhas
costas, trancando-a rapidamente, com a respiração entrecortada.
Malditos noticiários.
Após várias horas conversando sobre um pouco de tudo e escolhendo
nossas roupas para a festa na Colina, termino o delineado no rosto devidamente
maquiado de Kat e me viro para o espelho, para finalizar meu rosto e podermos
enfrentar dona Elinor — minha adorada e preocupada mãe — no andar de baixo.
Os ataques têm deixado a todos nós apreensivos, mas, quando se trata da
enfermeira chefe do Emberwood Hospital, as coisas atingem um patamar mais
elevado.
— Vamos? — Kat para às minhas costas, exibindo seu vestido curto
prateado dessa tarde, combinando com os coturnos escuros, enquanto aliso as
mangas bufantes e transparentes do cropped cor-de-rosa que completa o visual
com a calça jeans larga e as botas de couro claras. — Você tá linda! Quero ver
aquele babaca fingir que não te viu. Pronta?
Não.
— Nem sei por que pergunto! — Sua imagem no espelho revira os olhos
para mim, antes de pegar sua bolsa sobre a minha cama e caminhar decidida até a
porta. — Hora de enfrentar a fera que guarda os portões desse castelo, Princesa!
— Você diz cada coisa! — Sigo-a pelas escadas e vamos rindo juntas até a
sala, onde minha mãe nos aguarda com uma expressão grave no rosto cansado.
— Tomem cuidado e não se arrisquem, ok? — Ela encerra seu monólogo
sobre segurança e a importância de protegermos nossos copos e tudo o mais. —
Cuidem-se.
— Pode deixar, Sra. Miller! Estamos atentas e vigilantes, prometo! — Kat
faz uma espécie de continência e arranca uma gargalhada da mulher à minha
frente. — Além disso, em que tipo de confusão você acha que esse anjo loiro se
meteria?
A buzina alta, do lado de fora, me salva de qualquer resposta a esse
comentário sem noção, da minha amiga e, beijando o rosto mais relaxado da
minha mãe, corro atrás da maluca para o lado de fora, onde duas outras integrantes
do squad nos aguardam.
— Essa noite promete! — Kat e Lina gritam, animadas, enquanto observo
a mulher mais velha, sentada à janela, com os olhos fixos em mim.
Cruzar os portões da mansão Ahsbourne é sempre um evento à parte.
Muito se fala sobre o lugar e seus donos. Os relatos sobre a loucura que destruiu a
vida da família, e que levou o quarterback do Warrior Wolves a ser criado pelos
pais do melhor amigo, são numerosos e bastante cruéis.
Minha mãe sempre garantiu que nada do que dizem é verdade e que
ninguém sabe ao certo o que aconteceu, naquela fatídica noite. De toda forma, não
faz diferença. Ao contrário do que dizem, a mansão que se ergue à minha frente,
enquanto sigo o fluxo até a área de festas, é imensa e linda, pintada de um tom
claro de cinza, ela abriga metade do time de futebol americano e, dentre eles,
Jasper Hill, o cara por quem eu pareço ter desenvolvido uma espécie de paixonite
irremediável.
Ainda estou reparando na arquitetura do lugar, quando meus olhos flagram
o dono da casa me observando, sentado à distância, com seus olhos muito escuros
e seu rosto sério e intimidante de sempre. Desvio o olhar e sigo o resto das pessoas
até o freezer deixado de lado, aceitando a long neck que Kat me entrega, enquanto
observo a pequena multidão ao nosso redor.
Muitas cheerleaders e até mesmo alguns jogadores do Warrior Wolves se
juntam a nós e não demora muito, para que nosso grupinho cresça cada vez mais e,
nos deixando levar pela música alta e pela energia da festa, acabamos dançando
juntos e nos misturando ao resto das pessoas que já estavam por ali, por fim,
permito-me relaxar, dançando com Kat, Lina e as outras, enquanto bebemos e
rimos das besteiras que os jogadores contam.
Embora, eu consinta em meu olhar vagar, às vezes, através do espaço
grande, buscando certa pessoa que não parece estar em lugar algum à vista.
— Ele tá lá dentro — alto, vestindo uma calça jeans larga e moletom cinza,
Mack, parte do ataque do time de futebol americano, avisa. — Jasper.
— Mack, cara... — Eli, o exato oposto de Mack, mas igualmente lindo,
com seus cabelos loiros e olhos muito claros, chama atenção do amigo e então,
explica: — Nada contra você, Vicky, mas Jasper não está em um bom momento.
— Tudo bem. — dou de ombros, como se não me importasse e bebo mais
um gole da minha bebida, fingindo que nada disso me afeta.
E, talvez seja o álcool falando, mas logo, vejo-me perguntando aos dois,
que dançam com Kat e uma das outras garotas, da qual não me lembro mais o
nome.
— Eu não entendo, sabe? O que tá acontecendo com ele? — Os jogadores
trocam um olhar cúmplice, antes de se virarem novamente para mim. Maldita
irmandade masculina. — Ok, já chega disso. Kat, eu vou pedir um carro e tô indo
embora, ok?
— Ah, não! — Kat se solta do abraço de Elijah e joga os braços magros
em meus ombros, reclamando. — Vicky! Só mais um pouquinho, vai?
— Eu posso te levar para casa mais tarde, se quiser. — Eli toca a cintura
dela, deixando um beijo displicente na curva de seu pescoço. — Vicky, Mack tem
que pegar algumas coisas no centro, ele vai te dar uma carona.
— Não tem nenhuma necessidade disso e... — Ele finge não ter me ouvido
e aponta para a porta de madeira escancarada, da mansão, por onde seu
companheiro de equipe acaba de entrar.
— Ele já foi buscar a chave do carro — pontua com um meio sorriso.
— Vou encontrá-lo no meio do caminho, então — resignada, despeço-me
deles e sigo até os degraus da entrada, esperando por Mack, que demora mais do
que eu imaginava.
Ou talvez, seja só a minha ansiedade para sair logo dali falando. Fato é
que, cansada de esperar, acabo subindo os últimos degraus e, assim que consigo
vencer o fluxo de pessoas que entram e saem dali e cruzo a porta pintada de um
preto fosco, eu o vejo.
Jasper está sentado, sozinho, no sofá da sala, com os cotovelos apoiados
nos joelhos e a cabeça escondida nas mãos, enquanto parece conversar com Mack
sobre algum assunto delicado. Não consigo desviar os olhos da cena, nem mesmo
quando eles me flagram ali, como se pudessem distinguir a minha presença em
meio à todas as outras pessoas aglomeradas na entrada.
A dor em seu olhar, quando encontra o meu, me faz recuar. É quase como
se eu pudesse senti-la. No segundo passo para trás, sinto a presença às minhas
costas e, então, o capitão do time para ao meu lado, com os braços cruzados e a
cara fechada de sempre.
— A festa é lá fora, Miller — a voz rouca avisa, e então, olha para o amigo
no sofá. Os outros dois atentos a essa interação inesperada.
É claro que meu rosto cora violentamente e, mortificada, estou a ponto de
sair dali correndo, quando Jasper nos alcança em algumas passadas rápidas,
parando à frente do amigo, enfrentando-o.
— Não fale assim com ela — avisa de forma taxativa.
— Ash... Porra! — Mack interfere, parando ao meu lado. — Ela tá me
esperando, certo? Vou levá-la para casa agora. — Então, olha pra mim, seus olhos
escuros e bondosos. — Vamos?
— Jasper... — murmuro, mas de alguma forma, sei que ele me ouve,
mesmo com a música alta — O que está acontecendo?
— É melhor seguir o seu rumo e deixá-lo em paz, Victoria — Ash é o
primeiro a se pronunciar. — Certas coisas não são da sua conta.
— Eu digo o mesmo, Liam — Jasper responde com os dentes trincados. —
Não é da sua conta. E. Não. Fale. Assim. Com. Ela.
— Como quiser — o capitão do time aquiesce e nos deixa ali, enquanto sai
rapidamente, desaparecendo no interior do imóvel, e só minutos depois, Jasper
volta a me olhar.
— Jasper... — começo a dizer, mas ele nega.
— Eu não aguento mais... — declara, enfiando a mão no vão do meu
pescoço e erguendo meu rosto para o seu. O desespero presente, até mesmo, em
seus gestos trêmulos. — Se está longe, dói como o inferno. Quando está perto...
Eu tentei, caralho!
E, mais uma vez, sem conseguir conter a urgência, nossas bocas se
encontram e, assim que meu corpo processa o sabor inigualável de Jasper e o seu
toque possessivo e desesperado, o tempo para.
E não há nada mais no mundo, além de nós dois.
— Hum, então, pessoal. É um show e tanto, e eu até curtiria, em um outro
momento, mas...— a voz de Mack me traz de volta à realidade, enquanto devoro a
boca de Vicky no meio da sala.
Porra!
Colo minha testa à dela, usufruindo da sensação maravilhosa de plenitude,
de estar tão perto. Meu lobo se move dentro de mim, longe de estar satisfeito, no
entanto. Observo os traços delicados de seu rosto, até os lábios inchados, que se
esticam em um breve sorriso, que murcha quando ela abre os olhos.
— É melhor eu ir, não é? — O brilho nos olhos quase verdes, faz meu
interior inteiro revirar.
Não podemos continuar assim.
Não quando tudo o que me fere, também faz mal à Vicky e eu não posso
lidar com isso. Decido tentar exterminar tudo, de uma vez só.
— Nós... Não somos pra ser e quanto mais rápido entendermos isso, mais
fácil será. — O gosto das palavras amarga em minha boca, mas é a verdade e não
há nada que eu possa fazer para mudar isso. — Vamos encerrar esse ciclo, Vicky.
É melhor sermos apenas amigos, a partir de agora.
Sentindo-me miserável e tentando conter a criatura raivosa dentro de mim,
eu imploro. Embora ela não saiba nada sobre os impedimentos e tudo o que nos
separa, percebo o exato momento em que ela toma a sua decisão, sua expressão
endurecendo.
— Tudo bem. Você tem razão, Jasper — a voz branda declara, mas não
consegue disfarçar a mágoa em seus olhos, a frieza em seu tom e sua ordem direta
me faz recuar. — Essa foi a última vez que isso aconteceu. Daqui em diante,
apenas amigos.
E é assim, desalentado e com o coração partido, que eu a vejo sair da casa,
com Mack em seu encalço, sem olhar para trás. E, por incrível que pareça, a dor,
de sempre, não me atinge. Embora ela esteja ali, latente, dessa vez, é algo com o
qual eu consigo lidar, sem me sentir miserável.
E, nessa noite, ao me deitar, finalmente consigo dormir.

“Tudo o que é bom dura pouco.” — meu pai disse, certa vez, ao ouvir os
protestos de Liam e eu, quando fomos obrigados a deixar o parque de diversões,
em Montbianc, para trás.
Eu deveria tê-lo ouvido, naquela época, e então, eu não teria comemorado
tão cedo.
Três dias.
Três exatos, lindos e encantadores dias, desfrutando da tranquilidade de
não desejar dolorosamente estar próximo a Victoria Miller, e então, tudo caiu,
como a porcaria de um castelo de cartas.
Reviro-me no colchão, sentindo meu corpo febril e a fera em meu interior
se mover, desesperada e colérica, exigindo mais uma vez por ela.
— Jasper... — A voz de Ash chega a mim, mas não consigo realmente
enxergá-lo. — Abra a boca.
— Não — respondo, cego para tudo o que não seja o alvo da minha
afeição, que está distante demais de mim, nesse momento.
Tudo começou quando a vi chegar na faculdade, com o maldito Chad II,
que envolvia seu ombro, enquanto entravam no pavilhão dos auditórios. Porra!
Ainda que a ordem dela valesse e eu não fosse capaz de me aproximar muito,
doeu. O ciúme insano e intenso fez minhas entranhas arderem e não demorou, até
que meu lobo se vingasse de mim, por ter apenas desviado o olhar, ao invés de ter
arrancando o braço daquele maldito folgado.
“Minha” — exige.
— Jas, abra a porra da boca! — a voz do futuro Alpha ordena e não
consigo deixar de obedecê-lo, embora o lobo rosne e se recuse a tomar a porcaria
ruim que Ash despeja em minha garganta.
Ele luta, assumindo os movimentos dos meus braços, que se debatem sob o
aperto férreo de mãos firmes, enquanto alguém me segura com força no lugar, pela
cintura.
— Não o soltem ainda — Liam Ashbourne, nosso capitão, é taxativo. —
Vai ficar tudo bem, Jas. Logo, o elixir vai fazer efeito.
Aos poucos, paro de lutar e o lobo adormece — assumindo um estado
letárgico, típico após o tal remédio e, finalmente, eu consigo reassumir o controle.
— Bem-vindo de volta. — Mack liberta meus braços, e as mãos de Eli se
soltam do meu tronco. — Cara, o seu lobo não tá pra brincadeira.
— E a merda do efeito parece estar passando cada vez mais rápido —
aviso. Que merda.
— Que merda! — Ash, como Liam prefere ser chamado, ecoa meus
pensamentos. — Precisamos voltar à Holloway. Tem que haver alguma maneira.
— Talvez... — Eli ergue os olhos muito claros para nós. — Uma ordem do
Alpha possa ajudar. Nós somos uma alcateia e, segundo dizem os costumes, não
conseguimos desobedecer ao líder. Ash...
A expressão torturada, no rosto do meu amigo, silencia até mesmo à
esperança que nascia timidamente dentro de mim. Ele ainda não está pronto.
— Me perdoe, Jas. — penteia os cabelos escuros para trás, agitado. — Mas
eu... Não. Não posso.
Ainda não.
Porém, não digo nada, apenas confirmo com a cabeça, sentindo meu corpo
dolorido devido ao esforço que fiz para me libertar, antes.
— Talvez, haja uma dose mais forte do elixir — garanto aos meus amigos.
— Vai dar tudo certo.
Assim espero.

Cedo demais, descubro que não há nada tão ruim que não possa piorar.
Além de Chad II parecer a porra da sombra de Vicky, mais dois ataques
têm nos mantido ocupados durante as noites, afetando meu desempenho nas salas
de aula e me deixando um maluco sanguinário e competitivo nos treinos — algo
que não parece ter desagradado nosso treinador, mas que tem irritado todo o resto
do time.
— Porra! — grito, quando Ash perde a bola que acabei de passar a ele.
— Cara, você... — Mack começa a falar, mas apenas me viro e corro de
volta à minha posição.
— Mais uma vez! — O treinador atende ao meu pedido e logo, estamos
todos em posição.
Que se dane! Preciso gastar minha energia, ou vou ficar louco.
Ignoro tudo ao meu redor e prendo a respiração o máximo que posso,
apenas para não ceder à tentação de vigiar a garota, que é lançada no ar contínuas
vezes, e sentir um ciúme idiota de cada um dos babacas que toca seu corpo.
Não. Me recuso a pensar nisso.
Foco na porra do jogo, Jasper.
Pela visão periférica, eu a vejo sorrindo e comemorando com dois idiotas,
enquanto um deles ainda a carrega nos ombros. Filho da puta.
Porcaria de lobo carente e ciumento.

Parados, de pé, na sala ampla e cheia de penduricalhos sinistros de Olga


Holloway, corro o olhar pelo lugar, ao lado de um incomodado e silencioso Ash,
espero, enquanto a senhorinha de cabelos acinzentados volta de seu armário
recheado de poções mágicas. Não que ela seja uma bruxa. Há tempos, as poucas
que restaram vivem escondidas, mas algumas descendentes de famílias poderosas,
como a mulher à minha frente, ainda guardam alguns truques nas mangas.
— Não está funcionando bem, não é? — A senhorinha para à minha frente
e analisa meu rosto por um tempo, com seus olhos analíticos. — Talvez, o elixir
esteja apenas postergando o inadiável.
Que maravilha.
— Sra. Holloway, tem que haver alguma maneira... Talvez, algum outro
medicamento mais eficiente. — Liam, finalmente, sai de seu estado catatônico.
— Não para alguém tão moço. — Pensativa, ela volta ao armário e pinga
algumas gotinhas de outro líquido dentro do recipiente, fazendo-o ficar salpicado
por manchas esbranquiçadas. — Não tome mais do que três gotas por vez. Não há
muito disso por aqui.
— Obrigado. — E ela sorri ao nos acompanhar até a porta. Os olhos
curiosos, fixos em meu companheiro. Assim que piso na rua, o cheiro leve de
patchouli domina o local e guia meus olhos até o sobrado amarelo de porta
vermelha, que parece ter vida própria.
Um vento forte e morno nos atravessa, remexendo as folhas no chão e
sacudindo os galhos mais finos das árvores próximas, enquanto a mulher fecha os
olhos, antes que seus lábios se estiquem em um sorriso breve e ela segure meu
braço com força, evitando que eu siga Ash para longe dali.
— Não desanime ainda. Há muito por vir. — Seu tom abaixa um pouco
mais e seu rosto fica sério, de repente.
— Coisas boas, espero — comento e, logo, toda a força dos olhos claros de
dona Olga está focada em mim.
— Também. Os ventos da mudança sopram em muitas direções. —
Enigmática, como sempre, é assim que ela se despede, voltando para dentro de
casa, enquanto sigo meu amigo, que me espera já sentado em sua moto, preparado
para sair.
— Sobre o que ela falava? — Ash questiona, os olhos ainda fixos na casa
da mulher.
— Sobre os ventos da mudança e como ainda há muito por vir. — Abaixo
a voz e, no fim, imito uma risada fantasmagórica. — Vamos sair logo daqui, antes
que eles nos carreguem. O primeiro turno da ronda de hoje é meu.
— Velha agourenta do caralho — resmunga, antes de colocar o capacete e
acelerar a moto.
Não desanime ainda.
As palavras da mulher idosa, viciada em novelas, seguem em minha
mente, como uma promessa, antes que eu coloque o capacete e dê partida na moto,
deixando o rastro de Victoria para trás.

Pilotar uma moto é incrível, mas correr livremente sobre quatro patas é
libertador. Ainda mais, quando é tudo de que preciso para manter minha mente
focada e distante dos pensamentos obsessivos dos últimos tempos. Transformado
no lobo de pêlo avermelhado, corro velozmente por entre as árvores da mata
fechada, buscando por qualquer sinal de presença incomum por aqui.
Desde que os turistas começaram a ser atacados em nosso território, a
presença dos malditos lobos brancos foi detectada e aumentamos a segurança no
perímetro. Na última semana, três ataques foram impedidos pela nossa presença
nas rondas durante a noite.
Não que seja incrível vigiar de longe, um pequeno acampamento de
homens com higiene duvidosa, mas manter o lugar protegido é nosso dever e serve
para fazer aqueles covardes malditos engolirem suas palavras desafiadoras nas
reuniões que, agora, Ash tem que comparecer sozinho. Aparentemente, dois de
nós é o bastante para colocar medo naqueles malditos idiotas.
Quando cruzo o pequeno riacho, a oeste do centro e próximo às ruínas dos
Redmayne, começo a farejar o cheiro estranho que os integrantes do bando
misterioso possuem. É como se estivessem apodrecendo de dentro para fora, algo
incomum e totalmente impossível. Sigo o rastro forte até as cercas apodrecidas do
local, quando vislumbro, pela visão periférica, o vulto branco disparar em direção
à floresta.
E logo, estou seguindo em seu encalço. Durante horas, eu o persigo,
observando-o correr sem rumo, por quase toda a extensão da floresta, antes de
deixar os limites de Silent Grove para trás, quando os primeiros raios da manhã
começaram a aparecer.
Cansado e com as patas traseiras doloridas, corro de volta para casa, muito
ciente de que o filho da mãe estava apenas me distraindo. Uma perda de tempo,
para mim, e para o babaca, que não conseguiu seguir para onde iria, antes de me
ver. Faço um lembrete mental de contar aos outros sobre o rastro próximo às
ruínas Redmayne, antes de cochilar por um par de horas, antes de ir para a
Universidade.
Nada tira da minha cabeça que há algo estranho acontecendo e esse bando
parece buscar por alguma coisa. Ou alguém.
Quase um mês de perseguições frustradas, em que não conseguimos
capturar nenhum dos forasteiros — o que só corrobora com a ideia de que não são
amigáveis e que os ataques não vão parar. As rondas aumentaram, e agora, temos
mais lobos atentos ao que acontece dentro do nosso território, porém, na semana
passada, mais um turista foi vítima dos malditos lobos brancos.
É como se buscassem por algo, provavelmente, no centro da cidade, já que
frequentemente sentimos seu rastro por ali. Fecho um dos livros e, com os olhos
ardendo, deito a cabeça sobre o braço, enquanto o professor se despede da turma,
permitindo-me cinco minutos de um cochilo tranquilo e necessário.
Não é surpresa alguma, quando acordo com a sala já praticamente vazia,
após o fim da última aula do dia, indicando que dormi mais do que deveria e
acabei perdendo as duas últimas.
— Cara, você tá horrível! — Will, um dos caras do time de polo, entrega-
me seu caderno, com uma expressão de pena em seu rosto preocupado. — Talvez,
devesse pegar mais leve com as festas.
Festas, é claro. São elas que me mantém ocupado todas as noites, e não
rondas contínuas para manter você seguro em sua cama quentinha. Filho da mãe.
— Valeu, cara. — Pego a caneta e me preparo para copiar as anotações,
antes de voltar para casa e me jogar na cama, para me preparar para mais uma
noitada.

O vento frio do fim de tarde me recebe, quando, finalmente, termino com


as anotações e adianto alguns trabalhos a serem entregues ao longo da semana.
Fecho o zíper da jaqueta e ergo a gola, preparando-me para dar o fora dali e, com
sorte, conseguir descansar por, pelo menos, umas quatro horas, antes de começar o
meu turno dessa noite.
Assim que chego ao estacionamento, já praticamente vazio, pego a moto e
saio logo dali, atravessando o campus e sentindo o perfume levemente floral de
Victoria, enquanto piloto a caminho de casa.
Depois daquela noite, ao contrário do que pensava, Vicky e eu não nos
estranhamos ou nos tratamos como se não nos conhecêssemos. Na verdade, nos
últimos dias, é como se uma amizade tivesse surgido e isso parece suprir um
pouco da minha necessidade de estar próximo dela e, somado ao cansaço extremo,
por conta das noites insones, tenho levado uma vida praticamente normal e sem ter
que fazer uso da gororoba mágica.
Perdido em meus pensamentos, quase deixo passar o rastro forte e
pungente, que me faz parar a moto bruscamente, tomando um xingamento e uma
buzinada, do homem que conduzia o carro que vinha logo atrás de mim. Alerta,
tiro o capacete e ergo o rosto — novamente, o fedor dos lobos brancos irrita as
minhas narinas.
Corro os olhos pelo meu lado direito, onde a floresta quase invade a
cidade, e farejo uma, duas vezes, apenas para constatar que o odor não é recente
ali. Inspiro mais uma vez — forte e concentrado — e então, sinto todo o meu
corpo se retesar, vigilante, porque, além do rastro dos malditos invasores, sinto o
perfume inconfundível de Victoria Miller.
Sem pensar muito, coloco o capacete de volta e conduzo pela rua
perpendicular — um atalho antigo, que usamos para chegar ao centro de forma
mais rápida — porém, que é cheio de casas antigas e abandonadas pela floresta.
Porra.
Sigo meus instintos e o perfume de Vicky, até vislumbrar os fios loiros,
presos em um rabo de cavalo alto, que se balançam no ritmo de seu andar
distraído, sem se dar conta de que há uma fera à espreita, em algum lugar
próximo. Quando algo se move, próximo às árvores, ela atravessa a rua depressa,
com a mão sobre o peito, e acelera os passos para longe dali.
É quando eu o vejo — o lobo branco, com a mandíbula manchada de
vermelho, observando-a de longe. Os olhos sanguinários e desejosos, atentos à
figura de Victoria, que praticamente corre, subindo a rua em direção à avenida
mais movimentada, metros adiante. Quando a fera dá mais um passo para fora da
mata, não espero.
Deixo a moto próxima ao muro baixo da velha igreja, com o capacete
encaixado em um dos retrovisores e, sob as sombras da construção antiga, em um
estalo dolorido, me vejo correndo na direção do maldito invasor, sobre as minhas
quatro patas, pegando-o de surpresa com o meu rosnado ameaçador, quando ele
decide caminhar abertamente sobre o calçamento centenário da rua, atrás da minha
garota.
Seus olhos brilham, desafiadores, enquanto ele pesa suas opções. Balanço
a cabeça em um movimento negativo, quando ele fareja o ar, antes de correr a
língua larga e grande pelos dentes afiados. Vai ter que passar por mim primeiro.
Finco as patas no chão e rosno mais uma vez, aproximando-me aos poucos
e estou prestes a atacá-lo, quando um uivo alto e urgente corta o ar, vindo de
algum lugar ao norte. Uma ordem. E, com uma última olhada revoltada para a
garota, que já alcança a segurança da avenida movimentada, ele se vira em minha
direção, antes de correr para dentro da floresta, atendendo ao chamado de seu
líder.
Dessa vez, eu não o sigo. Volto à construção antiga, visto-me rapidamente
e logo acelero a moto, certificando-me de que Vicky chegou em casa sã e salva.
Pois, isso é tudo o que me importa.
Tento segui-la de forma discreta, mas não demora muito para que ela se
vire na direção em que parei minha moto, alguns metros à frente do sobrado, com
as mãos apoiadas na cintura e o olhar estreito, caminhando em minha direção.
— Jasper? — cruza os braços diante do peito e espera. — Tem algum
motivo para estar me seguindo por aí?
— Vicky...
Estou cogitando contar a ela toda a verdade e pedir para que tome cuidado
e não fique andando sozinha por aí, quando o som de passos, se arrastando na
calçada, me desconcentra e, logo, sinto a mão quente sobre o meu ombro.
— Hill! — Por algum motivo, a Sra. Holloway parece feliz em me ver. —
Veio buscar a encomenda do garoto Ashbourne, certo?
Concordo, sem saber exatamente do que ela está falando, mas, pela
expressão pretensiosa no rosto enrugado, a boa senhora está apenas me salvando
de dar explicações à garota, que parece um pouco sem graça com o meu álibi.
— Bem, acho... que isso explica tudo. — Dou de ombros, coçando a nuca
e sentindo a etiqueta da minha blusa para fora.
Detalhe que parece não escapar aos olhos inteligentes de Vicky, que tapa a
boca, segurando um sorriso.
— É isso que dá, não acender a luz do vestiário. — Estalo a língua,
sentindo-me um maldito idiota. — Está... tudo bem? Você parecia assustada.
— A rua deserta me deixou um pouco... sobressaltada. E com os últimos
ataques na floresta...
— Talvez, seja melhor não ficar andando sozinha por aí, não é? — ela
concorda, estremecendo no ar frio do fim de tarde.
— Você também deve se cuidar — murmura, puxando os fios loiros para o
lado, enquanto desvia os olhos dos meus, o rosto deliciosamente enrubescido.
— Não se preocupe comigo. — Sorrio, tocando de leve a lateral do seu
rosto com o indicador, em um carinho rápido. — Bem, eu preciso ir... — Aponto
na direção da casa da Sra. Holloway. — Até mais, Vicky.
— Até. — ela sorri, antes de se virar e caminhar rapidamente até o
sobrado. Noto o exato momento em que ela se vira, espiando-me por sobre o
ombro, antes de abrir a antiga porta vermelha e entrar em casa.
Ainda sinto o corpo formigando, por estar tão perto dela, quando chego à
casa dos Holloway e encontro a mulher assistindo a uma de suas novelas, antes de
olhar para mim com um ar de divertimento estampado no rosto.
— O elixir não tem sido o bastante — constata.
— Não. Mas a amizade dela parece ser o suficiente. — Não há motivos
para esconder isso dela.
— Por enquanto. — Seu rosto se tornando sombrio, de repente. Caralho,
só falta essa mulher soltar uma de suas famosas visões terríveis. — Sua blusa está
do lado avesso, Jasper Hill.
— É, eu notei. — Coço a nuca. — Talvez, se aumentássemos a dose do
elixir...
— Não — responde taxativa e, quando suspiro desanimado, completa: —
Para tudo há um jeito, criança. — Os lábios finos se esticam em um sorriso
sabichão. — Não desista ainda.
Nada de visões terríveis, envolvendo o meu fim prematuro, pelo menos.

Apesar de os Acordos — o nome que deram ao tratado, quando tudo deu


errado entre os caçadores e o nosso clã de lobos, mais de vinte anos atrás — não
permitirem que nós possamos entrar nas áreas das famílias fundadoras, sigo
finalizando minha ronda, próximo às ruínas Redmayne, que, agora, parecem
fantasmas, como sempre, e sem vestígio algum dos lobos brancos, o que levou o
resto do clã a reduzir as incursões por aquela área.
Quando contei aos outros sobre o comportamento estranho do lobo,
naquela tarde, eles acreditaram ser um evento isolado e, assim, seguiram suas
vidas tranquilamente. Ou o mais perto possível disso. Eu, por outro lado, dobrei
meu percurso e vigio sempre aquela região do centro, onde o sobrado amarelo
está, apenas por precaução.
E esse também é o motivo de eu estar caminhando tranquilamente, em um
silêncio confortável, ao lado de Vicky e Kat, pela rua deserta, ouvindo-as tagarelar
sobre algum professor babaca que está tocando o terror em uma das matérias, mas
que, ainda assim, aparentemente, é bonitão.
Puta que me pariu.
Pelo menos, não estão falando de Chad II.
— O que acha, Jasper? — Talvez, esse tenha sido o assunto de cinco
minutos atrás, e eu ainda esteja remoendo o suspiro que a loirinha deu, ao falar
sobre as calças apertadas do maldito sujeito.
— Sobre... — Melhor admitir logo que não estava prestando atenção e
poupar tempo.
— Sobre existir amizade entre um homem e uma mulher — Kat, com seu
jeito maluco, responde. — Eu não acredito muito.
— É algo normal — Vicky sorri com a minha resposta, ruborizando
quando me vê olhando para ela.
— Falou o cara que está caminhando com duas garotas, depois de correr
quilômetros naquele gramado, apenas para estar perto de uma certa loira, que
finge não estar gostando da companhia.
— Eu não... Eu realmente gosto da companhia! — Vicky se defende. O
rosto totalmente vermelho agora. — Você também está aqui... Isso quer dizer que
ele também tá a fim de você?
Elas me encaram por alguns minutos e eu quase me encolho diante do
escrutínio inesperado. Os olhos claros de Kat estreitando-se, fazendo-me gargalhar
quando os revira, de forma dramática.
— Não. Sem tensão sexual nenhuma — comenta, como se estivesse
falando do tempo — Uma pena, porque Jasper é um gostoso. Só perde para o
quarterback malvadão.
Impossível não cair na gargalhada.
— Mack vai amar saber disso! — Com certeza, vou fazer questão de
perturbá-lo com isso.
— Ele também é incrível — e então, ela parece ponderar sobre algo sério
—, conte a ele. Vai ser interessante vê-lo tentar melhorar ainda mais a
performance. Quem sabe, dessa vez, ele e Eli topem me fazer de recheio daquele
sanduíche do paraíso?
— Meu Deus! — Vicky bate no ombro da amiga e cora violentamente,
enquanto eu gargalho mais uma vez.
— Katrina Domitila Russel! — a voz grave convoca, de dentro do carro de
luxo, que eu sequer notei ter se aproximado.
Eu não deveria ter me distraído assim.
— Pai! — Revoltada, ela ergue as mãos, como uma adolescente. — Meu
Deus! O nome todo? Sério?
— Boa tarde, Sr. Russel — Vicky e eu cumprimentamos o dono da loja de
carros, ao mesmo tempo, enquanto Kat se prepara para entrar no veículo.
— Olá, crianças. Se quiserem, posso levá-los para casa — oferece, mas
Vicky nega rapidamente, pontuando que está perto de casa, enquanto apenas
permaneço em silêncio. — Não fiquem zanzando por aí até tarde, ouviram? É
perigoso — adverte, enquanto Kat o imita, após se sentar ao seu lado e se despede
de nós aos berros, mas faz um coração com as mãos, antes que seu pai arranque
com o carro.
— Ela é louca! — A loira aponta para a amiga. — É claro que podemos ser
amigos.
— É sim — concordo. — É o que somos, certo?
Andamos mais alguns metros, bufando e rindo das ideias malucas de
Katrina Russel, antes que Vicky tropece e eu tenha que segurá-la, envolvendo de
maneira firme a sua cintura com a mão e trazê-la para mim, estabilizando-a.
— Exatamente! Não importa o que tenha rolado antes, nós… — concorda,
antes que um silêncio estranho se abata entre nós e ela desvie os olhos bonitos dos
meus.
Em parte, porque é impossível não evocar as lembranças dos nossos
momentos juntos, mas também, porque o fedor incômodo do maldito lobo se
espalha rapidamente através do vento frio desse fim de tarde, o que me deixa
instantaneamente em alerta, farejando o ar repetidas vezes, em busca do rastro do
maldito.
— Jasper... — Vicky arfa quando agarro sua cintura e inverto nossas
posições, colocando-a às minhas costas, até que consigo farejar a localização do
filho da puta. E ele está mais perto do que eu gostaria. — Eu...
— Não se mova — resmungo, enquanto meus olhos correm pelas árvores
próximas e, quando vislumbro um relance da pelagem branca, xingo baixo. —
Merda. Porra!
— Jas? — Vicky chama às minhas costas, as mãos delicadas agarrando
meus ombros, quando ela tenta desviar do meu corpo e, assim que o faz, tem a
visão do grande lobo branco que nos observa, no limite da floresta. — Meu Deus!
E agora?
Testo a porta de madeira apodrecida da casa abandonada ao meu lado e
começo a bater meu ombro contra ela um par de vezes, antes que ceda ao meu
esforço e eu corra os olhos através do ambiente empoeirado e vazio, voltando-os
rapidamente para o maldito animal, que se aproxima lentamente de nós, como a
porra do predador que é.
Infelizmente, para ele, não é único ser perigoso por aqui.
— Jasper, ele vai entrar e... — choraminga, trêmula.
— Vicky. — Seguro seus ombros e viro seu corpo, para observar o maldito
animal, que inclina a cabeça, antes de erguer o focinho, farejando o pavor da
garota em meus braços. — Fique aqui, ouviu? Só saia quando eu voltar.
— Jasper, o que? Não! — Agarra minha camisa com força. — Aquele...
aquele lobo vai matar você!
— Não vai — garanto a ela. — Apoie aquele móvel antigo contra a porta e
só abra quando eu chamar, ouviu?
— Não... Você não pode ir assim. — Seus olhos brilham pelas lágrimas
não derramadas, mas não posso demorar. — Jasper, eu...
Porra.
— Quando eu voltar, Vicky. — Pressiono minha boca na dela, mas não
espero nenhum momento, antes de sair dali.
Quando fecho a porta atrás de mim, rezando a todos os deuses e entidades,
para que ela não veja nada, me transformo em uma fera acastanhada, semelhante
ao bicho que ela tanto teme, na segurança das paredes abandonadas.
Encaro o lobo poucos metros à frente, dando a ela a oportunidade de fugir.
Algo que o idiota nega, antes de se abaixar, tomando impulso nas patas traseiras,
avançando em minha direção — um golpe digno de uma criança recém-
transformada, diga-se de passagem, e que lhe custará muito.
Estou prestes a acabar com essa brincadeira de criança, quando o som de
outro deles, se aproximando, chama a minha atenção e me distrai, deixando-me
vulnerável à segunda investida do filho da puta, que morde minha pata dianteira
enquanto o outro lobo acerta a porta de madeira, tentando abri-la.
Filhos da puta!
O novato era apenas distração.
Um rosnado alto irrompe da minha garganta, antes que eu avance sobre o
maldito descuidado, agarre-o pelos flancos com a boca e o lance na direção do
outro, fazendo-os se embolarem um no outro, rolando chão afora, antes de
recuarem alguns metros. Diante da porta, ouço os soluços de Vicky e seu coração
bater acelerado pelo pavor. O ódio que me invade, me faz uivar, convocando os
outros, e rosnar novamente, avançando em direção à dupla dos infernos, que recua
aos poucos, acovardando-se diante da minha ameaça, indo novamente floresta
adentro. O que tentava abrir a porta — possivelmente, o mais velho entre eles —
encara-me raivoso e rosna, em uma promessa de revanche, antes de me dar as
costas e correr.
Que venham. Vou destruí-los um a um.
Ao longe, um rosnado grave e um uivo de aviso, garantem-me que Eli está
seguindo-os e, se dermos sorte, os encontrará e essa ameaça será neutralizada para
sempre.
Eu poderia ajudá-lo. Eu deveria ir. Mas não consigo me afastar ou deixá-la
aqui sozinha. Olho para as roupas rasgadas no chão, pensando no que fazer a
seguir, quando a prancha de madeira podre finalmente cede e, logo, ouço o arfar
de surpresa que escapa dos lábios rosados, fazendo-me erguer os olhos e encontrar
os seus, que me encaram de volta, assombrados.
Merda.
Trêmula e escondida sob um móvel antigo, em um dos cantos, após ouvir o
uivo alto e perigoso ao longe, decido me levantar e ir até a porta. Em momento
algum ouvi Jasper, ou qualquer sinal que indicasse que ainda estava ali, do lado de
fora. Nem gritos de guerra ou pedidos de socorro. Nada.
Talvez, ele tenha corrido e se escondido em outro lugar. Meu Deus, por
favor, que ele tenha escapado.
Faço uma prece rápida e, vagarosamente, ando até a janela, tentando ver
através de uma fresta na madeira, qualquer indício de que as feras terríveis, do
lado de fora, foram realmente embora. Sem conseguir enxergar quase nada,
suspiro desanimada, antes de arrastar devagar a mesa antiga, mas maciça, que
prendia a porta e me preparo para espiar pela pequena brecha, quando a madeira
apodrecida pelo tempo tomba com tudo e me deixa cara a cara com um lobo feroz,
farejando o ar empoeirado entre nós.
Por um breve instante, não consigo sequer respirar. O fôlego trava dentro
do meu peito e, paralisada, apenas espero pelo trágico fim. A fera, maior do que eu
em tamanho, recua um passo, os olhos castanhos — bastante expressivos, para um
animal — não desviam dos meus em momento algum, nem mesmo, quando ele
abaixa a cabeça, fechando a mandíbula onde os caninos pontiagudos saltam, como
se tentasse parecer menos ameaçador.
Com um grito de pavor preso à garganta, recuo um, dois, três passos, sem
nunca romper o contato visual, até chegar diante do corredor estreito, que não faço
a menor ideia de onde vai dar, por causa da escuridão no local, mas para onde
disparo, em uma corrida insana, na qual tudo o que consigo ouvir é a minha
respiração aos arquejos e as batidas ensandecidas do meu coração.
Somente quando chego ao último cômodo, que foi o quarto de alguém, em
algum momento, tendo em vista o esqueleto da cama de madeira e o guarda-
roupas caindo aos pedaços, no qual me escondo de forma precária, atrás de uma
porta, torcendo para que o móvel antigo não despenque sobre mim, é que consigo
raciocinar brevemente.
Seria realmente um azar muito grande, morrer soterrada por madeira velha
enquanto corria de uma fera sanguinária com dentes afiados e sede se sangue.
Aquele lobo não é nada como os animais que mostram nos noticiários — pondero
comigo mesma enquanto o piso de madeira antigo range sob o peso dos passos da
criatura sobrenatural que vem à minha caça.
Droga.
Prendo a respiração quando as tábuas rangem mais próximo e sinto as
lágrimas de pavor que descem pelo meu rosto, enquanto tapo a boca para evitar
que qualquer som escape. Bem, essa era a minha intenção, pelo menos.
Porque, quando a porta que me esconde se move e fico à mercê do meu
perseguidor, eu grito. Alto e potente, com toda a força dos meus pulmões,
enquanto as mãos quentes me puxam para o peito firme e descoberto, do homem
que me abraça com força, fazendo sons tranquilizantes, como as mães fazem com
bebês pequenos.
— Shhhh — exala, apertando-me ainda mais. — Shhhh, Vicky. Sou eu. Tá
tudo bem. Respira. Shhhh.
Não sei dizer se foi o choque de tudo o que aconteceu, ou o alívio por ter
Jasper ali, mas sinto o mundo girar em uma espiral estranha e empoeirada, antes
de encontrar os olhos castanhos — de um tom estranhamente semelhante aos da
fera — firmes nos meus, antes de tudo apagar.

— Que ideia de merda, seu babaca do caralho — ouço a voz resmungar,


em algum lugar próximo. Movo a cabeça, lentamente, sobre a superfície macia e,
quando ouço o suspiro de alívio, abro os olhos. — Graças a Deus! Vicky!
A minha reação não pode ser explicada, nem mesmo por mim, então, não
estranho o choque presente na expressão de Jasper, quando me ajoelho
rapidamente no chão empoeirado e me lanço em seus braços, agarrando-o com
toda a minha força, buscando proteção ali, enquanto choro descontroladamente.
— E-eu tive tanto medo... — Soluço em seus braços, enquanto ele tenta
me acalmar mais uma vez. — O-onde vo-você estava? — Agarro seus ombros
com força e me afasto, quando ele solta um grunhido baixo. — Eles te ma-
machucaram?
— Shhh... — Tenta mais uma vez. — Eu estou bem aqui. — As mãos
grandes acariciam meu rosto, antes que a sua testa toque a minha. — Nós estamos
bem, agora.
Sim, estamos.
É o último pensamento que me ocorre, antes que seus olhos encontrem os
meus e derretam, totalmente, qualquer pensamento que não seja Jasper Hill, que
roça sua boca na minha, como se estivesse testando o terreno, antes de, afinal,
mover suavemente os lábios nos meus. Em algum lugar da minha mente, recordo-
me de quando garantimos que seríamos apenas amigos, mas não resisto quando
sinto sua língua pedir passagem, em um beijo abrasador e forte, trazendo meu
corpo para mais perto do seu, em um misto de saudade e medo.
A adrenalina da situação perigosa ainda corre violentamente em minhas
veias, enquanto me agarro ao jogador, com tudo de mim, embora tenha decretado,
tempos atrás, que não voltaríamos a isso. Parabéns pela força de vontade,
Victoria.
— Vicky... — murmura. — Nós precisamos sair daqui, não é seguro... —
Perco-me no calor de seus olhos e, como se não pudesse evitar, ele volta a me
beijar com urgência.
Ainda com a cabeça girando e o coração à mil, desço as mãos do seu rosto
para os ombros largos e, quando deslizo para os seus braços, Jasper solta um silvo
de dor e se retrai, o que faz com que eu me afaste rapidamente, e atrai meus olhos
para a ferida feia, aberta na parte de trás de seu braço.
— Meu Deus, Jasper! Você está machucado! — Analiso o ferimento com
atenção. A pele rasgada, pelos dentes afiados das feras gigantescas, não tem um
aspecto nada bom.
— Não se preocupe. — Sorri, apesar de fazer uma careta quando toca as
bordas do corte assimétrico com a ponta dos dedos. — Vou ficar bem, parece pior
do que realmente é. Eu juro. — E quando o encaro, com descrédito, acrescenta: —
Garanto que, em poucos dias, nem me lembrarei disso.
Por isso, é que os homens vivem menos.
Demora pouco mais do que alguns minutos, até que, finalmente, eu
consiga me acalmar um pouco e pare de surtar e tentar convencê-lo de que
deveríamos ir a um hospital. Fato que ele nega de forma veemente e garante que
estou exagerando.
— Exagerando? Fomos atacados por lobos gigantes e ferozes, que
pareciam possuídos e... — Ah, droga. Estou surtando de novo. Honestamente,
ninguém poderia me culpar por isso. Ninguém.
— Eu entendo… Me perdoe, mas eu garanto que vai sarar logo. — O
jogador para novamente à minha frente e limpa o meu rosto com carinho. — Foi
realmente algo... assustador. Eu sei. Mas estamos bem, certo?
Novamente, escondo-me em seu peito quente e ele me abraça com força,
tentando conter o tremor que a baixa da adrenalina está causando em mim.
Quando acaricio levemente a pele lisa do seu ombro, finalmente processo que ele
não está usando nenhuma camisa.
— O-O que aconteceu com a sua roupa?
— Victoria... — Fecha os olhos, engolindo em seco, antes de puxar o ar de
forma ruidosa e abri-los. Sérios e intensos, focados nos meus. Ouço o suspiro
resignado e ergo o olhar para encontrá-lo me encarando preocupado, os lábios
pressionados em uma linha fina, enquanto ele parece ponderar a respeito. Estou
ficando maluca. — Nós podemos conversar sobre isso depois, ok? Agora,
precisamos sair daqui.
Sim. Faz sentido.
— Tudo bem, não queremos que eles voltem com ajuda, certo? — Esfrego
o rosto, e então, prendo o cabelo nele mesmo, em um coque frouxo e esquisito,
antes de voltar a avaliar a ferida feiosa no braço do homem seminu, que se levanta
junto comigo e lidera o caminho para fora da casa antiga. — Precisamos limpar
esse machucado e sair logo daq... Está vestindo uma calça de moletom feminina?
Paro no lugar, observando as estampas neon escandalosas da calça
que ele veste, tentando não reparar no modo como o tecido abraça os músculos de
suas pernas de atleta e o volume considerável entre elas. Quando Jasper coça a
garganta, encontro-o com uma expressão divertida no rosto e os braços cruzados
diante do peitoral malhado.
Ele já pensa que sou doida, que importa se achar que sou uma tarada?
— Tive um... imprevisto e precisei pegar emprestado, em um varal,
algumas casas atrás. — Dá de ombros, aproximando-se um passo, quando percebe
que meu olhar sobre seu tronco, esculpido pelas horas na academia, após os
treinos. — Curtindo a vista, Raio de Sol?
Faço uma careta, tentando resgatar minha dignidade e, sentindo-me um
pouco trêmula, passo por ele, à caminho da porta de entrada — derrubada sob a
soleira, fingindo uma indiferença que está longe de existir.
Ouço sua risada divertida, antes que Jasper acelere o ritmo e me ultrapasse,
avaliando a porta caída, antes de tomar a frente e sair para o ar frio da noite,
usando apenas um moletom neon, que faz muito pouco em esconder seus
atributos.
O estado de choque nos faz ter cada pensamento estranho...
É o que penso, antes de seguir Jasper para longe dali, tentando não olhar
por sobre o ombro e buscando por qualquer indício da presença das feras
selvagens, à espreita de uma vítima distraída.
— Para onde estamos indo? — Aponto na direção contrária a que Jasper
indica.
— Pegar a minha moto, Vicky. — Hesito e abraço meu corpo com as mãos
trêmulas, ainda olhando em direção à avenida. Com apenas alguns passos, Jas se
aproxima, os olhos fixos nos meus, quando ergue meu queixo com a ponta dos
dedos e, de forma solene, garante: — Eu não vou deixar nada de mal te acontecer,
Victoria Miller. Confia em mim?
Não respondo, apenas aceito sua mão e sua escolta, e poucos minutos
depois, estamos sobre sua moto potente, cortando o trânsito movimentado do fim
de tarde. Sem demora, chegamos à porta do sobrado, eu me despeço de Jasper com
um beijo no rosto e um abraço apertado e rápido, antes de correr para a segurança
da minha casa, sentindo um cansaço extremo, após a adrenalina abandonar
totalmente o meu corpo.
“Fique bem.” Jasper ordenou, antes de me soltar.
Como se eu soubesse alguma maneira de fazer isso.

Finalmente, o cansaço do dia me vence e fecho os olhos pesados. De


repente, sou arremessada em uma sequência confusa de imagens, que vão se
sobrepondo uma à outra, formando uma espécie de quebra-cabeças confuso, que
vai se encaixando de forma aleatória dentro da minha cabeça.
Jasper me mandando fechar a porta, seu olhar determinado e furioso, antes
de me dar as costas, ainda vestindo o casaco preto e a camiseta branca. Os uivos e
rosnados do lado de fora, indicando a batalha que acontecia ali e a ausência de
qualquer sinal de alguém do lado de fora, lutando contra os lobos selvagens e
perigosos, mas muitos rosnados e uivos descontrolados. A madeira podre cedendo,
um amontoado de roupas rasgadas, próximo dali — a camiseta branca em
frangalhos entre o tecido escuro, também arruinado.
“Não saia daqui”. A voz de Jasper ordena.
O medo.
O temor de que algo possa acontecer a ele, do lado de fora.
Contudo, o que faz meu estômago se revirar e meus olhos se arregalarem, é
a lembrança dos olhos: castanhos e intensos, como chocolate líquido, eles me
observavam atentos, ao longo de vários momentos, desde que os vi pela primeira
vez, escondidos sob uma fantasia infame de lobo.
O mesmo olhar — intenso e preocupado — do lobo grande, de pelagem
acastanhada, quase vermelha, que recuou, ao invés de atacar, como os outros não
hesitariam em fazer.
Não pode ser.
Não.
Abro os olhos, ainda me debatendo na cama. O pesadelo ainda muito
presente, misturando fatos e ficção, sem qualquer critério.
— Impossível... — murmuro, minha garganta, seca, arranha quando tento
engolir. — Não faz sentido nenhum... Não. Eu tô surtando. É isso.
Sento-me na cama, a coberta sobre o meu colo, enquanto meu corpo
balança continuamente — para frente e para trás, em uma tentativa de desviar
minha atenção do mosaico absurdo que ainda dança diante dos meus olhos.
Não é real.
Lobos, daquele tamanho, também não eram reais, até vê-los — meu
subconsciente argumenta.
O pequeno frasco da Sra. Holloway brilha sob a luz que vem do lado de
fora, através da cortina da janela e, pela primeira vez, não me importo se for uma
gororoba ruim e que, provavelmente, não vai funcionar. A esse ponto, eu tentaria
qualquer coisa, para conseguir dormir sem pensar em todas essas maluquices.
Seguindo as instruções, tomo as gotas amargas com um pouco de água e,
mantendo o abajur aceso, como a boa medrosa que sou, espero que o sono venha.
E, ao contrário do que imaginava, não me decepciono.

É difícil evitar a floresta, quando se vive em uma cidade como Silent


Grove, mas tenho tentado me manter o mais distante possível e, com os últimos
ataques à turistas, meu temor não levanta nenhuma suspeita. Ajeito a alça da bolsa
com o meu uniforme e os pompons, para o jogo desta tarde, e deixo o ônibus,
junto com o resto da equipe. Nos preparando para as rotinas durante o jogo de
hoje.
Enquanto me alongo, relembro da conversa que tive com minha mãe, dois
dias atrás, no início da semana, quando os advogados entraram em contato
conosco. Finalmente, minha tentativa de ter acesso ao valor, relativo à pensão
alimentícia, que nunca nos foi paga, deu certo, e conseguimos metade do que
havia em uma conta no banco e o aluguel de um pequeno apartamento em
Montbianc. Não é o bastante para mudarmos de vida, mas já possibilita à minha
mãe abandonar alguns turnos no hospital onde trabalha.
Melhor do que nada.
Fora isso, soube, essa manhã, que Harper Moon, minha prima, deve vir
morar conosco, em breve, e apesar do ar cansado e preocupado, no rosto da minha
mãe, tenho certeza de que está muito feliz em tê-la conosco no próximo semestre.
Acho que pode ser uma boa mudança para todas nós. Agora que amadurecemos e
paramos com as terríveis brigas envolvendo tapas e mordidas, acho que
poderemos ser amigas.
— O que tem de tão engraçado? — Kat bate o cotovelo contra as minhas
costelas e ri da minha cara quando reclamo, esfregando o local atingido.
— Nada demais. — Dou de ombros, mas ela insiste. — Uma prima que vai
se mudar para a minha casa, em breve. Vocês vão se dar bem, já que, diferente de
mim, Harper costumava ser mais descolada.
— Eu te acho descolada — responde, avaliando as unhas pintadas de roxo.
— Você só tem essa vibe... princesa na torre.
— Ah, obrigada! — Finjo uma reverência. — Só me falta um príncipe.
Uma confusão entre alguns jogadores, que carregam os coolers, começa
por perto e, por causa de um empurrão, um dos reservas do Warrior Wolves quase
cai sobre nós. Graças aos seus reflexos de atleta, ele consegue se agarrar às
arquibancadas e apenas desliza parte do tronco na minha amiga, que o encara com
interesse.
— Viu? Uma princesa! Basta pedir, e o Universo te dará! — Gargalha,
deixando-o ainda mais sem graça, ao contrário do sujeito que caminha em nossa
direção, com um sorriso malicioso no rosto.
— E o que é que pretende pedir? — A voz rouca de Mack nos alcança, ao
mesmo tempo em que o jogador joga o braço nos ombros da minha amiga,
puxando-a para ele, enquanto me cumprimenta de longe.
— Como sabe se já não fui atendida? — A safada entrelaça os dedos nos
de Mack e manda um beijo para Eli, que responde com uma piscadela, fazendo o
cara ao seu lado gargalhar.
— Cuidado com o que deseja, gatinha! — Ele beija seu rosto, antes de se
levantar para se juntar ao time, reunido no centro do campo. — O treino, hoje, vai
ser pesado. Até mais.
Kat observa, enquanto ele se afasta, sem qualquer vergonha, antes de se
virar para mim com uma expressão sonhadora.
— Kat, meu Deus! — Dou um tapinha em seu ombro, fazendo-a sorrir. —
Você nem disfarça.
— Amiga, entenda: — Seus olhos percorrem o campo e param em Liam
Ashbourne, que dá ordens para o resto do time. — Eu pegaria qualquer um deles,
principalmente, o gostosão trevoso. Bem, todos, menos o seu boy. Por falar nisso,
cadê ele?
Não me espanta que Jasper não esteja ali, só se passaram alguns dias, após
aquela aventura com os lobos gigantes e aquela ferida em seu braço estava
realmente muito feia. Não me surpreenderia se ele tivesse procurado o hospital
para dar uns pontos, depois de me deixar em casa. Na verdade, torço muito para
que tenha feito isso, já que não o vi nos últimos dias, nos quais tenho pegado
carona com Chad.
Não vou ficar andando por aí, sozinha, depois daquela tarde. O trauma foi
tão grande, que eu sigo me sentindo observada o tempo todo. Deus me livre.
— Talvez, ele tenha se machucado e... — começo a falar, mas, logo, sou
interrompida por Kat, que aponta para o jogador que chega atrasado do vestiário.
— Ah, ali está ele! — Jasper sacode os fios mais longos da parte da frente
do cabelo, antes de colocar o capacete. — Lindo e sarado, como sempre. Sem
sequer um arranhãozinho.
Sim, eu sei — poderia responder. Mas tudo o que consigo processar é o
fato de ele não usar nenhum curativo aparente, no local ferido, e estar
movimentando os braços tranquilamente, enquanto se alonga e o treinador detalha
algumas jogadas para o time.
Como se sentisse que está sendo observado, nossos olhares se encontram e
ele sorri brevemente, antes que o apito soe e o seu treino comece.
— É a nossa deixa... Pronta para algumas piruetas? — Kat aponta para o
resto do squad, que se prepara para começar a segunda parte da nova rotina. —
Vicky? Tá tudo bem?
Não sei dizer. Está?
Vinte minutos, e alguns tombos, depois, decido dar um tempo e, enquanto
tomo água, na beira do campo, presencio o exato momento em que a linha de
defesa age e derruba Jasper com tudo no chão. Ofego e, como se não conseguisse
dominar o meu corpo, corro em sua direção, gritando o seu nome.
Pouco me importando com as piadinhas dos outros jogadores e com o
olhar sério e intimidante do capitão do time — e melhor amigo do jogador caído
na grama — ajoelho-me ao lado de Jasper, com o coração acelerado, enquanto ele
se vira de barriga para cima, tentando recuperar o fôlego.
— Vicky... — murmura, arquejando, mas abre um sorriso bonito, no rosto
sujo de terra, apesar do capacete. — Tá tudo bem. Eu tô acostumado.
— Você deveria mesmo estar treinando? Quer dizer, o seu braço... — Ash,
ainda parado ao lado de Jas, coça a garganta, em uma espécie de rosnado
indignado.
Corro os olhos e, só então, reparo nas bandagens claras, envolvendo quase
todo o trecho do ombro ao cotovelo, escondido pela manga branca do uniforme.
Graças a Deus, eu achei que estava ficando louca.
— A princesa pode se levantar agora, e nos deixar treinar? — o capitão do
time reclama. — Jasper, você não costumava ser tão fracote.
— Ash, não fode! — Mack se aproxima. — Deixa o cara curtir o
momento. Kat! — ele grita para a garota do outro lado. — Se eu cair, não aceito
menos do que isso!
— Sem garantias! — responde debochada, e então, completa: — Eli, eu
correria por você! E só Deus sabe, o que eu faria por esse quarterback! — Sorrio
sem graça, quando ouço o jogador em questão bufar. Ela, simplesmente, não tem
filtro algum.
Ash grunhe e Mack gargalha, enquanto Eli dispara pelo campo e vai até a
minha amiga, que abre os braços para recebê-lo.
Nesse meio tempo, Jasper se levanta e eu faço o mesmo, sentindo meu
rosto se esquentar, pelo papelão de antes. Quer dizer... nós nem estamos juntos,
essa reação foi um tanto desproporcional, para uma amiga preocupada, e eu não
quero passar a ideia de que há algo entre nós. Não é?
— Eu só queria ter certeza de que estava bem… — Sorrio, sem graça,
virando-me rapidamente, e volto correndo para o meu lugar. Tentando não me
encolher sobre o peso de seu olhar, que sinto me acompanhando durante todo o
tempo em que o treino continua.
Não volto a olhar na direção do time de futebol americano. Nem mesmo,
quando tenho a impressão de que o ouço me chamar e, fingindo ter um
compromisso inadiável, reboco Kat comigo, para longe dali, tão logo o treino
acaba.
Parabéns, Vicky. Você deve mesmo ter perdido a cabeça.
Tento prestar atenção na merda da aula de Direito penal, mas não
consigo deixar de me lembrar do olhar preocupado e do toque urgente das
mãos delicadas, de dias atrás. Sigo tentando entender, porque diabos, depois
de correr preocupada até mim, imaginando que eu tivesse me machucado,
Vicky me ignorou deliberadamente, e então, correu para longe, com a
amiga maluca reclamando, sobre estar sendo arrastada.
Mas que merda foi aquela?
Após o fim de mais um dia de aula, pretendo aproveitar os dois dias
de descanso dos treinos, para tentar colocar a cabeça no lugar e adiantar
alguns trabalhos da faculdade. Nem todos nós temos a mesma facilidade de
Liam Ashbourne, de se dar bem, mesmo sem ter aberto a porcaria de um
livro. Maldito Alpha, gênio do caralho.
Acelero minha moto pelas ruas estreitas, quando o perfume no ar
deixa meu corpo todo em alerta. Não muito longe, mas não tão perto.
Sempre assim. Uma merda de sina, com a qual devo me acostumar, já que
não há muito a ser feito: Victoria Miller segue proibida para mim, de todas
as formas. Não importa quantas vezes eu a salve, ou o que estou disposto a
fazer para mantê-la segura; ela ainda não seria minha.
Nunca.
Ainda que tenha me beijado com o mesmo desespero e entrega,
naquela tarde, todos os dias, desde então, eu a vejo continuamente na
presença de Chad Graymane II, que continua cercando-a por aí e tentando
conquistá-la, sempre que pode.
Merda de fura-olho do caralho.

A festa na Colina começou cedo, mas sigo tentando manter as coisas


em ordem dentro da casa e o meu quarto longe dos filhos da puta, dispostos
a transar em qualquer lugar possível. Elijah aparece abraçado à Kat, que me
cumprimenta rapidamente, antes de voltarem a se agarrar, entrando às cegas
para dentro de seu quarto.
Esse cara tem coragem. Ela é maluca.
Não é como se eu precisasse ver Kat para me lembrar da presença
de certa loira por aqui, senti seu cheiro doce, muito antes que o ônibus
chegasse à porcaria da cidade, e, possivelmente, esse é um dos motivos para
que eu tenha me escondido, evitando a tentação de vê-la e não poder tocá-
la. A porcaria do elixir já não faz mais efeito, então, resta-me apenas aceitar
o fato e seguir em frente. Ou tentar.
— A festa é lá embaixo, Jas. — Mack, no primeiro degrau da
escada, entrega-me uma cerveja e segue andando pelo corredor, parando
diante da porta do quarto de Eli, com um sorriso sacana, e coloca a mão na
maçaneta. — A menos, que queira se juntar a nós.
— Não. Muito obrigado. — Tomo um gole da cerveja, ainda gelada,
e sorrio quando vejo a porta se fechar.
— Isso vai dar merda — a voz profunda de Ash, afirma às minhas
costas.
— Ou casamento — considero, rindo. — Se estamos todos aqui,
quem é que está cuidando das coisas lá embaixo?
— Merda — declaramos em uníssono, quando o som de algo se
quebrando ecoa pelo lugar, fazendo-nos descer as escadas rapidamente e
checar a origem do som.
— Jas… — Meu amigo me encara, preocupado, seus olhos focados
no carro de Chad II, estacionado alguns metros à frente.
— Posso lidar com isso, Liam. — Ele estreita os olhos, odiando que
eu tenha usado seu nome. Cada doido com as suas manias, certo?
Eu posso ter conseguido me enganar, nos primeiros dez minutos, em
meio à pequena multidão aglomerada ali, mas não demora muito mais do
que isso, para que eu comece a procurá-la entre as pessoas, que formam o
grupinho do maldito playboy fura-olho, mas ela não está ali e o idiota não
parece muito preocupado com isso, no momento.
Sigo até o outro grupo, perto da pista de dança, onde parte das
líderes de torcida está se divertindo, e pergunto por Vicky. Mia, a menos
bêbada ali, aponta para a área dos banheiros como o último paradeiro da
loira, e eu sigo naquela direção, apenas para me certificar de que está tudo
bem.
É só uma preocupação infundada, por causa da estupidez do meu
lobo.
Repito a mim mesmo, como um mantra, no caminho até a área do
lado mais distante do salão, onde ela deveria estar, mas não há ninguém ali.
Com o coração acelerado, tento apurar minha audição e farejo o ar,
erguendo a minha cabeça e sentindo o cheiro adocicado de Vicky, misturado
ao medo e ao fedor de álcool e de macho excitado.
Praticamente correndo, sigo o rastro da loirinha e não demoro muito
a encontrar a porta do banheiro fechada, os gemidos, do lado de dentro,
acertam-me com uma força descomunal.
Caralho, não!
Dou um passo em direção à porta, cogitando derrubá-la, mas planto
meus pés no chão, mantendo-me parado, enquanto sinto meu peito arder e o
meu lobo se contorcer dentro de mim, furioso.
Porra!
Esfrego o rosto, tentando organizar os meus pensamentos, quando a
brisa que vem da floresta traz o ar fresco do fim de tarde, junto ao aroma
forte de patchouli, lírios e baunilha.
— Karen! — o babaca grunhe, do lado de dentro do banheiro,
encerrando meu sofrimento, apenas para me conduzir a outro.
Ela não entraria na porcaria da floresta sozinha. Não depois do que
aconteceu naquela rua. Não por vontade própria.
Puxo o ar com força e volto a farejar o seu perfume, agora,
misturado ao fedor do bando invasor, que parece ter tomado coragem e se
arriscado, essa noite, nas terras dos Ashbourne. Corro desesperado, em
busca da garota loira que parece realmente estar em algum lugar dessa
maldita floresta. Quando seu rastro se torna mais forte, não demoro muito a
encontrá-la, alguns metros à frente, acuada, debatendo-se contra um babaca
que tenta levá-la mais para longe.
Quem é esse filho da puta?
— Fica calma, loirinha — o babaca diz, puxando-a em direção à
mata fechada, próxima à uma formação rochosa. — Vai acabar logo, e eu
prometo que não vai nem sentir. Eu sou habilidoso…
Puta que me pariu!
— Tire as mãos dela! — Sem pensar muito, saio das sombras de
onde os estava observando, e a vejo arregalar os olhos, tomada pelo pânico.
O fedor dos outros lobos é ainda mais intenso aqui. Estamos
cercados. Porra.
— Ah, droga! Sempre um namoradinho para tentar salvar a porra do
dia. — O idiota de cabelos longos e desgrenhados revira os olhos claros. —
Acabem com ele.
Detrás da grande estrutura rochosa, como se estivessem esperando a
merda de um sinal, saem dois lobos brancos, rosnando e salivando,
enquanto se aproximam de mim devagar. Um deles, ostentando uma cicatriz
feia em seu flanco direito — possivelmente uma marca do nosso último
encontro.
— Não se preocupe, Vicky — garanto a ela, que chora, enquanto
tenta se soltar do aperto firme do filho da mãe. — Vai ficar tudo bem. Eu
prometo.
Recuo alguns passos, aumentando um pouco mais a distância entre
nós, tentando mantê-la fora do caos que se aproxima e rezando muito, para
que ela não surte, quando descobrir a verdade sobre mim.
— Jasper, não! — Vicky chora ainda mais, seus olhos se
arregalando, ao notar que pretendo enfrentá-los. Desesperada, ela estende a
mão trêmula em minha direção.
Mas é tarde demais. Eu já estou correndo, tomando impulso e,
quando salto no ar, a raiva arde em cada terminação nervosa que possuo e o
calor, característico da transformação, desce pela minha espinha e se
espalha por todo o meu corpo. Perto dali, na festa, uma batida agitada, que
mal disfarça o uivo furioso que irrompe do meu peito.
Quando aterrizo no chão, a poucos passos de onde está, ouço o seu
soluço baixinho, enquanto seu captor exibe pavor em seu rosto, após
perceber que não sou apenas um idiota, defendendo minha namorada, mas,
sim, uma fera perigosa e disposta a tudo pela garota que arregala os olhos,
apavorada. Lágrimas escorrem pelo rosto bonito, enquanto suas íris
refletem a imagem do lobo que os enfrenta, por ela.
A minha imagem.
Um dos lobos brancos, impaciente e imprudente, como no último
embate, ataca-me pela direita, tentando alcançar o meu pescoço, mas me
desvencilho, cravando os dentes novamente em seu flanco, já enfraquecido,
e o arremessando contra uma árvore. Sempre focado em Vicky, avanço para
o outro, mas ele recua — exatamente como da outra vez — e me aproveito
do momento para uivar mais uma vez, avisando ao clã sobre a invasão do
nosso território e, agora, sou respondido imediatamente.
Os uivos, dos encarregados pela ronda noturna do nosso clã, ecoam
por toda a floresta, em resposta ao meu chamado. Os dois lobos brancos,
como sempre, ao notar sua desvantagem, fogem. Assim como o babaca que
tentava raptar Vicky, que não está em lugar algum à vista.
Filho da puta!
Apesar de ainda sentir o cheiro enjoativo do miserável, não o sigo.
Pelo menos, não agora. Apenas permaneço ali, alerta a qualquer perigo,
observando a garota que ainda busca proteção na pedra, tentando decifrar o
olhar em seu rosto que, nesse momento, não me parece mais tão assustado
assim. Há uma centelha de entendimento. Compreensão.
Reconhecimento.
— Ja-Jasper? — ouço-a murmurar.
E chocando a nós dois, estende, mais uma vez, a mão diante de si,
em minha direção. Merda, Vicky. Não era para ser assim.
Não consigo desviar meus olhos e, para não a assustar ainda mais,
não saio do lugar. Quando ela toma a decisão de se aproximar, trêmula, mas
corajosa para um caralho, apenas espero, as patas fincadas no chão,
enquanto a garota loira, minha Escolhida, se aproxima, sua essência floral e
adocicada, marcada pelo medo, dominando meu olfato completamente.
— É a segunda vez que me salva. Eu sabia que não estava louca! —
Bufo e ela sorri, entre as lágrimas que descem pelo rosto bonito, quando ela
para à minha frente, deixando-me imediatamente preocupado de que ela
esteja em choque. A mão ainda estendida diante de seu corpo, como se a
tivesse esquecido ali.
— Você não é um lobo. — Quando inclino a cabeça, ela dá outra
risadinha nervosa. — Não um comum. Jasper! — Revira os olhos e, quando
ergo a cabeça, e sinto o toque de seus dedos em minha pelagem, é como se
meu corpo começasse a cantar. — Eu... Isso tá realmente acontecendo?
É. Está sim.
Esquadrinho a floresta ao nosso redor e, quando sinto o cheiro de
outros lobos, os nossos, dessa vez, se aproximando, bato a cabeça de leve
em suas pernas e aponto para o corredor que se forma entre as árvores,
mostrando o caminho de volta para a festa, enquanto ela engole em seco e
esconde o rosto nas mãos, respirando ruidosamente, tentando processar o
que acaba de descobrir. E eu pretendo explicar tudo a ela, mas, agora,
precisamos sair daqui.
Caminhamos lado a lado, em silêncio, pela floresta, por alguns
minutos. Eu, ainda em forma de lobo, vigilante e atento a qualquer perigo
que se apresente, sentindo seu olhar curioso sobre mim o percurso inteiro.
— Estou seguindo um lobo gigante para fora da floresta. — Mais
risos nervosos. — Um lobo que se transforma em gente — comenta consigo
mesma, em algum momento e, então, emenda. — Você tem muitas
explicações a dar, Jasper Hill.
É. Eu sei.

Dentro do banheiro do pequeno quarto de bagunça, no chalé que


erguemos aqui, para guardar todas as tralhas que acumulamos ao longo dos
anos e não usamos nunca — tipo a porcaria da bateria velha do Mack ou o
meu antigo violão — tento me acalmar, antes de abrir a porta e enfrentar
Victoria Miller.
De alguma forma, a comunicação não-verbal funcionou bem, já que
ela me seguiu até aqui, sem hesitar e, apesar de todo o barulho, do lado de
fora, onde a festa está rolando tranquilamente, preparo-me para uma
conversa séria e um tanto quanto complicada. Respiro fundo mais uma vez
e abro a porta, deparando-me com Vicky abraçando as pernas dobradas
contra o corpo, encarando a noite escura através do vidro da janela.
— Eu... — começo a dizer, mas então, seus olhos se encontram com
os meus e nada do que pensei em dizer, nos poucos minutos que levei para
vestir uma calça jeans surrada e uma camisa velha de flanela, que encontrei
por aqui, parece apropriado — não sei por onde começar.
— Que tal... O que você é? — murmura.
Anuo com um gesto de cabeça e puxo o banquinho empoeirado da
bateria, para me sentar à sua frente. De alguma forma, manter distância me
parece necessário. Afinal, preciso que me ouça, entenda e que guarde o
meu segredo.
— Nem todas as lendas foram criadas apenas para assustar as
crianças teimosas. Algumas delas são tão reais e verdadeiras como você, ou
eu. — Noto o momento em que ela engole em seco. — Nessas histórias,
acredito que nos chamam de lobisomem.
Vicky arqueja, os olhos arregalados pela surpresa, mas ela segue
firme e em silêncio, ela espera. Não sei o que mais posso dizer a respeito
disso, sem revelar tudo sobre os meus amigos, o que só tornaria a coisa toda
ainda pior. A fragilidade dos seus gestos e de sua voz são como lanças,
atravessando a porcaria do meu peito, porém, não me arrependo do que fiz.
Ela está aqui, segura e viva, na minha frente, e isso é tudo o que importa.
— Eu jamais faria qualquer coisa contra você — garanto a ela, que
assente algumas vezes. Como poderia? — Há algo que queira saber?
— Co-Como aconteceu? Você foi atacado? — Cobre os lábios com
as mãos. — Quer dizer... um daqueles lobos, eles... te morderam…?
— Eu venho de uma linhagem de lobos, Victoria. — Apoio os
cotovelos nos joelhos, enquanto ela confirma, pensando em como explicar,
sem revelar demais. — Nasci assim. Normalmente, na pré-adolescência,
ocorre a nossa primeira transformação. E, então, nos transformamos
sempre que necessário.
— Em lobos gigantes? — Assinto e ela anui rapidamente. Pelas
batidas estrondosas do seu coração, sei que Vicky está no limite. — Os
ataques na floresta...
— São aqueles malditos lobos brancos. — Desvio meu olhar para a
janela. — Temos monitorado a floresta, mas eles ainda conseguem se
esgueirar e... — Esfrego o rosto, frustrado. — Não somos nós. O meu... clã
vive aqui desde sempre. Nós somos muitos e nunca tivemos esse problema
antes. Vicky, esse segredo não é só meu, e eu sei que, talvez seja pedir
demais, mas preciso que não conte a ninguém sobre isso.
Uma risada meio histérica irrompe de sua garganta, ao mesmo
tempo em que lágrimas grossas rolam pelo rosto bonito.
— Acredite, não pretendo contar a ninguém. — Dá de ombros,
esfregando o rosto com as palmas das mãos. — Eu vi tudo acontecer diante
dos meus olhos e mal consigo acreditar que é real.
— Eu sinto muito que tenha sido assim. — E essa é a mais pura
verdade. — Mas, quando te vi em perigo, não consegui pensar em outra
saída e...
— Obrigada. — Suspira. — Por hoje e por aquele dia — e, quando
me arrisco a me aproximar mais, ela recua —, mas eu preciso de um tempo.
É... demais. Preciso ir, agora.
Levanta-se, caminhando até a porta. É a minha vez de esfregar o
rosto, desalentado. Mas que merda.
— Vicky, eu... — morreria por você. É o que eu ia dizer, mas
engulo as palavras. Ela tem razão. É muito para processar. — Posso te levar
para casa?
Depois de tudo, não poderia deixá-la andando por aí, sozinha. Foi o
segundo ataque e, dessa vez, não me pareceu algo providencial. Aquele
filho da mãe parecia estar levando-a a algum lugar e, se for esse o caso,
Vicky é um alvo.
Caralho.
Eles que lutem. Não a terão.
Apesar de não responder, ela espera do lado de fora. Fecho a porta
atrás de mim e, juntos, mais uma vez, Vicky me segue de perto, até o
celeiro que Liam transformou em garagem e entra no carro comigo,
enquanto nos conduzo para fora da propriedade. Antes de sair, os olhos
escuros de Liam nos acompanham, atentos, mas deixo para pensar a
respeito em outro momento.
Seguimos caminho até o centro, em um silêncio sepulcral, Vicky
recostada contra a porta, mantendo o máximo de distância de mim, percebo,
e isso me faz murchar um pouco no lugar, mas respeito seu momento,
permanecendo calado, observando-a apenas pela visão periférica, no trajeto
de poucos minutos. Ouço-a suspirar alto, quando paro o carro diante do
sobrado amarelo e meu coração se aperta, quando esconde o rosto nas mãos
mais uma vez, em um gesto desesperado.
— Me perdoe, Vicky. — Engulo em seco, sem conseguir lidar com
o sofrimento que estou causando a ela. Porra, não era para ser assim. —
Tudo o que eu fiz, foi para te proteger.
Um uivo ao longe na floresta, faz com que ela salte no lugar e,
surpreso, recebo seu corpo sobre o meu, enquanto ela estremece,
visivelmente apavorada, agarrando-se a mim, em busca de abrigo.
Eles não a terão. Não, enquanto eu viver.
Hesitante, envolvo-a entre meus braços, sentindo suas mãos
agarrarem firmes a frente da minha camisa, afundando o rosto em meu
peito, como fez naquele outro dia, e eu me deixo ficar ali. Acariciando os
fios dourados, enquanto espero que ela se acalme.
— Está tudo bem, Raio de Sol. — Uso o apelido idiota, daquela
noite em que tudo mudou. — Eu estou aqui e vou protegê-la. Sempre.
Victoria ergue o rosto, os olhos apavorados e úmidos, buscando os
meus, quando ela engole em seco, mordendo o lábio inferior, hesitante.
— Eu sei. De alguma forma, eu sei — murmura, tão próxima a mim,
que sinto sua respiração quente fazer cócegas nos meus lábios. — Jasper...
Quando seus olhos caem para a minha boca, o clima muda.
Tornando-se mais quente, intenso e desesperadamente sensual, porque ela
me olha dessa forma, mas há muito em jogo, aqui, e não posso me deixar
levar, por isso, fecho os olhos, antes de beijar sua testa e trazê-la de volta ao
meu abraço.
— Não vou a lugar nenhum, Vicky — garanto a ela.
Eu posso esperar.
Tenho uma vida inteira para isso, Raio de Sol.

— Hill! — o treinador chama e aponta para o centro do campo.


Reviro os olhos, antes de voltar a olhar para a garota loira, que me encara
de forma acusatória.
— O que foi?
— Sabe? Estive pensando e é meio injusto, essa coisa toda —
pondera, apontando para mim. — Com os outros jogadores. Você meio que
fica em vantagem.
— Nem sempre. — Sorrio de lado, ao mesmo tempo em que Mack
dá uma gargalhada. — Eu dou o meu melhor, Raio de Sol.
— Hill, se você demorar, nós esperamos! — o homem mais velho,
segurando sua inseparável prancheta, debocha.
— É melhor você ir — despede-se, antes de seguir o resto da sua
equipe, que já finalizou o treino e está a caminho dos vestiários — Até
mais, Jasper.
Após tudo o que rolou, nossa relação evoluiu para uma espécie de
amizade, com muitas nuances diferentes de tensão sexual e desejo
reprimido — da minha parte, principalmente — porém, nada colorida. Duas
semanas, desde a grande revelação e aquele momento no carro, que não se
repetiu mais. Talvez, seja realmente melhor assim. Uma amizade pode durar
a vida inteira e saciar a dependência do lobo, que escolheu alguém
impossível para ser sua.
— Hill! — O treinador bate com a merda da prancheta em meu
ombro. — Porra! Onde é que tá a sua cabeça?
Não respondo. Pelas risadas do resto do time, é uma resposta bem
óbvia.

Deixo a água gelada cair pelas minhas costas e tento, sem muito
sucesso, acalmar os meus nervos, após a visão dos infernos de ter aquele
filho da mãe agarrado, como sempre, a Vicky. Mais um dia, mais
sofrimento com as caronas do babaca, que parece estar colado nela,
sobretudo, nos últimos dias. As provas finais se aproximam, assim como as
férias de fim de ano e as perspectivas de ver Victoria Miller, durante esse
tempo, totalmente extintas para mim. Algo que tem se tornado uma espécie
de tortura mental.
E física.
Ergo a cabeça e tento abafar todos os pensamentos conflituosos,
com o fluxo intenso de água, antes de desligar a torneira, me enxugar
rapidamente, ainda no banheiro, e dar de cara com o folgado, deitado na
minha cama, apenas de cueca boxer.
— Posso saber o que traz o princeso aqui? — questiono, quando ele
se vira no meu travesseiro, em um gesto preguiçoso. Filho da puta.
— Fora a visão do seu corpo gostoso nu? — Aponta para mim,
enquanto seco o cabelo e vou até a cômoda pegar uma cueca.
— Arram. — Visto a peça azul marinho e volto a olhar em sua
direção. — Manda.
— O que faria, se estivesse interessado em um amigo? — Ah, que
merda. — Tipo, vocês já... ficaram juntos, mas não sozinhos e... Não sei.
Não quero atrapalhar a amizade.
Mack não é tão desatento quanto gosta de parecer.
— Eli gosta de você. — Abrevio a história toda. — E, se for
correspondido, não vejo por que não tentar. Veja os seus pais. Eles se
escolheram, antes de conhecerem a sua mãe, certo? — ele assente,
pensativo. — Era só isso?
— É. Meio que era. Mas não sei se posso arriscar, Jas. — E essa é
uma das poucas vezes em que o vejo falar sério na vida. — Ainda não.
— Entendo. Mas não faço ideia de quando virei referência em
relacionamentos. — Dou de ombros, vestindo uma calça jeans clara. —
Vivo em sofrimento constante, nos últimos tempos.
— Só porque quer. — Mack revira os olhos para a minha expressão
furiosa. — Jas, eu vejo a sua situação de outra forma. Seu lobo escolheu a
Vicky e ela é proibida para você, nós sabemos dessa merda toda, dos
Acordos. Mas não estamos falando de casamento, uma casa grande, com
cerca pintada de branco e o caralho a quatro. Estou falando de se permitir,
por um momento. O sofrimento já é algo previsto, por que se negar a
experimentar? Uma lembrança é melhor do que nada.
Sento-me ao seu lado na cama, desalentado.
— Você se esquece de outro fator. — Encaro o móvel à minha
frente. — Ela teria que querer.
— Vá se foder, Jas! — Bate o ombro no meu. — Todos nós
sabemos que ela quer. Muito.
Um rosnado instintivo e raivoso irrompe da minha garganta, à
simples menção de que todos ali já sentiram, em algum momento, o aroma
picante que deveria pertencer somente a mim.
— Lembre-se de que me escolheu primeiro. Não precisa me morder
de novo. — Mack gargalha e, então, pisca rapidamente, como uma donzela
de desenho animado, e dá um tapinha fraco em meu ombro. — Não gosto
de ser a segunda opção, Jasper Hill! Seu safado de meia tigela!
Mas, quando chega à porta, ele se vira e volta a falar sério.
— Pense nisso. Ela deve vir à festa amanhã, e seria uma
oportunidade e tanto, para vocês dois. — Filho da mãe.
Como se eu precisasse de mais incentivo para pensar a respeito.
Pela janela do meu quarto, observo a neblina que cobre as árvores ao redor
da cidade e deixa tudo um pouco mais misterioso — algo com o qual já estava
habituada, mas que, após os últimos eventos, assumiu novos significados para
mim. Os uivos, ao longe, não indicam apenas lobos correndo por aí, mas um
bando de lobisomens, lutando por território em meio às árvores. E, entre eles,
Jasper Hill.
A parte difícil disso tudo? Não conseguir pensar nisso como algo ruim, ou
perigoso. No fim das contas, é Jasper. O mesmo jogador lindo e divertido — na
maioria das vezes — que sempre parece mais do que disposto a me proteger de
tudo. E por quem estou bastante apaixonada.
Que confusão.
— Tão pensativa... — a voz da minha mãe me resgata do caos que é a
minha cabeça. — Suas malas já estão prontas?
Nós duas olhamos, ao mesmo tempo, para a montanha de roupas sobre a
bagagem rosa, aberta no chão — os novos casacos, comprados recentemente,
ainda nas sacolas, sobre a pilha de roupas coloridas.
— Semana de provas e véspera de férias, sabe como é... — Sorrio sem
graça. — Prometo deixar tudo arrumado.
Pela primeira vez, vamos passar as festas de fim de ano em uma pousada
charmosa, no sul da Itália, realizando o sonho de vida da minha mãe — um
presente de Natal da Tia Marianne para nós. Aquela maluca se casou com um
homem rico e não aceitou as negativas da irmã, tampouco as inúmeras desculpas
que eu inventei, antes de aceitar, feliz e resignada, uma espécie de “mochilão” por
algumas cidades europeias, antes de iniciar um novo ciclo, segundo ela. Para a
minha tia, tudo sempre parece exatamente igual em Silent Grove.
Mal sabe ela, dos segredos que essa cidade esconde.
— Espero que sim, mocinha. — Já vestindo seu uniforme branco, ela faz
uma imitação de si mesma, anos atrás. — Essa viagem será boa para nós duas,
tenho certeza.
— Vai sim — concordo, ouvindo-a gargalhar, ao ver meu olhar
desalentado para a mala desarrumada. — Novos ares vão nos fazer bem.
Talvez, seja tudo de que preciso, para colocar a cabeça no lugar. Mas, antes
disso, ainda há uma última semana de aula e a festa de despedida do semestre,
marcada para essa tarde. Depois da revelação bombástica sobre Jasper, nós meio
que entramos em uma espécie de amizade, e o Sr. Idiota parou de dar as caras, por
um tempo. Graças a Deus.
Mas isso não quer dizer que haja alguma chance para nós dois. Ele não
voltou a tocar no assunto e, tirando aquele episódio, na casa abandonada, nunca
mais voltamos a nos beijar ou a falar a respeito disso. Bem, pelo menos, até hoje.
Uma brisa fria entra pelo vão da janela e balança meu cabelo, antes que eu me
levante e a feche rapidamente. Os ventos da mudança estão soprando, a Sra.
Holloway — a vizinha meio bruxa — comentou outro dia, ao me ver saindo para a
faculdade.
Eu só espero que seja para a melhor.
— Quem é você, e o que fez com a minha amiga, antes de tomar o corpo
dela? — Kat me sacode pelos ombros, quando pego a minha sexta garrafa de
cerveja. — Vicky, por mais que eu esteja amando a sua descontração, também
estou um tantinho assim — distancia alguns poucos centímetros o indicador do
polegar, à minha frente — preocupada com você.
— Eu tô bem — afirmo, mais uma vez, sentindo a minha cabeça mais leve.
— Mack! — Abro os braços para um dos jogadores do Warrior Wolves que vinha
andando em nossa direção, e ele logo passa as mãos em minha cintura, me
abraçando e suspendendo meu corpo do chão.
— Eu sei que sou a alegria da festa e muito amado por todos — sorri e
deixa um beijo na boca da minha amiga, às minhas costas —, mas, Loirinha, não
faça isso com o meu amigo, ele não vai aguentar.
— E onde é que ele está, agora? — grito, próximo ao seu ouvido, para que
me ouça sobre a música alta.
Mack ergue os olhos e encara um ponto atrás de mim. Motivada pela
coragem líquida, olho por cima do ombro e o encontro. De pé, em uma espécie de
recuo na construção, com uma garrafa de cerveja na mão, Jasper Hill nos observa
à distância, com uma expressão nada feliz, antes de sair de vista.
— Estou cansada disso, sabia? — declaro, para ninguém em especial e,
quando estou preparada para ir atrás do lobo-problema, sinto Kat me segurar pela
mão.
— Eu vou com você — afirma, mas, logo, Mack segura firme em sua
cintura e a puxa contra seu peito.
— Você fica aqui, pequeno gafanhoto. — O jogador alto sorri e pisca para
mim, agarrando Kat pela cintura, prendendo-a em seu abraço. — Eles realmente
precisam conversar.
— Mack tem razão, Kat. Eu já volto — afirmo e, apesar da surpresa no
rosto de Eli, que se aproxima deles, sigo caminho entre as pessoas dançando ali e
me deparo com um espaço escuro e deserto, que leva à construção onde estivemos
na noite em que descobri a verdade sobre Jasper.
Ou parte dela, pelo menos.
Enquanto meus olhos se acostumam com o ambiente mais escuro,
resmungo comigo mesma, xingando baixinho, enquanto tropeço várias vezes pelo
piso desnivelado e cheio de pequenas pedras, sentindo minha cabeça rodar pelo
efeito do álcool, quando subo os degraus da escada.
— Porcaria! — praguejo mais uma vez, quando o salto da minha bota
agarra em um buraco na pedra e quase me faz cair de cara no chão. — Olha, ele
pode ter agilidade fora do comum, mas será que não poderia ter arrumado um
esconderijo menos...
Sinto, antes de ver, o calor da mão grande envolver a minha panturrilha e
me libertar. Os dedos subindo levemente pela minha pele, até a bainha do vestido
justo e curto que escolhi para vir hoje.
— O que faz aqui, Vicky? — pergunta às minhas costas, se afastando
rapidamente, passando por mim, até chegar ao topo da escada. — Da última vez,
se afastar da festa quase resultou em uma tragédia.
Jasper relembra o que aconteceu na noite em que tudo mudou e eu acabei
descobrindo sobre ele, mas deixo a provocação de lado e, ao invés de responder
imediatamente, ou de enfrentá-lo, apenas encaro o céu estrelado e a floresta ao
longe — muito depois do fim do terreno da casa — buscando por um pouco mais
de coragem, para seguir adiante com o meu plano de conversar com Jasper sobre
as minhas dúvidas e sentimentos.
— Mas você está aqui, não é? — murmuro após alguns minutos, sabendo
que pode me ouvir, já que não se moveu. — E prometeu que não deixaria nada me
acontecer.
Jasper chia e joga algo ali de cima — a garrafa de cerveja, percebo. Não
me movo, apenas espero. Não vai me afastar bancando o Sr. Idiota, dessa vez,
Jasper.
— Volte para a festa, Victoria — ordena, em um tom enrouquecido e
amargurado. — Você bebeu e não acho que essa seja uma boa hora para conversas
e ...
Termino de subir os degraus, fechando a cara para ele e cruzando os braços
de forma teimosa, cansada disso tudo. Com um suspiro igualmente exausto, ele
desiste e abre a porta de madeira, entrando no quarto improvisado e escuro, onde
conversamos da outra vez.
— “Se afaste, Victoria” — imito o seu tom de voz grave e mandão,
enquanto ele anda até o interruptor, que não parece funcionar. — “Nós não somos
para ser.” “Não posso fazer isso, Victoria” — cuspo o meu nome como um
xingamento. — Mas, então, “Raio de Sol”. “Tudo vai ficar bem”. “Estou aqui”—
faço uma imitação bem ruim. — Quer saber de uma coisa? Você não sabe o que
quer, Jasper Hill! Ao mesmo tempo em que me manda ficar longe, seus olhos
chamam por mim! E isso tem ferrado com a minha cabeça! — Infelizmente,
pertenço ao grupo das pessoas que não consegue discutir sem chorar. E é
exatamente o que estou fazendo, de forma vergonhosa.
— Vicky... — Dá um passo à frente, com a mão estendida em minha
direção, mas eu nego e recuo.
— Não! — Nego com a cabeça, para enfatizar. — Não me toque, não se
preocupe comigo, não aja como se não conseguisse ficar longe, porque é mentira!
— Limpo as lágrimas que escorrem pelo meu rosto, puxando o ar e tentando
recobrar o meu controle, mas não tenho tempo para isso, já que, logo, estou
pressionada contra a porta, que acaba de bater, fechando-nos no quarto escuro,
iluminado apenas pela luz da lua.
O running back[3] do Warrior Wolves me mantém presa entre seu corpo e a
madeira, enquanto respira de forma ruidosa, visivelmente nervoso.
— Mentira? — rosna e não é um resmungo ou algo humano. — Eu tenho
tomado uma gororoba mágica nojenta, para aliviar a dor que eu sinto, só por estar
longe de você, Victoria. — Usa o mesmo tom debochado que usei antes. —
Enquanto anda para todo canto com aquele babaca do Chad II... — rosna. — Não
imagina a porra do vazio, quando está longe... — Ri sem humor algum,
desesperado. — Ou do desejo que ameaça a minha sanidade, sempre que está por
perto. — Abaixa a cabeça e inspira forte em meu pescoço, como se tentasse me
absorver. — Porra! Você realmente não deveria estar aqui.
Ele se afasta, derrotado, alisando o peito sobre a camisa, com força, como
se estivesse sentindo dor.
— Volte para a festa, Vicky. — Seu tom é uma súplica desesperada,
enquanto ele se afasta. — Por favor.
Assim que a força do seu corpo deixa o meu, sinto sua falta. Não podemos
mais ficar assim.
— Desde aquela tarde, eu... eu tenho medo, o tempo todo. Não consigo
mais dormir, Jasper — confesso, puxando o ar de forma entrecortada, notando o
quanto suas mãos tremem, através da luz que vem das janelas altas. — Relembro o
tempo todo, apavorada, dos lobos brancos na floresta, daquele homem estranho
que me pediu informações sobre o banheiro e, então, tentou me raptar. — Abraço
meu próprio corpo ao me lembrar de tudo. — Medo do que significa tudo o que
me contou e medo de saber que está lá fora, correndo riscos. — Ele arregala os
olhos, chocado. — Mas, não de você. Talvez eu devesse, mas não... Eu só...
Movo a boca, mas não consigo emitir nenhum som, já que ele volta a se
aproximar e segura meu rosto mais uma vez, deslizando o dedão sobre a lateral,
antes de acariciar meu lábio inferior.
— Não — nega, com o olhar desesperado, iluminado apenas pela parca luz
da lua, que não é mais do que um anel fino no céu. — Nunca tenha medo de mim.
Eu jamais faria algo para feri-la. Não por querer... Você não entende, não é?
— Então, me explique... — peço baixinho, envolvendo a mão que abarca
meu rosto. — Porque eu... me apaixonei, Jasper. E a cada vez que me nega, acaba
me ferindo, me machucando um pouco mais.
Jasper acaricia levemente meu lábio inferior com o polegar, antes de fazê-
lo com a sua boca e, então, com sua língua, enquanto pede perdão repetidas vezes,
antes que eu aprofunde o beijo, laçando seus ombros e puxando-o para mim.
Apertando suas omoplatas cada vez mais forte, como se desejasse nos fundir e
aplacar a tal necessidade que, percebo agora, fere a nós dois. Como de costume, o
beijo, que começou lento, se transforma rapidamente em um atentado ao pudor,
quando suas mãos deslizam pelo meu corpo e as minhas se mantêm firmes,
puxando-o para mim com força, gemendo baixo, sempre que movimenta seu corpo
rígido contra o meu.
— Perdoe-me — murmura dentro da minha boca. — Nunca quis que fosse
assim, Vicky. Mas... o meu lobo te escolheu. Naquela maldita festa, ele te
escolheu, dentre todas as garotas que cruzaram o meu caminho — as pontas dos
dedos acariciando meu rosto com delicadeza —, a única que eu não posso ter.
Gentilmente, ele nos leva para o sofá-cama recostado na parede e segura as
minhas mãos, acomodando-se de joelhos à minha frente, antes de começar a falar.
— Em algum momento da nossa vida, o lobo que habita dentro de nós,
elege a sua Escolhida e é para ela e por ela, que nós vivemos. — Ele baixa os
olhos e, em seguida, leva a minha mão até o seu peito, onde seu coração bate em
um ritmo forte e acelerado. — Desde aquele dia, eu sou seu, Victoria. Apesar de
tudo.
— Mas... se você me escolheu e eu não quero mais ninguém, isso não seria
algo bom?
Jasper sorri de forma triste, antes de me beijar lentamente, com uma
entrega tão delicada e doce, que faz com que as lágrimas voltem a descer pelo meu
rosto.
— Há um tempo, houve uma tragédia nessa cidade, envolvendo o Alpha do
nosso clã. Muita gente se feriu e alguns morreram, o que levou à criação dos
Acordos. São emendas, um nome para a punição do nosso povo, por conta do que
aconteceu naquela maldita noite e, nesses Acordos, somos proibidos de nos
envolver romanticamente com qualquer membro das famílias fundadoras. E eu sou
um lobo e você, uma Miller.
— Por isso, a insistência de que Chad seria mais certo para mim —
constato, chocada. — Pois eu não aceito. Já tentamos, até... — quando ele fecha a
cara e bufa alto, sorrio, esclarecendo — no passado, Jas. Chad é um cara legal,
mas, hoje, somos apenas amigos. Nada mais.
— Fico feliz em saber... de alguma forma. — Jasper sorri e dá de ombros.
— Eu não posso tê-la, mas ele também não tem chance.
— Não sei se consigo rir disso. Tudo o que eu queria era... — bocejo, de
repente, me sentindo cansada demais. De tudo. Ele beija o meu queixo de forma
carinhosa e afaga o meu rosto. — A sua presença, de algum modo, me traz paz. Eu
me sinto segura.
Jasper se levanta e acomoda o corpo largo no móvel pequeno, antes de me
puxar para os seus braços. Aconchego-me ali, sobre seu peito, ouvindo seu
coração bater acelerado, enquanto suas mãos acariciam meu cabelo.
— Eu te procurei, porque queria resolver as coisas — confesso baixinho,
meus olhos pesados, já fechados. — Mas não há nenhuma solução, não é?
— Descanse, Raio de Sol — sua voz calma e tranquila me embala, meus
olhos pesados, por conta da bebida e das noites mal dormidas, totalmente
fechados. — Eu estou aqui.
E, por agora, isso basta.

Não sei por quanto tempo eu dormi, mas acordo com a mão de Jasper
acariciando as minhas costas, enquanto brinca com o meu cabelo com a outra.
Suspiro, notando que o cochilo anulou o efeito do álcool e, por tabela, a minha
coragem. Maravilha.
— Oi — Jasper me cumprimenta, quando me viro em seu peito, apoiando
o queixo nas mãos. — Descansou?
— Um pouco — admito, e quando noto que o dia já está clareando,
levanto-me rapidamente. — Meu Deus! A minha mãe vai me matar!
Jas ergue a sobrancelha, divertindo-se.
— Eu mandei uma mensagem pra ela, do seu telefone — coçando a nuca,
visivelmente sem graça, ele confessa — e avisei que iria dormir na casa da Kat.
Volto a me sentar, mais calma, arrumando os cabelos, que devem parecer
um ninho de guaxinins, a essa altura
— Avisou? — repito, observando-o se sentar ao meu lado, enquanto me
espreguiço sob o seu olhar atento.
— Você tinha reclamado sobre a falta de sono e... — aponta para uma
mancha molhada perto do seu ombro — bem, você apagou, e até, meio que, babou
em mim, dois minutos depois. Achei melhor te deixar dormindo.
— Ah, minha santinha, que vergonha! — Escondo o rosto entre as mãos.
— Eu lavo a sua camiseta. Normalmente, isso não acontece e...
Meu Deus! Será que eu ronquei?
— E eu não consegui te deixar ir, Vicky — os olhos castanhos se tornando
mais quentes, à medida que ele confessa. — Eu queria saber como era, acordar ao
seu lado, nem que fosse uma vez.
— Jasper... — viro-me para ele, acariciando seu rosto, observando-o
fechar os olhos e inclinar a cabeça em direção ao meu toque. Minha mente, livre
do torpor da bebida e do sono, tomando uma decisão ousada, mas que, a cada
segundo diante desse homem, me parece mais certa. — Preciso de um minuto.
Levanto-me rapidamente, pego a minha bolsa, deixo um beijo em seu rosto
e corro para o pequeno banheiro, entulhado de coisas antigas. Faço o maior xixi da
história da minha vida e me encaro no espelho, observando o tom avermelhado
das minhas bochechas, antes de pegar o enxaguante bucal que carrego sempre
comigo.
Graças a Deus, por ser uma pessoa prevenida.
Ajeito o cabelo, mando uma mensagem para Kat, a fim de evitar que ela
apareça na minha casa, e abro a porta, encontrando Jasper de pé, pensativo,
próximo à janela. Toda a sua postura denunciando a tensão que sente. Sigo até ele
e, sem pensar muito, abraço sua cintura, após passado o susto, com a minha
aproximação repentina, sinto-o relaxar sob as mãos que correm trêmulas e incertas
pelo seu tronco, sobre o tecido da camiseta escura que veste. Levo-as até os seus
ombros, descendo pelos braços fortes, repetindo os movimentos algumas vezes,
notando sua respiração cada vez mais pesada.
Ou talvez, seja só o reflexo da minha.
— Vicky... — murmura, ainda de costas para mim, quando meus dedos
traçam o cós de sua calça jeans. — Eu... Isso só vai tornar tudo pior, Raio de Sol.
Congelo no lugar, sentindo algo amargo crescer dentro de mim. Rejeição.
Dou um passo para trás, sentindo-me uma idiota por pensar que… Eu realmente
deveria parar de agir por impulso, não é para mim. Recuo mais dois passos,
sentindo os olhos arderem, indo em direção ao sofá para pegar minhas coisas e ir
embora daqui, mas Jasper se vira, vindo até mim e prendendo minhas mãos com a
sua, enquanto a outra se encaixa no meu rosto, erguendo-o para o seu.
— Acha que eu não quero? — E lá está, de novo, o tom debochado, sério e
sexy que ele assume, sempre que chega ao limite, noto. Minha pulsação aumenta e
meu corpo inteiro reage de forma exagerada, como sempre acontece, quando
estamos assim. — Meu Deus, Vicky! Não entende que isso tem o potencial de me
ferrar ainda mais? Como eu vou conseguir lidar com o fato de que nunca...
Ele me solta e enfia as mãos no cabelo escuro, puxando os fios —
descontrolado. Anda para longe de mim, respirando aos arquejos, enquanto se
mantém afastado, como se buscasse, desesperadamente, por uma saída.
— Eu só preciso saber como é estar com você... Nem que seja uma única
vez — murmuro, aproximando-me novamente, colando meu peito às suas costas.
— Mas não quero te fazer mal, Jas. Me perdoe. — Ele envolve minha mão com a
sua, antes de se virar de frente para mim. — Eu entendo.
Suas pupilas, dilatadas ao extremo, quando suas narinas inflam, como se
ele farejasse algo.
— Se você entendesse... — engole em seco, encaixando uma mão na
lateral do meu rosto, antes que seus lábios toquem os meus levemente — o risco
que eu corro, estando tão perto de você... — os dentes brancos mordem
brevemente meu lábio inferior, me fazendo agarrar com força a sua camiseta.
Recuo alguns passos, trazendo-o comigo, de volta ao sofá onde dormimos.
— Eu sempre fui uma boa menina — comento, enquanto tombo seu corpo
no móvel, posicionando-me sobre o seu colo. O corpo grande e forte se encaixa
entre minhas pernas, enquanto Jasper estende os braços no encosto do sofá,
fechando os olhos castanhos, ainda hesitando. — Aquela noite, foi a minha
tentativa de ser rebelde e acabei... — rio de mim mesma — me tornando obcecada
por certo jogador vestido de lobo, naquela festa idiota.
Meu corpo inteiro vibra quando ele ri e não consigo segurar o suspiro
baixo que sai da minha garganta, quando seu corpo roça no meu. Jasper cola a
testa na minha e as mãos grandes envolvem a minha cintura, trazendo-me mais
para perto.
— Victoria, você tem certeza? — E, quando confirmo, olhando fundo em
seus olhos, sem qualquer subterfúgio ou disfarce, ele cede. Sua boca buscando a
minha com um desejo desmedido.
— Eu nunca fiz isso antes — confesso e seus olhos brilham, intensos e
apaixonados — Eu estava esperando por alguém de quem eu gostasse. Esperando
por você.
— Porra! — Um rosnado animalesco irrompe de seu peito e ele enfia as
mãos no vão do meu pescoço, trazendo-me para mais perto, colando meu corpo ao
seu.
Deslizo minhas mãos por baixo de sua camisa, explorando os músculos
rígidos sob os meus dedos, ignorando a vergonha que me toma, manchando meu
rosto de vermelho, enquanto me sinto desmanchar, assim que sinto o roçar leve de
seu quadril no meu, mas tendo a consciência de que isso ainda é muito pouco,
diante do que preciso agora.
— Jasper... — chamo, entre os beijos, e com mais uma última investida,
me faz apertar os olhos com força e estremecer, sua boca desce para o meu
pescoço.
— Sua pele é tão macia quanto nos meus sonhos, Raio de Sol. — Um som
gutural irrompe de seus lábios, quando minhas unhas correm pelas suas costas, ao
mesmo tempo em que sua boca desliza pelo vão entre os meus seios, através do
tecido fino do vestido claro. — Tão linda...
— Jasper! — gemo mais alto, quando ele desce a boca para um dos meus
seios, abocanhando-o através do tecido fino do vestido e do sutiã. Choramingo ao
sentir minha pele arder, meu centro úmido dolorido, de repente. — Ah!
Não demora muito para que eu perca a cabeça, e a minha timidez e, sem
conseguir me conter, me esfrego descaradamente em seu colo, sentindo-me cada
vez mais molhada, enquanto ele sobe o meu vestido e o tira pela cabeça, antes que
seus dedos encontrem um dos meus seios e o massageie com avidez, ao mesmo
tempo em que seus dentes encontram o outro mamilo e me façam gritar.
— Jasper, por favor! — Perdida em todas as sensações que tomam o meu
corpo, nesse momento, rebolo contra a ereção entre as suas pernas, sentindo o
choque percorrer meu corp, sempre que ela atinge meu feixe de nervos, sensível
demais, a essa altura.
A situação só piora, quando Jasper inverte nossas posições e se ajoelha à
minha frente, mantendo-me aberta para os seus olhos nublados de desejo.
— Eu tô sonhando, porra — murmura para si mesmo. — Eu só posso
estar...
Vagarosamente, ele desce a caleçon de renda rosa claro pelas minhas
pernas, e, após levá-la ao nariz e inspirar fundo, sua boca busca a minha, beijando-
me desesperadamente, mordendo o meu lábio inferior, antes de voltar a descer o
corpo e desaparecer no vão entre as minhas coxas.
Logo, sua língua corre por toda a minha extensão, concentrando-se no
ponto inchado, que lateja, necessitado. Quando a sensação se torna insustentável,
agarro com força o cabelo escuro, movendo meus quadris contra a sua boca, até o
meu mundo explodir em milhões de pedaços por trás das minhas pálpebras
fechadas, enquanto chamo por ele continuamente.
— Me diga o que quer, minha vida, e eu te darei — ele garante, seus
dentes passeando pela minha barriga, antes que volte a morder e sugar os meus
seios, arrancando ainda mais gemidos de mim.
— Jasper... — E nem sei pelo que estou pedindo, mas tenho certeza de que
preciso dele. Urgentemente.
Ele para com a tortura deliciosa e ergue o rosto para o meu, segurando
firme em meus cabelos, arranca outro gemido alto quando puxa os fios dourados
com mais força, levantando o meu rosto, para que possa olhar dentro dos meus
olhos, enquanto desliza uma das mãos entre as minhas pernas, acertando em cheio
o ponto pulsante, massageando-o incessantemente.
— Eu sou seu, Victoria Miller — sua declaração acelera o meu coração e
faz com que meu corpo responda de forma nada sutil, explodindo em um novo
orgasmo intenso.
Não consigo mais pensar direito, prendendo-o com as minhas pernas e
juntando nossas bocas mais uma vez, antes de me deparar com seu olhar
escurecido pelo tesão, as pupilas dilatadas consumindo todo o resto. Puxo a bainha
de sua camiseta, achando-o vestido demais. O jogador inclina a cabeça de lado,
esperando.
— Eu quero você... — engulo a timidez. Não é hora para isso, talvez nunca
mais seja — agora, Jasper... — ordeno, sem desviar meus olhos dos seus,
enquanto ele me ajuda a tirar a peça e desce a calça jeans até os tornozelos, antes
de encaixar os dedos no cós da cueca boxer azul marinho e me lançar um olhar
abrasador.
Jasper Hill é bonito — é algo inegável — mas tê-lo ali, totalmente nu à
minha frente, é algo que eu jamais seria capaz de imaginar, nem mesmo nos meus
sonhos mais quentes. De repente, me sinto envergonhada pelo modo pervertido
com que o encaro, porém, o risinho de lado, que surge em seus lábios, quando me
engasgo ao acompanhar o movimento de sua mão sobre o membro rígido, me faz
relaxar.
— Tem certeza, Raio de Sol? — pergunta mais uma vez. — Se
continuarmos, eu não acho que seja capaz de parar. — O som úmido que escapa de
seus movimentos cadenciados, atinge com tudo o vão entre as minhas pernas, me
fazendo apertá-las, tentando aplacar o desejo desesperado que cresce ali.
— Eu... — Engulo em seco, diante dos olhos escuros e atentos do cara à
minha frente. Você quer isso, Vicky. Desde o primeiro momento. — Você disse que
o seu lobo me escolheu e eu tenho quase certeza de que o escolhi de volta. —
Jasper cola a testa na minha, respirando fundo, enquanto seu coração bate
enlouquecido em seu peito, sob a minha palma.
— Eu vou cuidar de você — garante, beijando-me mais uma vez, enquanto
pega o preservativo no bolso da calça. — Para sempre, minha Escolhida. Não
importa com quem ou onde você esteja, eu sempre serei seu. Para o que quiser.
Jasper pincela a minha entrada alguma vezes, fazendo o desejo se
avolumar mais e mais dentro de mim, quando sinto um dedo me invadir e a
sensação dolorida e incômoda cede, quando usa o polegar para estimular meu
clitóris, circulando-o repetidas vezes, enquanto acrescenta outro dedo em minha
entrada, preparando-me para recebê-lo. A situação é tão sensual, que logo me sinto
estremecer por inteiro, quando o orgasmo me atinge novamente.
— Agora, eu vou saber o que é me sentir completo, Raio de Sol — declara,
se encaixando entre as minhas pernas devagar.
— Seremos dois, então — respondo baixinho, aprofundando o beijo,
enquanto me preparo para o que vem a seguir.
Jasper vai devagar, tentando se controlar enquanto entra, centímetro por
centímetro, fazendo meu interior inteiro latejar de forma não muito agradável, até
que sinto uma ardência mais forte e meus olhos se enchem de lágrimas, pela dor
momentânea.
— Tudo bem? — preocupado, ele não se move. Observo a gota de suor
que percorre o seu pescoço, demonstrando o esforço que faz para se controlar. —
Vicky?
— Eu sou sua, Jas — declaro, impulsionando o corpo, trazendo-o até o
fundo, com um gemido alto. — Sua.
— Sim, hoje, você é — repete, e só então, começa a se mover.
A princípio, o incômodo permanece, porém, quando leva uma de suas
mãos entre os nossos corpos e começa a me tocar, tudo muda. À medida que ele
investe com mais força, entrando e saindo de mim, logo, não existe mais dor, e o
fogo que arde dentro de mim, é puro prazer.
E me rendo à sensação intensa, mais uma vez, agarrando seus ombros com
mais força, enquanto Jasper estoca impiedosamente em meu interior, antes de
jogar a cabeça para trás, com um grunhido animalesco ao se libertar, eu sei que
não importa o que ele diga, ou o que aconteça em seguida, ele sempre terá uma
parte de mim.
E eu espero que isso baste.
A vida é algo estranho. Em um momento, estou sonhando. No outro,
realizando algo que sequer me permiti sonhar e, então, a realidade.

Frustração. Desalento e a porcaria de um drama dos infernos.

E mal se passaram mais do que alguns dias, desde que tive a mulher dos
meus sonhos em meus braços e a fiz minha — mais de uma vez. A mesma loirinha
que é proibida para mim, por causa dos malditos Acordos, e que está de malas
prontas para passar quase um mês longe de mim.

— Cara, se continuar com isso, eu vou chorar — Mack reclama dos meus
suspiros tristes, ao meu lado no sofá, enquanto duelamos em uma partida de
futebol no videogame.

— Que merda estão fazendo? — Liam se joga na poltrona, um pouco mais


à frente e, pelo olhar em seu rosto, a reunião com os babacas Fundadores foi um
desastre.
Sempre é.

— Eu estou jogando, Jas está chorando, pra variar, e o filho da mãe do Eli
desapareceu, depois do encontro com a maluca da Kat — o idiota passa o relatório
completo.

— E você não estava com eles, dessa vez, porque... — provoco, apenas
pelo prazer de vê-lo fechar a cara.

— Dia de jantar com os meus pais — finge uma indiferença que, pelo
maxilar travado, ele não sente. — E eu achando que era o preferido dela.

— Maravilha! — Ash joga o braço sobre o rosto. — Dois chorões. Puta


que pariu! Preciso de férias e de um tempo longe de toda essa merda.

O sujeito, sempre vestido de preto, joga as pernas no sofá e cobre o rosto


com o antebraço tatuado, fingindo nos ignorar.

— Vai fazer Jasper chorar ainda mais, porra! — Mack reclama. — A


loirinha dele está de viagem marcada e sabe-se lá o que pode acontecer, não é? Ela
vai pra Itália! Vai que ela volta com um namorado bronzeado, de olhos claros e
brilhantes?

Porra! Como se eu precisasse de mais motivos para sofrer.

— Seria uma sorte, não é? — comento de forma amarga, sem tirar os olhos
da televisão. — Já que ela não pode ser minha, também não será daquele babaca
II.

— Jas tem um ponto — meu irmão comenta, sentando-se no sofá,


enquanto me encara com atenção. — Você não a marcou, não é?

— Não — nego, apertando a mandíbula com força ao relembrar do desejo


absurdo de cravar meus dentes em sua pele macia, enquanto gozava forte dentro
dela — Não que faça diferença para mim, é claro. Eu sou dela — repito o que eu
disse, mais de uma vez, embora isso o irrite e ele não entenda o que significa.
Pelo menos, ainda não.

— Caralho, Jas! — reclama, como eu sabia que faria. — Que merda de


situação.

— Não desejo a ninguém — suspiro derrotado, enquanto Mack celebra o


gol que acaba de fazer contra o meu time. — Mas não me arrependo ou lamento.
Não mais.

Não minto. Eu sofreria quantas existências houvesse, apenas para ouvi-la


dizer que é minha mais uma vez. E, caralho, não estou brincando.

Já passa das quatro da tarde, quando eu a vejo, rabo de cavalo no alto da


cabeça e um casaco rosa-claro, enquanto entrega a mala para o motorista particular
que dirige o carro de luxo preto que a tia mandou para levar ela e a mãe ao
aeroporto. Aproveito que a Sra. Miller entrou em casa e me aproximo, ignorando a
presença da idosa fofoqueira, atenta a cada passo nosso. Não posso desperdiçar
nenhum segundo.

— Jasper, oi! — Vicky lança os braços sobre os meus ombros, abraçando-


me e eu colo seu corpo no meu, incapaz de me segurar, as mãos firmes em sua
cintura. Apesar de saber que não deveria. — É só um abraço entre amigos.

Comenta em meu ouvido, com um sorriso largo e conspirador, enquanto


beijo o topo de sua cabeça, inspirando seu cheiro delicioso, como um viciado.

— Vim te desejar boa viagem, amiga. — Engulo em seco, tentando não


deixar escapar a aflição que toma meu peito, sempre que penso nela longe.

Maldito lobo.
— Vou sentir sua falta — confessa, e minha respiração falha, assim como a
minha tentativa de parecer estar bem com isso. Dramático para um caralho.
Suspiro, agarrando-a mais forte, mas ela recua e busca meu olhar. — Não ajudei
em nada, não é?

— Não muito. — Que bem faria negar isso?

— Não vai ficar sofrendo por isso, Jasper — Sua voz se torna decidida,
imperativa e, em um segundo, ela tem toda a minha atenção. As escolhidas têm
todo o poder sobre seus lobos. — Vai se divertir e descansar durante esse tempo.
Não vai pensar em mim ou desejar estar comigo, entendeu? Sem dor, sem vazio.
— Os olhos castanhos cor-de-mel estão cheios de água, encarando-me, à espera de
uma confirmação, que não passa de um aceno. — Fique bem, por favor.

— Obrigado. — Acaricio a lateral do seu rosto, sentindo meus dedos


formigarem, por contrariarem a sua ordem — Divirta-se, Raio de Sol.

Sua mãe volta e abraço Vicky mais uma vez, acenando um cumprimento
sem jeito para a mulher, que apenas sorri brevemente, antes de entrar no carro,
esperando pela filha, que fecha a mão em punho sobre o tecido da minha camisa,
enquanto aperta mais forte os braços finos em meu corpo.

Volto a me afastar e observo enquanto Vicky se distancia, juntando-se à


sua mãe sem olhar para trás. E, à medida que o carro onde ela está se apartando de
mim, a dor e o vazio, para os quais me preparei, não vêm. Porra, deu certo. Sorrio
aliviado, ainda encarando o veículo, até que ele desapareça na rua estreita.

— As mudanças estão a caminho — a Sra. Holloway avisa, surgindo de sei


lá onde, com seu tom mais agourento possível. — Prepare-se, criança, há muito
por vir.

Nem um segundo de paz, nesse caralho de vida.


Três meses, cinco dias e treze horas depois...

Mais uma festa e eu mal posso esperar para ter um momento a sós com
certa loirinha, que anda circulando pelo campus nos últimos dias, tentando fugir
de mim. É uma merda de um jogo de gato e rato — ou de lobo e gata — que
estamos jogando, para o meu desespero, enquanto observo a movimentação na
Colina, ao lado do meu futuro líder e quase irmão, que parece ter desenvolvido
uma curiosidade a respeito da aluna novata e prima da loirinha gostosa, que segue
fazendo charme e fugindo em toda oportunidade que tem.

Tudo por causa de um boato idiota, sobre um possível envolvimento meu


com Viv — a ruiva gostosa e terrível, que anda com a gente desde sempre, e que
faria qualquer coisa para ser a loba ao lado do trono, hipotético, do idiota vestindo
preto e que rosna de tempos em tempos, por causa do mau humor de sempre.

— Talvez, não fosse má ideia, se você topasse dar uma rapidinha com a
Viv, antes que a festa fique mais movimentada. — comento, apenas para irritá-lo.
A garota, como eu sabia que faria ao ouvir a minha sugestão, rebola mais os
quadris e lança um beijo para Ash.

— Sabe o que você poderia fazer? — responde, levantando-se da cadeira


em que parecia prestes a criar raízes. Mas para de falar assim que ergo a cabeça,
sentindo a essência deliciosa que denuncia a chegada de Victoria Miller. — Sua
dor de cabeça chegou. — Ele fareja o ar ao redor e a careta em seu rosto é
impagável. É bem claro que ele também fareja a novata, que parece atingi-lo de
forma diferente das outras pessoas. Interessante. — Eu ia dizendo, para ir se foder,
mas você já está mais do que fodido, irmãozinho. Pare de insistir nessa merda com
essa garota e tome cuidado. Hoje é noite de lua cheia.

— Fácil falar. — Sorrio de forma triste, mas resignado com o meu destino.
— Não posso me casar ou namorar com Vicky, mas os acordos não dizem nada
sobre o que temos feito, Alpha. Então... vou buscá-las. — E assim que avisto o
idiota sorridente passando correndo com a chave de um dos carros nas mãos,
encontro a solução perfeita. — Mack!

Nada como uma carona forjada e um pouco de conversa fiada, para


desfazer os estragos de um boato estúpido. É o que penso, sorrindo, enquanto
enrolo a mecha loira no indicador, mais uma vez, e a deixo cair, repetindo o
movimento, totalmente encantado pelo brilho dos fios macios entre os meus
dedos. Estaria mentindo se dissesse que ter Victoria aninhada a mim, dormindo
tranquilamente, não é uma espécie de realização.

Ainda mais, em se tratando de nós dois.

A porra de um amor impossível. Caralho.

Percebo o exato momento em que ela desperta, mas me deixo ficar


aproveitando ao máximo, o momento único. Cada instante com ela é precioso e
importante.

— Eu deveria voltar pra festa — suspira indignada. — E não deveria ter


aceitado a sua conversinha tão fácil.

Estalo a língua, observando a pele de seus braços se arrepiar com o meu


toque.
— Surpreende-me que tenha acreditado naquela merda de boato. — Beijo
o topo de sua cabeça e ela se vira, os olhos castanhos focados nos meus, enquanto
apoia o rosto na mão que descansa sobre o meu peito.

— Já olhou bem para ela? — Vicky questiona. — Além disso, eu já vi


vocês dois juntos e...

— Já olhou bem para você? — Coloco uma mecha loira atrás de sua
orelha, enquanto observo seu rosto corar. — Não há mais ninguém para mim, meu
Raio de Sol ciumento. Embora, para você...

— Chad e eu somos apenas amigos. — Revira os olhos. — Ele tem o apelo


de um... irmão.

— Que já provou a sua boca — resmungo, travando a mão em sua cintura,


apenas de imaginá-lo colocando as patas nela. Merda de lua cheia.

— Não vamos falar sobre isso... — ela abaixa o tom de voz, traçando um
padrão em meu peito com as pontas dos dedos, antes de deslizá-los pela lateral do
meu corpo. — Vamos falar de esperança...

Como eu queria...

Vicky ainda tenta encontrar alguma solução para nós. Infelizmente, com os
novos ataques e tudo o que vem acontecendo na cidade, as nossas chances, que já
eram mínimas, foram reduzidas a menos que zero. Totalmente impossível.

— Vicky... — peço, mas ela cobre a minha boca com a sua e eu perco
totalmente a batalha. Cada segundo é precioso e inestimável e não vou perder
tempo discutindo sobre algo que não posso mudar.

O clima intimista muda, quando ela desce a boca pelo meu pescoço,
arranhando a minha pele com os dentes, antes de mordiscar a minha orelha com
um pouco mais força. Fazendo-me apertá-la mais forte contra o meu corpo,
trazendo-a para cima de mim. Com uma perna de cada lado do meu quadril, o anjo
loiro rebola sobre a minha ereção, provocando-me descaradamente.
— Victoria... — o meu tom gutural deixa nós dois alertas. — Hoje é lua
cheia, Raio de Sol, e eu não estou no meu estado normal.

Engulo em seco quando ela sorri, antes de rebolar mais uma vez.

— Não vou conseguir me segurar dessa vez, Vicky. Não me provoque.

A primeira vez foi uma tortura — terrivelmente deliciosa, mas, ainda


assim, brutal. Eu queria marcá-la, torná-la minha para que todos que topassem seu
caminho soubessem disso. Não posso. Não devo. Como poderia?

— O que quer dizer com “se segurar”? — pergunta, curiosa. — Na-


naquela vez, você... Nós... Não foi...

— Foi incrível! — Seguro seu rosto, buscando os olhos que exalam uma
insegurança boba e sem sentido. — Um dos melhores momentos da minha vida.

— Não quero que se segure. — Faz um bico teimoso. — Eu não vou


quebrar... Eu acho.

Morde o lábio cheio e fecha a cara, quando eu não consigo segurar o riso.
Isso, claro, a deixa irritada e ela se levanta, antes de pegar a bota de salto alto e
levar até o banquinho da bateria idiota no canto e se sentar ali, começando a se
preparar para sair.

— Vicky... Victoria! — Finalmente, ergue os olhos teimosos para mim.


Merda. — Não é só a você que eu estou protegendo... — admito. — Porra! —
Abro a boca, tentando uma forma de explicar sobre a coisa toda de reivindicação e
tudo o mais, mas eu demoro e ela não espera. Ao invés disso, sai caminhando em
direção à porta do maldito quarto de bagunça que, de alguma forma, tornou-se o
nosso lugar, prestes a me deixar para trás.

Talvez seja a influência da lua ou eu só esteja cansado de tentar me manter


inteiro, quando não existe a menor chance disso. E essa garota linda e nervosa,
prestes a sair daqui com raiva, é a maior prova disso. Se ela pedisse, eu sentaria e
rolaria, apenas para vê-la sorrir e Vicky sabe bem disso. O que ela desconhece é a
criatura ciumenta e feroz que habita a minha pele, e que clama por ela de uma
forma que a loirinha ainda não está preparada para entender.

Infelizmente, para ela, vai ter exatamente o que pediu, porque não há a
menor chance de eu deixá-la sair daqui desse jeito.

Em três passadas, bato a porta que ela acabara de abrir e, com a outra mão,
envolvo a sua cintura, pressionando seu corpo contra a madeira firme. Inclino a
minha cabeça e afundo o rosto na lateral do seu pescoço, inspirando o perfume
floral e adocicado da minha garota. Minha.

— Minha — rosno, ecoando meu pensamento, mordendo e chupando o


lóbulo de sua orelha, observando-a ceder, suspirando contra o meu ombro, antes
de agarrar a minha camisa — O que você quer, Victoria?

— Tudo — responde baixinho, enquanto mordo seu ombro com um pouco


mais de força. — Não se segure, Jas.

— Você pediu — aviso à ela, abaixando-me e envolvendo sua bunda com


as mãos, fazendo-a se abrir e envolver minha cintura com as pernas. — Lembre-se
disso.

Noto o exato momento em que ela percebe a mudança: seus olhos se


arregalam e seus batimentos cardíacos aceleram rapidamente, mas ela não recua.
Ao invés disso, lança os braços em meus ombros e segura meu rosto, focando na
escuridão que há ali.

— Meu... — murmura, antes de roçar a boca na minha. Sem entender que


o momento da leveza passou.

Avanço contra a sua boca em um beijo sem controle algum, deslizando


minha língua em seu calor, explorando seu gosto inebriante, que explode dentro de
mim e me impele a querer cada vez mais. Sua respiração pesada faz meu corpo
inteiro se arrepiar e, quando agarro com força a sua cintura, devoro-a com ainda
mais ferocidade, sentindo-a se agarrar ao meu pescoço e se esfregar contra mim,
enquanto engulo todos os seus gemidos.
Não há delicadeza ou suavidade em gesto algum. Instinto e desejo, é tudo o
que existe nesse momento e ela corresponde com igual vontade, o que só me deixa
mais louco. Quando chupo a carne de seu pescoço mais uma vez, marcando a pele
clara com os meus lábios, sinto o ardor dos arranhões de suas unhas em meus
braços e um rosnado baixo escapa da minha garganta.

— Vai me reivindicar como seu, Victoria Miller? — minha voz soando


estranha, até mesmo para os meus ouvidos, mas isso não parece incomodá-la.

Vicky não reclama, nem mesmo quando, após descer a porcaria da calça
justa e preta que veste, deixando-a apenas com o cropped rosa pink, que mostra
mais do que deveria, uma das minhas garras escuras corta a lateral de renda da sua
lingerie úmida, antes que minha mão encontre suas dobras encharcadas, abrindo-a
para mim, e sendo recompensado pelo gemido estrangulado que deixa sua
garganta, ao mesmo tempo em que sua cabeça pende em meu ombro quando eu a
penetro de uma só vez.

— Minha. — Travo o maxilar e agarro suas coxas com mais força, quando
tiro meu pau de seu interior e arremeto mais uma vez, tocando-a até o fundo
conforme urro com a sensação inacreditavelmente boa, sentindo sua boceta se
apertar ao meu redor, em espasmos, enquanto deslizo para dentro e para fora,
enlouquecendo a nós dois.

Tão perfeito. Caralho.

Deslizo os dentes pelo pescoço cheiroso, enquanto sigo investindo meu


quadril, ouvindo-a gemer cada vez mais alto o meu nome e se agarrar a mim com
mais força, eu deslizo os dentes pelo seu pescoço, antes de chupar sua pele mais
uma vez, seguindo caminho até tomar sua boca em um beijo insanamente sensual,
sentindo-me cada vez mais perto do precipício em que vou me lançar, quando isso
terminar.

Seguimos nesse jogo enlouquecedor, entre gemidos, rosnados e arquejos,


ao passo que nos devoramos e nos entregamos um ao outro, sem pensar muito na
festa que acontece do lado de fora. A porta range contra o nosso peso e a cada
estocada forte, Vicky chama meu nome, à medida que seu corpo ondula em meus
dedos, que provocam seu clitóris, e eu sigo estocando com força em seu interior,
até que suas unhas agarram os meus ombros com firmeza e, assim como naquela
noite, seus dentes mordem o meu lábio inferior e, então, o meu ombro, marcando-
me mais uma vez.

Como se eu já não fosse totalmente dela.

E, então, é demais para mim. Assim que a sensação cruza o meu corpo,
retiro-me dela, gozando forte e intenso em minha mão e na pele macia da sua
barriga, sentindo a essência típica do vínculo indissolúvel da Reivindicação se
espalhar pelo espaço apertado. Não há como voltar atrás. Não mais. Agarro forte o
seu corpo, mantendo-a colada em mim, enquanto respiramos aos arquejos e o
cheiro do que acaba de acontecer se espalha por todo o cômodo pequeno,
denunciando a minha ruína.

— Você ainda será minha, mesmo quando for de outro, Victoria Miller —
aviso a ela em um tom baixo e solene. — E eu serei seu, enquanto viver.

Seus braços me envolvem com força e ela suspira, aninhando-se a mim,


envolvendo-me com seus braços e pernas, como se isso pudesse impedir que algo
nos separe. Ah, se eu tivesse essa sorte.

Estamos a caminho do carro, após mais uma das dolorosas sessões em que
Vicky ordena que eu me afaste, apenas para manter parte da minha sanidade, ainda
mais agora, depois que a bruxa velha parou de nos fornecer o elixir que mantinha
meu lobo sob controle, quando vejo uma cena que me faz parar no lugar.
— Aquele é o Ash? — Vicky para ao meu lado e seu tom demonstra que
está tão chocada quanto eu. — Com a Harper?

Nos limites da floresta, Liam Ashbourne envolve Harper Lawson em um


abraço protetor. Interessante.

— Vai chover canivetes! — Olho para cima, enquanto Ash, que acaba de
nos ver bisbilhotando a cena inesperada, manda que eu tire Wolf, o cachorro mais
tranquilo do mundo, de vista.

Abro a porta dos fundos da casa e Wolf entra tranquilamente por ali, antes
que eu volte para perto do veículo. A garota loira olha para os dois e abre um
sorriso conspirador em minha direção, enquanto Liam Ashbourne, o capitão do
time, fala algo com a garota, ainda aninhada a ele.

— Caralho! Vai mesmo chover. Ouviu alguma trombeta? Vicky? — E lá


está o sorriso de novo.

— Minha prima também é proibida para vocês, certo? — Embora nunca


tenhamos conversado a respeito, é meio óbvio que o resto dos caras também
pertence ao clã e é claro que Vicky leria nas entrelinhas, por isso, apenas
confirmo. — E uma opção interessante para Chad.

O babaca tem se dividido, nos últimos tempos, entre as primas. Um olho


grande do caralho.

— É um modo de pensar. — Dou de ombros. — Talvez, o futuro Alpha


possa rever os Acordos — considero, enquanto a garota corajosa de cabelos
escuros caminha em nossa direção, sob o olhar atento e insondável de Ash. — Eu
não desejaria aquele idiota do Chad II para ninguém.
Uma viagem de apenas quinze minutos, até o sobrado amarelo, não deveria
me deixar tão alerta, mas deixa. Os ataques dos invasores pioraram, nas últimas
semanas, e a minha preocupação, assim como meu trabalho de monitorar os
malditos durante a madrugada, triplicaram. Ainda mais, após aquele episódio na
floresta.

Dobramos os turnos e temos nos revezado o tempo todo, mas os malditos


conseguem escapar dos nossos radares e, vez ou outra, fazem algumas vítimas,
apenas para provar que podem. Nada mais explica essa maluquice ou o fato de um
maluco ter tentado sequestrar Vicky. Merda.

Harper se despede e sai rapidamente do carro, em uma tentativa pouco


discreta de nos deixar a sós, e nos faz rir quando tropeça em um dos degraus, antes
de chegar à porta e batê-la às suas costas, xingando o pobre calçado que nada teve
a ver com a falta de jeito da novata.

— Tome cuidado — Vicky recomenda, já com a mão na maçaneta. — Por


favor.

— Nos vemos amanhã — garanto a ela, que assente. — Vicky, eu...

— Não. Vá para casa, Jasper. Durma bem e nos vemos amanhã, ok? —
ordena, mas, então, sorri. — Eu realmente escolho você. Todos os dias.

— E isso é tudo o que importa — respondo e espero que ela suma atrás da
porta vermelha, para me debruçar sobre o volante e me preparar para lidar com o
vazio dolorido que virá, com toda certeza, depois dessa declaração.

Porra! Como ela espera que eu consiga manter o idiota apaixonado


adormecido, quando ela diz essas coisas?
Algum tempo depois…

Eu poderia estar celebrando o fato de que, finalmente, os dias de glória


para Jasper Hill chegaram. Sorte no jogo — o Warrior Wolves está cada vez mais
perto de faturar mais um campeonato nacional — e sorte no amor. Ao invés disso,
estou discutindo com a garota loira, que se revelou alguém bastante intransigente
nos últimos tempos, e se recusa a ficar em segurança, para que eu possa cumprir o
meu papel nos eventos iminentes.

— Se você for, eu vou! — teima com os lábios contraídos em uma careta.


Os olhos da prima brilhando de orgulho, percebo. — Simples assim!

— Como espera que eu consiga fazer alguma coisa lá, sabendo que está em
perigo? — Esfrego o rosto em um gesto frustrado, muito semelhante ao de Liam,
que também parece ter esgotado todos os seus argumentos inutilmente.
— E como espera que eu fique em casa, sabendo que está se arriscando por
mim? Será que é mesmo tão difícil de entender? Seu lobo teimoso!

Mack tenta conter uma gargalhada, mas o som que faz, ao prendê-la, é
ainda pior e mais escandaloso. Ria mesmo, seu filho da mãe.

— Ponto pra loirinha, seu lobo teimoso! — zomba, fazendo até mesmo o
idiota do Alpha rir do nosso infortúnio.

— Jasper, é melhor desistir — Harper é quem encerra a discussão, como a


boa parceira que é. — Essa batalha também é nossa, e não vamos deixá-los lutar
sozinhos. Estaremos lá. — Beija o rosto do namorado e se levanta. — Vamos,
Vicky, precisamos nos preparar.

— Raio de Sol… — advirto, mas ela apenas beija o meu rosto e segue a
prima para o segundo andar.

Impossíveis!

Dias de glória, eu disse. Fora toda a surpresa de ter nossas garotas na frente
de uma possível batalha, finalmente descobrimos que a porcaria do bando de
lobos brancos tem uma agenda bem estabelecida e, para o meu profundo
descontentamento, quem trouxe a merda da informação, como o maldito príncipe
que é, foi Chad Babaca II, que, agora, parece estar jogando ao nosso lado. Se é
uma merda, para mim, admitir isso, para Ash deve ser ainda pior, já que, no fim
das contas, ele e Harper Lawson, também conhecida como Intrépida Lawson, e
vítima das intenções nada inocentes do maldito fura-olho do caralho, formaram
um casal inseparável.

Como eu e o meu Raio de Sol.

Tudo bem, ainda temos que lidar com os malditos invasores e toda a merda
que eles trouxeram para a cidade, que ainda corre perigo, já que não conseguimos
encontrar o maldito líder. Mas isso é apenas uma questão de tempo. O que importa
agora, é que, no fim das contas, os Acordos finalmente serão revistos — não é
muito justo pagar por crimes que não cometemos. E Liam, finalmente, ter
assumido seu papel na alcateia fez toda a diferença, é claro. Engraçado que o
sujeito, todo durão e cético, acabou se rendendo exatamente da forma como me
criticou, tanto tempos antes, mas meu irmão não está preparado ainda para essa
conversa.

O que não quer dizer que ela não irá acontecer, em algum momento.

Na sala de jantar, sobre a mesa de madeira maciça, um mapa de toda a


cidade está exposto, enquanto um grupo traça uma espécie de estratégia de guerra.
Há vários de nós e alguns moradores da cidade, que conhecem nosso segredo e
que se dispuseram a participar de tudo.

— É a mim que eles querem — Ash avisa, o indicador fixo no ponto onde
fica a velha igreja. — É por isso que marcaram essa merda de reunião. A porra de
uma armadilha. — Um sorriso malicioso ergue seus lábios. — Infelizmente, para
eles, estamos um passo à frente.

— E a mim — minha namorada suspira. — Foi atrás de mim que eles


vieram antes, não é?

— E das terras dos Redmayne — Harper completa. — O que também me


coloca como alvo.

— Não importa. Vamos esmagá-los — Mack decreta e todos ao redor da


mesa concordam. Já passou da hora de eles conhecerem o nosso poder.

Calado observo a tudo, com uma Victoria focada em meu colo, enquanto
participamos da reunião, e me pego sorrindo ao constatar que, apesar de tudo, nós
acabamos formando a porra de um time — nossas garotas inclusas — contra os
malditos lobos brancos que quiseram se arriscar e invadir a cidade errada.
Eles e seus comparsas não perdem por esperar e, se essa noite, pensam que
vão nos pegar em uma merda de armadilha, terão uma grande surpresa. Já que
Silent Grove, agora, tem um Alpha e um clã poderoso e imbatível.

Talvez eu tenha celebrado antes da hora, os meus dias de glória. Ainda há


um bocado de luta reservado para mim.

Preparados para emboscar os idiotas, que pensavam estar nos enganando,


lidero um dos grupos contra os filhos da puta que supõem estar à frente. Sobre
quatro patas, eu corro através das folhas úmidas da floresta, totalmente coberta
pela névoa espessa, que ajuda os invasores a se camuflarem. Porém, para azar
deles, nosso olfato é aguçado e conhecemos cada centímetro desse lugar, e não é
surpresa que eles nunca tenham conseguido avançar. Pelo menos, até essa
madrugada.

Apesar de termos sido avisados sobre a maldita armadilha, não previmos o


tamanho do exército que nos esperaria ali. Enquanto luto contra alguns inimigos
em minha forma lupina, rasgando suas peles e arremessando-os para longe com a
minha boca, mantenho parte da minha atenção em um ponto específico, alguns
metros adiante.

Na clareira, junto a outros aliados, uma guerreira maravilhosa, ostentando


uma trança loira caindo sobre um de seus ombros, está Victoria. Ao lado de outros
moradores da cidade, ela aponta uma arma para um dos lobos brancos que tenta
atacar um dos nossos e acerta em cheio, derrubando-o, antes que consiga chegar
ao centro da clareira. Sensual para um caralho. Descobrir que Victoria Miller foi
ensinada pelo avô a atirar, na infância, foi um choque, mas vê-la usar uma arma...
Porra, é algo mais. Como um anjo vingador, ela ataca e defende, lutando lado a
lado conosco — algo incrível e inimaginável. Minha escolhida.
E eu não deveria ficar feito um idiota, babando pela garota linda na
clareira, quando o exército inimigo, saído das profundezas do inferno, ataca —
relembro a mim mesmo. Avanço contra um grupo que tentava se esgueirar para
dentro do nosso território e, estou me vejo lutando contra dois lobos jovens, que
tentam me vencer pelo cansaço, quando o chão treme sob as minhas patas e nos
distrai por um milésimo de segundo, o que pode nos custar muito. A porra de uma
explosão.

— Liam? — chamo, através da conexão da alcateia. — Que merda acaba


de acontecer?

— Explodiram a velha igreja — Eli avisa. — Mack e Ash estão bem. Jas?

— O zumbido do caralho — reclamo e ele bufa, rosnando.

— Todos nós. Vamos acabar com esses filhos da mãe.

Minhas patas traseiras derrapam e sacudo a cabeça, tentando me livrar do


zumbido terrivelmente alto, que nos tira do ar, por um momento. Assim que
consigo me situar, ergo a cabeça e corro os olhos pela clareira, avaliando a
situação — os outros lobos aqui, também se recuperam do zumbido filho da puta e
fazem o mesmo. Busco por Victoria no ponto onde a vi pela última vez, mas não a
vejo em nenhum lugar à vista.

Vicky.

Logo, os ataques recomeçam, e entre mordidas e garras longas tentando me


atingir, busco pelo lampejo dos fios loiros ou qualquer sinal da presença de Vicky
e, por um segundo desesperador, não vejo nada. Farejo o ar e sinto seu perfume
perto dali então, sem pensar direito, corro à sua caça, chegando a tempo de vê-la
se debater contra o que parece ser um grupo de mercenários, que a cerca e tenta
arrastá-la dali.

— Eli, preciso de ajuda — convoco. — Vicky está em perigo.

— Estou a caminho — rosna. — Me espere chegar, Jasper.


Como se isso fosse possível.

— Jasper, não! — ela avisa, quando me vê, debatendo-se e lutando


ferozmente contra os filhos da puta que tentam levá-la.

Estão mortos — decreto, lançando-me no ar, pronto para atacá-los.

O estampido de uma arma, um grito desesperado e a dor lancinante em


meu ombro direito, indicam que acabo de cair na porra de uma armadilha. Assim
que meu corpo atinge o chão, dentes e garras acertam meu abdômen e patas,
enquanto uma gargalhada fria e maléfica ecoa em algum lugar próximo.

— Não, por favor! — Vicky implora, tentando correr em minha direção. —


Eu irei com vocês, mas deixem-no em paz. Por favor.

Uivo pedindo por ajuda, enquanto tento abrir os olhos, mas não consigo
mais do que uma fenda pequena, sob o fluxo intenso de sangue que sai de um
possível corte em minha cabeça, e que lateja fortemente, assim como meu tronco,
como um todo. Em algum ponto, minha pata dianteira esquerda queima e eu urro
alto devido à pressão da mandíbula forte contra a minha carne. Minha consciência
está oscilando perigosamente, antes que tente mais uma vez me comunicar,
ordenando que alguém consiga resgatá-la.

— Salvem-na.

— Você é uma vergonha — a voz fria gargalha, antes que ela arfe para,
então, gritar de dor. — Amante de cachorros.

Ouço uma pancada seca e um grunhido de dor, antes que o corpo de Vicky
caia sobre mim, seus olhos estão fechados e há um corte em sua testa, que sangra
profusamente. Não. Rosno, colérico, usando a raiva e meus instintos de
sobrevivência para conseguir me levantar e rosnar alto, mais um vez, prestes a
enfrentar os filhos da mãe que me atacam sem descanso, mas acabo cedendo,
quando um deles salta contra mim, esmagando minha pata traseira, enquanto as
garras do outro rasgam a pele do meu abdômen.
Pela visão periférica, vejo os filhos da puta carregando a minha garota,
desacordada, para longe.

— Você está morto, cachorro — o babaca de voz mansa graceja.

Não.

Sinto apenas o solavanco, antes da dor. O meu corpo é lançado no espaço


vazio entre os corredores de árvores, antes que o sangue escorra para o meu peito
e rosto, ensopando meu pelo e a terra abaixo de mim. O corte em meu abdômen
queima e, quando um deles avança sobre mim, consigo sentir algumas costelas se
partindo sob seu peso, mas nada disso importa.

— Jasper! — a voz de Brennan chama. — Porra! Jasper está com


problemas! Aqui!

E logo após a sequência de uivos e grunhidos, o peso sobre mim diminui e


o lobo cinza me encara preocupado, antes que os rosnados de outros integrantes do
clã se destaquem perto daqui, colocando os malditos para correr.

Eu falhei, porra.

— Vicky — aviso, com os olhos fechados e a dor se tornando cada vez mais
intensa. — Eles... a levaram. Minha Vicky.

Eu falhei — é o que eu penso, antes de o mundo acabar.

A dor lancinante.

O desespero.

O vazio.
Vicky.

— Acalme-se, Jasper — a voz calma, do médico que pertence ao clã, pede


com paciência. — Nós precisamos limpar e tratar esses ferimentos.

Meu corpo treme — raiva, ira, dor, vazio e desespero — não consigo me
manter parado. Os olhos, cegos para tudo o que não seja a imagem terrível dos
cabelos loiros presos em uma trança, sacolejando sobre o ombro de um maldito
filho da puta, enquanto a levava para longe.

“Você está morto, cachorro” — a ironia em seu tom de voz, trazendo o


pior de mim.

Um rosnado alto irrompe do meu peito, enquanto a dor se alastra


impiedosa por todo o meu corpo e eu convulsiono nas mãos que tentam me
amparar. Victoria.

— Vamos ter que aumentar a dose do calmante — o médico sentencia,


avisando a alguém.

— Não — a voz ordena, de algum lugar próximo dali. Em minha cabeça,


eu grito, imploro para que me ajude a encontrá-la. Encontre-a. — Ele está cego
para nós. Jasper — dessa vez, quem me convoca é o Alpha que, pelo poder que
tem, silencia todos os meus pensamentos — nós vamos encontrá-la, eu prometo.
Descanse.

Ele ordena e meu corpo inteiro formiga, antes de assumir um estado de


letargia, mergulhando novamente na mais absoluta escuridão.

Não sei quanto tempo se passou, até que, finalmente, abro os olhos.
Ainda estou na sala, constato, olhando para o teto de madeira. Movo os
dedos e então, ergo a mão diante do rosto, observando o acesso intravenoso que
sai dali.

— Você está bem — a voz calma da Sra. Griff, uma das enfermeiras do
clã, avisa.

A mulher está sentada no sofá, lendo uma revista enquanto toma chá — ao
mesmo tempo em que uma batalha acontece do lado de fora. Porra.

Vicky.

Tento me sentar, mas a mulher corre em minha direção — assim como


meus pais, que eu ainda não tinha reparado que estavam ali.

— Meu filhote! — Minha mãe alisa meu cabelo, enquanto meu pai me
mantém deitado. — Nós teríamos vindo antes... Você e Liam deveriam ter pedido
ajuda!

Claro que ela ficaria com raiva, mas, então, se orgulharia de nós — Era
sempre assim, quando se tratava de Emma Hill. Ao contrário do marido, que me
encara com seus olhos firmes e escuros, como os meus, o cenho franzido pela
preocupação.

— Onde eles estão? — Retiro o acesso, sob protestos da enfermeira e da


minha mãe, mas não posso esperar.

— Não ouse se levantar desse sofá, Jasper Matthias Hill! — a mulher, na


casa dos quarenta e seis anos, com os cabelos avermelhados, segura-me pelos
ombros, fazendo a ferida recém-fechada doer. — Você precisa se recuperar e...

— Minha escolhida foi levada! — atalho, observando-a arregalar os olhos,


surpresa. — Victoria Miller foi sequestrada naquela merda de floresta, enquanto
lutava ao meu lado. Eu preciso ir, mãe.

Meus olhos vagam para as janelas, constatando que já é noite e, apesar de


não fazer ideia do tempo pelo qual fiquei apagado aqui, sei que preciso encontrar a
minha garota.

— Você ainda não se recuperou totalmente, querido. Foram apenas


algumas horas, o seu corpo ainda não… — Seus olhos dobram de tamanho e
assumem um brilho intenso com as lágrimas não derramadas. — Tenho certeza de
que Liam está fazendo tudo o que pode e…

Meu pai estende a mão e desliza sobre a dela, entrelaçando seus dedos,
enquanto mantém os olhos fixos nos meus. Compreensão.

— Resgate-a e volte para casa — é o que ele diz, afastando-se e tirando a


enfermeira e a esposa indignada do caminho. — Volte para casa, ouviu?

Eu vou tentar.

A dor da transformação, dessa vez, é absurda e excruciante. O choque


toma o meu corpo quando as patas traseiras — ainda em estágio de cicatrização —
atingem o chão e um ganido de dor escapa por entre meus dentes afiados, mas isso
não me impede de correr em direção às árvores, guiado unicamente pela essência
adocicada da minha garota.

Preciso encontrá-la. Sem ela, nada mais valerá a pena.


Dor.

Minha cabeça gira quando abro os olhos e a encontro ali. O rosto inchado
pelo choro, enquanto mantém um pedaço de tecido pressionado sobre a minha
testa e arregala os olhos quando me vê acordar. Elinor Miller nega, em um gesto
rápido, mas não consigo fechar os olhos, antes que eu o veja.

O homem que conheci apenas por fotos, antes de vê-lo na floresta essa
noite, encara-me com os olhos muito claros, injetados de ódio.

— Ora, ora, vejam quem acordou! — Em um movimento brusco e


violento, ele puxa minha mãe para trás, distanciando-a de mim. — A vadiazinha
que você criou, Elinor.

Ele cutuca a lateral do meu corpo com o pé, como se tivesse nojo. A
porcaria de um genitor, que teve a coragem de abandonar a mulher e a filha, sem
qualquer explicação, tem a ousadia de nos acusar de alguma coisa? Engulo a
resposta que faz minha língua coçar e espero. Observando a arma brilhando em
sua mão.

— Eu já deveria esperar por isso, não é? — Ele se aproxima da minha mãe,


dando as costas para mim. Elinor arregala os olhos quando me sento, tentando
soltar as minhas mãos amarradas por cordas finas. — Você sempre foi amigável
demais com os cães.

— Jack, nos deixe ir — choraminga, quando ele encosta o cano da arma na


lateral de sua cabeça. — É a nossa filha! A sua filha! Ela não tem culpa de nada!

Ele se vira em minha direção, os olhos estreitos quando me vê lutando


contra as amarras.

— Uma caçadora de herança, você quis dizer... — acusa, apontando a arma


para mim agora. — Espero que tenha ficado feliz com aquela esmola, Victoria.
Apesar de achar que não terá tempo de usufruir daquele apartamento de merda,
porque encerrarei essa linhagem vergonhosa essa noite. — O sorriso que suspende
seus lábios é doentio e assustador, e o som que sua mão faz, quando acerta o rosto
da minha mãe, revoltante. — Ela está com aquele... cachorro! Você permitiu que
isso acontecesse, não é?

— Jack! Não! — minha mãe agarra suas pernas, implorando. — Por favor,
não. Ela é nossa filha! Eu devolvo a você, tudo! Não é, Vicky? Nós devolvemos!

— Mas é claro que não ficarão com o meu dinheiro — gargalha e, quando
se livra da minha mãe, noto que puxa de uma das pernas. — Contudo, não é
apenas sobre isso, Elinor. Seu pai destruiu a minha vida, quando me acertou,
naquela noite.

— Era você? — minha mãe balbucia, nervosa. — A-aquela noite, Jack...


Co-como?

Ele nega e desvia o olhar para a janela, como se tivesse ouvido algo, mas
logo se volta novamente para a minha mãe, dando-me tempo para continuar
tentando libertar as minhas mãos.
— Não importa — responde. — Meu bisavô também era um idiota e
acabou se envolvendo com uma loba, não foi dificil achar um Alpha covarde para
estabilizar a minha transformação — estala a língua, desgostoso. — Uma pena que
não tenha vivido o bastante para servir mais à nossa causa.

— Isso tudo é doentio! — acuso. — O que vocês ganharão com isso?

— Vingança? Poder? — Abre os braços, totalmente alucinado. — Porra!


Toda uma linhagem comprometida por esses vermes! Mas isso não importa,
porque, agora, podemos lutar de forma mais justa e acabar com tudo isso de uma
vez. E é por isso, que estou aqui, para acertar as contas com a minha família. Eu
tentei acabar com tudo antes, mas seu cachorro sempre aparecia, não é? — Ele
volta os olhos para mim. Era ele, naquele dia. Se não fosse Jasper… — Com ele
fora do jogo, vou, finalmente, poder limpar a cidade do seu rastro imundo. Então...

Um ruído do lado de fora chama nossa atenção e Jack Miller não termina o
que dizia. Suas narinas se expandem, antes que seus olhos se arregalem e um
rosnado alto e furioso faça as paredes do lugar estremecerem. Tudo acontece
rápido demais.

Meu coração acelera e, sob a mira do homem que seria meu pai, eu vejo o
exato momento em que o lobo gigantesco de pelos acastanhados entra,
vagarosamente, no cômodo empoeirado. Imponente e perigoso, ele marcha —
mancando um pouco, percebo — até nós. Os olhos castanhos fixos nos meus,
antes de correrem pela minha mãe e, só então, focaram no homem, cuja mão treme
violentamente contra a minha cabeça.

Abro um sorriso aliviado por vê-lo bem. A lembrança do que aconteceu na


floresta, apenas algumas horas atrás, assombrando-me à medida que tento
convencer minha mente de que Jasper está ali.

— Ah, a esperança... — Jack Miller debocha. — Ele não é a única fera


nesse quarto, sua pirralha gananciosa. Não comemore ainda.
E deslizando a arma para baixo do móvel antigo, ele não dá mais que três
passos, antes de se tornar um dos lobos brancos com os quais estávamos lutando
na floresta. Minha mãe grita e se encolhe, mas em um pico de adrenalina, levanto-
me e corro até ela, para que me solte.

Suas mãos tremem, mas, logo, estou com as mãos livres e me deito no
chão, buscando a arma, enquanto os dois lobos duelam no espaço apertado.
Destravo a arma prateada e, junto à minha mãe, ladeio a parede que leva à porta
do cômodo que, um dia, já foi um quarto e, assim que chegamos à uma área
“segura”, volto correndo ao quarto para ajudar Jasper e acabar de uma vez com
esse circo de horrores, quando sinto um baque no ombro e uma dor intensa,
seguida de ardor violento, quando a fera branca se lança sobre mim, rosnando.

Não demora muito para que o outro lobo apareça, guinchando de ódio,
mordendo próximo ao pescoço da criatura, ele lança-a para o outro lado das ruínas
da mansão antiga, para onde nos trouxeram. Acompanhamos a luta entre as duas
criaturas enormes e furiosas e seguimos seu rastro de destruição até um salão
lotado de lobos onde Harper, Ash e os outros parecem enfrentar uma nova batalha.

Mas não consigo pensar em nada mais, além de proteger Jasper e encerrar
a loucura na qual a minha vida se transformou nos últimos tempos. Aponto a arma
para o maldito lobo, tentando encontrar um ângulo mais seguro, quando o
estampido de outra arma cruza o ar e o lobo branco cai, imóvel, no chão. Alguém
grita por ele, mas não consigo desviar os olhos do lobo que tenta sair de baixo da
carcaça do primeiro. Jasper.

O alívio que me invade — assim como uma espécie de culpa estranha e


inoportuna — transforma tudo em um borrão confuso e mal sei como
conseguimos sair dali. Tudo o que minha mente processa é o lobo que anda ao
meu lado, escoltando a mim e à minha mãe, enquanto caminhamos de volta para
casa.
Já de banho tomado, sentindo o corpo inteiro dolorido, deito-me no peito
de Jasper, que parece mal caber na minha cama. Após terminar de fazer os
curativos em nós dois, minha mãe se despediu, trancando-se no quarto para lidar
com seus próprios fantasmas, apesar de termos insistido para que ficasse aqui.

No fim das contas, tivemos o encerramento do qual tanto necessitávamos


para seguir em frente. Jack Miller não voltaria nunca mais. Nenhum dos malditos
lobos brancos voltaria.

— Tudo bem? — As mãos fortes seguram firme a minha cintura, trazendo-


me para mais perto. — Já passou, Raio de Sol — garante, beijando o topo da
minha cabeça, enquanto me seguro firme no tecido macio de sua camisa, buscando
pela sensação de segurança que só ele consegue me fornecer.

— Nós vamos ficar bem, não é? — pergunto baixinho, nada mais do que
um sussurro.

— É hora de novos começos, meu amor — Jasper declara, enquanto fecho


os olhos e me permito descansar. — Juntos.

Eu posso lidar com isso.


Transtorno de estresse pós-traumático — Foi o nome que deram, quando
não conseguiram encontrar outra forma de explicar o que havia acontecido
comigo. É o que eu teria feito em outro tempo, se fosse eu a ouvir as loucuras que
eu havia repetido a todos os que vieram me perguntar sobre o que havia
acontecido naquela maldita noite.

Seres míticos, saídos das profundezas do inferno, vivendo entre nós, como
se fizessem parte desse mundo — eu os vi. E tempos depois, matei alguns deles,
observando-os se transmutar de volta a uma forma que não os pertencia. Pelo
menos, não mais. Embora ninguém acreditasse, eu sei bem o que vi e o que vivi
desde aquele encontro terrível. E se eu soubesse do que aconteceria, logo depois,
não teria hesitado quando tive uma daquelas malditas feras sob a minha mira.

Deitado em meu quarto, na casa antiga de uma cidade pequena e estranha,


sinto minhas mãos tremerem e respiro fundo, aguardando que o remédio faça
efeito e consiga acalmar o meu corpo, conforme me preparo para o fim de toda a
agonia que consumiu a minha vida.

Enquanto meus olhos pesam e o efeito calmante do medicamento se


espalha em minhas veias, eu a vejo. Os cabelos loiros soltos nos ombros finos e os
olhos muito azuis, enquanto ri de alguma piada ruim que contei enquanto
caminhávamos até o lugar ermo, onde acabei estacionando o carro. “Não seja
bobo! Você será um ótimo pai. Tenho certeza!”. Lisandra acariciou a barriga
protuberante, antes que tudo se transformasse em um pesadelo.

Se o lobo-mau existe, então, faz sentido que haja um caçador. E eu


acabarei com todos eles.

Um a um.
Termino de prender o cabelo no alto da cabeça, em um rabo de cavalo
firme e ajeito o laçarote vermelho no topo da cabeça, antes de pegar meu casaco
claro e guardá-lo na mochila, já dentro do armário, no vestiário feminino. Fecho a
porta de metal e olho rapidamente em direção à Harper, que também enfia a
mochila lotada dentro do quadrado metálico, antes de erguer os olhos e sorrir para
mim.

Minha prima passa mais tempo na Colina do que em casa.

Olho para a mochila, com mais que uma troca de roupa, jogada ali dentro e
rio de mim mesma. A quem estou querendo enganar?

— Pronta? — pergunto à Harper, quando ela passa por mim.

— Nunca! — responde rindo, enquanto tenta alguns saltos mais simples de


forma desengonçada. — Esse talento, eu não herdei!

Apesar disso, ela tem melhorado mais a cada dia. Pelo menos, já faz um
tempo desde que pisou no pé de alguém durante uma apresentação. Claro que
ninguém diz nada sobre isso — pelo menos, não mais — afinal, ela é a namorada
do temido capitão dos Warrior Wolves e a sua cara de mau funciona cem por cento
das vezes.

Sigo-a para fora do vestiário e nos aquecemos junto ao resto da equipe,


antes de nos posicionarmos no campo, à espera dos astros do jogo. O lugar atingiu
lotação máxima e a torcida entoa uma espécie de grito de guerra antes que o telão
comece a projetar uma sequência animada de luzes e uma música eletrônica
agitada domine o campo.

Em um minuto, a platéia explode em aplausos e vaias para a equipe dos


Kings da Royal University na Capital, que entra em campo acenando para a
arquibancada, quase toda colorida de azul escuro — a cor do time. Mais um
minuto e a expectativa parece aumentar, as pessoas vestindo vermelho parecem
prender o ar, antes que Ash Ashbourne pise no campo.

Quando o quarterback é avistado com sua expressão séria e feroz, seguido


de perto pelo resto do time, as arquibancadas tremem sob os gritos da torcida, que
ovaciona seus jogadores. Surpreendendo algumas pessoas, ele acena para a
multidão, antes de erguer Harper no colo e beijá-la, sem se importar com a plateia
que aplaude eletrizada.

Estou aplaudindo a cena digna de filmes de romance, quando sinto o


magnetismo de seu olhar sobre mim e me viro imediatamente, a tempo de ver o
running back correr até mim, assim como o quarterback fez com Harper, mas, ao
invés de deixar minhas pernas no ar, envolvo-as na cintura do meu namorado e
recebo o beijo gostoso e lento — uma promessa — que me faz derreter em seus
braços e ignorar totalmente o fato de estarmos diante de centenas de pessoas.

— Exibidos para um caralho! — Mack reclama em algum lugar, fazendo-


me rir nos lábios de Jas, enquanto o vejo lançar um olhar magoado à Kat, antes de
correr em direção ao campo, passando por Eli, e assumir a sua posição do outro
lado do gramado.
— Eles ainda não... — Jasper olha na direção dos amigos e então, para a
garota que saltita feliz, ignorando-os, e nega. — É complicado?

— Algo assim — Jasper me beija mais uma vez, eu desejo boa sorte e ele
corre até o campo, tomando seu lugar ao lado de Ash, antes que o jogo comece. —
Torça por mim, Raio de Sol.

— Sempre! — sorrio de volta, bem ciente de que ele me ouviu.

À medida que o jogo vai passando e nosso time arrasa em quase todas as
jogadas, pego-me divagando, algo que tem acontecido muito, principalmente,
quando estamos juntos, como agora: Harper quase erra a coreografia no solo, o
que faz a garota ao seu lado se distanciar um pouco mais. Ainda é difícil de
acreditar que tudo deu certo. Às vezes, meus pesadelos à noite são realistas e
desesperadores — fragmentos de lembranças daquela noite terrível, que tinha
potencial para destruir tudo.

O time sai de campo no intervalo, indicando que é nossa hora de brilhar.

— Hora de voar, Loirinha — Justin se aproxima, já se preparando para a


nossa rotina de saltos do intervalo.

Com um sorriso no rosto, concordo e logo, estou sendo jogada de um lado


ao outro, enquanto somos aplaudidos pela torcida, mas meus olhos mantêm o foco
no jogador de vermelho, que me encara sorrindo, orgulhoso, enquanto completo a
rotina junto à equipe. No último salto, quando elevo as mãos, sacudindo os
pompons vermelhos no ar, sinto uma fisgada forte no ombro esquerdo e derrubo o
acessório no chão, perdendo Jasper de vista, enquanto tento retomar a coreografia.
Por sorte, tudo dá certo e, assim que meus pés tocam o chão, sã e salva, meu corpo
colide contra a parede de músculos, que me encara com preocupação.

— O que aconteceu? — Jasper me entrega o pompom vermelho. — É o


ombro?

Desde aquela noite, o meu ombro tem doído esporadicamente. A sra.


Holloway preparou alguns unguentos e outras pomadas, e as feridas daquela noite
se curaram rapidamente. Exceto pelo meu ombro. É como se, embora houvesse se
fechado, algo estivesse dentro dele. Ainda que eu já tenha feito vários exames e
nada tenha sido encontrado para explicar essas fisgadas.

— Está tudo bem, Jas. — Afago o seu rosto. — Você ainda tem um jogo
para ganhar, não é?

Incerto, ele anui, mas seus olhos ainda estão focados em mim, enquanto ele
caminha de costas, afastando-se de forma lenta. Terrivelmente superprotetor.

Ao longo do jogo, ele volta a olhar em minha direção de tempos em


tempos, vigiando-me à distância e atrapalhando o time inteiro, porque está
distraído.

— Hill! — o treinador chama e, mais uma vez, ele volta a prestar atenção
no jogo.

Toda a história dos lobos brancos, meu pai envolvido com aquele bando
estranho e a sua busca por uma vingança fútil e mesquinha, nos deixou um tanto
traumatizados, embora o bando inimigo tenha sido extinto e a paz tenha reinado na
cidade, desde então.

Esfrego o ombro mais uma vez, antes de voltar à coreografia com o resto
da equipe, mantendo o sorriso no rosto e tentando ao máximo focar em nosso
futuro, algo que jamais imaginaríamos ser possível.

Deu tudo certo — repito para mim mesma.

Não há escapatória.

Olho ao redor e não há nada além das árvores com seus troncos
esverdeados cobertos pelo musgo. Ergo os olhos para o céu, tentando me situar,
mas a neblina espessa cobre tudo e, quando ouço o som de galhos se partindo e a
respiração acelerada e pesada, indicando que a fera se aproxima: eu corro.

Fujo desesperada, desviando das árvores e dos troncos caídos, enquanto


sinto a criatura se aproximar cada vez mais rápido de mim, à medida que
aumento a velocidade dos meus passos, a ponto de as árvores serem apenas um
borrão verde manchado em minha visão e só paro quando atinjo os limites da
floresta, onde o rio corre profundo e gelado.

Estou cercada.

Ouço o farfalhar das folhas às minhas costas, denunciando a presença do


ser implacável que me persegue pela floresta sombria, com o coração batendo
forte contra os ossos do peito, engulo em seco e me preparo para pular na água
corrente. Ou, esse era o meu plano.

Um uivo de alerta ecoa pela floresta e faz com que os morcegos e algumas
aves saiam de seus esconderijos e voem para longe. Protegendo-se da fera
ameaçadora que se aproxima de mim.

Não.

Por favor, não.

— Estou aqui.

O lobo, terrivelmente branco, encara-me no reflexo da água. Seus olhos


quase dourados, ferozes, quando ele salta ao mesmo tempo que eu nas águas
turvas do rio antigo que nos carrega para longe.

— Vicky? Amor? — Jasper me aperta mais forte contra o seu peito, suas
mãos acariciando de leve as minhas costas, em uma tentativa de me acalmar. —
Está tudo bem agora. Estamos seguros.
Só então, percebo que estou gritando e o quanto meu corpo treme. Droga.
Mais um pesadelo.

— Acabou, Raio de Sol — afirma mais uma vez, beijando minha testa,
antes que eu volte a afundar o rosto em seu peito nu, já que ele veste apenas uma
calça de moletom. — Estamos bem agora. O pior já passou.

— Eu sei — murmuro, sentindo meu ombro arder de forma leve, como se


fosse uma espécie de dor “fantasma” do ferimento que havia ali. — Eu não
queria te assustar, me desculpa…

— Não, não se desculpe. — Beija mais uma vez o topo da minha cabeça.
— Nós passamos por muita coisa. Estamos juntos nessa, certo?

— Até o fim. — Sorri, antes de colar os lábios aos meus, o selinho


inocente, rapidamente se transformando em algo mais.

— Meu Deus, será que vocês podem parar com isso? — Kat, que está
sentada do lado oposto da mesa, faz uma careta — As vidas solteiras importam!

Tudo bem. É fato que, desde que tornamos nosso namoro oficial, Jasper se
tornou quase a minha sombra. Exceto nos horários em que está resolvendo alguma
coisa do clã e em horário de aula, estamos juntos e, normalmente, não
conseguimos tirar as mãos um do outro.

Por mais que eu tente.

— Só está solteira, porque quer — Eli, sentado um pouco mais à frente,


comenta em um tom ressentido, antes de voltar a atenção para seu prato de
almoço.
— Exatamente! — minha amiga responde, enfiando um quarto de maçã na
boca, enquanto Mack se aproxima da mesa.

Depois que minha amiga decidiu terminar o rolo com Eli e Mack, os três
têm distribuído farpas entre si em todos os momentos juntos — exatamente como
acaba de acontecer, durante nosso almoço no refeitório da Universidade. Ash e
Harper desapareceram, como tem sido costume deles, desde toda aquela confusão
com os lobos brancos.

Como se tornou rotineiro, ao menor pensamento envolvendo aquelas feras


e aquela noite em particular, meu estômago revira de forma desconfortável, e um
arrepio percorre meu corpo. Algo que não passa despercebido pelo meu namorado,
sentado ao meu lado, que segura mais forte a minha cintura, antes de deixar um
beijo no ombro ainda dolorido.

— Raio de Sol? Algum problema? — Fujo dos olhos castanhos, enquanto


minto, negando com a cabeça rapidamente, antes de morder meu sanduíche
natural, ocupando a minha boca, enquanto ele murmura um aviso em meu ouvido,
fazendo-me arrepiar novamente, mas, dessa vez, por outros motivos que nada tem
a ver com medo. — Você não me engana, Victoria Miller. Eu posso ouvir o seu
coração acelerado.

— É culpa sua — acuso e o sinto sorrir em meu pescoço, antes de deixar


uma mordida leve ali, fazendo meu corpo reagir de forma instantânea. — Jasper...

— A verdade, Vicky — insiste.

— Estou cansada. É só.

Não é uma mentira. Embora, não seja toda a verdade.

Eu poderia ser honesta e dar a ele a resposta verdadeira: Não consigo


dormir — os pesadelos terríveis, envolvendo o lobo branco me perseguindo, têm
me mantido acordada todas as noites e esse é o motivo das mudanças de humor e
do meu organismo totalmente descompensado. Porém, ao invés disso, guardo essa
informação para mim. O que Jasper poderia fazer com relação a isso, além de se
preocupar mais do que deveria?
Acelero minha moto para fora da Colina, a caminho da casa da minha
namorada. Minha namorada. Caralho, como isso soa bem! É, não é segredo para
absolutamente ninguém, que aquela loira faz de mim o que bem entende, e eu não
me envergonho de admitir isso.

Nem um pouco.

Tudo, aos poucos, vai se ajeitando, após o caos daquela maldita noite e,
tendo assumido minha função de segundo no comando, minhas responsabilidades
aumentaram de forma significativa. O que indica que não vejo minha namorada há
pelo menos dois dias inteiros, e meu lobo já começa a dar sinais de impaciência
dentro de mim.

Guio a moto em alta velocidade pelas ruas antigas, enquanto me pego


pensando no volume cada vez maior de grupos nômades que têm se juntado a nós
no último mês. Alguns ataques de caçadores os têm feito buscar pela segurança de
um clã que possa protegê-los e, após a notícia, de termos um Alpha forte no
comando, correr por aí, fomos escolhidos por várias famílias, apavoradas pelos
embates com os filhos da puta que, de forma covarde, caçam nossa espécie pelas
florestas.

Meu coração acelera, assim que paro a moto diante do sobrado amarelo,
sob o olhar atento de Olga Holloway, que acena para mim, abrindo um sorriso
genuinamente doce, antes de franzir a testa enrugada e seu semblante se fechar em
uma expressão preocupada. Droga.

Não tenho tempo de ir até ela, porém. Porque, logo, a porta vermelha se
abre e a garota loira — e linda — corre em minha direção, lançando-se nos meus
braços, antes de beijar a minha boca com vontade, em plena luz do dia, para
qualquer um ver. Minha. Impossível não me render. Tudo o mais, pode esperar.

“Ainda há mudanças por vir” — a voz da Sra. Holloway, ainda sentada à


sua janela, alcança-me.

Que venham.

Deitado na cama de Vicky, fingindo assistir a um filme de romance com


ela esparramada sobre mim, enquanto suspira por um idiota de cabelo lambido,
desisto de tentar ignorar o telefone, que vibra incessantemente sobre a mesa de
cabeceira. Vicky suspira desanimada, enquanto atendo ao aparelho e anuncio que
estou a caminho, para recepcionar uma família que acaba de chegar à cidade.

— Você precisa ir — suspira mais uma vez, inspirando a minha camisa,


antes de erguer o rosto bonito para me olhar e torcer os lábios em um beicinho
teimoso, que acaricio com o polegar.
— Sou o segundo no comando. — Tento me erguer, mas Vicky encaixa um
joelho de cada lado da minha cintura, aprisionando-me sob seu corpo. — Vicky,
minha vida... — beijo o centro de seu peito e subo a boca até o seu pescoço,
roçando a pele macia, antes de morder um pouco mais forte a carne de sua orelha,
ouvindo-a gemer baixinho conforme se move em meu colo. — Quer vir comigo?

Por favor, diga sim.

— Tudo bem — responde, antes que eu a beije com força, fazendo-a sentir
exatamente o que faz comigo.

Ergo-a e logo estou de pé, ajustando a calça jeans, a fim de disfarçar o


volume evidente ali, após a sua provocação explícita e me deparo com seus olhos
escurecidos, enquanto morde o lábio inferior. Porra, eu criei um monstro.

— Não me olhe assim — rosno baixo, observando a pele dos seus braços
se arrepiar. — Sua mãe está lá embaixo, Raio de Sol.

— Vou calçar um tênis. — Como se não tivesse feito o meu sangue ferver,
segundos antes, com um sorriso inocente, ela se levanta e vai até o guarda-roupa
pegar o maldito tênis, e saio do quarto, mantendo a respiração curta para evitar
que eu volte lá para dentro e a jogue naquela cama, enfiando-me entre suas pernas
longas, fazendo exatamente o que meu corpo pede.

Em menos de cinco minutos, ela sai porta afora, vestindo a mesma roupa
de antes — calça jeans clara e uma blusa de alcinhas rosa claro, que realça seu
colo bonito — usando uma jaqueta preta e carregando sua bolsa cruzada sobre o
peito, o cabelo arrumado em um rabo de cavalo e tênis. Linda para um caralho! E
minha.

— Você precisa parar com isso. — Bate no meu peito, ao passar por mim
com o rosto corado.

— O que eu fiz, dessa vez? — Seguro seu braço, virando-a e trazendo seu
corpo para o meu.
— Me encarando, como se eu fosse algo extraordinário... — beijo sua
boca, cortando o assunto. Bem, até ela resmungar contra os meus lábios — Estou
usando calça jeans e camiseta, pelo amor de Deus!

— Você é sempre linda, para mim. — Dou de ombros.

— A Harper tem razão. — Revira os olhos, mas lança os braços em meus


ombros. — Esquisitice de lobo.

— Seu lobo, minha princesa. — Mordo a sua boca, antes de beijá-la um


par de vezes. — Precisamos ir.

Mais uma vitória para o Warrior Wolves. Mais um passo em direção ao


campeonato nacional.

Pelo menos, a dor nas costelas trincadas não é em vão.

Deitado de lado em minha cama, grunho baixo e me encolho, cada vez que
os dedos frios de Vicky tocam a lateral do meu corpo para passar a maldita
pomada preparada pela sua vizinha. Olga Holloway precisa, urgentemente, de uma
consultoria sobre o aroma de seus medicamentos naturais. Puta que pariu, que
emplastro fedido.

— Mas que merda! — contorço-me na cama, quando os dedos finos


alcançam o ponto inchado e totalmente roxo, pouco abaixo da axila. — Raio de
Sol, isso é mesmo necessário? Amanhã de manhã já vai ter sarado — reclamo
mais uma vez.

— A Sra. Holloway foi taxativa, quando disse que isso ia acelerar o


processo de cicatrização. Foi uma pancada bem forte aqui, Jas. — O tom prático
de sua voz me diz que ela segue irredutível com a tortura. — Já tá acabando. Eu
juro.

E, então, ela curva o corpo sobre o meu, apoiando o joelho na cama e deixa
um beijo na lateral do meu rosto. Claro que isso não bastaria e, então, prendo-a
sob o meu corpo e beijo sua boca com determinação, até que ela cede, enfiando os
dedos sujos com a pomada podre no meu cabelo, enquanto corresponde à minha
investida.

Infelizmente, quando desliza uma das mãos pelos meus ombros e acaba
tocando na lateral fodida do meu corpo, não consigo reprimir um gemido de dor,
que corta totalmente o clima.

— Papai e mamãe estão de safadeza no quarto! — Mack grita do lado de


fora, recostado na porta há sei lá quanto tempo. — Cara, foi mal... mas o chefe
mandou chamar. Algo sobre uma família recém-chegada à cidade e ele precisa
resolver algumas coisas para as obras do novo hospital.

Tenho certeza de que um novo hospital será algo maravilhoso para a


cidade, mas, nesse momento, eu realmente não gosto nem um pouco dessa ideia.

— Tudo bem — sento-me na cama, libertando minha namorada, que tem o


rosto inteiro manchado de vermelho devido ao flagrante do idiota ainda à porta. —
Mais alguma coisa?

— Loirinha, tirando esse pequeno corte no supercílio, eu tô em ótima


forma. — Aponta para si mesmo e para a camisa colada em seus músculos de
forma quase indecente. — O meu quarto fica a duas portas de distância.

O rosnado que irrompe do meu peito é totalmente involuntário, mas não


consigo contê-lo, o que só faz o babaca gargalhar.

— Não ligue pra ele, Vicky, é apenas ciúme. — Dá de ombros. — Nós


tivemos uma história, antes de as coisas acontecerem entre vocês dois e... Bem,
ele me mordeu, após noites me abraçando. Isso me marcou, sabe?
— Caralho, Mack! — O idiota pisca para a minha garota, que, é claro, ri
das idiotices dele e me segue para fora do quarto. — Onde eles estão?

— Na fazenda — diz, ao beijar as costas da mão de Vicky, movendo as


sobrancelhas como um cafajeste de filme antigo. — Caralho, Jas, você tá fedendo.

Olho de forma acusadora para a garota, que apenas sacode o rabo de


cavalo loiro e encara as próprias unhas, fazendo careta para o cheiro residual da
pomada dos infernos.

— Eu posso ficar — diz, antes de descermos as escadas — Quer dizer,


você vai trabalhar e eu não quero...

— Que tal um romance? — Estreito os olhos para o idiota que, por algum
motivo, ainda está aqui. — Um filme, Jasper. Podemos chamar a Intrépida
Lawson.

A porcaria do apelido, que o idiota deu à namorada de Ash, acabou


pegando e agora, todos nós a chamamos assim, em algum momento. Não que ela
tenha se importado, é claro.

— Venha comigo — peço, segurando firme em sua mão. — É só recebê-


los e mostrar o chalé provisório, onde ficarão até encontrarem uma casa. Não é
nada demais.

Apesar de hesitar por um momento, ela acaba topando e caminha ao meu


lado, enquanto sigo até o carro para irmos à fazenda, que fica a apenas alguns
quilômetros da Colina. No caminho de quase quinze minutos, conversamos um
pouco sobre a situação de Kat e dos dois idiotas, mas não chegamos a nenhuma
conclusão sobre eles. A melhor amiga de Vicky segue irredutível em sua decisão
de não ficar mais com nenhum dos dois.

Assim que chegamos à propriedade, que originalmente pertencia aos


Blackmoon, avisto Tim McGraff, o homem mais velho, bronzeado de sol, que
parece estar à nossa espera com uma pasta de papel pardo nas mãos.
— McGraff, tudo bem por aqui? — pergunto, assim que desço do carro e
aperto a mão que estende em minha direção, sem tirar os olhos de Vicky.

— Tudo em ordem, Hill — entrega-me a pasta com as informações dos


novos moradores. — Como vai, Srta. Miller?

— Bem, obrigada. — Vicky sorri gentilmente e o velho corresponde, sem


pensar duas vezes. — Como vai a Sra. MacGraff?

— Viva e brava, como sempre. — Coça a cabeça, enquanto seu rosto


assume um tom rosado. Que velho safado! — Hill, essa família veio de longe e
não estão... habituados com o nosso estilo de vida. Talvez, seja melhor que
Victoria venha comigo, tentar amansar a minha velha.

Compreendo rapidamente do que se trata. Nos últimos tempos, temos


recebido vários grupos que tem ressalvas acerca do envolvimento com humanos,
algo com o que eu, o Alpha e o resto do clã, não concordamos nem um pouco e
deixamos bem claro, desde o começo.

— Talvez seja melhor assim, Jas... — Vicky solta a minha mão e passa
para o lado do velho babão. — Além disso, faz um bom tempo que não vejo
Clarice.

Ela aceita o gesto galante do cinquentão, que lhe oferece o braço, e os dois
caminham juntos em direção à uma das casas alguns metros à frente, sendo logo
recebida pelos braços fortes de Clarice McGraff, que a saúda com a mesma alegria
de sempre, enquanto sigo até a casa maior, onde os recém-chegados são
acomodados.

Assim que chego à sala, um dos encarregados me cumprimenta e chama a


nova família. Um homem alto, de cabelos e pele escura se adianta para apertar a
minha mão e apresentar aos outros, que parecem tímidos, nesse primeiro encontro.

— Eu sou Anthony Darkfur. — Seu aperto de mão é firme, assim como


sua voz — E agradeço muito pelo abrigo. Faz tempo, desde que tivemos um clã e,
com os caçadores... Bem, podemos falar sobre isso mais tarde, me perdoe —
emenda, após a esposa, uma mulher muito bonita, na casa dos cinquenta anos, de
pele bronzeada e bondosos olhos quase dourados, coça a garganta, interrompendo-
o. — Essa é a minha esposa, Cristina Darkfur. E esses são Thomas e Justin, nossos
filhos. Há também a filha mais velha da minha esposa, Selena, mas não sei onde
ela se meteu.

— Não se preocupe, teremos muito tempo para nos conhecermos —


garanto a ele, apontando na direção da antiga sala de jantar que transformamos em
uma espécie de sala de reuniões — Agora, precisamos conversar sobre os
próximos passos e o que pretendem em Silent Grove.

Durante quase duas horas, conversamos sobre as expectativas da família e


sobre sua trajetória até chegar aqui. Os encontros com caçadores perversos e clãs
dizimados ao longo dos anos, por não terem um Alpha no comando, algo que
conquistamos recentemente, diga-se de passagem. No fim da conversa, já estamos
falando sobre os últimos jogos e descobri alguns fãs de futebol americano e grande
admirador dos Warrior Wolves.

Quando deixamos a sala, os olhos do homem se tornam sérios ao focar um


ponto atrás de mim, e estranho seu modo pouco acolhedor com a dona do perfume
cítrico e dos passos leves, que se aproxima rapidamente de onde estamos. Ao
contrário da esposa, que sorri e estende os braços em sua direção.

— Essa é Selena, minha filha — a mulher apresenta a garota bonita, de


traços exuberantes e olhos tão dourados quanto os da mãe, que aperta a minha
mão, cumprimentando-me com um sorriso largo e simpático.

— Creio que vocês tenham quase a mesma idade — o homem diz,


descansando o braço nos ombros da enteada, que parece se segurar para não
revirar os olhos. — Selena está ansiosa para começar a faculdade.

— Emberwood é uma das melhores universidades do país, tenho certeza de


que irá gostar. O que pretende fazer?
— Que curso você faz? — o homem, que parece bem tradicional, toma a
frente.

— Bem, além de ser o running back dos Warrior Wolves — ele arregala os
olhos, surpreso — estou no fim do curso de Direito em Emberwood — o homem
abre um sorriso amplo enquanto me parabeniza, mas sua empolgação se apaga aos
poucos, à medida que o som melodioso da voz de Vicky e da Sra. McGraff nos
alcançam. — Assim como a minha namorada, Victoria Miller.

Assim que ouve o seu nome, Vicky ergue os olhos e caminha em minha
direção, ao lado de uma atenta Sra. McGraff, que a acompanha de perto. Entrelaço
nossos dedos, enquanto a esposa do soturno Tim, me abraça e beija meu rosto
algumas vezes, antes de avisar que irá à cozinha pegar uma de suas compotas para
a minha garota.

— Vicky, estes são o Sr. e a Sra. Darkfur e seus filhos, Thomas, Justin e…
Selena — apresento-os e noto o receio do homem para com a garota ao meu lado,
o que me faz dar um passo à frente instintivamente. — Ela deve se matricular em
Emberwood nos próximos dias.

— Sejam bem-vindos — Vicky abre um de seus sorrisos esfuziantes. —


Espero que gostem de Silent Grove.

— Ela é diferente! — O garotinho menor fareja próximo às pernas de


Vicky que se encolhe um pouco, diante da observação inapropriada.

— Justin! — a mãe puxa o garoto para longe e abre um sorriso pequeno,


desculpando-se. — Me perdoe, Victoria. Crianças...

— Eu havia ouvido falar disso — Anthony comenta, sério. — Vocês


costumam se envolver com... outsiders.

Ao meu lado, Vicky congela, seu rosto assumindo um tom rosado,


enquanto ela encara o chão, incerta do que fazer. Porra, não. Não mesmo.
— Nosso clã não faz distinção, Sr. Darkfur — forço meu maxilar a se
mover enquanto falo, trazendo minha garota para mais perto. — Victoria é minha
Escolhida. E acho bom mencionar que o Alpha também tomou uma das
integrantes das famílias fundadoras da cidade, como sua. Caso isso seja um
problema, temo que ainda não somos o que procuram.

— Eu lamento muito pelo engano, Hill — o homem abaixa a cabeça, se


desculpando. — Srta. Miller, perdoe-me pelo mau jeito, é só a falta de costume.
Não irá se repetir. Agradecemos a oportunidade de pertencer a esse clã.

— Sejam bem-vindos, então. — Meu sorriso, dessa vez, é quase uma


ameaça.

Nos despedimos rapidamente de todos e, lado a lado, caminhamos até o


carro em um silêncio incômodo. Espero que Vicky entre, e fecho a porta, dando a
volta até o lado do motorista, tentando conter as reações exageradas do meu lobo,
protetor ao extremo.

— Perdoe-me, Raio de Sol. — Trago sua mão até a minha boca, beijando-
a. — Alguns lobos ainda são adeptos às tradições antigas. — Rio comigo mesmo.
— Nosso clã era um dos progressistas — e quando ela estreita os olhos, completo
— menos quando se tratava das nobres famílias fundadoras, é claro. Mas isso é
passado.

Sorrio quando ela faz o mesmo, descansando a cabeça em meu ombro,


ainda um tanto reflexiva.

— Aquela garota… Ela era bem bonita — comenta baixinho. —Talvez, se


eu não estivesse no caminho, seu lobo gostasse dela. — Arregalo os olhos diante
do seu comentário idiota. A fera dentro de mim, move-se colérica, capaz de
qualquer coisa para proteger a garota, que se encolhe dentro do meu casaco,
enquanto observa a floresta escura através da janela do veículo em movimento.

— Eu escolhi você, Vicky. — Acelero o carro, precisando chegar


urgentemente à Colina. — E se ainda tem dúvidas, não me expliquei direito. E
esse é um erro que farei questão de corrigir essa noite.
Há algo de errado comigo.

Avalio meu rosto pálido e cansado diante do espelho, após mais uma noite
de pesadelos e gritos. Nem mesmo as gotinhas amargas da Sra. Holloway têm
conseguido manter os lobos brancos ferozes — ou o lobo branco e aterrorizante —
longe dos meus pesadelos. Ainda que tenham desaparecido da face da Terra, eles
insistem em me atormentar, mesmo depois de tudo.

Claro que cogitei terapia, mas como explicar a alguém, o que aconteceu
comigo, sem ir parar em uma clínica de recuperação? Rio comigo mesma,
relembrando da minha conversa com Harper, quando cogitamos essa
possibilidade. Ainda é um pouco inacreditável, até para mim, como alguém de
fora poderia compreender o que aconteceu?

Quando a forte pontada de dor atravessa o meu ombro, mais uma vez,
agarro as extremidades da pia e travo a mandíbula, tentando não gritar. No
espelho, apenas uma cicatriz fina indica que o ferimento ali existiu. Droga!
Descanso a cabeça contra o azulejo gelado e respiro devagar, tentando me
recuperar de mais um episódio estranho.

— Vicky? — Kat chama do lado de fora, antes de bater à porta. — Está


tudo bem aí?

— Acho que cochilei por alguns segundos — minto e sei que fui bem
sucedida quando ouço sua gargalhada. — Se é que isso seria possível.

— Amiga, você e aquele seu namorado gostoso, parecem coelhos e não se


desgrudam — comenta. — E todo mundo sabe que quando passa a noite lá, dormir
não é exatamente o que vocês fazem, não é?

— Às vezes, é exatamente o que fazemos. — Abro a porta do reservado e a


encontro já arrumada para ir embora. — Harper?

— Outra que está perdida naquele pedaço de mau caminho delicioso. —


Pisca sonhadora. — Olha, eu não julgo. Toparia fazer diversas coisas ilícitas para
conseguir um momento a sós com aquele malvadão! Ele tem cara de quem
enforca, sabe? Com todo o respeito a Harper, claro.

— Limites, Katrina! — gargalho, enquanto seco as mãos.

— Jasper não tem tantas tatuagens e nem aquela cara de quem seria capaz
de decepar alguém, só porque pode, mas um macho rendido, também tem seu
apelo. — Sorrio. — Seja sincera, amiga! Aquele jogador tem uma pegada forte,
não tem?

— Sem cara de mau e nada de enforcamentos — comento, após ela fazer


um olhar suplicante, como nos desenhos animados. — Mas, ainda assim... Nossa!
E olha quem está falando! Mack e Eli...

— Não vamos falar sobre isso. — Minha amiga morde o canto da boca,
um sinal claro de quando está ansiosa.

— Kat... — Ela ergue a mão e foca em enfiar tudo seu dentro da mochila
de qualquer jeito.
— Não deu certo — responde, finalmente. — Eu não quero raízes, Vicky.
Meu sonho ainda é ir embora daqui e, me envolver de verdade com aqueles dois,
não é uma boa ideia.

— Mas os sonhos podem mudar, não é? — Apoio a mochila no ombro


bom e ela faz o mesmo.

— Claro que podem! — Ela se aproxima, vestindo um de seus casacos


coloridos e me abraça. — E eu fico feliz por você. Sabe disso, não é? Só não é
para mim. Vamos?

Sigo-a para o lado de fora e me deparo com Jasper, sentado na


arquibancada, rindo e conversando animadamente com Selena, enquanto aponta
para o caderno, no colo da garota.

Não seja tóxica, Victoria.

Algo dentro de mim discorda e munido de um sentimento muito


semelhante à raiva, se move, queimando-me de dentro para fora. Ando mais
devagar, respirando lentamente e tentando conter a reação exagerada que se
avoluma dentro de mim, inconstante e furiosa.

— Raio de Sol! — Jasper abre os braços, antes de me puxar para si e beijar


a minha boca, sem se importar que tenhamos plateia. Nada mais que uma pressão
leve dos lábios nos meus, mas que faz meu corpo inteiro relaxar.

Meu.

— Oi, Vicky. Kat. — Selena cumprimenta, um pouco sem graça, já


guardando suas coisas dentro da mochila. — Bem, é melhor eu ir. Vejo você
depois, Jasper. Até mais, meninas.

— Eu também preciso ir. — Kat revira os olhos quando meu namorado


acena para ela, mantendo-me presa em seu abraço.

— Nos falamos mais tarde — garanto a ela.


— Até mais, meninas! — Ainda sorrindo, ele acena, antes de virar meu
corpo em sua direção e voltar a me beijar, fazendo-me perder toda a noção de onde
estamos, quando desliza a mão pelo meu braço, antes de circular meu ombro e
encaixá-la firme em meu pescoço, apertando-o levemente, fazendo-me suspirar em
sua boca, quando deixa claro ter ouvido a nossa conversa idiota no banheiro. —
Eu posso ser o que você quiser, Raio de Sol. Basta pedir.

E o modo como me beija em seguida, me faz esquecer de tudo.

Não há passado, dor ou ciúmes.

Só nós dois.

As patas brancas afundam no chão úmido da floresta, mas a fera branca


não corre. Ergue a cabeça e fareja o ar algumas vezes, antes de seguir seu
caminho por entre as árvores, assustando alguns bichos pequenos que se
escondem por ali, evitando a sua presença perigosa.

“Está perto, agora.”

O lobo branco lambe a mandíbula larga e rosna baixo, tentando não


alertar a presa, que se move lentamente, pé ante pé, no chão enlameado pela
chuva da noite passada. Quando sua pata larga pisa sobre um graveto, o ruído
deixa a presa em alerta e, pronta para correr, ela olha ao redor, buscando pela
origem do som.

A criatura bestial se abaixa, escondendo-se nas sombras, fundindo-se à


neblina espessa que domina tudo ali, enquanto os olhos dourados dardejam por
toda parte, buscando pela ameaça escondida, quando uivos ao longe anunciam a
presença de um perigo ainda maior do que ser descoberto: A morte.
Lentamente, a fera recua e se esgueira pelas árvores mais frondosas, antes
de correr como o vento para longe dali.

“Falta pouco”

Abro os olhos, minhas mãos tateando o ar, com o grito de horror ainda
preso na garganta. Saio das cobertas e me aproximo da janela do quarto,
observando a rua tranquila e sem qualquer sinal do maldito perseguidor, ou de
algum dos lobos da cidade.

Antes de voltar para a cama, encaro a floresta enevoada mais uma vez e a
dor pungente em meu ombro se agrava, ardendo ainda mais forte do que nas outras
vezes, como se algo estivesse prestes a rasgar a pele, fazendo seu próprio caminho
para fora.

Acabou, Vicky.

Com as mãos tremendo, recorro ao elixir da Sra. Holloway e dobro a


quantidade de gotas por minha conta e risco, antes de voltar para baixo das
cobertas e fechar os olhos, desejando com todas as forças que eu consiga dormir
sem pesadelos dessa vez.

Na manhã seguinte, sentindo-me uma boba, espero minha mãe sair para o
trabalho e corro até a casa da velha senhora, olhando para os lados de forma
suspeita, como se estivesse prestes a fazer algo de errado. Bato na porta algumas
vezes, antes que uma garota de cabelos escuros e olhos muito verdes me atenda,
fico um pouco confusa, mas, logo, Olga Holloway entra na sala e sorri para mim.
— Você demorou mais tempo do que eu imaginava. — Ela sorri, assim
com a garota à minha frente, que dá um passo para o lado, deixando a entrada
livre. — Essa é Victoria Miller, a garota de quem falei antes, Mari — a mulher
comenta — Victoria Miller, essa é a minha neta, que passará um tempo comigo.

— Olá, eu sou Marisol Holloway. — A garota sorri, tímida. — Vou até o


meu quarto, tentar falar com a minha mãe, enquanto vocês conversam.

— Oi! É um prazer conhecê-la — cumprimento, notando o quanto seu


rosto fica vermelho.

— Algumas amizades começam exatamente assim! — A velhinha gargalha


sob o olhar sério da neta constrangida.

— Não posso discordar. — Sorrio. — Eu e a minha prima moramos com


a minha mãe no sobrado amarelo, um pouco mais à frente, e seria um prazer te
mostrar a cidade.

— Não se preocupe com isso — Olga Holloway estreita o olhar e estala a


língua — Chad Graymane filho já está sendo um guia muito solícito. — A garota
sorri, mas a avó não parece muito satisfeita. — Parece um carrapato.

— Vovó! Chad tem sido gentil — explica. — E…

— E ele parece um príncipe encantado — a velhota zomba. — Eu sei, eu


sei… Vou ter que me acostumar com isso. Bisnetos loirinhos! — estala a língua
mais uma vez, enquanto a neta se despede e some através do corredor estreito que,
provavelmente, leva aos quartos. — Agora, vamos conversar sobre você,
mocinha.

Como se me esperasse, duas xícaras, do que parece ser chá, fumegam


sobre a mesa de quatro lugares onde ela se senta, apontando para a cadeira à frente
da sua. Olho ao redor, observando a decoração colorida do pequeno sobrado,
semelhante ao nosso, antes de me deparar com os olhos espertos me analisando
com atenção.
— Conte-me, criança, o que há de errado? — Estreita os olhos quando, em
um gesto comum, nos últimos meses, aliso a parte de trás do meu ombro. — Está
ferida? — questiona, deixando a xícara na mesa e se levantando, caminha em
minha direção. — Você e Jasper Hill decidiram...

— Não. — Movo a cabeça de um lado ao outro, enquanto ela desliza a


mão calejada pelos meus ombros. Os olhos fechados, como se usasse outro sentido
para ver. — A ferida de antes... Talvez, a pomada tenha cicatrizado a pele, mas ela
siga aberta em meu interior. Só isso explicaria as pontadas de dor e... — engulo
em seco. — Não consigo esquecer o que houve naquela maldita noite. Ou dormir.

A mulher, vestida com um casaco de lã marrom e uma touca da mesma


cor, sobre um vestido claro, estala a língua, antes de suspirar pesarosamente.

— Você passou por muito... — acaricia meu cabelo, confortando-me. —


Aquele ferimento... Consegue se lembrar de como aconteceu?

Fecho os olhos e tento reorganizar a minha mente, desde o momento em


que acordei naquele cômodo empoeirado, nas ruínas Redmayne, até quando voltei
para ajudar Jasper e não os encontrei ali, a princípio. Mas, então, o peso das patas
pesadas em minhas costas, a dor e a sensação de queimadura no ombro. Conto
tudo à ela, desejando que ela possa me ajudar de alguma forma.

— O lobo branco que a atacou... — pondera por um minuto. — É com ele


que tem sonhado?

Confirmo, engolindo em seco, relembrando do pesadelo da noite passada,


em que ele perseguia outra pessoa. Selena. E ali está, a sensação feroz e incômoda
se movendo dentro de mim, furiosa.

— Entendo. — Aparentando estar cansada, ela volta a se sentar. Sem


sombra de sorriso em seu rosto dessa vez, enquanto resmunga consigo mesma. —
Os Miller tem muita história com os lobos e talvez, isso conte para algo, no fim
das contas.
— Sra. Holloway? Não entendo... Se pudesse... Talvez, haja algum
remédio que ajude a cicatrizar logo esse ferimento?

— Podemos tentar — beberica mais do chá e espera até que eu faça o


mesmo, para continuar a falar. — Mas, apenas, se prometer me procurar, caso
piore.

— Tem a minha palavra — prometo, mas ela volta a olhar para a xícara e
me encara, esperando que eu tome o resto do chá quente, sem um gosto definido.
Apenas algumas folhas mergulhadas em água fervente.

Assim que acabo de beber praticamente toda a água, deixando apenas a


borra das folhas no fundo, a mulher toma a xícara das minhas mãos e analisa o
interior do copo por alguns minutos, resmungando coisas ininteligíveis de vez em
quando.

Seus olhos claros e leitosos encontram os com meus, quando ela agarra
uma de minhas mãos que descansava sobre a mesa, no que parece ser uma
tentativa de acalento.

— Você é mais forte do que imaginam — declara, ainda olhando fundo em


meus olhos. — Nem sempre, escolhemos nossos destinos. Algumas pessoas têm
essa sorte, outras aprendem a jogar com as cartas que têm na mão.

— Não sei se sou boa jogadora. — Ela pressiona sua palma contra a
minha.

— Descobriremos em breve, minha criança. — Seu tom de voz se torna


agourento — Mas não se preocupe, sempre podemos aprender novos truques.
Ainda mais quando somos tão jovens.

E tudo o que eu queria era uma pomada nova.


Com a arma em mãos, deixo minha mãe em um esconderijo e subo as
escadas antigas correndo, na urgência de ajudar Jasper a lutar contra o ser
irracional que meu pai se tornou. Não. Aquele homem, se é que posso chamá-lo
assim, não merece esse título. Ele nos trouxe aqui para nos matar.

Porém, quando chego ao quarto que um dia pertenceu a uma família


tradicional da cidade, não os encontro em parte alguma. O rosnado rasga o ar e
não consigo sequer me virar para vê-los, quando sinto as garras se afundarem em
meu ombro, enquanto rolo para o chão, desviando por pouco das duas feras que
lutam entre si.

O lobo branco mostra os dentes, enquanto escapa do ataque do lobo de


pelos marrons, que rosna em aviso à sua proximidade comigo. Mas ele não parece
se importar. O olhar em seu rosto lupino é zombador. Quase como se estivesse
rindo de mim.

Dessa vez, não grito. Apenas seguro com força o braço esquerdo, senti-o
latejar de dor, enquanto meu ombro arde como se alguém houvesse ateado fogo
ali. Quando a dor passa, finalmente, rolo entre os lençóis da minha cama,
buscando coragem para enfrentar mais um dia nessa TPM terrível, que só vem
piorando ao longo dos dias.

— Posso desejar um bom dia? — Harper provoca, assim que desço as


escadas, já vestida para enfrentar mais um dia de aula.

— Bom dia, Moonzinha. — Beijo o topo de sua cabeça, de repente,


sentindo-me grata e feliz por tê-la aqui.
Que droga.

— Ela está de volta! — grita para a cozinha vazia, já que minha mãe deve
ter saído bem cedo, nessa manhã. — Toquem os sinos! É um milagre! Meus
incensos funcionam e arrasam muito!

Desde que chegou aqui, minha prima se tornou a louca dos incensos.
Talvez, seja algo que aprendeu com tia Marianne. Vai saber. Sirvo-me de um
pouco de café e mal me sentei à mesa, quando ela bate na superfície de madeira,
como se tivesse compreendido algo importantíssimo.

— É a festa, não é? — acusa. — Vicky! Se fosse só isso, eu teria


implorado para os meninos fazerem festas todos os dias! Lembrou-se de levar o
convite para a vizinha nova? Quem sabe ela também encontra um lobinho? — e,
então, ela para, pensativa de repente. — Embora, eu ache que ela combina com
Chad. Ele realmente merece uma chance.

— Harper! E você está exagerando — retruco, passando geleia na minha


torrada. — É só uma TPM.

— Não, priminha. É tipo o megazord das TPM’s. — Ela faz um biquinho


triste, enquanto fecho a cara. — E eu vou parar com esse assunto, porque
queremos boas vibrações, certo? Vou me vestir para as aulas e já volto, ok?

Mordo a minha torrada, enquanto encaro a cozinha vazia e tento vencer o


cansaço das inúmeras noites mal dormidas.

A grade do curso de Direito é pesada. Eu sempre soube disso, mas, agora,


mal consigo lidar com a quantidade de textos e artigos que preciso ler e escrever,
ou pesquisar. Eu dormi na aula de Direito Penal, pelo amor de Deus! O que anda
acontecendo comigo?

Eu não sou assim.

Saio da aula antes que ela termine e corro em direção ao banheiro, para
lavar o rosto e me preparar para o jogo e a tal festa. Minha única alegria é saber
que as noites com Jasper são mais tranquilas e eu durmo melhor. Ou, pelo menos,
é como costumava ser.

— Vicky? — Kat chega pouco depois, enquanto estou jogando água no


rosto, usando um agasalho amarelo. — O que aconteceu?

— Eu só precisava lavar o rosto. — Jogo um pouco mais de água fria,


esperando me sentir mais desperta, porém, meu ombro escolhe esse momento para
uma de suas pontadas cruéis e me curvo imediatamente contra a bancada, com um
grunhido de dor.

— Meu Deus, Vicky! — Kat grita, amparando-me enquanto tento aguentar


mais um episódio de dor excruciante. — Harper? Sou eu. Estamos no banheiro e a
Vicky... Tem algo de errado! Por favor!

Kat me ajuda a ficar de pé, conforme mantenho os olhos fechados e travo o


maxilar, tentando conter a dor intensa que se espalha por minhas veias em uma
velocidade incrível. Ouço quando a porta do banheiro bate contra a parede
contrária e não preciso abrir os olhos para saber que Harper, dona dos passos
apressados em minha direção, não está sozinha.

A combinação deliciosa de lavanda e pinheiros, do meu namorado, toma


conta de todo o lugar, deixando-me extra-consciente de sua presença.

— Vicky? O que aconteceu? — minha prima é estudante de medicina, e


sinto seus dedos pressionarem o ponto que pulsa fracamente em meu pescoço,
medindo minha pulsação, enquanto os braços fortes e quentes me puxam para si,
liberando Kat do meu peso. — A pressão dela está baixa, mas normal. — Declara,
após alguns minutos e abro os olhos devagar, à medida que a dor vai cedendo.
Observo Jasper através do espelho e, talvez seja efeito da exaustão, mas ele
parece ainda mais bonito, vestindo a jaqueta vermelha do time sobre a camiseta
escura, enquanto me encara sério e preocupado, antes de me pegar no colo com
uma facilidade constrangedora.

— Kat, avise ao professor que Vicky não estava se sentindo bem e achou
melhor ir para casa — o tom de sua voz deixa claro que não permitirá discussões.

— Jas, não... Tem o jogo e o squad precisa de mim e... — murmuro contra
o seu peito, sem forças para sair dali, sentindo-me absurdamente cansada de
repente.

— Harper, poderia levar as coisas dela para a Colina? — ignora-me


totalmente enquanto me carrega em direção à saída, sem esperar por resposta. O
som de seus passos e o eco das vozes vão se misturando dentro da minha cabeça
confusa, até que tudo escureça.
Sentado na poltrona no canto do quarto, eu a observo dormir de forma
pesada, esparramada em meus travesseiros. Caralho! Reflexo da lua cheia ou não,
meu coração quase parou quando a vi naquela merda de banheiro mais cedo,
sendo praticamente carregada por Kat, que parecia quase tão apavorada quanto eu.

Estar, naquele momento, conversando com Ash e Harper sobre a festa na


Colina e o retorno de Chad Graymane à cidade, entre as aulas, foi uma puta
coincidência — e sorte. Correr até o banheiro e encontrá-la ofegante de dor e
praticamente desmaiando de exaustão, uma tortura. Ser praticamente chutado para
fora do quarto por Kat, Harper e Ash, mais cedo, a porra de um castigo.

Jogar a porcaria das semifinais disperso e desesperado para voltar para


casa, foi uma das coisas mais difíceis que já fiz em toda a minha vida. Mas, ainda
sim, ganhamos a porra do jogo e mal tomei banho, antes de sair pilotando a minha
moto feito um maluco, de volta para a Colina. Embora Kat tenha garantido que a
amiga seguia dormindo como uma pedra.
Agora, observando-a enquanto ouço a festa de comemoração, que não
permiti que adiassem, sigo velando o sono pesado e inquieto da loirinha, que se
debate de tempos em tempos, arquejando pedidos de socorro ou chamando o meu
nome. Como acaba de fazer agora. É instintivo ir até ela, mas, seguindo as ordens
de Harper — a futura médica entre nós — não faço mais do que dar um beijo leve
em sua testa, incapaz de não fazê-lo.

— Estou aqui e não irei a lugar algum — garanto a ela. — Descanse. — E


quando seu rosto assume uma expressão de choro, emendo: — Já passou, Raio de
Sol.

— Cara, você não parece bem — Eli dispara, do sofá, quando passo por ele
com a bandeja que preparei para a dorminhoca, a caminho da cozinha. — Vicky
está se sentindo melhor?

Após muita insistência, Vicky se alimentou bem, antes de decidir tomar um


banho na suíte do meu quarto, para espantar a moleza do corpo. Harper aferiu sua
pressão e, só após garantir que a prima estava bem, consegui sair de lá. A lua cheia
nos torna extremamente protetores e isso não é segredo para absolutamente
ninguém.

— Está no banho. — Encaro a bandeja praticamente vazia. Do lado de


fora, a festa alcança seu auge, pelos gritos e música alta. — Não deveria estar lá,
curtindo?

Eli desvia os olhos para a janela e, então, para mim.

— Kat acha que está entre nós. — Definitivamente, alguém cismou que eu
sou a porra de um especialista em relacionamentos. Até bem pouco tempo, tudo o
que eu sabia fazer era sofrer. — Mack e eu.
Como se eu não soubesse.

— E ela está? — Se há algo que aprendi, nesse pouco tempo de guru/lobo,


é que, normalmente, responder com perguntas ajuda.

— Não — desaba sobre a almofada em seu colo. — Ela quer liberdade e,


aparentemente, nós vamos prendê-la.

— E não vão? — e tome mais uma pergunta.

Elijah pondera, seus olhos muito claros, avaliando as luzes coloridas


piscando através da janela, na parede da sala, enquanto me sento ao seu lado.
Alguns minutos de privacidade não farão mal à Vicky e nem a mim. Deus sabe
como a lua cheia nos deixa suscetíveis à tentação.

— Porra, você tem razão. Ela também. — Suspira pesarosamente. — Além


disso, embora eu goste dela, meu lobo ainda não se decidiu. Não totalmente, pelo
menos. — Anuo, apoiando a bandeja no encosto estofado, atrás de mim, e
segurando firme em seu ombro. — Obrigado, Jas. Sempre ajuda conversar com
você.

Ele diz, antes de se levantar e voltar à festa, deixando-me novamente


sozinho na sala. Já tem algum tempo desde que Ash achou melhor deixar a porta
fechada, para impedir que ataquem a despensa ou transem sobre o tampo da mesa
onde fazemos nossas refeições e algumas reuniões estratégicas. Volto a pensar na
expressão satisfeita de Eli ao sair de casa com meus “conselhos” e rio de mim
mesmo.

— Caralho, eu sou mesmo bom nisso! — Jogo a cabeça para trás,


gargalhando.

— É mesmo? — a pergunta vem, assim que sinto o cheiro do meu


sabonete misturado à sua essência deliciosa. E o quanto isso agrada à fera
territorial dentro de mim, não é passível de explicação. — Em que meu namorado
é tão bom? Posso saber?
Você pode tudo, Victoria Miller.

Eu ficaria feliz em te mostrar qualquer coisa.

Vicky se aproxima, e puxando-a pela mão, beijo seu punho, antes de inalar
seu cheiro e trazê-la para mais perto de mim, acariciando os cabelos molhados e
enlaçando-os entre os meus dedos.

— Como está se sentindo? — Trago-a para o meu colo, mantendo-a


apoiada em minhas coxas. Definitivamente, a sala é um lugar muito mais seguro
do que o meu quarto nesse momento.

Maldita lua cheia.

— Descansada — responde, ajeitando-se no meu colo, um joelho de cada


lado do meu quadril, suspirando baixinho ao sentir o que a sua simples aparição
faz comigo. — Foi só exaustão, Jas. Eu estou bem agora.

Vicky desliza a boca pela lateral do meu rosto, seus dentes arranhando a
minha pele, antes de espalhar alguns beijos em meu pescoço, enquanto aperto
firme a sua cintura e fecho os olhos, desfrutando da eletricidade do seu toque.
Quando ela fricciona o corpo no meu, não consigo resistir mais e beijo sua boca
com cuidado. Aprofundando o contato de forma lenta, sentindo seu gosto
misturado ao sabor mentolado da pasta de dente, explodindo em meu paladar e me
deixando completamente alucinado por mais.

Sem parecer se importar com a movimentação do lado de fora, Vicky deixa


o corpo pesar sobre o meu, afundando a língua em minha boca, enquanto agarra
forte a minha nuca, esfregando-se no meu colo ao mesmo tempo que minhas mãos
deslizam da cintura fina para sua bunda redonda, engolindo os gemidos baixos em
minha boca, sempre que aperto a carne macia com mais força. Forço o seu centro
contra o meu pau, à medida que liberto a sua boca e deslizo os dentes pelo seu
pescoço, observando-a inclinar a cabeça, facilitando o meu acesso.

Mordo e chupo a carne macia, antes de erguer o rosto e fisgar seu lábio
inferior entre os meus dentes, em uma provocação clara, antes de subir minha mão
direita por seus braços, encaixando-a em seu pescoço e fazendo-a engasgar
levemente pela surpresa.

— Você passou mal essa tarde, Raio de Sol... — murmuro contra a sua
boca, quase uma súplica.

— Jas... Eu preciso de você! — Rebola em meu colo, levando minha mão


de volta ao pescoço fino. O gemido baixo que deixa seus lábios, quando volto a
fechar a mão ali é minha perdição.

— Porra, sabe o quanto é difícil negar algo a você? — rosno, praticamente


dentro da sua boca, enquanto volto a beijá-la.

Dessa vez, sem lentidão ou cuidado. Apenas necessidade, desejo e


devoção. Estamos tão perdidos um no outro, quando nos levanto do sofá, suas
pernas envolvendo a minha cintura com firmeza, enquanto seguimos em direção
às escadas, que não nos importamos com o som das xícaras e copos se espatifando
no chão da sala.

— A bandeja! — a minha loirinha exclama, entre os beijos, mas não me


importo. E, quando ela cruza os braços na minha nuca, mal consigo pensar.

— Que se foda! — resmungo, beijando Vicky mais uma vez, antes de


sentir seu corpo enrijecer e notar o olhar estreito que ela lança para a garota que,
sem graça, desce os últimos degraus da escada que leva ao segundo andar,
passando por nós — Selena? O que faz aqui?

— Eu vim procurar por você — responde rapidamente, enquanto mantenho


Vicky à minha frente, ocultando a minha situação delicada. — Ash pediu que eu
te encontrasse com urgência.

— E decidiu vir até ao quarto dele? — Vicky debocha, e então olha para
mim. — Será que ele perdeu o seu telefone, Jasper?

Talvez, ele não tenha perdido, mas eu esqueci a porra do telefone em


minha cômoda, antes de descer para levar a merda da bandeja.
— Ele disse que Jasper deveria estar no quarto, então, vim direto para cá.
O recado está dado. De nada. — Selena dá de ombros e passa por Mack, que acaba
de subir a escada. A desconfiança em seus olhos, quando passa pela garota, que
revira os seus, antes de se afastar.

— O que ela fazia aqui? — Ele aponta para o local onde ela desapareceu.
— Ash tá dando chilique lá embaixo e Chad está tentando resolver a merda toda,
mas não teve muito sucesso.

— Merda. Me dá um minuto? — peço, já puxando Vicky para dentro do


meu quarto.

— Cara, você é rápido, mas nem tanto — Mack comenta do outro lado. —
Não aceite menos do que merece, Vicky!

— Babaca! — Ergo o dedo do meio para a porta, bem ciente de que o


idiota não pode ver, mas ele gargalha do outro lado, como se tivesse visto. Procuro
pelo meu celular e encontro quase dez chamadas não atendidas, entre Ash e
McGraff. Merda de trabalho do caralho. — Eu volto logo. Prometo. — Abaixo a
minha cabeça para beijá-la, mas Vicky se afasta. — Ei, o que foi?

— Há algo de errado com essa garota — avisa, os braços cruzados no


peito, o rosto sério. — Não confio nela.

— Eu preciso ver o que tá rolando lá embaixo e volto logo, ok? — E dessa


vez, quando beijo a sua boca, ela me corresponde, com igual desejo e paixão. E
saudade.

Lua cheia do caralho.


Não demoro muito a resolver a discussão entre os universitários idiotas,
torcedores do outro time e tive que ir até à Fazenda, recepcionar outro grupo de
recém-chegados que acabara de ser acolhido e que precisaria de ajuda extra com
seus pertences.

Em sua defesa, Ash lida com o pior — toda a responsabilidade de decidir


sobre a vida de todos ali, é sua. Quem fica e quem deve partir e tudo mais, pesa
sobre a cabeça do meu melhor amigo que, a cada dia mais, tem se transformado
em um líder justo e honesto.

E mal-humorado, e mandão para um caralho.

— Você deveria ir pra casa — o babaca comenta, sentado na porcaria de


uma cadeira de escritório velha. — Eu iria, se pudesse.

— Estou indo, só vim me despedir. — A lua cheia ilumina quase todo o


pátio florido e a pequena vila, que cresce mais a cada dia, nessa nova fase, que
significa uma vida nova para todos nós.

— Porra de lua cheia — Liam Ashbourne rosna, batendo a mão na mesa.


— Enquanto fico preso aqui, no meio dessa papelada idiota, a minha Lua me
espera naquela merda de cama vazia. Você tem sorte, Jas.

Parado à porta, sorrio ao ver Harper Moon, a tal Lua dele, aproximando-se
de onde estamos. E pelo modo como ele puxa o ar, Ash acaba de descobrir isso e
parece mais do que feliz, nesse momento.

— Não, irmão — sorrio para ele, antes de cumprimentar Harper com um


aceno. — Nós temos sorte. Até mais.

Não olho para trás, apenas acelero minha moto para longe dali, a caminho
de casa.

Assim que chego à Colina, a festa já dá sinais de estar terminando e os


casais se pegando, em cantos escuros, disparam a adrenalina dentro de mim. Torço
o pescoço um par de vezes e entro em casa, o sofá ocupado por duas garotas do clã
que se beijam sob o olhar intenso de Mack, que assiste tudo à distância e sequer se
dá conta de que estou aqui.

Subo as escadas, sendo tomado pelo cheiro delicioso de patchouli, lírios e


baunilha. Porém, há algo mais. Picante, intenso. Desafiador. Abro a porta em um
rompante, de repente, preocupado de que haja alguém à espreita, tentando levá-la
para longe.

Mas tudo o que vejo ao abrir a porta é Victoria, seus cabelos espalhados
pelas travesseiros, enquanto observa a lua gigante através da janela aberta, como
se estivesse hipnotizada com a visão.

Como estou agora, olhando para ela.

Tranco a porta atrás de mim, sem desviar meus olhos da cena. Desde os
cabelos loiros caindo em suas costas estreitas, os seios empinados sob o tecido
fino da camisola branca, que reflete o brilho do luar, fazendo sua pele clara e
macia reluzir.

Tiro os tênis, as meias, a camiseta e a calça, deixando tudo espalhado pelo


lugar enquanto me aproximo devagar, o colchão cede sob o meu peso e um suspiro
entrecortado, pela antecipação, escapa de seus lábios cheios, enviando uma
mensagem diretamente para o meu pau. Aproximo-me mais, colando meu peito
contra as suas costas, notando sua pele se arrepiar quando corro minhas mãos
pelos seus braços, antes de alcançar seu seio esquerdo e massageá-lo lentamente
ao mesmo tempo que minha outra mão desliza pelo tecido macio, traçando seu
umbigo e procurando pelo pano da calcinha e sentindo-me pulsar contra seu corpo
ao encontrá-la totalmente nua e encharcada.

Porra.

— Eu devo ter feito algo de muito bom nesta vida, para merecer você,
Raio de Sol — murmuro em seu ouvido, ao mesmo tempo que deslizo a mão entre
suas pernas, sentindo-a tão molhada contra os meus dedos, que não hesito em
roçar sua entrada com eles, ouvindo-a gemer baixinho, enquanto mordo o lóbulo
da sua orelha e tomo a sua boca na minha.

Vicky encerra o beijo e se afasta, enquanto se move na cama. Suas íris,


normalmente cor-de-mel, mais escuras do que nunca, quando se vira para mim,
ajoelhando-se à minha frente, enquanto suas mãos correm livremente pelo meu
tronco, o desejo cru, evidente em cada movimento seu, me deixa ainda mais duro e
necessitado.

Se essa garota soubesse o efeito que tem sobre mim.

Suas mãos alisam o volume evidente em minha cueca e eu ofego, jogando


a cabeça para trás, engasgando com o ar quando Vicky me segura, libertando o
meu pau enquanto sua mão morna sobe e desce em movimentos lentos, mas com a
pressão certa para arrancar um gemido rouco da minha garganta.

— Meu — murmura baixinho, quando aumenta o ritmo da masturbação.


— Você é meu, Jasper Hill.

E, então, recua e inclina o corpo, empinando a bunda gostosa para trás


enquanto aproxima sua boca do meu pau. Caralho. Quando sua língua lambe a
minha extensão, perco as palavras e apenas enfio as mãos em seus cabelos
dourados à medida em que ela me engole, levando-me ao fundo da garganta,
arrancando um rosnado do meu peito quando sinto a vibração de sua risada em
mim.

Eu morri e fui para o céu. É isso.

Desesperado, tento me refrear para não acabar antes mesmo de começar,


mas resistir ao toque molhado e aveludado de sua boca é algo impossível. Seguro
mais firme em seus cabelos, gemendo baixo enquanto ela chupa mais forte,
aumentando o ritmo, me enlouquecendo aos poucos, enquanto rosno como a fera
que realmente sou.

— Vicky — gemo, estocando sem conseguir me conter, em sua boca. —


Caralho de mulher gostosa! — Seguro ainda mais firme em seu cabelo, erguendo
o seu corpo e, trazendo-a para mim, chupo sua língua com desespero, sentindo o
meu gosto misturado ao seu, em um coquetel inebriante e intenso.

Perdição.

— Minha! — Seguro firme em um dos seios empinados, massageando


com força os mamilos, ao mesmo tempo que meus dedos esfregam seu clitóris em
movimentos firmes, fazendo-a gemer com a testa colada à minha.

— Jasper... — Vicky me joga na cama, escalando o meu corpo, antes de


me encaixar em sua entrada e descer sobre mim, jogando a cabeça para trás, até
que começa a se mover.

Porra! Apesar da sensação abrasadora de estar afundado em seu calor, não


consigo fechar os olhos. Não posso perder a expressão de lascívia em seu rosto
angelical, enquanto ela sobe e desce o quadril, fodendo totalmente com a minha
sanidade.

Retomando o controle, sento-me na cama, devorando sua boca com


ganância, agarrando-a contra mim, enquanto impulsiono o seu corpo para o meu,
atento a cada movimento desse encaixe perfeito, que nos leva ao limite rápido
demais. Quando atinjo o fundo, mais uma vez, Victoria grita, seu corpo me
apertando com força, os espasmos de seu orgasmo me levanto à loucura, quando
sua boca alcança o meu ombro e, de forma surpreendente e primitiva, Victoria
Miller me morde ali. Seus dentes, firmes em minha carne, decretam o fim do meu
autocontrole. Um rugido alto irrompe do meu peito e faz as janelas tremerem,
enquanto o calor que se espalhava em meu sangue, se avoluma em minha espinha
e eu gozo, libertando-me em seu calor, perdido na satisfação selvagem de sua
marca em meu ombro.

Minha escolhida.

O perfume, que é um misto de lavanda e lírios, espirala pelo ar e toma


conta do cômodo inteiro. Caralho! Eu poderia uivar nesse momento. Uma
combinação perfeita, cunhando o nosso vínculo, tornando-o muito mais forte e
definitivo do que a reivindicação, selando meu destino para sempre. Por ela, eu
viveria e morreria, como tem que ser. Como eu sempre soube que seria.

Ainda escondida em meu ombro, que lateja de forma deliciosamente


incômoda, por causa de sua mordida, Vicky ri baixinho. Sua respiração fazendo
cócegas em meu pescoço, levando meu corpo a reagir imediatamente, desejando
mais.

— Me desculpe — murmura, alisando o ponto dolorido em meu ombro,


possivelmente, analisando os estragos que seus dentes fizeram.

— Por ter me marcado? — Sorrio, afastando-me apenas o bastante para


que possa vê-la. — Eu sempre escolheria você, Victoria Miller.

— Eu te escolho todos os dias, Jasper Hill. — Seus lábios se esticam em


um sorriso luminoso.

— E isso é tudo o que importa — repetiria essas palavras por todos os dias
da minha vida.
Há algo sobre esperar o momento certo, que os que se dizem mais
corajosos não entendem. Não é sobre covardia, como gostam de apontar, mas
sobre a hora certa de agir. Em silêncio, eu planejei e agi, traçando o caminho que
me levaria exatamente aonde eu queria chegar.

Após a queda dos malditos lobos brancos, esperei. Lapidando meus planos
e, no ódio mútuo e na ganância alheia, forjei uma aliança inesperada, mas bastante
promissora.

Os traidores de sua própria raça não prevalecerão. Que sorriam, celebrem e


baixem sua guarda, tomados por essa sensação estúpida de invencibilidade. O
maldito clã de Silent Grove não perde por esperar. Com um Alpha ou não,
sucumbirão à força e, então, finalmente, dominaremos.

Das sombras, eu esperei pelo meu momento. E agora, é só questão de


tempo, até tomar o que é nosso e fazer as nossas leis valerem.
Com o coração apertado e um tanto preocupada, espero por Jasper em seu
quarto, sentindo-me uma boba. Ao mesmo tempo que não suporto os olhares que
alguns integrantes do clã lançam-me, sempre que nos veem juntos. Como se fosse
algo errado.

Apesar de Ash ter deixado muito claro o posicionamento do clã, com


relação aos relacionamentos entre os outsiders e os lobos, algumas famílias mais
tradicionais ainda não se habituaram à nova realidade. A raiva que invade meu
corpo, ao imaginar o quanto Jasper e os outros sofreram, nas mãos dos idiotas de
Silent Grove que pensavam igual a essas pessoas, quase me sufoca, mas respiro
fundo, tentando manter minha expressão neutra, quando Harper entra no quarto de
Jasper, alisando o vestido vermelho midi e justo, combinando com a cor forte do
batom em sua boca.

— Aceitável? — Gira no lugar, ainda de chinelo nos pés e o cabelo preso


em um coque improvisado.
— Você tá linda, Moonzinha! — Solto o elástico que segura os fios
escuros e arrumo o seu cabelo, ajeitando-o, enquanto cai em ondas pesadas por
suas costas. — E vai ficar ainda mais linda com os sapatos. Algo me diz, que Ash
não vai conseguir ficar muito tempo nessa festa.

Minha prima gargalha, antes de suspirar, triste, encarando os pés.

— Eu realmente espero que esse vestido faça o trabalho dele. — Pisca para
mim, ajeitando meu cabelo atrás da orelha. — Você parece cansada, Vic. Tá tudo
bem?

— Estou melhor. — Abro meu melhor sorriso. Mentirosa. — O tempo


resolve tudo, não é?

— Acho que sim... — Harper segura firme a minha mão e nos encaramos
no espelho. Meu vestido preto, contrastando com meus fios loiros e o corte mais
rodado da saia me deixando com um aspecto romântico e elegante, enquanto ela
encarna a versão Femme fatale da Chapeuzinho Vermelho. Uma brincadeira
constante entre ela e o namorado. E Mack, é claro.

Um assobio alto interrompe a nossa divagação silenciosa e, logo, o sujeito


em questão, vestindo um terno sobre uma camisa estampada com o chewbacca e
calça jeans, se aproxima de nós, seu perfume forte e sensual tomando conta do
cômodo, quando ele abraça nossos ombros.

— Preparadas para escandalizar os velhos costumes? — Sorri para o


espelho. — Vocês são nossa família e parte desse clã — a voz de Mack soa
estranhamente séria. — Qualquer um de nós, não pensaria duas vezes antes de dar
a vida por vocês, então, não abaixem a cabeça para ninguém. Mostre a eles, quem
é a nossa rainha, Intrépida Lawson. E, você, Loirinha, seja apenas você. É
impossível não te ver e não gostar de você.

Os holofotes estarão todos sobre a minha prima e não consigo sequer


imaginar a pressão. Sorrio para nossos reflexos e, então, beijamos o rosto de
Mack, ao mesmo tempo que nossos respectivos pares nos encaram da porta.
— Talvez, castração resolva — Liam Ashbourne afirma, ao lado de Jasper,
que mantém a mesma expressão furiosa no rosto, embora seus lábios estejam
levemente erguidos no canto, ao contrário de Ash, cujos olhos deslizam de forma
quase obscena pelo corpo de Harper.

— Concordo plenamente — responde ao irmão, mantendo sua atenção


sobre Mack.

— Alan Mackenzie Blackmoon? Uma palavrinha — Ash convoca e seu


amigo beija o topo de nossas cabeças, antes de segui-lo para fora dali.

— Humm, nome completo — Mack finge tremer de medo. — Até daqui a


pouco. Lembrem-se do que eu disse.

Mack se afasta com uma piscadela e seu sorriso de sempre e, nesse


momento, eu entendo quando Kat disse que o charme de Mack é irresistível.

— Nos vemos daqui a pouco, Raio de Sol. — Jasper pisca para mim e se
afasta, junto aos outros.

— Sapatos, então — minha prima suspira ao meu lado, sacudindo os


dedinhos curtos dos pés.

— Sinto muito? — sorrio, e ela beija meu rosto, antes de sair porta afora,
reclamando.

Termino de me arrumar e vou até a janela, onde espio os preparativos para


a recepção aos recém-chegados, que acontecerá no andar de baixo, sem muita
vontade de participar, apesar do discurso de Mack. O fluxo de pessoas na área de
festas aumenta, entre fornecedores e alguns convidados que entram e saem da
propriedade dos Ashbourne, enquanto Wolf, o rottweiler mais tranquilo do mundo,
dorme sob a guarita que leva ao chalé, onde dormimos várias vezes, desde que
ficamos juntos.

A lembrança deliciosa faz meu ventre se contorcer e meu corpo se acender,


desejoso. Pensar nos toques quentes de Jas e de sua boca em mim, faz-me suspirar,
enquanto pressiono uma perna na outra, sem conseguir me conter.

Não vá por esse caminho, Vicky.

Algumas famílias do clã chegam e se acomodam pelo gramado, a maioria


sorrindo e conversando animadamente. Mas, então, eu a vejo. Sob a proteção do
telhado da área de festas, em meio à decoração colorida, está a família Darkfur e,
com eles, Selena, que me encara com uma expressão insondável. Como se
estivesse me medindo, antes de desaparecer em meio às pessoas.

Há algo de estranho nessa garota.

Sem ter muito o que fazer, ligo a televisão e me sento na cama, zapeando
pelos canais, enquanto tento distrair a minha mente ansiosa e espero meu
namorado resolver, seja lá o que for dessa vez, e vir me buscar, para enfrentar os
novos lobos do clã.

No fim das contas, o tal evento nem foi tão ruim quanto imaginávamos.
Possivelmente, por causa do Alpha, agarrado à sua noiva o tempo todo, deixando
muito claro a todos, que qualquer comentário maldoso sobre o envolvimento com
outsiders — forma como alguns lobos chamam a quem não corre pela floresta
sobre as quatro patas — não seria tolerado.

No final da noite, uma Sra. McGraff um pouco bêbada, chegou até mesmo
a nos cobrar por lobinhos, para tomar conta, o que fez Jasper se engasgar e Ash
arregalar os olhos e recuar um passo para longe de Harper. Homens, às vezes, são
tão imaturos.

— Raio de Sol? — Jasper chamou, horas mais tarde, enquanto eu


cochilava em seu peito. — Naquele dia... Quando nós...
— Eu tomo remédio, Jas. — Sorrio em seu peito, antes de levantar meu
rosto para encará-lo, quando suspira aliviado. — Além disso, eu era virgem, antes
de você, então...

— Sexo seguro sempre foi meu lema. — Fecho a cara e ele bate o
indicador na ponta do meu nariz, sorrindo. — Até você aparecer e me fazer perder
a cabeça completamente. — E então, coça a garganta, um tanto desconfortável e
parecendo meio ansioso — Sobre filhos... Você já pensou a respeito?

Sorrio ao ver sua pele bronzeada corar levemente, enquanto seus olhos me
encaram com expectativa.

— Sempre sonhei em ser mãe — Jasper respira aliviado, estreitando os


braços ao meu redor e beijando o topo da minha cabeça. — Mas fiquei curiosa... E
se eu não tivesse essa pretensão?

— Então, seríamos só nós dois, até o fim. — Dá de ombros, apesar da dor


evidente em seus olhos. Nego brevemente, desviando o olhar, um pensamento
intrusivo sobre a impossibilidade de gerar herdeiros, se formando em minha
mente. — Ei, volte aqui. Tudo de que preciso é você, Victoria.

— Hoje, quando temos muito tempo à frente — o amargor em minhas


palavras chocando até a mim mesma.

— E amanhã e sempre. — Jasper nos vira na cama e se encaixa entre as


minhas pernas. O toque apaixonado da sua boca, silencia todas as dúvidas que
giram dentro da minha cabeça.

Por enquanto.
No banheiro de casa, encaro no espelho as bolsas arroxeadas embaixo dos
olhos e suspiro cansada. Mais uma noite recheada de pesadelos, onde o maldito
lobo branco persegue a mim na floresta. Meu interior se agita instantaneamente, a
sensação estranha de que algo está fora do lugar, toma conta de mim enquanto
meu ombro lateja levemente.

Droga.

Agitada, termino de me maquiar — apenas corretivo e um pouco de blush


e máscara de cílios — ainda com o coração martelando, acelerado no peito e o
corpo estranhamente quente, como se estivesse febril.

O que está acontecendo comigo?

Assim que deixo o banheiro, encontro Harper em minha cama, com sua
bolsa jogada ao seu lado, enquanto digita, freneticamente, algo em seu celular. A
fumaça doce dos incensos em seu quarto, tomando conta de tudo no segundo
andar da casa, fazendo meu estômago revirar de forma desagradável.

— Vic? Você tá bem? — Ergue os olhos quando me vê apoiada na moldura


da porta, tonta de repente.

— Não consigo... respirar direito — admito, puxando o ar, tentando


recobrar o fôlego. — Meu coração...

Estou hiperventilando, enquanto o mundo gira ao meu redor de forma nada


natural.

— Tudo bem. — Os braços magros, mas firmes, logo estão ao meu redor.
— Parece ser uma crise de pânico. Está tudo bem, Vicky. Respire comigo. Inspire.
Respire. — Tento imitá-la, sentindo o corpo todo tremer descontrolado. — Isso.
Inspire. Respire.

Aos poucos, vou recobrando a consciência e minha respiração normaliza.


Harper me abraça forte e avisa que vai buscar um calmante fitoterápico em seu
quarto. Não demora muito, ela retorna e me entrega, junto ao copo de água, à
medida que meu corpo relaxa, estabilizando-se aos poucos com o passar do tempo.

O que está acontecendo comigo?

O remédio da minha prima é algo milagroso — constato, enquanto pulo


animada durante o treino, sob seu olhar preocupado. Apesar da tal crise de pânico
mais cedo, não faltei às aulas da manhã e, como estava me sentindo bem, apesar
de ainda estar meio febril, decidi participar do treino, e não me arrependi.

Meus movimentos estão impecáveis, como sempre, e a animação da rotina


de exercícios está me fazendo bem — foi o que eu disse a ela, quando me
perguntou mais uma vez como estava me sentindo. Quando o time de futebol
americano começa a chegar da academia, para o treino desta tarde, não consigo
resistir a cruzar o campo e me jogar nos braços do meu namorado, que me agarra
com força, correspondendo à minha empolgação.

Que se torna um pouco inapropriada para o momento, alguns minutos


depois, rendendo uma série de piadas dos outros jogadores e até mesmo alguns
assobios mal-humorados do técnico da equipe.

— Caralho de mulher gostosa — Jas afirma na minha boca, mordendo meu


lábio inferior e puxando-o com os dentes, antes de soltá-lo. — Mais tarde, Raio de
Sol... Espere por mim.

— Ansiosa — sorrio, sentindo meu rosto esquentar quando conserta


discretamente seu uniforme.

Às suas costas, Selena — que recentemente se uniu ao squad — nos encara


com os olhos estreitos, quase como uma acusação silenciosa.
— Há algo de estranho com essa garota, Jas — aviso mais uma vez a ele,
que segue meu olhar no exato momento em que ela desvia o seu e finge estar se
alongando distraidamente.

— Todos os arquivos de sua família dizem o contrário, amor — refuta. —


Ela só está se adaptando a um lugar novo e parece ser tímida. Nos vemos mais
tarde?

— Com toda certeza. Bom jogo! — ele se despede com um beijo, antes de
correr em direção ao time.

Deixo estar. Mas vou pesquisar mais a fundo sobre eles. Há algo de errado
ali. Eu sei.

Frustrada após mais um dia cansativo na Universidade, enfio a cabeça


debaixo do fluxo de água quente, tentando aliviar a tensão desse dia. Após
vasculhar todos os arquivos do clã, com a ajuda de Harper, chegamos à conclusão
de que nada a respeito da origem dos Darkfur parece suspeito. Talvez, Jasper tenha
razão e ela seja uma pessoa tímida. Pela ficha, o tal Anthony, que vive tecendo
comentários bastantes preconceituosos sobre os outsiders, é seu padrasto e,
embora já fosse uma criança quando sua mãe se casou, Selena também adotou o
sobrenome do homem.

Algo normal, certo?

Entretanto... Os olhos daquela garota, sempre me vigiando, têm algo


estranho e irritante. Droga. Talvez eu só esteja com ciúmes.

E eu, definitivamente, não sou assim.


Descanso a cabeça nos azulejos frios e deixo a água massagear minhas
costas tensas, dissolvendo os nós provocados pelo dia estressante, quando o fluxo
de água toca meu ombro esquerdo e, como se as gotas tivessem se transformado
em pequenas lâminas atingindo a minha pele, eu grito.

A intensidade da dor em meu ombro me provoca náuseas e a respiração


trava na garganta, quando uma outra pontada lancinante de dor me acerta, em
minha cabeça, dessa vez, e faz tudo ao meu redor girar, enquanto as luzes do
banheiro piscam algumas vezes, até que que tudo desapareça.

As últimas aves procuram por abrigo, no fim de mais um dia, enquanto a


fera segue sua rotina. Atenta e escondida pelas sombras das árvores grossas, ela
espera pelo momento certo de atacar.

Um erro pode ser fatal.

A hora se aproxima, no entanto.

Ao longe, os outros lobos monitoram a floresta — um deles, grande e de


pelos marrons, manchados de vermelho, uiva alto, fazendo o sangue circular mais
rápido em suas veias, ao perceber que é seu alvo.

O lobo com suas passadas firmes e imponentes caminha por entre as


árvores, farejando, à sua procura. Porém, dessa vez, a fera apenas agita as patas
brancas sobre o chão coberto pelas folhas úmidas, por conta do sereno espesso
que caiu durante a noite passada, ansiosa.

Ele vem à sua caça — sabe muito bem.

Quando o lobo uiva mais uma vez, muito mais perto do que na anterior, a
fera de pelagem branca foge. As patas queimando, pelo esforço que faz para se
distanciar o máximo possível dali, em direção à neblina espessa, camuflando-se
ali por um tempo, antes de voltar para a segurança de seu esconderijo, enquanto
espera pelo momento certo.
“A hora se aproxima.”

Frio.

Sinto meu corpo rígido estremecer de frio, mesmo sob a água quente do
chuveiro. A falta de um sono de qualidade vem cobrando seu preço sobre a minha
saúde e a dor de cabeça, essa manhã, é prova disso. Como se já não bastasse a
TPM terrível e interminável em que me encontro e a maldita dor no ombro no
local em que a ferida nem existe mais.

Mal consigo me lembrar de como consegui chegar à minha cama, noite


passada, o que explica o motivo de eu ter acordado totalmente nua, enrolada em
minhas cobertas quentes e o gosto horrível em minha boca, é claro. Enquanto
esfrego o shampoo no cabelo, encaro as pontas dos meus pés, me assustando
quando vejo a cor ferruginosa da água que escorre para o ralo e que me faz
acelerar a velocidade do meu banho, fazendo uma notificação mental de avisar à
minha mãe para contratarmos alguém para mexer nos encanamentos de novo.

De tempos em tempos, o velho sobrado gosta de nos lembrar da idade que


tem. Termino de enxaguar os cabelos e fecho a torneira, enxugando meu corpo,
antes de escovar os dentes e me vestir para descer e tomar meu café da manhã,
preparando-me para mais um dia, na expectativa de ter uma noite melhor, já que
teremos uma sessão de cinema na Colina hoje, e as noites com Jasper são sempre
mais tranquilas.

Assim espero.
Sair dos braços da minha garota, para um passeio com quatro marmanjos
peludos pela floresta, não é nada animador e ainda me traz uma merda de déjà vu
dos infernos. Talvez, seja por isso que me mantenho em um silêncio indignado,
ignorando toda a conversa idiota que Mack e o Sr. McGraff começaram a dois
malditos quilômetros atrás. Ash, também em silêncio ao meu lado, segue tenso,
observando tudo ao redor, enquanto seguimos o grande lobo cinzento que estava
de guarda e encontrou a porcaria de um rastro na floresta.

A merda de um rastro desconhecido.

Quando o lobo para, alguns metros à frente, em um dos muitos corredores


de árvores na mata fechada, nós todos fazemos o mesmo, os olhos atentos a
qualquer ruído ou pista ao nosso redor, enquanto ele monta guarda e nós buscamos
por indícios do maldito rastro.

Corro as pontas dos dedos pela copa úmida de uma árvore maior, mas tudo
o que consigo sentir ao longe é o cheiro de Vicky, que estava esparramada em meu
peito algumas horas atrás, enquanto assistíamos à “As Branquelas” mais uma vez.
Pelo menos, eu assistia, enquanto ela dormia tranquilamente, aconchegada a mim.

E agora, a merda de um invasor pode piorar ainda mais seus traumas.


Porra.

Mack, como o bom rastreador que é, ergue um braço, chamando nossa


atenção, e estreita os olhos, farejando brevemente por entre as árvores, enquanto
caminha até um arbusto espinhento. Sendo seguido de perto por mim e Ash, que
também não parece nada feliz com as novidades.

— Temos um intruso em nosso território. — Aponta para o chumaço de


pêlos brancos, preso à alguns espinhos. — Porra.

Meu corpo inteiro se arrepia — de raiva, preocupação e, sobretudo, medo.

— Vamos intensificar as patrulhas — a voz firme de Ash ordena. — E


manter isso entre nós, por enquanto, não queremos gerar um caos desnecessário.

Seus olhos estão fixos nos meus — e espelham o mesmo brilho enfurecido
e preocupado.

Seria pedir muito, por um período maior de paz?

Três malditos dias patrulhando de madrugada pela floresta, sem encontrar


qualquer resquício do invasor que andou rondando nosso território. Setenta e duas
horas bancando o maluco protetor com a loirinha, sempre me certificando de que
ela está segura, o tempo todo, mesmo quando está longe de mim.

E evitando-a em alguns momentos, para que seus olhos perspicazes e


inteligentes não percebam que estou escondendo algo importante. De onde estou,
sentado em uma das poltronas antigas da casa da Sra. Holloway — algo do qual
não senti saudade alguma, diga-se de passagem — espero, ao lado de Ash, que a
velha senhora retorne do seu quarto, onde foi pegar uma espécie de caderno de
bruxa ou coisa assim. Ainda não consigo acreditar que ela seja avó do sujeito ao
meu lado. E, considerando o modo como a encara, de vez em quando, nem mesmo
ele parece muito acostumado à ideia.

— Encontrei! — avisa, depositando o livro antigo e empoeirado com


cuidado sobre a mesa de madeira.

O modo solene com que olha para o objeto, me faz temer que um olho
apareça ou que ele tente morder a mão de alguém, como naqueles filmes de terror,
mas quando seu indicador deixa uma gota de sangue sobre a página de papel
envelhecido, as letras cursivas e rebuscadas aparecem ali. Das esquisitices, a
menor.

— Somente as herdeiras do sangue e fogo de Salém conseguem acessar o


conteúdo do livro — explica para o neto, que apenas dá de ombros em seu jeito
estoico de sempre, enquanto ela corre a mão pela página. — A poção estava
correta, Liam. — Olga Holloway segura a mão dele e acaricia as costas tatuadas
do meu melhor amigo que parece aproveitar o carinho por alguns segundos —
Como eu havia dito antes.

— Talvez, um deles tenha sido resistente — contrapõe, esfregando o rosto


— Naquela noite, um deles pode ter fugido e sobrevivido de alguma forma.

A mulher para, seus olhos claros e opacos pensativos, enquanto focam algo
ao longe, provavelmente, pensando na possibilidade.

— Não creio que teriam sobrevivido por tanto tempo sem o sangue de um
alpha — pondera. — Mas, e se houvesse outra explicação? E se alguém tiver sido
transformado naquela noite, meses atrás?

— Por… — ele começa a dizer, mas para, quando vê os olhos estreitos da


velhinha. — …caria. Precisamos encontrar esse filho da... mãe, antes que as
coisas saiam de controle, Jas.
— Às vezes, a resposta está mais perto do que se imagina. — Os olhos
opacos se tornam sombrios. — Agora, é hora da minha novela, se quiserem
assistir comigo...

— Preciso resolver essas coisas, mas obrigado — Ash dispensa o


programa e, com uma espécie de abraço esquisito, despede-se da idosa. — Te
espero lá fora.

— Sem novela pra mim também, Sra. Holloway. — Ela sorri e me puxa
para um abraço.

Sempre há uma primeira vez para tudo.

— Você precisa protegê-la, Jasper — avisa baixinho. — Prevejo tempos


difíceis.

Anuo rapidamente e saio correndo atrás de Ash, que já está pronto para
sair. Conto rapidamente o que ela me disse e ele grunhe, tão puto quanto eu.

Por que é que as previsões dela nunca podem ser felizes? Uruca do cacete.

Com a rotina cada vez mais pesada, com os treinos que antecedem a final
contra os idiotas dos Kings da capital, e o retorno do rodízio de rondas na floresta,
por conta da invasão, naquela outra noite, quase não tive tempo de estar com
Vicky fora do horário de aula e dos nossos treinos.

Isso explica o fato de eu estar quase explodindo em minhas calças,


enquanto nos beijamos atrás da porcaria do prédio onde fazemos algumas aulas,
conforme nos despedimos.

— Está bem mesmo? — Acaricia a linha marcada das olheiras sob meus
olhos. — Você parece cansado.
— Porque estou. — Beijo-a mais uma vez. — Os treinos e as porcarias do
trabalho estão me matando. Fora a saudade de você.

Apesar de não parecer muito convencida com a minha explicação, Vicky


escolhe não dizer nada e volta a me beijar.

— Se estivesse acontecendo algo importante, você me contaria, certo? —


Porra, não me faça mentir para você, Vicky.

— Eu faria qualquer coisa para te manter segura, Raio de Sol. Sabe disso,
não é? — Desço uma trilha de beijos molhados pelo seu pescoço e, quando suas
mãos agarram forte a minha nuca, sei que fui bem-sucedido em mudar o foco de
sua atenção.

Não posso ser culpado por amá-la demais, certo?

Acabo de chegar da minha ronda, quando os uivos começam — pedidos de


socorro. Caralho. Elijah me encontra na porta da frente e, juntos, nos
transformamos e corremos em direção à floresta. O som de disparos de arma de
fogo chama a nossa atenção, e aumentamos a velocidade da corrida, disparando
pela mata, nos deixando guiar pelos uivos do lobo que parece ferido.

Quase dez quilômetros depois, encontramos o lobo jovem, na faixa dos


dezesseis anos, que chamava desesperadamente por ajuda, enquanto tentava erguer
o corpo sem vida do homem nu, já em sua forma humana, atingido na cabeça de
forma certeira.

— “Leve-o daqui, Eli.” — peço ao meu amigo, que acompanha o jovem


reticente em se separar do pai, mas o faz, quando rosno de forma ameaçadora. —
“Avise Ash e os outros.”
Farejo o ar, mas à exceção do fedor da pólvora e do sangue que se espalha
pela terra, não há nada. Seja lá quem for, sabia o que fazia quando escondeu seu
rastro. Filhos da puta. Aos poucos, ouço o resto do clã se aproximando, um a um,
eles param diante do corpo, antes que seus olhos esquadriem a floresta, buscando
por respostas.

Assim como eu.

Deixo-os ali e corro de volta à Colina. Há muito a ser feito e talvez, a


merda do rastro que encontramos tenha sido apenas uma distração. Enquanto corro
por entre as árvores, à caminho de casa, desfrutando da brisa fria da noite, eu o
sinto. O cheiro diferente. Não é ruim. Na verdade, delicioso. E perigoso. Desvio
do meu caminho e passo a segui-lo, deixando que meus instintos tomem a frente,
enquanto persigo o rastro do invasor, que parece ter me notado, e agora, foge de
mim.

Vislumbro, muitos metros à frente, o lobo de pelos brancos perolados e o


exato momento em que, amedrontado, ele dispara por entre as árvores, correndo
como o vento.

Filho da puta covarde.

À medida que se aproxima da cidade, corro ainda mais rápido, tentando


alcançá-lo, mas ele desaparece entre a névoa espessa e, cego, me guio apenas pelo
olfato, correndo à sua caça através de seu cheiro. Não demora muito para que o
costume misture a essência familiar de lírios e patchouli de Victoria, quando
chego aos limites da floresta.

De novo, não.

Rosno com força, em um aviso alto e claro de que vou encontrá-lo e ele
não perde por esperar.
De pé, próximo à porta, noto que um dos sentinelas espera que o Alpha se
acalme. Aproximo-me lentamente, e não preciso vê-lo para saber que está prestes
a arrancar os cabelos escuros de sua cabeça. Meu amigo nunca foi uma pessoa
muito calma e, infelizmente, essas não são boas notícias.

— Caçadores! — Liam Ashbourne berra de dentro de sua sala. — Parece a


porra de uma piada!

— Eu o vi — digo, ao entrar na sala. Alguns novos integrantes do clã


desviam os olhos ao me ver entrar, fechando o botão da calça jeans, ainda sem
camisa.

— O caçador, filho da puta, que matou o Verssen? — Ash questiona, mas


seus olhos se arregalam quando nego, compreendendo. — A porra do lobo branco.

— Perdi seu rastro, próximo ao Centro da cidade — aviso. — Ash, a


essência dele... Não é como os outros.

— Até descobrirmos com o que estamos lidando, o clã ficará em alerta


máximo. — Os olhos escuros, assim como suas roupas, encarando um por um, até
voltarem a mim. — Avisem aos outros. Haverá um toque de recolher e não quero
ninguém, que não esteja escalado para a ronda, perambulando pela floresta. Isso é
tudo, por enquanto.

Dispensa a todos que, aos poucos, vão se levantando e deixando a sala de


reuniões. Exceto, seu pai, que segue sentado avaliando-o.

— Vou cuidar dos trâmites do enterro do Verssen — Owen Ashbourne se


levanta. — Você tomou a decisão certa, filho.
— Espero que sim — Ash esfrega o rosto, cansado. — Eu realmente estou
contando com isso.

Assim que nos vemos sozinhos, conto rapidamente alguns detalhes sobre o
que aconteceu, enquanto tentamos criar algumas teorias malucas sobre o ataque
dessa noite. A chegada de muitas famílias ao clã pode ter dado a visibilidade que
tanto evitamos e nos tornou alvo de alguns idiotas intolerantes.

— Malditos filhos da mãe — ele foca a floresta do lado de fora —,


mandarei alguém vigiar o sobrado amarelo.

Concordo imediatamente.

— Precisamos contar a elas — aviso e Liam apenas assente, gostando


disso tanto quanto eu, pegando seu celular sobre a mesa e me seguindo para fora
da sala.

Que venham! Caçadores ou lobos, pouco importa. Estaremos prontos.


Sentado à mesa de madeira antiga, bato o copo vazio no tampo, brindando
ao início dessa nova fase do plano. Terror e caos são muito eficientes, quando bem
usados, e tenho certeza de que, nesse momento, aquele moleque está apavorado.
Sorrio diante da imagem do sujeitinho presunçoso. Eles terão tudo o que merecem,
em breve.

— Chefe, há um problema — o idiota de olhinhos pequenos avisa, assim


que entra no escritório improvisado.

— O que foi dessa vez? — Ele enxuga a testa brilhante de suor com o
maldito lenço de tecido. Covarde Imprestável.

— Há um lo-lobo branco na floresta. — Estreito meus olhos. Não. Eles


foram todos curados ou destruídos, meses atrás. — Eles o viram e estão caçando-
o.

— Promova alguns ataques para distraí-los. — Coço a barba por fazer,


sentindo meu corpo inteiro tremer de ódio. — Aquele lobo branco é meu. Não
deixe que ninguém toque nele, ouviu?

A criatura decadente se encolhe, torcendo as mãos diante do corpo, com


suas roupas ridículas e seus olhos úmidos, parado diante da minha mesa
empesteando todo o espaço com o fedor da sua covardia.

— Farei o possível, Gunner — Claro que o babaca iria choramingar. Às


vezes, detesto o fato de ter aceitado essa merda de aliança. — Mas não posso fazer
nada, caso eles o encontrem antes.

— Se tiver amor à sua pele, vai encontrar um jeito — Acendo o charuto,


enquanto miro a neblina que aos poucos toma conta de tudo, tentando manter a
visão dos olhos azuis de Lisandra, para que consiga me acalmar, ignorando o
idiota que deixa a sala.

Falta pouco agora.

Muito pouco.
Minhas pernas ardem pelo esforço, enquanto corro por entre as folhas
umedecidas pela chuva fina que cai por entre as árvores altas, estendo os braços
diante do corpo, sentindo as gotas geladas tocarem minha pele febril. Tudo ao
redor parece mais brilhante e intenso — desde as cores da floresta, até os aromas
ao redor.

De alguma forma, sei que estou sendo seguida e à medida que acelero a
minha corrida, sinto meu coração bater mais forte, insano, dentro do peito, que
sobe e desce com dificuldade pelo esforço e pela expectativa bizarra de que a fera
sanguinária, que cheira a pinheiros e lavanda, finalmente me alcance.

Perto demais, ouço-a rosnar ameaçadora e meu corpo inteiro responde ao


seu chamado — a caçada na floresta escura desperta algo dentro de mim.
Estranho, selvagem, excitante.

“Venha me pegar!” — a voz dentro de mim provoca, em silêncio,


enquanto, assustada, corro além do limite das árvores, buscando a segurança da
minha casa.

Recostada na porta, o corpo enregelado pela garoa fina e com os cabelos


pingando no piso amadeirado do sobrado, respiro ruidosamente, ainda de olhos
fechados, sentindo meus lábios se esticarem em um sorriso satisfeito, quando a
fera terrível uiva frustrada do lado de fora.

Quente.

A sensação estranha e intensa, espalhando uma onda de calor por todo o


meu corpo, acumulando-se no vão entre as minhas pernas, enquanto me movo pela
superfície macia, buscando por um alívio que não vem. Entre o despertar e o sono,
resmungo frustrada, antes de ceder mais uma vez ao cansaço.

Frio.

Assustada, ergo a cabeça, tentando me situar e, graças a Deus, tudo o que


encontro são as minhas cobertas caídas no chão, enquanto minhas costas e pernas
reclamam do tempo em que passei encolhida. Meus pesadelos estão cada vez mais
reais e, ao que tudo indica, meu subconsciente tem um certo desejo de morte. Essa
seria a única explicação para o motivo de eu sonhar, constantemente, em estar
sendo perseguida na floresta.

Assim que me sento na cama, arrependo-me na mesma hora: minha cabeça


gira de modo desconfortável e lateja de forma incômoda. Eu realmente preciso que
minha menstruação desça de uma vez por todas, e acabe com essa TPM
monstruosa e todos os sintomas terríveis que estão prestes a acabar com a minha
sanidade.

Já tive dias melhores. Com certeza.

Antes de me levantar, pego o telefone, que deixei carregando sobre a mesa


de cabeceira, ao lado da cama, e me deparo com inúmeras chamadas de Jasper
durante a madrugada. Retorno às ligações com certo atraso, mas, dessa vez, é ele
quem não atende.

Pela hora da última chamada — quase cinco da manhã — meu namorado


deve estar apagado. Decido tomar um banho rápido e me preparar para ir para a
faculdade. Ignoro a dor latente da ferida fantasma do ombro e sigo para dentro do
banheiro, com a cabeça ainda girando de forma desconfortável, enquanto uma
fisgada, seguida da cólica leve em meu ventre, anunciam que meus pedidos serão
atendidos e o pesadelo da TPM está, finalmente, chegando ao fim.

Encaixada de forma confortável entre as pernas de Jas, enquanto assistimos


a um desses filmes cheios de tiros e homens correndo para toda a parte ao mesmo
tempo que lutam contra um alienígena malvadão, estou quase cochilando, quando
seu celular toca na mesa, onde seus livros de Direito foram empilhados, para dar
espaço à minha bolsa.

— Droga — resmunga baixinho, após desligar o aparelho e beijar a lateral


da minha cabeça. — Ash precisa de mim para resolver alguma coisa sobre a ronda
desta noite, mas eu volto logo.

Desde que nos contaram sobre o tal rastro na floresta, Jasper e Ash se
tornaram ainda mais protetores, o que transformou a tarefa de se afastarem de nós,
ainda mais penosa. Minha prima chama de “esquisitice de lobo”, mas eu meio que
acho fofo. E um pouco sexy.

Ou talvez, eu só esteja pensando assim por que meu namorado acaba de se


levantar e se enfiar em uma calça jeans, sobre a boxer azul marinho, antes de se
sentar na beirada da cama para calçar os tênis, flexionando os músculos das costas
largas, fazendo-me salivar.
Hormônios em polvorosa, o tempo inteiro.

— Não me olhe assim, Victoria Miller — rosna, ainda de costas para mim.
— Não quando eu preciso sair.

— Você é convencido demais — faço-me de desentendida, mas não


consigo desviar o olhar, sentindo-me quente de repente. — Não estou fazendo
nada.

Meu namorado, ainda de costas para mim, ergue a cabeça, puxado o ar de


forma ruidosa e o rosnado baixo, em seu peito, faz meu corpo inteiro arrepiar.

— Meu Deus, Vicky — Jas se vira e engatinha até mim, até que seu corpo
esteja encaixado sobre o meu, seu nariz inspirando em meu pescoço. — Você
mente mal, Raio de Sol. E agora, vai me fazer sair desse quarto com o seu cheiro
impregnado em mim. — Deixa o corpo pesar sobre o meu. — Por favor, diz que
vai dormir comigo.

— Não posso. — Ele suspira chateado. — Prometi que voltaria para jantar
em casa. Amanhã?

— Não vá sozinha — pede, o divertimento de antes totalmente esquecido,


quando ele me encara sério. — Espere por mim.

Com mais um beijo rápido, Jasper se despede e sai do quarto, deixando seu
perfume flutuando por aqui.

Se eu fosse um pouquinho só, parecida com a Intrépida Lawson, eu me


arriscaria. Deus sabe que aquela maluca não consegue ouvir absolutamente
ninguém, quando coloca alguma coisa na cabeça, porém, ao contrário dela, eu sou
uma pessoa mais… cuidadosa.

Medrosa também definiria bem.

Talvez eu devesse apelar para os incensos — isso pareceu resolver para


Harper. É isso. Vou pegar alguns palitinhos com cheiro enjoativo e defumar o meu
quarto, quem sabe, assim, consigo finalmente me ver livre dos pesadelos? Com o
possível retorno dos tais lobos brancos, tudo volta a ficar assustador e perigoso.
Tomara que eles o encontrem logo e que ele não esteja buscando vingança ou
qualquer coisa assim.

Como se eu precisasse disso, para ter pesadelos horríveis com lobos me


perseguindo.

Devagar, caminho até a janela. Os olhos focados na floresta densa nos


fundos da casa, buscando por alguma coisa ali e, ao mesmo tempo, desejando que
não encontre nada além das árvores e dos pássaros que habitam o lugar. Medrosa,
com certeza. Sinto a garganta seca e estou prestes a ir até a cozinha, atrás de um
copo de água, quando eu a vejo.

Selena olha para os lados, em uma atitude suspeita, considerando as ordens


do Alpha, mantendo todos em alerta vermelho e toque de recolher, por conta dos
caçadores e dos lobos brancos. Noto o momento em que ela hesita, por apenas
alguns instantes, antes de entrar na floresta.

— Eu sabia! — meio afirmação, meio comemoração. Eu sabia que havia


algo de estranho. Sabia!

— Sobre... — Harper, a dose exata de coragem de que eu precisava, se


aproxima de mim, os olhos azuis focados na garota que, aos poucos, desaparece
por entre as árvores — O que ela pensa que tá fazendo?

— Não faço ideia — rapidamente, pego uma lanterna e a arma que Jasper
mantém guardada em seu armário e sorrio para a minha prima. — Mas pretendo
descobrir.

A garota de cabelos escuros, presos em um rabo de cavalo, usando um


uniforme semelhante ao meu — vermelho e branco — as cores da universidade e
dos Warrior Wolves, não leva mais do que um minuto para se decidir.

— Droga de curiosidade! — sorri, seguindo-me de perto, enquanto desço


as escadas e saímos porta afora, dando a volta na casa disfarçadamente, antes de
sair correndo até os limites da propriedade.
Meu coração disparado no peito e a respiração ruidosa por causa da
agitação em meu interior.

— Se quisermos alcançá-la logo, precisamos entrar — Harper anuncia, de


forma preocupada, encarando o ambiente sombrio e desconhecido à nossa frente.

Nenhuma de nós teve uma experiência muito boa, após entrar ali, e é isso
que nos faz hesitar às margens sombrias do lugar.

— Se não formos, nunca saberemos — considero. — E tenho medo de


que, quando descobrirmos, possa ser tarde demais.

— Não vamos entrar na mata fechada — Harper decreta, liderando o


caminho.

Andamos por uns bons dez minutos, mas após um vislumbre rápido dos
cabelos castanhos da garota misteriosa, perdemos seu rastro, as árvores
começaram a se tornar mais espessas e o ambiente mais escuro. E perigoso.

— Tudo bem, vamos voltar — digo à minha prima, que avalia as árvores à
nossa frente. — Ainda não foi dessa vez.

— Mas isso não nos impede de contar à Liam o que vimos — seu tom é
sério. — Ninguém deveria entrar na floresta, essa foi a ordem, certo?

Concordo e, de braços dados e em um silêncio atento, voltamos à


propriedade dos Ashbourne, e estamos caminhando de volta à casa, quando Selena
aparece esbaforida, saindo da floresta alguns poucos metros adiante. Seus olhos
quase dourados, se arregalando ao ser pega em flagrante por nós.

— Pensei que a floresta fosse território proibido — comento com a garota


ao meu lado, que mantém os olhos azuis focados em Selena.

— Estava tentando encontrar o meu padrasto — explica de má vontade —


Não que eu deva alguma explicação a qualquer uma de vocês.
O desdém em seu tom funciona como combustível para a raiva que cresce
rapidamente dentro de mim e inflama cada milímetro do meu ser. Se eu fosse
como Jasper, certamente teria rosnado ferozmente. A voz em meu interior o faz.

— Só que não acredita muito nisso, não é? — justificando seu apelido,


Harper responde. — Selena, se souber algo sobre os ataques...

— Eu não sei de nada! — seu tom de voz se elevando, parecendo


extremamente nervosa. — Esse não é um problema seu! Não é a sua família em
perigo! Eu…

A garota à nossa frente puxa o ar, farejando algo e estremece. Ou talvez


seja a minha visão que trepida. De repente, seu corpo inteiro treme tanto, que sua
figura parece desfocada. Quando ela dá um passo em nossa direção, algo acontece
tão rápido e complexo, que meu cérebro não processa, mas onde Selena estava
antes, há agora uma enorme loba marrom-claro, que não parece nada feliz ou
amigável quando rosna para nós, mantendo seu olhar fixo em mim.

Harper arfa e então, grita. Alguém responde ao longe, mas não consigo
pensar. Um zumbido estranho e aterrorizante ecoa dentro da minha cabeça, quando
o mundo parece girar ao contrário e cambaleio no lugar, recuando à medida em
que o animal rosna de forma intimidante, aproximando-se de mim, colocando-se
entre minha prima e eu.

Me deixe sair — uma voz muito parecida com a minha, ordena.

Algumas pessoas correm em nossa direção — ouço suas vozes se


aproximando, mas não consigo vê-las, porque o latejar, quase costumeiro, em meu
ombro, se torna uma dor intensa e lancinante, como se estivesse se abrindo,
fazendo-me curvar sobre o meu corpo, quando passa a irradiar uma sensação
quente e terrivelmente dolorosa. Em apenas alguns poucos segundos, estou em
chamas, queimando de dentro para fora.

Próximo de mim, ouço Harper gritar o meu nome repetidas vezes, mas não
consigo encontrar a minha voz e o toque quente de suas mãos em minhas costas,
faz a minha pele e o meu sangue queimarem ainda mais, à medida que cambaleio
para trás com um rosnado feroz vindo da minha garganta, enquanto me afasto
ainda mais de seu toque.

— Não! — minha voz transmutada em algo muito parecido com um


rosnado. O que está acontecendo?

Os olhos dourados da loba me vigiam de perto, colocando-se entre mim e


os outros, ignorando os gritos por ajuda de Harper e os arquejos das outras
pessoas, que já não tentam mais se aproximar de mim. Em algum momento, em
meio às chamas que me queimam por dentro, sinto meus ossos cederem ao calor.
Quase como se estivessem derretendo e se moldando e se remodelando em novas
formas. E então, eu grito. Um lamento alto e sofrido que ecoa e reverbera em
meus ouvidos, em um eco incessante quando, incapaz de suportar mais, caio no
chão. O toque da grama fria, um breve alento ao meu corpo, até que tudo queime.

Dor.

Ardor.

Desespero.

Eu grito, enquanto me sinto cair em um turbilhão insano de dor e, como se


meu corpo fosse o combustível — sou totalmente consumida pelas chamas, à
medida que cada osso meu se parte sob a pele, meu sangue ferve e destrói tudo o
que eu sou e, então, aos poucos, como se não houvesse mais o que queimar, tudo
para e o sofrimento de antes emudece, cedendo lugar à uma espécie de calmaria.
Uma sensação estranha de liberdade e euforia.

Mais um som alto e feroz escapa da minha garganta e, quando me forço a


abrir os olhos, tudo parece mais intenso e colorido. E menor. Muitos sons, ainda
mais aromas e cheiros me atingem, em uma descarga sensorial que me deixa
confusa e perturbada em um primeiro momento, mas é quando o lobo marrom-
claro rosna em desafio, seus dentes grandes e ameaçadores à minha frente — e
busco forças para me levantar e tudo o que consigo fazer diante de seu desafio, é
correr.

E em um segundo, vejo-me como nos pesadelos — voando com o vento,


enquanto fujo do lobo que me persegue, furioso. Com uma única diferença: dessa
vez, não são as minhas pernas humanas e frágeis que comandam o ritmo da
corrida, mas patas fortes, com garras longas e escuras, que contrastam com a
pelagem branca como a neve.

Livre, enfim.
Enquanto seguimos em uma porcaria de reunião chata e que, até agora, não
apresentou nenhuma solução para os nossos problemas mais urgentes, tento não
bocejar, mirando a paisagem da janela do antigo quarto de bagunça do chalé, que
acabou se transformando em uma espécie ouvidoria, onde Ash tem recebido os
colonos que acabam vindo procurá-lo na Colina.

Apesar de não conseguir deixar de pensar nos momentos que eu e Vicky


tivemos no sofá-cama, onde agora dois homens falam sem parar sobre sua
preocupação com a estocagem de alguns grãos, que chegaram para os produtores
rurais do clã, estou praticamente dormindo no lugar.

Ash não parece muito melhor do que eu nesse quesito, já que esfrega os
olhos continuamente, enquanto repete as mesmas respostas, desde o início, porém,
quando um grito, vindo dos arredores da mansão, ecoa pelo espaço apertado,
seguido de rosnados fortes e selvagens e de um alerta claro de invasor, ele se
levanta imediatamente. Sua expressão entediada se transformando em pura fúria
em poucos segundos.
Harper.

É ela quem grita desesperadamente.

Sem pensar, Liam Ashbourne pula a janela, caindo já agachado no andar


de baixo, em posição de ataque e, após farejar por alguns segundos, rosna e corre
em direção aos gritos desesperados da Intrépida Lawson. Com o coração
acelerado, o acompanho de perto, sentindo o perfume de Vicky por toda a parte,
mas não a vejo em lugar algum, quando chegamos aos limites da floresta onde
Harper, com os olhos vermelhos pelo choro incontido é amparada por alguns
integrantes do clã, enquanto Ash caminha determinado em sua direção, tomando-a
em seus braços.

Puxo o ar, tentando farejar minha namorada em meu quarto, onde a deixei
mais cedo esperando por mim, mas pelo desespero de sua prima, nos braços do
noivo, sei que não vou gostar nada do que ela tem a dizer. Um cheiro diferente,
como o que emanava do invasor naquela noite, rescende pelo lugar, indicando que
o maldito está por perto. Ele tem culhões, admito.

Minha mente entra em alerta total, enquanto procuro pelos fios loiros em
toda parte, mas tudo o que encontro são fragmentos do casaco que Vicky usava
sobre seu uniforme.

Porra, não.

Com o coração disparado, ouço Harper me chamar e, quando cruzo meu


olhar com o seu, noto o pavor ali e processo seu movimento rápido, quando
estende a mão apontando para a floresta e, seguindo sua pista, eu o vejo. A
silhueta branca desaparecendo pela floresta com Selena, em sua forma lupina,
seguindo-o de perto.

Porra!

Não.

Não a minha Vicky.


Isso não pode acontecer de novo.

Minhas mãos tremem, o corpo inteiro fora de controle, enquanto encaro,


desesperado, o local onde o filho da puta desapareceu. Estou prestes a me
transformar e correr atrás do maldito, quando ouço a voz de Ash dentro da minha
cabeça — Uma ordem clara e direta do Alpha.

“Espere, irmão.”

Antes que eu possa argumentar, Harper se desvencilha de Liam e corre em


minha direção. Suas mãos trêmulas e frias contra a pele úmida do meu rosto, me
puxando para que eu preste atenção nela, ao invés da floresta escura, buscando
algum vestígio da minha namorada.

— Victoria — Engulo em seco, tentando conter a fúria que cresce


desmedida dentro de mim. — Eles... Eles a levaram?

Caralho!

Matarei a todos. Um a um, dessa vez.

— O… O lobo branco... — gagueja, o que só torna tudo pior. Harper viveu


coisas demais para se desesperar dessa forma. — Jasper, é a Vicky. — Seus dedos
apertam a minha mandíbula e seus olhos se arregalam, cheios de lágrimas que
escorrem pelo rosto bonito. — O lobo branco é a Vicky.

Mas que merda de loucura é essa?

E, como se tudo acontecesse ao mesmo tempo, o som de disparos ao longe,


faz os alertas dos responsáveis pela ronda ecoarem em todo o lugar. Os caçadores
saíram para brincar essa noite e a minha garota é a porra de um lobo branco
inexperiente, correndo pela floresta. Um alvo para as sentinelas do clã e para os
malditos com suas balas de prata.

Afasto-me de Harper, que anui, recuando até o namorado, que a toma em


seus braços, enquanto me transformo, disparando na direção de onde vi o lobo
branco desaparecer, enquanto me comunico com Ash, através da nossa ligação.
— “Chame-os de volta” — ordeno.

—“Jasper, você ouviu os avisos. Os caçadores...” — a preocupação de


Ash, tingindo cada palavra.

—“Chame-os de volta, Liam. É a minha escolhida, perdida nessa merda


de floresta.”

O uivo forte e dominante ressoa por todo o lugar — o Alpha convocando a


todos imediatamente, exceto a mim, que sigo correndo sobre quatro patas,
farejando qualquer resquício do rastro do cheiro diferente e de Selena, que
perseguia o lobo branco — Minha Vicky — de perto.

—“Estou a caminho, Jas.” — a voz de Ash avisa.

— “Estou aqui, Ash.” — a voz de Mack interrompe. — “Cuide da nossa


Intrépida Lawson.”

—“Foda-se, Mack.” — como sempre, nosso Alpha não esconde seus


ciúmes. — “Tomem cuidado.”

— “Vamos voltar logo com a nossa lobinha. Não se preocupe.” — o


babaca folgado responde, ignorando o meu grunhido, correndo agora ao meu lado
para dentro da mata fechada.

Folgado para um caralho.

—“Ela está próxima às rochas” — a voz tímida de Selena avisa em minha


mente. — “Parece estar apavorada.”

E quem não estaria?

—“Volte para Silent Grove, Selena.” — decreto e, sem relutar muito, ela se
vai.

— “Os caçadores estão mais ao sul, Jas.” — Mack fareja o ar. —


“Precisamos tirá-la logo daqui. Vou ficar de guarda daquele lado, para contê-la,
caso ela corra.”
O lobo cinzento desvia do caminho e corre para o outro lado da rocha,
onde Selena garantiu que a loba branca estaria, e se camufla por entre o mato alto,
esperando. Aproximo-me lentamente da abertura na rocha, de cabeça baixa,
tentando não desafiar a fera branca, que se encolhe um pouco mais ao notar minha
presença, mas não rosna. Os olhos cor de folha seca me encaram, atentos e
desconfiados, à medida que me aproximo lentamente da abertura da caverna que a
as rochas formaram ali. Estou a poucos metros, quando um rosnado baixo, de
alerta, deixa seu peito e ela se encolhe um pouco mais.

—”Sou eu, amor.” — Embora ela ainda não possa me ouvir.

Quando me aproximo mais alguns passos, ela se ergue. Imponente e alerta,


pronta para atacar. Ou fugir.

Não complique as coisas, Raio de Sol.

—“Cuidado, Jas.” — Mack, que assiste a tudo, dando-me cobertura, avisa


—“É a loba dela no comando. Não a doce Vicky.”

— “Talvez seja melhor... Cuide de tudo, Mack.” — peço e me transformo


de volta em humano, sob seus protestos.

Um gesto que pode ser genial, ou que pode me custar uns bons dias de dor.
Quem vai decidir o que será, é a loba branca — linda e feroz — à minha frente.

— Vicky? — minha voz é amplificada pela acústica do lugar. — Sou eu,


amor, está tudo bem, mas precisamos sair daqui. Vem comigo?

A grande loba rosna, mas não se afasta. Hesitante, ela dá alguns passos
incertos em minha direção, saindo do escuro e me permitindo realmente vê-la. Sob
a luz da lua, os pelos brilham, não totalmente brancos, mas com um fundo
dourado, assim como os cabelos da minha garota. Terrivelmente linda.

— Isso, vamos… — estamos a poucos passos um do outro, quando suas


garras atingem o meu tronco em uma advertência clara para que eu me afaste, mas
me mantenho firme no lugar, apesar da ardência do corte. Dessa vez, apenas
espero que ela encerre a distância entre nós, com as mãos erguidas diante do
corpo. — É perigoso ficar aqui, ok? Os caçadores estão se aproximando — o som
de tiros ao longe atesta a informação e a loba ergue a cabeça, totalmente guiada
pelos seus instintos. — Nós precisamos voltar para a Colina, Raio de Sol. Por
favor.

Seus olhos grandes e incisivos piscam algumas vezes, focando o corte


desnivelado que sangra, na altura do meu peito, antes que o reconhecimento brilhe
em suas pupilas castanhas e ela dê um passo firme, dessa vez, em minha direção.
Porém, quando faz menção de se aproximar mais, sua mente parece ter atingido o
seu limite e, quando os olhos se reviram nas órbitas, ela perde a consciência e seu
corpo desmonta sob seu peso, voltando à sua forma humana novamente.

Tão frágil.

Sem qualquer hesitação, corro até ela e a pego no colo, caminhando em


direção à Colina, sendo escoltado por todo o longo caminho, pelo lobo cinzento,
antes que Selena, também em forma lupina, junte-se a nós, correndo ao redor,
garantindo que não haja imprevistos, enquanto explica o que aconteceu mais cedo.

— “Quando meu irmãozinho disse que ela tinha um cheiro diferente, eu


também senti. E, com os ataques… Eu a tenho vigiado, desde então — afirma, um
pouco constrangida. — “Ela não parecia saber, mas eu não tinha certeza. Então,
não falei nada.”

— “Está tudo bem.” — guardo as informações para processar tudo com


calma mais tarde. — “Obrigado. Por segui-la.”

— “Somos um clã.” — afirma e se cala, quando um grunhido de puro


descrédito deixa a boca do lobo cinzento.

— “Não acredita nela?” — pergunto à Mack, que rosna baixinho.

— “Não totalmente.” — Mais uma coisa para ponderar, logo mais.


No momento, minha prioridade é a garota nua em meu colo, enquanto
enfrentamos o silêncio da noite fria, apertando seu corpo delicado mais fortemente
contra o meu a cada rajada de vento. A cada segundo, me pego pensando que não
importa se ela é uma loba, ou a princesa loira por quem me apaixonei.

Victoria Miller segue sendo minha escolha. E isso é tudo o que importa.

Duas malditas horas tensas e Vicky ainda não demonstrou qualquer reação,
imersa em um sono pesado e agitado. As pequenas gotículas de suor brilham em
sua testa, enquanto ela parece delirar, revezando estágios de consciência perdida,
dentro de sua mente.

— A febre... — pergunto à Harper, que está sentada ao lado da prima,


aferindo sua pressão e temperatura.

— Baixa, graças a Deus — aliviada, ela deixa os ombros caírem. Na


primeira hora, a febre foi um fator desesperador. O corpo de Vicky tremia com
intensidade em meus braços, enquanto a futura médica aplicava algumas
compressas geladas, já que os medicamentos não pareciam surtir qualquer efeito.

Enfiar-me debaixo da água morna, com minha namorada nos braços, não
foi problema para mim, mas toda a tensão da situação estava cobrando seu preço
sobre o meu corpo, esgotando-o. Meus olhos ardem, enquanto sigo observando-a o
tempo todo, à espera de que ela acorde e possamos resolver todo o quebra-cabeça
em torno de sua transformação surpresa.

Há quanto tempo isso vinha acontecendo? E como deixei isso passar,


porra?
— As compressas deram certo, Jas. — Os olhos acinzentados, da garota
que veste uma camisa larga de Liam, se voltam para mim, quando uma de suas
mãos envolve a minha. — Você deveria descansar um pouco. Como está seu
peito?

— Duvido que haja mais do que uma linha fina, agora, Harper. — Esfrego
o rosto com a mão livre, sem desviar o olhar da garota sobre a cama. — Será que
eles ainda vão demorar?

Ash e Eli foram buscar a Sra. Holloway, já que os tratamentos


convencionais nem sempre se aplicam a nós. Puta que me pariu. A nós. Vicky é
uma de nós, agora. Uma loba branca, linda e perigosa, e eu não faço ideia de como
vai reagir a isso.

— Não sei dizer, Jas. — Seus olhos consternados, fixos na garota loira. —
Deve ter sido assustador, para ela, não é?

Concordo com um aceno, travando o maxilar. Assustador e absurdamente


doloroso. Se eu ainda me culpava por não estar com Liam, quando se transformou
sozinho, nessa merda de floresta, como poderia lidar com o fato de que a minha
escolhida lidou com tudo sem nem ter ideia do que acontecia?

Estou tão exausto e perdido em meus próprios pensamentos, que mal noto
a aproximação do grupo, até que estejam entrando no quarto. Eli, que se mantém
junto à porta, enquanto Liam, uma chorosa e preocupada Elinor Miller e Olga
Holloway entram no cômodo, que se torna apertado de repente.

— Criança tola! Eu pedi que voltasse a mim, se o emplastro não


melhorasse! — a voz áspera ralha da entrada do quarto, anunciando a chegada da
velha senhora que se aproxima da cama. Apesar do tom nervoso, seu olhar é terno
quando encara a garota loira sobre a cama. Como se sentisse a presença das
pessoas ali, ela move o rosto, debatendo-se um pouco, antes de voltar ao sono
pesado. — A febre já passou?
Toca a testa suada de Vicky, afastando os cabelos úmidos grudados ali,
checando a temperatura, antes de estalar a língua. Seus olhos me encaram por um
momento e uma das mãos enrugada pressiona meu ombro levemente, ao mesmo
tempo em que Elinor se senta ao lado da filha, os olhos muito preocupados,
enquanto acaricia os cabelos dourados.

— Vá descansar, querido — seu tom é gentil, mas eu nego com um aceno


de cabeça. — Eu temia que isso acontecesse. A ferida que não cicatrizava por
dentro era apenas o início… — pondera. — Eu tinha esperanças de que a parcela
de sangue licantropo dos Miller daria conta da transformação, mas não foi o
suficiente.

Porra, Vicky! Por que é que não me falou sobre nada? Meu Deus!

— O que quer dizer com isso, Olga? — Harper é quem faz a pergunta,
entalada em minha garganta.

— O corpo dela está em choque, lutando contra a transformação — o tom


de voz é triste e faz minha pulsação acelerar.

Ao meu lado, Ash encara as pontas dos tênis e eu fecho as mãos em punho
no moletom escuro da minha calça, tentando me manter sob controle.

— O... O que podemos fazer? — minha voz é pouco mais do que um


sussurro. — Tem que haver uma forma, certo?

Os olhos leitosos da idosa focam o quarterback ao meu lado e o sinto


imediatamente tenso. Caralho.

— Apenas um Alpha pode salvá-la. — Um sorriso se espalha em seu rosto,


enquanto todos nós olhamos para o sujeito, que parece prestes a rosnar. — E para
a nossa sorte, temos um à nossa disposição, não é?
Dessa vez, não há nada além de escuridão e frio. O pesadelo, dessa vez, foi
mais longe do que jamais havia acontecido e a lembrança de um Jasper inseguro e
totalmente vulnerável, aproximando-se da fera com hesitação, aquece o meu peito,
ao invés de trazer preocupação e medo. Pelo menos, até o animal acuado e
temeroso acertar seu peito com as garras afiadas.

Não!

Estou enlouquecendo.

Aos poucos, consigo ouvi-los. Há várias pessoas por perto e elas


cochicham baixinho sobre o retorno do novo lobo branco, seu tom um tanto
horrorizado, enquanto o som de alguns carros, longe dali, chega até mim, assim
como um rosnado baixo, seguido de uma risadinha abafada — típicos de Harper.

Não estou em casa.


Tento buscar a noite de ontem na memória, mas não consigo achar nada,
além de uma grande tela branca. Nada. Aos poucos, consigo localizar meus pés,
sentindo-os pesados, mas tento movê-los, mesmo assim. Quando consigo, foco em
minhas mãos e não demoro para conseguir mover os dedos, amparados pela palma
quente que os envolve. Jasper. Encontro, finalmente, meus olhos e tento abri-los,
empregando um esforço grande antes que consiga enxergar na penumbra, o quarto
desarrumado do meu namorado que, sentado na poltrona que costumava ficar do
outro lado do cômodo, encara-me com os olhos castanhos preocupados.

— Oi... finalmente, você acordou — a voz rouca declara, tingida por


alívio.

Sua mão aperta a minha e Jasper se inclina levemente, as ataduras em seu


peito saltam aos meus olhos e isso parece desbloquear minha memória e me tirar
do limbo estranho em que estive envolta, até então. Selena e seu comportamento
estranho. A sua transformação. Os rosnados e a raiva. Os ciúmes. O ardor intenso
que me queimou até a última célula do corpo, modificando-me imediatamente e
me tornando algo diferente. Forte e impulsivo. E de garras afiadas que poderiam
rasgar a pele com facilidade.

Não.

— Não! — um soluço alto quebra a minha voz.

Os braços de Jasper me alcançam, trazendo-me para a segurança do seu


corpo, meu rosto pressionado contra a ferida que eu causei. Não. Tento me
desvencilhar e luto contra seu aperto em meio às lágrimas, mas ele segue me
consolando, tentando me acalmar.

— NÃO! — grito, empurrando seus ombros com força para longe de mim.
— Se afaste, Jasper! Eu... E-eu sou um monstro!

Os olhos castanhos se arregalam, feridos, mas me encolho no canto da


cama, abraçando os joelhos, enquanto sinto meu corpo inteiro estremecer. Preciso
manter o maxilar trincado para não bater os dentes com força.
— Vicky? — a voz calma do meu namorado chama, enquanto ele sobe na
cama, cada movimento lento e calculado.

Nego, estendendo um braço em um pedido silencioso para que se


mantenha longe, enquanto sinto o calor estranho percorrer as minhas veias e fazer
meu corpo inteiro tremer.

— Raio de Sol, respire fundo — pede com o tom calmo. — Está tudo bem.
Estamos em casa. Respire.

Imito os movimentos que ele faz, tentando acalmar meu corpo e, quando o
tremor passa, ele se aproxima mais.

— Na-não — peço e ele para à minha frente. Sua expressão fica


apavorada, quando escondo o rosto nas mãos e choro.

— Victoria, olhe para mim — a voz firme ordena. — Você não é um


monstro! Ouviu? — Sua mão puxa uma das minhas, entrelaçando nossos dedos.
— Ei! Olhe pra mim! — Ergo meus olhos e o encontro, sério e determinado,
enquanto leva minha mão aos lábios e deixa um beijo ali, antes de levá-la ao seu
peito. As batidas fortes do seu coração ecoam entre nós. — Eu estou bem. Foi um
acidente, ok?

Concordo brevemente, sem saída, já que a outra alternativa seria me afastar


e eu não sei se teria condições de fazer isso agora. Então, apenas engulo todo o
medo e desespero, encaixando-me em seu colo, quando ele me puxa para os seus
braços e, fechando os olhos com força, desejo que seja só mais um dos meus
pesadelos.
No fim das contas, não era um dos meus inúmeros pesadelos. Não sei
sequer dizer quais deles foram pesadelos de fato — eu devia ter desconfiado, já
que nunca fui famosa por ser tão criativa assim.

Algumas horas atrás, meu quadro piorou um bocado e, junto à febre e à dor
muscular, uma espécie de tosse seca e estranha tem roubado meu fôlego em alguns
momentos, deixando a todos alarmados. Se eu dissesse que não estou preocupada,
estaria mentindo e, agora, encolhida sobre a cama, usando uma bermuda e uma
blusa de Jasper, com o rosto apoiado nos joelhos, encaro a bandeja de comida
intocada ao meu lado, para não ter que olhar para a dupla revoltada à minha frente.

— Você não pode estar falando sério! — Harper joga os braços para cima,
frustrada. — Vicky, sua vida tá em perigo! Essa febre que vai e volta é sinal de
uma infecção no seu corpo, e ainda tem a tosse...

— A Sra. Holloway disse que há uma chance de... — interrompo-a, mas,


logo, Jasper estala a língua e se aproxima mais.

— Não faça isso comigo, Victoria — Jas se aproxima e me encolho mais


no lugar. Não quero feri-lo ainda mais, porém, não sei o que fazer para que ele
compreenda e aceite a minha decisão.

Será que é tão difícil de entender?

Não aceitar a ajuda de Ash foi uma decisão razoável — Como poderia
pedi-lo para me ajudar, quando me transformei na imagem de seus piores
inimigos? Depois de tudo o que fizeram contra todos nós? É isso que Jasper,
Harper, minha mãe e o resto não entendem. De alguma forma tortuosa e irônica,
transformei-me no meu pior pesadelo.

— Posso ficar a sós com ela, por um momento? — é minha mãe, que
estava calada, assistindo a tudo em silêncio na poltrona ao lado da cama, quem
pede.

Com alguma resistência, até mesmo Jasper deixa o quarto, seu olhar
magoado, fixo em mim, enquanto se afasta, fechando a porta atrás de si ao passar,
deixando-me a sós com Elinor Miller, que coloca as mãos na cintura, como fazia
quando eu era criança e fazia alguma malcriação.

Seu gesto me faz rir, assim como a ilusão de ter a porta fechada, já que a
maioria ali conseguirá ouvir tudo o que falamos dentro dessas paredes, de
qualquer forma, mas isso não parece diminuir a tensão da enfermeira-chefe, que
segue me olhando com os lábios crispados.

— Pare já com isso. — Minha mãe se senta na cama e sua expressão


austera me garante que não está brincando. — Victoria, você sempre foi uma
garota inteligente e se tornou uma mulher decidida e esperta, então, pare com essa
bobagem! — Seus olhos claros percorrem o quarto, parando no quadro de cortiça,
onde Jasper mantém várias fotos nossas, e então, me encara, disparando em
seguida: — Você deveria ter pensado melhor, antes de se envolver com um deles.
Sempre esteve sujeita a esse risco…

— Mãe, não fale assim… — interfiro. — Como se fosse algo ruim ser um
deles — respondo, sentindo a indignação arder dentro de mim. — Como se fosse...

— Errado? — Um sorriso discreto ergue seus lábios finos. — Então, por


que resistir tanto em aceitar a ajuda de Liam Ashbourne? Por que nos fazer sofrer
dessa forma? Jasper está um caco, desde que tudo aconteceu, minha filha. Você
escolheu um lobo para passar a vida junto. A vida, Vicky.

Ela não entende. Será que ninguém percebe?

— Eu não sou um deles, mãe — murmuro baixinho, embora saiba que


todos podem me ouvir muito bem, através da porta. Eu mesma posso ouvir suas
respirações ansiosas do outro lado. — Esse é o problema! Será que não entendem?
Me tornei a porcaria de um lembrete, de tudo o que aconteceu, meses atrás... —
um soluço magoado escapa da minha garganta. — Se Jack Miller queria me
destruir, então, que ele fique satisfeito no inferno! Porque conseguiu!

— Não... — ela nega, se aproximando. — Não! Vicky, meu bem! Não!


Acha mesmo que isso importa, para qualquer um de nós?
Uma nova crise de tosse toma o meu corpo e, dessa vez, gotículas
vermelhas mancham o lençol branco da cama e a minha boca, deixando minha
mãe ainda mais preocupada. A porta se abre de repente e, embora eu pudesse
apostar uma boa quantia de que seria Jasper parado ali, sou surpreendida com o
sujeito, vestido em suas roupas pretas habituais e sua expressão soturna de sempre,
aproximando-se de nós, decidido.

— Você é uma de nós, Vicky — afirma, sem se importar em disfarçar que


esteve ouvindo nossa conversa. — A cor de sua pelagem é indiferente. Humana,
loba ou o caralho sobrenatural que pudesse se tornar em algum momento — seus
olhos muito escuros estão fixos nos meus — você ainda seria parte desse clã.
Porque é a Escolhida de Jasper e família da razão da minha existência, e por ser...
você. Me deixe ajudar.

— É bom que aceite essa proposta, Vicky. — Jasper entra no quarto e para
ao lado do amigo. Sua expressão é tão séria quanto a dele. — Não vou ficar sem
você, entendeu? Não posso.

Embora eu não diga nada, meu silêncio parece ser o suficiente para a
comitiva, já que Ash inclina um pouco o corpo em direção à porta, chamando a
namorada que, claro, estava ali, a postos. Com ou sem audição sobrenatural, todos
estavam bem cientes de nossa conversa, aparentemente.

— Moon? — ele costuma chamá-la pelo segundo nome, desde que se


conheceram, algo que a irritava antes, porém, não mais, pelo visto. — Pode avisar
à Sra. Holloway que estamos prontos.

— Finalmente! — A voz de Mack celebra, ao entrar no quarto. — Porra,


Loirinha, você precisa parar de me assustar assim.

— Tenho que concordar com ele. — Eli joga o braço ao redor dos ombros
largos de Mack quando fecham a fileira ao lado dos outros dois. — Envelheci uns
cinco anos nessas últimas horas.

Como negar algo a eles?


A idosa não demora a vir e, após me chamar de teimosa e impertinente,
explica a todos o que deve ser feito. Ash ouve tudo com atenção, concentrado
totalmente no que deve fazer, enquanto os outros se afastam, dando-nos
privacidade para o que faremos a seguir.

— Vai precisar mordê-la, reivindicando-a para o seu clã — a mulher volta


a falar — escolha um ponto com boa irrigação. O pescoço ou o pulso servem bem.
E, então, vai dar um pouco do seu sangue a ela. Como já foi transformada, por
outro lobo, é necessário que beba de você, para acelerar o processo de cura da
infecção em andamento.

— Tudo bem — anui algumas vezes, visivelmente tenso, esfregando


repetidamente o antebraço tatuado, sob o rosnado nervoso de Jasper, que está
sentado ao meu lado. — Talvez deva esperar lá fora, Jas.

— Sim, faz sentido. Lobos são criaturas voláteis e territorialistas — a idosa


reafirma.

— Não vou a lugar nenhum. — E eu que sou teimosa. Honestamente.

— Jas, eu vou morder a sua escolhida — Ash repete o que a idosa, que
veste uma roupa colorida de vermelho, amarelo e laranja, sob o casaco caramelo
disse, os olhos escuros focados no amigo. — Não vai funcionar se me atacar no
processo e eu tiver que me defender.

— Ele não vai — Harper para ao lado do namorado. — Porque estarei bem
aqui, na frente dele.

— Harper Moon. — O rosnado agora vem de Ash. — Se afaste.

— É importante lembrar que isso vai ocasionar uma reivindicação — a


Sra. Holloway volta a repetir. — E isso pode vincular os dois por um tempo.

— Posso lidar com isso — Liam garante, segurando firme a minha mão em
sua palma enorme, enquanto meu namorado, sentado ao meu lado na cama,
ampara meu corpo enfraquecido pela transformação. — Vicky?
— Tu-tudo bem — gaguejo, mordendo o canto interno da boca,
preparando-me para o que vem a seguir. — Jas?

— Desde que fique bem, nada mais importa — meu namorado garante,
estreitando o braço que envolve a minha cintura.

Ash estala o pescoço um par de vezes, desfazendo-se da tensão, enquanto


Harper tira um pouco de sangue de suas veias com uma seringa.

— Tudo bem, estamos prontos — ela avisa, afastando-se do namorado,


olhando para o modo tenso do jogador teimoso ao meu lado. — Jasper, que tal
segurar Vicky? Ela parece um pouco fraca.

— Sim — concordo, tossindo brevemente, apenas para enfatizar.

Ainda que eu ache que consiga ficar de pé sem problemas, entendo o que
minha prima está fazendo e me apoio mais em Jasper que, imediatamente, se
coloca às minhas costas, encaixando meu corpo no seu e me envolvendo em seu
calor confortável, enquanto a Sra. Holloway me entrega um cálice com um líquido
escuro e amargo, obrigando-me a beber tudo, antes de entregar minha mão à Ash,
que a segura com delicadeza.

— Me perdoe por isso, Vicky — seu hálito quente faz cócegas em minha
pele, quando seus olhos escuros se fixam nos meus —, mas vai doer para um
caralho.

Sem outro aviso, com um rosnado alto e poderoso, uma versão diferente do
quarterback — os olhos totalmente escuros e sem pupilas, exibem um brilho
prateado hipnotizante, à medida em que ele se transforma em algo metade
humano, metade fera e seus dentes se cravam em meu pulso.

A aflição é instantânea. A dor excruciante percorre o meu braço, enquanto


grito e tento me debater sob o aperto férreo de Jasper, que me mantém parada no
lugar, enquanto Ash murmura mais desculpas e Harper enfaixa meu braço com
cuidado. Assim que ela termina, os braços do meu namorado me giram e ele me
encaixa em seu abraço, sua camisa absorvendo as minhas lágrimas.
— Vai ficar tudo bem, amor — a voz mansa garante, enquanto afaga as
minhas costas.

E, nesse momento, eu só desejo que ele esteja certo.


Eu sabia que seria difícil, mas não tanto.

Porra, ela precisa mesmo suspirar, sempre que o cosplay de morcego


aparece? Caralho de reivindicação dos infernos. Fora o fato de que a loirinha tem
andado meio estranha, mais distante — Muito diferente do que éramos, antes de
toda essa avalanche que nos atingiu. Sempre que um período de calmaria se
apresenta, a merda vem duplicada. Como é que pode?

Termino minha corrida no fim do treino preparatório para a final, quando a


vejo sorrir para mim — linda e totalmente curada, após uma semana, saltitando
com seus pompons e, como de costume, nos últimos dias, suspirando pelo
quarterback suado e fedido, que acaba de parar ao meu lado. O babaca nota a
atenção da minha loirinha, é claro, e encara a ponta dos tênis, como se sua vida
dependesse disso. Ridículo.

— Você precisa parar de fechar a cara desse jeito — Harper dispara, assim
que chega até nós, abraçando a cintura do namorado, sem se importar que ele
esteja o puro suco de grama e terra desse lugar. — Sabe que ela não consegue se
controlar, por enquanto, por causa da “esquisitice de lobo”, mas que te ama.

— Não estou fechando a cara, porra nenhuma. — Fecho meus braços ao


redor da cintura da loirinha, que correu até nós e se ergue nas pontas dos pés,
beijando o meu rosto suado, reclamando manhosa, quando esfrego a barba por
fazer em sua pele macia.

Talvez, eu só esteja sendo implicante. Já que também sou o puro suco da


sujeira, nesse momento, e Vicky não hesita em se aproximar de mim e me beijar,
como sempre fez. Então, por que sinto que há algo de errado? Nada parece capaz
de aliviar o vazio em meu peito e a sensação oca que surgiu, desde o momento em
que...

Porra, é isso. A compreensão me atinge, como um soco no estômago.

— Jas? Tá tudo bem? — Vicky encaixa a mão em meu rosto, tentando


entender o motivo do meu resfolegar.

Não. Eu, definitivamente, não estou bem.

— Claro. — Forço um sorriso que não convence absolutamente ninguém,


percebo. — Só estou cansado. A final tá chegando e os treinos são puxados.

— Se quiser cancelar... — começa a falar, tentando se ver livre das nossas


excursões pela floresta e dos treinos sobre quatro patas, no quais temos treinado
seus novos sentidos aguçados e suas habilidade de loba, mas a interrompo.

— Não vai escapar, Raio de Sol. — E o modo como olha para mim, me faz
sorrir de verdade, dessa vez.

Nem tudo está perdido, se ela ainda me olha desse jeito — Como se eu
fosse o seu mundo. Ainda mais, quando acabo de perceber o que está diferente:
não há mais vínculo algum entre nós.

Nossa ligação de antes, acabou.


Felizmente, os caçadores nos deram uma trégua. Já faz alguns dias desde a
última vez em que foram vistos zanzando pela floresta e não fizeram mais
nenhuma vítima. A teoria de que estão à procura de algum lobo específico foi
lançada por um dos homens do clã e não abandonou mais a minha cabeça.

Mas, quem seria? E por quê?

Cabisbaixo, ouço Liam contar sobre a última ligação da minha mãe,


cobrando pelo seu casamento com Harper, já que, segundo ela, não é de bom tom
ficar noivo por anos, mas meu amigo parece não querer abusar da sorte,
pressionando a noiva tão cedo.

— Caralho, Jas — rosna, virando-se para mim, quando chegamos ao


prédio da reitoria, onde, normalmente, nos separamos. — Qual é a merda do
problema?

E então, conto tudo a ele. Tirando das costas o peso que tem ameaçado me
sufocar, desde que descobri o motivo do silêncio no peito. Para minha surpresa,
ele ouve tudo calado, antes de exprimir uma opinião. Ou talvez, ele só me devolva
uma pergunta retórica, ajudando-me a chegar a uma conclusão por mim mesmo.

É uma técnica que funciona bem, como eu mesmo constatei.

— Jasper, isso muda alguma coisa, para você? — Seus olhos muito escuros
e sérios focados em mim. — Seus sentimentos por ela mudaram?

Porra, não.

— Então, não vejo por que não a reivindicar novamente — dá de ombros.


— Você é louco por ela e Vicky também não fica atrás.
— É possível fazer isso? — Ele pensa por um instante e então, apoia a mão
em meu ombro. — Reivindicar alguém duas vezes?

— Vamos à Sra. Holloway, logo após a faculdade, mas acho que sim.
Victoria mudou — considera. — Talvez, seja isso o que aconteceu. Então, pode ir
tirando esse cu da cara, porque nossas garotas estão a caminho.

Como de costume, Vicky usa uma de suas blusas de tecido claro e calça
jeans, sob o casaco rosa, e logo se lança nos meus braços e deixa um beijo em
minha boca, apesar de corar quando o idiota a cumprimenta com seu tom rouco e
baixo de sempre. Palhaçada do caralho.

O fato de eu sentir o ciúme arder dentro de mim, a cada vez em que isso
acontece, só comprova que, para o meu lobo — e para mim — nada mudou.
Victoria Miller ainda é a minha escolhida. E, quando ela entrelaça nossos dedos,
meu peito se expande, sentindo seu perfume — agora, um tanto diferente, mas
igualmente delicioso — invadir todos os meus sentidos, sei que tudo vai ficar
bem, de alguma forma.

Mesmo que não seja tão bom assim, para mim.

Ansioso, espero-a chegar e, mesmo quando ouço seus passos subindo os


degraus a caminho do meu quarto, não consigo deixar de pensar que posso estar
cometendo uma merda de erro. No fim das contas, a velhota noveleira pensa da
mesma forma que Liam e que, quando se transformou, Vicky se tornou alguém
diferente e isso rompeu nosso vínculo. O que, segundo ela, não seria empecilho
algum para que um novo seja forjado.

Não, necessariamente, comigo.


Porra.

— Jasper? — ela abre a porta, após bater e me encontra sentado na cama,


vestindo um moletom surrado e uma camiseta velha, tentando tomar coragem de
fazer algo difícil e que pode me custar muito.

Pode me custar tudo.

— Vicky? — Seguro firme em sua cintura, virando-a para mim e


encaixando-a entre as minhas pernas, observando o modo tranquilo com que joga
os braços sobre meus ombros, como se não fosse nada demais.

— Estou preocupada... — acaricia os meus cabelos levemente. —


Aconteceu mais alguma coisa?

Várias.

— Só mais um minuto? — garanto a ela, engolindo em seco, antes que


meus lábios busquem os seus, beijando-a lentamente, provando seu gosto doce
com a minha língua e, quando as coisas começam a esquentar, ela enrijece,
afastando-se. Como vem fazendo, desde que tudo mudou, ela foge de mim. —
Tudo bem...

Vicky me encara em silêncio, sua preocupação presente no toque firme e


quente de seus dedos e no modo como sua testa franze, quando indico o lugar ao
meu lado na cama, para que se sente.

— Jas? — murmura, deixando a mochila de lado. — Você tá me


assustando.

— Me perdoe. — Acaricio as costas da mão que repousa em minha coxa,


antes de começar a brincar com seus dedos. — Vicky, eu entendo que as coisas
mudaram, depois da sua... transformação.

— Jasper... — ela começa a dizer, mas eu a interrompo.


— O nosso vínculo, ele... não existe mais — despejo de uma vez,
observando seus olhos se arregalarem. — Embora, ainda seja muito real para mim.
Eu ainda sou seu, Victoria Miller — garanto rapidamente. — Mas, talvez, tudo
seja muito novo para você e vou estar ao seu lado sempre, te ajudando nessa nova
rotina, mas não tem obrigação alguma de estar comigo. Talvez, não se sinta da
mesma forma. — Seus olhos cor-de-mel se ampliam e ela abre e fecha a boca
algumas vezes, sem produzir som algum, como se não soubesse o que dizer, então,
abrevio a situação desconcertante. — Não fale nada agora, apenas pense a
respeito.

Um tanto confusa, Victoria concorda em silêncio e, quando parece incapaz


de me encarar, no momento, sinto meu coração se quebrar em milhares de
pedaços, mas, ainda assim, sigo firme com a minha resolução. No fim da noite,
após um tempo praticando sua transformação em uma clareira próxima à margem
da floresta, nos despedimos com um beijo rápido, após uma garantia minha de que
estamos bem.

Desde que ela deseje isso tanto quanto eu.


Quase dois dias, desde que Jasper e eu tivemos aquela conversa e, apesar
de estarmos juntos quase o tempo todo, sinto sua falta. Desesperadamente. Mas
não posso deixar de pensar que o fato de ser um lobo branco afetou a nós dois —
como poderia pedir a ele que superasse algo que, nem mesmo eu, tenho certeza de
que o farei um dia?

— Sinto o cheiro da fumaça daqui — Kat comenta com Harper. As duas se


aproximam, após o fim de mais um treino.

Selena, que termina de guardar os halteres, nos cumprimenta com um


sorriso sem graça, antes de sair em direção aos vestiários. Segundo Ash, ela se
mantinha vigilante, porque sentia que havia algo errado comigo e que esse fato
passou despercebido por eles, por estarem dessensibilizados com minha essência
ou algo assim. Sorrio de volta. De toda forma, aquele ciúme esquisito foi
devidamente substituído por um vazio dolorido no peito.

— E perdemos ela de novo! — minha amiga torna a dizer. — O que tá


rolando entre você e o jogador mais apaixonado da liga universitária? Desculpa,
Harper, mas o Jasper é tão óbvio, que chega a doer.

— Sem problemas. O meu quarterback é mais arisco — minha prima


concorda — mas não menos romântico...

Kat revira os olhos e junta as mãos em frente ao corpo.

— Não preciso de mais motivos para sentir inveja de você, Harperzinha —


implora. — Por favor, eu realmente tenho lutado, não torne tudo mais difícil!

É impossível não gargalhar de sua expressão sofrida.

— Vou sentir sua falta, Kat — A maluca conseguiu se transferir para a


Montbianc University e se muda no fim do semestre, realizando seu sonho de
deixar Silent Grove para trás.

— Eu sei. — Lança o braço em meus ombros. — Mas estarei sempre a


uma ligação de distância. Das duas. — Puxa Harper para um abraço. — Ouviram?
Agora, me conta, o que tá acontecendo entre vocês?

— Talvez ele tenha se cansado de mim — resmungo.

As duas me encaram com expressões gêmeas de choque e uma comoção


acontece no campo, onde o sujeito em questão é derrubado pela linha de defesa do
time adversário, enquanto seus companheiros titulares e o treinador o xingam
repetidamente.

— Me poupe, Victoria Miller! — Kat bufa. — O que realmente aconteceu?

— Katrina! — a capitã do Squad me salva de responder quando convoca


minha amiga, que resmunga um xingamento baixinho e me garante que não vai
deixar passar.

Pelo menos, terei tempo de pensar em uma justificativa decente, que não
envolva vínculos sobrenaturais.

— Vicky, o que aconteceu? — minha prima não iria me deixar escapar


com tanta facilidade.
— Será que podemos ir andando? — aponto para os vestiários, enquanto
os jogadores do Warrior Wolves xingam Jasper mais uma vez.

Sempre tão curioso...

Mal entramos no local vazio — o treino acabou já há algum tempo — e os


olhos acinzentados me encaram, exigentes.

— Nosso vínculo foi dissolvido quando mudei — explico e ela assente. —


A verdade é que eu me afastei. Não de propósito, nunca... Mas não me sentia ou
sinto... digna. Então, Jas me deu um tempo para pensar e escolher. E eu... Talvez
ele esteja confuso ou... talvez, o fato de eu ter me tornado uma loba branca... —
pelo seu olhar, ela entende o que estou querendo dizer — tenha sido demais.

— Você tem dúvida? — a pergunta de milhões. — Sobre Jasper? Você


mudaria alguma coisa?

Nego. Como poderia? Apesar do tal vínculo ter se dissolvido, nada


relacionado a Jasper parece diferente. Sim, eu me afastei. Mas apenas porque não
estava conseguindo lidar com o fato de ser a personificação dos nossos pesadelos e
não por ter deixado de amá-lo. Que droga de confusão!

— Você nunca pensou em... mudar? — pergunto e ela sorri, negando.

— Nunca passou pela minha cabeça — dá de ombros. — Eram muitas


coisas acontecendo ao mesmo tempo e... Não, não faz diferença para nós. Mas
combinou com você. A coisa dos pelos brancos, ficou elegante e combinou muito
com você, eu juro.

— Falou a garota que gritou apavorada — recordo do pouco que registrei


antes de a dor tomar conta de mim.

— Não me julgue! Foi a surpresa. Eu achei que estava morrendo, Vicky.


Isso sim, foi traumatizante. — Um sorriso gentil surge em seu rosto bonito. — Dê
a sua resposta a ele, rápido — sempre objetiva, minha prima aconselha. — Tenho
certeza de que Jas também está sofrendo com a distância.
Um grupo de alunas entra no vestiário, encerrando o assunto, e nós
seguimos para casa, enquanto rumino nossa conversa. Eu sou alguém diferente
agora, faz sentido que algumas coisas mudem, certo?

— Moon? — minha prima me encara, quando estamos quase chegando em


casa. Uma ideia maluca crescendo em minha cabeça e que parece certa.
Estranhamente certa. — Acho que preciso de ajuda com alguns costumes do clã...
Que tal uma visita rápida à Sra. McGraff?

— Algo impossível de ser feito, ela nunca nos deixaria ir — sorri,


referindo-se à mulher tagarela. — Mas que costuma envolver bolo de limão e
várias torradas com geleia. Vamos agora?

Não demoramos mais do que meia hora para chegar à fazenda, entretanto,
não há sinal algum da Sra. McGraff em sua casa, ou na casa de hóspedes, onde seu
marido garantiu que ela estaria. Eu só precisava de um pouquinho de sorte.

— Ok, podemos voltar uma outra hora — resignada, dou meia volta, sendo
seguida de perto por Harper, quando Selena entra na sala, fazendo minha prima,
literalmente, rosnar.

Possivelmente, reflexo de tanta convivência com Ash, que vive rosnando


por qualquer coisa.

— Me desculpem, eu não queria interromper — a garota afirma, torcendo


as mãos diante do corpo, desconfortável. — Olha, eu sei que devo um pedido de
desculpas a vocês. E eu realmente sinto muito por toda a estranheza de antes, mas,
é porque achei que você poderia ser um risco a todos nós. Mas tudo aconteceu e…
bem, eu fico feliz que esteja bem, Victoria.

— Seeeei! — Harper cantarola, intransigente. — Mas bem que poderia ter


avisado a qualquer um de nós sobre suas suspeitas, não é?

— Está tudo bem, Selena — atalho, ignorando o olhar indignado da minha


prima. — Sabe onde está a sra. McGraff?
— Foi à cidade mais cedo, já deve estar voltando. Eu realmente sinto
muito — repete e vai se retirando, sob o olhar desconfiado da minha prima, que
parece mudar de ideia no último minuto.

— Selena? — Harper chama. — O que sabe sobre os costumes de


reivindicação entre os lobos?

A princípio ela fica confusa, mas, então, seus olhos encontram-se com os
meus e ela sorri, voltando à sala.

— Do que precisa saber? — seu rosto parece genuinamente aliviado. De


uma forma que eu nunca havia visto antes, diga-se de passagem. Como se notasse
a minha confusão com sua mudança de atitude, ela explica: — Ninguém mais
aguenta as lamentações de certo lobo, em todas as rondas. Estamos apostando no
pedra/papel/tesoura pelos plantões com ele. Não tem sido fácil. O que querem
saber?

— Tudo! — sou eu quem responde a ela. — Eu preciso saber de tudo.


Há muita bobagem propagada a nosso respeito, pelas histórias sobre
lobisomens. Muita. Mas a influência da lua cheia sobre nós, não pode, ou deve ser
negada. Ficamos mais sensíveis, nervosos, agitados e com um tesão incontrolável.
E a porcaria da super lua no céu está realmente mexendo com os meus nervos.
Inquieto e ansioso feito um animal enjaulado, ando de um lado ao outro do meu
quarto, tentando não sair correndo em direção ao centro da cidade e me jogar aos
pés de certa garota loira, que não sai da minha cabeça.

Quanto tempo mais, ela precisa pensar?

Um puta tiro no pé, essa ideia dos infernos.

Por fim, desço as escadas, cansado de ficar ali e, claro, não encontro
nenhum dos idiotas à vista. Todos devem estar aproveitando os efeitos da maldita
lua alta no céu, se esbaldando por aí, mas não eu.

A porcaria de um lobo solitário. E dramático para um caralho.


Em algum lugar no caminho até a floresta, ouço a discussão tensa entre
Mack e uma garota, que parece bastante nervosa. Selena. Ao que tudo indica, não
é apenas Vicky que tem um pé atrás com a morena de olhos dourados e é isso que
o meu amigo faz questão de dizer a ela, em algum lugar por perto. Sorrio, já que,
de algum modo, não estar sozinho em minha inquietação, me faz bem.

Você já foi uma pessoa melhor, Jasper.

Às margens da floresta, respiro o ar frio da noite enquanto observo a


neblina que engole as árvores, ignorando a merda do perfume fantasma de Vicky
— agora sempre mais picante e com notas doces de flores de laranjeira — que
parece pairar ao meu redor, como a porra de um lembrete da minha idiotice,
embotando todos os meus sentidos e evocando a memória do toque macio de sua
pele e do modo como gemia o meu nome em noites como essa.

Maravilha! Totalmente duro diante da floresta escura.

O som de alguns galhos se partindo, atrás de mim, denunciam que alguém


se aproxima. Respiro fundo, buscando imagens mentais estúpidas e brochantes em
uma tentativa desesperada de desacelerar o meu corpo, para impedir que a pessoa
me encontre na situação deplorável do momento, mas um olhar rápido por sobre o
ombro, me faz virar a cabeça de forma rápida de volta para a floresta, pouco me
importando com o volume indecente sob a calça do meu moletom, enquanto meu
coração acelera de forma insana.

Porque quem caminha em minha direção, usando nada mais do que um


vestido claro soltinho e de alças finas, é a mulher linda que me tem nas mãos e que
domina cada pensamento meu. Com um sorriso tímido, Victoria Miller se
aproxima de mim e faz meu peito se apertar de forma nada natural ou agradável,
diante da possibilidade de que tenha vindo me dar a resposta que passei a temer,
nos últimos dias.

— Oi... — cumprimenta ao parar ao meu lado, seus olhos também focados


na floresta, antes de buscar a lua, que está alta no céu, nesse momento.
É claro que não consigo manter minha atenção em qualquer outro lugar,
que não seja a mulher ao meu lado.

— Pensei que não sairia de casa, hoje — soa como uma acusação, embora
essa não tenha sido a minha intenção.

— Eu não podia mais esperar — limpa a garganta e, então, volta toda a


força dos seus olhos para mim, engolindo em seco. — Jasper...

Abaixo os olhos, tentando lidar com toda a bagunça em meu interior e com
a possibilidade de que eu não seja mais o que ela quer. Caralho! Estou cogitando
interrompê-la e inventar uma desculpa qualquer para me esconder, mas ao invés
disso, ouço-me dizendo:

— Foi mais tempo do que eu imaginava... — as palavras soam amargas.

— Sim. — Vicky abaixa a cabeça, visivelmente sem graça. Parabéns, seu


babaca! — Não por causa da decisão, essa parte foi fácil.— Sorri. — Mas porque
eu precisei de um pouco de ajuda para entender algumas tradições e, você sabe, eu
sou nova nessas “esquisitices de lobos” e queria fazer a coisa certa, dessa vez.

Ela dá um passo e se coloca à minha frente, encaixando os dedos trêmulos


nas alças finas antes de as descer, lentamente, deixando que o maldito tecido
brilhante e claro, como a pele que expõe à brisa fria da noite, caia aos seus pés.

Caralho.

Por um instante, pego-me observando ao redor, capaz de avançar sobre


qualquer um que esteja sendo presenteado com essa visão incrível. A porra de uma
fada. Minha fada. Porém, não consigo desviar meus olhos de seu rosto lindo,
ligeiramente corado pela timidez tão típica dela.

— Vicky, o que... — faço menção de me abaixar e pegar o maldito vestido,


quando ouço alguns passos próximos a nós, mas paro no lugar, quando seus dedos
mornos, seguram-me pelo braço. Um toque leve, mas exigente, interrompendo o
movimento.
— Eu posso ter mudado um pouco, nos últimos tempos... — Mais um
sorriso lindo desponta em seus lábios e faz meu coração acelerar. — Eu tive medo,
confesso, que talvez fosse demais para você, lidar com a minha nova aparência —
nego com veemência, mas seus dedos cobrem os meus lábios, quando ela se
aproxima mais, o tremor do seu corpo reverberando no meu —, mas há algo em
mim que permanece imutável. Mesmo que eu não seja mais a mesma, ainda sou
sua, Jasper Hill. Você ainda é meu?

Porra! Se eu estiver sonhando, não me acordem. Nunca.

Sorrio e me aproximo mais, minhas mãos tocando firme na pele nua de sua
cintura, sentindo-a se arrepiar ao mesmo tempo em que o perfume delicioso da sua
excitação toma o ar ao nosso redor.

— Para sempre, Raio de Sol — o tom gutural da minha voz surpreende até
a mim mesmo. — Mas poderíamos ter essa conversa vestidos.

— Não posso mais desperdiçar roupas — dá de ombros, fazendo os seios


apetitosos saltarem e a minha boca salivar.

— Senti sua falta, sabia? E meio que fiquei com medo de que estivesse
repensando sobre nós — admito, roçando minha boca na sua.

— Nunca. Você sempre foi uma certeza. — ela diz, recuando um passo.

Sua pele clara quase brilhando sob a luz da lua imensa no céu. O que pensa
que está fazendo? Vicky sorri, lendo a pergunta em minha expressão chocada, mas
segue aumentando a distância entre nós.

— Me disseram que a tradição diz que os lobos costumam caçar suas


escolhidas para marcá-las. — Volta a se virar de frente para as árvores, mas não,
antes de sorrir por sobre o ombro. — Você terá o trabalho dobrado, ao que tudo
indica. Vai me caçar, dessa vez?

Meus lábios se erguem em um sorriso lupino, notando o modo como sua


respiração se acelera, ansiosa pelo que vem a seguir.
— Eu te caçaria e te marcaria como minha milhões de vezes, Raio de Sol.
— Volto a colar meu corpo no seu, dessa vez, tocando-a sem cuidado ou hesitação.
Mas com muita necessidade. — Corra o mais rápido que puder. Dessa vez, as
coisas serão mais... selvagens.

Com um sorriso no rosto, Vicky corre em direção às árvores e se


transforma na linda loba branca, antes de desaparecer através da neblina que toma
conta de tudo, ansiosa pela fera que acaba de despertar e que clama por ela
desesperadamente. Não demora mais do que poucos minutos para que eu a siga,
pouco me importando com as minhas roupas, perseguindo sua fragrância única,
enquanto ela me provoca em seus pensamentos.

— “Pronta ou não, aqui vou eu.”

Nem nos meus melhores sonhos, imaginei que algo assim poderia
acontecer. Desde que meu lobo fez sua escolha, uma vida tranquila ao lado de
Victoria Miller era tudo o que eu precisava para ser feliz — ainda preciso, claro.
Porém, a sensação do vento frio em meu pelo, enquanto a persigo por entre as
árvores em nossas formas animais é algo inimaginável. Deliciosamente
impossível. Sigo seu rastro, deixando que pense que está no comando, enquanto
corre à minha frente — a caçada deixando-a tão excitada quanto estou, nesse
momento.

—“Tem certeza de que vai por aí, Raio de Sol?” — provoco-a quando
salta sobre um pequeno córrego, correndo pelo terreno descampado, em direção ao
rio.

Sua loba bufa, rosnando baixo, visivelmente indignada, tomando ainda


mais distância. Assim que pulo para a planície, farejo o ar em busca de sua
essência lupina, mas sou atingido com força quando as notas frescas de seu
perfume habitual, de lírios e patchouli, me encontram.

Não demoro a encontrá-la, os movimentos na água chamam a minha


atenção, antes que os cabelos loiros e molhados surjam na superfície, revelando a
pele pálida e nua sob a luz da lua. Um rosnado potente de apreciação irrompe da
minha garganta, antes que eu mergulhe na água, submergindo em minha forma
humana ao seu lado.

— Te peguei — aviso à ela, colando meu corpo às suas costas, sentindo-a


estremecer contra mim, antes que se incline e eu cubra a sua boca com a minha,
sem conseguir me conter.

Meu coração bate forte contra o meu peito e tudo o que há no mundo é ela:
a razão da minha existência, minha Victoria. Percorro suas curvas com as mãos,
antes de deslizar uma delas entre suas pernas, correndo meus dedos pelo seu
clitóris, enquanto ela move os quadris, buscando por mais contato. Gemendo
baixinho, joga a cabeça para trás, descansando-a em meu ombro, enquanto se
entrega ao desejo que a emoção da caçada provocou em nós dois.

— Mais — murmura, esfregando-se contra a minha palma. — Eu


preciso…

Ela não termina de falar, apenas se vira em meus braços e me beija com
impaciência, mastigando meu lábio inferior, arrancando um rosnado baixo de
alerta da minha boca, quando ergo-a em meu colo, sentindo-a se abrir para mim,
circulando as pernas em minha cintura, sem deixar de me beijar. Suas mãos
passam a me agarrar com força, a língua respondendo a cada provocação da
minha, arrancando um grunhido baixo quando encaixa nossos corpos sob a água,
afundando as unhas em meus ombros, rompendo a pele e fazendo brotar sangue
dali, enquanto leva meu pau até o fundo de seu corpo. Com um rosnado de
protesto, movo-me lentamente em seu calor, estocando firme uma única vez,
sentindo-a gemer em protesto, quando me retiro.
— Ainda não, Raio de Sol — aviso.

Nos conduzo até a beira do lago, erguendo seu corpo pequeno ali, antes de
também sair da água. Nossos corpos escorregando pelo chão de terra e pelas
folhas da árvore frondosa que cerca o lugar, mas nada disso importa agora. Deixo
o meu lobo dominar a razão e enquanto lambo e mordisco seu pescoço, assisto-a
se abrir para mim, afastando-me para admirar todas as suas cores sob a luz
prateada da noite, enquanto subo e desço as mãos pelo meu pau, desesperado por
algum contato. Vicky rosna, exigente, buscando a minha boca e me fazendo rosnar
de volta, quando me toca, substituindo minha mão pela sua.

Com ferocidade e uma brutalidade animalesca, deslizo as mãos sujas de


terra pelo seu corpo, marcando sua pele, enquanto desço a boca até os seus seios,
apertando, mordendo e chupando os mamilos, enquanto ela se contorce sob mim,
clamando por mais e ronronando satisfeita, quando minha boca alcança o alto de
suas coxas, abrindo-se ainda mais para mim.

— Jasper! — suas mãos agarram forte o meu cabelo, à medida que a


devoro com vontade, coletando tudo o que é meu de direito, enquanto ela rebola o
quadril em minha boca, erguendo-o descontroladamente em seu prazer,
arranhando minhas costas com suas garras e, me fazendo rugir de satisfação,
quando deixa a sua marca em mim, cravando as presas em meu braço.

Não paro de chupá-la, até que esteja se contorcendo violentamente em


minha boca, o orgasmo atingindo-a com força e seus dentes buscam meu ombro,
dessa vez, quando ela me puxa para cima em um gesto instintivo e feral. Um
rosnado — alto e exigente — deixa a sua garganta quando o perfume das nossas
essências fundidas toma o lugar. Vicky me reivindica, lambendo a ferida e me
deixando à beira de um precipício.

— Você é meu, Jasper Hill — murmura, roçando a boca no local dolorido.


Sua voz rouca e sexy e excitante para um caralho.
— Sempre — Busco sua boca com voracidade, enquanto me encaixo nela,
finalmente.

Primeiro, estoco até o fundo, sentindo-a me apertar, e então, começo a me


mover em um ritmo firme em seu calor, enquanto ela me recebe, sua boceta
pulsando ao meu redor, se deixando levar pela euforia do vínculo recém-gerado,
levantando os quadris de encontro ao meu, quando meus dentes roçam seu ombro,
pescoço e o colo, fazendo-a ronronar baixinho em expectativa.

— Tão. Gostosa — rosno em seu ouvido. — E minha. — Mordo a linha do


seu queixo, quando minha mão aperta forte a sua coxa, abrindo-a ainda mais para
mim, estocando fundo em seu corpo, antes que minha boca volte ao seu pescoço,
lambendo a carne macia, marcando sua pele, enquanto sigo até seu ombro,
afundando os caninos ali, ao mesmo tempo que me derramo em seu corpo.

Minha.

Mais uma vez. E para todo o sempre.

A sensação de completude nos toma, fundindo-nos, finalmente, em um só,


enquanto o perfume do nosso vínculo se espalha ao redor dos nossos corpos ainda
unidos — Um aroma forte, profundo e viciante. Um elo eterno e indivisível.
Assim como nós.
A ideia de que não se pode ter tudo na vida é algo que faz cada vez mais
sentido para mim, ainda mais, quando, após me acertar com a minha Escolhida,
marcando-a pela segunda vez — de forma definitiva — e começando a me
planejar para pedi-la em casamento, os ataques do grupo de caçadores, que
parecem malditos fantasmas, volta a atacar.

Tudo bem, nós temos bastante tempo ainda, pela frente. Assim espero.

A novidade dessa semana fica por conta de Chad Graymane II, juntando-se
aos nossos esforços, para ajudar na busca de informações sobre o grupo hostil, que
fez mais duas vítimas em um clã mais ao sul da cidade, na última semana. Sua
presença em uma reunião do conselho, me faz relembrar dos velhos tempos —
nem tão antigos assim — quando seu pai era quem conduzia as reuniões. Aquele
maldito hipócrita.

Que nada tem a ver com o sujeito loiro que nos tem ajudado, sempre que
necessário, e que fez de tudo para que seu pai fosse levado à justiça e pagasse por
seus crimes. Chad II é um sujeito decente, no fim das contas, embora, realmente
me doa admitir isso.

— Nós temos sorte em ter um Alpha — um dos mais velhos do clã dispara,
em meio à reunião. — A falta de um líder forte, enfraquece o clã e nos deixa mais
expostos aos perigos.

Não posso discordar.

— Embora, nosso Alpha não tenha muito compromisso com nossas


tradições — Anthony Darkfur, padrasto da garota que revira os olhos ao seu lado,
comenta. — Vamos mesmo aceitar ajuda de outsiders, contra caçadores que
desejam nos aniquilar?

A garota de cabelos escuros, como os do homem sentado diante da mesa


com seus insondáveis olhos escuros, cora o rosto bonito, enquanto tenta se
esconder atrás do filho do ex-prefeito da cidade. Chad, por sua vez, segue o
protocolo e se mantém em silêncio, segurando firme a mão da garota, enquanto
encara Ash, aguardando sua resposta, que não demora a vir.

Malditos jogos de poder.

— Antes de vocês chegarem, aqueles que chama de outsiders foram de


grande ajuda à sobrevivência desse clã durante uma batalha difícil — a autoridade
escorre em cada palavra sua — e a garota com ele, faz parte da minha família. —
Aponta para Marisol Holloway. — Eu pensaria melhor, antes de ofender qualquer
um deles, Sr. Darkfur.

— Eu só estou preocupado. Deveria ter mais respeito com as tradições,


Ashbourne — insiste. — Nem todos os lobos concordam com essa coexistência
pacífica entre inimigos. E, ao que tudo indica, nem os humanos.

Sua fala gera comoção. Os membros mais antigos do clã, um tanto


revoltados com a afronta do homem, enquanto alguns recém-chegados parecem
concordar com a opinião do outro.
— Assim como foram recebidos de braços abertos, também podem partir
quando quiserem, Anthony — Liam responde de forma seca, encerrando o
assunto. — Ninguém será obrigado a ficar, mas falas como essas não serão aceitas.

O homem arregala os olhos com a resposta e enxuga o suor em sua testa


com o lenço escuro que tira do bolso, antes de se desculpar veementemente, sob o
olhar furioso de sua enteada, que aos poucos, acabou se tornando uma boa amiga
de Vicky e Harper. Quando seu olhar dourado encontra o meu, ela se desculpa sem
som a Chad, pela atitude do homem. Mal sabe ela o histórico das pessoas por aqui
com seus genitores. Eu sou uma feliz exceção.

— Bem, se era só isso... Estão dispensados — decreta o fim da reunião,


observando a todos com os olhos escuros analíticos — Selena? — A garota se
separa do padrasto e caminha em nossa direção.

— Eu sinto muito — meneia a cabeça em uma negativa envergonhada. —


E não concordo com ele, é claro. O clã onde cresci era tradicional, antes de ser
destruído por caçadores, acho que está com medo. Tony sempre foi covarde.

— É livre para ficar, se eles partirem — Ash avisa e Selena sorri, aliviada,
antes de sair para o ar frio da noite. — Assim como sua mãe e seus irmãos.

— Você é mesmo o chefe por aqui, Ashbourne — Chad sorri, estendendo a


mão, cumprimentando Ash. — Verei o que conseguimos levantar sobre os últimos
ataques. Tem que haver alguma pista.

— Faça o que for preciso e... obrigado pela ajuda, Graymane — Chad
apenas anui e logo deixa a sala, com a garota tímida em seu encalço. De alguma
forma, vê-lo com outra pessoa, me deixa feliz, uma indicação de que o babaca não
vai ousar colocar as mãos grudentas na minha garota.

Mesmo que a garota em questão tenha se mudado recentemente para a


cidade e pareça quase tão esquisita quanto a avó. Os olhos claros parecem ver
através de nós e em todas as poucas vezes que a vi, sempre fico esperando por
alguma previsão agourenta sobre o meu futuro.
Ash acompanha o meu olhar e dá uma risadinha, enquanto o resto do
conselho deixa a sala. Não demora muito tempo para que ele se levante e pare ao
meu lado, observando as pessoas que ainda conversam a caminho de casa.

— Ainda mantém sua antipatia pelo Chad II — comenta, cruzando os


braços ao mesmo tempo em que apoia o quadril na mesa antiga.

— Vai dizer que não se lembra de quando ele estava de olho na sua
Moon?! — Um silvo baixo escapa por entre os seus lábios. — Foi o que pensei.
Chad pode entrar para a nossa família e, caralho, eu confio nele, mas ainda me
lembro de que ele teve a audácia de tocar no meu Raio de Sol.

— Como vai a adaptação de Vicky a tudo? — Conheço o bastante do


sujeito ao meu lado, para saber que, por trás do tom irônico, ele realmente está
preocupado.

— Um dia de cada vez — porque é a verdade, lembrando-me dos


pesadelos frequentes com as perseguições, mesmo após ter se transformado em
loba. — Ainda se sente mal por conta de sua origem e das lembranças daquela
maldita noite, mas está se aceitando melhor. — Respiro fundo, focando a noite
escura do lado de fora. As vozes se distanciando de onde estamos. — Eu só torço
para dias mais tranquilos.

— Nós todos, Jas. — Bate o ombro no meu, enquanto caminhamos em


direção à porta.

Nós todos.

Dois dias lidando com todas as complicações do desaparecimento de um


dos nossos, que não retornou após a sua ronda noturna, deixando a sua família
extremamente preocupada e a todos apavorados, com a possibilidade de que
nossos inimigos estejam mais próximos do que imaginávamos.

Merda.

Chad e a tímida Marisol Holloway, seguem procurando por qualquer


informação que possa nos levar a descobrir quem são os caçadores e o que
pretendem, porém, sem muitos avanços, já que não dispomos de muitas pistas
sobre quem são, além de uma imagem muito distante de uma câmera de
segurança, enviada pelo clã ao leste de Silent Grove.

Fora isso, ontem à noite quando deixei, a contragosto, Vicky em casa, tive
que lidar com o olhar vazio de sua vizinha e mais uma de suas premonições, que
sempre soam como sentenças. “Todo cuidado é pouco. Tudo está prestes a mudar
mais uma vez, e o perigo, nem sempre, vem de onde se espera.”

Nada como um bom recado criptografado para nos fazer perder o sono.

E, claro, nos transformar em criaturas territorialistas e ansiosas,


enlouquecendo nossas companheiras com a proteção excessiva e cuidado
desenfreado. Precisando descarregar a tensão dos últimos dias, mergulho de cara
em um dos últimos treinos intensos, antes do jogo que nos tornará campeões da
liga universitária de futebol americano, e que abrirá muitas portas para aqueles de
nós que pretendem seguir carreira no esporte.

O que não é o meu caso.

O futebol americano é algo que gosto de fazer, mas meus planos futuros
consistem em advogar, reformar o solar dos Hill e colocar o anel da minha família
no anelar de certa loirinha sorridente, que, no momento, é lançada no ar por dois
companheiros de equipe, enquanto concluo uma volta ao redor do campo, junto
com o time.

— Mais uma vez! — o treinador ordena e volto a correr.


Nem tudo é luta e trabalho.

Graças aos céus.

Deitado na cama de dossel, no quarto decorado com muitos tons de cor-de-


rosa, brinco com uma mecha dos cabelos loiros de Vicky, que cochila com o corpo
esparramado sobre o meu. Dias de glória.

Aproveitando-me descaradamente de que Elinor, sua mãe, está de plantão e


da minha necessidade de estar perto dela, deixei-me ficar após o jantar. Não que
ela tenha reclamado, é claro. Os primeiros meses, após a formação do vínculo, são
sempre mais intensos e, no caso, isso vale para nós dois.

Deslizo as pontas dos dedos pela pele macia de suas costas e sinto-a sorrir
em meu peito, enquanto suspiro, cansado. Quem me dera, pudéssemos usufruir
dessa calmaria pelo resto da vida.

— Qual é o problema? — pergunta, erguendo os olhos castanhos para


mim, ainda totalmente nua.

— Não saber — confesso. — Mais uma vez, estamos no escuro e isso é


uma merda. Como vamos lutar, se mal conseguimos enxergar quem são os nossos
inimigos?

— Não sei — murmura, deixando um beijo sobre meu coração acelerado.


— Mas posso garantir que lutaremos lado a lado, dessa vez.

Porra, não. De jeito nenhum.

— Você vai estar segura, Vicky. E é só isso o que me importa. — Trago o


seu rosto para o meu, sentindo suas coxas se enlaçarem na minha cintura,
beijando-me em seguida, encerrando a discussão.
Aprecio a sua tentativa.

Uma pena que não dará certo.

À medida que nossos corpos se entendem, sinto sua essência invadir meu
olfato e paladar, mas há algo diferente ali. Sutil, mas há algo díspar. Talvez, por
ser uma loba, nosso vínculo tenha alterado os meus sentidos, tornando-a ainda
mais única para mim.

E irresistível.

E quando Victoria Miller se entrega dessa forma, roçando o corpo no meu,


tomando de mim tudo o que quer — ou mesmo quando apenas dorme
tranquilamente em meu peito —, tenho a certeza de que, apesar de todas as
dificuldades e perigos que nos cercam, eu nunca fui tão feliz ou completo quanto
agora.
Estamos todas sentadas no quarto de Harper — que havia sido o sótão de
velharias dos nossos avós, antes de ser decorado por hippies — após a festa de
despedida de Kat, que partiu para Montbianc, uma cidade há três horas de
distância, realizando seu sonho antigo de viver longe das fronteiras enevoadas de
Silent Grove.

Com a proximidade dos caçadores e tudo o mais, não consigo deixar de me


sentir aliviada, sabendo que estará bem e a salvo, quando mais uma guerra
sobrenatural estourar por aqui. De novo.

À exceção de Marisol, que passou a fazer parte do nosso ciclo de amizades


e consegue ser ainda mais certinha do que eu e tem nos ajudado na missão de
saber mais sobre o nosso novo inimigo, todas estamos um pouco bêbadas, por
causa dos drinks que Kat nos fez beber. É por isso que ela está sentada de forma
muito composta na poltrona à frente do pufe, no qual Selena está caída, enquanto
eu e Harper dividimos a sua cama.
— Qual é a história entre você e Mack? — minha prima, como sempre, dá
voz a todos os seus pensamentos, fazendo a pobre garota, usando um antigo
chapéu de madame, que tapava um furo na parede, sobre os cabelos cacheados,
corar, antes de dar um longo gole em seu drink azul claro.

Infelizmente, pessoas bêbadas não têm muito senso e, ao chegar em casa,


Harper e Selena inventaram de fazer drinks especiais com o que encontrassem, o
que resultou em misturas inusitadas e impossíveis de tomar. Após sentir meu
estômago embrulhar, estou fingindo estar tomando uma deliciosa Mimosa, com o
suco de laranja velho que encontrei na geladeira, enquanto Marisol toma sua água,
como a lady que é.

— Não nos toleramos — finge não se importar, erguendo os ombros. —


Ele é um babaca.

— Um babaca com o corpo de um modelo — minha prima comenta e,


quando ela desvia o olhar, bate na mesa de cabeceira e aponta para Selena: —
Vocês já se pegaram. Admita!

— Culpa da lua cheia — cruza os braços na defensiva. — Não vai


acontecer de novo. Eu não sabia que ele e Eli estavam juntos.

— É algo diferente, os dois — Harper acende um incenso, fazendo-nos


espirrar instantaneamente. — Uma espécie de relação aberta.

Apesar de ninguém comentar a respeito, os dois jogadores estão juntos a


seu modo.

— Se queria me mandar embora, era só dizer — brinco, durante algum


tempo, ela acreditou que os palitos fedorentos espantavam os lobos brancos. O
cheiro enjoativo faz meu estômago se contrair de forma nada agradável. — Não
precisava me intoxicar.

— Por falar em algo diferente — Selena afirma, fazendo Harper voltar ao


lugar e eu me aproximar dela. — O seu cheiro, Vicky, não é o mesmo.
Após me transformar pela primeira vez, consegui entender melhor meu
comportamento estranho, principalmente, quando se tratava de Selena — que
justificou sua desconfiança comigo por causa do meu cheiro que ia mudando aos
poucos, deixando-a preocupada. Além disso, fez questão de deixar muito claro, na
primeira oportunidade, que nunca esteve interessada em Jasper, apesar de achá-lo
lindo.

Não julgo. Lembro-me como se fosse hoje, a primeira vez em que o vi.

Óbvio que também tive minhas explicações a dar: aquela desconfiança era
apenas a loba territorial dentro de mim, que não suportava a ideia de eu não ter
marcado Jas como meu. Algo que resolvemos à beira daquela lagoa, algum tempo
depois.

— Talvez, tenha mudado por causa da coisa toda do vínculo? — cogito,


enquanto minha prima resmunga algo sobre “esquisitice de lobos”, que é como ela
denomina tudo que envolve o lado sobrenatural.

— Faz sentido — Selena concorda. — É praticamente um casamento.

— Eu não me casei — Harper contesta, mostrando o anel que adorna seu


dedo. — Estou noiva. E tenho quase certeza de que Liam me marcou.

— Totalmente. Qualquer um, há um quilômetro de distância pode sentir o


cheiro de Ash impregnado em você. — Aponto, apenas para vê-la fazer a careta
indignada de sempre.

— É ainda pior, quando eles estão juntos — Selena provoca — é como


assistir a um daqueles filmes de putaria caseiros.

Do lado de fora, um bufo alto e, então, uma espécie de rosnado muito


semelhante a uma gargalhada feral revela que não estamos tão sozinhas nessa
madrugada, tomando alguns drinks, quanto pensamos.

— Precisamos de novos amigos, Marisol — cruza os braços como uma


criança teimosa — de preferência, que não fiquem farejando tudo o que eu sinto.
— E então, aumenta o tom de voz, para quem está de guarda essa noite, ouvindo
tudo o que falamos — E QUE NÃO SEJAM FOFOQUEIROS DE QUATRO
PATAS!

— É sempre bom ter novos amigos — a voz mansa concorda. — Mas


temos que tomar cuidado com lobos em pele de cordeiro.

Sua fala silencia a todas nós, que trocamos um olhar breve, antes que
Harper dispare:

— Você é realmente uma Holloway! Um brinde às previsões cifradas, que


nunca entendemos! — Ergue seu copo pela metade, para tocar a taça de Selena,
que troca um olhar sério com a garota, que sorri ao brindar com a garrafa de
plástico.

Gargalhamos juntas, esquecendo-nos, por um momento, de todas as coisas


que pesam sobre nós. Um programa de meninas — e um lobo fofoqueiro — era
realmente tudo que eu precisava. Encerramos a noite quando o telefone de Selena
toca e ela corre para atender, avisando que precisa ir para casa, e Marisol aproveita
para se despedir.

Um pouco tonta de sono — e de bebida — caio na cama, enfiando-me de


qualquer jeito debaixo das cobertas. Pouco tempo depois, sinto o colchão se
afunda às minhas costas, antes do corpo quente me aninhar junto a si, ronronando
baixinho, enquanto afaga o meu cabelo, até que pegue no sono.

O que eu não esperava era acordar com a mãe de todas as ressacas, na


cama vazia. Talvez, eu esteja tão habituada com sua presença, que acabei
imaginando que Jasper tivesse entrado aqui — um nível preocupante de
dependência emocional. Forço-me a levantar da cama, apenas para que o mundo
gire e eu tenha que correr até o banheiro, para despejar o pouco conteúdo do meu
estômago.

E eu nem bebi tanto assim.

Ainda de pijama, jogo-me na cama, antes da porta do meu quarto ser aberta
e eu ser arrastada pela dupla dinâmica, animadíssima, para um café da manhã
rápido, antes de irmos para a faculdade.

Tento não cochilar durante as primeiras aulas e a falta de um café da


manhã reforçado cobra o seu preço no refeitório, o que rende várias piadinhas de
Mack sobre o meu apetite, que resolve aparecer de forma totalmente inesperada
durante o almoço.

— Você está diferente, lobinha — Mack me chama assim, desde que


descobriu o quanto isso irrita o jogador ao meu lado. — Mais... deslumbrante.

— Teremos Deslumbrante Miller, agora? — Harper provoca, enfiando uma


batata frita na boca, franzindo o cenho, bastante surpresa, quando aceito o item
ultraprocessado e engordurado que ela me oferece. — Sério?

— Sobre o que estamos falando? — Eli se senta ao meu lado, pegando um


quarto de maçã que estava sobrando por ali. Infelizmente, hoje, minha necessidade
por carboidratos está falando mais alto.

— Sobre como nossa lobinha está deslumbrante. — Os olhos claros de Eli


me observam com atenção, fazendo-me corar imediatamente e um rosnado baixo
de advertência ecoar do peito do meu namorado, sentado do outro lado.

— Radiante — concorda, fazendo Jasper acertar um tapa estalado em sua


nuca.

— Qual é o problema de vocês? Ela é sempre linda, e pronto! — meu


namorado ciumento reage exatamente como eles esperavam, o que rende ainda
mais deboche do resto do grupo.
Entre gargalhadas e tapas, vencemos o almoço e enquanto estou a caminho
da sala para as minhas últimas aulas, preciso parar no banheiro e colocar para fora
tudo o que acabei de comer. Maldito suco de laranja velho.

— Vicky? — a voz da minha prima chama, antes de me ajudar a me


levantar. Eu nem tive tempo de fechar a porta do reservado. — Foram as batatas,
não é?

— E a porcaria do suco de laranja de ontem. — O gosto azedo


remanescente em minha boca, fazendo-me retornar ao vaso.

— Você tem tomado pílula, né? — não confirmo ou nego, estou focada em
me manter de pé, enquanto minha pressão afunda. — Vem, vamos lavar essa boca
e te tirar daqui. Beber até de madrugada, em um dia de semana, claramente não
fez muito bem.

Não mesmo.

Depois de eliminar o que estava me fazendo mal, a náusea passou e,


finalmente, voltei a ser eu mesma. Pelo menos, até o quinto horário, durante a aula
maçante de Direito Tributário, onde estou disposta a matar um boi e devorá-lo
sozinha, quando uma ideia idiota cruza a minha cabeça. Não. Não é possível. Eu
só tenho vinte e dois anos!

Embora seja — não é como se eu passasse todo o meu tempo junto com
Jasper jogando xadrez.

Victoria Jane Miller, você está em apuros.

A expectativa é grande e parece afetar a cidade inteira. Embora o clã ainda


esteja tenso procurando os culpados pelos ataques, Silent Grove inteira se prepara
para o último jogo da temporada do time de ouro de Emberwood. O último jogo
dos Warrior Wolves com sua famosa e temida formação ofensiva.

Termino de fechar minha mala, quando ouço a buzina impaciente, um


aviso de que Ash acaba de chegar para irmos juntos até a universidade, as equipes
a caminho da capital, MontZaffir, onde o jogo acontecerá amanhã. Harper aparece
à minha porta, vestindo seu casaco vermelho e abre um sorriso brilhante quando
pego o meu, quase tão branco quanto a pelagem da minha versão lupina.

— Combina — comenta e me ajuda a empurrar minha mala cor-de-rosa


pelo corredor.

Descemos as escadas juntas e nos despedimos da minha mãe, que também


ouviu a buzina e abre os braços para se despedir.

— Tomem cuidado e avisem quando chegarem, ok? — pede e então,


pergunta à Harper: — Vão visitar a sua mãe?

— Ela está fora com o marido, mas iremos para a casa deles, ao invés de
ficar no hotel — minha prima sorri, denunciando totalmente sua intenção de
passar um tempo a sós com o namorado.

— Tudo bem. Não deixem de avisar! — Elinor me dá um beijo no rosto e


mais um abraço, antes que o Sr. Impaciente buzine mais uma vez. — Ele é
realmente exigente, não é?

— Só está nervoso — justifica. — É um jogo importante.

O último, segundo Jasper. Apesar de serem sondados constantemente por


olheiros da liga profissional de futebol americano, Ash e Jasper não parecem
muito interessados em seguir com a carreira, ao contrário dos outros, que estão
aguardando apenas o draft.

Estamos à caminho do carro, para irmos até a Universidade de onde


seguiremos para o aeroporto em ônibus separados, para desespero de nossos
respectivos namorados, quando a Sra. Holloway se aproxima de mim, após se
despedir de forma fofa de Liam Ashbourne, que parece estar corado com o que ela
acaba lhe de dizer, enquanto Jasper coloca nossas malas na traseira do veículo.

— Tudo acontece exatamente como tem que ser — Os olhos bondosos,


mas preocupados, alertam. — Vocês são mais fortes do que imaginam.

Uma espécie de arrepio gélido percorre o meu corpo, como se


estivéssemos sendo observados. Movo a cabeça disfarçadamente ao redor,
buscando pelo suposto stalker, mas não há ninguém aqui. Farejo brevemente,
como Jas me ensinou a fazer, mas tudo parece normal, exceto pela sensação
estranha de perigo.

— Acredite em sua intuição, criança — os olhos leitosos encaram as


janelas de madeira de uma das casas antigas, um pouco mais à frente e, despede-se
de mim com alguns tapinhas no ombro, antes de voltar com seus passos pequenos
e apressados para casa.

Sim, nós somos fortes, só não precisávamos ser testados o tempo todo.

— Selena não vem? — Harper pergunta, quando entro no banco de trás, ao


lado de Jasper, que troca um olhar estranho com Ash.

— Não. Ela preferiu ficar na cidade. — Seu namorado misterioso manobra


a caminho do campus. — Está preocupada com a mãe dela — complementa.

Uma lufada de vento frio bate em meu rosto e sinto um mover estranho
dentro de mim, uma espécie de repuxar, quase um pressentimento. O pequeno
retângulo de plástico pesa um pouco mais, dentro da minha mochila, e estou tão
perdida em meus pensamentos, que me assusto quando a mão grande descansa
sobre a minha coxa.

— Nós estamos juntos — Jasper sussurra em meu ouvido, quando se


aproxima mais. — Isso é tudo o que importa.

E, nesse momento, pelo bem da minha sanidade, eu decido acreditar.


Toda uma cidade em expectativa, por causa de um jogo idiota. Observo
através das janelas da casa decadente, mas com uma vista bastante privilegiada.
Apesar da velha irritante, que parece conseguir enxergar através das paredes de
tijolos maciços.

— Eles acabam de deixar a cidade — o sentinela na entrada da cidade


anuncia.

Talvez eu devesse agradecer ao maldito Alpha, por facilitar o meu trabalho.


Quem sabe eu o faça, antes de meter uma bala em sua cabeça?

— Nem se eu quisesse, poderia ter elaborado distração melhor — comento


com o idiota sentado à frente da minha mesa, suando feito um porco. Um covarde
de merda, fingindo ser um estrategista. — Prepare tudo e aguardem o meu sinal.
Outra coisa: — lembrando-me só agora. — Fique de olho na garota Silverthorne.
Ela parece estar sempre colada às protegidas do Alpha e agora, vive se
esgueirando pelos cantos com aquele Graymane.
— Gunner, esse rapaz, ele pode representar um problema para nós? — um
idiota que terei prazer em eliminar, assim que tiver o que desejo.

— Talvez. — Imagino-o em um conflito mano a mano com o jovem


Graymane e preciso me segurar para não gargalhar. Se sairia vivo, mesmo em sua
forma lupina? Duvido muito. — Não temos tempo para lidar com a cria daquele
prefeito covarde, Tony.

Enxugando o rosto com a porcaria de um lenço, o outro idiota, tão covarde


quanto o ex-prefeito da cidade, se levanta, incapaz de me encarar por muito
tempo. Melhor assim. Não será difícil exterminá-los, quando chegar a hora.

Todos eles. — Essa é a meta.

Volto a olhar para o charmoso centro da cidade, ignorando a velha que


mantém os olhos fixos em direção à casa antiga em que estou.

Tic-tac.

Falta pouco, agora.


É a minha vez de andar de um lado ao outro na porcaria do quarto de
bagunça, que acabou se tornando uma espécie de escritório para o alpha, que me
observa enervado, enquanto cruzo o espaço apertado mais uma vez. Pela janela, eu
a vejo se aproximar e vejo o movimento tenso que faz com o pescoço, à procura
de alguém que possa estar observando-a subir os degraus.
Os olhos dourados brilham desconfiados na noite escura, mas seus passos
são decididos e, por isso, Selena merece todo o crédito. Ash se acomoda na
porcaria do banquinho da bateria, que foi jogada de qualquer jeito no banheiro,
que já estava entulhado de coisas e Chad II deixa o celular sobre o braço do sofá,
trocando um olhar rápido com a Holloway Agourenta II. O casal 02 tem sido um
tanto enervante nos últimos tempos, apesar de toda a ajuda, exceto pela mania da
garota de ficar fazendo os mesmos comentários enigmáticos que sua avó.
Tempos difíceis de se esperar por tranquilidade e paz.
Ainda mais quando, agora, podemos contar com não só uma, mas duas
Holloways para nos deixar constantemente preocupados com suas previsões
dignas daqueles gurus, que só falam através de charadas. Elas bem que podiam ser
mais claras, certo? Não seria pedir demais.
Um breve momento de distração meu e a porta de madeira se abre,
revelando Selena, que nos cumprimenta brevemente, antes de se sentar no sofá, ao
lado de Marisol Holloway, que cumprimenta a amiga com alegria. Pelo menos,
não ficou com aquela cara de que tudo foi para a merda do brejo.
É um bom sinal.
— Se pretendemos seguir com o plano, eu não deveria estar aqui, Ash. —
Como sempre, de forma prática, ela dispara. Pouco se importando que esteja
falando com seu líder.
— Poderíamos chamá-la de Impetuosa Silverthorne — murmuro para
Mack que, de forma estranha e incomum, permaneceu calado o tempo inteiro,
desde que a reunião começou.
— Sim, seria uma boa definição — Eli comenta, de seu lugar próximo à
janela. Selena apenas revira os olhos, impaciente.
No fim das contas, com a chegada da misteriosa Marisol à cidade, para
uma temporada com a avó e a adição de Chad II ao nosso grupo, acabamos tendo
uma surpresa com a transformação de Vicky: Selena, que não é uma Darkfur,
como seu padrastro, é nada menos do que a filha do último Alpha do clã do leste,
que acabou morrendo de forma suspeita, quando os lobos brancos começaram a
aparecer em nossas terras.
Talvez, o idiota ambicioso que nos assombrava tenha tentado se tornar um
alpha, mas as coisas não pareceram ter dado muito certo, já que ele não conseguiu
seu intento de se tornar a porcaria de um líder forte o bastante para lidar com um
verdadeiro e poderoso Alpha. Jamais saberemos, embora, segundo a Holloway
mais velha, possa ter a ver com alguma punição da natureza, contra os processos
estranhos e antinaturais, daquele maldito exército branco.
Descobrir que Selena seguia uma investigação solitária sobre o que
realmente aconteceu ao seu pai, foi uma surpresa e tanto. E a preocupação só
aumentou, quando trouxe algumas informações e desconfianças com relação ao
padrasto, que parece cada vez mais disposto a minar a autoridade de Ash nas
reuniões, inflamando alguns membros mais antigos e tradicionais, embora ele seja
um covarde, incapaz de enfrentá-lo diretamente.
— Ela não deveria ir sozinha — Mack rosna, atraindo o olhar do resto do
grupo. — Seria muito melhor que continuasse a proteger as garotas Lawson e se
manter longe de toda essa merda, deixando a ação para quem tem preparo para
lidar com isso.
— E esse alguém seria você? — Selena desdenha, revirando os olhos. —
Ash, nós já discutimos isso antes. Eu os tenho monitorado há tempos e posso fazer
isso. As garotas estarão seguras com vocês durante o jogo. É a nossa chance de
tentar encontrá-los.
— Eu detesto a possibilidade de ter um dos meus em perigo quando estiver
longe. — Ash, coça a barba por fazer em seu queixo. Os olhos escuros se
alternando entre a garota vestindo uma calça clara larga e blusa curta preta e o
jogador parado ao meu lado. — Mas Selena tem razão. É a oportunidade perfeita
de descobrirmos onde os malditos se escondem.
— Não sabemos quando teremos outra chance — Chad II acrescenta, os
olhos fixos no computador aberto em seu colo. — Meu amigo tem conseguido
captar algumas imagens, mas nada muito assertivo. Precisamos saber onde estão,
para eliminarmos essa merda de perigo. Estarei monitorando-a o tempo todo e
vamos montar uma equipe de apoio com alguns homens da cidade em pontos
estratégicos. Selena não estará sozinha na floresta.
— Liam, talvez... — começo a dizer, mas o olhar irritado da garota me
silencia. — Não é que eu pense que seja incapaz — explico a Selena. — É que é
realmente muito perigoso e não gostaria de perder mais um de nós para esses
merdas.
— E nem sabemos se ela é realmente uma de nós — Mack acrescenta.
E isso parece inflamar os nervos da garota, que se levanta em um impulso
e caminha até parar à sua frente, revoltada.
— Eu tenho protegido Harper e Vicky desde que cheguei aqui — seus
olhos buscam Liam, que confirma. Claro que ele poderia ter me contado essa
merda de tarefa antes, mas é bem a cara dele não fazê-lo. Harper jamais aceitaria
ser vigiada, é claro.
— E eu pensando que eram amigas... — o sujeito negro, de quase dois
metros de altura, estala a língua, encarando-a. — Como eu disse antes, podemos
realmente confiar nela?
— Ter me tornado amiga delas foi um bônus, muito bem vindo — Selena
fala para Ash e, então, para Marisol, que abre um sorriso tranquilo, confirmando.
— Ash, nós já conversamos sobre isso. É a minha chance de descobrir o que
realmente aconteceu com o meu pai e se aquele sujeitinho insuportável, que se
casou com a minha mãe, está realmente envolvido nisso.
— Eu confio em você — a vibração em sua voz é um aviso claro de que é
o Alpha falando. — E, por mais que não goste, vocês têm razão. — Os olhos
escuros fixos na garota. — Tome cuidado, Selena. Não se arrisque de forma
desnecessária e, caso fique perigoso demais, volte e espere por nós.
Ela concorda com um sinal de cabeça e, então, deixa a sala, descendo os
degraus com pressa, dando a volta na casa, evitando encontrar alguma outra
pessoa por ali, para não correr o risco de chamar atenção de um possível traidor
entre nós.
— Ash, essa garota é problema — Mack avisa, mais uma vez. A
implicância dele é algo estranho para o sujeito ao meu lado que, normalmente, se
dá bem com todo mundo.
— Você tem alguma evidência de que ela não seja confiável? — ele se
levanta, caminhando até o offensive guard [4]do nosso time, que tem as mãos
fechadas em punho ao lado do corpo. — Que cheiro ela tem para você, Mack?
— De engano — rosna e desvia o olhar, recuando em direção à porta, antes
de sair pisando duro e bufando para longe dali.
Por um tempo, ficamos em silêncio, apenas digerindo as informações. Eli
apenas faz um gesto negativo de cabeça para Liam que, sem ter muito o que fazer
no momento, em relação à Mack, que parece estar travando uma batalha interna,
começa a conversar com Chad II, enquanto a, normalmente silenciosa, Marisol, se
aproxima de onde estamos.
— Algumas disputas não têm vencedores — é o que a voz inflexível diz a
ninguém em especial.
Maldito dom do cacete.
Eli me encara com seus olhos claros e um tanto preocupados e tristes, antes
que a garota o abrace brevemente, segurando seu rosto, antes que ele se afaste.
— E nem sempre há uma batalha, não é? É cedo para tomar decisões.
Apenas espere e confie.
Quando ela volta a se sentar, mexendo distraidamente no telefone que
acaba de tirar da bolsa, os olhos claros, repletos de dúvidas buscam os meus, que
apenas dou de ombros. Se já não entendia o que a avó falava, tentar entender a
neta é apenas mais uma das muitas formas de enlouquecer.
Tranquilidade e calma é tudo o que nós precisamos, na véspera do maior
jogo da temporada e da batalha que se anuncia entre nós e os caçadores.

Nem mesmo uma noite ao lado de Vicky — e dentro dela, em mais de um


momento — conseguiu acalmar a minha mente caótica. Nem o café da manhã dos
campeões ou os discursos motivacionais do treinador Clifford e de Ash — que
também parece um pouco preocupado — conseguiram distrair da sensação de que
estamos deixando algo passar.
Inquieto, visto o capacete e torço o pescoço, me alongando dentro do
uniforme vermelho e branco, onde um lobo feroz representa a fúria que tornou
nosso time famoso. Liam Ashbourne parece sentir a minha agitação e para ao meu
lado, os olhos escuros e sérios, focados no fim do túnel, por onde entraremos em
campo para o último jogo juntos.
— Nós redobramos a segurança — a voz firme garante, se a mim ou a si
mesmo, não saberia dizer. — E agora, temos acesso a informações que não
tínhamos antes. Estamos um passo à frente, Jas. Assim como aqueles lobos filhos
da puta, isso também vai passar.
— Eu sei — encontro-o olhando para mim. — Vamos levar a porra do
troféu para casa e acabar de uma vez com toda essa merda. Eu preciso de paz para
criar meu filhote.
— Nós merecemos! — e só então, ele se dá conta do que acabei de falar.
— Filhote... A Vicky… Não! — Ash abre e fecha a boca algumas vezes, antes de
gargalhar e abraçar os meus ombros.
— Há algo diferente no cheiro dela, faz um tempo, e ontem, quando nós
estávamos juntos... — sorrio, lembrando do momento em que deslizava meus
dentes pela sua barriga lisa e senti a essência totalmente nova. — Ela ainda não
sabe, mas eu senti.
— Porra! — Um tapa forte nas minhas costas — Caralho! O nosso clã
cresce e prospera mais a cada dia.
— E vence a porra desse jogo. — Mack, que obviamente ouvia tudo, para
do meu outro lado, assim como Eli.
— E esmaga os malditos inimigos — o loiro decreta. — Crianças precisam
de tranquilidade para crescer bem.
— Não poderia concordar mais! — Ash encaixa melhor seu capacete,
antes de puxar a fila pelo corredor laminado que nos levará à primeira batalha. —
Uma coisa de cada vez, senhores. Vamos acabar com eles.

Ao contrário do que pensamos, o time adversário não está nada disposto a


perder. Os caras são bons e estão resistindo bravamente, e dando um pouco de
trabalho para nossa defesa. Estamos nos últimos minutos de jogo, todos exaustos,
mas os Kings não desistem, eles seguem pressionando e conseguem se aproximar
no placar.
Ash e eu trocamos um breve olhar e, como sempre, sabemos exatamente o
que o outro quer dizer. Nos mantemos na posição, até o soar do apito. Os
defensores, protegem o quarterback, que corre a toda velocidade, enganando os
adversários de azul, que pensam que ele tem a bola, enquanto sigo escoltado por
Mack e Eli, buscando o corredor livre e o momento de lançar a porra da bola.
Assim que Ash ergue a mão vazia para o ar, impulsiono o corpo para trás, lanço a
bola direto em suas mãos, assistindo-o se jogar no ar para pegá-la e enterrá-la na
endzone marcando o touchdown que nos garante a vitória, enquanto rosna uma
série de palavrões, correndo em nossa direção sob os aplausos enlouquecidos da
torcida.
Assim que os juízes decretam o fim do jogo, o estádio vem abaixo.
Corro até a beira do campo, onde as líderes de torcida sacodem seus
pompons celebrando nossa vitória, mas tudo o que vejo nesse momento é a minha
garota e seus olhos emocionados, brilhando de orgulho, ao correr em minha
direção e se lançar em meus braços. Giro-a no ar algumas vezes, segurando-a
firme pela cintura, antes de beijá-la com tudo de mim.
— Uou! — Vicky cambaleia um pouco quando a coloco no chão, ao ser
convocado para as fotos e para receber o troféu com os outros.
— O que foi? — Seguro seu braço, impedindo-a de se afastar. — Vicky?
— Só fiquei um pouco tonta. — Sorri, acariciando o meu rosto. — E um
tanto mais apaixonada.
Porra! E nesse momento, não há nada além da mulher linda à minha
frente.
E é só por isso, que volto a beijá-la, devorando sua boca doce — mantendo
seus pés no chão dessa vez, e fazendo uma anotação mental de pesquisar sobre o
impacto desse esporte para uma gestante — só parando, quando Eli e os outros me
puxam para longe dela, sob uma chuva de protestos meus, enquanto ela sorri, se
despedindo de mim.
— Vá logo! — gargalha, quando volto correndo e agarro a sua cintura. —
Tenho uma surpresa para você essa noite, Jas.
Eu também. A melhor de todas.
— Nós somos a porra dos vencedores! — Mack se aproxima, com Ash
sobre os ombros e todos nós nos reunimos para cumprimentar a multidão que grita
emocionada, mas meus olhos sempre retornam à minha garota, relembrando do
anel que venho carregando durante todos esses dias, em busca do momento certo.
E ele finalmente chegou.
Faltam três malditas horas, dentro da porcaria do ônibus, até finalmente
chegarmos a Silent Grove. Embora o clima dentro do veículo seja de alegria e
festa, pela conquista de mais um título para o Warrior Wolves, — o último com a
minha participação, pelo menos — não consigo deixar para lá a sensação esquisita
que não me deixa sossegar.
— Cara, você tá pilhado — Mack, sentado no banco atrás de mim,
comenta. — A cara de bunda do Ash já é algo comum, mas a sua tá realmente
incomodando. Que merda tá rolando na Jasperlândia?
— Eu realmente amo esse idiota, como a um irmão, mas, nesse momento,
gostaria de jogá-lo pela janela — rosno baixinho, fazendo Ash sorrir.
— Só pra você ver o que tenho passado durante a vida toda — dá de
ombros e checa mais uma vez o telefone.
— Nem sinal de Selena? — murmuro e ele nega, exalando preocupado. —
Chad II?
— Porra, nada. — O maxilar travado revela que está tão preocupado
quanto eu.
E o fato das nossas garotas terem retornado mais cedo, junto com sua
equipe, não contribui muito para a nossa tranquilidade. Uma merda a equipe
técnica não ter permitido que elas voltassem com a gente, mas regras são regras e,
segundo um Ash muito puto, naquele momento, há certas coisas que precisamos
fazer, mesmo sem vontade alguma.
E disso, ele entende muito melhor do que qualquer um de nós.
— Estou preocupado com a garota — confessa, olhando a estrada através
da janela. — É arriscado e perigoso demais. Um de nós deveria estar com ela.
— E correr o risco de acabar enviando um alarme, através de alguém
infiltrado? — devolvo o mesmo argumento que Selena usou para nos convencer a
aceitar que ela era a pessoa certa para a missão de reconhecimento dos nossos
inimigos. — Chad garantiu que estaria monitorando tudo. Daqui a pouco,
estaremos em casa e que aqueles merdas se preparem, porque terão exatamente o
que merecem.
Assim espero.
Gunner Smith se acha muito esperto e esse é o problema dos valentões —
Eles sempre se acham mais capazes do que todos e acabam pagando o preço por
isso. Foi assim que consegui destruir o grande Alpha, Alaric Silverthorne, meu
antigo melhor amigo, sem erguer sequer uma garra para isso. Em um embate mano
a mano, certamente ele me destruiria, mas acabou preferindo sacrificar a si
mesmo, ao invés de ceder ao líder dos lobos brancos e usar o seu poder supremo
de Alpha para salvar o seu exército de aberrações, de implodir aos poucos.
Olho satisfeito para o círculo dourado em meu anelar e sorrio para mim
mesmo: casar-me com sua viúva foi um bônus inesperado e, apesar de ter que
adotar as suas crias insuportáveis, a vitória foi minha. Eu a quis desde a infância,
mas nunca tive a menor chance, quando ele decidiu — como sempre fazia —
tomar o que era meu sem nenhum remorso. Aquele maldito Alpha teve o fim que
merecia.
O homem, que tem a lateral do rosto desfigurada, deseja apenas vingança.
Aparentemente, ter sido atacado com a esposa, em um beco qualquer, acabou
custando muito à ele, que abandonou seu cargo na polícia e toda a sua vida, em
busca dos lobos que lhe tiraram a esposa grávida de seu primeiro filho,
transformando-a em uma fera que ele foi obrigado a matar, para se salvar, e sua
dignidade, já que ninguém acreditou em sua história maluca.
Ter fugido daquela casa de repouso foi um golpe de sorte do imbecil e,
assim que ele destruir esse bando de idiotas, que se misturaram com humanos,
manchando nossas tradições e linhagem, será a minha vez de governar.
Finalmente, assumindo o posto para o qual eu nasci e me preparei durante toda a
minha vida.
E eu mal posso esperar por isso.
Tudo o que eu queria era um tempo a sós com o meu namorado. Ao invés
disso, sigo apenas tentando manter o lanche leve que comi mais cedo, dentro do
meu estômago, enquanto o ônibus sacoleja ao som de uma banda emo antiga,
sendo cantada a plenos pulmões pelo resto do squad, que segue fingindo estar
bebendo água em suas garrafas térmicas.
Sentada ao lado de Harper, que cochila tranquilamente, pego-me viajando
na paisagem limpa e nos topos das montanhas nevadas ao longe, enquanto a
floresta não nos engole, a caminho de casa. Meu celular vibra e sorrio para o
aplicativo de mensagens, assim que vejo a notificação.

JASPER Running up that HILL: Sinto sua falta.

Vicky Miller: Eu também.


Vicky Miller: Como você está? Foi um dia especial.

Digitando...
Digitando...

JASPER Running up that HILL: Essa noite será ainda mais, Raio de
Sol. Eu prometo.

Vicky Miller: Vou esperar ansiosa.


Tomo coragem e digito rapidamente, sem pensar muito a respeito.
Vicky Miller: Tenho uma surpresa para você.

JASPER Running up that HILL: Já chegaram?

Vicky Miller: Falta pouco, agora. Talvez uns quarenta minutos.


Vicky Miller: Vou direto para a Colina te esperar. Ansiosa.
JASPER Running up that HILL: Meu celular vai perder o sinal, mas
estou a caminho e essa noite será inesquecível. Eu te amo, Victoria Miller.
Vicky Miller: Não mais do que eu, Jasper Hill.

Espero pela confirmação do aplicativo, de que ele recebeu a mensagem, e


volto a me torturar em silêncio, ao som de uma balada romântica, antes de acabar
me juntando a Harper na preguiça. Afinal, a noite promete.

Volto a me sentar na cama e tiro o teste da bolsa mais uma vez. Minhas
mãos tremem — apavorada — porém, de alguma forma, não parece tão ruim que
tenha acontecido. Com a cabeça rodando, tento me distrair com a movimentação
intensa de pessoas no andar de baixo e ao redor da casa, já que hoje é dia de
festejar a vitória do time que receberá uma solenidade, daqui a alguns dias, na
universidade, como a treinadora fez questão de ressaltar mais cedo.
Harper decidiu ir para casa, pegar algumas coisas, mas estava ansiosa
demais e acabei combinando de nos encontrarmos por aqui. Tomei um banho
rápido e vesti uma das roupas mais arrumadas, que deixei aqui para esse tipo de
situação. Guardo o exame de volta na minha mochila e volto ao espelho, para
terminar a maquiagem leve que decidi fazer, termino de passar o rímel e estou
alisando a frente da calça de tecido preta e afofando as mangas do cropped rosa
pink enquanto confiro que horas são, esperando Jasper chegar, quando os primeiro
uivos ao longe na floresta começam.
Um alerta.
Com o coração acelerado, corro até a janela do quarto no segundo andar da
casa e observo várias pessoas correndo em direção às margens da floresta, com
olhares aterrorizados e preocupados, enquanto tento enxergar alguma coisa em
meio às árvores verdes que já começam a ser encobertas pela neblina espessa do
fim de tarde.
A porta do quarto se abre em um impulso e, ao contrário do que eu
imaginava, não é Jasper que finalmente chegou. É Selena, usando apenas um
vestido simples, com o rosto coberto por pequenos arranhões, que ainda sangram,
e me encara com os olhos dourados alarmados.
— Precisamos te tirar daqui — fala de forma urgente e atropelada. —
Agora.
— Selena, Jasper já deve estar chegando e... — Mais uivos e, então, os
tiros começam. Uma saraivada de flechas atinge toda a área descampada, como
naqueles filmes de batalha medieval.
Não demora muito para que os uivos e rosnados, vindos mais de perto,
rompam o silêncio e os tiros recomecem, tornando a atmosfera festiva em um caos
terrível.
— Nós precisamos ir, Vicky! — Selena olha por sobre o ombro. — Por
favor.
Aquiesço e dou a volta na cama, esbarrando na mochila aberta, por onde o
exame de gravidez escapa e rola pelo chão. Os olhos da garota se arregalam e ela
se apressa ainda mais.
— Nós vamos sair daqui — garante, pegando-me pela mão, enquanto
destrava uma arma que nem notei que segurava. — Chad, estamos saindo. Por
onde devo ir?
Não ouço o que ele diz, mas os tiros do lado de fora soam cada vez mais
perto da casa, enquanto descemos as escadas com rapidez. Selena à frente, abrindo
caminho.
— Harper já está com vocês? Ótimo — responde. — Agora, ajude-me a
tirar Vicky daqui.
Assim que chegamos à porta de entrada é que tenho a noção do caos que
acontece do lado de fora — tiros, sangue, gritos e choro, enquanto todos correm de
um lado ao outro — lobos ou humanos — uivando ou chamando pelos nomes dos
familiares, fugindo das flechas e das balas que chovem pelo lugar.
— Meu Deus! — Observo o corpo imóvel e nu de um homem mais velho,
caído próximo à janela da sala.
— Não olhe, Vicky. — Selena me puxa pelo braço, protegendo-me com o
próprio corpo. — Abaixe-se, ok? Chad vai nos dar cobertura, assim que
chegarmos ao portal principal.
— Vou me transformar — aviso, deixando o calor invadir as minhas veias,
como treinei tantas vezes com Jasper e os outros na floresta.
— Não! — Selena me segura pela mão e me força a me abaixar atrás de
um carro de bebidas — Eles não sabem que é uma loba, é melhor assim. Ouviu?
Sem transformação, Vicky. Por favor. Vamos chegar até o portão e Chad vai te
levar até um lugar seguro.
Olho ao redor e a frequência dos tiros parece ainda pior. Eles estão mais
perto.
Enquanto corremos sobre o gramado em direção aos portões, a voz de um
grupo nos alcança e sinto meu corpo inteiro se arrepiar. Travo os dentes para evitar
o rosnado, ao ouvi-los rindo do terror que está acontecendo ali.
— Levem as humanas como reféns — um dos homens escondidos pelas
paredes do salão avisa. — Elas serão moedas de troca com o maldito Alpha.
— E os outros? — uma voz mais fina questiona.
— Que vão para o inferno — responde e engatilha a arma mais uma vez.
Troco um breve olhar com Selena, antes de dispararmos em direção ao
portão, que está tão perto e, ao mesmo tempo, longe demais. Estamos correndo até
as grades pintadas de cinza chumbo, quando os tiros começam a pipocar ao nosso
redor e estamos quase alcançando o nosso destino — Chad, se protegendo atrás de
um dos carros estacionados, atira nos caçadores, nos dando cobertura, quando
Selena grunhe de dor, impulsionando o corpo para frente, por conta do impacto da
bala que a acertou.
Meus olhos buscam pela ferida ou pelo sangue, e sinto o alívio percorrer
meu corpo quando noto o corte largo em seu braço, por causa da bala que pegou
de raspão. Dessa vez, quando um idiota se aproxima mais de nós com a arma em
punho, não consigo conter o rosnado e Selena aumenta o aperto da mão na minha
em uma reprimenda.
— É só um arranhão! Pare de rosnar! Você ainda é valiosa! Não faça
nenhuma besteira, ouviu? — Selena avisa e corremos mais alguns metros, antes
que eu os veja.
Enfileirados diante do portão, três homens apontam suas armas para nós,
enquanto Chad grita alguma coisa sobre nos abaixarmos, e estamos prestes a
obedecê-lo, quando sinto a pontada de dor no topo da cabeça e, então, algo
escorre, quente e volumoso sobre o meu rosto. Minha visão se embaralhando
enquanto os olhos dourados e tristes de Selena me encaram, antes que seu corpo
ceda sobre o chão de pedras.
— É hora de dar uma volta, loirinha — a voz sombria avisa, antes que o
mundo gire de forma estranha e meu corpo oscile sob o meu peso.
Uma noite inesquecível. — Jasper disse, horas antes. Só espero que não
seja por ser trágica — penso, antes de ceder à inconsciência.
Finalmente, a hora chegou.
Tudo o que planejei, finalmente, está acontecendo. Entre os corpos e as
lamúrias das malditas feras abatidas no primeiro embate, eu contemplo o início da
minha vingança. Eles me tiraram tudo: meu emprego, minha credibilidade, a
sanidade, minha família e até mesmo a minha identidade. Avalio o reflexo
deformado no vidro de uma janela. Se hoje eu sou um monstro, foram eles quem
me fizeram assim.
Atiro contra um homem calvo que se arrastava pelo chão, tentando se
esconder atrás de um veículo.
— Cessem fogo — aviso pelo sistema de rádio. — Eles já entenderam o
recado.
— Chefe, os outros estão a caminho — a voz avisa, no ponto eletrônico em
meu ouvido.
— Recuem — aviso. — Vamos esperá-los na floresta, onde contamos com
o elemento surpresa.
A vantagem de se contratar mercenários é que são ótimos em obedecer
ordens e de fácil descarte, após a execução do serviço. Eles ainda não perceberam
que as chances de saírem vivos dessa batalha é nula e que esse foi o fim que eu
orquestrei antes de, finalmente, unir-me à minha Lisandra no inferno.
Observo o lugar, absorvendo o caos e os gritos de desespero e pedidos de
socorro. Ao longe, alguns uivos ecoam entre as árvores, anunciando a chegada de
mais lobos ao local. Que venham todos. Principalmente, o maldito lobo branco —
tenho algo especial preparado para ele.
— Tony — chamo pelo comunicador. — Estou a caminho. Esteja
preparado. Sem erros, dessa vez.
Me espere, amor. — Seguro firme a aliança pendurada em uma corrente de
prata em meu pescoço, lembrando-me do momento em que a arranquei de seus
dedos ensanguentados, depois de ser obrigado a atirar na cabeça da fera branca
terrível que ela se tornou. — Vou fazê-los pagar e estou a caminho.
Falta pouco, agora.
Nunca uma viagem demorou tanto — A falta de notícias está nos deixando
com os nervos à flor da pele e isso parece estar tão claro, que nenhum dos outros
que celebram e comemoram a vitória do time se aproxima de nós, mais à frente do
ônibus. Falta pouco para chegarmos em casa. Repito a mim mesmo, enquanto
repasso meus planos para o pedido dessa noite, tentando distrair a minha mente
ansiosa.
Por um tempo, tentamos manter o clima leve e não foram poucas as piadas
sobre os meus próximos passos, com relação ao meu futuro com a minha garota.
— Péssimo dia para essa merda de missão de reconhecimento — Ash
resmunga ao meu lado.
— Concordo — Mack, que no momento, parece quase tão sério quanto
nosso quarterback, trava o maxilar quando Eli nega, com um movimento rápido
de cabeça sobre a falta do sinal de telefone. — Porra!
— Estamos nos aproximando de Virgin Creek — o loiro aponta para a
placa. — Lá devemos ter nossos telefones de volta.
Tomara.
Mais vinte minutos na estrada e, finalmente, estamos de volta ao mundo
dos vivos. Meu celular vibra continuamente e logo, uma série de chamadas não
atendidas do celular da minha namorada figuram nas atualizações do aparelho.
Clico no ícone verde para retornar a ligação, mas o telefone chama algumas vezes,
antes de cair na caixa de mensagens.
O celular deve ter descarregado. É isso. Apenas isso. Respire, Jasper.
Puxo o ar com força, tentando acalmar a fera dentro de mim, quando noto
a expressão de Liam, que já está com o telefone na orelha, mudar de forma
abrupta. Ele está furioso.
— O QUE? — Ele grita, indiferente à todas as pessoas no ônibus. —
Porra! Harper! Minha Lua, amor, calma. — Abaixa o tom de voz, como se
quisesse acalmar a noiva, mas sua expressão tensa não se alivia. — O que
aconteceu?
Troco um olhar rápido com Mack e Eli, e logo, todos estamos ouvindo o
que a voz tensa e chorosa de Harper conta à Liam.
— Estamos escondidos na Fazenda Blackmoon — ela sussurra e um uivo
ao longe é seguido por outros tantos, sobrepujando sua voz. Um ataque. Caralho.
— Eles me buscaram em casa e me trouxeram para cá. Eu estou bem, Liam. E-eu
tô bem, mas... Meu Deus! — Harper chora sentida. — Eles... Foi um ataque
surpresa. Vocês precisam vir agora. Tomem cuidado, eles estão em toda parte,
entendeu?
— Estou a caminho, Harper Moon — a voz rouca e furiosa avisa. — Não
saia daí e mate qualquer um que se aproximar de você. Me ouviu?
— Liam, eles levaram reféns — adverte, após confirmar que se manterá
segura. — E-eu não consigo achar a Vicky.
Porra, não.
Um rosnado irrompe do meu peito, mas Mack espalma a mão ali,
mantendo-me no lugar. Os olhos escuros me encarando, em um aviso silencioso
para que eu mantenha a cabeça no lugar.
— Esfria a cabeça, Jas — sem qualquer resquício do divertimento de
sempre em sua voz. — Nós vamos resolver toda essa merda juntos.
— São quinze minutos de corrida pela floresta — Elijah aponta para as
primeiras árvores que começam a aparecer.
Me levanto e estou prestes a ir até o motorista, quando Ash bloqueia o meu
caminho. A tatuagem na lateral do seu rosto, destacando-se no rubor do ódio que
sente nesse momento.
— Não. É o que eles esperam que nós façamos — os olhos totalmente
escuros, observam algo do lado de fora. — Nós vamos acabar com eles, mas
apenas se conseguirmos manter a porra das nossas cabeças no lugar.
Alguns minutos se passam, enquanto sigo sendo vigiado por Mack, ao
mesmo tempo em que Ash e Chad, ainda ao telefone, tentam bolar a merda de um
plano para retaliar os filhos da puta e conter os danos do que aconteceu. Com o
meu celular na mão, eu espero agoniado e esperançoso que Vicky também esteja a
salvo e arrume alguma forma de falar comigo, recusando-me a acreditar na versão
do príncipe idiota, que a viu ser levada pelos malditos filhos da puta.
Esteja bem, Raio de Sol. Por favor.

Foram os quinze minutos mais longos de toda a minha existência. Assim


que a merda do ônibus parou no estacionamento da Universidade, com o aval de
Chad II, aceleramos nossas motos em direção à Colina, encontrando a porcaria de
um cenário de guerra e terror.
Tudo destruído. Caos e desespero dominam o local, onde uma festa estava
planejada para acontecer. Os malditos nos enganaram. Esperaram pelo momento
em que estaríamos longe para atacar. Covardes filhos da puta!
A princípio, evito focar nas manchas de sangue e no choro das pessoas que
se aglomeram em torno de Liam e, sem esperar, corro para dentro da casa,
ignorando as marcas de bala nas paredes antigas, enquanto subo as escadas em
direção ao meu quarto. Seguro a vontade de rosnar e avançar sobre o idiota que
me segue de perto, mantendo a minha prioridade em encontrar Victoria.
Sua bolsa está caída no chão, assim como seu telefone, esmagado pela sola
de algum filho da puta maldito, enquanto sobre a cama, há apenas os lençóis
revirados e o guarda-roupa tombado. Mas nenhum sinal da minha garota.
— Eles a levaram, Jasper — a voz de Chad II, o babaca que subiu em meu
encalço, avisa. — Ela e Selena estavam correndo até o portão, onde eu as
esperava, mas eles chegaram antes e as renderam. Eu sinto muito por não ter
conseguido chegar a tempo, mas ela está viva. As duas foram levadas como reféns
e...
— Não! — grito, virando-me para ele e agarrando-o com força pela gola
da camisa engomadinha. — Porra, de novo, não! Ela precisa estar bem. Para onde
a levaram?
— Selena tem um rastreador com ela e estamos trabalhando na localização
do dispositivo nesse momento, ok?
— Jasper — Ash se aproxima —, Chad não tem culpa. Foi a porra de uma
armadilha e nós caímos. Havia mais do que um traidor entre nós, ao que tudo
indica.
— Aponte a porra da direção de onde eles foram — rosno para o sujeito
loiro, já sentindo o calor da transformação tomar o meu corpo. — Não me impeça,
Liam. Não quando é Victoria lá fora.
— Jas, nós precisamos de um plano — ele tenta ponderar, mas eu apenas
nego, saltando na cama e, então, pela janela, em minha forma lupina.
— “Eu vou matar cada filho da puta que cruzar o meu caminho, até
encontrá-la.” — garanto a ele, antes de disparar em direção à floresta. — “Esse é
o meu plano”.
Se eu pudesse voltar no tempo... Faria tudo exatamente igual. Não é como
se eu tivesse alguma escolha, desde que coloquei os olhos naquela garota, tempos
atrás.
Apesar de toda a merda, não consigo sequer imaginar meu mundo sem
Victoria Miller: A razão da minha existência. E da minha dor.
Mesmo que, nesse momento, com o corpo exausto de tanto correr e ainda
um pouco tonto, por causa de mais uma das muitas reviravoltas do meu destino,
tudo em que consigo pensar e desejar com toda a força do meu ser, é que ela não
me deixe.
Porque eu não conseguiria seguir vivendo em um mundo em que ela não
exista.
Por minha culpa.
Um uivo dolorido eclode do meu peito, enquanto cravo as garras afiadas e
escuras na terra. A fera dentro de mim também me acusa por tudo o que está
acontecendo e meu peito arde, o coração se encolhendo, enquanto os pulmões
teimosos se dilatam, em busca de ar. Um esforço inútil, se o plano não der certo.
Não viverei sem ela. Como poderia?
Enquanto ouço os outros se aproximarem, não me movo.
— Me deixem em paz, caralho! — grito através da conexão gerada quando
Liam, meu irmão e líder, finalmente aceitou seu destino, alguns meses antes.
— Pode xingar o quanto quiser, Jas. — Para variar, o tom de Mack não
contém o ar divertido de sempre. — Ainda estaremos aqui.
Porra!
— Eu estraguei tudo! — Lanço-me ao chão, meu corpo em sua versão
lupina se contorcendo pela dor que abrasa meu peito e a minha mente.
Victoria, minha metade, meu Raio de Sol, está condenada a um destino
cruel, quando sua segurança sempre foi a minha única e maior prioridade.
— Jasper! — é a voz imperiosa que chama e me faz voltar à razão por um
instante.
Liam, meu Alpha, de certa forma, entende melhor do que ninguém o que
estou sentindo, embora, não totalmente. Sua escolhida está a salvo agora.
— Volte para casa! — ordena. — Vicky precisa de você.
Rosno revoltado.
— Não. Ela deveria me odiar. — E aí está, a dor pungente e torturante
mais uma vez. — Eu deveria morrer, por ter desejado algo que não deveria.
E, sem esperar por uma ordem dele, que me obrigaria a dar meia volta e
retornar à Silent Grove, eu volto a correr. Como se isso afastasse a possibilidade
de perdê-la.
— Tem até a noite de hoje, para retornar. — O tom grave em sua voz,
forçando-me a obedecê-lo. — Vai dar certo, Jas. Nós precisamos acreditar.
Acreditar...
Ciente de que não conseguirei seguir em frente, após a ordem do Alpha,
dou a volta depois de alguns quilômetros, ainda sentindo a essência de Mack
correndo próximo a mim. Todos eles preocupados comigo e com ela. Minha
alcateia. Nossa família.
— Exatamente. Não vamos a lugar nenhum, Jas — a porcaria do sujeito
teimoso afirma em minha mente.
Droga.
Ciente de que talvez eu me arrependa ao seguir através das árvores, de
volta à cidade e, de que, talvez, isso me seja cobrado em algum momento, não
consigo parar. Eu nunca tive escolha.
Desde que nossos olhares se cruzaram, naquela festa, eu nunca tive chance.
Talvez tenha sido o cheiro adocicado, a inocência nos olhos quase verdes ou a
beleza dos traços delicados de seu rosto; pouco importa. Fosse lá o que houvesse
em Victoria Miller, ela foi a eleita da fera que habita minha pele, e que faria
qualquer coisa por ela.
Exceto se afastar.
E, quando minha forma lupina salta entre as pedras e riachos, meu único
foco é ela. Como foi desde o primeiro dia. E será até o último. Que parece estar
cada vez mais próximo e essa é a razão de todo o meu desespero.
Porque eu jamais poderei me perdoar por colocá-la em perigo.
Meu Raio de Sol.
Minha Victoria.
E mais uma vez, acordo em um cativeiro, após ser nocauteada por um
brutamontes — algo que ninguém deveria passar nunca nessa vida, mas que
parece acontecer comigo com certa frequência. Talvez, eu seja realmente a
princesa em perigo, sempre sendo resgatada de situações ameaçadoras. A loba
dentro de mim, sempre silenciosa, depois que aceitei minha nova condição, grunhe
revoltada. Ela quer se libertar e nos tirar daqui.
Ao invés disso, apoio-me no chão de pedra e me sento na superfície dura e
úmida, constatando que minhas mãos estão amarradas pelo punho, por uma corda
grossa e fétida. Fecho os olhos, concentrando-me em minha respiração, para me
manter calma, e tocando a lateral dolorida da cabeça, começo a vistoriar o meu
corpo, em busca de ferimentos. Meus dedos tocam o sangue seco do corte e o
inchaço em minha testa, por conta da pancada e, aos poucos, vou checando em
busca de algum ferimento mais grave, já que tudo está dolorido. Só quando pouso
as mãos em meu abdômen ainda reto é que a compreensão do que está
acontecendo me atinge e sinto o terror dominar todos os meus pensamentos.
“Precisamos sair daqui.” — a loba avisa, preocupada.
Claro que estava com medo antes — o que aconteceu na Colina foi uma
espécie de chacina e temo o que podem vir a fazer conosco, mas, neste momento,
a ideia de que não estou sozinha e sou responsável, não só por mim mesma, deixa-
me ainda mais apavorada.
De repente, me pego lamentando por não ter conseguido contar a Jasper
sobre a novidade, esperando feito uma boba, pelo momento certo de falar. Em
minha defesa, assim como ser uma loba branca jamais havia passado pela minha
cabeça, nunca tinha me imaginado grávida. Então, não é como se eu soubesse
exatamente como agir.
Olho ao redor do que parece ser uma espécie de recuo, em meio às paredes
rochosas de uma caverna, tento enxergar alguma coisa — qualquer coisa — em
meio ao breu absoluto, mas meus olhos não conseguem captar nada, além de um
ponto de luz bruxuleante ao longe, iluminando a entrada úmida do lugar. Quando
tento me levantar, noto que tenho os pés amarrados firmemente por cordas e, com
um suspiro frustrado, deixo-me cair novamente.
— Vicky? — a voz de Selena murmura de algum ponto à minha direita,
fazendo-me mover a cabeça para o lado e uma náusea me atingir de forma urgente,
revirando o meu estômago. — Como você está?
— Não estou tão mal — respondo, engolindo a saliva grossa, enquanto
puxo o ar, tentando não colocar tudo para fora no espaço confinado. — Como
você está? Seu braço...
— Já está cicatrizando... — pelo grunhido que faz, quando o som de
correntes ecoa pelo lugar, tenho quase certeza de que está amenizando as coisas.
Não demora muito para que a garota, usando o vestido sujo de terra e
úmido por conta do lugar, sente-se ao meu lado. Com os olhos já acostumados à
falta de luz no local, consigo ver que está segurando o braço dobrado junto ao
corpo e que seus punhos estão presos em uma espécie de grilhão, como daqueles
filmes de piratas, que minha mãe sempre nos fazia assistir.
— Vicky, não sei quando voltarão, mas precisa me ouvir — sua voz
assume um tom urgente, quando ela começa a sussurrar em meu ouvido. — Eles
ainda acham que é humana, por isso, apenas cordas, ao invés das correntes de
prata. — Aponta para os meus pés amarrados. — Mantenha sua loba sob controle
e logo, os outros estarão aqui.
— Como saberão onde estamos? — murmuro, encarando a abertura.
— Acredite, eles saberão — É só o que ela diz, antes de se calar, assim que
o som de passos altos ecoa pelas paredes rochosas ao longe, mas nossa audição
lupina nos permite notar, antes que eles cheguem a nós. — Nós vamos sair daqui.
Juntas.
Sinto quando a mão fria envolve a minha em um gesto de apoio e, em
silêncio, esperamos.

Algumas horas se passam e, entre alguns cochilos, começo a sentir um


pouco de fraqueza por conta do tempo sem comer ou beber nada, e uma leve
cólica abdominal começa a incomodar, mas me mantenho em silêncio, evitando
alertar Selena, que não parece muito melhor do que eu, com os punhos feridos por
conta da prata, que faz estragos em sua pele. Desde aqueles passos, não ouvimos
mais nada e ninguém se aproximou de onde estamos, embora eu consiga ouvir as
lamentações e preocupações de outros reféns, perto de onde estamos.
A garota ao meu lado fica tensa quando outros passos soam próximos de
nós e uma sombra alongada e humanoide é refletida na parede, à frente de onde
estamos.
— Por que não fomos colocadas junto com eles? — sussurro ela.
— Você é uma moeda de troca, Vicky— Selena responde. — Eu... Bem, eu
ainda não sei o motivo, mas algo me diz que descobriremos logo.
— Um por hora — a voz sem flexão determina, silenciando-nos. — Até o
maldito Alpha e seus soldados aparecerem.
Meu Deus! Aperto os dedos frios de Selena, que retribui o gesto, quando o
som do choro desesperado de algumas mulheres e crianças chega até nós. O captor
segue caminhando, as botas fazendo barulho no chão escuro, à medida que se
aproxima de nós.
— Ah, que cena linda — comenta, da abertura parcamente iluminada. —
Tome cuidado, loirinha, os lobos são traiçoeiros. Eu não ficaria tão perto. — Ao
contrário dos outros, que nos renderam na Colina, esse não usa balaclavas ou
qualquer outra coisa para esconder sua identidade.
O sujeito esfrega com a mão enluvada, uma das laterais do rosto
completamente destruída, enquanto dá alguns passos em nossa direção. Os olhos
claros brilhando quando encontram o rastro de sangue que escorre do braço da
garota.
— É bom que seu Alpha chegue logo, lobinha — comenta, puxando as
correntes com a ponta dos pés, fazendo Selena ofegar de dor.
— Por que está fazendo isso? — murmuro chorosa, assumindo o meu
papel de vítima.
— Vingança — responde simplesmente. — Não chore, cadela. — Apoia a
bota sobre o joelho da garota ao meu lado, pisando com toda a força ali, até ouvi-
la gritar de dor. — Nós estamos apenas começando e o seu padrasto parece
bastante impaciente por um tempo a sós com você.
Selena fecha os olhos, enquanto resmunga uma porção de palavrões e
ameaças — as correntes se balançando com mais violência e resvalando na pele de
suas pernas, cortando-as.
— É sorte sua que seja eu quem mande aqui, e que ele seja um covarde —
murmura mais baixo. — De toda forma, de nada vai adiantar lutar. Todos pagarão
pelo que fizeram. Sem exceção.
Encolho-me no lugar, fechando os olhos e desejando com todo o coração,
para que ele esteja errado.
Não sei dizer quanto tempo mais ficamos no escuro, em um silêncio tenso,
mas já estava sentindo a perna dormente, quando ouvi os passos se aproximando
de nós. Com a atenção voltada para a abertura de pedra, eu o vi chegar.
Anthony Darkfur abre um sorriso ao nos encontrar juntas, os olhos
pequenos e escuros, fixos na garota ao meu lado, que rosna baixinho, assim que o
vê.
— Maldito traidor! — Selena dispara. As correntes que envolvem seus
punhos batendo contra o piso quando ela se move, tentando inutilmente chegar a
ele. Seguro firme em seu ombro e ela para de se mover, mantendo os olhos firmes
na direção do homem. — Covarde!
— Sempre tão corajosa… Como o imbecil do seu pai — desdenha. — Isso
não serviu muito a ele, no fim das contas, não é? E não servirá a você.
— Acha mesmo que o Ashbourne vai perdoá-lo? — sua risada sarcástica
ecoa no espaço apertado. — Você está morto, Tony.
— Não se ele morrer antes. — O idiota sorri, mordaz. — Estou contando
com a loucura de Gunner para isso. O que chama de covardia, sua imunda, eu
chamo de esperteza. Eles se matarão e eu serei o líder dos que restarem, perdidos e
desolados pelas perdas dessa noite. — Estala a língua, antes de se aproximar,
desferindo um tapa estalado no rosto dela. — Se for boazinha, permitirei que
assista a tudo, antes de acabar com você.
Em um movimento ágil, ela bate sua cabeça contra a dele, acertando-o em
cheio e arrancando sangue de seu nariz, fazendo-o xingar alto e recuar alguns
passos.
— Mesmo amarrada, sou melhor do que você! — é a vez da garota se
gabar. — Patético!
Ele não espera, antes de avançar contra ela, erguendo seu corpo magro e
desferindo vários tapas em seu rosto. Eu grito, imploro para que pare, mas
Anthony só solta Selena em um canto, quando mais passos anunciam a chegada de
outros comparsas no local. Ainda assim, ele joga seu corpo no lado contrário,
xingando baixo.
— É hora de ir, cadela — o rosto ensanguentado voltado para mim. — O
show está prestes a começar. — Ele nota o meu olhar preocupado na direção de
Selena, que está imóvel. — Ela está viva. Mas não por muito tempo.
Não tento lutar contra as mãos grossas que me erguem e nem esboço
qualquer reação, enquanto me empurra pelo labirinto de pedra. Se o que ele disse
for verdade, só pode significar uma coisa: o clã acaba de chegar.
De volta à mansão, sentado na porcaria do sofá, vivo uma espécie de Déjà-
vu onde o caos reina na droga da cidade e estamos todos ferrados, sem saber onde
o maldito inimigo está ou quem ele é. Assim que retornei, Ash e os outros me
garantiram que Chad e seu amigo hacker estão prestes a descobrir o buraco onde
se enfiaram e para o qual levaram a minha mulher e vários outros membros do clã.
Todos os que restaram, foram levados ao hospital por Owen, pai de Liam,
Harper e Elinor que, apesar de ter ficado terrivelmente preocupada com a filha,
não conseguiu ficar aqui parada, fervendo os miolos, enquanto enlouquece aos
poucos. A festa foi cancelada e eu mal consegui entender qual foi a justificativa
que deram para isso, até porque, pouco me importa.
— Porra! É isso! — o grito vem da sala, onde o príncipe encantado está
trabalhando no computador, em busca de mais informações sobre o filho da puta
que nos atacou.
Não demora mais do que meio segundo para que, vestindo apenas uma
calça jeans, eu pare ao seu lado, assim como os outros, que têm os olhos voltados
para a tela cheia de códigos e números que não consigo decifrar.
— O filho da mãe se chama Gunner Smith — Chad começa a dizer, assim
que Ash se junta a nós — um policial que acabou assassinando a própria esposa.
Durante o depoimento, ele relatou terem encontrado lobos gigantes e brancos em
um local ermo de Virgin Creek, e a esposa teria sido ferida. Alguns meses depois,
ele notou seu comportamento diferente, mas pensou que fosse apenas resultado do
trauma e, então...
— Ela se transformou — Ash completa. — Porra. Ele matou a própria
esposa, isso explica seu ódio.
— O cara passou por vários especialistas, foi diagnosticado com
Transtorno de Estresse Pós-traumático e esperava pelo julgamento em uma clínica
psiquiátrica de custódia do estado, mas acabou fugindo há alguns meses. — Ele
ergue os olhos claros da tela e nos encara, um a um. — É bem claro que ele teve
ajuda de alguém infiltrado, que passasse todas as informações.
— É o cretino do Darkfur, não é? — Eli, que normalmente se mantém
calado, pergunta à Chad II, que aquiesce. — Selena estava certa, Mack.
— Merda — rosna. — Mas nós destruímos todos os lobos brancos e... —
Mack começa a dizer, mas para, ao notar que nem todos foram exterminados. —
Ah, caralho! A Loirinha.
— É bem claro que eu vou arrancar a cabeça desse merda, se ele fizer
alguma coisa com a minha garota — a raiva transbordando a cada sílaba.
— Ele não vai — Ash responde, os braços apoiados na mesa. — Eles
deixaram um recado claro. Ele quer o Alpha.
— Porra — Eli murmura.
— Gunner quer vingança pelo que aconteceu e não tem nada a perder. Já
deixou evidente que o ódio dele é por todos os lobos. — O idiota sentado na ponta
da mesa segue, pensativo. — Mas e quanto a Darkfur? O que ele ganharia tendo o
seu próprio povo dizimado?
— Poder — Ash não tira tempo algum para pensar. — O filho da mãe quer
o meu lugar, mas é covarde demais para me confrontar em um duelo. Assim como
fez com o pai de Selena, provavelmente. Ele vai deixar o maluco sujar as mãos e,
então, assumir o clã. Bem, essa é a ideia dele.
Maldito traidor.
— O que faremos, então? — Os olhos escuros de Mack brilham perigosos.
— As rondas não serviram para nada, temos reféns para resgatar e já demoramos
demais, o babaca foi claro em sua ameaça.
— Para a infelicidade deles, nós sabemos exatamente onde estão — Chad
vira a tela do notebook em nossa direção, onde um ponto vermelho pisca de forma
vibrante. — Selena acaba de acionar o rastreador.
— Mas, por que só agora? — Mack questiona, os olhos fixos na tela.
— Possivelmente, estava em um local em que não havia sinal algum, mas
está se deslocando, pelo que parecem ser os túneis da antiga mina desativada —
Chad explica, virando o notebook de volta para si.
— Caralho! — com um rosnado revoltado, Mack deixa a sala pisando
duro, enquanto troco um olhar de entendimento com Ash. Entendemos bem dessa
tortura. — Vão ficar parados aí?
— É hora de mostrarmos a eles a nossa força — Ash se levanta,
finalmente. — Jas, vá atrás de Mack, quero os dois na retaguarda.
— Para o inferno que eu vou ficar para trás! — sigo-o até o lado de fora da
casa, enquanto arrancamos nossas roupas, à caminho da floresta, exceto Ash, que
segue vestindo sua jaqueta de couro sobre as roupas escuras.
— Quer ou não, resgatar Victoria? — Ash para no meio do caminho, os
olhos escuros e sérios, fixos nos meus. — Você e Mack pegam as garotas e os
outros reféns. Lembrem-se de que há traidores entre nós e que, se estiverem
transformados, poderão nos ouvir, então, vamos nos ater ao mínimo de conversas.
— Chad está em contato com a polícia federal e o delegado Crestmoon já
está a caminho enquanto falamos, já que o idiota é foragido e, logo eles chegarão
aqui — resume — Para resgatar os prisioneiros, nós precisamos de uma distração
e é exatamente isso que eu serei, essa noite. Eli estará ao meu lado, antes de entrar
em busca dos outros, assim como mais cinco dos nossos.
— Liam — chamo, mas ele apenas nega, pressionando a mão sobre o meu
ombro. — Tome cuidado, por favor.
Ele assente com um gesto de cabeça, e então, se vira para todos que estão à
nossa volta, o título que ganhamos essa noite e a festa que haveria ali, totalmente
esquecidos após os últimos eventos.
— Trazer todos de volta é a nossa prioridade! Ninguém fica para trás! —
ordena a todos ali e, então, segue até a moto estacionada a alguns metros da casa.
— Nos encontramos lá.
É a deixa para que eu e os demais — um grupo de aproximadamente trinta
lobos — corramos em direção à floresta, nos transformando nas feras que o filho
da mãe tanto odeia, mas que deveria temer.
Porque, essa noite, estamos à sua caça.

Enquanto corremos em bando pela floresta, sinto as batidas insanas do meu


coração em minhas orelhas peludas e tento buscar a essência de Vicky a cada
passada larga das minhas patas e, quando finalmente, consigo senti-la, acelero a
corrida, distanciando-me mais do resto do grupo, que segue até onde Liam, Eli e
alguns outros os aguardam.
Noto o momento em que algumas sentinelas se juntam ao bando, mas
correm para o outro lado, certamente, na tentativa de cercar o inimigo e manter
nosso líder à salvo. Se eu disser que não estou preocupado com todos os meus
companheiros e, sobretudo, com Liam, que está se expondo a um enorme risco,
estarei mentindo, porém, nesse exato momento, todos os meus instintos estão
conectados à necessidade de encontrar Victoria.
— “Custe o que custar” — Mack afirma, ecoando os meus pensamentos.
— “Jas.” — a cabeça grande e acinzentada aponta para uma montanha ao lado,
onde uma passagem estreita pode ser vista de longe.
Juntos, nos abaixamos, buscando abrigo no mato grande que nos esconde
totalmente, observando o lugar. Uma farejada rápida revela a mais variada
quantidade de essências, assim como o cheiro de sangue fresco, que possivelmente
seja a causa dos choros e soluços que conseguimos ouvir daqui.
Pólvora, medo, sangue, metal, pimenta rosa e Vicky.
Elas estão perto.

Por alguns minutos, procuramos uma entrada, mas não encontramos nada
que não seja um grande paredão de pedra. Porra! Para evitar que algum traidor
dos infernos acabe com o nosso elemento surpresa, nos escondemos na mata
escura e nos transformamos de volta.
— Não tem como entrar por aqui — Mack revira os olhos, diante da
constatação óbvia. — Eu vou até Ash e você dá a volta. Quando o primeiro grupo
entrar, vá com eles. Nos encontramos lá dentro.
— Ok. Vamos tirá-los de lá. — Os olhos escuros focados no amontoado de
pedra.
— Ela é uma loba corajosa. Seu lobo tem razão de tê-la escolhido — seu
olhar se torna estreito e ele esfrega o rosto, desalentado.
— Não é tão simples — um pouco desesperado, ele estala o pescoço. —
Primeiro, salvamos o dia e, então, nos preocupamos com todo o resto. Boa sorte,
Jasper.
— Para nós, Mack.
Respondo, mas ele já está correndo em direção ao grupo responsável pela
retaguarda. Não demoro nada a me colocar em movimento — já na forma do lobo
marrom — indo em direção ao olho do furacão.
Vagarosamente, aproximo-me do bando que circunda a figura humana de
Ash — vestindo preto, como sempre — que observa com desgosto e ódio os
corpos de alguns membros do clã, que foram empilhados diante da caverna, bem
ao lado do homem que tem o rosto desfigurado, que parece bastante satisfeito com
o seu feito.
— Então, aqui estamos — a voz áspera e monótona do homem afirma. Ele
abre os braços diante da abertura média do que parece ser a entrada de uma antiga
mina, desativada há décadas. — Confesso que estou decepcionado, no entanto.
Sigo andando por entre os meus, que me cedem espaço até que eu pare ao
lado de Ash, que troca um breve olhar comigo, antes de voltar sua atenção para o
idiota, que parece um daqueles malditos vilões de filmes infantis.
— O poderoso e temido Alpha de Silent Grove mandou um... — a
expressão de desdém em seu rosto é evidente — moleque para negociar em seu
lugar?
Sem desviar os olhos do homem, Liam dá um passo à frente — ainda em
forma humana, as mãos caídas ao lado do corpo, em uma postura falsamente
relaxada.
— São apenas vocês? — Aponta para a meia dúzia de mercenários que
carregam armas pesadas e, pelo fedor de medo presente no lugar, estão prestes a se
mijarem.
— E alguma quantidade de prata. — O sujeito esfrega a parte deformada
do rosto mais uma vez, como se fosse um reflexo. — Bem, vamos jogar com o
que temos, não é? Avise ao maldito Alpha, que a putinha dele está comigo, e que
não planejo esperar muito para que ela faça parte daquela pilha.
Anthony, o maldito traidor, sai da caverna, empurrando uma Vicky ferida e
se debatendo contra o aperto férreo em seu braço. E o cretino ainda tem a coragem
de se encolher diante do olhar furioso que Ash lhe lança, mas ele nada diz, apenas
mantém a garota sob seu domínio.
— Não se preocupe com recados — os lábios de Liam Ashbourne se
erguem nos cantos e ele encara o homem com desdém, o que parece irritá-lo. — O
tão aguardado Alpha, já está entre nós. Tony? — ele se volta para o homem que
mantém as patas imundas em Vicky, que se debate, com os olhos fixos em mim.
— Sabe que pagará caro pela traição, não é?
O tal Gunner tira a arma prateada do cós de sua calça e, com os olhos tão
brilhantes quanto o metal que tem nas mãos, ele mira em Ash, parado à sua frente.
— Eu sei das suas motivações, Gunner Smith — Um passo adiante faz
com que o homem destrave a arma. — Eu também teria perdido a cabeça, se
tivesse perdido a minha companheira. — Liam se aproxima de Vicky,
inspecionando-a. O olhar assustado em seu rosto, me faz rosnar baixo. Mas que
merda.
Quando os outros homens armados miram nosso líder, um coro de
rosnados toma a floresta, deixando todos ali alertas, possibilitando que Mack e os
outros entrem através da abertura na rocha — a distração de que tanto
necessitávamos.
— O que eu não entendo, é a sua vingança. Você deveria nos agradecer
por termos destruído aquela alcateia de lobos brancos, banindo-os para sempre. —
Aponta para os corpos com tristeza. — Ao invés disso, nos pagou com ódio e
violência.
— Ainda há um deles, pivete — afirma, fazendo os pelos do meu pescoço
se eriçarem e um rosnado de aviso ressoar em meu peito. — E eu não devo nada a
vocês, suas abominações!
— Gunner... — Anthony tenta avisá-lo, ao notar que estamos em grande
número e que as coisas não parecem muito boas para eles. — Seu idiota! Ele...
Seu rosto se torna um tom mais vermelho e ele aponta novamente a arma
para Liam, mas os uivos e o som de tiros e gritos de horror, dentro da caverna,
roubam totalmente a sua atenção.
— Você queria o Alpha — o jogador de preto recua alguns passos,
sorrindo.
Ele lança o corpo no ar, transformando-se em seguida, quando o homem,
assustado pelo gesto, atira — mas não consegue acertá-lo, já que Eli tem os dentes
presos em seu antebraço e faz o seu corpo sacudir de maneira absurdamente
violenta.
— “Tire Vicky daqui e a leve para longe da confusão.” — Ash ordena e,
quando hesito, estreitando os olhos para o maldito covarde: — “O traidor é meu,
Jas.”
Não é surpresa quando, ao me aproximar de onde estão, o covarde lance
Vicky para frente, derrubando-a, enquanto foge pela lateral da caverna, sendo
seguido de perto pelo imponente lobo preto, que o fará pagar por sua traição. Sem
perder tempo, corro até Vicky, farejando-a, escaneando sua pele em busca de
algum indicativo de que esteja ferida de forma mais grave, mas com a descarga de
adrenalina em seu corpo, ela se levanta e sob a minha proteção, corremos por entre
as árvores, saindo da linha de tiro e nos escondendo em um dos muitos sulcos da
antiga montanha.
Transformo-me de volta, sem conseguir me conter, trazendo-a para os
meus braços e beijando-a rapidamente. Pelos sons, a batalha começa a acontecer
perto dali e eu precisarei voltar para ajudar os outros.
— Você veio... — As mãos arranhadas, pelo tombo, acariciam o meu rosto,
me fazendo fechar os olhos e agradecer em silêncio por tê-la a salvo.
— Sempre. Está tudo bem? — corro os olhos pelo seu rosto pálido, as
mãos agarradas em sua cintura. — Vicky, eu preciso voltar para lá, e você irá
andar até aquele corredor estreito de árvores — aponto para uma trilha mais ao sul
— e então, se transformar e correr para casa. Prometa.
— Mas, Jas... Essa batalha também é minha e sabe que eu posso ajudar. —
Bela hora para que ela comece a agir como a prima destemida. — Preciso voltar e
encontrar a Selena! Ela está ferida, Jas.
— Eu sei, amor, é mais pela minha saúde e paz de espírito. Por favor. — E
pelo nosso filho, eu poderia dizer, mas não seria o momento certo, então, apenas
insisto, apesar de saber, pelo brilho em seu olhar, que sua loba não concorda
comigo. — Por favor. Mack e o outros estão lá dentro, logo, ela estará à salvo.
— Não se movam! — A voz estridente revela a insegurança do sujeito que
tem uma arma na mão, estendida em nossa direção. — Encontrei dois deles aqui!
Meus olhos encontram os da garota loira à minha frente e, antes que eu
possa negar, ela recua brevemente, então, assume a forma de uma fera branca,
deixando ao idiota e a mim em estado total de pânico, ao rosnar em sua direção,
preparando-se para atacar. Transformo-me rapidamente, avançando contra o
pescoço do homem, que mal teve tempo de gritar, antes que seu corpo atingisse o
chão com um baque seco.
— “Eu poderia ter feito isso.” — a loba garante, um tanto contrariada.
— “Não enquanto eu estiver por perto, Raio de Sol.”
Os sons dos passos e das armas engatilhadas indicam que o pedido de
ajuda do imbecil foi atendido e é tarde demais para que Vicky se esconda. Droga!
Pense, Jasper.
— “Vou me transformar de volta para distraí-los. Eles não sabem que sou
uma loba” — avisa, parando ao meu lado, e afundando o focinho em minha
pelagem. — “Tenha cuidado, por favor.”
Não tenho como responder, porque, logo, o trio de mercenários aparece e,
com algum desespero — principalmente da minha parte — observo-a se cobrir
com os retalhos de suas roupas, chorando e pedindo ajuda aos idiotas, antes que eu
os elimine um a um, sob o olhar atento de Victoria. Eu poderia comemorar
exultante, não fosse pelos passos que se aproximam de onde estamos e pela
batalha, que começa a nos alcançar.
Merda.
Não há como fugir agora — e, pela primeira vez em minha vida, não estou
certa se quero fazer isso. É como se aquela parte instintiva e bastante ansiosa por
atender aos chamados do Alpha, estivesse tomando conta do meu corpo, apesar da
preocupação evidente no rosto do lobo que bufa constantemente para mim,
encarando a floresta escura ao longe, onde várias lanternas denunciam a chegada
de mais reforços à área.
— Eu também faço parte do clã — anuncio, antes de me transformar
novamente na fera de pelagem quase branca.
— “Não saia de perto de mim.” — Jasper comanda. — “Não temos
certeza de quantos são e se os que estão a caminho também serão hostis a nós.”
As luzes das lanternas piscam entre a neblina da floresta, como as luzes de
vagalumes gigantes. Bonito e preocupante ao mesmo tempo.
— “Sim, senhor.” — debocho, raspando as garras no chão de terra,
impaciente.
— “Me chame assim quando estivermos sozinhos, Raio de Sol, e eu não
responderei por mim.” — tenta descontrair o clima.
— “Sigam na retaguarda. É melhor que eles não a vejam.” — a ordem
que ecoa em nossas mentes pertence a Ash. — “Não se arrisque mais do que o
necessário, Vicky.”
O lobo marrom, ao meu lado, solta um som semelhante a uma risada, mas
seus olhos endossam o que o líder acaba de falar.
—“Selena?” — testo o estranho canal de comunicação, mas não consigo
alcançá-la, então, expando a busca. — “Alguém sabe sobre Selena?”
— “Ainda estão lá dentro.” — a voz de Mack responde. — “Não
conseguimos encontrá-la em uma primeira busca, mas Eli e os outros ainda estão
procurando. Eles vão ficar bem.” — garante, se para o meu conforto ou o dele,
não sei dizer. — “Tomem cuidado com as balas. Algumas são de prata e podem
causar um estrago grande.”
— “Pronta?” — Jasper se adianta, colocando-se à minha frente. — “Se
mantenha escondida.” — Algo que não é nem um pouco difícil, já que a névoa
branca engole basicamente tudo ao nosso redor. — “Por favor, tenha cuidado.”
A cabeça grande do lobo roça a minha, encaixando-me em seu pescoço,
antes que os olhos castanhos encontrem os meus.
— “Eu te amo, Victoria Miller.” — declara, voltando a roçar seu rosto
lupino no meu, em um gesto delicioso de carinho, que deixa a minha versão loba
exultante. —“Não se arrisque.”
— “Eu te escolho sempre, Jasper Hill.” — respondo, dessa vez,
retribuindo seu gesto.
E, juntos, corremos em direção ao caos espalhado pela floresta.
Apesar de estar escondida sob a névoa espessa, minha visão processa
absolutamente tudo o que acontece no terreno irregular um pouco mais adiante,
em meio às árvores altas que dominam o lugar e ao meu redor. Os uivos e
rosnados furiosos, em contraste com os estampidos dos tiros, fazendo os pequenos
animais da floresta buscarem por abrigo, enquanto sigo vigiando o lobo marrom,
que ataca impiedosamente nossos inimigos, já que não consigo sair do lugar,
incapaz de desobedecer à ordem do Alpha.
A confusão generalizada, diante da caverna onde estávamos presas, não me
permite ver se Selena já foi resgatada — a última vez que nos vimos foi no
momento que seu padrasto, aquele bastardo nojento, foi me buscar para ameaçar
Ash, diante do grupo — Covarde, ele havia se aproveitado do fato de tê-la presa e
vulnerável, para acertar seu rosto um par de vezes com a mão pesada, após a
garota corajosa tê-lo condenado pela sua traição.
Farejo o fedor da pólvora flutuando no ar e o medo dos soldados armados,
que atiram sem se empenhar em mirar em algum alvo específico, já que os lobos
do clã sabem bem como usar a névoa a seu favor. Ao redor da entrada da caverna,
os vestígios da batalha marcam o chão de terra, cobrindo-o de vermelho. Quando
um dos caçadores se aproxima, fugindo das presas protuberantes do grande lobo
preto — Ash, percebo — acaba cruzando o meu caminho. Uma infelicidade para
ele, mas não para a parte mais selvagem de mim, que está no controle agora e que
o ataca sem pensar muito a respeito, fincando seu corpo com as garras afiadas,
lançando-o aos berros de volta à clareira, para enfrentar o resto do clã.
Rápidos e ferozes, os lobos se movem, cercando os mercenários
contratados pelo homem louco, em seu projeto de vingança, que não conseguiram
fugir ou não foram abatidos. Vários gritam todo tipo de maldição e xingamento,
enquanto outros imploram por suas vidas, à medida que os membros do clã
fecham o cerco contra eles — as mais variadas pelagens, mas os olhos, muito
ardentes e furiosos — encerrando a terrível tentativa de ataque dessa noite.
Encurralado entre a rocha escura e três lobos igualmente raivosos, Anthony
Darkfur tem agora as mãos envoltas em correntes de prata, enquanto berra
ameaças ao vento. Um dos lobos, de um tom marrom diferente de Jasper, sangra
por um ferimento feio na cabeça, mas não deixa de ser ameaçador — Selena,
percebo aliviada. Os outros dois, ao seu lado, a protegem, rosnando para quem
quer que se aproxime. Mack e Eli a encontraram.
O traidor estremece fortemente, enquanto tenta, mas não consegue se
transformar, provavelmente, suprimido pelo lobo totalmente preto que se
aproxima dele, movendo-se de forma imponente, como uma sombra sob a névoa
espessa.
— Não pode me culpar — finalmente, ele parece ter desistido de lutar. —
Outros inimigos surgirão. Eles sempre aparecem. — Um sorriso cruel torce os
lábios finos. — A coroa é pesada, Ashbourne. Tomara que ela te esmague.
Em silêncio, observo o modo elegante com que a fera se move, colocando-
se diante do homem covarde que nos entregou às garras dos malditos caçadores,
sem hesitar, encarando-o com os olhos totalmente escuros e letais. Desvio os olhos
quando o Alpha uiva — uma sentença de morte e um aviso a todos que se
atreveram a desafiá-lo — e, quando volto a olhar, sangue escorre do corpo
decapitado pelas garras e dentes potentes do nosso líder.
Que, aclamado pelos nossos — que uivam e celebram a derrota dos
inimigos — não percebe quando o homem que, também escondido na névoa,
esperando pelo momento certo de agir, encontra uma brecha e aponta a arma
prateada na direção aos nossos com um sorriso doentio no rosto deformado,
enquanto atira, acertando qualquer um no caminho cambaleante que faz até seu
alvo.
Entre o caos e a confusão generalizada, e a aproximação de um grupo
misterioso, sou surpreendida por um dos mercenários, que se arrastou até onde o
meu namorado elimina mais um dos inimigos e, com um rosnado alto de aviso,
saído da minha garganta, deixo o meu esconderijo, saltando sobre ele e arrancando
a arma de sua mão, antes que o corpo ferido caia, alguns metros adiante,
paralisando a comemoração e deixando a todos em estado de alerta.
E então, o tempo parece desacelerar. Revelando mais homens escondidos
e, entre eles, sinto o olhar odioso sobre mim, antes mesmo que eu o veja se
aproximando. Eu, que sempre tive um temperamento tranquilo e nunca fui de me
arriscar, me vejo mais uma vez, em uma situação de vida ou morte, exceto que,
agora, fui motivada pelo instinto da loba selvagem que habita a minha pele, ao
invés de ter sido forçada a isso. Estranhamente, não me arrependo.
— Eu esperei muito por esse momento — a voz monótona comenta, a
arma apontada para mim dessa vez. — Sua abominação, chegou a hora de pagar.
Apesar de visivelmente ferido, ele caminha até mim. Apoio-me em minhas
patas traseiras, me preparando para saltar e escapar do maldito tiro, quando um
sorriso de satisfação se abre em seu rosto terrivelmente marcado. Sob sua mira, eu
espero, me preparando para tentar desviar da trajetória da bala enquanto encaro os
olhos apavorados do Alpha, que acompanha todos os movimentos do homem
cambaleante, que parece ter perdido o braço quando foi atacado por Eli, mais
cedo.
Ash se prepara para avançar sobre ele ao mesmo tempo em que o caçador
estende a mão que segura a arma, mirando diretamente em mim. Um uivo de
alerta e de raiva estoura a alguns metros de mim, roubando sua atenção e
desequilibrando o homem, que balança de um lado para o outro, recuando alguns
passos, mas ainda mantendo a arma apontada em minha direção.
— “Jasper, não!” — imploro, mas o lobo já está em movimento.
Me encolho ao ouvir o estampido, me abaixando ao invés de saltar — o
cheiro forte da pólvora ardendo em minhas narinas, quando sinto um aperto
estranho em meu peito. Se estivesse em forma humana, teria espalmado a mão ali,
conferindo se não fui atingida, tamanha a força da sensação que faz meu corpo
enfraquecer e o meu coração bater descompassado.
Ao mesmo tempo, junto aos outros, assisto Jasper dar vazão ao ser
instintivo e selvagem dentro de si, enquanto ataca sem qualquer hesitação ou
remorso o caçador, que já não emite qualquer som, além dos estalos de seus ossos
sendo esmagados pela mandíbula forte do lobo feroz.
Quando se dá por satisfeito, a fera marrom ergue a cabeça e seus olhos
castanhos intensos e profundos se fixam nos meus, avaliando-me de longe, como
se precisasse confirmar que estou bem. Totalmente coberto de sangue, ele caminha
a passos lentos em minha direção, antes que seus olhos revirem nas órbitas e o
corpo grande ceda, esparramando-se no chão de terra, criando uma leve nuvem de
poeira ao seu redor, enquanto o líquido espesso e vermelho escorre de sua forma,
agora, humana.
Jasper, por favor, não!
Um uivo desesperado irrompe da minha garganta, enquanto eu corro até
ele, sem me importar muito com o grupo misterioso que se aproxima, com o recuo
dos últimos mercenários remanescentes, ou com a minha nudez ao me transformar
de volta, puxando sua cabeça para o meu colo enquanto acaricio seus cabelos
escuros — meus ouvidos totalmente surdos para qualquer som que não seja o
coração de Jasper, que bate de forma fraca. Suas pálpebras estremecem, antes de
se abrirem, fitando-me sob os cílios espessos.
— Não era... — diz com a voz enrouquecida, fazendo uma careta de dor
quando engole em seco — bem isso, que eu... — sua mão ensanguentada toca o
meu rosto onde as lágrimas descem, com delicadeza — pretendia para essa noite.

Não!
Eu já devia saber que havia algo de ruim para acontecer, afinal, as coisas
estavam dando certo: O Warrior Wolves é campeão nacional, estava prestes a pedir
a minha garota em casamento e com um filho a caminho para, logo em seguida,
tudo começar a dar errado para um caralho.
História da minha vida, ao que tudo indica.
Que, considerando a dor dilacerante em meu tórax e a dificuldade de
respirar, após o tiro que aquele filho da mãe me acertou, momentos antes, deve
estar chegando ao fim. Porra.
— Jas, fica calmo, tá bom? — a voz anasalada pelo choro pede. — Va-vai
ficar tudo bem.
— Vicky, preciso que se afaste dele — a voz de Ash ordena e, embora eu
queira rosnar para ele, apenas sigo segurando a palma morna da minha garota,
contra a minha mão.
— Nós precisamos tirar a bala, Jas — Liam avisa, respirando fundo. — Vai
doer para um caralho, mas eu preciso tirar a prata do seu corpo e você não quer
ferir a Vicky, não é? Então, solta a mão dela, enquanto Mack te mantém firme no
lugar.
Obedeço, ouvindo-a chorar baixinho em algum ponto às minhas costas.
Não sei quando colocou a camisa de malha larga, mas agradeço mentalmente a
quem quer que seja que tenha providenciado isso. É óbvio que estou me distraindo
para o que vem a seguir, enquanto ouço as instruções de Harper, que diz tudo o
que precisam fazer pelo telefone.
— Jasper, não ouse morrer! — ela avisa, me fazendo rir baixinho. — É
sério! Agora, façam logo isso! Já estamos chegando à estrada principal e vocês
precisam trazê-lo até aqui, imediatamente!
Ash faz uma careta, antes de voltar toda a força dos olhos pretos
manchados pelo brilho prateado para os meus.
— Ande… logo com… — engulo em seco — isso — peço, enquanto
Liam estuda o local com uma careta.
— Você vai ficar bem — é uma ordem, percebo. — Vamos logo com essa
merda.
Tudo bem.
Se a dor estava insuportável antes, agora, era enlouquecedora. Os braços
firmes de Mack me seguram, enquanto Ash, após ter lavado os dedos no que
parecia ser uma garrafa de vodca barata, tenta recuperar a maldita bala através do
furo que a maldita fez para entrar. Quando sinto o fedor de carne queimada e ele
lança a porcaria em algum lugar por perto, o alívio me invade e eu fecho os olhos,
sentindo o peso do dia se abater sobre mim.
Quando as mãos delicadas e trêmulas voltam a me tocar e pressionar a
ferida aberta em meu ombro, tentando estancar o sangue que sai profusamente da
perfuração — como tentar carregar água em uma peneira — seguro firme em seu
punho, tentando acalmá-la.
— Você está bem — o esforço para falar é quase sobre humano, nesse
momento. — E isso é tudo o que importa.
— Não. Não é — Vicky chora, os ombros sacudindo sob o casaco escuro
que Selena colocou em seus ombros instantes atrás. — Jas, não pode me deixar...
— choraminga — Eu... Nós vamos... — lágrimas gordas rolam pelo rosto bonito,
mesmo sujo de terra e sangue, como agora. — Nós vamos ter um filho. Ouviu? Eu
preciso que esteja comigo.
Há uma movimentação ao nosso redor, mas não consigo desviar os olhos
da minha garota, não quando tudo parece prestes a desaparecer. Exceto pela dor
filha da puta, que não me deixa em paz, nem por um segundo.
— Eu sabia...— sorrio em meio ao sangue, que começa a escapar entre os
meus lábios, provavelmente, efeito da prata em meu organismo. — Você me fez o
cara mais... feliz... do mundo, Victoria... — gorgolejo mais uma vez, enquanto ela
grita por ajuda. Tento pressionar minha mão em sua cintura, mas não tenho força
alguma, então, apenas deslizo a mão até sua barriga, sentindo meus lábios se
erguerem brevemente. — Está tudo bem, amor. Estou completo, agora, graças a
você.
— Precisamos levá-lo! Agora! — alguém grita ao fundo e logo, tenho a
sensação de estar voando.
Vicky chora mais alto, apertando forte a minha mão, mas não consigo
manter meus olhos abertos. Não chore, Raio de Sol. Quero falar, mas não consigo
encontrar a minha voz. Vagarosamente, a minha mente desliza para a tranquilidade
da inconsciência, enquanto sinto o toque leve do vento frio sobre o meu corpo e,
então, nada mais.

Bip. Bip.
Os sinais sonoros aceleram e soam cada vez mais altos e urgentes.
— Ele está entrando em choque — uma voz estranha decreta, enquanto sou
tocado e tenho o braço furado diversas vezes, ao mesmo tempo que um ardor
estranho percorre o meu corpo.
— Você vai ficar bem, Jas — a voz, que parece ser de Harper, treme e sinto
um leve toque em meu braço, mas não consigo esboçar qualquer reação.
O som de alerta das máquinas aumenta e, ao fundo, alguém chora
desesperado. Vicky. Eu a ouço, mas não há muito o que eu possa fazer agora, além
de tentar me manter inteiro, enquanto meu corpo parece à beira de explodir,
incinerado por um calor gélido e estranhamente reconfortante.
Em meio à escuridão que ameaça me engolir para sempre, a visão de uma
garotinha loira, de olhos escuros e rosto redondo e infantil, sorri para mim e acena
uma despedida alegre — quase uma saudação.
— Volte para mim, Jasper — a ordem vem alta e clara, avivando o fio
único que me mantém ainda ancorado a esse mundo, impedindo-me de seguir em
frente.

A pior espera de todas.


Deitada na maca em que fui forçada a ficar — literalmente, considerando
que Harper fez Liam Ashbourne me obrigar a ficar ali e a fazer todos os exames
— observo a rachadura em uma das paredes, tentando distrair a minha cabeça da
cirurgia de Jasper, que começou algumas horas atrás.
— Você precisa comer, querida. — Minha mãe aponta para a bandeja
intocada em meu colo mais uma vez. — Tem que cuidar do seu bebê.
Não sei bem como ela se sentiu ao descobrir que tem um neto a caminho,
não tive qualquer condição de estudar sua reação, enquanto a abraçava e chorava,
buscando por conforto ao ver Jasper totalmente ensanguentado e desacordado, ser
levado para longe de mim. Ouvindo sua sugestão, toco a minha barriga ainda
plana, tentando sentir alguma coisa — qualquer que seja — garantindo-me que a
minha ligação com Jasper ainda existe, mas não há nada além do silêncio e da
angústia terrível da espera. Por fim, pego um biscoito na bandeja e, mesmo sem
sentir o gosto, empurro-o para dentro, apenas para satisfazer as exigências de dona
Elinor.
Quando a porta da sala de espera, onde mantemos a nossa vigília, se abre,
ergo os olhos e encontro a expressão mais assustadora no rosto do quarterback
sempre vestido de preto: tristeza. Não. Harper vem logo atrás dele e, apenas a
visão de seu rosto vermelho já faz meu coração afundar no peito.
— Vicky… — minha prima se adianta, passando na frente do noivo e
caminha rapidamente em minha direção.
— Não — nego, já começando a me erguer na cama. — Não! — grito e
logo sou agarrada por Harper, que me abraça forte, antes que os braços tatuados de
seu noivo nos envolvam. Sinto o momento exato em que ele deixa um beijo no
topo da minha cabeça, murmurando que tudo ficará bem. Palavras que não me
tranquilizam nem um pouco. — Jasper...
— Houve algumas complicações, ele perdeu muito sangue e teve uma
parada cardíaca durante a cirurgia — Harper diz, enxugando o rosto e assumindo a
postura prática de sempre. — Mas ele ainda está vivo, Vicky. Conseguiram trazê-
lo de volta. As próximas horas serão mais críticas e decisivas, mas ainda há
esperança, ok?
Apenas anuo, voltando a desabar nos braços da minha prima, enquanto
minha mãe tenta me acalmar, sem muito sucesso. Aos poucos, devido sobretudo à
exaustão, acabo apagando.
Volte para mim, Jasper. Para nós. Por favor.

Com o coração em pedaços, eu espero.


Três dias após o incidente na floresta, tive alta, mas não consegui deixar o
hospital. Os pais de Jasper tem se revezado comigo, durante o dia, e ficaram
encantados com a notícia de que terão um neto — tudo culpa do clã de fofoqueiros
que também não sai daqui. “Apesar de tudo, sempre há algo de bom.” — A Sra.
Holloway disse quando veio nos visitar.
Na televisão da recepção do hospital, sempre sintonizada nos canais de
notícia, não se fala de outra coisa, a não ser sobre a quadrilha de caçadores ilegais,
chefiada pelo foragido Gunner Smith, que acabou encontrando seu fim em um
embate com animais selvagens, na reserva ambiental de Silent Grove.
O país inteiro repercutiu as reportagens e as teorias vão desde ursos
terríveis, felinos selvagens e, até mesmo, lobos gigantes. Sorrio comigo mesma
dos comentários em uma postagem sensacionalista de uma rede social, que
culpabiliza um tal de chupa-cabra pelo ataque.
— Eu vi, Loirinha! Não adianta esconder! — Mack, minha babá no
momento, bate o indicador na ponta do meu nariz. — Estava sentindo saudade dos
seus sorrisos.
Mostro os dentes e ele faz uma careta.
— Os de verdade, Vicky — rebate. — Como está o Alan Mack Sobrinho?
— Elijah é um nome mais bonito — o loiro chega com nossos lanches e os
distribui sobre a mesa, porém, entrega-me o sanduíche natural, certificando-se de
que eu coma. — Precisa estar forte quando Jas acordar.
As primeiras horas foram aterrorizantes, mas quando as venceu e,
finalmente saiu de perigo, conseguimos relaxar. Bom, pelo menos, um pouco. E é
por isso que estamos os três aqui, sentados no quarto, esperando que o jogador
deitado nos lençóis verde-pálido abra os olhos e acabe com essa maldita espera.
— Onde está Selena? — pergunto a ninguém em especial, mas pela troca
de olhares entre os dois sujeitos, sei que é um assunto delicado. — Foi uma
pergunta simples.
— Ela foi com a mãe e os irmãos, visitar uma tia na capital, enquanto se
recupera — Eli é quem responde. — É compreensível. A sra. Darkfur — Mack
trava o maxilar e a minha expressão não deve ser melhor, então, ele logo se
corrige — Sra. Silverthorne, precisa de um tempo para processar as coisas.
— E como você está? — Seguro a mão de Mack, observando a expressão
de dor em seu rosto. É difícil ter a escolhida de seu lobo longe. Eli desvia os olhos
para o seu lanche, mastigando vagarosamente.
— Como se faltasse metade do meu coração — Mack suspira e Eli se
levanta, dando uma desculpa esfarrapada sobre ir buscar guardanapos, fazendo o
outro sorrir de forma triste, enquanto observa-o se afastar. — O idiota ainda não
entendeu que a outra parte é dele.
— Você deveria simplesmente dizer — aconselho, mas o jogador, sempre
tão animado, se mantém em silêncio, pensativo.
— Ele vai acordar logo — Mack garante, apontando em direção ao quarto
onde Jasper está. — Você vai ver.
Assim espero.
Dor — pungente e terrível.
Totalmente perdido, vago por entre estados alternados de consciência,
enquanto sinto o meu corpo todo arder, flutuando em uma espécie de limbo, ao
som dos bipes de máquinas ao longe e dos lamentos de alguém que clama por
mim.
A visão dos olhos castanhos brilhantes e do sorriso lindo, me fazem parar
— Vicky. O fio único e indivisível que ainda me mantém lutando. Minha
escolhida.
— “Volte para mim.” — a voz chorosa implora, de modo fervoroso.
E é por ela que eu sigo tentando, apesar da dor e do cansaço, meu caminho
de volta no escuro.
Após o nada absoluto, eu a sinto. A conexão forte e vibrante dentro de
mim, que me traz de volta à consciência finalmente. A deliciosa essência de
patchouli, flores de laranjeira e rosas brancas, domina tudo ao redor e sobrepuja o
fedor estéril, típico dos hospitais. Meu Raio de Sol.
Entre o som monótono das máquinas e a movimentação de passos ao meu
redor, movo lentamente os dedos da mão, testando meus movimentos e sentindo o
calor de sua pele contra a minha, enquanto ouço sua voz doce falar em algum
lugar à minha direita.
— Você realmente precisa voltar, Jas — e seu tom de reprimenda quase me
faz rir, porém, me mantenho parado, apenas ouvindo-a. — Quem é que vai revezar
comigo nos cuidados com o bebê, enquanto estudo para as provas? Quer dizer, a
Harper e o Ash não me deixariam na mão. E conhecendo bem aqueles dois, logo
teríamos um garotinho ou garotinha rosnando para tudo e vestindo apenas preto.
— Ela sorri, segurando firme a minha mão, em seguida, acariciando os meus
dedos com os seus.
— Eu sinto tanto a sua falta... — admite em um fio de voz, a dor ali
ecoando dentro de mim. — Como vou fazer isso sozinha? — engulo em seco e,
quando sua mão deixa a minha, quase consigo ver a expressão teimosa em seu
rosto e os braços cruzados. Estou tomando uma bronca. — Fique sabendo que, no
fim das contas, se não voltar, posso acabar me casando com alguém como Chad, e
eu não vou ter culpa, se ele criar o nosso filho para ser um almofadinha e...
Abro os olhos imediatamente. A princípio, não vejo nada, além da
claridade e leves borrões, mas ouço bem o arfar e o gritinho estridente da mancha
dourada que paira sobre mim. E, então, eu a vejo. Linda e com o rosto manchado
pelas lágrimas que escorrem dos olhos castanhos, a razão da minha existência sorri
para mim, segurando firme a minha mão. Longe demais para o meu gosto.
— Jasper! — a voz exclama emocionada, enquanto mãos delicadas traçam
o meu rosto e, então, um tapa leve acerta o meu ombro, fazendo-me gemer
baixinho. — Eu estava pensando que tinha ficado louca, quando achei que tinha
movido os dedos! Mas, então, você parecia estar rindo e... Estava me ouvindo, não
é?
— Nada… de… Chad — minha voz sai rouca e estranha pelo desuso e a
secura da minha garganta incomoda, e uma crise de tosse faz o meu corpo sacudir,
desencadeando uma pontada de dor em meu ombro.
— Eu só estava te provocando... E parece ter dado certo! — Sorri entre as
lágrimas. — Fique quietinho, ok? — diz, deixando um beijo em minha testa. —
Vou chamar o médico.
E após ela sair correndo e voltar rapidamente, acompanhada de uma equipe
inteira, vestindo branco da cabeça aos pés, entrar no quarto e me cutucar e avaliar
de todas as formas possíveis. Vicky, que não deixou o quarto nem por um segundo
nesse tempo, observando a tudo com uma expressão ansiosa, finalmente se
aproxima.
— Por que está chorando, Raio de Sol? — enxugo seu rosto, sentindo
meus músculos tremerem com o movimento simples. — Estou tão mal assim?
— Foram quase sete dias, Jas. Eu tive tanto medo de te perder... — os
soluços anunciam seu choro aliviado.
Aciono o botão e elevo um pouco o encosto, puxando-a pela mão e
trazendo-a para mim. Roçando meu rosto no seu, deixando que a barba que
cresceu ali, após esses dias, fazer cócegas em sua pele macia, para, então, buscar
seus lábios macios em um beijo leve e lento — uma confirmação silenciosa.
— Estou aqui, amor — murmuro em seu ouvido. — Eu não poderia ir…
Ainda não vivemos o nosso felizes para sempre. — Meus olhos buscam os seus,
nublados de emoção. — Nós vamos ter um filho, Vicky.
Porra! Nosso filho.
Desço a mão que envolve seu rosto para sua barriga, espalmando a minha
mão ali, sentindo meus olhos arderem pela emoção que se avoluma dentro de
mim. A experiência de quase morte me tornou um chorão, aparentemente.
Uma família.
— Eu te amo, Victoria Miller — murmuro, com a testa colada à sua,
observando-a abrir um de seus sorrisos mais lindos. — Eu enfrentaria a morte
infinitas vezes, por você.
— Sem mais batalhas e perigos, por favor — implora. — Eu amo você,
Jasper.
— E eu amo os dois! — a voz de Mack invade o lugar, enquanto ele se
aproxima, escandaloso, como sempre, seguido por Ash, Eli e Harper, que abre um
sorriso largo ao me ver. — Que susto, cara!
— É bom te ver acordado, Jas — Harper diz, aos pés da cama, enquanto
meu melhor amigo me encara com os olhos emocionados, assim como o loiro
parado ao lado de Vicky.
— É bom ter você de volta, irmão — Liam, meu melhor amigo e líder do
nosso clã declara. — Se fizer uma porra dessas de novo, tá fora, ouviu? Eu trouxe
a sua mochila, para o caso de precisar — ele pisca de forma conspiradora e eu
sorrio.
Porra, sim! O babaca realmente me conhece bem.
— Foram dias difíceis sem você por aqui — Eli abraça os ombros da
minha garota, um movimento que, diferente das outras vezes, não me causa
ciúmes. — Nós cuidamos para que essa garota teimosa fizesse todas as refeições,
enquanto te esperava.
— Não esperava menos de vocês — sorrio. — Eu sempre tive que ser a
babá desse grupo. — Mack gargalha, seguido dos outros e, então, decido atalhar o
assunto, embora eu esteja ainda me sentindo um pouco grogue. — Depois que
eu... O que aconteceu?
— A batalha acabou. O clã se dispersou quando Chad chegou com os
federais e eles se depararam com o cenário caótico e horrível do embate.
Recolheram os corpos e fizeram todos os procedimentos de praxe. Aparentemente,
o grupo de caçadores comandados por um líder lunático foi terrivelmente atacado
por animais selvagens.
— Uma grande ironia, não é mesmo? — Mack sorri, com sarcasmo. —
Eles tiveram o que mereceram.
— O lobo de Mack tem uma escolhida — Eli é quem conta, os olhos
claros brilham tristes por um momento, mas ele logo se recupera. — E, com
Selena longe por alguns dias, descobrimos o quanto ele pode ser mal-humorado.
— A dificuldade maior vai ser convencer aquela garota insuportável a me
dar uma chance, e alguém enxergar o seu lugar nisso tudo — rosna, cruzando os
braços. — Meu lobo é um babaca.
— Selena, hein? Estive dormindo por dias, ou por meses? — brinco,
fazendo-os rir, antes de voltar a encarar Eli. — E quanto a você, alguma novidade?
— Aguardando o draft. — Dessa vez, eu não sou o único surpreso. —
Acho que é hora de novos ares, embora a minha casa siga sendo aqui, com vocês.
— Sempre será um dos nossos, independentemente de onde estiver. — Ash
complementa, quebrando o silêncio estranho que se seguiu à declaração. — Fechei
as fronteiras de Silent Grove — emenda, logo em seguida. — Por um tempo.
Nosso bando precisa se recuperar.
— Harper? Sua vez. — Aponto para a garota sentada aos meus pés, mas
ela apenas sorri e dá de ombros.
— Comprei lindos potes de ração temáticos, de todos os feriados do ano,
para os meus vigias noturnos preferidos — diz após pensar um pouco. — Serve
isso?
— Você é má, Intrépida Lawson. — Mack se recupera da notícia do
jogador loiro ao seu lado e uma rodada de gargalhadas toma o quarto, deixando o
ambiente mais leve por um momento.
— Eu amo vocês, caras — É a mais pura verdade. Meus irmãos, minha
família. — Mas chega de emoções fortes por um tempo. Agora, tudo que
precisamos é de um pouco de paz. E, no meu caso, cuidar da minha garota e do
nosso filhote, que vem por aí. — Enlaço de forma desajeitada a cintura de Vicky,
trazendo-a para mim antes de bocejar exageradamente.
Tudo bem, eu realmente sinto o corpo mole e um tanto sonolento, neste
momento, mas há algo que estou muito ansioso para fazer e não posso — e nem
quero — esperar mais. Se tem uma coisa que descobri com os últimos eventos, é
que não há dia mais perfeito do que o hoje. O segundo bocejo faz meus olhos
lacrimejarem e Ash é o primeiro a se levantar e, com um olhar rápido para sua
noiva, ela o segue rapidamente.
— Essa é a nossa deixa — Harper anuncia, antes de começar a empurrá-los
para fora do quarto. — Jasper precisa descansar! Vicky, aproveite e faça o mesmo!
Vamos! — enquanto ela os empurra, batendo palminhas para apressá-los,
conforme eles se despedem de nós, acenando e provocando a futura médica
propositalmente. — Amamos vocês! Vamos! Xô! Xô!
— Ela sabe que somos lobos e não galinhas, certo? — a voz divertida de
Mack, antes de fechar a porta, nos faz cair no riso. Eu realmente amo cada um
deles.
— Agora, você precisa descansar, amor — Vicky acaricia o meu cabelo,
ainda em meu abraço. — Seus pais estão a caminho.
— Sim, eu vou — já sentindo os olhos pesarem, pensando na reação deles
quando souberem do netinho a caminho, embora eu desconfie de que eles já
saibam. Aparentemente, perdi um bocado de coisas nos últimos dias. — Mas,
antes, pode pegar a mochila para mim?
— Jas, tenho certeza de que, seja lá o que for, isso pode esperar. Seus pais
estarão aqui daqui a alguns minutos e será uma pena se estiver dormindo e... —
Ela para de falar, bufando quando insisto, estendendo a mão em direção à mochila
preta.
— No compartimento do meio, tem uma caixinha azul escura — peço,
observando o choque em sua expressão ao pegar a mochila e, seguindo as minhas
instruções, ela abre o fecho da bolsa e tira a embalagem aveludada de lá. O rubor
que toma o seu rosto é lindo — Traga para mim, por favor.
— Jasper, você ainda tá fraco e... — começa a dizer, mas nego, estendendo
a mão, onde ela deposita o item com os dedos trêmulos.
— O melhor momento é o hoje, Raio de Sol — acaricio seu rosto, antes de
descer a mão pelo seu braço e encaixar meus dedos nos seus, entrelaçando-os — E
não vai haver ocasião melhor do que essa. Acredite em mim, eu sei. Venho
carregando esse anel há um tempo. — Sorrio, abrindo a caixinha e tirando a jóia
incrustada de pedras douradas com um diamante ao centro, segurando firme a sua
mão, antes de trazê-la para mim e beijar seus dedos, sem desviar meus olhos dos
seus. — Foi você, Vicky, a minha melhor escolha. Sempre. Desde o primeiro
momento em que te vi. Foi por você que eu consegui traçar o meu caminho de
volta.
— Você sempre será a minha escolha, Jasper. — Sorri em meio às
lágrimas, depositando um beijo carinhoso e leve em minha boca, após eu deslizar,
de forma lenta e solene, o anel pelo seu anelar. — Sempre.
Dias de glória, finalmente!
Após um beijo lento e repleto de promessas de um futuro feliz juntos, com
o coração aliviado, atendo aos seus pedidos e fecho os olhos. Dessa vez, sem
escuridão, dor ou medo. Apenas amor e, sentindo o carinho suave dos dedos de
Victoria em meu cabelo, pela primeira vez em algum tempo, arrisco-me a
contemplar a realidade incrível de dias melhores e mais tranquilos.
Nós, com certeza, merecemos.
Algum tempo depois...

Enquanto termino de revisar meu trabalho de conclusão de curso, no


escritório espaçoso — pego-me olhando para o jardim, ainda em processo de
finalização, segundo Jasper, que segue tentando fazer as mudas que a Sra.
McGraff nos envia seguirem vivas e não consigo me lembrar de quando me senti
tão em paz. Ou feliz.
São as coisas pequenas, até mesmo a mais boba delas, que no fim, fazem
diferença. Era só uma noite de diversão quando o meu caminho cruzou com o de
um jogador vestindo uma máscara de lobo e bastou apenas um beijo, para que os
rumos da minha vida mudassem para sempre. E eu não poderia ser mais grata.
Salvo as alterações no arquivo, Deus me livre de perder qualquer coisa,
quando ouço as gargalhadas contagiantes das duas garotinhas que estão sob a
responsabilidade do jovem advogado, que chegou mais cedo do escritório, hoje, e
conseguiu-me tempo para finalizar o temido TCC. Pé ante pé, sigo pela sala ampla
do Solar dos Hill, que nos foi dado de presente pelos pais de Jasper, e que
terminamos de reformar pouco antes das meninas nascerem.
É, no fim das contas, as piadas de Mack sobre haver uma ninhada em
minha barriga gigante, não estavam de todo erradas. Em uma madrugada, sob a
inegável influência da lua cheia, nasceram Skye e Aurora — duas garotinhas
lindas, com olhos escuros e fios quase brancos, de tão loiros, confirmando a
escolha de seus nomes, segundo seu pai orgulhoso. E babão.
Aproximo-me da cozinha, ainda ouvindo os gritinhos animados das
meninas quando a cena que se desenrola à minha frente, faz meu coração errar
uma batida, de tão linda. Sentada nos ombros largos do pai, Skye está agarrada aos
cabelos escuros de Jasper, que tenta, sem muito sucesso, preparar uma vitamina,
enquanto Aurora, em seu colo, morde seu braço com os dentinhos pontudos, que
estão começando a nascer.
— Eu devo mesmo ser um gostoso — afirma para as pequenas, que
gargalham de seu tom de voz brincalhão — Não é possível! Vocês, garotas Miller,
gostam mesmo de morder! Não que eu esteja reclamando, é claro — seu tom
muda rapidamente, quando os olhos escuros cruzam os meus, quando sente a
minha observação nada discreta, apoiada na lateral da porta. — Você pode me
morder quando quiser, Raio de Sol.
— Bom saber — sorrio e aceito o convite do braço estendido em minha
direção, me aconchegando de forma desajeitada à bagunça deles, sentindo meus
fios serem puxados por Skye que parece ter se cansado dos cabelos do pai, que
desce as duas para o chão, agarrando firme a minha cintura em seguida.
— Linda, como no primeiro dia em que te vi — deixa um beijo e uma
mordida em meu pescoço, enquanto as meninas tentam nos escalar, divertindo-se
com a nova brincadeira. — Elas estão crescendo... E eu nunca me senti tão
completo. Porra, eu amo muito vocês.
No meio do caos, na cozinha da nossa casa, em um momento tranquilo e
tão cotidiano quanto poderia ser, eu nunca fui tão feliz.
Finalmente, os dias de glória chegaram para Jasper Hill — um advogado
vivendo em uma casa espaçosa com sua família. Finalmente, a paz reina em Silent
Grove. O clã segue se recuperando dos golpes fortes que levou e Ash mantém a
vigilância sobre tudo o que foge do normal, sobretudo, em datas comemorativas,
como aconteceu essa noite.
Victoria Jane Miller-Hill — é, o casamento civil aconteceu uma semana
antes das nossas meninas nascerem, em uma cerimônia intimista, no cartório da
cidade. Não havia necessidade alguma de nada mais que isso — já éramos um do
outro — acaba de se formar e, após uma pequena celebração em nosso jardim,
onde recebemos alguns amigos e familiares, estou sozinho, sentado na varanda,
observando a neblina intensa que vem das árvores e se espalha pelo jardim — que,
finalmente, floresceu.
Tudo dando certo. Até que enfim!
Ainda mais quando minha sogra e meus pais decidiram levar as meninas
para o sobrado Lawson, para termos um momento a sós. A lua cheia se ergue alta
e imponente no céu, fazendo meu corpo inteiro acender. Porém, não mais do que a
mulher que se aproxima. Como sempre, eu a sinto chegar.
O centro do meu mundo.
A luz prateada faz os cabelos loiros, agora soltos às suas costas, brilharem
e seus lábios formam um sorriso, ao notar a minha inspeção. Quando joga o cabelo
de lado, virando-se de costas para mim, não demoro a descer o fecho do vestido,
deslizando as alças finas pelos ombros, observando faminto a pele que se arrepia
ao meu toque.
Quando o amontoado de tecido atinge os seus pés, Vicky se vira em meus
braços, o rosto corado pela timidez residual e murmura baixinho em meu ouvido:
— Está feliz, Sr. Hill? — meu lobo uiva dentro de mim, aceitando, sem
sequer pensar, qualquer coisa que essa mulher queira me oferecer.
— Sempre, Sra. Hill. — As garras pronunciadas em meus dedos, arranham
a carne macia de sua cintura, ouvindo-a gemer baixinho. — Você tem noção do
quanto eu te amo?
— Faço uma ideia, já que sinto o mesmo — Sorri, afastando-se de mim e
entrando de volta em casa. — Você vem?
— Raio de sol, é melhor correr — aviso com o tom gutural.
Gargalho ao ouvir o som de seus pés baterem nos degraus da escada que
leva ao segundo andar, e entro em casa, deixando a floresta e seu ar misterioso
para trás. No fim, a minha escolha imperfeita se revelou a melhor coisa que já me
aconteceu. Estou completo.
Aqui e agora, eu tenho tudo de que preciso e mais do que jamais imaginei
ter.

FIM
Afundo o indicador entre o meu pescoço e a gola da camisa social, presa
com a merda de uma gravata, que ameaça me sufocar. Quem foi que inventou essa
merda?
Caralho! Estou tendo a porra de um infarto nesse momento, tenho certeza.
É isso. O fim do aclamadíssimo jogador Mack Blackmoon, será um infarto em
meio a um arco de flores idiotas, em frente a um bando de idiotas que parecem se
divertir muito com os meus últimos minutos na Terra.
Como é que eu vim parar aqui, com o coração prestes a saltar do peito?
Bem, essa é uma história engraçada e não muito longa, mas que terá que
esperar, já que o meu coração parece ter reagido e agora, bate forte ao ver o sujeito
vestindo um smoking preto, com os cabelos loiros penteados para trás,
cumprimentar um dos meus pais, antes de voltar toda a força dos olhos muito
azuis para mim.
Em seu colo, a pequena garotinha, de olhos dourados como os da mãe,
brinca com sua gravata, enquanto ele segue caminhando em minha direção. Assim
que me vê, o rostinho da pequena se ilumina e ela lança os bracinhos em minha
direção, agarrando-se ao meu pescoço com força, fazendo seu outro pai rir.
— Fui abandonado — Elijah faz um bico exagerado, fazendo nossa
pequena Emma cogitar voltar ao seu colo. — Mas não julgo. Nervoso?
— Para cace… tete de polícia! — respondo, sob o olhar curioso da
mocinha esperta, que é exatamente a minha cópia, exceto pelos olhos. — Por que
a demora?
— Ela é a noiva, Mack — Eli dá de ombros, antes de envolver a minha
cintura com o braço forte. — é o dia dela.
— E o do meu funeral, se ela demorar por mais tempo — afirmo, tentando
alargar mais a gola e sentindo o cheirinho calmante do bebê em meu colo. —
Onde está Theo?
— Perseguindo Luna, para desespero do Alpha — Eli aponta para o garoto
de cabelos escuros cacheados, que herdou os olhos claros do pai, correndo atrás da
garota de vestido azul de forma determinada.
— Ele é bom nisso — sorrio, satisfeito.
— E eu sou bom com as minhas garras — Ash se aproxima, com seu jeito
soturno de sempre. — Tirem seu filho folgado de perto da minha Luna.
— Deixem as crianças! — Harper se junta ao marido, rindo de sua
carranca nervosa. — Deixe para se preocupar, quando eles forem adolescentes e
Theo pilotar uma moto.
— Harper Moon — adverte.
— Se ela tiver puxado à mãe, vai ter uma quedinha por sujeitos que
rosnam.
— A Intrépida Lawson nunca decepciona! — gargalho alto, chamando
atenção de todo mundo à nossa volta. Meus pais acenam orgulhosos para mim de
seu lugar na primeira fila, enquanto minha mãe e Elinor conversam
animadamente, ao lado deles — Onde está Cassie?
— Se divertindo, como todo mundo — Elijah olha ao redor e aponta para o
local onde a garotinha é empurrada pelas gêmeas loirinhas de Jasper e Vicky, que
se aproximam de nós com sua tranquilidade de sempre. — Exceto você. Está
repensando?
— Ficou louco, porra? — Segurando a pequena, que cochila em um braço,
puxo Eli de volta para mim e deixo um beijo em seu ombro. — Vocês são a minha
vida.
— Caralho! Romântico Blackmoon! — Jasper exclama, fazendo o apelido
idiota correr pelo nosso grupo. Harper, é claro, entoa como se fosse uma
musiquinha infantil, apenas para fazê-la grudar em minha cabeça por meses. —
Amigos, acho que é chegada a hora.
Os olhos escuros de Jas focam em um ponto branco, próximo à entrada do
Solar Blackmoon — que reformamos assim que Eli parou de fugir da realidade:
Nós três nos pertencemos. Sermos jogadores da liga profissional, nos mantém por
algum tempo longe de casa, mas retornamos em toda e qualquer oportunidade — e
ele assobia, admirado.
Eli e eu acompanhamos o olhar de todos e a visão da mulher mais linda do
mundo, enquanto desce os degraus em um vestido de tecido fluido e branco, me
faz suspirar e traz lágrimas aos meus olhos. Selena sorri, ajeitando as alças finas
de tecido nos ombros magros, realçando o decote e a curva dos seios deliciosos,
assim como a barriga enorme que carrega nosso quarto filho.
É. Quatro filhos lindos e uma mistura incrível de nós três. Eu realmente
não deveria ter brincado com Jasper e Vicky sobre a coisa da ninhada — rio
comigo mesmo, observando-a se posicionar no início do tapete, enquanto o
cerimonial contratado prepara tudo para que a cerimônia possa, finalmente,
começar.
Foi uma batalha conquistá-la e, talvez, sozinho eu não tivesse conseguido.
Ir atrás de Elijah, quando fomos draftados foi a decisão mais acertada do mundo.
Nos tornamos jogadores profissionais e, juntos, conseguimos muito mais do que
títulos e honrarias, nós conquistamos a mulher mais arisca e maravilhosa que
cruzou nosso caminho.
— Por que papai Mack está chorando? — o garotinho, que está de mãos
dadas com Elinor Miller, que limpa sua roupa e ajeita os fios rebeldes de seu
cabelo, pergunta.
— Porque ele nunca viu uma mulher mais linda, filho — Eli se abaixa e
toma a mão do garoto, olhando para Selena, que sorri avaliando a cena. Linda
para um caralho.
E nossa.
— Vamos buscá-la, amor — Eli me beija, brevemente, antes de caminhar
de forma elegante sobre o tapete vermelho de mãos dadas com o nosso filho, para
buscar a nossa escolhida.
E quando observo Eli beijar os lábios pintados de vermelho de Selena
antes de segurar sua mão e se virar para mim, sinto meu coração bater
descompassado. Juntos e ladeados por nossos filhos, eles caminham sorrindo em
minha direção e, nesse momento, me sinto o cara mais sortudo do mundo. A porra
de um sonho!
— Apaixonado Blackmoon! — o babaca do Jasper cantarola, de seu lugar
no altar, fazendo toda a fileira de idiotas rir.
— Porra! Já chega dessa merda! É uma cerimônia séria e já vai começar.
Tenham senso. — Aprumo o corpo e espero, enquanto a minha família se
aproxima cada vez mais. A baixinha em meu colo se levanta, olhando-me confusa,
enquanto toca meu rosto emocionado com as mãos gordinhas, deixando um beijo
em minha bochecha, antes de voltar a buscar abrigo em meu ombro.
“Apaixonado Blackmoon” não chega nem perto do que sinto nesse
momento.
Era apenas mais uma noite — é o pensamento que recorre em minha
mente.
Desesperada, com as mãos trêmulas e ainda sem acreditar que algo assim
esteja realmente acontecendo, eu corro. Corro com todas as minhas forças pela
floresta, tentando me desviar dos galhos baixos que arranham meu rosto e meus
braços, enquanto o lobo de pelos brancos, saído diretamente dos meus pesadelos,
me persegue de perto, rosnando e uivando de tempos em tempos, com os dentes
enormes e ameaçadores cada vez mais próximos de mim.
A lua cheia ilumina parcamente o caminho, enviando fachos cada vez
menores de claridade ao meio da floresta, que parece se fechar cada vez mais ao
meu redor, ou talvez seja só o medo falando mais alto.
O lobo rosna de novo, ainda mais próximo, aumentando meu desespero.
Apavorada, consigo até mesmo antecipar a dor do que acontecerá comigo, se ele
conseguir me alcançar. Suando frio, enquanto os músculos das minhas pernas
queimam e falham como meus pulmões, tropeço em raízes, pedras e em mim
mesma. Um grito escapa da minha garganta quando um uivo terrível atravessa o
lugar, como uma promessa velada de que, não importa o quanto eu fuja, me
encontrar é apenas uma questão de tempo. Ignoro a dor das minhas mãos feridas, o
ardor em meus joelhos e, quando caio mais uma vez, vejo sangue. Não, não!
Sangue, não! Me levanto rapidamente e, quando olho para trás, não vejo mais a
fera que me persegue, mas não paro de correr, não agora, quando não o vejo mais.
Corra, Harper, corra! A angústia me consome e, envolvida em minha
necessidade de escapar, e com o coração a mil, tropeço de novo entre as raízes
altas de uma árvore frondosa, então, quando algo pontiagudo acerta a lateral da
minha cabeça, sinto-a girar por um momento, antes de ouvir os sons de algo se
partindo sob pés, — ou patas, provavelmente — que se aproximam de mim.
É isso: Ele me encontrou. É o meu fim.
Ainda tonta, choramingo, mas não me entrego, agarro com força a primeira
coisa que encontro — uma pedra — e estou em vias de me levantar quando a luz
da lua retorna, me permitindo vê-lo parado ali, à minha frente, com suas roupas
pretas de sempre e o sorriso debochado e irritante em seu rosto, quase perigoso,
mas, ainda assim, lindo, como os monstros dos meus pesadelos.
— Encontrei você.

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Oiiie!!!! Você chegou até aqui e eu só posso agradecer!! Espero que tenha
se divertido, se emocionado e se apaixonado por essa história. Se não foi dessa
vez, tenho certeza de que teremos uma nova oportunidade! Não se esqueça de
avaliar o livro!
À Deus, agradeço por tudo! Por me guiar e proteger sempre.
Ao Filipe, meu escolhido: Te amo mais do que eu posso explicar! Obrigada
por estar junto comigo na construção desse roteiro e por me ouvir divagar por
horas a respeito de lobos e florestas sombrias.
Aos meus filhotes: João Gabriel e Maria Clara, agradeço por me dividirem
com os irmãos literários. Vocês são tudo pra mim! Mamãe ama muito vocês!
À minha família, que sempre me apoia: Amo vocês!
Como sempre, ela não poderia faltar: Isabella Silveira, minha metade
literária e consultora dos mais variados assuntos: Obrigada por existir e por estrar
presente em mais um projeto! (Precisamos pegar leve no vinho no próximo
encontro.) Amo você! #Prisa4ever
Thataaaa!!! A dona do meu feed, que me ajudou a não surtar (demais)
durante o livro e deu o nome em mais uma capa maravilhosa: Você é foda! Tamo
junto!
Danielle Camponello, que sempre me ouve groselhar sem parar sobre o
roteiro: Obrigada!!
Soberana, aka. Vanessa Pavan, que abraça (quase) todas as minhas ideias e
sempre me incentiva e cuida de mim. A sua presença é vital! Obrigada por estar
sempre comigo! Dê um beijo no nosso CEO amado.
Minhas betas queridas: Mariza, Amarilis e Mayra: Obrigada! Obrigada!
Obrigada!! Todos os surtos foram incríveis! Vocês são demais!
Ao meu time de parceiras que se empenhou e tem me ajudado a espalhar o
Averativerso por aí: Obrigada por tudo!!!
E, como sempre, um agradecimento mais que especial às minhas amoras
queridas: Vocês são as melhores! Obrigada por alegrarem meus dias!
Às autoras maravilhosas da Liga, eu agradeço muito por todo o incentivo
diário. Vocês são maravigold!
Nos vemos em breve!
Pri Averati
Oiiiie!!!!! Eu vou adorar te conhecer melhor!!

Parece inalcançável a relação autor/leitor, mas eu estou sempre à disposição, tanto


nas minhas redes sociais quanto no meu grupo de leitoras.
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Priscilla Averati é uma autora de romances mineira. Nascida no dia 29 de
fevereiro em algum momento nos anos 80, adora o cheiro que os livros possuem e
passou a amar também o Kindim (que é como chama seu Kindle de
estimação).Tem certa predileção pelo romance e por finais felizes.

Quando não está grudada nos livros ou no Kindim, está se divertindo com
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LUNY
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A Conquista do Chef
Na Armadilha do CEO
A Obsessão do Juiz
Nas Garras do Milionário
Um Amor de Natal
Um Acordo com o CEO
Box Série CAFAJESTES
Bad Reputation: Coração de Gelo
Na pegada do Agroboy
Chamas do Passado
Perdição: Um contrato com o CEO
A ruína do Cafajeste
Redenção: Uma segunda chance para o viúvo
Atração: Armadilhas do Destino
Rendição: A Queda do Último Cretino
Minha Descoberta [Im]Perfeita
[1]
Livro Um Acordo com o CEO de Priscilla Averati.
[2]
São disciplinas oferecidas pelos cursos superiores para complementação da grade
curricular, à escolha do aluno.
[3]
Running backs são jogadores de ataque no futebol americano, que ficam atrás ou ao lado do
quarterback, para, geralmente, serem uma alternativa para correr com a bola. Eles também podem
receber passes.
[4]
São os jogadores que ficam ao lado do center para bloquear defensores vindos pelo

meio, proteger o quarterback e abrir espaço para uma corrida.

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