Promete para Mim - Meagan Brandy
Promete para Mim - Meagan Brandy
Promete para Mim - Meagan Brandy
Para aquele que tinha medo de cair, mas ousou pular mesmo
assim.
Isto é para você.
A viagem para Oceanside é geralmente tranquila, mas meu
irmão, Mason, e seus dois melhores amigos, Chase e Brady, chega-
ram a um acordo tácito ontem à noite que “só mais uma” significava
mais uma dúzia de cervejas. Ficaram até tarde, acenando suas des-
pedidas bêbadas aos nossos colegas de classe na última festa de
verão em nossa cidade natal.
Como minha amiga Cameron e eu sabíamos que era me-
lhor não ficar até tarde na noite anterior à viagem, voltamos para ca-
sa cedo para terminar de fazer as malas para nossa última ida à
praia antes que a vida universitária começasse.
Uma viagem que não deveria ter levado mais de três horas
e meia, só que já estamos neste maldito SUV há cinco. Aprendemos
anos atrás que longas viagens com homens de ressaca não são di-
vertidas, e aqui estamos de novo, por livre e espontânea vontade,
mas participantes um pouco irritadas do experimento “quantas ve-
zes um homem precisa parar para mijar”.
A resposta é sete. Já paramos sete vezes, graças à bexiga
do Brady.
Pelo menos parecem ter ficado sóbrios nos últimos quinze
minutos, finalmente deixando a gente aumentar o volume da música
a ponto de conseguirmos ouvi-la, de fato.
Sinceramente, eu não deveria reclamar.
Passeios de carro em grupo são praticamente a única vez
em que finjo inocência quando me recosto um pouco mais ao famo-
so jogador das minhas fantasias, mais conhecido como o melhor
amigo do meu irmão.
“Agir, mas não forçar” é o jogo ao qual sou obrigada a me
contentar e sou boa nisso. Provavelmente, porque, nos últimos seis
anos, passei a maior parte do tempo me aperfeiçoando nisso.
Olha só, no dia em que Chase e sua família se mudaram
para o outro lado da rua, eu o vi primeiro. Foi como se um selo invi-
sível descesse e estampasse sua testa, uma grande etiqueta verme-
lha que berrava meu.
Claro que eu só estava no ensino médio, mas tinha visto O
Garoto da Casa ao Lado. Reconheci o poder da obsessão, e a mi-
nha começou no minuto em que coloquei os olhos nele. Tudo bem
que a minha obsessão não era do tipo assassina, e assistir a esse
filme me deu objetivos corporais explícitos e inatingíveis, mas isso
não vem ao caso.
Chase Harper tinha chegado à minha rua, e eu estava de-
terminada a ser a pessoa que mostraria o bairro para ele, então
apertei os freios da minha bicicleta na beira de seu gramado, ga-
nhando sua atenção.
No instante em que o aparelho em seus dentes brilhou no
sorriso que deu para mim, do outro lado da entrada, meu gêmeo
apareceu do nada, algo em que ele é inconvenientemente bom.
Mason correu até ele e o jogou no chão, e quando ele se
levantou, declarou ao Chase algumas palavras com as quais, às ve-
zes, eu gostaria que ele tivesse se engasgado.
Ele rosnou:
— Fique longe da minha irmãzinha!
Horrorizada, vi Chase se levantar – literalmente – parecen-
do uma espécie de macaco-aranha. Prendi a respiração, me prepa-
rando para a briga que eu suspeitava que aconteceria – sim, meu ir-
mão era conhecido por apagar um garoto por minha causa –, mas
então Chase riu e todos nós ficamos em silêncio.
O menino de cabelo castanho e olhos verdes se virou para
meu irmão com um punhado de grama na boca, um sorriso torto, e
perguntou para qual time de futebol o Mase jogava. Ele estava pro-
curando um para jogar.
Bufei e fui embora, porque sabia que com aquela única
pergunta, Mason e Brady haviam se declarado novos melhores ami-
gos, e eu fui, mais uma vez, deixada de lado com uma placa invisí-
vel de ‘não se aproxime’ pendurada no pescoço.
No espaço de cinco minutos, a dupla do meu irmão se tor-
nou um trio, e nossa casa virou seu ponto de encontro. Nunca en-
tendi todo o lance do fruto proibido até então – de que não ter algo
só faz você o querer mais.
É um monte de bobagem, se me perguntar.
Infelizmente, para mim, ninguém perguntou, então eu me
sentei, e fui forçada a ver os atletas do ensino médio se tornarem os
gostosões da escola.
Toda garota queria um pedaço, mas quem podia culpá-las?
Eles eram alunos exemplares, grandes atletas e bad boys
disfarçados. Não importa o tipo de garota, um dos três se encaixaria
perfeitamente.
Gosto de brincar que todos tem um pouco do Dwayne
Johnson, já que ele parece ser diferente, mas muitíssimo apto, inde-
pendentemente do papel. Brady seria, definitivamente, a versão de
um lutador de luta-livre.
Mas sério, todos os três eram dotados de bons genes. Ma-
son, meu gêmeo superprotetor, é alto e magro e poderia, literalmen-
te, ser dublê de um Theo James um pouco mais jovem. Brady é tipo
o boneco Ken bombado, e Chase é, bem, o epítome da perfeição.
Para a minha infelicidade, todas as meninas concordam.
Ele tem a mesma altura e estrutura de Mase, mas seu ca-
belo castanho é alguns tons mais claro. Seus olhos, vívidos e ani-
mados, são uma mistura de grama e algas marinhas. Ele é gentil,
forte e confiante. Quase tão mandão quanto Mason e Brady, mas
dos três, ele é o único que deixa a gente em paz de vez em quando.
Eu me convenci de que é a maneira dele de se diferenciar
de um irmão mais velho protetor para um homem com olhos e dese-
jos ocultos, mas sou conhecida por ser sonhadora.
Nove em cada dez vezes, penso no homem ao meu lado.
É o clichê mais antigo dos livros querer alguém que você
não pode ter. Amor não correspondido pelo melhor amigo do seu ir-
mão, um irmão que é insanamente protetor e, sim, todos sabem que
um pouco psicótico quando se trata daqueles com quem se importa.
Mas ele não consegue se conter. Assim que crescemos a ponto de
entender como meu pai perdeu sua irmã caçula, Mason fez de sua
missão de vida ser a sombra de cada um dos meus passos. Combi-
ne isso com a morte do namorado da nossa amiga Payton, há algu-
mas semanas, e ele é pura paranoia.
O fato de que Chase passou a maior parte da viagem des-
maiado talvez tenha me salvado de uma dúzia de olhares atravessa-
dos através do espelho retrovisor. Tenho certeza de que é por isso
que Mase insiste que eu me sente no meio toda vez que andamos
de carro juntos, para ele ficar de olho em mim o tempo todo.
É bonitinho como meu gêmeo leva seu papel de “irmão
mais velho” tão a sério.
Só que também é irritante.
Se tivéssemos ficado na linha esta manhã, teríamos chega-
do por volta das onze, mas aqui estamos nós, acessando a longa
entrada da casa de praia faltando quinze minutos para dar uma da
tarde.
Mason mal estaciona seu Tahoe direito quando Cameron
abre a porta e pula do carro. Ela corre até a metade dos degraus e
gira, descalça, sorrindo e com os braços erguidos.
— Vamos, pessoal! O tempo já está passando!
— Temos o resto do mês! — grita Mason, pela janela aber-
ta.
— E já perdemos metade do dia! — retruca Cam.
Sorrio, acariciando o ombro do meu irmão.
— Por favor, Mase, estamos metade do dia atrasados —
caçoo, e meu irmão resmunga quando saio, seguindo Cameron pela
varanda que contorna a casa.
Ela sorri, pulando para se sentar à beira do corrimão, então
eu me junto a ela, e Brady se aproxima um segundo depois.
— Isso é muito irado, porra! — Cam balança a cabeça,
olhando para frente.
— Porra, é, sim. — Brady encara o oceano com um sorriso.
Passos pesados atrás de nós indicam que os outros dois
se aproximaram e, nós nos viramos ao mesmo tempo.
Ficamos os cinco lá por um momento, respirando o ar fres-
co à beira-mar em silêncio, encarando a janela do chão ao teto da
casa de praia.
Da nossa casa de praia, por um mês.
A minha mãe e a de Cameron e Brady são melhores ami-
gas desde a faculdade, e antes mesmo de se casarem com nossos
pais, compraram uma casa de praia juntos. Com o passar dos anos,
vieram os casamentos e nós, os filhos. Continuaram com a casa pa-
ra termos um lugar de descanso. Então, quando éramos menores,
acho que houve uma crise no mercado imobiliário, e nossos pais ti-
veram a sorte de conseguir casas de veraneio na praia, e desde en-
tão, é aqui que nossas famílias passavam todas as férias escolares.
Nunca entendemos o porquê, mas não venderam a casa original
que compraram, e essa é a casa em que estamos prestes a entrar,
mas não se parece em nada com o lugar que vimos quando crian-
ças.
Eles a reformaram, algumas partes foram demolidas e não
só reconstruídas, mas também adicionadas. Está toda renovada.
Na cor azul-turquesa, o lugar é imenso. Tem uma varanda
enorme que rodeia a casa, e que leva até um grande deque no fun-
do – onde estamos agora – e a um caminho privado que leva a uma
bela doca cercada por papoulas-douradas. Tem até mesmo um sis-
tema de som completo com alto-falantes embutidos nos cantos das
paredes, terraço e painéis de madeira a cada poucas dezenas de
metros – não há um único ponto dentro ou ao redor da casa que a
música não alcance. Ficar hospedado no lado oposto e mais isolado
da rua pode ser uma boa opção para quem deseja férias relaxantes
sem se incomodar com a música.
É a fuga perfeita, um palácio sobre as águas.
E acabou de ser dado a nós.
Para nós cinco.
Nossos pais nos surpreenderam em nossa festa de forma-
tura, entregando-nos uma escritura do imóvel, todos os nossos no-
mes listados como proprietários com partes iguais. Disseram que
decidiram fazer isso por nós anos atrás, como uma maneira de ten-
tar manter nossa turma próxima, não importando onde a vida possa
nos levar depois da faculdade, assim como o lugar fez por eles anos
depois.
Dividi-la entre nós significa que ninguém pode decidir ven-
der sem a autorização dos outros, e se a vida nos afastasse por um
tempo, sempre teríamos esse lugar para voltar a qualquer hora.
Dizer que estávamos animados é um eufemismo, mas para
mim, também trouxe uma pitada de medo. Foi uma espécie de con-
versa deprimente, para ser honesta. Não sou tão ingênua para pen-
sar que nossas vidas permaneceriam as mesmas, que seríamos nós
cinco para sempre, mas é meio aterrorizante considerar a alternati-
va.
Novas pessoas entrarão em nossas vidas. Eu sei disso.
Algumas podem ser para melhor, outras para pior.
Mas o que acontece se um dos nossos mundos for virado
de cabeça para baixo?
E se nos afogarmos no naufrágio?
Se nos perdermos ao longo do caminho, quem estará lá
para nos tirar da água?
Talvez seja um pouco dramático, mas é uma possibilidade
real. Uma bem ruim.
Em menos de um mês, a partir de hoje, o futuro começa.
Meu irmão e os meninos irão para a Universidade Avix co-
meçar oficialmente suas carreiras no futebol americano universitário,
e Cam e eu iremos para casa fazer as malas, nos preparando para
encontrá-los no campus alguns dias antes da orientação.
Sair de casa é bem real.
Será a primeira vez que meu irmão não estará a uma porta
de distância. Embora seja um pouco assustador, também é uma be-
leza que a moradia dos jogadores de futebol fique do lado oposto do
dormitório em que eu e Cam ficaremos. Ou seja, Mason não será
capaz de “verificar” a gente com tanta frequência. Isso, por si só, é
digno de se comemorar no dia da mudança.
Eu amo meu irmão, mas droga. Às vezes, ele precisa recu-
ar. Tem sorte de eu não ter escolhido uma faculdade do outro lado
do país.
Ele também sabe que eu não teria sido capaz de escolher
outro lugar.
Não me dou bem sem a família por perto. Alguns podem
chamar isso de codependência.
Eu só chamo de coisa de gêmeo mesmo.
— Então, a arrumação dos quartos sobre o que conversa-
mos há algumas semanas continua valendo, certo? — Mason rompe
o silêncio. — Meninas no quarto com banheiro conjugado no andar
de cima, deixando o quarto de hóspedes, o extra, pra gente no an-
dar de baixo?
— Mamãe decorou nossos quartos quando veio ver Payton
e abasteceu a geladeira semana passada, portanto…
— Não vale mudar de ideia! — Cam me interrompe com
um sorriso.
Os meninos riem, e então Mason respira fundo, pegando a
chave do bolso.
— Nada de mudar de ideia. — Ele sorri. — Estamos pron-
tos para novas oportunidades? Sem pais, sem regras.
— Ninguém é menor de idade desta vez. — Brady empurra
a mim e Mason de brincadeira já que Brady, Mason e eu fizemos de-
zoito anos há três dias.
Olho para Chase, que olha para mim ao mesmo tempo. Ele
sorri, e retribuo com um sorriso singelo.
— Ai, merda — provoca minha melhor amiga. — Estamos
mesmo prestes a nos tornarmos adultos!
Quem me dera ter sabido que a declaração de Cameron se
tornaria tão verdadeira depois, mas eu não tinha a menor ideia.
— A geladeira está aberta, o álcool está na mão, então ve-
nham e vamos começar a festa! — Cameron bate uma garrafa na
bancada e não para até que estamos entrando na cozinha para nos
juntarmos a ela.
— Pega leva com a bancada, Cami baby. Desconte em
mim em vez disso — brinca Brady, inclinando-se nos próprios ante-
braços.
— Outro dia, Brady, outro dia. — Ela sorri.
Quando ela começou a servir as doses de shot, Chase foi
ajudá-la, e eu deixei meus olhos vagarem.
A cozinha é tudo o que se esperaria em uma casa de praia,
de cor clara e arejada. A mesa de jantar é um grande banco em for-
ma de U com almofadas brancas e azul-claras nos cantos. Fica em
frente à grande janela panorâmica, e permite ver a praia e ao nascer
e pôr do sol sem precisar sair lá fora. Há uma grande ilha de már-
more no centro, o fogão e fornos duplos logo atrás, onde Cam está
agora empoleirada, com cinco copos cheios até a borda ao seu la-
do.
Ela espera cada um de nós pegar um copo e fica com o úl-
timo.
— Vamos brindar a toda idiotice que vamos fazer enquanto
estamos aqui e também à onda de euforia que vamos ter ao fazer
isso.
Começamos a rir, e seus olhos azuis se estreitam, brinca-
lhões.
— Estou falando sério, idiotas. Esta pequena folga agora
será oficialmente nossa última lembrança antes de nossas novas vi-
das começarem. É importante!
— Ela está certa. — Chase se aproxima de Cam com um
sorriso. — Vamos aproveitar ao máximo.
— Quando não saímos e nos divertimos pra caralho? —
Brady estende a mão, apertando o joelho de Cam. — Estamos pres-
tes a dominar esta praia, garota.
Cameron aperta suas bochechas, juntando seus lábios co-
mo os de um peixe.
— Esse é o espírito, garotão. — Ela dá um selinho nos lá-
bios dele, depois entorna seu shot.
Nós seguimos o exemplo, bebendo nossas doses de uma
vez.
Meus olhos enrugam com o ardor da bebida, e dou risada
quando Cameron sacode a cabeça, com a língua para fora.
— Certo, essa merda é horrível. — Ela ri, e toda alegre,
passa a garrafa para Brady quando ele a pede.
— Encontro vocês na praia, seus cretinos. Mase, ligue para
o seu primo, fale para vir aqui, e um de vocês traz a bola! — Com is-
so, Brady desaparece pela porta dos fundos.
Cam se vira para mim, o ar travesso escrito no seu rosto.
— Venha, garota, vamos nos trocar. Há uma turma de ga-
rotos de praia lá fora chamando nossos nomes.
Agito as sobrancelhas.
— Talvez a depilação à brasileira vai compensar, afinal de
contas.
— Ah, nem ferrando, estou saindo fora daqui — resmunga
Mason, correndo em direção à porta dos fundos. Ele para antes de
sair, voltando-se para prender Chase com um olhar expectante. —
Você vem?
No começo, Chase não se mexe, mas depois balança a ca-
beça, e Cameron cobre sua risada com uma tosse, sabendo que
pintamos uma imagem mental em sua cabeça.
— Sim. — Ele pigarreia e pega a bola do balde perto da
porta. — Estou logo atrás de você.
Assim que a porta se fecha, Cam e eu nos dobramos de
tanto rir.
— Isso foi mara. — Ela bate a mão na minha, e subimos as
escadas correndo, arrastando nossas malas e desaparecendo em
nossos quartos.
— Acho que vou de rosa-choque hoje! — grita Cam.
— Imaginei que sim! Acho que vou com o meu preto. —
Abro minha mala, planejando desfazer mais tarde, e tiro meus trajes
de banho.
Estou amarrando as laterais da parte de baixo do biquíni
quando ela vem do nosso banheiro.
— Amarre isso para mim. — Ela se vira de costas para
mim. — Além disso, estou vetando o maiô preto em favor do verme-
lho.
Reviro os olhos e arrumo a regata dela conforme se olha
no espelho de corpo inteiro que fica na parede à nossa frente.
— Obrigada, Victoria, por sua superpromoção de verão —
murmura.
— Ela deve estar fazendo algo errado, porque não vejo ne-
nhum segredo nessa coisa — brinco, e ela manda um beijo para
mim.
Minha melhor amiga tem um corpo incrível, tonificado e fir-
me em todos os lugares certos e quase oposto a mim em todos os
sentidos.
Cam tem fácil 1,77 metros onde eu tenho, no máximo, 1,65
metros. Ela é alta, está em forma e tem o estilo de uma modelo com
intensos olhos azuis-claros. Embora não haja como negar, ela odeia
ser chamada de magra.
Conforme crescíamos, as pessoas a provocavam por ser
bem alta e muito magra. Quero dizer, eram espancados por Mason
ou Brady, mas, ainda assim, brincavam. Foi ruim por um tempo. Os
meninos sempre tentavam fazer com que sua altura parecesse in-
significante, mesmo quando, por um momento no passado, ela che-
gou a ficar mais alta do que eles, mas não conseguiam tirar a má-
goa que as palavras dos outros lhe causavam.
Ela tentou de tudo, desde dietas de carboidratos até medi-
camentos, até adicionou suplemento nutricional às suas refeições
todos os dias durante meses e nada. O metabolismo dela simples-
mente não funciona assim. Agora que crescemos, ela aprendeu a
dominá-lo, preencheu mais em outras áreas e vai sempre com os
meninos para a academia para manter o pouco de músculo que
conseguiu para ter mais peso. Independente disso, ela sempre teve
uma atitude confiante, do tipo “nunca permita que a vejam nervosa”.
Cameron amarra seu longo cabelo loiro em um rabo de ca-
valo alto e se vira para mim.
— Agora. — Ela joga meu novo biquíni vermelho em cima
de mim. — Estou morrendo de vontade de ver como ficam esses be-
bês neles. — Ela gesticula para o meu peito.
— Sério?
— Ah, sim, ou dê o máximo de si ou desista.
— Mason pode me arrastar para casa se eu aparecer nisso
no primeiro dia — zombo, pego o maiô e olho por cima do decote
profundo da frente. — Essa coisa é digna de algo do tipo “quinto en-
contro, tente a sorte”.
— Você está falando como se já não tivesse tirado seu top
para vesti-lo.
— Touché. — Tiro o maiô preto, me enfiando no vermelho
minúsculo.
Cam se esparrama na minha cama, dando uma rápida con-
ferida em suas notificações, mas depois me encara quando eu giro,
fazendo a minha melhor pose de Marilyn Monroe para ela.
— O que acha?
— Acho melhor agradecer todos os dias ao Grandalhão lá
em cima por essas grandes garotas com que Ele te abençoou. —
Ela me olha de cima a baixo. — Essas garotas da nova geração
Baywatch S.O.S Malibu não devem nada a você.
— Ah, obrigada, amiga. Agora, vamos.
Vou em direção à porta.
— Espere. — Ela se apressa em dizer, rastejando até a
beira da cama. — Vamos conversar por um segundo.
Está claro que está nervosa por algum motivo, então sento-
me no colchão ao lado dela, esperando que fale.
— Nossa última viagem terminou com uma tempestade de
merda com seu primo e o acidente de carro de Deaton. Foi pesado,
mas esta é a nossa chance de terminar o verão com o pé direito.
Por isso fomos para casa com nossos pais por algumas se-
manas, para apertar o botão de reset.
— Não, eu sei, é só que agora estamos mais perto do iní-
cio da faculdade, e assim que chegarmos à Avix, nossos horários
vão estar um caos. Pela primeira vez, não teremos uma tonelada de
tempo livre juntos — continua, um pouco séria demais para ela.
— Cam, somos colegas de quarto. — Dou risada. — Nos
veremos muito, e sempre teremos os fins de semana.
— Sim, mas… — Ela bufa. — Acho que só quero viver, sa-
be? Esta é a última vez que não teremos praticamente nenhuma
responsabilidade a não ser ficar bêbados e não acabarmos assassi-
nados.
Dou risada, mas ela continua:
— Então, eu voto que façamos como na nossa pequena vi-
agem secreta, quando nos divertimos mostrando os dedos do meio
invisíveis para os garotos pelo caminho.
— Vamos tomar banho de sol de topless, os meninos que
se danem?
Ela solta um gemido divertido e se senta, sacudindo meus
ombros.
— Não disse para tentar fazer com que nos matem — brin-
ca, com um sorriso. — Mas sim, é nessa pegada.
Nós duas rimos.
— A verdadeira diversão dos dezoito anos, nadar, sair, co-
mer churrasco, beber, dançar, flertar… — Arqueio uma sobrancelha.
— Dar uns pegas em alguns garotos de praia que nunca
mais veremos — acrescenta com uma rebolada e termina com um
dar de ombros. — Os garotos vão fazer isso, então, se quisermos o
mesmo, devemos fazer isso. E a melhor parte é que ninguém aqui
terá medo do “irmão mais velho e seus amigos”. — Ela sorri.
Rindo, eu me levanto, andando de frente para ela e em di-
reção à porta.
— Sem excesso de análise, sem dúvidas, só seguir o fluxo
do tipo de diversão se tivermos ou não que sair escondidas dos ga-
rotos.
— Mas se não conseguirmos…
— Dedos médios invisíveis, e faremos mesmo assim.
— É exatamente disso que estou falando. Dane-se esses
garotos e sua necessidade obsessiva de saber de tudo! Vamos nos
divertir o máximo possível e aconteça o que acontecer, assim será.
— Aconteça o que acontecer, assim será — concordo.
Cam grita, pula e joga o seu relógio na minha cama.
— Agora, vamos fazer alguns coitados babarem. Não pas-
samos os últimos quatro meses no treino pesado de pernas e bum-
bum por nada.
Ela recosta a testa à minha e sorrimos uma para a outra.
— Que comecem os jogos, vadias.
Damos uma olhada pela praia assim que saímos pelo de-
que, avistando os garotos a cerca de nove metros na faixa de areia,
então vamos até eles.
— Parece que Brady já encontrou a garota mais gostosa
da praia para mantê-lo ocupado — brinca Cam, apontando o queixo
na direção dele.
Eu semicerro os olhos, avaliando o pequeno grupo e me
concentrando na linda garota de pele bronzeada e cabelo escuro
empoleirada em uma pedra, e um sorriso toma meu rosto.
Kalani Embers é o nome dela, e é, definitivamente, a garo-
ta mais bonita dos arredores, mas ela não está disponível. Ela é a
futura esposa do meu primo Nate, que tivemos a chance de conhe-
cer e passar um tempo quando viemos para arrumar a casa no iní-
cio do verão. Ela também é a única garota que já venceu Brady em
curiosidades esportivas. Ele, literalmente, comprou todos os livros
de jogos possíveis para “estudar” as respostas, assim da próxima
vez que a visse, recuperaria seu título de sabe-tudo, mas Kalani, ou
Lolli como a chamamos, nasceu no jogo – toda a sua família faz par-
te do mundo da NFL – e as estatísticas são o que ela mais gosta. O
coitado não tem chance.
Ela não é apenas a mais jovem, mas a primeira mulher pro-
prietária de uma franquia na história da NFL.
— Merda, lá vem problema! — Brady assobia, ganhando a
atenção dos outros.
Mason geme, balança a cabeça e grita na mesma hora:
— Vocês estão tentando me fazer bater em algum filho da
puta?
— Qual é o problema, Mase, com medo de alguém morder
a isca? — retruca Brady, com um sorriso.
Não é segredo que Cameron tem uma queda por Mason,
mas nenhum de nós realmente sabe o que ele sente por ela. Ele faz
coisas como afugentar os caras que tentam falar com ela e a conso-
la quando ela chora, mas é difícil porque é isso que o Mason é. Pro-
tetor por natureza. Ele cuida dela da mesma forma que cuida de
mim, está ao seu lado quando precisa dele, assim como os outros
meninos. Igual a mim. É o que fazemos. Somos uma família, nós
cinco, e de onde viemos, esse pequeno fato supera todo o resto. É
também o que torna tão difícil de entender. É como eu disse, Mase a
trata igual ele me trata, então há uma chance de não haver nada de
romântico nisso. Não tem meio-termo com ele; é sempre ele com tu-
do o que é.
É uma bênção, e uma maldição, às vezes, porque ele enfa-
tiza e analisa mais do que o necessário, mas não consegue evitar.
Meu irmão é a pessoa mais durona que conheço. Ele é tu-
do o que um pai esperaria de um filho e mais do que eu poderia pe-
dir de um irmão. É a pessoa mais importante da minha vida, e se há
uma pessoa neste mundo a quem quero deixar orgulhosa, é ele.
Meu gêmeo é a outra metade de quem eu sou, mas isso não signifi-
ca que entendo cada atitude dele, nem se eu quisesse.
De qualquer forma, Cameron se recusa a pensar nisso pa-
ra evitar que suas esperanças aumentem. Ela não está apaixonada,
de forma alguma, e não fica sentada e esperando igual a mim, que
sou pateticamente conhecida por fazer isso, mas do jeito que está,
ela aceitaria a sua mão se ele oferecesse em um piscar de olhos.
O que torna um pouco mais difícil é que Mason é o maior
paquerador da paróquia, bem provável que é pau a pau com Brady,
mas ele não faz isso por mal e jamais daria falsas esperanças a ela
de forma consciente, então acho que só o tempo dirá.
Lanço um olhar a Mason quando ele mostra o dedo do
meio para Brady, e ele apenas ri.
Lolli sorri, saindo da pedra em que estava tomando sol.
— Bem, bem, renovada como sempre.
Eu sorrio, lembrando-me de não a abraçar. Lolli não é do ti-
po que gosta de toques.
— Tive que tentar acompanhá-la.
— Garota, por favor. Devia ter visto o maiô que ela tentou
usar hoje. Eu mesmo a pegaria de jeito.
— Então Chase tem que agradecer, hein? — Lolli sorri.
Curvo os lábios de lado e ela ri.
Lolli adivinhou meus sentimentos por Chase no dia em que
nos conhecemos, e ela adora soltar piadas de mau gosto para dei-
xar os meninos desconfortáveis enquanto ainda tenta ser discreta,
mas apenas por minha causa. Ela diria a ele para me despir na
areia se dependesse dela. Ela é baixa assim.
— Já teve notícias da Kenra? — pergunto da minha prima,
a irmã mais velha de Nate, quando os eventos de algumas semanas
atrás passam pela minha cabeça.
Kenra acabou de sair de um relacionamento abusivo, que
piorou quando seu agora ex-noivo sofreu um acidente de carro com
ela e seu irmão mais novo. Ele e Kenra conseguiram sair vivos, mas
seu irmão mais novo, o pai do bebê de Payton, não teve tanta sorte.
Ele tinha dezessete anos.
Uma verdadeira crueldade.
— Como está a Payton?
Lolli ergue um ombro, olhando para trás, onde vejo Payton
andando pela praia.
— Procuro não perguntar. Sou melhor com a diversão, en-
tão a mantenho ocupada quando posso.
— Aposto que ajuda mais do que imagina. — Cam sorri pa-
ra ela.
Lolli concentra o olhar no horizonte, desconfortável com as-
suntos profundos, portanto mudo de assunto.
— Então, qual é o plano para hoje, ou melhor, temos um?
— pergunto, olhando para todos.
Brady dá de ombros, jogando a bola no ar.
— Acho que devíamos começar assim: sair para comer,
dançar, encher a cara, depois ficar de boa e fazer uma fogueira
amanhã?
Cam e eu acenamos com a cabeça.
— Achamos uma boa ideia. Lolli, vocês estão dentro?
— Meu lindo se apresenta para o treino em dois dias, então
isso seria um não. — Ela dá um sorrisinho. — Ficaremos trancados
no quarto a noite toda, mas nos vemos amanhã, tenho certeza.
— Por falar nisso… — Nate se aproxima, nos abraça, e dá
adeus no segundo seguinte, levando sua noiva em direção a sua ca-
sa bem depressa.
— Bem, tudo bem então. — Cameron ri. — Uma noite de
dança sexy, mas primeiro! — Ela decola, indo direto para o mar,
com Brady na sua cola.
— Esperem, vou pegar a bonitinha. — Ele balança a cabe-
ça na direção de Payton. — Ela precisa se divertir um pouco. —
Com isso, Mason corre alguns metros pela praia em direção à jovem
loira sentada sozinha em uma pedra, procurando respostas que não
encontrará nas ondas da Califórnia.
Devagar, Chase e eu nos aproximamos da beira da água.
Ele bate com o ombro no meu.
— Está feliz por estar de volta à praia?
— Sempre, sabe disso. — Eu sorrio para ele, mas respiro
fundo quando olho à frente. — Tomara que desta vez seja menos
traumático.
— Sim — concorda. — Não consigo imaginar o que ela es-
tá passando.
Olhamos para Payton a tempo de testemunhar seus olhos
se arregalarem, vendo Mason só no último segundo em cima dela.
Ele se curva, levantando-a sem esforço, e ela grita no ar, nos fazen-
do rir.
Sorrio para o meu irmão, e uma calma que só o oceano pa-
rece ser capaz de me fazer sentir me domina.
— Acho que esta viagem será diferente.
Ele olha para cima.
— Acha?
— Acho — afirmo. — Quando o final de junho chegou, ain-
da parecia que tínhamos acabado de sair da escola, sabe? Como se
tivéssemos o verão todo pela frente, mas não temos mais. O verão
está quase acabando, e vamos nos mudar e morar sozinhos assim
que sairmos daqui. É apenas… diferente. Como se fôssemos adul-
tos, e esta é a vida agora. — Enrugo o nariz e me viro para olhar pa-
ra ele. — Você não acha?
Aquele sorriso torto que tanto amo aparece.
— Acho. Acredito que é diferente. — Ele fica quieto por um
segundo antes de acrescentar: — Talvez muitas coisas sejam dife-
rentes agora.
É como se ele estivesse falando mais para si mesmo do
que para mim, então não respondo.
Um instante depois, ele para de andar e me encara. Ele
franze o cenho para o meu maiô, e não consigo segurar o riso.
— Algum problema?
— Sim. — Ele acena, os olhos focados nos meus. O franzi-
do de sua testa se acentua ainda mais, mas um segundo depois um
sorriso puxa seus lábios, um que reconheço.
— Chase — advirto, porém antes que eu possa fugir, ele já
me jogou por cima do ombro e está correndo para o mar.
Os outros riem quando sou arremessada de bunda na
água, então nadam para se juntar a nós.
Gostaria de poder congelar este momento, toda a nossa
turma aproveitando o restinho do sol de verão, porque quem sabe o
que a lua do verão trará.
Olho para Chase, que sorri para mim do outro lado da
água.
Eu, por exemplo, mal posso esperar para descobrir.
— Depressa, pirralhas! O Uber deve chegar a qualquer ins-
tante! — Mason grita do pé da escada.
— Argh, aquele homem, eu juro, é tão estressadinho. —
Cam sorri para o espelho. — Acha que ele vai me deixar ajudá-lo a
se acalmar?
— Cameron. — Dou risada. — Eca!
— Ah, calma, Virgem Maria. — Ela me olha e se inclina na
pia para terminar de passar o rímel. — E o que pensa que está fa-
zendo? — Lança uma olhada ao meu vestido. — Tire essa coisa
horrível. Parece que está prestes a caçar ovos de Páscoa, não se
divertir na pista de dança.
— Não é tão ruim assim, e não posso usar esse pedaço de
tecido que chama de vestido.
— Sim, você pode.
— Você quer se divertir? Tenho que escolher quando quero
transar, e a primeira noite não é a noite.
Com o dedo erguido, ela o aponta na minha direção, arque-
ando uma sobrancelha loira perfeitamente delineada.
— Au contraire, pelo contrário, minha amiga florzinha… —
Ela gira. — Esta noite é a noite perfeita para o sexo. Está na hora de
encher a cara e se isso significa que Mason será forçado a encarar
o fato de que você realmente tem uma vagina, então que assim se-
ja.
Fecho os olhos, pois não quero nem pensar nesse comen-
tário.
— Vamos! — Cameron ri. — Combinamos de nos divertir!
— E iremos, mas não posso ir ao limite no primeiro dia.
— Querida, digo em nome da sua periquita quando afirmo
que precisa tirar esse vestido. Tipo, direto para o lixo.
Tento não rir, mas não adianta.
Cam e eu ainda estamos rindo quando Brady começa a ba-
ter na minha porta.
— Ei! Vocês parecem estar se divertindo demais. Se tiver
travesseiros e calcinhas envolvidos, eu quero entrar! — grita.
— Sai fora, Brady! — O grito de Mason segue de… vai sa-
ber de onde. Ele nunca está muito longe.
A risada de Brady ressoa até nós.
— Mas sério, estão prontas? O Uber está chegando!
— Merda. Sim, estamos indo! — grita Cam, me lançando
uma olhada maligna.
— Eca! Eu te odeio — resmungo, tirando meu vestido por
cima da cabeça, então estendo minha mão para ela. — Me dê essa
porcaria.
Com um sorriso triunfante, Cameron joga o vestido justo
preto na palma da minha mão.
Eu o visto, calçando depressa os sapatos pretos com salto
dourado que ela colocou na minha frente depois.
— Feliz? — Faço pose.
— Em êxtase. — Ela sorri. — Agora vamos, antes que seu
irmão entre.
Meu vestido é simples, mas sexy. É frente única, com de-
cote e justo na cintura, e solto nos quadris para permitir uma dança
sedutora. Estou com meu cabelo castanho-escuro bem preso em
um rabo de cavalo alto, e o olho esfumado está em pleno vigor.
Não uso “maquiagem completa” todos os dias, mas é uma
das minhas partes favoritas quando se trata de sair.
Pego um par de brincos pretos da bolsa e sigo pelo corre-
dor atrás de Cam, sorrindo com a vista enquanto a observo.
Ela está usando um vestido tubinho roxo-escuro que é jus-
to do peito até a bunda. Ela combinou com saltos nude e deixou as
pálpebras sem sombra, optando por usar apenas uma espessa ca-
mada de rímel. Seu longo cabelo loiro está solto, com grandes on-
das douradas. Minha melhor amiga está linda.
— Tudo bem, vadia! — Ela passa o braço pelo meu quando
chegamos ao último degrau da escada. — Hora do show!
Fecho o brinco e mantenho a cabeça erguida.
Brady, como sempre, é o primeiro a nos ver, e seu assobio
infame o segue.
— Caramba! — Brady se aproxima de nós, plantando um
beijo em nossas bochechas enquanto nos agarra pelas mãos. — Dê
uma voltinha para mim. Quero ver vocês.
Rimos, mas giramos como pediu.
— Que tal, Brady? Aprovadas?
— Com louvor. — Ele sorri. — Vamos tomar shots na cozi-
nha antes de sairmos.
— Achei que nosso Uber estava aqui?
— Precisava fazer suas belas bundas virem aqui de algum
jeito — admite, dando um tapa em nossos traseiros.
Mason se vira quando entramos, franzindo a testa na hora.
— Que diabos? — dispara. — Juro que você quer que eu
vá para a cadeia.
— Calma aí. — Dou risada, balançando a cabeça. — Sem
algemas esta noite.
— Quero dizer — começa Cam, batendo os cílios, exagera-
da —, a menos que você queira que tenha…
— Tudo bem. — Ele ergue as mãos. — Tanto faz. Use um
vestido que caberia na nossa vizinha que está na primeira série o
quanto quiser, mas vou precisar de uma dose dupla para aguentar
essa merda.
— Deixa comigo, meu chapa. — O sorriso de Brady se
alarga. Ele lança um olhar furtivo em minha direção, malícia estam-
pada em seu rosto.
Ele estende a mão, passando a mão para cima e para bai-
xo no meu braço devagar, parando para apoiá-la no meu quadril.
Então usa a outra mão para servir minha dose, levando o copo até
meus lábios.
— Abra, Ari baby — pede, em tom baixo e rouco.
Travo os olhos nos dele, jogando seu joguinho, e faço o
que pediu.
Seu olhar não se desvia do meu, a risada na ponta da lín-
gua enquanto derrama o líquido ardente na minha garganta. Depois
de engolir, ele estende a mão para passar o polegar no meu lábio in-
ferior e pega a única gota que não chegou à minha boca.
— Você é um idiota. — Mason rosna, de brincadeira, e não
conseguimos segurar, nós dois caímos na risada.
— Tudo bem, filho da puta, chega de palhaçada. — Chase
franze a testa, apontando para a garrafa. — Agora nos dê uma dose
para sairmos daqui.
Disfarçadamente, Cam desliza a mão às costas e eu dou
um tapinha em um cumprimento secreto, sorrindo e continuando a
olhar para frente.
Brady bate palmas.
— Muito bem, pessoal, para a nossa primeira noite como
adultos que bebem legalmente! — Ele pega seu shot e o ergue no
ar. — Bem, de acordo com as identidades falsas que consegui, que-
ro dizer!
— Uau! — grita Cam.
Nós brindamos nossos copos e bebemos.
— Vamos nessa, vadias! — Cam diz, por cima do ombro, a
caminho da porta.
Nós quatro a seguimos.
Brady passa os dez minutos inteiros repassando o que fa-
zer e o que não fazer quando pegamos nossas identidades falsas,
mas sua preocupação é desnecessária.
O segurança na entrada nos deixa passar depois que Ca-
meron sorri para ele. Ela também pode ter pedido a ele para verifi-
car o zíper nas costas do vestido, mas, ei, ele ficou feliz em ajudar.
Os rapazes, no entanto, tiveram que mostrar suas identida-
des, mas o sósia de Tom Hardy não piscou duas vezes para eles,
portanto, devem parecer legítimas. Isso, ou não ligou, na verdade.
Assim que entramos, Cam dá um gritinho, agarrando meu
braço.
— Esse lugar é incrível! — grita, já mexendo o corpo ao rit-
mo da música.
A boate é um círculo gigante com um piso plano aberto.
Cabines circulares com mesas e cadeiras brancas se alinham nos
lados direito e esquerdo, com o bar se estendendo pela parede ao
fundo. A iluminação é escura com um tom azul, mas não do tipo de
luz negra. Passa mais a sensação encantada e gelada. O chão me-
tálico e lustroso aumenta essa ilusão.
Cameron nos leva a uma mesa perto do bar e nos senta-
mos para tomar alguns drinques.
Uma hora e três Midori Sours depois, meu corpo está vi-
brando e estou pronta para ir dançar. Para ser sincera, nós, garotas,
estávamos prontas assim que entramos, mas os garotos queriam
“analisar a cena” primeiro – brutos superprotetores.
Contemplando meu próximo movimento, olho ao meu re-
dor. Estou bloqueada na cabine, Chase à minha esquerda, os outros
à minha direita, então só há uma direção lógica a seguir. Claro que
potencialmente problemático. A bebida em mim não parece se im-
portar, porém, já que minha bunda está levantando do assento.
Eu me movo depressa para não ser impedida e antes de
me acovardar, deslizo o corpo sobre o de Chase, cada músculo tra-
vando no contato. Não tem muito espaço entre as mesas e os as-
sentos, então a única maneira de passar pelo espaço é pressionar a
bunda um pouco no colo dele, e é o que faço.
Na hora, suas mãos agarram meus quadris, ele me ergue
e, com cuidado, me coloca de pé ao lado da mesa, seu olhar se fi-
xando em Mason pouco antes de ele falar:
— Você poderia ter pedido para ele dar licença, Ari. — O
olhar do meu irmão queima minha bochecha.
Eu ignoro.
— Como pode ver, querido irmão, não havia necessidade.
Estou de pé e agora… vou dançar.
Cam grita, se postando ao meu lado num piscar de olhos.
— Não sem mim, vadia!
— Droga. — Brady se estica todo, fazendo com que todos
nós viremos as cabeças na direção em que ele está babando.
Com um sorriso gigante no rosto, ele cutuca o ombro de
Mason.
— Sai daí, mano. — Gesticulando com o polegar por cima
do ombro, Brady aponta para a morena inclinada sobre o bar. — Te-
nho que ir até lá.
— Não dá nem para ver o rosto dela daqui. — Cam torce o
nariz.
— Olha aquela bunda — responde, olhando para mim com
expectativa.
Dou um grande sorriso, entendendo o que ele quer dizer.
— Essa bunda toda…
— Naquele jeans — termina Brady, rindo, levanta a mão
para um merecido cumprimento meu. — Sabia que não me decepci-
onaria.
— Está certo, sabichões, vamos. — Cameron revira os
olhos, me puxando para a pista.
A gente se enfia entre alguns grupos de pessoas, encontra
um lugar agradável e lotado perto do meio, e nos soltamos.
— Menina, estou me sentindo bem agora! — Cam grita por
cima da música.
— Idem! — Dou uma risada. — Aquela última bebida me
pegou.
She Knows, de Ne-Yo, começa a tocar nos alto-falantes, e
nós nos entreolhamos.
— Ai, merda! — gritamos de tanto rir e depois vamos dan-
çar.
Rebolamos os quadris, giramos nossos corpos ao ritmo,
aproveitamos nossa primeira noite em um clube.
Fecho os olhos e deixo a música tomar conta do meu corpo
como sempre faz. Quando estou feliz ou triste ou brava, qualquer
coisa, música é o que procuro. Relaciono a vida com as letras, o
tom com o humor.
A batida pode me despertar ou me derrubar. As palavras
podem me animar ou me deixar toda emotiva. Muitas pessoas evi-
tam músicas que as fazem lembrar da dor quando estão se afogan-
do nela, mas eu digo para deixar aquela merda colocar você na fos-
sa. Quando as pessoas se sentem bem, elas tendem a tocar uma
música alegre que as faz dançar, então se vai dançar quando sentir
vontade de dançar, por que não chorar quando estiver precisando?
Preciso de música como meu irmão gêmeo precisa de fute-
bol; está em nossas almas, e agora, minha alma está se sentindo
sensual.
Não demora muito para que um cara loiro atravesse a mul-
tidão e comece a se esgueirar mais. Eu sorrio, dando a abertura, en-
tão ele se aproxima e começamos a dançar. De canto de olho, per-
cebo Chase e Mason dançando com algumas garotas só a alguns
metros de distância. Não tenho dúvidas de que é proposital, o jeito
deles para ficarem de olho em nós, garotas, mas, para dar crédito a
eles, nenhum dos dois me interrompe.
Bem possível porque mantemos nossos parceiros à distân-
cia. Algumas músicas depois, Loyal, de Chris Brown, começa, e
Cam grita ao meu lado.
Ergo os braços novamente, trocando o loiro pela minha
melhor amiga, e nós cantamos como duas garotas bêbadas em um
bar de karaokê – alto e desafinado.
Cam aponta o queixo na direção dos nossos garotos, e sei
muito bem o que ela está pensando. Vamos até eles, bem a tempo
de cantar junto com o refrão, provocando um outro ataque de riso.
— Bonito, meninas. — Mason ri, afastando-se da ruiva car-
rancuda. — Muito bonito.
Cameron sorri, abanando-se.
— Preciso de água e outra bebida!
Mason olha ao redor, presumivelmente em busca de Brady,
e então, coloca o braço sobre os ombros de Cameron.
— Eu a levo! — grita, e a puxa em direção ao bar, mas não
antes de apontar para mim, com os olhos em Chase. — Fique com
ela.
Eles se afastam, e eu encaro Chase. Agito os ombros dra-
maticamente, ele ri e balança a cabeça em negativa, recusando
meu convite, então danço sem ele.
Fecho os olhos e mergulho na música, cerca de alguns mi-
nutos depois, o calor da proximidade de Chase me ataca. É preciso
muito esforço, mas não abro os olhos, ainda não. Espero, continuo a
dançar ao som da música e, finalmente, ele se aproxima um pouco
mais. Meus sentidos são inundados com seu cheiro gostoso de sân-
dalo, e meus olhos se abrem, travando em seu olhar injetado de
sangue.
Seus movimentos estão um pouco soltos por causa da be-
bida, mas ele segue o ritmo, e quando coloco as mãos em seus om-
bros, me aproximando um pouco mais, ele permite.
— Bem, olha isso — provoco. — Estamos quase dançan-
do.
Um sorriso surge no canto de sua boca, e eu respiro fundo
quando sua mão livre segura meu quadril.
— Você é corajosa por usar essa coisa. — Ele puxa o teci-
do flexível.
— Gostou?
Ele franze a testa e solto uma risada baixa, mas não digo
mais nada, o calor de sua mão fritando o meu cérebro. É tudo em
que consigo pensar.
Suas mãos em mim.
A cada segundo que passa, minhas fantasias me puxam
mais profundamente, meu batimento cardíaco fica descontrolado.
Mover-me com o corpo dele roçando no meu serve como
um acelerador, bombeando meu sangue em um ritmo acelerado, en-
viando o álcool no meu corpo direto para o cérebro e, com ele, le-
vando embora meu bom-senso, ou pelo menos, é a única coisa que
consigo pensar para explicar por que, de repente, eu me atrevo a ar-
rastar as mãos um pouco mais para baixo.
Com nossos quadris ainda roçando, lentamente corro as
mãos sobre a curva de seus ombros, deslizando-as por cima dos
sulcos de seu peitoral.
Os olhos de Chase se conectam aos meus, e minhas mãos
decidem subir, cada vez mais alto, até meus dedos se posicionarem
ao longo de seu pescoço grosso. Chase engole em seco, o cenho
com um leve franzido.
O baixo da música soa descontrolado sob nossos pés, as
luzes mudam de cor, escurecendo o espaço ao nosso redor, e as
pessoas parecem se misturar. Estamos cercados agora – Chase e
eu.
Já dançamos antes. Em aniversários e festas de bodas de
nossos pais, alguns bailes da escola, mas não assim. Não próximos
e nunca depois de algumas bebidas.
É novo. Estranho.
Meus dedos entremeiam por seu cabelo, e arrasto as
unhas pouco acima da nuca com um movimento suave de massa-
gem. Eu me mexo um pouco, sem querer, e ele exala quando minha
coxa roça a prova de sua excitação.
Ele está duro.
Puta merda, ele está duro por minha causa.
Começo um novo ritmo, meu corpo aplicando um pouco de
pressão em sua ereção a cada movimento; suas mãos sobem, agar-
ram meus pulsos e seus lábios encontram minha orelha.
— Ari, o que você está fazendo?
Sinto o forte cheiro da tequila em seu hálito, e isso envia
uma pontada de expectativa quando me lembro da minha conversa
com Cameron, uma confiança recém-descoberta flutuando pelo meu
corpo.
— O que estou fazendo? — repito a pergunta dele e me
afasto para encontrar seu olhar atento. — Estou fazendo o que que-
ro. — Que se danem os garotos.
Suas feições se contraem, tensionando cada centímetro.
Então esmago seus lábios com os meus.
Chase fica tenso, as mãos se contorcendo contra mim em
um segundo, subindo para agarrar meu bíceps no próximo, e depois
ele está se afastando, os braços estendidos ao máximo. Olhos arre-
galados e vermelhos encontram os meus, e seu rosto empalidece.
Chase balança a cabeça, o semblante apreensivo.
— Arianna… não.
Minha boca se abre, mas nada sai, então ele esfrega o pró-
prio rosto.
Lágrimas brotam em meus olhos quando observo a expres-
são mortificada em seu rosto. Minha pele fica vermelha de embara-
ço, e desvio o olhar.
Mason e Cam atravessam a multidão naquele instante, e
as mãos de Chase se afastam do meu corpo, agora se enfiando em
seu cabelo, enquanto coloca o maior, mais falso e mais tenso sorri-
so que já vi na cara.
Meu interior se parte quando a realidade me atinge.
Eu queria beijá-lo, e ele não queria me beijar, só que nada
dói mais do que o olhar horrorizado em seus olhos quando percebeu
o que eu tinha feito.
Sem sua permissão, eu o forcei a cruzar a linha que ele
mantinha três metros à sua frente. Essa pequena linha agora está
coberta por uma camada de areia molhada, e todo mundo que já pi-
sou no mar sabe que não é tão fácil de ser apagada. Fica mais es-
pesso com o vento e as ondas, e estamos no sul da Califórnia, en-
tão aqui tem em abundância.
Não que isso importe, porque se sua expressão de pânico
disse alguma coisa, é que ele vai jogar essa merda até o fim do oce-
ano se for preciso.
Felizmente, o álcool não só se espalha por nós dois, mas
também pelos dois que agora se juntam a nós, sem terem percebido
qualquer coisa. Quando meu irmão me passa uma garrafa de água,
beija minha testa antes de se virar para seu melhor amigo com um
sorriso relaxado, eu a aceito com um sorriso tenso. Bebo a metade
e me viro para Cameron. Ela me entrega uma das doses em suas
mãos, e antes de entorná-las de uma vez, Brady aparece do nada,
pronto e com sua própria bebida.
Nós cinco formamos um pequeno círculo, bebendo de uma
só vez, e não paro por aí, por conta da necessidade de ficar bêbada
mais do que nunca, então, sempre que alguém sugere outra dose,
faço questão de animar todo mundo.
Eu me sinto uma idiota, mas a parca iluminação e as doses
de bebida embaçam a minha vista e escondem as lágrimas que es-
correm sem permissão. Ainda bem, porra, e graças ao céu pelos
bartenders generosos que nos atendem após a última rodada.
Só bem depois das duas da madrugada é que descemos
tropeçando do Uber e caminhamos até a nossa porta da frente.
Cameron tira os sapatos e começa a pular na ponta dos
pés.
— Depressa, Mase! Você nem imagina o tanto que preciso
fazer xixiiiiii.
Ele ri, pelejando com a maçaneta.
— Estou tentando, mas essa chave quebrou ou algo assim
— resmunga.
— Meu Deus! — Suspiro, olhando ao redor. — Esquece-
mos Brady! — Dou um chute em Mase.
— Merda, Ari! — Ele começa a saltitar, mas perde o equilí-
brio e cai contra a parede ao nosso lado.
Começo a rir e tropeço em alguma coisa, me apoiando ra-
pidamente à coluna da varanda à minha direita.
— Brady saiu com aquela garota — lamenta Cameron, ain-
da dançando, esperando para entrar.
— A garota da bunda grande?
— Não, a garota de seios grandes.
Ah, sim. Eu me lembro dela.
Mason se atrapalha com a fechadura de novo e, assim que
consegue alinhar a chave com o buraco, ela escorrega de seus de-
dos, caindo no chão.
— Porra. — Ele ri, segura a maçaneta e sacode.
Chase ri atrás de mim, e eu me viro para encontrá-lo do-
brado sobre o corrimão, segurando firme. Um estrondo alto soa, e
eu me viro a tempo de testemunhar Mason tombar quando ele tenta
agarrar o cordão com a chave.
— Merda! — grita Cam, caindo de joelhos na frente dele.
Meio segundo depois, “aí, merda” soa de Chase.
Eu me viro quando ele tropeça para trás, caindo de bunda
da varanda, com as pernas estendidas nos degraus à frente.
Estou presa olhando, minha cabeça balançando de um la-
do para o outro, o que me deixa enjoada.
Cam começa a rir, descontrolada, cai de bunda e inclina a
parte superior do corpo em cima de Mason, que parou de tentar se
levantar, os olhos já fechados.
— Poderíamos tirar vantagem deles agora mesmo. — Ela
sorri.
Não consigo deixar de rir, e então tiro os sapatos, desabo
em uma das espreguiçadeiras da varanda e solto uma respiração
profunda.
Um brinde a nós.
O sol está quente e convidativo hoje, o oposto de ontem,
quando nós quatro acordamos com a risada barulhenta de Brady
por volta das cinco da manhã.
Não conseguimos entrar em casa, desmaiamos espalha-
dos do lado de fora – exatamente como Brady nos encontrou. De-
pois de dormir um pouco, tentamos ir à praia para ficar com nossos
primos e amigos, mas não passamos do deque, nossas ressacas le-
vando a melhor. Então, voltamos e nos jogamos nos sofás. Era um
dia de maratona de filmes.
Hoje, porém, acordamos animados e prontos para um pou-
co de diversão. Fomos tomar café da manhã no Oceans Café, um
lugar que Lolli indica a todos, e então seguimos à lojinha de conve-
niência para testar a identidade falsa de Brady lá. Deu certo, e do-
bramos nosso estoque, só por precaução.
Já que temos tudo o que precisamos para a fogueira esta
noite, guardamos as coisas para a festa e fomos à praia.
Cam, Mason e Brady disparam, indo direto para a água
fria, mas eu estendo minha esteira de praia e não perco tempo ao
me deitar. Fecho os olhos e sorrio quando o sol aquece minha pele,
mas a leve agitação ao meu lado me faz olhar para cima.
Chase está ali, olhando para nossos amigos com o cenho
franzido. Depois de criar coragem, puxo sua bermuda para chamar
a atenção.
Ele olha para baixo e eu me apoio em um dos cotovelos,
usando a palma da mão para proteger meus olhos do brilho do sol.
Faço um movimento com a cabeça para que ele se junte a mim.
Ele hesita por um segundo, então, sem lançar um olhar na
minha direção, se deita na canga e espelha minha posição.
Uma pontada de ansiedade toma conta de mim, pois sei
que não podemos mais escapar do que aconteceu na boate. Este é
o primeiro momento que tivemos sozinhos desde aquela noite, e sei
que não sou a única que percebe isso.
Admito, acordei um pouco envergonhada no dia seguinte,
mas não a ponto de me arrepender. Se ele tivesse mostrado algum
sinal de raiva ou me ignorado depois, eu, provavelmente, me arre-
penderia, mas ele não o fez. Ele não encontrou o meu olhar em mo-
mento algum, mas também não o evitou. Porém, agora está evitan-
do, a tensão em seus ombros aumentando a cada segundo que
passa enquanto tenta se concentrar nos outros brincando no mar di-
ante de nós, mas sei que ele nem está enxergando o que está à
frente. Sua mente está confusa perto de mim. Ou melhor, por minha
causa.
Ele baixa a cabeça e suspira.
— Estamos bem? — pergunta, concentrado na areia.
— Por que não estaríamos?
— Qual é, Ari. Não faça isso. — Ele balança a cabeça,
olhando para a praia.
Uma onda de apreensão toma conta de mim e respiro fun-
do.
— Chase, olhe para mim, por favor.
Ele olha, revelando tristeza e confusão.
— Converse comigo. O que está acontecendo aí? — per-
gunto, batendo na minha têmpora com a outra mão.
Suspirando, ele se deita ao meu lado e vira a cabeça para
olhar bem nos meus olhos.
Como diabos eu deveria me concentrar com ele tão perto,
não faço ideia, mas dou um pequeno sorriso, encorajando-o a falar.
Ele está me encarando com tanta atenção que quero desvi-
ar o olhar, mas me contenho.
— O que foi aquilo na boate? — pergunta, tocando no as-
sunto com calma.
Um nó se forma na garganta, porém engulo em seco.
— Eu estava me divertindo.
— Beber com os amigos é se divertir.
Seus olhos se estreitam, e eu suspiro, sentando-me.
— Se você está procurando por um pedido de desculpas,
não posso te dar um.
— Só estou tentando entender.
Uma risada magoada e sem graça escapa de mim, e eu
olho para o céu.
— Não finja que não sabe — sussurro. — E não finja que
não estava tão curioso quanto eu, mesmo que não quisesse. Sei
que pensou nisso.
— O que você quer dizer?
Viro a cabeça na sua direção e franzo a testa.
— Pode ter se afastado, mas não antes de me segurar com
força.
— Fiquei assustado! — sussurra. — Era a última coisa que
esperava que fizesse.
— Ah, é? — Arqueio uma sobrancelha. — Foi o espanto
que te deixou de pau duro?
— Uau! — Ele ergue as mãos, em rendição, e, mais uma
vez, lança um olhar ao redor. — Foi por causa da bebida e do clima
e…
— E de mim. — Balanço a cabeça. — Talvez não quisesse
que nada acontecesse, mas não pode negar. Eu sei que estávamos
bêbados, confie em mim, não preciso do lembrete. Provavelmente
teria sido muito covarde para fazer isso sóbria, mas não me arre-
pendo de nada. E faria de novo.
— Não. — A negação sai tão rápido de seus lábios, em um
fôlego só, que só depois ele se toca do que disse.
Ficamos tensos.
Chase abaixa o olhar novamente para a areia, e, devagar,
o conecta ao meu.
— Não — sussurra, tão baixo que quase não escuto direito.
— Não pode acontecer de novo. Eu te amo, Ari, sabe disso, mas is-
so não é… nós não podemos.
— Não podemos, tipo, não deveríamos? — Engulo, me
obrigando a não desviar o olhar, mesmo que tudo o que queira fazer
agora é me esconder. — Ou não podemos, como se você não qui-
sesse?
Chase respira fundo, um sorriso triste curvando o canto de
seus lábios.
— As duas coisas, Ari.
Eu me afasto, colocando mais espaço entre nós, e ele es-
tende a mão para mim, mas eu recuo.
— Desculpa. — Seus ombros cedem, derrotados.
Inspiro, voltando meus olhos aos dele.
Quero ficar com raiva. Berrar e gritar, mas não vou permitir
que minha decepção nuble a verdade, porque eu sei já sei.
Chase não está dizendo isso para ser cruel. Ele não é mal-
doso ou manipulador.
Só que ele… é o melhor amigo do meu irmão.
Olhamos um para o outro por um instante, e então seus lá-
bios se contraem.
— O quê?
— Só estou um pouco surpreso que tenha feito isso. — Ele
sorri.
Uma risada envergonhada escorrega dos meus lábios, e
afundo o rosto nas mãos, mas ele estende a dele, afastando-as.
Volto a rir, mas Chase se mantém sério, e aos poucos, toda
a diversão começa a desaparecer.
Engulo em seco.
— Chase…
— Cuidado!
Antes que eu tenha tempo de reagir, sou atingida na cabe-
ça por alguma coisa, o impacto do objeto estranho me derruba na
areia.
— Merda! — Chase ergue os braços, assustado. — Ari! Vo-
cê está bem?
Esfrego a cabeça, vendo uma bola de futebol perto dos
meus pés.
— Sim, estou. Não doeu, não… — Minhas palavras se alo-
jam na garganta e a pele formiga, o peso de uma mão quente toca
minhas costas nuas logo abaixo da alça do biquíni.
Olho por cima do ombro, e minha respiração para quando
dou de cara com um estranho.
Um estranho de olhos azuis.
Um azul tão profundo, parecido com a noite de uma tem-
pestade tropical.
Não, está errado.
Está mais para meia-noite. Quando a lua está mais brilhan-
te no céu, lançando uma sombra sobre o mar escuro.
Ou é azul metálico, tipo um peixe arco-íris?
Não sei dizer.
Examino o cabelo dele, um tom profundo e escuro de mar-
rom; é como se tivesse acabado de sair da água, e talvez tenha saí-
do. Não sei. Tem aquela vibe um pouco estilizada e bagunçada.
Queria saber se é macio.
Parece bem macio.
E aqueles lábios. Eu…
Espere.
Que merda estou fazendo?
Nem sei o nome do cara.
Mas sério, quem tem lábios tão perfeitos assim? E o jeito
que se movem quando ele fala parece a sincronia perfeita de uma
sinfonia…
Espere. Os lábios dele estão se mexendo.
Ele está falando comigo E agora está… sorrindo?
É um sorriso muito bonito, também, meio torto e fofo.
Meu Deus, ele está rindo de mim. Meus olhos disparam pa-
ra cima, encontrando humor e curiosidade inundando seu olhar.
— Eu… — Engulo. — O quê?
O calor se espalha pelo meu peito, e sei que não há nada
que eu possa fazer para esconder o rubor tomando conta de mim.
O homem misterioso solta uma risada baixa que faz com
que algo incendeie o fundo do meu estômago.
E é oficial. Estou oficialmente enlouquecendo.
Alguém pigarreia às nossas costas.
É Chase.
Meu Deus, Chase!
Fico de pé num piscar de olhos, me distanciando um pou-
co, e deixo Chase sentado no chão com o cara misterioso agachado
ao lado dele.
— Você está bem? — pergunta o cara misterioso, escon-
dendo o sorriso.
Eu disse escondendo? Quis dizer tentando esconder seu
sorriso e falhando. Completamente.
— Ei, dezenove! — Uma voz familiar chama de algum lugar
à distância.
O cara vira a cabeça, recusando-se a desviar o olhar do
meu até o último segundo, quando então olha por cima do ombro.
Sigo sua linha de visão para encontrar Brady vindo até nós.
Brady acena com a cabeça, o gesto universal de “estou
prestes a arremessar esta bola, e é melhor pegá-la” que todos os
caras parecem entender, e faz exatamente isso.
O cara pega sem esforço. Sério. Sem qualquer dificuldade.
Ele praticamente se levantou, ergueu a mão e bum. Bola encontra a
palma da mão aberta.
Aí está aquela risada de novo.
Brady corre até nós, com Mason e Cameron logo atrás.
O cara misterioso olha para mim e sorri, lançando um bre-
ve olhar pelo meu corpo, mas não de maneira pervertida, talvez nem
sequer de propósito. Mais como, “você é uma mulher com um bi-
quíni minúsculo, e eu sou um homem com olhos”.
Chase parece perceber isso também, porque sai da névoa
em que estava, se levanta e se posta bem atrás de mim. Estou fa-
lando de contato pele com pele; tão perto que viro a cabeça para
trás, sobressaltada, e noto sua cara fechada.
Brady nos alcança, reparando na mesma hora a proximida-
de entre mim e Chase. Ele franze as sobrancelhas loiras em confu-
são, com um ar inquisitivo. E, do nada, Chase se afasta de mim.
Meu peito aquece por uma razão totalmente diferente ago-
ra.
— E aí, cara? — Brady sorri, indo para o infame aperto de
mão tipo bromance, uma espécie de tapinha. — Não sabia que vol-
taria à cidade.
— Espera. — Meu olhar se intercala entre o estranho e
Brady. — Vocês se conhecem?
O cara misterioso olha para mim com um sorriso malicioso.
— Ah… ela fala.
O olhar de Brady se estreita com expectativa.
Então explico:
— Fui vítima de uma bola de futebol desgarrada.
Outra risada merecida, mas quando olho em sua direção,
não consigo ver sua expressão porque Brady invade meu espaço
pessoal, beijando o topo da minha cabeça.
— Você está bem, Ari baby? — pergunta, com sinceridade,
acariciando meu cabelo como se eu fosse um cachorro.
— Estou bem. — Tento empurrá-lo, e ele se afasta apenas
para colocar o braço ao meu redor.
Em seguida, ele acena e encara seu, ao que parece, ami-
go.
— Presumo que ainda não conheceu minha garota?
Curioso, o cara misterioso lança um rápido olhar em dire-
ção a Chase.
Ah, que maravilha, ele acha que sou uma fã agora.
Antes que eu possa me defender, Mason chega e faz isso
por mim:
— Ela não é a sua garota, babaca. — O aborrecimento do
meu irmão é evidente em seu tom.
Brady ri, e eu deslizo para fora de seu alcance, olhando pa-
ra o meu irmão.
Mason dá um sorriso completo, do tipo que você dá quan-
do é criança e entra no estádio em seu primeiro jogo de futebol pro-
fissional.
— Mano, e aí? Como está?
O cara misterioso está olhando para mim, mas se dirige a
Mason:
— Ótimo, só relaxando enquanto posso. — Ele lança um
olhar em direção a Mase, mas logo volta a se concentrar em mim.
— Tem certeza de que está bem?
— Estou bem, não foi nada demais.
Assim que respondo, Mason se posta à minha frente, o
semblante cerrado.
Puta merda, esses garotos.
— Eu disse que estou bem, Mason. Calma. Fui atingida pe-
la bola. Estou viva e respirando. Como eu disse, nada demais.
— Foi culpa minha — diz o estranho, uma pitada de humor
oculto em seu tom melódico. — Calculei mal o passe.
Mase assente, recuando quando um sorriso divide seus lá-
bios.
— Um passe perdido. Não parece o cara que eu conheço.
— Tenho certeza de que posso te ensinar uma coisa ou du-
as sobre lançamentos — ironiza Chase, com arrogância inconfundí-
vel.
Minha postura retesa, porém me obrigo a não olhar para
ele.
— Harper. — O cara gesticula o queixo. — Como está o
ombro?
— Perfeito.
— Uh — conclui Cam. — Estamos prestes a começar um
torneio de mijo, talvez devo arrumar uma régua, também?
Não consigo evitar e olho para Cameron, que sorri para o
recém-chegado.
— Não, estamos bem. Acho que ele está preocupado com
a sua garota — diz o homem misterioso, o olhar nunca se desviando
do meu.
Tento reprimir um sorriso, e, de alguma forma, ele percebe;
na mesma hora, sua língua umedece os lábios para disfarçar o seu
próprio.
Que bela maneira de colher informações – jogar o verde
para colher maduro. É certeiro, e ele sabe disso, assim como sei
que Cam vai aproveitar a oportunidade para cutucar.
Minha amiga não decepciona.
— Ela não é a namorada dele, não é, Chase? — Cam de-
safia Chase com uma sobrancelha arqueada.
Pegue ele, garota.
Em vez de deixar Chase responder – não que ele fosse
responder –, Mason toma a frente, como de costume:
— Não sei de onde tirou essa ideia, mas está enganado,
mano. — Mase se aproxima de mim. — Ari, este é Noah Riley. Ele é
o capitão do nosso time. Noah, esta é minha irmã gêmea, Ari, e nos-
sa amiga Cameron. — Ele aponta para ela. — Elas estão indo para
Avix com a gente.
Noah, que acabou de ser apresentado por Mason, sorri.
Cameron fala no segundo em que Mason para, olhando
Noah de cima a baixo.
— Se você é alguma indicação do que está por vir, vamos
ter sérios problemas este ano. — Seus olhos estão grudados em
Noah, e ela inclina a cabeça de lado. — Não é verdade, Ari?
— Não responda. — Mason me fuzila com o olhar, e logo
faz o mesmo com Cameron.
— Tudo bem — interrompo, antes que qualquer um deles
decida abrir a boca de novo, e me viro para Noah. — Prazer em co-
nhecê-lo, Noah, e já que tenho a sensação de que vai perguntar ou-
tra vez, sim, juro que estou bem. Esses três me acertaram na cabe-
ça com uma bola de futebol mais vezes do que me lembro. Nada
além de normal a essa altura do campeonato.
Ele me encara, e avisto o lampejo de algum propósito des-
conhecido estampado em seus olhos.
— Certo, um irmão quarterback.
Noah sorri, e não consigo conter o meu próprio.
Deus, esse cara é muito lindo. É desconcertante.
— Então, qual é a boa, cara? — Mason pergunta a ele. —
Vai ficar alguns dias por aqui?
Com relutância, Noah muda seu foco.
— Bem que eu gostaria. Tenho algumas reuniões, depois
preciso voltar para o campus. Sempre tem alguns calouros ansiosos
que chegam mais cedo. Se eu não estiver lá para explicar as coisas,
o treinador vai arrancar o meu couro. — Ele sorri, olhando para mim.
— Na verdade, vou embora amanhã cedo.
Chase entra na conversa:
— Que pena, acho que nos veremos na faculdade.
Noah assente, olhando para Chase.
— Bem, amanhã é amanhã, portanto, tem que vir à nossa
festa da fogueira hoje à noite. — Cameron afasta o cabelo molhado
do rosto.
— Sim, cara, venha — acrescenta Brady.
Noah olha para algo atrás dele, um pouco incerto.
— Eu vim com alguns outros caras do time, então odiaria
invadir sua festa.
Cam fica boquiaberta.
— Tem mais iguais a você?
— Jesus amado — resmunga Mason.
— Sim — responde Noah, lutando contra o sorriso que
ameaça tomar conta de seus lábios carnudos. — Estamos em qua-
tro, para ser exato, e a irmã do meu amigo está aqui com algumas
amigas. — Noah encontra meu olhar.
— Bem, poderíamos dispensar a irmã.
— Cameron! — murmuro, brava.
— Só disse o que estávamos pensando.
Minha melhor amiga idiota interpreta claramente minha ex-
pressão “que porra é essa” e retribui com a dela que grita “sabe que
concorda” comigo enquanto acena com a mão dela, desdenhosa.
A vaca até mesmo pisca para mim.
Vou matá-la.
— Não liga para ela — avisa Brady, depois aponta para
Mase. — Acho que ela está com fogo na periquita.
As sobrancelhas de Noah arqueiam.
— Fogo na periquita?
Pelo amor de Deus, não. Por favor, não…
— Sim. — Brady dá de ombros como se seu absurdo fizes-
se sentido. — Sabe, com a gente rola o lance das bolas azuis, dolo-
ridas, com elas, o negócio fica mais para inchado, sensíveis pra ca-
cete, fogo na periquita.
Afundo o rosto entre as mãos.
Amo minha turma até a morte, mas puta que pariu!
Mason ri, e não preciso olhar para Cameron para saber
que está concordando.
— Quem está aqui? — Chase pergunta, seu tom cordial
pela primeira vez desde que Noah apareceu.
— Nick, Jarrod e meu amigo que não estava na concentra-
ção, Trey Donovan.
Minha cabeça se ergue, os olhos fixos em Cam.
— Ele está no time, jogador de linha defensiva.
— Não achava que a concentração era opcional — brinca
Brady, fazendo Noah sorrir.
— Confie em mim, não é, mas ele está no último ano, per-
deu o draft no ano passado, então tem pouco tempo. Ele foi convi-
dado para os testes no Pro Day em…
— Tampa — Cam e eu soltamos ao mesmo tempo, fazen-
do com que a cabeça de todos se virasse em nossa direção.
— Sim, isso mesmo… — continua ele.
— Puta merda… — sussurra Cam, e aos poucos, seu olhar
se fixa no meu, o sorriso aumenta, e logo está apertando meus bra-
ços. — Cacetada! — grita, animada. — Todo o esforço para não o
ver nunca mais foi em vão!
— Como vocês duas… — Noah para no meio da frase e
um lento sorriso curva aqueles lábios. Ele me encara por um segun-
do antes de seus olhos abaixarem. — Borboletas?
— Aaaah… — diz ela, toda boba. — Ele te contou de nós?
— Que merda é essa que tá rolando? — pergunta Chase.
— Isso é exatamente o que quero saber — resmunga Ma-
son.
— Eu sabia! — grita Brady.
Cam e eu congelamos, nossos olhos arregalados grudados
uma na outra em um segundo de pânico.
Ops.
— Sabia o quê, droga? — esbraveja Mason, disparando o
olhar irritado a todos.
— Vocês duas — acusa Brady, apontando para Cam e pa-
ra mim. — Escaparam no minuto em que saímos para o treinamen-
to. — Ele cruza os braços, franzindo a testa.
— O quê?! — gritam Mason e Chase, cada um dando
meio-passo à frente.
Boquiaberta, resmungo com Brady:
— Como é que sempre faz isso?
Noah levanta as mãos.
— Ei, eu não queria…
— Não, Noah, não é sua culpa. — Cameron o encara. —
Esses idiotas tentam nos manter na rédea curta, sem os benefícios,
se é que me entende. Então, sim, cabeçudos, fizemos isso. Viaja-
mos sem vocês. Minha melhor amiga e eu sentimos o gostinho da li-
berdade por três semanas inteiras em São Petersburgo. — Ela colo-
ca as mãos nos quadris, recusando-se a se sentir mal por isso. —
Conhecemos algumas pessoas incríveis, incluindo Trey Donovan,
que, aparentemente, é seu novo companheiro de time, e nós nos di-
vertimos pra caralho.
— Filho da puta! — berra Mason, ergue os braços, revolta-
do, mas abaixa rapidamente. — E mamãe foi? O papai?
Ergo um ombro.
— Paul estava a trabalho lá — comento sobre o pai de Ca-
meron. — Falamos com ele, ficamos em um quarto ao lado do dele.
O olhar de Mason não vacila, mas seu corpo perde uma
pontada de tensão.
Saber que não estávamos sozinhas, ou melhor, sem ele, o
deixa mais tranquilo, mas não a ponto de impedir que eu acabe cha-
teada. Ele ligará para nossos pais mais tarde e os encherá com to-
das as razões possíveis pelas quais nunca devem permitir que isso
se repita, mas vai entrar em um ouvido e sair pelo outro. Até que en-
fim. Temos dezoito anos agora. Eles vão aconselhar, porém meus
pais não são controladores. De onde Mason herdou isso, não sei.
Meu pai diz que ele era igual quando jovem e que Mase vai amadu-
recer e parar com isso, mas não tenho tanta certeza.
— Tudo bem, vamos parar por aqui, que tal? — Brady dá
um tapinha no ombro de Noah, agarrando o braço de Mason e le-
vando-o com ele enquanto se afasta; Chase logo atrás deles. — No-
ah, estamos na casa que tem a doca, no final da praia. Te vejo às
sete. Todos vocês.
Cameron suspira, oferecendo a Noah um aceno curto an-
tes de também ir para a casa.
Fico olhando até chegarem à nossa varanda dos fundos e
depois me viro para Noah.
— Desculpa por tudo isso. Não é nada pessoal contra Trey.
É só que, bem… — Exalo um suspiro derrotado, olhando para a ca-
sa outra vez. — Nossa, é um monte de coisas, acho.
Noah encontra meu olhar, concordando com a cabeça co-
mo se entendesse.
Que estranho. Tenho a sensação de que ele entende.
— Cam pode ser complicada nos dias mais calmos. — Dou
uma breve risada, esfregando os braços com as mãos para me livrar
do frio que atravessa a pele. — Ela gosta do meu irmão, mas ele, eu
nem sei…
Eu olho para Noah, na expectativa de ver uma expressão
de tédio ou de ele estar procurando uma maneira de voltar para
seus amigos, mas, em vez disso, deparo com seus atentos olhos
azuis como o oceano, a cabeça inclinada como se estivesse interes-
sado no que tenho a dizer, mesmo que não tenha nada a ver com
ele.
— Desculpe, eu estava divagando.
O canto da boca se curva para cima.
— Não precisa se desculpar. Eu meio que gosto do som da
sua voz — brinca.
— Claro que gosta. — Dou uma risadinha, apontando para
a casa de praia. — É melhor eu ir ajudá-los nos preparativos da fo-
gueira.
Ele concorda.
— Sim, é uma boa ideia, provavelmente.
— Bem, talvez a gente se veja hoje à noite. — Sorrio e me
afasto, fazendo o esforço consciente de não olhar para trás.
Meus passos são lentos conforme repasso a última meia
hora.
Chase, por fim, reconheceu nosso beijo, mas não da ma-
neira que eu esperava.
Querendo admitir ou não, ele estava atraído por mim, pelo
menos por um momento. Ele estava com tesão, pressionado contra
o meu corpo.
Ele me queria.
Ou talvez estivesse apenas excitado pelo clima e pela situ-
ação como ele disse.
Talvez não fosse por mim, no fim das contas.
Então, o que foi aquela expressão tristonha de hoje?
No que ele estava pensando?
O que ele ia dizer?
Ele estava prestes a dizer alguma coisa, não estava?
Uma respiração áspera passa pelos meus lábios, e eu paro
ao pé das escadas da varanda.
Se ao menos não tivéssemos sidos interrompidos por No-
ah.
Mordo a bochecha por dentro.
Noah. Um cara qualquer na praia.
Ou nem tanto, mas o novo capitão do time.
Toco o corrimão, e antes que me dê conta do que estou fa-
zendo, viro a cabeça e lanço um olhar por cima do ombro, totalmen-
te atraída para o local exato onde deixei Noah Riley.
O local exato onde o estranho de olhos azuis continua pa-
rado, a atenção focada nesta direção.
Não sei o motivo, mas ergo a mão e aceno, e assim que fa-
ço isso, minhas bochechas coram porque, de alguma forma, sei que
o gesto o faz rir, mesmo que não consiga ouvi-lo daqui.
Tinha a sensação de que esta viagem seria cheia de sur-
presas, e parece que tem muito mais por vir.
— Oi. — Aceno para Mason quando ele coloca a última
caixa de gelo no chão, terminando nossos preparativos para a fo-
gueira desta noite, oficialmente. — Tem mais alguma coisa que pre-
ciso fazer antes de ir tomar banho?
— Acho que não. Brady correu até a casa de Nate para
buscar os copos, e então fica tudo pronto. — Ele olha por cima do
ombro. — Chase está acendendo o fogo agora.
— Legal. Vou chamar Cam e voltaremos daqui a pouco. —
E me viro para a casa.
— Ari, espera.
Eu me volto para ele, que se posta diante de mim, agora
balançando a cabeça.
— Vocês viajaram mesmo sem a gente? Para a Flórida?
Para o lugar que sempre comentamos de ir.
— Vocês têm que ficar no campus para o treinamento. Nós
só queríamos um pouco de diversão, também.
— Então porque não vieram para cá ficar com a Lolli e o
Nate? Naquela época, os dois já estavam instalados.
— Você quer dizer por que não viemos para o lugar onde
Nate poderia ficar de olho em nós?
— Não. — Ele cruza os braços. — Quero dizer, onde al-
guém que se preocupa poderia proteger e manter os babacas longe
de vocês.
— Então, tudo se trata de Trey.
Seus olhos se estreitam.
— Isso não é justo.
— Será que não mesmo?
Mason balança a cabeça, soltando um longo suspiro.
— Me fale sobre esse cara.
Olho para o meu irmão por um segundo e decido pressio-
nar:
— Por quê, Mase?
— Ari — adverte.
— Não me venha com “Ari” para cima de mim. Me diz por
que você quer saber, e eu vou te falar.
— Ele vai ser meu companheiro de time. Os caras conver-
sam no vestiário, Ari. Bastante. Se há algo a ser ouvido, preciso de
um alerta, para não arrancar a cabeça de alguém e estragar tudo
antes mesmo de começar. — Ele bufa, colocando as mãos nos qua-
dris.
Ele está falando sério?
— É sério isso? — Eu fico olhando, de queixo caíd
o. Antes
que ele tenha a chance de responder, ergo as mãos para detê-lo. —
É com isso que está preocupado, de verdade? Ou talvez não saiba
o que está incomodando porque é teimoso demais para considerar
que pode ser outra coisa?
— O que quer que eu diga, Ari, hein? — grita. — Que gosto
da Cameron? Claro que gosto, você sabe muito bem, mas não é
disso que se trata! Preciso saber se algum idiota tem algo a dizer da
minha irmã que não quero que outras pessoas ouçam, e sabe de
uma coisa, sim, eu preciso saber se algo aconteceu com Cameron,
também.
— Para acabar com os boatos, né?
— Se fosse outra coisa, acha mesmo que eu estaria aqui
agora e não trancado naquele quarto com a garota para ter certeza
de que quando ela saísse, fosse para ficar comigo e só comigo? —
Seu tom é firme, o olhar límpido e fixo no meu. — Você me conhece
muito bem. — Seu olhar parece suavizar, quase como se já estives-
se se desculpando antes pelo que diria a seguir: — Se eu a quises-
se, Arianna… ela já saberia a essa altura.
Uma pequena pontada atravessa meu peito ao pensar na
minha amiga. Meu irmão pode ser agressivo e possessivo e tudo
mais que vem atrelado com essas duas coisas, mas ele não é men-
tiroso.
Concordo com a cabeça, e faço o melhor que posso para
não demonstrar a tristeza que sinto.
— Trey gosta dela, e muito, pelo que pude perceber. Eles
ficaram, mas ela disse a ele que estava emocionalmente indisponí-
vel para algo mais. Nós viemos embora e isso foi tudo o que aconte-
ceu. Eles não trocaram números ou disseram para onde iam no ou-
tono. Ele queria falar e saber mais, mas ela disse não. Ela pensou
que nunca mais o veria de novo, mas agora que ele está aqui… —
Dou de ombros. — Quem sabe.
Ele dá um curto aceno de cabeça.
— E você?
Contraio os lábios, balançando a cabeça.
— Sem histórias para contar.
— Se esse cara falar mal dela, vou acabar com a raça dele
— promete o meu irmão.
— Eu sei.
Ele não hesitará em defender as pessoas de quem gosta,
foda-se o time, mas acho que ele não deve se preocupar quando se
trata de Trey.
No entanto, vou deixar que descubra isso sozinho.
Então, com tudo dito, enlaço o braço ao dele e o arrasto de
volta para casa comigo.
Fogueira, aí vamos nós.
CHASE
Empurrando as mangas do moletom para cima, vou em di-
reção ao barril, meu corpo e cabeça voltados para frente, mas meus
olhos nela.
Ou talvez estejam nele.
Por que continua tentando tocá-la? Juro, toda vez que olho,
ele está com as mãos a um centímetro de distância dela.
Cadê a porra do Mason?
Por que não está pulando em cima desse filho da puta co-
mo sempre faz?
Como faria comigo.
O babaca passa os dedos ao longo de seu cabelo, e minha
pele esquenta.
Líquido espirra sobre mim, e estremeço, olho para baixo e
vejo meu copo esmagado na palma da mão, a bebida pingando em
meus malditos tênis.
— Porra. — Dou um pulo para trás, sacudindo a mão para
me livrar da cerveja barata.
Brady zomba de algum lugar próximo, e viro a cabeça e o
encontro sentado em uma pedra a menos de um metro de distância,
com os olhos em mim. Ele leva o copo aos lábios, olhando para Ari-
anna e para mim. Sem pressa, ele se levanta, enche um copo e o
estende com a testa franzida.
— Ela está de mãos vazias.
A inquisição em seu tom faz meu pulso disparar, e meus
olhos se desviam com culpa.
Mas por quê?
Porque tenho que me sentir culpado?
Só estou de olho nela, e é porque me importo.
Sempre me importei. Merda, eu me importo tanto quanto
ele, tanto quanto Mason.
Mason.
Meus músculos retesam, e eu olho de volta para a garota
de cabelo castanho no canto da fogueira.
Com a cabeça confusa assim, eu não deveria ir até ela,
não deveria mesmo, mas vou, e antes mesmo que ela me veja, es-
tou falando:
— Vocês dois pareciam bem à vontade.
Seu olhar se foca em mim, as ruguinhas nos cantos deno-
tando a confusão.
Confusão que também sinto, porque não foi por isso que
me aproximei dela.
Não foi isso que eu quis dizer.
— Acabamos de nos conhecer — defende-se, hesitante.
— Não parecia.
Ela empalidece, e tudo em que consigo pensar é: o que di-
abos há de errado comigo?
Devagar, Arianna inclina a cabeça.
— Bem… — Ela se arrasta. — Não tenho muita certeza do
que dizer a respeito disso, então… se tiver algo que queira dizer…
pode falar.
Seu tom é gentil e curioso, e me pego engolindo.
— Não, não, uh… — Pigarreio de leve, recuando, atormen-
tado pela irritação queimando dentro de mim e me recusando a pen-
sar no motivo disso. — Me desculpe, é que fiquei sabendo que via-
jou, passou um tempo com esse cara, Trey, e então, Noah aparece,
olha para você e… — eu me interrompo, fechando a boca conforme
a encaro.
Ela se aproxima.
— E… o quê?
Respiro fundo e franzo o cenho.
— Não me diga que não percebeu.
Ari baixa o olhar, e eu inclino a cabeça, vendo a pequena
curvatura que ela tenta esconder em seus lábios.
Por que isso a faz sorrir?
É por causa dele?
De mim?
Por que diabos isso importa?
— Ele poderia muito bem ter convidado você para sair bem
na frente de todos nós.
— Ele não me chamou.
— Essa não é a questão.
— Então o que é?
— O fato de ele querer. — Fecho a cara. — Sabe disso,
não sabe? Que ele queria?
Arianna dá um passo à frente, pegando a bebida que eu
trouxe da minha mão. Quando está prestes a passar por mim, seu
olhar se fixa ao meu, e com a sombra de um sorriso, sussurra:
— Eu sei… que ele foi embora.
— Queria que ele não tivesse ido?
Seus lábios se abrem e fico tenso, então me apresso a fa-
lar antes dela:
— Não responda a isso.
— E se eu quiser responder? — murmura, me espreitando
com os olhos semicerrados.
— Arianna.
— Chase.
Eu a encaro e ela sorri.
Uma risada baixa se segue, e ela passa por mim.
— Vou ver a Cam.
Ela sorri, olhando para baixo e estou prestes a me enterrar
na areia.
Não sei que merda está rolando comigo agora, mas ama-
nhã, é melhor estar tudo normal.
Senão, quem vai saber o que acontecerá?
Eu, com certeza, não sei.
Nós cinco acordamos cedo na manhã seguinte, mas só pa-
ra terminar a limpeza da noite passada. Depois, Cam e eu nos enfia-
mos embaixo das cobertas, comendo salgadinhos e molhos no café
da manhã. Estamos no terceiro episódio de Emily em Paris quando
ela dá pausa com um suspiro.
Já sei o que vai dizer e, para ser sincera, demorou um pou-
co mais do que eu esperava.
— Mason apertou a mão dele — murmura, e nossos olha-
res se encontram. — Ele apertou a mão dele…
Meu sorriso é triste, porque nós duas sabemos o que isso
significa.
Mason não se sentiu ameaçado por Trey, nada de ciúme
ou raiva.
Ele não despertou o ‘Mason’ possessivo para fazer um es-
cândalo, nem deu uma surra em Trey e o desafiou a se levantar.
Meu irmão apertou a mão de Trey.
Foi a primeira vez que os sentimentos de meu irmão se fi-
zeram claros de verdade.
Ele ama Cameron, mas não do jeito que ela quer.
— Sabe o que é estranho — sussurra, os olhos cheios de
lágrimas ao encontrarem os meus. — Não dói do jeito que pensei.
Dói, mas eu meio que pensei que sentiria como se estivesse mor-
rendo. — Ela ri entre as fungadas. — Faz sentido?
— Claro que sim. — Eu me enrolo de lado, enfiando as
mãos embaixo da cabeça.
— Estou triste, mas não sei. Também estou feliz por Trey
estar aqui.
— Como você deveria estar. Nós dissemos que estávamos
nos divertindo, garotos que se danem, lembra? Então, que se da-
nem. Agora você tem um belo homem disposto a transformar suas
noites da água para o vinho. Não posso dizer o mesmo de mim.
— Verdade. — Sua risada é misturada com um soluço,
mas ela balança a cabeça. — Não acredito que Trey está mesmo
aqui.
— Talvez seja um sinal.
— Um sinal de que preciso transar.
Sorrio, e o famoso sorriso de Cameron volta.
— Boa menina.
Com isso, ela aperta o play, e a gente fica de boas o resto
da temporada, comendo no jantar as mesmas besteiras que come-
mos no café da manhã. Não saímos da sala para nada.
Às sete, Cam subiu para o quarto dela e nós desmaiamos.
Foi um dia fantástico, mas muito cedo para ir para a cama, ainda
mais quando basicamente tiramos minicochilos o dia todo.
Agora estou bem acordada e meu quarto está escuro, ape-
sar de as cortinas estarem fechadas, e quando olho para o relógio,
descubro que é só uma da manhã, ainda faltam muitas horas para o
amanhecer.
Tento encontrar outra série, mas depois de trinta minutos
assistindo aos trailers, desisto e desço as escadas na ponta dos pés
para beber alguma coisa, com cuidado para não acordar os outros.
Pego uma garrafa de água na geladeira, vou até as imen-
sas janelas, admirando o mar além delas.
O brilho da lua contra as águas escuras é surreal e uma
das minhas vistas favoritas. É tranquilo, assustador demais depois
de uma maratona de filmes de terror, mas tranquilo em qualquer ou-
tro momento.
— Oi.
Solto um grito, mas uma mão grande rapidamente envolve
minha boca, e eu giro, ficando cara a cara com Chase.
— Merda. — Meus ombros relaxam, uma risada abafada
me escapa. — Você quase levou uma garrafada na cara.
Ele sorri, e aos poucos me solta enquanto olha ao redor.
— Andando no escuro?
Esfrego os lábios, inclinando a cabeça para ele.
— É assim que toda a diversão acontece.
Uma careta se forma em seu rosto, e seguro uma risada.
Ele não diz nada por vários segundos, depois gesticulo
com a mão.
— Vou voltar para a cama. — Mas antes que eu possa es-
capar, Chase segura meu pulso com delicadeza, então olho por ci-
ma do ombro, deparando com seus olhos verdes.
— Tomei vitamina mais cedo. Estava horrível — diz, do na-
da.
Reprimo um sorriso.
— Que pena.
— A culpa foi do Brady.
Dou risada, e seu sorriso se abre.
— Estou com vontade de sundae. — Seus olhos procuram
os meus. — Você sabe que também quer um.
— É meia-noite.
— E daí? — Ele dá de ombros.
— E daí… — Olho ao redor, sem ter ideia do porquê estou
tentando escapar. — Pego as colheres?
— Essa é a minha garota. — Chase se vira para o freezer,
e finjo que ele quis dizer de uma forma muito mais literal. Vai até o
armário para pegar coberturas, colocando-as no balcão à sua es-
querda.
Com o olhar concentrado no piso, ele vem em minha dire-
ção. Achando que ele está vindo pegar as colheres, deslizo para o
lado, mas Chase me dá um puta susto quando seu braço esquerdo
dispara e me prende.
Lanço um olhar para ele, e suas palmas encontram meus
quadris. Ele me levanta, e me coloca devagar sobre a ilha da cozi-
nha.
O frio inesperado do granito me faz gritar, meu corpo se in-
clina para frente, bem contra o peito de Chase.
Ele ri quando agarro seus ombros, minha bunda se acostu-
mando ao frio pouco depois.
Quando olho para cima, perco o fôlego. Sua boca está a
menos de um centímetro da minha, e não sou a única que nota este
fato.
Tudo o que eu teria que fazer, tudo o que qualquer um de
nós precisaria fazer, seria inclinar um pouco a cabeça, e nossos lá-
bios se tocariam, mas tentei isso uma vez, e nós dois sabemos co-
mo acabou.
Não vou tentar de novo, mesmo que, desde aquela noite,
algo tenha mudado. Vejo em seus olhos, em suas palavras.
Sinto em seu toque.
É quase como se, pela primeira vez, ele estivesse testando
a sensação da minha pele. Suas mãos me seguraram milhares de
vezes, mas não com firmeza, e nunca se demoraram. Não como
agora.
Chase está paralisado, imóvel quando olha para a minha
boca, e não posso deixar de me perguntar se ele repassou nosso
beijo, por mais fugaz que tenha sido, em sua cabeça tantas vezes
quanto eu.
O calor se espalha pela minha barriga, então, em um esfor-
ço para não me envergonhar mais do que já fiz esta semana, desvio
o olhar. No segundo que olho para baixo, estremeço ao perceber al-
go.
Saí da cama e só desci para tomar um pouco de água, tal-
vez um lanche… usando nada além de uma camiseta com a gola re-
cortada e um fio dental – a bancada congelando meu bumbum de-
veria ter me lembrado disso.
Chase segue minha linha de visão para o local onde a ca-
miseta está embolada na altura do meu quadril, para o V amarelo
brilhante da calcinha, que agora se recosta à vontade contra seu ab-
dômen.
Ele se sobressalta, gira e volta a se concentrar no que es-
tava fazendo.
— Quer calda de caramelo? — murmura, pigarreando de-
pressa.
— Chocolate. — Eu me xingo por parecer ofegante, mas
que filho de uma égua!
Quem é este homem, e… posso ficar com ele?
Zombo internamente porque, sim, com certeza. Ele só está
animado com o verão. Ou algo assim.
Seja como for, não vou perder a oportunidade, então relaxo
e observo como seus músculos se movem conforme prepara o sor-
vete.
Comentei que ele está sem camisa? Porque é magnífico.
Seu cabelo castanho está perfeitamente bagunçado, a pele
bronzeada por passar todo o tempo possível sob o sol, e tão lisinha.
Ele fala em fazer uma tatuagem há anos, mas até agora, continua
com a pele intacta.
Lambo os lábios.
Tão lindo.
— Consigo sentir você me olhando. — Ele não se dá ao
trabalho de se virar para confirmar.
— É, estou. — Agarro a bancada e me inclino um pouco
para a frente. — Quando o Homem acima nos abençoou com vinho,
nós nos entregamos. É justo que Suas outras obras-primas recebam
o mesmo tratamento.
Chase abaixa a colher de sorvete e se vira, com um sorriso
malicioso. Ele encosta a bunda no granito, uma perna cruzada na
frente da outra, e abre os braços.
— Então, faça o favor. — Ele me surpreende pela terceira
vez em três dias, me encorajando a ficar secá-lo com os olhos.
Ele está sendo brincalhão, e eu vou aproveitar.
Então aceito seu convite inesperado antes que ele caia em
si.
Pela primeira vez, não tenho limite de tempo, não preciso
espiar sob os cílios ou me esconder atrás das sombras. Olho para
ele, observando descaradamente desde as pontas do cabelo casta-
nho até a planta de seus pés descalços.
No começo, é uma passada rápida por seu corpo, e então
recomeço. Traço a firmeza de sua mandíbula, seguindo pelo pesco-
ço, notando a forma como engrossa, alargando-se em seus ombros
largos, cortesia de anos de futebol. Passo para os braços e os mús-
culos trincados que desaparecem às suas costas, vago por cada go-
minho de seu abdômen, e me desafio a viajar mais ao sul.
Meus joelhos se juntam conforme percorro com o olhar o
contorno de seus quadris, a calça do pijama solta e perfeitamente
baixa. Sugo a bochecha por dentro, temendo soltar um som incrivel-
mente embaraçoso enquanto faço o melhor para evocar a forma da
protuberância pressionada contra o tecido de algodão grosso e lis-
trado.
Meus olhos disparam para cima, e o olhar dele…
É novo.
Misterioso.
Desesperado?
O pomo-de-adão de Chase se agita quando ele engole de-
vagar, e meu centro lateja. Abaixo um pouco meu ombro esquerdo,
ciente de que minha camiseta vai deslizar junto, e é o que acontece.
A gola aberta permite que continue escorregando pela minha pele, e
só para quando o tecido encontra o colo do peito, delineando a cur-
va dos meus seios.
Só uma provocação… bem de leve.
Ele me encara com os olhos entrecerrados.
— O que está fazendo?
— Parece que você só sabe perguntar isso essa semana…
Seu cenho se fecha um pouco.
— Talvez eu devesse me preocupar um pouco menos.
Meu estômago se contrai.
— Talvez devesse.
Sentindo-me corajosa, permito que minhas mãos deslizem
mais para trás, desejando que ele se aproxime, tentando deixar o
mais claro possível, caso ele não esteja entendendo.
Quero você.
Na hora, seu olhar recai para a minha boca, então, me sen-
tindo muito nervosa, deslizo a língua pelos meus lábios.
Isso tem resultado.
Chase se afasta do balcão e, como um animal em busca
da sua próxima refeição, vem até mim.
Mais três passos.
Seus punhos se flexionam ao lado do corpo.
Mais um…
Ele me alcança.
Eu endireito a postura.
Meu irmão aparece.
Merda!
Levo um susto e os olhos atentos de Mason disparam entre
nós.
— Que porra é essa? — grita Mason, a porta da varanda
acertando sua bunda por ter parado no meio do caminho.
Quase pulo do balcão e saio fugida dali, mas meu corpo
passou do ponto de fuga para a paralisia em um segundo.
Sou mais uma vez a adolescente que foi puxada para o
palco em um show do One Direction e vomitou nos sapatos de Zayn
Malik.
Graças a Deus, Chase não está com os olhos arregalados
e a língua travada igual a mim.
— Nada, cara, só pegando um sorvete. Quer um pouco? —
pergunta Chase, estendendo a mão às minhas costas com casuali-
dade; ele fuça o armário e pega os potes de sorvete esquecidos.
— Ari, vá para a cama.
Isso me tira do sério.
— Estou tomando sorvete. — Não me preocupo em escon-
der a irritação.
— Tome no seu quarto — exige, com as narinas dilatadas.
— Talvez eu não queira… espera. — Lanço um olhar aten-
to a ele, descobrindo que ainda está de jeans e moletom, e que aca-
bou de entrar pela porta dos fundos. — Onde você estava?
— Vá. Agora.
Revirando os olhos, dramaticamente, só para irritá-lo, pego
a garrafa de água e pulo do balcão, o olhar do meu irmão incendian-
do minhas costas quando dou a volta pela bancada.
Esbarro o ombro no de Mason ao passar por ele, e ele é
rápido em segurar meu braço. Seu aperto é gentil, mas os olhos es-
tão bravos e direcionados para seu melhor amigo.
— Você tem pijama por um motivo, Arianna. Use-os — diz,
ríspido.
— Vou te dizer uma coisa: quando começar a usar camise-
ta na academia, vou pensar no seu caso.
Ele franze a testa e eu passo por ele.
Mase pode ter seu pequeno acesso de raiva o quanto qui-
ser. Enquanto isso, estou aqui tentando reunir todo o controle possí-
vel para não escapar para o meu quarto, mas no minuto em que en-
tro, faço uma dancinha feliz.
Puta. Merda.
Ele não conseguia desviar o olhar.
Não era capaz de ficar longe.
Eu nem sei se percebeu.
Talvez tenha sido melhor Mason ter interrompido naquele
instante. Se tivesse passado quinze segundos, ele poderia ter visto
algo completamente diferente.
Porque Chase não pode fingir que esta noite foi só eu. Não
foi.
Ele me pediu para ficar.
Ele veio em minha direção.
Ele…
Minha porta se abre, me sobressaltando.
— Chase — sussurro.
— Esqueceu seu sorvete. — Suas sobrancelhas estão
franzidas e ele coloca o sorvete na mesa perto da minha porta, sem
nem ver direito.
Olho para a tigela, com muita calda de caramelo.
— Esse é o seu.
— Verdade.
Ele se vira, saindo para o corredor.
Confusa, começo a fechar a porta, mas antes de batê-la,
ele está volta, e então sua mão está se enfiando por entre o meu ca-
belo. Sou girada e pressionada contra o batente.
Ele me encara, e com a mão tremendo, diz:
— Que se foda.
Sua boca toma a minha, e eu suspiro contra seus lábios.
Ele se aproxima ainda mais, me segurando com força, e
quando minha boca se abre, permitindo que sua língua entre, ele
geme.
Depois se afasta e some tão rápido quanto o beijo, e eu fi-
co congelada, com a mão no ar.
— Vaca! — soa um murmúrio, entre os dentes, e minha ca-
beça se vira para a direita.
Cameron espreita das sombras, saindo do banheiro, com o
queixo caído de admiração.
Eu a encaro, e gritamos baixinho, pulando em cima da mi-
nha cama.
Meu sorriso não poderia ser maior, porque, finalmente, con-
segui um sinal que esperava encontrar.
Um que não pode ser negado.
Chase Harper não é tão imune a mim quanto gostaria que
eu acreditasse… ou queria que eu tivesse acreditado.
Aquele era ele em sua essência.
De onde esse cara veio, eu não sei e não ligo.
Seus olhos agora estão bem abertos, e isso é mais do que
eu poderia esperar.
Eu sorrio, me enterrando debaixo das cobertas.
Cam suspira.
— Talvez nós duas tenhamos um gostoso para transar nes-
te verão.
Olhamos uma para a outra e rimos.
Pode ser, caramba.
CHASE
Ari puxa o cobertor sobre os ombros, a cabeça se mexe no
assento de vime para me olhar.
Sorrio, esticando as pernas em cima da pedra da fogueira.
— O fogo está diminuindo. Coloco mais graveto?
Ela balança a cabeça, sem tirar os olhos de mim.
— Eu podia nos trazer alguns…
— Mas que porra é essa?
Dou um pulo em pé tão rápido que meus pés se enroscam
no cobertor e tropeço, minha mão dispara rapidamente para me se-
gurar no encosto da cadeira.
Meus olhos disparam para Mason.
Sua mandíbula está cerrada e ele se inclina para frente,
pegando o cobertor e enrolando-o em suas mãos.
— Ari — diz ele, entredentes. — Levanta.
— Mase, qual é — argumenta ela.
— Não — sussurra.
— Só estamos sentados aqui, mano. Não é nada. — Ba-
lanço a cabeça, e só depois que as palavras saem de mim é que
percebo que foram as erradas.
De soslaio, vejo a cabeça de Ari virar em minha direção.
A inquietação toma conta de mim quando ela se levanta
sem pressa, pega o cobertor das mãos de Mason e entra pela porta
dos fundos.
Ergo os olhos para Mason quando ela passa perto de mim.
Ele abre a boca, mas depois a fecha, balança a cabeça e
sai furioso.
Caio de volta na cadeira, enterrando os rosto nas mãos.
Porra!
Quando minha avó morreu, foi inesperado. Mesmo saben-
do que ela estava doente, sabendo que os tratamentos não estavam
funcionando e que a droga estava tomando conta de seu corpo, eu
não esperava. Não quando no dia anterior ela estava acordada e vi-
va, sorrindo, aparentemente se sentindo melhor ou bem… diferente
de todos os outros dias nos seis meses anteriores.
Acho que essa foi a revelação – a bandeira branca da ren-
dição. Aquele dia perfeito de risadas e sorrisos e lembranças que
ela nos deu. Que ela se deu. Esse foi seu último dia forte, feliz e
completo antes de se juntar ao meu avô.
Talvez essa devesse ter sido minha primeira pista, a felici-
dade desinibida e o alívio que senti há menos de duas horas, quan-
do Chase foi meu por aqueles poucos minutos na areia.
Foi perfeito e importante, e Chase não era aquele cara.
Nunca transaria comigo, para depois me descartar. Claro que ele
pega todas tanto quanto Mason, e não tanto quanto Brady, mas ja-
mais faria isso comigo, com nossa amizade. Não quando sabia co-
mo eu me sentia. Posso nunca ter soletrado em letras garrafais e
destacadas, mas ele sabia. Ele tinha que saber.
Ontem à noite, ou pela manhã, dependendo do ponto de
vista, nós nos vestimos e fomos para casa. Chase trouxe um cober-
tor, acendeu a fogueira e ficamos sentados sob as estrelas, curtindo
a companhia um do outro, observando a lua desaparecer com o
nascer do sol.
Cerca de vinte minutos depois do amanhecer foi quando
Mason voltou para casa.
Eu não me mexi, mas Chase saltou três metros de altura.
Estávamos só sentados perto, nossos corpos se tocando,
mas não enrolados um no outro. Acho que o fogo e o nascer do sol
fizeram com que parecesse mais íntimo do que parecia, e talvez fos-
se um pouco demais pela primeira vez que ele viu Chase e eu jun-
tos. Mas por outro lado, eu me deito com Brady o tempo todo e, em-
bora Mason faça um comentário, ele não se descontrola como faz
quando se trata de Chase.
Ele não confia nele?
Ele não confia nele comigo?
Tudo estava tão perfeito quanto possível antes disso. Eu fi-
nalmente tive o que queria há tempo – aquele momento perfeito
com a pessoa perfeita. Tudo foi perfeito.
No entanto, aqui estamos nós, na manhã seguinte, olhando
um para o outro através de uma fogueira bem diferente.
Estamos sentados no deque, e Chase está me avaliando,
uma expressão dividida estampada em seu rosto conforme me im-
plora para entendê-lo quando ainda não disse uma palavra.
Não que pudesse agora, e por isso, agradeço porque ele
não precisa dizer nada para eu saber exatamente o que vai sair de
sua boca se tentasse.
Como prometido, fomos até a casa de Nate, onde nossos
pais prepararam um banquete gigante para nós. A intenção é levan-
tar nosso ânimo, mas o tom é solene, então posso me esconder um
pouco atrás da mágoa que todos sentimos pela jovem que ainda
não saiu de seu quarto esta manhã.
Meu irmão se junta a nós nos fundos, esfregando o rosto
com as mãos quando se joga ao meu lado.
— Como ela está? — consigo sussurrar, obrigando-me a
manter o foco em meu irmão.
Mason suspira.
— Ela disse que está bem, mas vai saber. Parker disse que
ela é do tipo que “sofre em silêncio”, então acho que está mentindo.
Ela está segura e onde pertence, portanto, acho que está sendo
bem-cuidada. Ela deixou Lolli entrar, acredito que deve ser um bom
sinal.
Concordo com a cabeça, e ele recosta a dele no meu om-
bro, fechando os olhos por um momento. O meu olhar passa rápido
por entre as chamas.
As sobrancelhas de Chase se franzem tanto que quase se
tocam, e seu olhar abaixa.
Estremeço com a dor literal que dispara em meu peito, e a
cabeça de Mason se vira na minha direção.
Ele franze a testa na hora, e sei que meus olhos estão cho-
rosos, mas ofereço um sorriso tenso, que ele se convence de que é
pela dor que nossa família está passando.
Minha mãe sai, com as mãos cheias, mas recusa ajuda
quando coloca uma travessa na mesa de piquenique que meu tio
Ian fez de presente para Lolli e Nate. Depois de servir nossos pra-
tos, algo que sei que ela vai sentir falta, meu pai os entrega onde
nos sentamos.
A refeição é mais ou menos feita em silêncio, ou se há con-
versa, não presto atenção, perdida demais nos sussurros em minha
própria cabeça para ouvir qualquer coisa ao meu redor.
Um pouco depois, todos estão se isolando de novo e minha
mãe comete um deslize. Ela me abraça, em silêncio compartilhando
algo comigo, mas também passa despercebido.
A próxima vez que olho para cima, estamos a sós de novo,
Chase e eu, seu prato intocado diante dele.
Ele não se moveu.
Queria que tivesse.
Gostaria que fosse embora, mas já sei que não será assim.
Ainda mais que seus olhos estão fixos em mim, de novo ou
focados… não sei, mas quero que desvie o olhar porque não aguen-
to, e está me matando aos poucos por dentro.
A expressão perturbada e atormentada olhando para mim
agora, implorando para que eu entenda, não deveria estar ali.
Eu deveria estar olhando nos olhos de um homem determi-
nado e resoluto, pronto para saltar montanhas, tombar e cair en-
quanto nos levantamos outra vez até encontrarmos uma base firme
no topo. Juntos. É assim que o amor é, certo?
Uma confusão de emoções?
Um passeio turbulento?
Uma experiência emocionante?
Mas quem diabos sou eu para dizer o que é o amor?
Tudo o que sei é o que vi de meus pais, e isso aqui não é
nada disso.
É agonizante.
Olhando para ele agora, para o movimento da chama refle-
tindo naqueles olhos verdes, ambos sombrios e desanimados, eu
me pergunto se estou sendo injusta.
Chase e eu ainda não havíamos chegado a um ponto de
partida, então esta manhã aconteceu.
Nossas emoções estavam desorientadas. Estávamos ma-
goados e confusos, focados na perda e perdidos em dúvidas. O mo-
mento falou mais alto.
Passamos da atração ao sexo na praia sob a lua brilhante.
De zero a cem – bem rápido.
Quero sorrir com a minha incapacidade de bloquear as le-
tras da minha cabeça, mas não consigo encontrar em mim essa mi-
nha característica agora.
A certeza da situação é clara. Só um tolo negaria o que é
mais do que óbvio, e é isso que significa mais do que admito para
mim mesma, deve ter significado muito menos para ele.
Sei que Chase sentiu algo, assim como sei que é sofrido
para ele, também. Um tipo diferente de sofrimento, mas doloroso
mesmo assim.
Sempre me perguntei se era melhor não arriscar, mas ago-
ra sei que é verdade.
A realidade é triste.
Estou triste, mas vou ter que superar, porque como meu ir-
mão tem tentado me dizer, manter nossas amizades próximas é
mais importante do que qualquer coisa.
Não fizemos promessas; não pedi mais dele antes de dar
tudo a ele, e isso é responsabilidade minha. Suportarei o fardo se
significar que posso mantê-lo de alguma forma.
Com esse pensamento em mente, inspiro, oferecendo um
sorriso suave para o homem à minha frente.
É como se ele estivesse prendendo a respiração, quando
uma rajada de ar sai de seus lábios, e se levanta, vindo até o espa-
ço vazio ao meu lado.
Seu olhar dispara para o meu.
— Arianna…
— Eu sei — afirmo, engolindo o nó na garganta, incapaz de
manter os olhos secos. — Não precisa dizer nada.
Suas feições ficam mais tensas.
— Eu me sinto um idiota. Sabia o que estava fazendo e…
eu queria. — Ele olha nos meus olhos, e eu vejo a sua verdade. —
Eu queria você, Ari. É só que, eu não sei. Não pensei. Só agi. —
Sua cabeça se vira, frustrado. — Sinto que estou te sacaneando,
como se estivesse tratando você como se não fosse importante para
mim quando é.
— Chase. — Luto muito para evitar que minha voz falhe. —
Olhe para mim.
Ele olha, mas apenas com os olhos, como se a ideia de me
encarar fosse demais.
— Eu sei muito bem disso. — O lado esquerdo da minha
boca se ergue em um sorriso triste, uma lágrima escorrendo pela
bochecha. — Você foi bom para mim. — Coloco a mão trêmula em
seu joelho, com medo de tocá-lo, mas precisando que me ouça. —
Não me arrependo.
Ele me avalia, em busca de sinceridade, mas seu aceno é
incerto.
— Você não é uma garota qualquer, Ari. Você é mais que
isso. Você é muito… muito importante. — Meu coração me dá um
soco nas costelas, e eu gostaria que ele se levantasse e fosse em-
bora, parasse de falar ou algo assim, mas continua: — Eu nem sei o
que aconteceu — sussurra, sério. Arrependido. — Estávamos para-
dos ali no escuro, seu cabelo ao vento, e você… estava tão linda,
Ari. E triste. — Cerro os dentes para evitar que um soluço escape.
— Tudo com Payton, não sei. Tinha que te beijar. E quando fiz isso,
não consegui parar. — Ele engole, e eu uso todas as minhas forças
para não desviar o olhar.
Chase volta sua atenção para o chão, e eu me preparo,
acrescentando mais alguns pregos no órgão batendo atrás do peito
para mantê-lo sob controle, porque sei o que está por vir. Eu sei o
que ele está prestes a dizer, e vai doer como nunca.
Olhos verdes suaves se erguem para os meus, e as unhas
fincam nas minhas coxas, focando na dor física ao invés da tortura
emocional que ele está prestes a infligir.
E ele conclui.
A voz de Chase é baixa e arrependida quando sussurra pa-
lavras que jamais esquecerei.
— Foi um erro.
Suspiro por dentro.
— Não sei, Ari. Talvez se as coisas fossem diferentes, eu…
nós…
É tudo que sou capaz de aguentar, porque as coisas pode-
riam ser diferentes. As coisas seriam diferentes… se ele quisesse.
Mas no fim das contas, os fatos são claros.
Sou muito importante para Chase, mas sua amizade com
meu irmão significa mais.
E tudo bem.
Sei disso há anos. E continuarei a saber nos próximos
anos.
Espero que a dor não dure tanto quanto a esperança.
Eu me levanto, mal conseguindo forçar um sorriso.
— Vou para casa com meus pais hoje à noite.
Ele está de pé no próximo segundo.
— Não…
— Tenho que ir, Chase — interrompo. — Estou bem. Eu
só… — Não posso ficar perto de você. — Preciso ir. — Preciso des-
cobrir como vou conseguir encarar você depois disso.
— Tá, tudo bem — diz, baixinho, cabisbaixo. — O que vai
dizer ao Mason quando perguntar por que está indo embora?
Uma centelha de raiva queima em meu peito, mas eu a
afasto.
— Não sei, mas depois de ontem à noite, tenho certeza de
que ficará feliz em me ver partir.
Começo a descer os degraus, os dois sabendo que minhas
palavras não são verdadeiras. Meu irmão vai ficar chateado, com
raiva até, mas não posso ficar naquela casa com Chase no final do
corredor por mais um dia.
À beira do deque, as palavras sinceras de Chase chegam
até mim, mas não me acalmam como ele pretendia.
— Não quero perder você. Pode não parecer agora, mas
você significa muito para mim, Ari…
— Sim. — Respiro fundo, enquanto a minha cabeça sus-
surra: mas não o suficiente.
Mais tarde naquela noite, quando atravesso a rua para en-
trar na caminhonete do meu pai, faróis chamam minha atenção de
um quarteirão abaixo, me cegando. Ergo a mão para proteger os
olhos e tentar ver melhor, mas então a luz se apaga, e não vejo na-
da além de escuridão outra vez.
Subo no banco de trás, fecho os olhos e torço muito para
que, quando chegarmos a Avix, seja como se nada tivesse aconteci-
do.
— Onde você está, menina!
Segurando um suspiro, deixo minha caneta cair dos dedos
e uso a interrupção do momento para me alongar. Não me dou ao
trabalho de responder à chata e irritante Cam, sei que vai enfiar a
cabeça no meu quarto a qualquer segundo, e é o que acontece.
— Ei! — Ela cai de cara na minha cama, rolando de bruços
para me encarar, seu sorriso revelador demais.
Desconforto me deixa tensa, mas tenho me aperfeiçoado
em disfarçar, tanto que ela não parece notar mais.
Cam sacode as sobrancelhas.
— Nós vamos sair.
Forço uma risada, pegando a caneta.
— Não posso esta noite. Tenho de estudar.
Ela agarra meu travesseiro, rosnando dramaticamente.
— Ari, vamos. Estamos na terceira semana do semestre e
você ainda não saiu comigo. Entendo que quer ficar em dia com as
aulas, mas, merda, nós deveríamos estar vivendo as experiências
juntas, e você continua me abandonando, me fazendo parecer a
carroça abandonada.
Arqueio uma sobrancelha.
— Você sabe, né? — fala, exasperada. — A última carroça
perdida no fim do comboio. Somos três caras e eu onde quer que
vamos. Isso é uma merda! Preciso de outra vagina comigo para
equilibrar as coisas um pouco.
Um pequeno sorriso surge em meus lábios, e balanço a ca-
beça.
— Você é uma idiota.
— Você me ama.
— Eu não vou.
— Por favor.
— Cameron, não posso. Tenho muita lição. — Não é bem
uma mentira, mas ela sabe que é mais do que isso.
Ela fica quieta, suspirando enquanto se levanta. Caminha
até minha cômoda, passando os dedos pelas fotos que cobrem a
parte superior da placa de fibra de carbono barata, e pega uma dos
meninos segurando nós duas no colo. Ainda com seus uniformes e
recém-saídos de sua grande vitória no jogo do campeonato, esta-
mos deitadas em suas mãos, sorrindo para a câmera.
Quase enfiei aquela na gaveta muitas vezes, mas não con-
sigo fazer isso.
— O primeiro jogo da temporada regular é neste fim de se-
mana, já sabe.
— Sim. — Engulo a queimação na garganta, evitando o
olhar dela. Claro que eu sei.
Escrevi no meu calendário de parede meses atrás, saben-
do que viria comigo, até circulei com canetinhas azuis e douradas.
Cam abaixa a foto, e me lembra do que eu já sei.
— Você vai deixar o Mason arrasado se não for.
No dia em que saí da casa de praia, Cam veio comigo e,
embora eu soubesse de sua suspeita de que algo havia acontecido,
esperei até irmos para o campus e só depois de uma semana que
conversei com ela. Contei tudo e, como sabia que reagiria, ficou
com raiva e, um pouco depois, chorou.
Eu não queria esconder isso dela, mas também não queria
que meus próprios problemas internos criassem uma segunda bar-
reira em nosso pequeno grupo. Precisou de meio pote de sorvete de
menta e um fardo de cerveja para fazê-la largar seu desejo de morte
por Chase e entender a situação: uma noite cheia de emoção que
nos levou a um caminho sem volta.
Ninguém teve culpa e ninguém fez nada de errado. Sim-
plesmente era o que era, e então acabou.
Chegamos a Avix duas semanas antes do início das aulas
e, durante esse tempo, ela ficou grudada em mim parecendo a me-
lhor amiga linda. Aos poucos, desfizemos as malas e decoramos o
que seria nossa casa no próximo ano, fizemos caminhadas e fomos
conhecendo a região.
Fomos ao cinema e saímos com algumas garotas do pri-
meiro andar do nosso dormitório. Almoçávamos juntas nos interva-
los. Ela me mantinha ocupada com tudo e qualquer coisa em que
conseguia pensar e, na maioria das vezes, funcionava, mas assim
que eu ficava sozinha no quarto, o sofrimento voltava. Ela sabia dis-
so, e é por isso que não passamos um único dia dentro de casa
desde o dia da mudança até a noite antes do início oficial das aulas.
Essa também foi a primeira noite em que os garotos tive-
ram um tempo livre.
Eles nos pediram para ir até lá, conhecer o lugar onde es-
tavam e a seus amigos.
Cam estava tão animada, mas eu era exatamente o opos-
to. O pavor recaiu sobre mim e me senti presa.
Minha melhor amiga tentou não ir, mas não permiti. Eu a
encorajei. Afinal, já se passaram dezessete dias desde que saímos
com eles… desde aquele último dia na praia.
Mase ligava à noite e Brady forçava sua cara na câmera,
mas Chase nunca fazia mais do que ficar em segundo plano e, por
isso, eu estava agradecida.
Cam foi vê-los naquela noite e, embora eu não tenha pedi-
do, sei que ela mentiu para meu irmão quando apareceu sem mim.
Ela precisou, ou ele estaria na minha porta dentro de uma hora.
Mas isso foi no meio do mês e agora agosto está quase no
fim.
Sua paciência está se esgotando e é compreensível. Eu
vim aqui para viver com minha melhor amiga, e ela acabou sozinha
enquanto tentava me tirar do estado cíclico de afogamento em mi-
nhas tristezas.
Não é que eu não quero ir, porque quero, e já me convenci
disso mais vezes do que me lembro, mas nunca consigo dar esse
passo. É frustrante, mas fisicamente não consigo suportar a ideia de
vê-lo, e seria ingênuo supor que ele não estaria por perto. Com cer-
teza estaria, e bem possível, com uma turma de garotas reunidas ao
seu redor, como sempre estiveram.
Meu coração não aguenta.
Eu não aguento. Ainda não.
Cam disse que eu precisava sair, esquecer as coisas, mas
como posso fazer isso quando ele está sempre por perto?
Já era torturante me forçar a manter nossa tradição de es-
tudar nas arquibancadas enquanto treinavam, mas tenho que mos-
trar algum tipo de normalidade, ou meu irmão surtaria e exigiria res-
postas. Ele não tem ideia de como abordar as coisas em um nível
normal; ele vai com tudo em um segundo, e isso é a última coisa
que preciso, então, alguns dias por semana, Cam e eu sentamos
nossas bundas nos assentos do estádio para fazer as lições en-
quanto os meninos trabalham no calor abaixo de nós. É algo que co-
meçou como uma saída para ficarmos “seguras” sob seus olhares
atentos, e se transformou em algo que ansiavam. A cada boa corri-
da ou nova jogada, olhavam para cima com sorrisos, sabendo que
receberiam um de nós.
Nunca fizemos muitas lições lá.
Um pequeno sorriso enfeita meus lábios, mas meu estôma-
go embrulhando o rouba, e fico com raiva de mim mesma por causa
disso.
Estou tão cansada de ficar triste.
O bom de manter a tradição aqui, se é que existe, é que os
garotos também têm que ir para os vestiários depois. No colégio,
eles levavam as bolsas para casa no final do dia, então era do cam-
po para o carro. Aqui, porém, posso escapar antes de ser forçada a
enfrentá-los, eliminando a possibilidade dos olhares desajeitados de
Chase que me levariam a fazer algo embaraçoso.
Além daqueles dias a cinquenta metros de distância, vi
Chase uma vez desde que chegamos. Foi durante nossos jantares
de domingo obrigatórios juntos – uma precondição de nossos pais
quando concordaram em nos hospedar nos dormitórios sofisticados
em estilo estúdio.
Eles começaram a primeira semana de aula e, enquanto
absorvia a dor que seus olhos distantes causavam, não consegui
passar dos primeiros dez minutos, então menti. Eu disse que estava
com dor de estômago e me tranquei no quarto pelo resto da noite.
Achei que Brady iria arrombar minha porta porque, nem um minuto
depois de todos entrarem, ele começou a me dar o que gostamos
de chamar de “O olhar Brady”, aquele que diz que “eu sei de algo,
mas ainda não vou desmascarar você, por enquanto”. Abençoado
seja o seu coração.
Na semana seguinte, eu disse que meu grupo de estudo
não abria mão do horário e que eu não podia faltar. Eu nem estava
em um grupo de estudo, mas desde então, estou procurando por
um.
A única razão pela qual não ouvi merdas por isso é, prova-
velmente, porque fui inteligente com minha ausência, encontrando
horários em que sei que os outros estão na aula para me encontrar
com meu irmão para o almoço ou me ajudar nas lições. O mesmo
com Brady. Alguns dias o encontro em uma cafeteria, ou nos encon-
tramos fora de nossas salas de aula e conversamos durante os pe-
quenos intervalos antes da próxima aula.
Mas só um de cada vez, porque isso os levaria a perceber
que falta uma ponta do triângulo. Não suporto isso. Ainda não.
É difícil quando você percebe que simplesmente não é sufi-
ciente para alguém, e é ainda mais difícil quando todos com quem
está conectado também estão conectados a essa pessoa.
Embora não seja mais diariamente, às vezes, ainda choro
baixinho até dormir à noite. Eu sei que é irracional, alguns podem
chamar de drama, chorar por alguém que nunca foi mesmo seu,
mas por mais clichê que pareça, meu coração dói como se fosse.
Ou talvez porque a realidade me obrigou àquilo naquela
noite enquanto as ondas rolavam sobre meus pés, roubando mais
do que apenas a areia debaixo de mim. Tudo o que pensei que um
dia poderia ter, foi levado para o mar.
Minha segunda casa levou meu talvez, minha esperança e
minha virgindade.
Quando pensava no futuro, a possibilidade do melhor ami-
go do meu irmão e de mim sempre esteve presente. Passei tantos
anos com as mesmas imagens na cabeça que nem sei imaginar ou-
tra coisa. É tão doloroso quanto irritante.
Mas perder o primeiro jogo dos nossos meninos como atle-
tas universitários?
Nunca faria isso.
Encontro o olhar de Cameron.
— Eu estarei lá.
Ela acena, inspecionando as cutículas, sua voz quase um
sussurro:
— Ouço você algumas noites, sabe. — Seus olhos se er-
guem para os meus. — Você não é tão quieta quanto pensa.
Solto um longo suspiro.
— Estou bem, Cam. Prometo.
— Não posso te ajudar a esquecer se não me deixar tentar.
— Eu sei. — Desvio o olhar. — Mas isso cabe a mim e te-
nho que resolver sozinha. É o único jeito.
— Promete que vai se esforçar mais? — sussurra.
Meus lábios se curvam e ergo a mão, minha melhor amiga
se aproxima para um rápido abraço.
— Prometo.
— Tá. — Ela me aperta antes de se afastar e vai até a por-
ta. — Vou me preparar. Eu saio em vinte se mudar de ideia.
Concordo com a cabeça, apreciando Cameron ainda mais.
Ela sabe que eu ficar em casa não tem nada a ver com as lições, e
está permitindo, porque sabe que é disso que preciso.
Estava falando sério a respeito de tentar mais. Estou tão
cansada disso e pronta para me livrar desse vazio que me consome,
mas, apesar de nossa conversa, ainda recuso todos os seus convi-
tes nos dias seguintes, e quando a noite do jogo finalmente chega
no próximo fim de semana, meus nervos estão à flor da pele.
Estou toda rígida, a dor em meus ombros é profunda por
tê-los tão tensos que nem percebo. Estou pronta para chegar lá e,
infelizmente, para que acabe logo.
— Depressa, piranha! — grito, andando pela entrada do
nosso dormitório.
Respiro fundo, torcendo as mãos no ar, e depressa as
abaixo de lado quando a porta de Cam é aberta.
— Calma, sua indecente, estou pronta.
Ela caminha pelo corredor, e não posso deixar de sorrir.
— Ai, você está tão bonitinha!
Ela tem os números de Chase e Brady escritos em suas
bochechas com delineador e os de Mason pintados bem grandes
em sua camiseta branca com tinta azul. Ela está usando os famosos
shortinhos da Cam e sandálias gladiadoras de tiras douradas. Seu
cabelo loiro está preso com grandes cachos soltos. Ela está linda.
— Espera, espera! — Ela gira, e o número quatro está es-
crito atrás. Ela me espia por cima do ombro. — Tinha que represen-
tar o Trey, também.
Rimos, e ela se vira para o longo espelho pendurado na
parte de trás da porta, revirando os olhos quando eu a abro.
— Bem pensado. Agora vamos. — Eu a empurro para o
corredor e seguimos para o elevador.
Lá dentro, Cam me analisa.
— Podia ter usado a jersey de treino do Mason ou algo as-
sim.
Fecho a cara para o seu reflexo nas portas prateadas.
— Estou vestindo uma camiseta de futebol da Avix.
— Sim, com calça larga e suas velhas botas de neve para
passear com o cachorro.
— Não comece.
Ela aperta o rabo de cavalo.
— Não vai para a festa com a gente depois?
— Não.
Ela rosna. Literalmente, e se vira para me encarar.
— Juro por Deus, Arianna Johnson…
A porta se abre e eu a silencio, mas ela me mostra o dedo
do meio.
— Não me venha com “shh” pra cima de mim. Controle-se
e saia! — sussurra, mas seu beicinho cede assim como a curvatura
de seus ombros. — Chase estará lá, e daí?! Grandessíssima coisa!
Em pânico, olho ao redor, observando os olhares curiosos
que recebemos conforme caminhamos pela área comum.
— Cameron, pare.
Seus olhos brilham com raiva.
— Que se danem essas vadias fofoqueiras. Até parece que
eu ligo.
Dou um pulo adiante, plantando os pés na frente dela.
— Eu ligo, tudo bem? Não preciso que as pessoas saibam
da minha vida!
— Que vida seria essa, porque a meu ver, você não tem
nenhuma!
— Será que poderia parar e raciocinar por um minuto?
Acha mesmo que eu quero ver as garotas se jogando em Chase,
um jogador de futebol, no estádio do time, depois do primeiro jogo
em casa do ano? — Minhas sobrancelhas se erguem.
Ela baixa o olhar.
— Quero ir ver meu irmão e meus amigos jogarem, e só.
Encontre outra pessoa para ir ou supere isso.
— Tanto faz. — Ela franze os lábios, me estuda por um ins-
tante, depois passa por mim. — Mas, só para deixar claro, não vou
parar de te chamar para sair, então você supere isso.
Um sorriso desliza em meu rosto, e passo pela porta que
ela segura aberta para mim, um grande e falso sorriso em seus lá-
bios rosados.
Só quando passamos pelo portão e chegamos nos nossos
assentos no estádio é que me viro para Cameron.
— Só para deixar claro, não quero que pare de me chamar.
Ela me lança um olhar, mas algo paira em seus olhos, e ela
acena, estendendo a mão para apertar minha mão.
— É só que você… estou preocupada, sabe?
Engulo o nó na garganta.
— Eu sei.
Ela funga e endireita a coluna.
— Tudo bem, acha que a gente consegue convencer aque-
les caras ali a nos pagarem uma cerveja?
Rimos e olhamos para a frente.
Vinte minutos depois, a multidão está rugindo, o estádio lo-
tado de azul e dourado.
Parece que metade dos estudantes veio esta noite para as-
sistir ao jogo de abertura da temporada.
É um pouco estranho olhar ao redor, saber que nenhuma
de nossas famílias está aqui, algo que os garotos nunca viveram.
Não tinha um único jogo quando crianças em que pelo menos um
dos pais não estava presente, e noventa e cinco por cento do tem-
po, ambos estavam. Tivemos muita sorte.
Eles sempre nos apoiaram, então, assim que chegamos ao
campus, eles partiram para viajar pela Europa, algo que planejaram
e economizaram nos últimos quatro anos. Assim que o pai de Brady
conseguiu tirar a licença, eles começaram os preparativos. Assim
que meus pais souberam que Kenra estava bem, viajaram, mas não
tenho dúvidas de que estão amontoados em frente a uma TV ou
computador agora, onde quer que estejam, assistindo.
A primeira jogada da partida é um passe excelente de cin-
quenta jardas, do tipo que te dá arrepios enquanto segue a espiral
perfeita, e todo o seu corpo se ilumina quando cai sem esforço nas
mãos de um receiver da Universidade de Avix. Só fica mais emocio-
nante a partir daí.
O ar está eletrizante, a torcida animadíssima e o time se
alimenta da energia.
É exatamente o que eu precisava, um pouco de normalida-
de. As noites de jogos sempre foram as minhas favoritas.
O tempo voa conforme estamos paradas, gritando e torcen-
do sob um conjunto todo diferente de luzes de sábado à noite.
Sendo a fera que é, Brady teve a sorte de estar na maior
parte do jogo, enquanto Chase e Mason estiveram a maior parte do
tempo no terceiro e quarto período. Chase não conseguiu tocar na
bola, mas fez alguns bons bloqueios e, embora Mason não tenha
mostrado a potência de seu arremesso, na troca de passes na linha
da defesa foi certeira, seu jogo de pés ainda melhor.
Meu irmão sempre foi habilidoso e, desde os poucos minu-
tos que passou no gramado hoje, é óbvio que ele só melhorou.
Mas o cronômetro está quase zerado e os titulares estão
de volta ao campo agora, quase todo o estádio de pé assistindo, na
expectativa de ver qual será a jogada.
O quarterback avança com a bola, e o homem vestindo o
número dezenove finta um cornerback, que ameaça derrubá-lo, gira
sobre as ombreiras do segundo defender, e a multidão explode, ar-
repios surgindo em meus braços quando fico na ponta dos pés a
tempo de vê-lo pular sobre um enxame de Sharks determinados,
que levam o time defensor para o campo de defesa.
O apito soa bem quando o quarterback pula ao comemorar,
e é o quarto touchdown. A Universidade de Avix leva a vitória com
uma vantagem de um ponto nos últimos cinco segundos do jogo.
Cam e eu pulamos com o resto da multidão, abraçando e
aplaudindo.
Lágrimas enchem meus olhos e contraio os lábios. Este é
um dia que Mason, Brady e Chase jamais esquecerão. Caramba, eu
nunca vou esquecer. Eles trabalharam muito para chegar até aqui e
estou muito orgulhosa dos três. Não vejo a hora de eles consegui-
rem mais tempo em campo.
Cam grita, puxando-me com ela através do túnel lotado.
— Foi demais, Ari! — Ela cumprimenta um grupo de caras
com um “toca aqui” que passam correndo e cantando bêbados e
animados. Rindo, ela se vira para mim, suas bochechas bronzeadas
coradas de emoção. — Você tem que esperar comigo e dar os para-
béns para eles!
— Eu vou. — Sorrio, mas até eu percebo que meu aceno é
um pouco exagerado.
Ela aperta meu braço.
— Você conseguiu, mana.
— Sim. — Inspiro profundamente.
Talvez.
Uns bons quarenta minutos se passam antes que o time
comece a sair dos túneis do estádio e os fãs do lado de fora vibram
com aplausos mais uma vez. Os sorrisos de nossos meninos se tor-
nam mais largos ainda quando olham para a loucura que não conse-
guiram ver ao entrar. Ainda assim, através do rugido da multidão e
além das garotas seminuas, eles nos veem paradas no poste e vêm
direto para nós.
Meu sorriso é incontrolável. Eu me afasto do poste e enla-
ço o pescoço de Brady quando ele vem para mim a toda velocidade.
Ele me pega e me gira, rindo no meu pescoço.
— O que achou, Ari baby?! — grita, dando um beijo na mi-
nha bochecha e depois me troca por Cameron.
Meu irmão se aproxima, envolvendo-me em seus braços
com uma risada. Ele me sacode.
— Nem sei como explicar como foi.
Eu me afasto e olho para o rosto sorridente de Mason.
Conversamos sobre esse dia desde os sete anos, quando ele come-
çou no futebol juvenil. Este é o começo de algo importante para o
meu irmão gêmeo, e não consigo deixar de me emocionar.
— Pare com isso. — Ele ri, me empurrando de leve. —
Nossa, você tá igual a mamãe, chorona — brinca.
Dou risada através do soluço.
— Sim, bem. Estou orgulhosa de vocês.
O rosto de Mason abranda, e ele não precisa falar nada.
Ter-me aqui com ele na Avix significa o mundo para ele. Pode ser
mandão e mal-humorado, mas como eu, meu irmão precisa da famí-
lia e de pessoas de quem gosta por perto. Ele fica tão bem quanto
eu sozinho, e é, provavelmente, por isso que estou demorando mais
do que deveria para acordar do meu estágio de autopiedade porque
tenho afastado minha família e meus amigos em vez de me consolar
por ele estar aqui comigo. Se ao menos eu permitisse isso.
E eles estariam, mas como eu disse, não vou criar uma
barreira entre a minha família. Vou lidar com isso sozinha para que
não precisem sentir o vazio que acontece depois.
Uma mão hesitante acaricia a parte inferior das minhas
costas para chamar a atenção, e eu olho por cima do ombro, sentin-
do um nó na garganta quando meus olhos encontram olhos verde-
musgo.
Chase.
Seu sorriso é singelo, cauteloso e de partir o coração.
Meus ombros cedem e eu saio do abraço do meu irmão, vi-
rando-me para ele.
Ele dá um suspiro de alívio quando me forço a abraçá-lo
como fiz com os outros.
Sua respiração pesada faz minhas costelas se contraír em,
e engulo as emoções que ameaçam me delatar.
— Você foi incrível esta noite, Chase — sussurro. — Estou
muito feliz por você.
Fecho os olhos com força, esperando que ele me solte lo-
go, sem saber se sou capaz do mesmo.
Seus braços soltam meu corpo com facilidade.
Por que não soltariam?
Chase pigarreia ao dar um passo para trás, sorrindo com
incerteza. Um pedido de desculpas se esconde atrás de seus cílios,
e odeio isso. Não quero seu pedido de desculpas ou remorso ou
qualquer outra coisa relacionada a arrependimento, então faço o
possível para fingir que não percebi que ele está implorando em si-
lêncio por perdão e compreensão.
— Como se sentiu? — pergunto, tudo revirando por dentro;
tento bloquear as patéticas conversas que inventei na cabeça para
este exato momento.
Deus, como foram diferentes.
Estávamos deitados no sofá enquanto ele passava as
mãos pelo meu cabelo, sussurrando, repassando as imagens de
seu primeiro jogo da faculdade, uma noite que ficará marcada para
sempre em sua memória.
Uma memória da qual não farei parte, porque não será so-
bre os meus travesseiros que ele estará deitado esta noite.
Por que pareço uma adolescente?
— É meio surreal. — Os olhos de Chase se iluminam, cri-
ando uma tensão atrás dos meus. — Foi uma loucura lá. Eles eram
enormes.
— Nem precisa dizer. Eles pareciam um time cheio de
Bradys! — Cam ri, pulando nas costas de Brady.
Mason sorri, olhando ao redor.
— Acho que todo mundo está se preparando para sair. —
Ele se vira para mim, seu sorriso virando uma carranca quando olha
para minha calça. — Você não vem de novo. — Seu tom é acusató-
rio.
Dou de ombros, olhando para qualquer lugar menos para
ele.
— Essa noite, não.
Meu irmão me espera erguer o olhar e, depois move o seu
para Chase, que está conversando com Cam agora, tudo para tra-
zê-lo de volta para mim.
Sustento seu olhar, mas não revelo nada.
Depois de um instante, ele solta um suspiro frustrado.
— Acompanho você de volta.
— Nosso dormitório tem um grupo de caminhada, estão no
portão da saída, mas tenho que ir até lá porque saem em dez minu-
tos.
Seus olhos se estreitam.
— Tudo bem, mas me mande mensagem quando chegar
em casa. Esqueça, e eu estarei batendo na sua porta.
— Não vou esquecer. — Meus lábios se contraem, e olho
para os outros mais uma vez. — Bom trabalho esta noite, pessoal.
Vejo vocês…
— Amanhã. — Brady me prende com um olhar aguçado. —
No jantar.
— Certo — concordo. — Tchau.
Saio correndo, juntando-me ao grupo como prometido.
No caminho, enfrento uma batalha com meu cérebro.
Eu me xingo, querendo acordar amanhã e ver que tudo vol-
tou ao normal, ao mesmo tempo em que imploro por uma jogada de
mestre que me arrume uma desculpa que meu irmão aceitará quan-
do eu disser que não irei jantar com eles amanhã. De novo.
Mas quando caio na cama, sozinha no meu dormitório en-
quanto meus amigos estão comemorando esse marco que nunca se
repetirá, lembro-me da promessa que fiz a Cam.
Lembro-me do motivo pelo qual nossas famílias nos deram
uma casa de praia e o propósito de todos nos esforçamos tanto para
garantir que pudéssemos estudar na mesma faculdade.
Meus sentimentos não podem me tirar tudo isso.
Então vou me recompor, levantar e sair.
Começando depois do jantar de amanhã.
A semana seguinte passa num borrão, e antes que eu per-
ceba, o fim de semana chegou mais uma vez, mas, desta vez, estou
preparada para Cam e seu tormento.
A batida da porta da frente me faz sair correndo do banhei-
ro tão rápido que escorrego, mas estendo a mão bem a tempo de
evitar a queda. Assim que me endireito, faço de tudo para não rir.
Aperto o roupão em volta da cintura bem depressa, sigo
até a sala e me sento no sofá enquanto Cam enfia apressadamente
algumas porcarias na geladeira.
— Ei! — grita Cam, me ouvindo entrar. — Corri até a con-
veniência no campus, paguei um milhão de dólares, mas comprei
coisas para o café da manhã, pensei em ficar no sofá o dia todo
amanhã e comer besteiras.
Ela não espera pela resposta e passa por mim sem me
olhar, correndo para seu quarto. A porta do armário dela se choca
ao batente, e o clique dos cabides faz meu joelho balançar. Não dá
nem um minuto e ela está indo ao banheiro de sutiã e calcinha, um
vestido coral passado pela metade da cabeça, abafando suas pala-
vras por trás do tecido flexível enquanto tenta vesti-lo.
Sabia que ela ia voltar para casa antes de sair; ela me dis-
se depois do jogo desta noite. Decidi não ficar para parabenizar os
rapazes desta vez, optando por uma mensagem em nosso grupo, e
voltei para casa com a turma da caminhada de novo depois que ela
resolveu esperar com algumas amigas de seu curso.
Cam sai do quarto alguns segundos depois e desaba no
sofá ao meu lado, enfiando os pés em uma sandália Anabela doura-
da.
— Então, vou me encontrar com Trey hoje à noite para
umas bebidas no Screwed Over Rocks. Parece divertido… — ela
me dá uma indireta, mas não olha para cima.
— Tenho certeza de que será. Você sempre parece se di-
vertir com ele.
— Sim. — Ela amarra a sandália esquerda. — Acho que o
time está dando uma festinha lá na moradia, mas ele não está gos-
tando muito…
Tento esconder o sorriso.
— Sim, Mason me mandou mensagem alguns minutos
atrás, me avisando.
— Oh. — Cam se levanta, seu aborrecimento evidente con-
forme caminha em direção à porta.
Quase fico nervosa, mas minha amiga nunca me decepcio-
na. Nunca decepcionou. E jamais irá.
Ela faz uma pausa quando sua mão envolve a maçaneta,
seus ombros cedendo.
— Você podia vir, Ari. Chase não estará lá.
Até que enfim, Cameron olha para mim, seus olhos baixos
encontrando os meus. Leva apenas meio segundo, e ela se vira
com a cara fechada.
— Mas que merda é essa?
Explodo com uma gargalhada e, literalmente, pulo nas al-
mofadas ao abrir meu roupão.
Ela ergue as mãos.
— Espera, você está… o que está fazendo? — Ela repara
no meu rosto maquiado, cachos dignos de comercial de xampu e
vestido justo no meio da coxa, aquele que ela escolheu para mim na
última vez que fomos às compras.
— O que estou fazendo? — Pulo do sofá, enfiando os pés
nos saltos que coloquei ali na beirada, e sorrio. — Vou me embebe-
dar com a minha melhor amiga.
— Vai? — sussurra, seus olhos agora marejados.
Eu merecia uns tapas por isso, mas reprimo minhas pró-
prias emoções e confirmo.
— Sim.
Cameron dá um gritinho, me agarra e então nós duas caí-
mos no sofá.
Quando nos levantamos de novo, ela suspira e me bate
com sua bolsa-carteira.
— Nunca mais, Arianna Johnson. Vou acabar com você, se
tentar. — Ela me encara, mas seus olhos estão cheios de lágrimas
não derramadas, e sua voz cai algumas oitavas. — Você estava me
assustando.
— Eu sei. Eu sei. Desculpe. Ainda preciso colocar a cabe-
ça no lugar, mas agora preciso me divertir mais.
— É o que eu tenho dito. Saia da sua cabeça.
Enlaço o braço com o dela.
— Acha que pode me ajudar com isso, melhor amiga?
— Oh, pode apostar nisso! — Ela sorri, me puxando para
frente.
Com isso, saímos… mas não antes de parar no balcão pa-
ra um shot antes da festa.
Mas que…
Mordo o lábio e digito a próxima mensagem.
Droga. Sorrio.
Ele é bom.
Noah me deixa de tão bom humor esta tarde que esqueço
por completo o que os domingos são para minha turma e, algumas
horas depois, quando ainda estou sentada no lugar que Noah me
deixou, a porta do meu dormitório se abre.
Meus pulmões param de funcionar quando Cameron entra,
com Mason e Brady logo atrás dela. A porta começa a se fechar, e
eu agarro o cobertor, cobrindo o colo com mais força à medida que
se aproxima cada vez mais do batente, mas no segundo em que ela
encosta, é aberta de novo.
Chase entra, seus olhos encontrando os meus no mesmo
instante.
Merda.
AH, NÃO.
Dobro os joelhos para cima, minhas sobrancelhas come-
çando a franzir.
Eu: Vá em frente.
Sorrio.
Eu: Vi. Você foi derrubado…
NOAH
Seus olhos dourados se arregalam, seu corpo perfeito fica
um pouco tenso, então eu a acalmo.
Digo a ela o que está acontecendo na minha cabeça, mi-
nha boca se alinhando com a dela.
— Eu fiz o mesmo, Julieta — confesso. — No banho. Na
cama. — Levo a língua além de seus lábios, e ela, ansiosa, sem pa-
lavras, implora por mais. — Na minha cama.
Seus olhos se abrem, procurando um engano que ela não
encontrará.
Aos poucos, mas sem hesitação, seus dedos dançam ao
longo de seu peito, um rubor subindo pelo corpo conforme sua mão
abaixa, desaparecendo entre as pernas.
Meu corpo vibra, o pau duro e lutando contra o jeans.
— Me diga o que eu estava fazendo com você — sussurro.
Seu rosto fica vermelho, mas ela fecha os olhos e revela.
— Primeiro, você beijou meu pescoço.
Abaixo os lábios para seu lugar favorito, bem no centro do
lado esquerdo.
— E depois você usou os dentes e os arrastou até o om-
bro.
Sigo o caminho, sugando onde paro, e ela solta respiração
profunda.
Seus dedos roçam minha calça ao tocarem em seu clitóris,
e eu fico tenso, desesperado para senti-la contra mim.
— Você desceu, mas não até o fim.
Puxo seu mamilo na boca, girando a língua em torno do pi-
co endurecido, bem devagar. Chupo um pouco mais forte do que an-
tes.
— Seu zíper… você — sussurra ela, se contorcendo em-
baixo de mim.
Sua mão se move mais rápido agora, os olhos se abrindo
quando o suave ruído do meu jeans se abrindo ressoa. Seu olhar
baixa, os lábios se separam quando pousa no volume na cueca.
Eu me livro do resto das minhas roupas, e recosto a cabe-
ça no travesseiro.
Suas coxas se apertam, e ela começa a fechar as pernas,
perseguindo a pressão que o esse movimento a proporcionará, mas
quando abaixo um pouco, minha ereção se aloja entre suas coxas e
seus músculos relaxam.
Seus olhos encontram os meus.
— Você não usou a mão dessa vez. — Seu rosto queima e
ela aperta o clitóris entre os dedos, as coxas tremendo ao se aproxi-
mar do orgasmo.
Volto a me mexer, desta vez colocando um joelho entre as
pernas dela. Baixo os lábios aos dela, e sussurro:
— O que eu fiz, baby?
Ela geme, e eu alcanço entre nós, tirando sua mão e a
prendendo acima de sua cabeça enquanto coloco o outro joelho en-
tre suas pernas.
— Me diga o que eu fiz.
— Você pressionou o corpo ao meu.
Eu me abaixo todo, os dois gemendo quando nossos cor-
pos aquecidos se encontram pela primeira vez.
Minha mandíbula se contrai, e enterro o rosto em seu pes-
coço. Ela está encharcada, e eu fico escorregadio de excitação na
mesma hora. Não consigo me segurar e me esfrego nela.
— Sim — murmura. — Bem desse jeito.
Afundo os dedos no edredom no lado oposto.
— Deslizei meu pau em você? — Eu me afasto um pouco,
avançando com mais pressão, e minhas coxas se contraem.
— Sim — murmura, levanta a cabeça até seus lábios se
prenderem no meu pescoço. Ela suga, morde e sussurra: — E de-
pois você deslizou dentro de mim.
Eu a mordo de volta, e seus joelhos sobem, pressionando
meus quadris.
— Deslize para dentro de mim, Noah.
Meu peito ruge, os músculos ficam tensos pelo desejo.
— Não quero te machucar.
Uma calma recai sobre ela, e segura minhas bochechas,
balançando um pouco a cabeça.
— Você jamais faria isso — suspira, puxando minha boca
para a dela. Seu beijo é suave e doce, mas sua voz quando se repe-
te é fogo puro: — Deslize dentro de mim.
Afastando-me, eu faço o que ela pede.
Entro com um golpe longo, lento e constante.
Ela arfa, o pescoço esticando até seus olhos revirarem, e
eu levanto, olhando para a deusa diante de mim.
Ela espia pela ponta do nariz, olhando nos meus olhos en-
quanto a preencho inteira. Completamente.
A ternura que a envolve faz meu pulso disparar, e quando o
mais doce dos sorrisos curva seus lábios com a próxima respiração,
é isso.
Está feito.
Estou acabado.
Estive acabado.
Balanço em cima dela, dentro e fora, lento e constante.
Meus golpes são longos e profundos, uma tortura tentadora. Uma
necessária e doce espécie de agonia, do caralho.
Ari me circula com as pernas, seus calcanhares pressio-
nando na parte inferior das minhas costas e me impulsionando para
frente.
Nosso ritmo acelera, e ela fica mais barulhenta.
Seus gemidos, seus suspiros.
Seu batimento cardíaco.
Pressiono os lábios sobre o órgão que bate descontrolada-
mente, e ela aperta minha cabeça, então dou o que ela quer. Meus
dentes.
Eu mordo e ela grita.
Lambo e ela treme.
Chupo… e ela se despedaça.
Seus músculos ficam tensos, seus braços me envolvem
quando começa a gozar.
Mas ela luta contra o orgasmo, puxando meus lábios nos
dela. Seu beijo é forte e faminto, perseguidor, e eu a retribuo da
mesma forma.
Meu quadril avança e recua, balança, gira e pressiona, cui-
dando para que seu clitóris seja estimulado com meu corpo, tanto
quanto sua boceta. Eu a ataco, prolongando seu orgasmo o máximo
possível conforme arfa, descontrolada.
Ela se afasta, encontrando meu ouvido de novo, sua voz
um coaxar ofegante, seu corpo uma bola de tensão, soltando-se
com tremores espasmódicos. Ela quer que continue, lutando contra
o fim pelo qual está desesperada, mas explode. Suas costas arquei-
am da cama, os gemidos soam ásperos e enlouquecedores ao er-
guer os quadris para mim, me querendo mais fundo. Seus lábios se
abrem e ela ofega.
— E depois eu gozei.
— No meu pau? — murmuro, entredentes, dobrando os jo-
elhos, assim estou sentado sobre eles, e seus quadris estão no ar.
— S-sim. No seu pau.
Sua pele fica vermelha e meu corpo se contrai, o calor au-
mentando cada vez mais.
Ari avança, pega meu lábio inferior em sua boca, seus
olhos atordoados, fixos nos meus e sussurra:
— E então você gozou, também.
E, porra, já era para mim, ela me leva ao limite.
Preso em transe pela garota que meus sonhos mais loucos
não ousariam imaginar, eu gozo. Sem parar e forte.
Suas paredes se apertam ao meu redor, vibrando por den-
tro, e eu gemo, meus membros tremendo.
Eu a abraço, nossos corpos escorregadios de suor até con-
seguirmos respirar com mais facilidade.
Só então eu saio dela, abaixando-nos no colchão.
Seus olhos nunca se afastam dos meus, e depois de al-
guns minutos de silêncio, ela começa a morder o lábio por dentro,
as mãos dobradas sob a cabeça, virando o corpo para ficar de fren-
te para o meu.
Estendo a mão, soltando seu lábio de seu abuso.
— O quê?
— Você pensou mesmo em mim?
Minha risada é baixa, mas concordo contra o travesseiro.
— Você… se tocou… de verdade pensando em mim?
Volto a acenar, deslizando a mão por seu pescoço e ao lon-
go do ombro.
Meu sorriso abre devagar quando o seu sorriso, escondido,
brinca em seus lábios, e ela sussurra exatamente o que eu sabia
que faria:
— Me mostre…
E dou a ela o que deseja.
Tenho certeza de que sempre darei.
Minha mão desliza sob as cobertas, mas Noah a pega com
uma sobrancelha erguida.
— Você deveria dormir um pouco. — Seu olhar é brinca-
lhão.
— Vou dormir quando estiver velha.
Rindo, ele sai da cama, o corpo gloriosamente nu em plena
exibição. Ele veste sua boxer e jeans, virando-se para mim com sua
camisa na mão.
Ele bate na beirada da cama, e eu rastejo até lá, ele a pas-
sa sobre minha cabeça, me vestindo com ele e dá um beijo em
meus lábios antes de me jogar por cima do ombro.
Grito, tentando cobrir a bunda nua, mas ele estende a mão,
acariciando meu bumbum enquanto me carrega para a sala. Paro
de tentar, gostando do calor de seu toque.
— Se você não vai dormir, precisa me deixar alimentá-la.
Seu estômago começou a roncar há uma hora.
Ele me abaixa no sofá, sorrindo malicioso ao ganhar um
pequeno vislumbre quando sua camisa sobe um pouco em volta da
minha cintura. Ele joga um cobertor em cima da minha cabeça, seus
passos o levando para a cozinha.
Incapaz de conter o sorriso, eu me aconchego nas almofa-
das, puxando o cobertor até o queixo e coloco o jogo da noite pas-
sada. Continuo de onde paramos … logo depois que Mason foi reti-
rado do campo, preocupada demais na hora para ver o resto da par-
tida.
Assim que aperto o play e os comentaristas começam a fa-
lar, Noah também fala, a gentileza de seu tom me aquecendo em lu-
gares que não posso negar.
— Você não tem que assistir — diz.
Lambo os lábios, mantendo os olhos na tela.
— Meu homem é o quarterback. — Sorrio contra o cober-
tor. — Portanto, sim, eu tenho.
Noah não diz mais nada, mas sei que está sorrindo, e o
meu sorriso cresce por causa disso.
O que quer que Noah faça, não tenho a menor ideia, por-
que a próxima coisa que sei é que estou acordando em uma casa
escura e ele tinha ido embora.
Bebo um copo de água e me arrasto para o chuveiro, fican-
do sob o jato quente até a água esfriar, repassando a manhã uma e
outra vez.
Quando saio, vou para a cozinha e pego o telefone na ban-
cada.
Encontro uma mensagem de Noah.
Meu peito aperta, sabendo que meu irmão não estará lá,
mas ficará chateado se eu não for só porque ele não pode, odiando
o tempo todo eu estar lá com um bando de caras.
Mas estarei com Noah. Isso, e Brady e Chase também es-
tarão lá.
Então respondo que quero ir.
No micro-ondas acho dois burritos de ovo e queijo, pratica-
mente a única opção que havia na geladeira. Já são cinco da tarde,
portanto só esquento um, guardando espaço para a pizza mais tar-
de.
Ligo pelo FaceTime para Mason, aliviada quando vejo que
ele está acomodado em casa, com um prato gigante de rabanada
ao lado dele, que a Lolli trouxe.
Ele está sorrindo e está mais corado que esta manhã, mes-
mo ainda com aspecto exausto, mas estamos só no primeiro dia,
então desligo me sentindo bem, o que me faz querer estar com boa
aparência.
Então me arrumo sem pressa.
Meu cabelo está solto com cachos grandes e soltos, os
olhos delineados com sombra brilhante e acentuados com delinea-
dor escuro. Meu batom é tão vermelho quanto minha blusa, e o je-
ans é de cós alto e justo.
Acabei de amarrar as botas pretas quando Noah chega pa-
ra me buscar, seus lindos olhos azuis o entregando. A última coisa
que ele quer fazer… é sair daqui.
Ele inclina a cabeça, abrindo os lábios, mas tudo o que sai
é uma risada rouca.
Reprimo um sorriso e lidero no caminho até a porta.
A pizzaria é um estabelecimento familiar encantador. A mu-
lher de cabelo grisalho atrás do balcão é gentil e acolhedora, com
uma língua ousada que me lembra da minha avó.
A comida é deliciosa e farta, o que é a chave do sucesso
com duas dezenas de atletas em volta. Vários deles vêm até mim,
perguntando do meu irmão, e respondo a cada um deles a mesma
coisa. Que está bem, descansando e ansioso para voltar a jogar.
Aposto que Brady e Chase foram para casa e disseram algo pareci-
do, mas os garotos barulhentos gostam de conversar com as meni-
nas. Tenho certeza de que suas perguntas foram usadas como des-
culpa para vir até mim, Cameron e as outras garotas que vieram fi-
car com a gente. Não demora muito para a jukebox começar a tocar
uma música lenta e sedutora, e os garotos cheios de cerveja empur-
ram algumas mesas de lado. Logo, sou a única sentada, todas as
garotas pularam para se juntar a eles.
Noah tenta voltar para mim, mas Trey é rápido em agarrá-
lo quando uma mesa de bilhar fica livre.
Ele olha para mim, mas eu aceno.
— Vá. — Sorrio. — Ele está atrás de você para jogar desde
que chegamos aqui.
Noah solta um gemido brincalhão, seguindo o amigo.
Brady se aproxima então, colocando um copo de cerveja
na minha frente.
— Beba. Sei que a noite passada deve ter acabado com
você porque eu estou só o bagaço.
— Você não está errado. — Eu a ergo e ofereço um brinde,
tomando um pequeno gole. — Conversou com ele?
— Não, ele não quer falar com a gente ainda. Vou dar dois
dias e nem um minuto a mais a ele.
— Ele não esperaria nada menos. — Sorrio, tomando outro
gole. Meus olhos deslizam sobre o ombro de Brady, e eu me inclino
para frente. — Não olhe agora, mas há um rosto muito familiar que
acabou de entrar, e parece que ela viu você.
Brady gira todo o corpo e dou risada. A garota vira a cabe-
ça, colocando o cabelo atrás da orelha. Sorrindo, ele volta sua aten-
ção para mim.
— É a mocinha tímida da biblioteca, não é?
— É, sim.
— Uau — sussurra, termina sua bebida e a coloca na mesa
com uma batida forte. Ele se levanta, inclinando-se mais perto. — E
você disse que foi por pouco que não a tive.
Rindo, eu ofereço um brinde a ele, e nem um segundo de-
pois, Chase se senta ao meu lado.
Ele se inclina para trás e quase escorrega do assento, mas
rapidamente se endireita, com um sorriso bêbado nos lábios.
Entretida, mordo os lábios.
— Sentindo-se bem?
Ele balança a cabeça, toma outro gole e me encara.
— Oi.
— Oi. — Dou risada.
— Você está com ele?
Minha diversão fica entalada na garganta, minha boca se
abre, mas nenhuma palavra sai. Sua pergunta, tão repentina e ines-
perada, me paralisou.
Seus olhos me olham intensamente, e sinto meu corpo fi-
car tenso.
— Você está falando sério agora?
— Só me… — Suas sobrancelhas franzem. — Apenas me
diga. Por favor.
Um vazio surpreendente rasteja sobre mim, mas aceno.
— Sim, estou. — Minha voz é forte, clara, e sei que ele ou-
ve.
O queixo de Chase abaixa e ele bate os nós dos dedos na
mesa em batidas suaves e silenciosas.
— Tudo bem. — Ele olha para o lado e depois se afasta.
Eu o observo, uma pitada de tristeza tomando conta de
mim, mas é superada pelo alívio que se segue agora que está tudo
esclarecido.
Cameron desaba no lugar ao meu lado, olhando para mim
em expectativa.
— Ele queria saber sobre mim e Noah.
— E?
— E eu disse a verdade, que estamos juntos.
Cameron suspira de alívio.
— Bom. Isso é bom. Talvez ele só precisasse ter certeza
de que estava bem agora.
Assinto, mas ainda franzo o cenho.
— Sim.
Talvez.
NOAH
Observá-la dançar no assento ao meu lado, com um gran-
de sorriso enquanto pega pedaços do pão de seu hambúrguer, co-
mendo igual a um pássaro como sempre, é como se tudo se encai-
xasse. Bem aqui e agora.
Eu a amo.
Eu amo tudo nela.
Amo a maneira como suas expressões faciais se transfor-
mam com as palavras que ela canta, sentindo todas as emoções de
cada música. O jeito que abaixa a cabeça e aperta os lábios quando
se sente tímida comigo. Amo que ela seja tímida, inclusive agora, e
amo que, em um piscar de olhos, não é. Ela é descarada e ousada
quando estamos apenas nós dois atrás de portas fechadas. Ela é
aberta e autêntica, adora dividir partes de sua vida e pergunta da
minha, não para manter conversa, mas porque quer mesmo saber.
Eu amo o sorriso que curva seus lábios quando me vê. É
sempre o mesmo, grande e radiante, como se eu aparecesse para
surpreendê-la quando sabia que eu viria o tempo todo. Eu amo a
forma que ela é com minha mãe, paciente e gentil, só que não por
pena, mas por orgulho. Como se soubesse a mulher boa que é, co-
mo se entendesse tudo o que minha mãe significa para mim e, por
sua vez, significa algo para ela, também.
Ari me faz ter pensamentos que nunca tive antes, a respei-
to de coisas que eu nem não sabia que queria, mas agora me sinto
desesperado por elas. Raízes mais profundas e uma família.
O amor de uma vida.
Sei que ela está apenas começando sua jornada aqui e me
formo este ano. Espera-se que eu seja escolhido no draft, primeira
rodada, diz meu treinador, sendo que estou classificado tanto como
receiver, minha posição original, quanto como quarterback, onde bri-
lhei durante toda a faculdade. Minha vida será na estrada, minha
agenda quase cheia na maior parte do ano, todos os anos.
Mas e se não fosse?
E se eu dedicasse minha vida a amar a garota ao meu la-
do?
E se eu encontrasse uma maneira de fazer as duas coi-
sas?
Naquele momento, olhos castanho-amendoados se viram
para os meus, prendendo os meus aos dela, e sua cabeça inclina-se
no encosto de cabeça.
— Ei, Noah? — Ela sorri, lambendo a pitada de sal dos lá-
bios.
Meus olhos seguem o caminho de sua língua.
— Sim?
O humor marca sua voz quando ela responde:
— Talvez queira dirigir.
Meus olhos se erguem, a cabeça vira para a frente e, com
certeza, não vejo o semáforo, o verde voltando ao vermelho e quase
não dá tempo de frear.
Volto a olhar nela, e aquele sorriso aparece, o calmo e ca-
loroso que sempre me premiou, sua risada leve e descontraída, um
brilho de algo mais escrito em seus olhos.
Aperto seu joelho, precisando tocá-la, observando e ado-
rando o rosa-claro que se espalha por sua pele macia. Meu coração
bate mais rápido, sabendo que algo tão simples quanto minha mão
em sua pele ganha essa reação dela.
— Venha comigo ao baile do futebol.
Ela sorri.
— Um baile? Parece chique.
— E é. Traje a rigor. Tudo.
— Quando é?
— Janeiro.
— Janeiro… — sua voz vai sumindo. — É daqui a dois me-
ses.
Aceno, lentamente.
— Sim. É. Me diga que irá, marque naquele seu calendá-
rio?
Ari morde o lábio, a voz baixa.
— Você já sabe a resposta.
Tomara a Deus que sim.
Quando o sinal fica verde, acelero, sorrindo quando um
suspiro suave escapa dela.
Estou apaixonado por ela, e se eu estiver certo, o que es-
pero estar, ela está prestes a se apaixonar por mim, também.
Se ela se apaixonasse, eu não precisaria de mais nada.
Só dela.
— Tenho treino em dez minutos. O treinador tem algumas
reuniões, então meu dia está um caos. Tenho vídeo depois disso e
treino às quatro.
— Mas quanta diversão. — Sorrio para a tela. — Estou a
caminho de uma palestra obrigatória: “Infinitas possibilidades aqui
na Avix U” — imito o discurso de campanha que meu professor fez
hoje.
— Ei, quem sabe não acaba saindo com uma especialida-
de — brinca Noah.
— Seria devastador. Já contei meu projeto de vida. — Dou
risada. — Mas, pelo lado bom, esse será o A mais fácil que já con-
segui.
— Muito bem. — Ele acena para alguém que entra no ves-
tiário, depois volta para a tela. — Tenho que ir antes que os caras
comecem a tirar a roupa.
— Ou poderia me deixar conectada.
Ele me dá um pequeno olhar de advertência, e eu sorrio.
— Me liga mais tarde?
— Sabe que eu vou.
Desligamos e eu me levanto.
A caminho da aula, coloco o telefone no silencioso, mas
me assusto quando uma mão agarra meus ombros por trás.
Olho para cima e vejo Chase.
— Oi. — Dou um sorriso, mas uma expressão de confusão
logo o substitui. — Você não tem treino agora?
Ele balança a cabeça, caminhando ao meu lado.
— Não. Tenho que me apresentar depois, para revisar as
notas e essas merdas, mas nada mais até o vídeo. — Ele bate com
o ombro no meu. — Acredite em mim, tentei sair dessa coisa.
— Aposto. — Dou risada, depois ficamos quietos quando
pegamos a longa fila de estudantes.
Sentamo-nos lado a lado no meio da sala e, durante os
próximos quarenta e cinco minutos, ouvimos as pessoas falarem de
como as escolhas que fazemos agora ajudarão a moldar nosso futu-
ro.
É um senso comum meio chato e limítrofe, mas apresen-
tam uma tonelada de opções de carreira que não são, necessaria-
mente, especificadas nas listas de cursos.
Na saída, eu me viro para Chase.
— Vou me encontrar rapidinho com a Cameron na cafete-
ria. Gostaria de vir?
Ele concorda, mas depois balança a cabeça e para de an-
dar.
— Podemos conversar?
— Sim, o que aconteceu? — Eu me viro para ele.
— Não, quero dizer, podemos conversar, conversar? — Ele
me olha bem nos olhos. — De tudo. De…
Ele não consegue nem dizer a palavra “nós”, e tenho certe-
za de que não serei eu a dizer.
— Quero explicar. Pedir desculpas — insiste.
— Tudo bem. Não precisa. — Balanço a cabeça. — Não
preciso mais ouvir isso. Entendo. De verdade.
É verdade. O fato é que perdoei Chase, por tudo. Não sei
bem quando aconteceu, mas aconteceu, e não é que ele sentisse
que precisava de perdão. Não sei se ele precisava ou não. Também
não é porque fez algo que deveria exigir meu perdão, porque isso
também não é bem verdade.
Éramos adultos, ambos conscientes do que estávamos fa-
zendo, ambos livres de expectativas e repercussões.
Eu sabia, lá no fundo, que ele nunca poderia ser verdadei-
ramente meu. Sabia disso o tempo todo. Só que me permiti não ligar
naquela noite. Ele me ofereceu algo que eu desejava há muito tem-
po e, com mãos gananciosas, aceitei, e as consequências que fos-
sem para o inferno.
Não significava que não doeu quando a euforia passou e a
realidade veio com a maré da manhã, levando embora a memória
que fizemos na areia apenas algumas horas antes.
Eu estava magoada, mas não era culpa dele; era minha.
Então eu o perdoei por mim porque eu precisava. Porque
ele é meu amigo e tê-lo na minha vida é importante para o meu ir-
mão e para mim.
Repassar tudo agora seria como abrir uma ferida cicatriza-
da, e para quê? Eu segui em frente; ele está indo bem e nossa tur-
ma não está mais sofrendo com nossas decisões.
— Me deixa tentar fazer você entender onde eu estava
com a cabeça e por que fui um babaca. — Ele estende a mão para
a minha, mas eu apenas aperto a dele, depois a solto.
— Já sei o porquê, Chase. Sei há anos. Estou sendo ho-
nesta quando digo que está tudo bem. Que estamos bem. Vamos
só… deixar isso para trás. Esquecer tudo isso.
Aceno, mantendo seu olhar no meu, e devagar, ele acena
de volta.
— Preciso ir. Cameron está esperando por mim.
— Sim, uh… — Ele pigarreia. — Diga a ela para me ligar.
Tenho as anotações que ela queria de psicologia.
Concordo e saio correndo, encontrando Cameron já aco-
modada na mesa de canto, bebidas e baguetes me aguardando.
Está tarde da noite quando meu telefone toca com uma
mensagem, mas não é de Noah como eu suspeitava.
É do Chase.
NOAH
Está me matando.
Nos três dias desde que vi Ari desaparecer dentro de seu
dormitório, é como se eu tivesse me esquecido de como viver em
um mundo onde ela não está comigo, porque mesmo quando não
estava fisicamente, sempre permanecia comigo, nos meus últimos
pensamentos, nos primeiros. Ela estava por todos os lugares, porra.
Mas a cada dia que passa, parece que ela está se esvain-
do um pouco mais.
Um pouco mais distante.
Antes, se eu não estava com ela, contava os minutos até
poder estar.
Agora, fico sentado observando o relógio bater sem parar.
A mão gira e gira, sinto o peito apertar como se tivesse uma chave
inglesa o fechando, me estraçalhando e destruindo sem chance de
reparo.
Todo mundo sabe que a única maneira de consertar um pa-
rafuso estragado é arrancá-lo, e estou sentindo isso. É como se
meu coração estivesse sendo arrancado, direto das minhas costelas
machucadas.
Não sei o que diabos eu estava pensando, pedindo a ela
para pensar nele.
E se ela pensasse?
E se essa for a nossa realidade?
E se ela se tornar minha maior perda enquanto eu me
transformo em seu arrependimento mais profundo?
E se meus piores medos estiveram o mais distante da por-
ra da verdade?
E se meu amor estiver sofrendo, morrendo por dentro igual
a mim?
Aos poucos, e um pouco mais a cada dia?
E duas vezes pior a cada noite?
E se ela sentir minha falta e tudo o que quiser for que meus
braços a envolvam, que eu a puxe para mim e diga que está tudo
bem? Que estamos bem e que a amo com tudo o que sou e a quero
por tudo o que ela é?
Só isso já basta para me matar.
O mero pensamento de ser a razão por trás de sua dor é
demais para mim.
Como me sinto mal. Meu corpo dói.
Minha cabeça e coração estão em guerra, e não tenho cer-
teza se algum deles pode vencer.
Porque eu fui responsável por isso.
Pedi à minha garota que considerasse que talvez eu não
fosse a pessoa certa para ela, sabendo o tempo todo que ela era a
única para mim.
Preciso do meu amor, e, cacete, só torço para que ela tam-
bém precise de mim.
Como apenas cinco dias pesam feito cinco anos, não sei,
mas pesam. Cada minuto está passando a passos de tartaruga, ca-
da passo corrido no corredor do meu dormitório, minha cabeça me
engana que talvez, apenas talvez, seja ele do outro lado. Que os
nós dos dedos vão soar com a batida, e quando eu abrir a porta, ele
estará lá com um sorriso, mas isso nunca acontece.
A ansiedade por si só dificulta muito mais ficar em casa,
então eu me escondia na biblioteca quando não estava na aula e
não fui ao jogo deles duas noites atrás, só que por mais doloroso
que fosse, assisti na TV.
Mason está puto porque não conto a ele o que está aconte-
cendo.
Brady fala comigo todas as noites.
E Chase tem me ligado e mandado mensagens duas vezes
por dia, todas sem resposta.
Não sei por que, mas esta manhã ficou insuportável. Acor-
dei com uma forte sensação de desespero, de necessidade, e não
pude me controlar.
Liguei para Noah quando soube que deveria estar livre,
mas ele não atendeu, então mandei mensagem para ele, esperando
que desse certo.
Ele nunca respondeu.
Cameron disse que o viu uma ou duas vezes ao visitar
Trey, mas ele passa reto sem conversar com ninguém, vai direto pa-
ra o quarto. Ela conversou com Chase.
Segundo ela, ele decidiu passar em casa agora que não
tem como negar que o estou ignorando. E parece que ele já passou
aqui duas vezes esta semana, nas duas eu estava fora, graças a
Deus.
Com a determinação que ele parece estar para tentar falar
comigo, não tenho certeza de quanto tempo mais serei capaz de
evitá-lo, fato que soa verdadeiro quando viro no final do corredor da
biblioteca, onde tenho me escondido a maior parte dos dias, e lá es-
tá Chase, sentado a menos de quinze metros de distância.
Paro no lugar, um milhão de pensamentos correndo pela
cabeça, o mais alto deles me diz para fugir, mas meus pés não se
movem.
Talvez esteja na hora de deixar ele falar o que pensa. Ter
uma verdadeira conversa, como deveríamos ter feito há muito tem-
po. O problema é que eu não estava pronta para isso na época e,
para ser sincera, acho que ele também não.
Nos últimos dias, pensei muito em Chase, mais do que
gostaria de admitir, mas foi o que Noah me pediu, e percebi bem de-
pressa como era necessário.
Eu havia bloqueado tudo, a dor que vinha só com a men-
ção de seu nome era demais na época e fez com que tudo ficasse
confuso. Eu o coloquei em uma caixa e a afastei.
Precisava lembrar, revisitar cada momento com Chase,
perceber onde erramos… e onde acertamos. Antes de mais nada,
minhas memórias me lembraram do porquê me apaixonei por ele.
Sozinha com meus pensamentos, chorei e ri, e então percebi…
Eu tinha saudades dele.
Sinto falta do cara que tinha calma comigo quando os ou-
tros pegavam no meu pé por causa de uma saia que achavam um
pouco curta demais. O cara que deu a Cameron e a mim algumas
cervejas em segredo quando Mason disse que não podíamos ficar
bêbadas.
O cara que ficava na água comigo muito tempo depois dos
outros saírem reclamando do frio porque sabia que eu odiava quan-
do estava na hora de sair do mar.
Mas não era só ele.
Sentia falta das noites junto com a nossa turma, onde nin-
guém mais era convidado, apenas nós cinco.
Eu, Cameron, Mason, Brady e Chase.
Desde o colegial, a única vez que nos separávamos era al-
gumas semanas todo verão, quando os meninos iam para a concen-
tração do futebol, mas, mesmo assim, conversávamos por vídeo pe-
lo menos uma vez por dia.
Claro, Cam e eu nos divertíamos muito sem nossos guar-
da-costas, mas logo sentíamos falta das outras peças do nosso que-
bra-cabeça. Mesmo quando estávamos nos divertindo muito em St.
Petersburgo no verão passado, onde Cam conheceu Trey, sentimos
falta de nossos garotos.
Depois da briga com Chase no início da faculdade, as coi-
sas mudaram, e não foi justo com os outros, ainda mais porque não
tinham a menor ideia do porquê o ar estava diferente.
Está na hora de fazer o certo para todos nós, de verdade,
desta vez. Eu sei disso, mas, mesmo assim, não consigo expressar
o quanto me sinto culpada por sentir falta de Chase.
Como eu poderia sentir falta do homem por quem sentia
tanta raiva que machuquei o meu de forma tão insensível?
Eu sofro por Noah, profunda e desesperadamente.
Nunca senti nada igual à perda me consumindo dia após
dia. Tantas vezes pensei em dizer “foda-se tudo” e ir até a casa de-
le, mas me contive. Por muito pouco.
Fui até lá uma vez quando estava me sentindo muito sozi-
nha, mas assim que a caminhonete dele apareceu, as lágrimas caí-
ram e eu me virei.
O que mais me mata é que sei como ele está vivendo ago-
ra. Sozinho e calado.
Ele não sai muito, se é que sai, e não aparece no meio de
muitas pessoas. Todo o tempo livre que tinha passava comigo, e sei
que não preencheu esses espaços com mais nada.
Eu sei que ele é tão solitário quanto eu, mais ainda.
O pior é o que deve estar passando pela cabeça dele, a
dúvida que plantei.
É meu trabalho acabar com isso.
É com esse pensamento em mente que não me viro e ca-
minho na direção oposta.
Vou à procura de Chase.
NOAH
Meus pés param e eu me curvo, colocando as mãos nos jo-
elhos. Meu peito bate furioso, e tento respirar fundo, mas é mais
fácil dizer do que fazer.
No segundo em que vi a mensagem de Ari chegar, já tinha
bebido um fardinho de cerveja, mas sabia que tinha que ir até ela,
então tranquei a caminhonete e comecei a correr.
Corri nada menos que oito quilômetros sem parar.
Minha respiração se acalma um pouco, então eu me endi-
reito, e quando me afasto alguns metros, um grito chega aos meus
ouvidos. Olho para cima, estreitando os olhos pelas últimas casas
antes da minha, e é quando eu a vejo.
Ari, segurando a barriga enquanto dá passos para trás.
Corro até ela, meus olhos se arregalando quando vejo Ma-
son e Chase se empurrando, e Mason dá um soco, gritando na cara
de Chase, mas paro na beira da calçada.
— Mason, solta ele! — grita Cameron.
Saio da calçada, ignorando-os.
— Julieta — eu a chamo.
Seu corpo se ergue como se tivesse batido numa parede
invisível e, devagar, ela me encontra.
Seus lábios se abrem, um grito desolado escapa de seus
lábios.
— Noah…
A saudade em seu tom de voz me destrói, e aperto o peito.
Baby…
Seus ombros curvados, apreensivos, seus braços a envol-
vem como se estivesse se preparando para levar um golpe, no caso
de eu fazer igual fiz no outro dia.
Como fiz na semana passada.
Minha Julieta, eu também te machuquei.
Arrependimento queima todas as minhas veias, e olho para
Mason e os outros.
Para Chase, que está a menos de três metros de mim, tan-
to o lábio quanto a sobrancelha direita sangrando. Eles estão para-
dos na beira do gramado, a tensão girando no ar ao redor deles,
ambos olhando de mim para ela, uns para os outros. Não sei o que
está acontecendo aqui, mas não importa.
Eu me viro para minha garota, erguendo o telefone no ar, e
seu corpo cede.
Ela fica de frente para mim agora, suas palavras são um
sussurro esperançoso:
— Você recebeu minha mensagem?
Faço que sim.
— Recebi.
— E você veio.
Meus lábios se contraem, e volto a acenar.
— Eu deveria ter vindo antes.
Lágrimas caem de seus olhos e uma risada abatida escapa
dela.
— Tudo bem. Só não faça isso de novo — brinca, mas não
é suficiente para esconder a dor em sua voz.
Dor que alimentei, temendo ser o único a sentir nosso
término.
Não fui o único. Ela sentiu.
Ela sente essa perda.
Ela é minha.
— Nunca, baby. — Meu peito aperta. — Nunca mais.
As costas da mão dela cobrem a boca, e ela funga quando
contorno a velha caminhonete na calçada.
Seus braços abaixam, ela sorri e começa a correr.
Dou risada, mas então um flash chama minha atenção.
Minha cabeça vira para a esquerda, o pânico se apodera
de mim.
E corro.
— Não!
— Ari! — berra Mason, o grito de Cameron ecoando ao re-
dor dele.
Braços envolvem meus ombros e sou puxado para trás.
No mesmo segundo, o guincho dos freios atravessa o ar,
seguido por um estrondo tão alto que me sacode a alma. Gritos en-
chem o ar, e eu me solto do corpo atrás de mim.
Vidros estilhaçados cobrem a rua, cortando meus joelhos e
mãos quando rastejo por eles, meu corpo avançando quando chego
ao para-choque amassado da velha picape.
Um grito me rasga a garganta e, de repente, outros estão
caindo ao meu lado.
Alguém agarra minha camiseta.
Alguém chora.
Alguém implora.
Eu não me mexo.
Não consigo respirar.
Tudo o que faço é olhar para a garota que amo caíd
a sem
vida no meio da rua.
Sete horas sem notícias é uma tortura, mas as quatro que
se seguem, quando a enfermeira finalmente aparece para nos dizer
que houve uma complicação, são as piores.
Eles estão cheios de nada além de medo e arrependimen-
to.
De dor e de “e se”.
E se eu tivesse chegado até ela a tempo esta noite?
E se eu não tivesse me afastado dela no outro dia?
E se eu nunca fosse conseguir dizer a ela que a amo?
Que ela é mais do que eu sabia que existia, tudo o que eu
poderia precisar e tudo o que sempre desejarei.
Arianna Johnson compõe todo o meu ser.
Sem ela, eu não sou nada.
Não se fala muito nas próximas dezesseis horas, e isso va-
le para todos nós. Andamos pela sala de espera e, de vez em quan-
do, um de nós dá um soco na parede ou chuta uma cadeira, anda
agitado pelo corredor, só para voltar e enterrar o rosto nas mãos.
Enfim, o médico sai, a exaustão aparecendo nas olheiras.
Ele puxa a máscara para baixo com um aceno.
— Acompanhantes da senhorita Johnson? — pergunta,
embora já saiba a resposta.
— Ela está bem? — Mason corre para frente.
Cameron agarra minha manga, tremendo.
— Ela está estável.
Uma respiração entrecortada explode em meu peito, e caio
contra a parede. Pressionando as palmas nos olhos, inclino a cabe-
ça para trás.
Uma mão aperta meu ombro, e quando olho, vejo Chase.
Ele acena, a mandíbula cerrada, e olhamos de volta para o
médico.
— Quando podemos vê-la? — pergunta Brady.
— Em breve, mas preciso dizer que ela ainda não está fora
de perigo.
— Continue, doutor. — Engole Mason.
Ele olha para nós e é óbvio que está escolhendo as pala-
vras com cuidado.
— Arianna sofreu muitos ferimentos ao longo da parte su-
perior do corpo e encontramos uma pequena fratura em seu crânio.
Como consequência, seu corpo entrou em choque e fomos forçados
a colocá-la em coma induzido.
— Meu Deus — chora Cameron, e Mason logo se vira,
abraçando-a. Ele a puxa para perto, esperando ouvir o resto.
— Ela está com dor? — pergunto, entredentes.
— Não mais. — Ele abaixa a prancheta na frente dele. —
Ela estava com muita dor, e com os ferimentos, pode levar ao coma.
O cérebro dela simplesmente desligaria reagindo ao trauma, e é por
isso que achamos mais seguro seguir com esse procedimento esco-
lhido.
— Por quê?
— Para evitar que o cérebro reaja ou responda. Temos que
dar tempo para cicatrizar, pois o próximo passo é monitorá-la quanto
ao inchaço.
— E se isso acontecer? — Chase se adianta. — Se o cére-
bro dela inchar?
O homem assente.
— Então temos que abrir e aliviar a pressão.
— Quanto tempo vai mantê-la dormindo?
— O tempo que ela precisar. Um dia, talvez dois. Talvez um
pouco mais. Tudo depende de como será esta noite. Se conseguir-
mos passar esta noite sem complicações, poderemos respirar um
pouco mais aliviados amanhã.
Acenamos, olhando um para o outro para ter certeza de
que ninguém mais tem perguntas nas quais ninguém não pensou.
O médico acena, e a enfermeira que recebeu ordens para
nós atender quando chegamos aqui se aproxima.
— Dr. Brian, este é o sr. Johnson. — Ela o apresenta a Ma-
son.
O rosto do homem permanece inexpressivo ao estender a
mão.
— Um minuto no corredor? — pergunta o médico e então
se afasta.
Fecho os olhos, girando e pressionando a testa na parede.
Minha respiração está irregular e meus pulmões queimam.
A conversa suave dos outros abafa ao meu redor, e fecho
os olhos com mais força.
Um flash de seu sorriso aparece, depois um eco de sua ri-
sada.
Ela estende a mão para mim, mas quando estou perto a
ponto de tocá-la, ela some, e então não tem mais nada.
Estou vazio.
Sozinho.
Meus dedos doem, e uma mão está na minha.
Estou caído contra a parede, Brady, Cameron e Chase ajo-
elhados na minha frente, e Mason aparece no fim do corredor.
Seus olhos se arregalam e ele olha para seus amigos, mas
quando percebe que o sangue escorrendo pelo meu braço é o meu,
sigo sua linha de visão até o buraco na parede. Devo feito isso.
Sua mandíbula flexiona e ele atravessa a sala de espera,
arrancando a foto emoldurada da parede, levando o prego junto.
Pega um livro da mesa e o usa para bater o negócio na pa-
rede, cobrindo o dano inteiro.
Com olhar cabisbaixo, ele estende a mão.
— Vamos, cara.
Meu queixo se recosta ao peito, mas seguro a dele.
Ele me levanta e me abraça, um verdadeiro abraço, se
desculpando como se me devesse isso quando não deve nada.
Ele se afasta, seus olhos estão vermelhos ao assentir.
Ele se vira para Chase, que fica inseguro, mas Mason o
abraça do mesmo jeito.
Saio aos tropeços dali, ignorando seus chamados confor-
me navego neste maldito hospital estúpido feito o profissional que
sou. Corto à esquerda no final e saio onde as enfermeiras fazem
seus intervalos. Faço a curva pela fonte de água e deslizo entre os
prédios até chegar a um escondido à esquerda.
Entro, ignorando a folha de registro, e ando às cegas pelo
corredor.
Ela está acordada quando chego, e a preocupação que
desliza nela faz meu coração se partir.
Tudo se despedaça.
— Ah, querido. — A mão dela levanta. — Venha aqui.
Eu caio na cama de hospital da minha mãe e perco o con-
trole.
As duas únicas pessoas que amo neste mundo estão aqui,
suas vidas nas mãos de outra pessoa, e não há nada que eu possa
fazer a respeito.
Nunca me senti tão impotente na vida.
Tri-City, mais uma vez, se torna minha casa.
A casa de todos nós, na verdade, já que ninguém sai por
mais do que algumas horas, aqui e ali, seja para tomar banho ou tal-
vez alguns minutos para dormir em uma cama normal.
Mason ainda não entrou em contato com seus pais, a últi-
ma parte da viagem sendo no meio do nada e isolados, viajando pe-
la Europa e sem comunicação por trinta dias, portanto, não têm
ideia de que sua filha foi atropelada por um carro, muito menos de
que está em coma.
Era véspera de Natal quando o médico veio com a notícia
que esperávamos. Depois de seis longos e torturantes dias, o risco
de inchaço finalmente havia desaparecido, a dor esperada havia di-
minuído e estavam prontos para permitir que acordasse.
Algo em mim desperta um segundo fôlego, e uma ansieda-
de que nunca vivi me acorda.
Logo, eu seria capaz de olhar em seus olhos.
Poderia dizer a ela o quanto me arrependo por ir embora,
por questionar seus sentimentos por mim.
Prometo nunca mais fazer isso e confio que sou suficiente
para ela quando sei que, no fundo, ela é mais do que qualquer ho-
mem jamais poderia merecer, ainda mais um homem simples como
eu.
Não tenho família grande para amá-la e adorá-la. Não te-
nho uma casa cheia de lembranças para levá-la ou um caminho a
seguir para fazê-lo nosso. Eu não tive o que ela teve enquanto cres-
cia, então já estou em desvantagem, mas tenho o amor de uma mãe
que me mostrou o que é ser homem. Trabalhar duro e apreciar as
coisas que tenho.
Amar com toda a sua alma, e eu amo.
Eu a amo com tudo que sou, tudo que não sou e tudo que
serei.
Eu deveria ter conseguido olhar em seus lindos olhos e
contar tudo isso no dia de Natal, mas não pude porque Ari não acor-
dou.
Disseram que poderíamos esperar que ela acordasse após
as primeiras quarenta e oito horas.
Já se passaram quatro dias, e a única mudança é o leve
desbotamento de seus hematomas.
O roxo profundo se desvaneceu em um amarelo suave, e o
volume de seus lábios desapareceu, o beicinho perfeito agora famili-
ar, uma nova e minúscula cicatriz logo abaixo do lábio inferior.
Estendo a mão, guiando o polegar pela ponta de seu cabe-
lo, desejando poder passar meus dedos por ele como fiz tantas ve-
zes antes.
Com a ajuda de uma enfermeira, permitiram que Cameron
fizesse o que pudesse para lavar o cabelo de Ari à mão, e então ela
o trançou de lado, assim como Ari havia feito no primeiro dia em que
saímos. E a cada seis horas, como um relógio, Cam cobria seus lá-
bios com protetor labial, uma coisa a menos da qual ela precisava
se recuperar, disse Cam.
Ari não poderia pedir uma amiga melhor.
Mason não fala muito, apenas franze a testa para a TV no
canto, embora eu não esteja convencido de que ele assista ao que
está passando. Está enlouquecendo e prestes a explodir a qualquer
momento.
Todos nós estamos.
— Alguma novidade?
Cameron olha para cima de sua pilha de bolinhas, ofere-
cendo-me um pequeno sorriso.
— Não, Noah, não aconteceu nada nos dois segundos que
você demorou para mijar.
Solto uma risada baixa, mas some quando vou para o lado
da cama de Ari.
O telefone de Cameron apita, então ela se levanta.
— Os garotos disseram que finalmente serviram café fres-
co lá embaixo. Vou fazer Mason comprar um pra mim. Você quer?
— Não, mas obrigado. — Gentilmente colocando o cabelo
de Ari atrás da orelha, eu me inclino, dando um beijo suave em sua
testa antes de me sentar na poltrona.
Não tenho que olhar para cima para saber que Cameron
hesita na porta.
— Noah… — sussurra, preocupação em seu tom.
Só balanço a cabeça e, na próxima respiração, ela sai.
E então somos apenas nós, uma raridade que eu, de forma
egoísta, quero mais.
Deslizo a mão sob sua mão sem vida, o movimento é um
gatilho para mim, se parar para pensar, mas necessário. Preciso to-
cá-la. Segurá-la.
— Julieta, baby, abra os olhos. Está na hora de acordar —
sussurro. — Abra esses olhos grandes e lindos e olhe para mim…
por favor, olhe para mim. — A última palavra mal sai da boca e, de
repente, sou tomado por todas as emoções que tentei reprimir. Cer-
ro os dentes a ponto de doer, o maxilar flexionando enquanto desejo
que a umidade em meus olhos não caia. Aqui não. Não onde ela
possa sentir minha agonia, como sempre sente.
Sentado ali sozinho com ela, imploro, rogo e rezo para que
algo aconteça, qualquer coisa.
Virando sua mão, deixo cair a cabeça na cama, embalando
minha bochecha na sua palma macia, e eu fico assim, a cabeça
uma confusão de memórias.
Não tenho certeza de quanto tempo se passou quando
uma mão toca meu ombro, e olho para cima vendo Cameron parada
ao meu lado.
— Por que não vai um pouco para casa? — O sorriso dela
é gentil.
Sento-me, pigarreando de leve ao olhar pelo quarto, os me-
ninos em seus lugares habituais.
Balançando a cabeça, passo as mãos pelo rosto, e respon-
do:
— Estou bem.
— Noah, você não saiu do hospital. — Mason se senta, in-
clinando-se para apoiar os cotovelos nos joelhos. Ele arqueia uma
única sobrancelha. — Você toma banho aqui, dorme aqui, come
aqui… quando come.
— Eu como quando estou com fome.
Ele acena, olhando para Chase quando ele se levanta,
seus olhos acompanham seu amigo quando se aproxima de mim
com uma caneca de café.
— Não está mais escaldante, e o gosto está péssimo, mas
ainda está um pouco quente. — Chase estende a mão. — Parece
que precisa de um pouco.
Esta é sua oferta de paz, assim como a pizza não consumi-
da na noite passada e o lanche do café da manhã de ontem. Eu não
queria nada disso e não quero, mas não tem nada a ver com quem
está me dando. Meu estômago não aceita nada. Não importa o que
eu tente forçar a engolir, acaba voltando.
Estou descompensado da cabeça aos pés, porra.
Ele deve pensar que quero dar um murro na cara dele, e
tudo bem. Às vezes, é bem isso que quero fazer, dar um soco no
queixo dele.
Nele e em todas as outras coisas ao meu alcance.
Ele fica parado ali, então aceito a bebida.
— Obrigado. — Tomo um pequeno gole, seguindo-o con-
forme volta para a cadeira perto da janela.
— Onde está Lancaster? — pergunto a Mason, pois acabei
de perceber que falta uma perna do tripé.
— Já deve estar a caminho. Ele teve treinamento mais ce-
do.
Aceno.
— Bom, isso é bom. Ele precisa manter a rotina. O treina-
dor disse que tem uma proposta para a posição de center que espe-
ram conseguir para o ano que vem.
— Ouvi a respeito. — Chase se senta. — Alguém do último
ano do colégio de Detroit. Ele deveria ser uma fera.
— É. Vi vídeos dele.
— Não importa. — Mason dá de ombros. — As estatísticas
de Brady este ano foram insanas, e ele só está melhorando. Nin-
guém sabe ver a próxima formação igual a ele.
— Sim, ele é rápido nos ajustes. Com vocês na liderança,
devem ir longe na próxima temporada. — Quando as palavras saem
da minha boca, gostaria de poder retirá-las, sabendo que deixei es-
se assunto indefinido, e tudo o que temos é tempo para passar, en-
tão continuarão a conversa.
No segundo em que abaixo o olhar, Mason fala:
— Portanto está pronto para o draft, meu amigo? — per-
gunta Mason, com uma pitada de empolgação, a primeira vez que a
ouço nele em semanas. — Essa merda deve ser surreal, estar tão
perto depois de anos de muito trabalho, né?
Aí está, justo o assunto que não quero discutir, ainda mais
com candidatos promissores que passei os últimos seis meses lide-
rando.
— Ainda faltam meses.
Eu não olho para cima; a resposta atrasada de Mason me
diz que está ficando curioso.
— Sim, mas você tem muito trabalho para isso. Merda, o
Senior Bowl é daqui a algumas semanas. Você deve viajar em…
— Eu não vou.
Do chão, Cameron gira, de frente para mim, mas não olho
para cima.
Passo os dedos sobre os de Ari, sentindo o esmalte lilás
claro com que Cam pintou suas unhas.
— Quer dizer que não vai mais cedo para se familiarizar…
vai só esperar para ir no dia do jogo?
— Avisei ao treinador Rogan para dar meu lugar a outra
pessoa. Eu não vou. — Viro a mão de Ari, deslizando os dedos por
sua palma da maneira que a enfermeira sugeriu. — Saí do Pro Day,
também.
— Meu Deus — murmura Cameron, a voz de Mason quase
a interrompendo.
— Espere um minuto, porra — diz, bravo.
Eu olho para cima.
Mason me olha feio, Cameron está com os olhos arregala-
dos e Chase franze a testa para o chão.
— Como é que é? — Mason inclina a cabeça.
— Não — digo, o mais sério que consigo. — Todos os trei-
nadores do time, o resto da equipe, e, ah, isso inclui os preparado-
res também, já me encheram o saco. Acabou. Chega de conversa.
— Noah, cara. — Mason balança a cabeça, furioso. — Não
faça isso. Você trabalhou muito para chegar em Avix e merece essa
merda. Sem falar em todos os anos de colégio e escolinha de fute-
bol. Não faça isso. Você vai se arrepender.
— Me arrepender? — Não quero rir, mas é o que acontece.
— Me arrepender? — digo, frio.
— Noah, porra…
— Você acha que eu ligo para minha carreira no futebol
agora? — Minha voz sobe uma oitava a cada palavra, e solto a mão
de Ari para protegê-la da raiva que vibra em mim. — Acha que pen-
so nisso desde que estou aqui? Desde que ela está aqui? Porque
não pensei, nem uma vez, caralho.
— Entendo que isso é fodido, e as coisas não estão nor-
mais agora, tá bom? Não se esqueça de que é a minha irmã deitada
aí! — grita Mason, apontando o dedo para Ari. — Mas não pense
nem por um segundo que isso é o que ela gostaria que fizesse, por-
que não é. — Ele está bem na minha frente agora. Seu olhar é pe-
netrante, mas todo o seu rosto entristece, assim como o tom de sua
voz. — Não é, cara. — Seus olhos abrandam um pouco, e sua voz
abaixa mais: — Não é, cara. Ela não iria querer isso para você.
Eu o encaro por um minuto, balançando a cabeça devagar.
— Eu te entendo. Sério, eu já sei, e sei que está certo, mas
se existe um momento para eu ser egoísta, é este. Porque, apesar
do que ela ou qualquer outra pessoa possa pensar no que é certo
para mim agora, não existe nada neste mundo fodido em que esta-
mos vivendo que me faça entrar naquele campo e jogar, seja como
for, enquanto minha razão de viver está deitada aqui. — Balanço a
cabeça, lentamente. — Meu arrependimento viria de deixá-la, não
por ficar. Eu jamais me arrependeria de estar onde estou agora.
Aqui é onde pertenço. É aqui que vou ficar. Nada vai mudar isso, e
nada é mais importante.
A mandíbula de Mason flexiona, as sobrancelhas se estrei-
tam. Ele estende a mão, segurando meu ombro, e me dá uma pe-
quena sacudida.
— Essa é a razão, mano, por que ainda não te dei uma
surra — diz, rindo, fazendo a todos se juntarem a ele.
O clima se acalma um pouco e todos voltam ao que esta-
vam fazendo antes, então respiro fundo, engolindo alguns goles de
café quente.
— Sabe que não importa se desistiu do Pro Day, né? — diz
Chase, sem se importar em tirar os olhos da TV. — Você já terminou
sua qualificação para a faculdade e já foi confirmado como jogador
disponível. — Ele olha na minha direção. — O departamento de
adesão já o liberou com um grande sinal verde. Você está nele.
Seguro seu olhar até ele o desviar, só então abaixo o meu,
forçado a considerar suas palavras.
Ele não está errado. Sei para o que me inscrevi, assim co-
mo sei quem está interessado.
Também sei que vou rejeitar todas as ofertas que chega-
rem.
Levantando a mão de Ari, inclino-me para a frente e a levo
à boca, dando um beijo em seus dedos. Meus olhos se fecham e os
aperto um pouco mais forte, segurando sua mão com as minhas e
falando contra sua pele sem dizer uma palavra sussurrada.
Imagino seu polegar roçando o meu, igual faz agora.
Meu corpo fica rígido, meus olhos se abrem. E não ouso
me mexer.
Não ouso falar.
Seu polegar se contrai mais uma vez, e minha cabeça le-
vanta. Eu me aproximo depressa.
Os outros voam de suas cadeiras.
— O quê?! O que foi?!
— O que aconteceu?!
— Noah! — diz Mason, assustado.
— Ela… — Balanço a cabeça, sem tirar os olhos de seu
rosto. — Ela se mexeu. A mão dela. Ela se mexeu.
Meus olhos disparam de seu rosto para sua mão, em um
vai-e-vem, e seu pulso mexe.
As mãos de Cameron me apertam, forte.
— Meu Deus! Ela se mexeu! Mason, ela se mexeu!
Minha cabeça se volta para olhar para os outros, mas
meus olhos esperam até o último segundo para virar na direção de-
les.
Os olhos de Mason brilham e ele olha de mim para ela.
— Ela finalmente… acha que ela… — Ele engole, incapaz
de dizer as palavras em voz alta.
Abro a boca, mas nada sai, então eu me viro e a solto, es-
tendendo a mão para segurar seu rosto em minhas mãos. Com cui-
dado, acaricio suas bochechas.
— Abra os olhos para mim, baby — arfo, quando Mason
agarra meu ombro com força para me apoiar. — Julieta, abra os
olhos.
Suas pálpebras começam a tremer e o quarto se enche de
pequenos suspiros.
Minha frequência cardíaca dispara, meus pulmões aper-
tam, implorando para que ela os encha de esperança mais uma vez,
com propósito.
— Isso — choraminga Cameron, com lágrimas caindo dos
olhos. — Ela está acordando. Ari, vamos, garota, acorde.
— Baby… por favor — sussurro, tentando ao máximo man-
ter as emoções sob controle, mas falho.
Eu observo, esperando que meu mundo volte a girar con-
forme minha garota abre os olhos devagar.
Metade risada, metade choro sai do meu peito, e minha
testa repousa em sua barriga. Meu corpo treme de alívio e aperto os
olhos para tentar me acalmar, mesmo que apenas por um segundo.
Ela pisca algumas vezes, seus olhos se arregalando ao
passar os olhos pelo quarto, devagar.
Eles param em Mason, e ela ergue o braço esquerdo.
A visão por si só já faz meu sorriso se espalhar.
Movimento de ambos os lados.
Graças a Deus.
Mase se aproxima, segura a mão dela e aperta.
— Ei, pirralha. — Sua voz falha. — Você nos assustou pra
caralho.
Isso faz ela dar um pequeno sorriso, e todas as nossas ri-
sadas abafadas acompanham.
Ela tenta se sentar um pouco, mas estremece, levando as
mãos às costelas.
— Tente não se mexer muito — digo, baixinho.
Seus olhos viram para os meus e permanecem ali.
E, simples assim, meu corpo crivado de tensão relaxa. Ca-
da parte de mim se acalma, o canto esquerdo da minha boca sobe
mais e mais até ser humanamente impossível sorrir mais.
— Oi, Julieta.
Minha voz está tensa, e seu peito sobe, a boca se abre,
mas então a mão sobe para tocar o pescoço.
Ela tenta pigarrear, estremecendo mais uma vez.
Há uma agitação no quarto, mas ela não desvia o olhar até
que alguém coloca um copo d’água na frente dela.
Ela olha, e seus lábios se curvam.
— Oi, sumida. — Chase sorri de volta, passando o copo
para a mão aberta dela.
No segundo em que ela toma um pequeno gole, Cameron
está lá para pegá-lo. A água se espalha por todo o chão quando
Cam envolve Ari com os braços, tomando cuidado para não a aper-
tar com muita força.
— Não acredito que finalmente acordou! Você me assus-
tou, sua vaca. — Ela ri em meio às lágrimas.
A risada rouca e baixa de Ari me percorre, me acordando
ainda mais.
Cada nervo do meu corpo está despertando para a vida,
quase não consigo ficar parado.
Ari respira fundo, deixando-se cair no travesseiro.
Estendo a mão, uso os nós dos dedos do dedo indicador
para afastar o cabelo de seu rosto, e ela espia por entre os cílios.
— Como está se sentindo, baby? — pergunto, percebendo
como a pergunta pode ser boba, mas preciso saber. Preciso ouvi-la
falar. Preciso saber se está bem.
Ela hesita no início, um franzir curioso entre as sobrance-
lhas, mas acena.
— Estou bem. Meu corpo dói em todos os lugares e a ca-
beça está começando a latejar, mas acho que estou bem.
Engulo, cerrando os dentes, para não assustá-la ao desa-
bar, mas sua voz…
Senti falta disso, porra.
Eu senti a falta dela.
Nossa, eu a amo.
Não conseguia admitir isso antes, mas por um instante, eu
não tinha certeza se teria a chance de dizer.
— Espere. — Ela fica tensa, olhando ao redor de novo. —
Por que estou aqui? O que aconteceu?
Meus olhos encontram os de Mason, e então me inclino pa-
ra frente, chamando sua atenção.
— Você atravessou o meio da rua.
— Você me atropelou? — Ela agarra o cobertor e o monitor
atrás dela começa a apitar descontrolado.
— O quê? Não. — Balanço a cabeça, freneticamente, e in-
clino o queixo, antes de ela olhar nos meus olhos. — Não, baby. Um
carro veio e não consegui chegar até você a tempo. Eles não te vi-
ram até que foi tarde demais.
Ela relaxa visivelmente, mas sua respiração está ofegante,
e estremece de novo.
— Está tudo bem, maninha — murmura Mason, estende a
mão e a coloca no tornozelo dela. — Você está bem agora.
— Que porra de merda é essa? Minha garota acordou e
ninguém me ligou?! — Brady rasga a pequena bolha que formamos
em torno de Ari. — Mas que bela merda! — Ele sorri, inclinando-se
para dar um beijo gigante na bochecha dela, e eu quero limpá-la,
colocar um beijo meu no lugar. — Que bom que voltou, Ari baby.
Nosso garoto aqui está virando uma mulherzinha a cada dia que
passa. — Ele a examina, humor é a sua maneira de lidar com as
preocupações. — Eu disse a ele que você só precisava do seu sono
da beleza, não é? — brinca, batendo com o punho no meu ombro.
— Engraçadinho, Lancaster. — Sorrio, recostando-me na
cadeira.
As sobrancelhas de Ari se estreitam e ela ri.
— Também senti sua falta, Brady.
— Que barulho é esse, senhores? Eu disse a vocês, seus
vândalos, para não assistirem mais futebol neste quarto se não con-
seguirem… Ah! Bem, oi, querida! — A enfermeira Becky sorri, vendo
Ari acordada na cama. — Graças a Deus, acordou. Esses homens
são piores que crianças. Tão carentes. — Ela brinca com uma pis-
cadela.
— Não deixe que ela te engane, menina. Ela nos ama. —
Assente Brady.
A enfermeira Becky solta um suspiro brincalhão.
— É, eu amo.
Ela sorri e caminha até Ari, dando um tapinha gentil em sua
perna.
— Meu nome é Becky. Tive o prazer de ser sua enfermeira
diurna desde que chegou aqui, e devo dizer que é muito bom ver
seus olhos, querida. Estou vendo aquelas manchas douradas das
quais aquele seu garoto estava sussurrando.
Abro a boca, mas a fecho, rindo por ter sido pego.
Mason me cutuca com o joelho, sorrindo.
— Sei que acabou de acordar, mas aposto que está exaus-
ta e com muitas perguntas. Vou buscar o dr. Brian.
— Obrigada — responde, o zumbido suave de seu tom vol-
tando mais e mais a cada palavra dita.
Aperto sua mão, e ela olha para o contato, seus olhos indo
para os meus como se só percebesse agora que eu a estou segu-
rando.
Eu permito ela ter um momento quando pede sem pala-
vras, sem dizer nada ao me observar desde a leve barba crescendo
ao longo da mandíbula, desde a recusa em gastar mais dez minutos
me barbeando quando sabia que ela estava sentada nesta cama
sem mim, até as roupas amassadas, tiradas de uma mochila bagun-
çada que meu amigo me trouxe.
Devagar, seus olhos voltam para os meus.
— Oi, linda. — Inclino a cabeça. — Senti falta desses olhos
cor de chocolate.
Sorrio ainda mais quando um toque rosado colore suas bo-
chechas, mas depois ela desvia o olhar. Aos poucos, tira a mão da
minha e começa a ajeitar o cobertor.
Sinto uma sensação estranha, e lambo os lábios, escorre-
gando para a beirada da cadeira.
— Bem, oi. — Dr. Brian entra correndo, com um sorriso, la-
vando as mãos na pia do outro lado do quarto.
À medida que ele avança, o grupo recua para dar algum
espaço. Eu não me mexo.
— Sou o dr. Brian. — Ele ergue o queixo. — E você é?
Ela franze a testa.
— Hmm, Arianna Johnson.
— Sim, você é — concorda. — Passou no teste.
Uma risada preocupada a deixa.
— Como a enfermeira Becky, aqui, estou cuidando de você
desde a sua chegada. Farei algumas perguntas e depois falaremos
de seus ferimentos. Tudo bem?
— Sim, senhor — murmura, nervosa, torcendo as mãos no
colo.
— Tudo bem, bom. Suponho que pode falar agora? — Ele
levanta as mãos como se estivesse se referindo a nós, e ela assen-
te. — Bom. Vamos começar com uma fácil. Em uma escala de um a
dez, sendo dez a mais forte, como classificaria sua dor?
— Cerca de oito.
— Que bebezão — Mason fala, apenas para aliviá-la, lim-
pando a garganta conforme as emoções tomam conta.
Dá certo. Sua boca se contrai, mas mantém a atenção no
médico.
— Certo — assente. — Onde está doendo mais?
— Minha cabeça está latejando mais do que qualquer outra
coisa. — A palma da mão repousa logo abaixo do peito. — E meu
peito. Está difícil de respirar.
O quarto fica tenso de preocupação enquanto ouvimos, e
aperto os lábios.
— Isso é normal, considerando tudo. — Ele junta as mãos,
deixando-as penduradas à sua frente. — Antes de detalhar seus fe-
rimentos, preciso perguntar. Arianna, você sabe o que aconteceu?
Como veio parar aqui?
Seu rosto se contorce um pouco e ela olha para Mason
com olhos suplicantes. Ele dá a ela um pequeno aceno encorajador,
e ela olha para o dr. Brian.
Ela balança a cabeça.
— Fui atingida por um carro?
— Sim, está certo. — O homem assente. — Você levou um
belo golpe. Suas pernas e braços passaram quase ilesos, mas o
ombro direito teve que ser recolocado no lugar. Sua costela inferior
direita está fraturada, mas bem pouco e nada com o que se preocu-
par, mas a da esquerda é onde as coisas complicam. Veja bem, du-
as de suas costelas superiores direitas estão quebradas. — Ele
aponta para o próprio corpo, para que ela visualize, conforme expli-
ca: — Quando isso aconteceu, você sofreu uma lesão traumática na
aorta. Sua aorta, a principal artéria do seu corpo, foi rompida, cau-
sando sangramento extenso. Por sorte, seu corpo cumpriu seu de-
ver e os tecidos adjacentes a conteve enquanto precisávamos. Se
seu pulmão tivesse sido perfurado, talvez não estaríamos aqui para
ter essa conversa, mas não vamos falar disso.
Ari acena com a cabeça, avisando que está acompanhan-
do, e minha perna começa a balançar descontrolada quando ouço a
explicação do médico a respeito do que aconteceu com minha garo-
ta pela primeira vez.
— Você também sofreu uma fratura na base do crânio no
lado esquerdo, bem do lado do olho esquerdo. Inicialmente, estáva-
mos preocupados com vazamento de líquido cefalorraquidiano, mas
depois de fazer alguns exames, conseguimos descartar essa possi-
bilidade. Por causa disso, porém, você foi colocada em coma induzi-
do nos dias seguintes para observação. Depois, paramos com a me-
dicação e esperamos que acordasse sozinha, e agora estamos aqui.
— Espere… — Ela se inclina para frente, seus olhos verifi-
cando seu corpo. — Há quanto tempo estou aqui?
— Onze dias.
Os olhos dela se arregalam e ele ergue as mãos.
— Eu sei que é um pouco assustador e confuso, mas você
está aqui, sua família esteve aqui o tempo todo e vai ficar bem.
Seus ombros ficam tensos, mas ela acena.
— Ainda bem que o mais complicado já passou. O trata-
mento convencional é tudo o que precisa. Vamos mantê-la o mais
confortável possível com medicação para a dor e também podemos
dar algo para a náusea que ainda deverá sentir. É claro que ficará
mais um tempo aqui para observação, mas não deve passar de um
ou dois dias.
— Tudo bem. — A voz de Ari está baixa e assustada, e eu
só quero ir até ela. — Não parece muito ruim.
— Sim, você teve muita sorte. — Dr. Brian pigarreia, a ex-
pressão fica sombria, e a enfermeira Becky olha para baixo, ocupa-
da com o arquivo de Ari.
Tem algo errado. Estou sentindo.
— Sra. Johnson, após o acidente, seu corpo entrou em
choque hipovolêmico devido à quantidade de sangue que perdeu.
— Sim… — Ela espera.
Ele assente.
— Seus órgãos começaram a entrar em falência em reação
aos seus ferimentos. Uma transfusão de sangue foi necessária…
Pulo da cadeira, incapaz de ficar parado por mais tempo.
— Dr. Brian, com todo o respeito, pode dizer logo de uma
vez? Porque estou começando a enlouquecer aqui, e sei que o se-
nhor quer revelar alguma coisa.
— Noah, por favor, cara — murmura Mason.
— Não. Você teve um colapso total e isso… — Aponto um
dedo na direção do dr. Brian. — Não foi o que nos contou. Você fez
parecer que ela bateu a porra da cabeça! Eu não tinha ideia de to-
das essas outras merdas que estavam acontecendo.
— Por favor, Noah. — A enfermeira Becky tenta acalmar.
— É muita informação e tensão para todo mundo assimilar. Talvez
agora não seja a hora?
Eu olho para Ari, que está franzindo a testa para seu colo,
e me sinto como um idiota no mesmo instante. Concordo, e volto a
me sentar.
— Quer saber, na verdade… — Mason se aproxima. —
Acho melhor sairmos enquanto o senhor conversa com ela. — Sua
voz treme, nervosa. — Sabe, dar um pouco de privacidade para ela.
— Você não po… — Estou prestes a perder a cabeça
quando minha garota fala, me interrompendo:
— Não, não vá — implora, segurando o olhar dele por al-
guns segundos.
Finalmente, suas feições desmoronam, a derrota crescen-
do em seu rosto. Seus olhos viram para mim antes de os abaixar, os
braços cruzam atrás de sua cabeça.
— Dr. Brian — pede ela.
Ele acena.
— Sra. Johnson?
— Senhorita — corrijo, automaticamente.
— Senhorita? — O médico olha de mim para o arquivo de-
le. — Becky? — Ele se vira para a enfermeira, confuso.
Ela lança seu olhar para Mason.
— Sr. Johnson? Você é ou não o marido de Arianna? —
pergunta ela, em tom bem maternal.
Os outros riem de seu erro, mas meu olhar feio, se fosse
possível o fuzilaria, ainda mais quando ele se recusa a erguer os
olhos do chão.
— Não, senhora, sou irmão gêmeo dela.
— O que diabos está acontecendo? — Dou a volta na ca-
ma, olhando para ele.
— Meu Deus — sussurra Becky, seus olhos deslizam em
minha direção. — Acho que presumi que a situação não era nada
convencional.
— Mason — digo, irritado.
— Noah, por favor. — Cameron agarra meu braço e se vol-
ta para o médico. — É só um mal-entendido.
Não estou entendendo nada, virando-me, então meu corpo
está de frente para o de Ari, o médico parado à sua direita.
— Está bem. Por favor, diga o que precisa dizer — insiste
Ari.
— Sinto muito ter que lhe dizer isso, mas quando percebe-
mos já era tarde demais…
— Tarde demais para quê? — ela o interrompe, a tensão a
envolve conforme agarra o cobertor em suas mãos.
— Sinto muito, sra. Johnson, você perdeu o bebê.
Sobressaltado, meus músculos têm espasmos quando uma
camada de gelo recai sobre mim, imobilizando-me de dentro para
fora. Suspiros enchem o quarto, e meu corpo fica pesado demais
para me segurar, alguém ao meu lado agora segurando o meu. Os
lábios do médico continuam a se mover, mas suas palavras não
chegam aos meus ouvidos.
Uma onda de náusea me atinge e eu oscilo.
Sinto uma mão no meu ombro.
Confusão, mágoa, raiva, fúria, tristeza, perda.
Eu sinto tudo.
Agonia, verdadeira e completa.
Não consigo respirar.
Bebê. Meu bebê.
Nosso bebezinho…
Se foi?
— Eu… o quê? — A voz do meu lindo anjo corta a névoa e
meus olhos se erguem. — Eu estava grávida? — Seu sussurro dila-
cerado me atravessa, e minhas mãos se fecham em punhos.
É preciso toda a minha força de vontade para me levantar
e, mesmo assim, alguém me ajuda a ficar de pé.
O médico diz outra coisa, e depois vai embora.
Eu engulo a bile que ameaça derramar pela garganta.
— Sinto muito, Julieta. Ninguém me disse. Eu não sabia.
— Meu Deus — ela chora, as lágrimas escorrendo pelo
rosto antes de enterrá-lo nas mãos.
— Baby — murmuro, com a voz fraca, raiva e tristeza ar-
dendo em meus olhos na forma de lágrimas, e eu saio desse nevo-
eiro, indo até a cabeceira dela.
Sua cabeça finalmente se levanta e meu coração racha
com a visão.
Ela abre os olhos, mas eles não estão na minha direção.
Ela estende a mão, mas não para mim.
E sussurra, mas não é meu nome que ela chama.
Ela chama por ele, e todos os orifícios do meu corpo se
apertam, torcem e rasgam.
Ela o chama e meu mundo explode. Lava, lava pura, quen-
te e obliterante ferve dentro de mim, trazendo gotas de suor na mi-
nha pele. Forço meus olhos para ele.
Chase permanece enraizado no lugar, sem ousar se mover
um centímetro, o quarto inteiro agora se transforma em uma cela si-
lenciosa.
— Chase — ela chora por ele. — Nós íamos ter um bebê?
Eu me sinto sufocar, meu coração para.
— Ai, merda. — Alguém sai correndo, e então um corpo
está na minha frente, braços me prendendo, e depois aparece outro.
Não percebo que estou indo para cima do idiota de olhos
arregalados do outro lado do quarto até que um braço circula meu
pescoço por trás e outro nas minhas costas pela frente.
— Noah, não — sussurra Mason, em meu ouvido. — Por
favor, agora não. Só… porra, só espera um pouco.
Cameron corre para o lado de Ari, abraçando-a.
— Noah, cara… — Chase nega com a cabeça. — Não.
Tem algo errado. — Ele olha para Mason. — Mason, eu juro. Eu…
ela… — Ele balança a cabeça de novo, espiando Ari com o canto do
olho.
— Porra — resmunga Brady, baixinho.
E então a ficha cai, é como ser atingido por um caminhão
de dez toneladas descendo a ladeira, sem freios.
— Humm. — Minha cabeça balança, frenética, enquanto
me solto do aperto de Mason. — Não.
Corro para a cabeceira dela, caindo de joelhos ao lado de-
la.
— Não — repito, num sussurro, sem querer acreditar no
que está acontecendo. — Olhe para mim. — Minhas palavras são
uma exigência suave.
O quarto fica em silêncio, e quando seus ombros se enco-
lhem em hesitação, minha pressão sanguínea sobe, o coração bate
na caixa torácica parecendo um animal tentando escapar.
— Ari? — sussurra Cameron, mas ela não faz nenhum mo-
vimento.
Com delicadeza, coloco o dedo sob seu queixo, eu o levan-
to do ombro de Cameron.
Trago seu olhar para o meu, procurando, rezando para en-
contrar o que estou procurando.
— Julieta… — sussurro, para que só ela ouça.
Ela olha fundo nos meus olhos, com lágrimas nos seus, e
seu corpo estremece quando aquela minha palavra viaja por todo o
seu ser, do jeito que sempre faz. Do jeito que tem sido desde o mo-
mento em que nos conhecemos, mesmo quando não percebia.
Mas vejo além da resposta que ela não pode controlar.
Vejo o brilho curioso e inseguro por trás de seus grandes
olhos castanhos, aquele que ela tinha meses atrás, antes de esque-
cer o seu primeiro amor.
Antes que ela se abrisse para nós.
Antes de ela se tornar minha.
Minha mão amolece, caindo na coxa com um tapa alto. Ca-
meron chora ao lado dela, tendo acabado de perceber o que eu já
descobri.
Cambaleio para trás, caindo de bunda no chão, e rápido
me levanto meio sem jeito. Tropeçando em nada antes de chegar à
porta e voltando a tropeçar ao atravessar o batente.
Eu me apresso para sair antes que eu perca o controle por
completo.
Eu os ouço gritar meu nome, mas não paro. Continuo me
movendo.
Para longe do hospital.
Longe do lugar onde meu filho não-nascido morreu.
Longe do homem que escondeu isso de mim.
Longe do cretino apaixonado pela minha garota.
E longe da garota que amo… que não tem ideia de que
também me ama.
O bipe repetitivo fica mais longo e mais alto, penetrante.
Fica cada vez mais rápido, criando um eco agudo no fundo
da minha cabeça, e então alguém está gritando.
Meu corpo está queimando, o calor me deixa enjoada, e
quando tento encher os pulmões, não consigo.
Ouço um grito e meu rosto está coberto de palmas úmidas,
mas não sei de quem.
Está tão embaçado.
O rosto, minha cabeça… minha vida.
Está tudo confuso… mas então fecho os olhos, e de repen-
te, tudo fica claro.
A névoa se foi.
Consigo ver.
Meu estômago está grande.
Meu sorriso é largo.
Uma mão desliza em meu cabelo, grande e forte, mas gen-
til. E, então, seus olhos se abrem e uma calma toma conta de mim.
Seus olhos, eles são o tom mais lindo de…
Vozes surgem e afastam o sonho.
— O que você deu a ela?
— É um calmante. Precisamos baixar a frequência cardía-
ca dela.
O bipe está de volta e tudo fica preto.
NOAH
Já se passaram algumas horas desde que saí do hospital,
e nem cinco minutos depois que minha bunda bateu no banco da
caminhonete, Mason ligou. E ele ligou de novo e de novo, mas não
atendi.
Enquanto ligava, Brady criou um tópico de mensagens no
aplicativo que o time de futebol usa para bate-papos em grupo e
compartilhamento de informações. Ele o criou com um punhado de
caras com quem deve presumir que converso mais, Trey sendo um
deles, perguntando se alguém me viu e, caso contrário, onde acham
que podem me encontrar. Alguns caras citam os lugares óbvios, co-
mo a academia, o campo e minha casa, mas as pessoas com quem
morei no hospital sabem muito bem e, minutos depois, meu telefone
volta a tocar. Tanto Mason quanto Brady ligam e mandam mensa-
gens sem parar.
Eu deveria apreciar a preocupação deles e o fato de que se
preocupam com o lugar onde estou e o que estou fazendo, mas mi-
nha cabeça não consegue manter nenhum outro pensamento agora,
então coloco as notificações no silencioso, vou até a adega da es-
quina e dirijo alguns quilômetros para fora da cidade sem um desti-
no específico. A primeira curva depois da placa dos limites da cida-
de é a que pego, e enfio a caminhonete no meio de um pomar. Es-
condo as chaves no porta-luvas, abro a porta traseira e subo.
Não sou do tipo que bebe, nunca fui, mas esta noite, vou
beber com categoria.
Um pouco de vodca barata é o que escolho. É nojenta, ar-
de feito fogo, mas não consegui ir na direção do uísque, não quando
a única coisa que eu teria feito era me afogar na imagem de deter-
minado par de olhos, então mergulho na bebida clara.
Bebo até a última gota, precisando ficar bêbado.
Quero apagar. Desligar-me, total e completamente, porque
se minha garota não se lembra de nós, eu não quero me lembrar de
nada.
Nem mesmo da porra do meu próprio nome.
Pela primeira vez na vida, gostaria de ser outra pessoa.
Eu gostaria de ser ele.
Um clarão azul me acorda e, quando abro os olhos, Came-
ron está lá.
— Oi, amiga. — Ela boceja, a parte de cima do corpo cur-
vada na cadeira, a cabeça apoiada nas minhas pernas. Ela cruza os
braços sob a bochecha e sorri. — Como está a cabeça?
— Pesada, só que não mais excruciante. Minhas costelas
são uma história totalmente diferente.
— Aposto que sim.
Olhando ao redor, vejo Mason debruçado na cadeira do
canto, o resto do espaço vazio.
— Brady e Chase foram tomar banho e dormir um pouco
há algumas horas. Mase não cedeu, é claro.
O canto da minha boca sobe, mas desvio o olhar quando
meus olhos umedecem, e nem sei porquê.
— Que dia é hoje?
Ela fica em silêncio antes de sussurrar:
— Ainda é 29 de dezembro. Você só dormiu por algumas
horas. — Seu tom está cheio de preocupação.
Aceno, mas meus lábios começam a tremer, e ela se senta,
Mason está do meu lado num piscar de olhos.
— Desculpe. Não sei porque isso continua acontecendo.
— Não se desculpe. Faz menos de vinte e quatro horas
que acordou. Claro que vai ficar sensível, nós entendemos, e esta-
mos felizes por estar bem.
— Estou?
Mase estende a mão, mas faço que não com a cabeça, en-
xugando as lágrimas antes que caiam. Meu peito dói com a inspira-
ção completa, mas sofro o processo, tentando afastar os milhões de
emoções que me deixam tonta.
— Ari…
— Queria que mamãe e papai estivessem aqui — choro,
meus ombros tremem, e Mason se mexe, sentando na beirada ao
meu lado na cama agora.
— Eu sei disso. Eu também. — Ele me abraça, a voz em-
bargada. — Já tentei de tudo, mas vão nos ligar assim que voltarem
para a civilização. Deve ser em dois dias, no máximo.
Mais dois dias até conseguir ouvir a voz da minha mãe. Até
meu pai chegar, prometendo que tudo ficará bem e implorando por
instruções do que ele pode fazer para melhorar.
Não sei o que pode ser melhorado, se é que existe algo a
se fazer.
Estou com muito medo de pensar além do que sei e, apa-
rentemente, não sei nada. Nada recente, pelo menos.
O médico disse que isso acontece mais do que as pessoas
percebem, e a própria perda de memória, embora menos comum,
não é anormal em lesões relacionadas a concussões. Ele disse que
assim que meu cérebro tiver tempo de se curar, as coisas voltarão
aos poucos para mim, que eles têm esperança, e eu também deve-
ria ter.
Quero ter, mas sinto esse desamparo do qual não consigo
me livrar, e acho que meu irmão gêmeo sente, também.
Fungando, eu olho para cima, e ele enxuga minhas lágri-
mas com as pontas dos polegares, tentando dar um sorriso, mas
nunca se abre inteiro.
— Se conseguir falar com eles, acho que não devemos
contar até que estejam em casa. — Tento ocupar sua cabeça com
algo que não seja a meu respeito. — Eles vão se estressar durante
todo a volta.
— Estava pensando a mesma coisa. — Ele assente, esfre-
gando os olhos como fazia quando éramos pequenos.
Estendo a mão, segurando a dele.
— Vá para casa, Mase.
Sua cabeça se vira para mim, e ele se senta direito.
— O quê? Não, eu estou bem.
— Não, estou bem, prometo. — Quando fica óbvio que não
concorda, acrescento: — Além disso, quero tentar tomar um banho.
A enfermeira Becky disse que eu poderia, com ajuda. Eu só tenho
que me mexer sem molhar o acesso na veia.
— Posso ajudar — argumenta.
— Mase, sua irmã vai ficar nua no dito chuveiro — provoca
Cameron, sabendo que não pensou muito nisso. — Vá, eu fui um
pouco para casa ontem à noite, e nós dois sabemos que Ari vai ficar
entediada de nos ouvir e desmaiará de qualquer jeito mesmo —
brinca.
Mason dá risada, ciente do que ela está fazendo, mas está
exausto e sabe que estou em boas mãos. Os riscos acabaram, en-
tão se há um momento perfeito para ele ir, é agora.
— Sim, tudo bem. Preciso fazer uma coisa também.
— Sim, tipo dormir.
Seu sorriso é pequeno quando pressiona seus lábios no to-
po da minha cabeça.
— Volto logo, tá? Peça para a Cam me ligar se precisar de
mim. E volto na hora.
— Eu sei, e ligo, sim.
Ele pega algumas coisas da cadeira e, com uma última
olhada para trás, sai.
Meus ombros cedem e, quando me viro para Cameron,
seus olhos começam a lacrimejar.
— Vamos, mulher — sussurra, ao se levantar. — Vamos te
deixar limpinha.
Demoro vários minutos para me levantar, mas é mais rápi-
do do que ontem, quando a enfermeira me pediu para atravessar o
quarto e voltar.
Tudo ainda dói, mas me já sei quais movimentos evitar e os
que doem um pouco menos.
Cameron estica bem o soro, permitindo o máximo de alon-
gamento possível, e entro sob o chuveiro – ela a menos de trinta
centímetros de mim o tempo todo.
Depois de lavar o corpo o melhor que consigo, aplico um
pouco de xampu no cabelo, com cuidado para não tocar nos arra-
nhões que agora estão surgindo no lado esquerdo da cabeça, com
medo de arder.
Cameron ajuda a espremer um pouco de condicionador
nas minhas mãos, e no minuto em que passo nas pontas do cabelo,
meus olhos decidem se fechar, um estranho lampejo de algo for-
mando um franzir no meu rosto.
Eu me inclino na parede, ergo as pontas do meu cabelo até
o nariz e o inalo.
O cheiro tem uma pitada de eucalipto, mas fresco, limpo
e… familiar.
Um calor inesperado toma conta de mim, mas traz consigo
lágrimas de confusão e, de repente, estou ofegante, sentindo falta
do ar que não sabia que estava negando a mim mesma.
— Você está bem? — pergunta Cameron, do outro lado da
cortina.
— Uhum. — Minha resposta de boca fechada me denun-
cia.
Cam enfia a cabeça para dentro, uma sombra recaindo so-
bre seus olhos quando encontram os meus.
— Ari…
— Você pode, hmm, me ajudar a enxaguar o condicionador
bem rápido? — pergunto, avisando que não quero falar disso, falar
de nada. — Não aguento mais ficar aqui.
Ela empurra a cortina para trás com um aceno de cabeça,
imperturbável com a água espirrando em seu moletom, e com cuida-
do me gira, segurando meu cabelo em suas mãos.
— Vamos lavar. Trouxe leave-in para você dias atrás, só
por precaução, assim podemos cuidar um pouco do seu cabelo
quando estiver sentada.
Aceno de novo, e ela começa a enxaguar. Quando fecha o
chuveiro e me passa uma toalha, sussurro o nome dela:
— Cam?
— Coisinha linda.
— Obrigada. — Não quero chorar. — Por isto. Por estar
aqui. Por todas as coisas que não consigo me lembrar, mas tenho
certeza de que esteve comigo nos últimos meses.
— Estarei sempre aqui, Ari, sabe disso. — Cameron funga
e fecha a minha camisola, colocando meu cabelo de lado com cui-
dado. Ela desliza na minha frente, com lágrimas em seus olhos. —
Aconteça o que acontecer.
Volto a acenar, aproximando-me da minha melhor amiga,
que me abraça.
Ela disse: aconteça o que acontecer.
Essa é a parte assustadora de tudo isso, não é? A realida-
de por trás de tudo.
Que isso pode ser o começo.
E de como as coisas podem piorar.
Se esse for o caso, como diabos eu fico nessa?
Presa no passado… ou perdida no futuro?
NOAH
O ar fresco da Califórnia me acorda, e com o frio vem uma
ressaca que eu nem havia pensado. Não posso nem virar sem es-
tremecer, mas consigo me levantar e cambalear até a cabine da ca-
minhonete. Uso toda a minha força para entrar, mas o barulho faz
meu estômago revirar conforme gotas de suor se formam na testa.
Virando, inclino rápido o meu corpo para fora da porta, bem a tempo
de não vomitar no colo.
Parece que vomito o veneno que ingeri para sempre, e
mesmo assim, ainda acontecem uma dúzia de ânsias secas depois.
Bufando, tiro a camisa do corpo, usando-a para enxugar o suor do
rosto e da cabeça. Lavo a boca com metade da garrafa de água que
deixei no banco, usando a outra metade para engolir um analgésico
– algo que aprendi a sempre ter comigo depois da primeira semana
de treino no meu primeiro ano na Avix.
Deixando a cabeça descansar no encosto, meus olhos vol-
tam a se fechar, uma dor que nunca senti queima meus ossos, e
não tem nada a ver com o batuque nas têmporas.
Um mês atrás, minha vida parecia completa pela primeira
vez, implodindo com uma tranquilidade que jamais soube que exis-
tia. Doze dias atrás, aquela paz foi destruída, completamente arra-
sada quando minha garota foi levada de ambulância lutando por sua
vida e, sem saber na época, pela de nosso filho. E, ontem à noite,
ontem à noite, meu coração foi obliterado, pulverizado quando olhei
nos olhos da pessoa mais incrível que já conheci, olhos que me
olhavam como se eu fosse o prêmio, como se eu fosse a coisa mais
incrível do mundo dela, só para não ver mais um “nós” neles.
Simples assim, meu mundo desmoronou e não sei se pode
ser consertado.
E isso é insuportável, porra.
Fecho os olhos com força e repasso cada momento, desde
o primeiro sorriso até a última risada, e então repito tudo de novo.
Devo ter apagado de novo depois disso, porque quando
dou por mim de novo, já se passaram horas. Não sei quanto, não
conferi o horário antes, mas deve ter sido pelo menos algumas ho-
ras, pois meu vômito está seco na terra e o martelar na cabeça pas-
sou de heavy metal para dois tons de punk.
Está batendo nas têmporas, mas agora é suportável.
Pegando o telefone do banco, verifico as chamadas perdi-
das e as mensagens, mas quando nem o centro de reabilitação da
minha mãe nem o nome da minha garota estão entre as dezenas
destacadas, eu o jogo de lado.
Em vez de ir para casa, uso o que sobrou da minha reserva
financeira do último semestre e me hospedo em um quarto de hotel,
onde fico os próximos dois dias, repetindo a bebedeira anterior.
Não melhora. A distância ou a distração.
Toda vez que meus olhos se abrem, a realidade me sacode
até a alma.
E o lance do álcool é esse. É uma solução temporária, que
deixa você mais fodido do que antes. E, acredite em mim, estou fo-
dido.
Minha cabeça, meu corpo.
Meu futuro.
Cerro a mandíbula, encostando na parede do chuveiro e
prendendo a respiração enquanto a água desce pelo meu rosto.
Que futuro?
Dou um soco na parede e, depois, bato a testa nela.
E então caio na porra do chão.
ARI
— Acho que quero saber — admito, e deparo com o olhar
ansioso de Mason.
Ele dá a volta pelo médico, parando perto de Cameron, do
meu lado oposto. Eles trocam um olhar, ambos de frente para mim.
— Ari. — Mason segura a minha mão quando se senta na
cama ao meu lado, uma expressão dividida esculpida em seu rosto.
— Tem certeza de que é uma boa ideia? O médico acabou de di-
zer…
— Que pode ser um gatilho ou traumático, eu sei, eu esta-
va ouvindo, mas como acha que é acordar e perceber que sua ca-
beça está presa em julho? — A prova de minhas emoções fracassa-
das aquece meu rosto, e o aperto de Mason aumenta. — Preciso
saber por que todo mundo está olhando para mim como se eu não
fosse eu. Minha vida mudou tanto em um semestre?
Mason olha para baixo, os olhos cheios de lágrimas quan-
do finalmente se erguem para os meus.
— Por que não paramos um pouco, que tal? — intervém dr.
Brian. — E voltar a entender onde estamos. O que você acha?
Mason espera até eu acenar para olhar para frente.
— Tudo bem, como você disse, a última coisa que lembra é
de sair da praia, certo?
Sinto uma enorme ansiedade, mas pigarreio de leve.
— Sim. Passamos o final do verão em nossa casa de praia,
mas saí um pouco antes do planejado. Lembro-me de ir embora,
mas não me lembro da viagem ou de voltar para a minha casa.
— Você mencionou luzes brilhantes?
Fecho os olhos, pensando nisso.
Estava escuro quando saí, a caminhonete do meu pai me
esperava para me levar de volta para casa. Atravessei a rua e vi
uma caminhonete estacionada algumas ruas à frente. Não pude ter
certeza, mas achei que podia ser a do Chase. Antes que conseguis-
se ver melhor, os faróis se acenderam. Ergui o braço, tentando ver
além da luz, mas não adiantou.
A claridade me cegou.
E depois tudo se… apagou.
— Foi, hmm, foram os faróis. Eu estava atravessando a
rua, e eles acenderam, brilhando direto nos meus olhos.
O médico acena, olhando para Mason quando continua:
— Igual àquela noite. — Ele franze a testa, olhando para o
médico. — É quase isso. Ela estava atravessando a rua, e aí veio a
caminhonete. Ela olhou, mas… — Ele engole. — Era tarde demais.
Meu coração acelera um pouco, e eu estremeço ao tentar
soltar uma respiração profunda.
Dr. Brian abaixa a prancheta, inclinando a cabeça de lado.
— Arianna, aconteceu alguma coisa naquela noite? A noite
da qual você se lembra?
O pânico toma conta de mim e, embora eu não saiba se is-
so transparece, os monitores em que estou conectada me denunci-
am.
A postura de Mason enrijece, e a palma da mão de Came-
ron toca meu braço, com medo de que eu tenha outro ataque de pâ-
nico.
— Ei, ei, acalme-se. — Mase se apressa em dizer, e quan-
do encaro os olhos de meu irmão, encontro compreensão e respiro
fundo. — Eu já sei — diz ele, baixinho.
Assentindo, seguro seu olhar.
— Sabe?
— Sim, irmã, eu sei de você e de Chase. Talvez não todos
os detalhes, provavelmente nenhum, mas sei do que importa. Eu
sei… — Ele olha rápido para o médico, engolindo ao trazer sua
atenção de volta para mim. — Eu sei que ele te machucou, talvez
até… partiu seu coração. — Suas sobrancelhas se estreitam.
Sinto uma forte vontade de chorar, então contraio os lábios
porque seu tom é revelador, assim como a tristeza em seus olhos.
— Mas…
Ele entende, balançando a cabeça enquanto a abaixa.
Chase me machucou, me deixou desolada, e esta é a ma-
neira de Mason me dizer que seu melhor amigo não juntou os peda-
ços.
Fechando os olhos, aceno de novo, lágrimas salgadas
caindo nos cantos da boca.
— Arianna — o médico me acalma. — É assim que você
se lembra daquela noite?
Confirmo, e me forço a olhar para ele.
— Sim. Foi um dia difícil — respondo, resumindo.
Ele assente, virando algumas páginas e lendo algo na mi-
nha ficha. Ele a fecha e me encara mais uma vez.
— Muitas vezes, em casos de amnésia como essa, o cére-
bro vai ligar trauma a trauma, e acredito que é disso que estamos
tratando aqui.
— Não entendo.
— É mais ou menos como expliquei a você o porquê tive-
mos que colocá-la em coma. Seus ferimentos lhe causaram muita
dor e seu cérebro corria o risco de parar de funcionar por causa dis-
so. O que estamos enfrentando agora parte do mesmo princípio,
mas relacionado à memória. Você viveu um trauma e seu cérebro o
conectou a um trauma passado, apagando o tempo entre eles.
Minha garganta fica seca, as pernas formigam.
— Acho que não estou entendendo. Que trauma? Novo
trauma?
O que poderia ter acontecido comigo para doer igual àque-
la noite?
Era por causa do bebê?
Eu já o tinha perdido?
Minhas fungadas se tornam mais agitadas, e não demora
muito para que meu peito comece a vibrar, o movimento criando
uma dor em toda a parte superior do corpo, lembrando-me dos
meus machucados externos, mas nada comparado à dor interna.
Eu ia ser mãe, algo que sempre sonhei, mas imaginei que
aconteceria mais tarde na vida. Era a única coisa de que eu tinha
certeza, a única coisa que eu queria mais do que qualquer outra, e
nem me lembro se sabia da pequena bênção antes de perdê-la.
Uma boa mãe se lembraria disso, não importa o que acon-
tecesse.
Ela se lembraria, não?
O dr. Brian diz alguma coisa, mas não faço ideia do quê, e
depois sai.
Meus olhos se fecham.
Disseram que eu estava grávida de apenas sete semanas,
não dava para saber o sexo ainda… e nem para ter engravidado du-
rante o verão.
Significa que Chase não era o pai. É o que meu irmão me
contou.
A menos que a gente tenha ficado de novo e ninguém sou-
besse?
Ele teria vindo até mim quando chorei, me abraçado e cho-
rado comigo se fosse verdade, não teria?
Meu corpo sofre com soluços silenciosos e, quando me
obrigo a abrir os olhos, deparo com o olhar do meu irmão.
Ele hesita um momento, e enrolo os dedos dos pés nas
meias, ansiosa.
— Ari…
Ele é interrompido quando há uma batida suave na parede.
Todas as nossas cabeças se voltam para a porta, e meu
estômago revira com o que vejo.
Olhos azuis desolados aparecem em minha cabeça, e mi-
nha mão se contrai, lembrando a sensação daquela que segurou a
minha no dia em que meus olhos se abriram neste quarto.
Julieta, abra os olhos…
Minhas sobrancelhas arqueiam quando o encaro.
Cabelo escuro desgrenhado, olhos de um azul profundo e
inconstante.
É o cara que conheci neste verão. O cara da praia.
Um amigo do meu irmão.
Um amigo meu?
— Noah. — Não quero dizer em voz alta, mas escapa dos
meus lábios.
Meu irmão estremece ao meu lado, e uma exalação entre-
cortada sai dos lábios de Noah.
Sinto uma dor no estômago, e sua testa franze.
— Levei uma bolada sua.
Ele engole.
— Levou.
— Você veio para a fogueira.
— Não fiquei muito tempo.
— Eu sei, eu me lembro.
Ele lambe os lábios, dando um aceno rígido.
— Eu provoco esse efeito.
Uma risada curta me escapa, mas a interrompo assim que
percebo, e algo suaviza em seu olhar. Como se fosse preciso esfor-
ço, ele desvia os olhos, bruscamente. Ele olha para o meu irmão,
mas só por um momento antes de se concentrar de novo em mim.
Há algo um pouco diferente nele, mas não consigo identifi-
car o quê.
— Eu, hmm — ele começa, a rouquidão em seu tom agi-
tando a minha garganta. — Não posso ficar.
Mason se levanta tão rápido que seus sapatos rangem no
chão, e uma estranha sensação de mal-estar se forma dentro de
mim.
— Tá bom.
Noah olha para o teto por um instante e, quando volta a me
olhar, está derrotado.
— Encontrei algumas pessoas que você ficará muito feliz
em ver — diz.
Não desvio o olhar dele quando ele lança uma olhadela pa-
ra trás, então se afasta de lado, e outra pessoa entra.
Alívio me inunda, e cubro o rosto com as mãos, chorando
muito e completamente subjugada pela visão mais do que bem-vin-
da.
Soluço, meu corpo tremendo, e então braços fortes me
abraçam, me segurando apertado.
— Pai.
— Está tudo bem, garotinha. — Sua voz falha. — Tudo
bem. Estou aqui. Sua mãe está aqui.
Mason funga ao meu lado, e então minha mãe está ali,
passando as mãos pelo meu cabelo. Caio em seu peito, e meu pai
nos abraça, mas não antes de minha atenção ser desviada para o
outro lado do quarto.
Para Noah.
Que já está me encarando, mas embora seu olhar pareça
relaxar diante dos meus olhos, os dele contam uma história diferen-
te. Só que, antes que eu tenha a chance de conferir com mais aten-
ção, ele se foi.
NOAH
Do lado de fora da porta, recosto-me à parede, fecho os
olhos e respiro fundo pelo nariz, soltando o ar pela boca devagar.
Saí de novo. Eu a deixei.
Olhei nos olhos do meu amor, vi aquele lampejo familiar
queimar dentro deles e o observei desaparecer.
De novo.
Fiz de tudo para não ir até ela, cair de joelhos ao seu lado
e beijá-la. Beijar o lugar em que logo cresceria nosso filho se o mun-
do fosse mais gentil.
Não é. Sei disso por experiência própria, mas daria qual-
quer coisa para evitar que ela descobrisse.
Com a palma da mão no peito, empurro a parede, mas não
me afasto dela antes de ouvir passos atrás de mim.
— Aonde você vai? — A voz de Mason me segue pelo cor-
redor. — Pra que vir se vai sumir de novo?
— Sua mãe me viu no estacionamento e me pediu para
acompanhá-la. Não tinha como eu dizer não, mas talvez devesse ter
dito.
— Por que estava no estacionamento?
Engulo em seco.
— Volte para a sua família, Mason.
— Volta você pra sua família!
Com isso, eu me viro, pronto para atacá-lo, mas o sorriso
em seus lábios me desconcerta.
Claro, só fica ali tempo suficiente para isso, sumindo no
próximo segundo, e aquele mesmo desamparo que me consome, se
apodera dele.
— Você é da família, Noah. No minuto em que ela decidiu
que você era, foi o que se tornou. — Ele se aproxima. — Não vá.
Ela precisa de você.
— Ela nem me conhece.
— Você a ouviu; ela se lembra de tudo o que aconteceu
durante o verão. É tudo depois de seu último dia lá que está confu-
so, mas ela se lembra de você.
Balanço a cabeça, um forte latejar se insinuando.
Droga, por que isso parece quase pior?
— Ela se lembra de um cara da praia com quem ela sentou
e conversou por um minuto, assim como se lembra de estar apaixo-
nada por outra pessoa naquele dia. O mesmo alguém com quem ela
se sentou naquela cama de hospital e por quem procurou quando o
quarto inteiro descobriu que ela estava carregando uma criança
dentro dela e a perdeu. Nosso filho, meu filho que ela pensa que era
dele. Que ela se sentou e chorou com outro homem em mente, não
eu. — Uma sensação ardente de tormento se espalha por mim, e eu
engulo. — Não consegui consolar a mulher que amo depois de uma
perda que ninguém deveria ter que enfrentar, e nunca vou me per-
doar por isso. Nunca.
Aflito, seu rosto se contorce.
— Não foi culpa sua, Noah.
— Mas vai permanecer comigo. Sempre. Volte… para lá.
Eu sei que seu pai quer falar com você.
— Venha comigo, cara. O médico disse que ela vinculou
dois eventos traumatizantes, e é por isso que sua cabeça deu um
salto ou algo assim, então precisamos encontrar uma maneira de
ajudá-la a separá-los. Preciso de você para isso. Volte para dentro.
As portas do elevador se abrem ao nosso lado, revelando
Brady e Chase.
A gente se encara enquanto Brady sai, Chase logo atrás
com um buquê de flores nas mãos.
Uma corrente fria percorre minhas veias e meus músculos
se contraem.
— Noah, mas que porra é essa, mano? — Brady se aproxi-
ma, mas Mason levanta a mão e eles param.
— Meus pais estão lá, vão dizer oi — diz, sem olhar para
eles, e com passos hesitantes eles o obedecem, caminhando deva-
gar em direção ao quarto do hospital.
A cada passo dado por eles, uma dor aguda ataca minhas
costas.
Eles entram, e eu me afasto, incapaz de ficar lá e vê-los fa-
zer a única coisa que eu gostaria de poder fazer.
Apenas estar com ela, perto dela, porra. Qualquer coisa.
As portas do elevador se fecham de novo e não suporto es-
perar ele voltar. Eu me dirijo para a escada.
— Eu contei a ela! — grita Mason, antes que eu possa de-
saparecer.
Meu corpo estaca, e a porta de vaivém volta, quase me
dando um tapa na cara. A raiva ondula através de mim, e olho para
ele por cima do ombro.
— Como assim, você contou a ela?
Mason desvia o olhar e eu me aproximo dele.
— Mason. — Eu invado o espaço pessoal dele, imobilizan-
do-o no lugar.
— Ela sabe que o bebê não era dele.
Juro por Deus, algo racha dentro de mim.
— Não brinque comigo a respeito disso.
— Por que faria isso? — pressiona, mas se acalma depois
de alguns segundos. — Deixei isso claro, mas não expliquei mais
nada.
Coloco as mãos nos quadris, inflando as bochechas quan-
do olho para o outro lado. Mordendo a língua ao lutar para não des-
moronar.
— Não sei o que fazer. Eu preciso que ela saiba que não
está sozinha — enfatiza.
Nós se formam no meu estômago.
— Ela não está. Nunca.
— Eu sei. — Seu tom é baixo, compreensivo. — Noah, ela
sempre faz perguntas e, por mais que eu odeie admitir, não tenho
certeza se tenho todas as respostas certas. Por favor, ajude ela a
lembrar.
Minha pulsação acelera, meu corpo retesa.
— E se ela não lembrar?
— Então foda-se a memória.
Uma risada sarcástica me escapa, e um pequeno sorriso
desliza nos seus lábios.
— Ela se apaixonou por você uma vez, certo? — Ele dá de
ombros. — Dê a ela a chance de se apaixonar de novo.
Engolindo meus medos, faço a pergunta que está me as-
sombrando:
— E se ela não me quiser?
Mason inclina a cabeça.
— Ah, qual é. Estamos falando da Ari. Ela ainda é ela, e
você ainda é você. — Quando hesito por muito tempo, suas feições
se contraem. — Noah, por favor. Preciso saber que ela vai ficar
bem, e do jeito que vejo, ela não pode ficar se não estiver com você.
— Você não sabe.
— Eu apostaria.
Se eu estivesse pensando direito, eu também acreditaria
nisso. Apostaria nela, em nós, mas o mundo continua encontrando
maneiras de me lembrar de que a vida é difícil, e que para cada coi-
sa boa, vem um punhado de ruins. Toda vez que penso que tudo es-
tá mudando, que finalmente estou superando o fardo, um desmoro-
namento de pedras acontece e tenho que me esforçar para passar
por ele. Mas desta vez, não posso fazer isso.
Estou à mercê de uma mente onde não tenho mais lugar.
Meu suspiro vem, e eu olho para a porta por onde Chase e
Brady desapareceram.
— Ela nem gosta de flores.
Ele solta uma risada, mas a tristeza no som não passa des-
percebida.
— Sim, cara, eu sei. Isso seria culpa do meu pai.
Meus olhos se voltam para os dele, o menor indício de ca-
lor piscando em meu peito.
— Ah, é?
Ele sorri, o homem sabe que me pegou, suas palavras ofe-
recendo um pouco mais da minha garota para mim, mas a resposta
“sim” vem do corredor.
Viramos para encontrar o sr. Johnson se aproximando.
Eu me aprumo e ele segura o ombro do filho, de frente pa-
ra mim.
— As flores são bonitas, mas ficam mais bonitas na terra e
não mortas depois de uma semana. — Sua boca se curva em um
largo sorriso. — Minhas garotas são mimadas com comida, gulosei-
mas e coisas do tipo.
Meus lábios se contraem, e Mason arqueia uma sobrance-
lha, vitorioso.
— Por que acha que ela só queria cozinhar com você? Vo-
cê a estava conquistando quando nem sabia.
As lembranças da primeira vez que cozinhei para ela vêm à
tona e desvio o olhar.
— É por isso que estou aqui. — Olhamos para o sr. John-
son. — Ela está morrendo de fome e não quer o que eles trouxeram.
— Posso ir buscar um frango apimentado para ela no Po-
peye’s? — Mason já está tirando as chaves do bolso.
— Não, ela, hmm, ela foi bem específica quanto ao que
queria. — Seus olhos castanhos se movem para os meus, um pen-
samento oculto dentro deles. — Sabe onde podemos encontrar uma
empada por aqui?
Meus músculos travam, uma faísca de algo me sacode por
dentro, o menor indício de escuridão se transformando em luz do
dia.
Incapaz de falar, eu aceno.
— Então mostre o caminho, filho. — Ele ergue o queixo. —
Nossa garota está esperando.
Eu oro a Deus, para que em algum lugar lá no fundo, ela
esteja mesmo me esperando.
E então me lembro de que o homem que ela pensa que
ama está com ela agora, e qualquer lampejo de esperança que eu
possa ter sentido desaparece.
Satisfeita, inclino a cabeça para trás, feliz por ter meus pais
em casa.
— Aquilo estava tão bom.
Meu pai pega a vasilha e a joga em uma sacola na banca-
da.
— Sim, esse Noah com certeza sabe cozinhar.
— Noah Riley? — Olho para o meu pai. — Ele fez a empa-
da?
— Ah, sim, e desde a massa. Bem impressionante, se quer
saber. Por que acha que levamos três horas para voltar aqui?
— Não pensei que fosse porque o quarterback do Avix U
se destacou como chef, com certeza. — Suspiro, olhando para Ma-
son. — Meu Deus! Sua temporada? Como foi? Você jogou?
Mason ri, abrindo a boca, mas eu o interrompo antes que
ele possa falar.
— Espera, não me diga! Mudei de ideia — digo à minha fa-
mília e todos os olhares se voltam para mim.
Assim que meu pai e Mason voltaram, pudemos chamar o
dr. Brian de volta e, desta vez, ele foi acompanhado por um especia-
lista. Eles repassaram tudo mais uma vez, para que meus pais pu-
dessem entender, e a maneira como o especialista explicou o que
estou enfrentando me fez pensar nas coisas de maneira um pouco
diferente, levando-me à minha decisão final.
— Não quero que me falem dos últimos meses.
— Ari. — Mason nega com a cabeça. — Há coisas que
precisa saber.
Subconscientemente, minha mão toca a barriga, e eu ace-
no.
— Eu sei, e vou perguntar um pouco de algumas coisas,
mas quero ter a chance de fazer exatamente isso quando precisar.
O médico disse que os pensamentos de outra pessoa podem me
confundir mais do que já estou, e não quero arriscar. Eu quero me
lembrar sozinha. Eles disseram que eu consigo.
— Claro que consegue, querida. — Minha mãe afasta meu
cabelo para trás. — Nada de pressão. O que você decidir, estamos
aqui.
— Por falar nisso, tenho alta amanhã, e não… não quero ir
para o dormitório.
Minha mãe olha de mim para meu pai, e Mason adivinha.
— Quer ir para a casa da praia?
Concordo, olhando entre os três.
— É o último lugar de que me lembro, e quero ficar mais
perto. Também quero voltar para a faculdade quando o semestre co-
meçar.
— Falta menos de um mês.
— E o médico disse que eu poderia lembrar a qualquer dia.
O acidente foi há quinze dias. Tudo deve voltar em breve. Amanhã
mesmo.
O quarto fica em silêncio por um tempo, e minha mãe ofe-
rece um pequeno sorriso.
— E se demorar um pouco mais?
Uma onda de náusea me atinge, mas me controlo.
— Continuo querendo voltar, ainda mais naquela época.
Estar no campus, frequentar as mesmas áreas e as mesmas pesso-
as pode ajudar. Estava no campus, certo?
— Claro que estava. — Mason pigarreia. — Acho que vai
ficar tudo bem. Vou falar para a Cameron arrumar algumas coisas
para você esta noite, deixar tudo pronto para amanhã.
Meu pai franze o cenho, preocupado, mas assente em con-
cordância, colocando a mão nas costas da minha mãe quando ela
se levanta.
— Papai e eu podemos ir às compras, abastecer a geladei-
ra e outras coisa — minha mãe emenda, ansiosa. — Mas se acha
que eu vou para casa, está maluca. Vou ficar no nosso apartamento
na praia.
Estendo a mão, apertando a dela.
— Achei que você diria isso.
Ela pisca, e então todos se levantam, o horário de visitas
quase no fim, e agora que não estou mais em estado crítico, a re-
gras se aplicam. Honestamente, é um alívio, e admitir isso me faz
sentir culpada, mas eles percebem meus olhos pesados e me dizem
para descansar. Vem de um lugar de amor, mas se soubessem co-
mo meu estômago revira ao pensar no anoitecer, se preocupariam
até a morte.
Então, quando se despedem, coloco uma máscara de tran-
quilidade, mas no minuto em que se vão, ela desaparece, a ansie-
dade me paralisando.
Em breve, todas as luzes estarão apagadas e nenhuma
conversa virá dos corredores. As enfermeiras não gritam de seus
postos, mas falam baixinho entre si.
O andar ficará em silêncio e a exaustão irá me abater.
Eu odeio isso.
O mero pensamento de dormir é aterrorizante.
E se eu fechar os olhos e esquecer mais coisas?
E se eu fechar os olhos e nunca mais os abrir?
E se abrirem e eu nem souber quem sou?
Agora, ainda sou eu, faltando apenas algumas peças.
E se amanhã eu for uma estranha presa no corpo de Arian-
na Johnson?
Inclinando a cabeça para trás, afasto as lágrimas com um
grunhido.
Uma leve batida me faz levantar, surpresa quando avisto
Noah na porta, com um saco plástico na mão.
— O Gasparzinho está te irritando de novo? — Seu tom é
tenso, mas caloroso.
Pisco para afastar as lágrimas.
— Sim, ele está sendo um idiota. Continua jogando água
nos meus olhos. Estou um tanto cansada disso.
Ele solta uma risada baixa, e balança a cabeça como se
entendesse o que quero dizer.
Estou farta de chorar.
— Trouxe uma coisa pra você. — Ele hesita um pouco na
porta, mas quando não digo nada, entra.
Ele me entrega a sacola e, devagar, estendo a mão para
pegá-la.
— O que é?
— Uma coisinha para você passar a noite. — Ele se vira
para a porta, mas algo me faz chamá-lo.
— Você não precisa sair… a não ser que queira.
A princípio ele não olha para trás e, quando o faz, um peso
recai sobre o quarto.
Ele não quer ir embora; posso sentir isso.
Como é possível eu sentir isso?
Eu pigarreio.
— Poderia esperar até que alguém venha te expulsar? Não
deve demorar muito.
Aos poucos, ele assente com a cabeça, suas mãos desli-
zando no bolso do moletom quando se aproxima, sentando-se ao
meu lado.
Ele me observa de perto enquanto enfio a mão na sacola,
tirando um par de fones de ouvido e um iPod velho.
O calor toma conta de mim, e eu olho para ele.
— Você me trouxe música?
Seu olhar está fixo ao meu.
— Achei que, talvez, precisasse se perder um pouco.
Como você sabe que não consigo dormir? Que música vai
ajudar?
Como sabe o que eu preciso?
— Obrigada — sussurro, e quando ligo o aparelho e coloco
os fones de ouvido, passo um para ele.
Noah mantém seu olhar no meu ao ajustar o fone em seu
ouvido, e eu me deito na cama. Aperto o play, e com três acordes
meus olhos se fecham, a história se desenrolando por trás deles.
Algo se apodera de mim e minha respiração fica mais pro-
funda, mais completa.
— É tão bom ver esse homem finalmente dormindo um
pouco.
Olho para cima e vejo a enfermeira Becky entrar, sem sa-
ber quanto tempo se passou, mas deve ter sido pouco porque quan-
do olho para Noah, descubro que ele está dormindo, com a mão em
cima do meu colchão, ao meu lado.
— Desculpe — sussurro. — Eu sei que o horário de visitas
acabou.
— Você tem o quarto todo só para você; eles não vão inco-
modá-la. — Ela gesticula com a mão, o casaco pendurado no braço.
— Além disso, estou indo embora, só queria dar uma passada e me
despedir caso não te veja amanhã antes de você receber alta.
— Obrigada por tudo que fez por mim.
— Foi um prazer. Foi bom ver uma família tão amorosa. É
triste ver como isso é raro aqui. — Ela suspira, sorrindo ao olhar pa-
ra Noah. — E aquele homem não saiu do seu lado.
Meu estômago se contrai.
— Ele não saiu?
Ela balança a cabeça em negativa, olhando para ele com
um ar maternal.
— O coitado só fechava os olhos uma ou duas horas por
dia durante todo o tempo em que estava inconsciente, e menos ain-
da nos últimos dias, conforme se escondia na sala de espera no fi-
nal do corredor. Se não estava naquele chuveiro, estava ali naquela
cadeira, inquieto, parecendo uma criança na véspera de Natal.
Um franzir se constrói pela minha testa.
— Parece que ele está dormindo muito bem. — Seu olhar
se volta para mim, um leve brilho cintilando. — Vou antes de acordá-
lo.
Balançando a cabeça, eu aceno, mas assim que ela sai,
meus olhos se voltam para Noah, para sua mão, a um centímetro de
encontrar minha coxa coberta pela coberta.
Olho um pouco para ele, para seus dedos longos e a leve
curvatura de seus dedos. Na maciez de sua pele e nas veias de seu
antebraço quando sua manga sobe um pouco.
Olho para o rosto dele, para os longos cílios encostados
nas maçãs do rosto. Seu cabelo escuro aparece por baixo do capuz,
e há uma leve barba por fazer em sua mandíbula.
Seu peito sobe e desce com respirações profundas.
Coloco o fone de volta no ouvido e, antes que eu perceba,
a manhã chega com o assento ao meu lado vazio e uma batida na
porta.
Meus olhos se abrem, meu sorriso é instantâneo.
— Chase.
NOAH
Se passa um pouco mais de uma hora sentado no banco
da calçada antes que a voz de Ari me alcance, tirando-me de meus
pensamentos, e quando viro a cabeça, ela aparece, seus olhos en-
contrando os meus como se eu tivesse falado o nome dela.
— Noah. — A alegria em seu tom faz minha pulsação dis-
parar, e não consigo evitar o sorrisinho.
Quero pegá-la, abraçá-la. Eu quero segurá-la.
Em vez disso, fico sentado, entrelaçando os dedos porque
não confio em mim mesmo para não estender a mão.
— Julieta.
Seus olhos se estreitam um pouco, mas depois ri, e caram-
ba, é bom ouvir isso. Ela se lembra do apelido que dei a ela naquele
primeiro dia.
— Sabe. — Ela inclina a cabeça. — Eles falaram do perigo
dos perseguidores na orientação dos estudantes.
Eu fico nervoso, minhas palavras se prolongam.
— Agora falam?
— Uhum — provoca. — E você sentado aqui mostra ten-
dências de um quase perseguidor.
Engulo em seco.
— E se eu dissesse que não estava aqui por sua causa?
— Eu diria que é um grande mentiroso.
Dou risada, a facilidade dessa conversa se acomoda de
uma forma que não consigo explicar, mas um peso vem junto por-
que enquanto estava sentado aqui, esperando vê-la sair, ela deveria
saber por que outro motivo eu estaria aqui em um domingo à tarde.
Ela foi comigo tantas vezes. Afasto o pensamento e me levanto, seu
queixo erguido, para poder manter os olhos nos meus.
— Você estaria certa.
Seus lábios começam a se curvar, mas ela reprime o sorri-
so, depois olha para trás, e o calor fermentando em meu peito morre
ali.
Chase sai com um sorriso, mas quando me vê, o sorriso
some. Ele desvia o olhar um pouco, mas depois volta a me olhar.
— E aí, cara.
A culpa está estampada em seu semblante, como deveria
estar.
Meu cérebro se recusa a permitir que eu responda, mas
então Cameron e Brady saem um atrás do outro, e o rugido de um
motor acelera atrás de mim. Mason estaciona na calçada.
Ele logo desce do carro, e os outros colocam suas bolsas
no maleiro quando abre o porta-malas, Ari ainda está na calçada,
trinta centímetros à minha frente.
— Liguei para você duas vezes ontem à noite. — Ele me
encara.
Meus olhos deslizam para Ari, e ela abaixa o queixo, mor-
discando o lábio, e os olhos de Mason se estreitam, curiosos.
Todo mundo sobe no Tahoe de Mason, mas os dois e Ari
olham para mim, as olheiras um pouco mais claras hoje.
— Vamos passar o resto das férias na casa de praia — ela
me diz, e meu peito aperta.
— Ah, é?
Ela assente.
Vamos…
— Você tem… você tem planos com sua família?
Você é a minha família.
Nego com um aceno de cabeça, meus batimentos acele-
rando, uma mistura de emoções fluindo através de mim.
— Ah. — Ela faz uma pausa.
Quase.
— Ficaremos só nós cinco, e temos um quarto extra se qui-
ser vir — diz, como se eu não tivesse estado lá. Isso me mata, mas
não tanto quanto o toque de incerteza em seu tom.
Nos olhos dela.
No jeito que ela fica.
Quero acabar com tudo isso, dizer a ela que nunca terá
que pensar onde quero estar, porque a resposta é, e sempre será,
onde quer que ela esteja.
Bem ao lado dela.
Mas não posso dizer.
Então mantenho como está. Guardo isso para nós.
— Você sabe a resposta para isso.
— Sei? — Ela ri, mas não tem ideia do porquê, e pela pri-
meira vez, isso traz um sorriso ao meu rosto porque enquanto ela
não se lembra, sua cabeça faz a conexão no subconsciente. — Tal-
vez eu queira ouvir?
Com isso, um pequeno sorriso se forma.
Claro que sim, baby.
— Sim, Julieta — digo. — Eu adoraria ir.
Seus lábios se contraem em um sorriso, e ela dá um breve
aceno de cabeça.
— Então parece que a casa vai ficar cheia.
Demora um segundo, mas ela passa por mim, deslizando
no banco da frente, onde Mason tem alguns travesseiros esperando
por ela.
Ele para ao meu lado.
— Que tipo de garota convidaria “um cara da praia com
quem se sentou e conversou por um minuto” para dormir no final do
corredor onde ela está, por duas semanas?
Meus pulmões se enchem e eu me viro para ele.
— Do tipo que se lembra de um tópico da sua orientação
de caloura.
Suas sobrancelhas se franzem.
— Mas… isso foi depois que ela foi passar o verão. Sema-
nas depois.
Um pequeno sorriso estica os meus lábios, e eu aceno.
— Eu sei.
Com isso, sigo em direção à minha caminhonete, deixando
Mason explicar por que não preciso correr para casa pra pegar algu-
mas coisas antes de fazermos a curta viagem.
Eu já tinha tudo arrumado.
Dois dias se transformam em quatro, e quatro se transfor-
mam em uma semana e, ainda assim, a memória de Ari não voltou.
São vinte e dois dias no total e, a cada hora que passa, meus dias
ficam um pouco mais sombrios.
A memória subconsciente sobre a orientação é o último e
único comentário que captei que contém qualquer tipo de prova de
que as memórias dela ainda estão lá em algum lugar. Pelo que sei,
é a única vez que ela se referiu a antes, não que ela tenha percebi-
do. Mais uma vez, tanto quanto eu sei.
Uma garrafa de cerveja gelada surge na minha frente, e eu
olho para cima e vejo o sr. Johnson.
Sem querer ser rude, pretendo aceitar, mas hesito um pou-
co demais, e ele solta uma risada baixa.
— Sim, conheço esse rosto. — Ele se abaixa na cadeira ao
meu lado, toma um gole lento e coloca a segunda garrafa entre as
pernas. — Essa é a cara de um homem que já trata o cara da adega
pelo primeiro nome.
Minha boca se curva um pouco e olho para o deque de ma-
deira sob meus pés.
— O nome dele era Darrel, e ele tem um fraco por refrige-
rante de cereja.
O sr. Johnson dá um pequeno sorriso, mas que não cintila
em seus olhos. Suas feições suavizam e ele concorda.
— Você acha que pode ser franco comigo? — pergunta.
— Não tenho motivos para não ser, senhor.
Ele acena para mim.
— Eu gosto dessa resposta, mas nada de senhor. Não, sr.
Johnson. Apenas Evan. — Ele abaixa o queixo e eu concordo.
— Não vou mentir para você, Evan. — Eu o encaro. —
Posso optar por não responder com base na pergunta, mas somen-
te por boa intenção. Nada mais.
— Que tipo de pergunta você escolheria não responder?
Abro a boca, mas ele ri.
— Eu só quero saber como você está, filho, como você es-
tá de verdade.
— Não tenho muita certeza — respondo, sincero. — Consi-
derando tudo, estou bem, mas tem um monte de coisa a se conside-
rar e, hmm…
— E você é a porra do caos?
Meus olhos se voltam para ele, e ele sorri, arrancando uma
risada minha.
— Sim, senhor. — Ele ergue uma sobrancelha e eu ergo as
palmas das mãos. — Desculpa, maldição de atleta. Se não fosse
um professor meu, era senhor ou treinador. Não é fácil de mudar is-
so.
— É um bom problema de se ter — concorda. — Dessa
coisa toda de atleta.
Desvio o olhar.
— Isso pode levar a uma daquelas perguntas do tipo “esco-
lha não responder”.
— Porque não quer que eu diga para você não se afastar
dos seus sonhos.
— Se foi isso que me disse agora, senhor, agradeço por
entender por que estou aqui e não em outro lugar.
Sua mandíbula cerra, e ele desvia o olhar com um aceno
lento, tentando disfarçar a umidade em seus olhos.
— Evan, filho. Senhor, não. — Ele toma um longo gole de
sua cerveja e, quando olha para mim, acena com a cabeça de novo.
— Como você está? Sério, Noah. Eu sei que sua mãe ainda está se
recuperando, você tem o último semestre chegando e o futebol está
em aberto. E com tudo que está acontecendo com Ari, me preocupo
por você. É muito para qualquer um lidar, mas no que diz respeito à
minha filha, imagino que sua posição seja a pior para se estar.
— Não me sinto preso, senhor, quer dizer, Evan. Um pouco
impotente, um pouco sobrecarregado, sim, mas preso, não.
— Eu sei que é difícil, e não sei se concordo necessaria-
mente com a escolha dela de manter todas as nossas bocas fecha-
das assim, mas agradeço por concordar com o que ela pediu. — Bu-
fa, balançando a cabeça. — Tenho certeza de que trancaria minha
esposa em um quarto comigo e aprofundaria cada detalhe naquela
primeira noite.
Minha risada é baixa.
— Sim.
Adoraria nada mais do que fazer isso. Está em minha ca-
beça o tempo todo, como eu começaria e o que eu diria, exatamen-
te. Já tive a conversa imaginária com ela uma centena de vezes,
mas no final de cada uma, lágrimas transbordam de seus olhos,
confusão nadando dentro deles enquanto olha para o homem dizen-
do que o ama ao mesmo tempo em que internamente jura que ama
outro.
Não vou machucá-la só para me ajudar.
Olho para o sr. Johnson.
— Controlar a boca nunca foi muito difícil para mim. É só
mais outra coisa que vem ao ser atleta.
— Um atleta em plena forma para os treinos, de qualquer
maneira.
Concordo.
Como um atleta, em boa forma e que pode ser treinado,
como ele apontou, nem sempre gosta do que vê, ouve ou é solicita-
do a fazer, mas faz mesmo assim por vários motivos.
— Isso é muito diferente, Noah — diz meu pensamento
exato em voz alta.
— É, sim, mas não é a parte de “segurar a boca” que é di-
fícil para mim.
A compreensão aparece em sua feição e ele suspira.
— Não, filho, imagino que não.
Ambos os nossos olhares se voltam para frente, para o
mar, para a faixa de areia, onde Ari está parada, o cabelo balançan-
do na frente de seu rosto, um largo sorriso espalhado em seus lá-
bios quando ri… de algo que Chase disse.
A tensão aumenta em meu esterno, e me obrigo a encarar
o chão.
Sentar, desta vez, significa observar em primeira mão co-
mo meu futuro fica mais confuso a cada dia, mas o que ela quer é o
que eu quero para ela, então, na verdade, não há nenhuma decisão
a ser tomada de minha parte.
Estou aqui até que ela esteja pronta para mim.
Ou até que eu seja forçado a deixá-la.
— Você ama minha garotinha — fala o sr. Johnson, baixo,
virando-se para mim.
— Não sou o único. — Meus lábios se fecham em uma li-
nha tensa, meus olhos levantando para a areia mais uma vez. —
Estou começando a me perguntar se algum dia terei a chance de
contar a ela.
Sua mão toca meu ombro, dando um pequeno aperto.
— Se começar a parecer que não vai, pode muito bem ir
atrás e falar de qualquer maneira. — Seu queixo abaixa e consigo
acenar.
Sem pressa, ele se levanta.
— É uma honra tê-lo aqui, filho.
— Obrigado, senhor.
Ele me encara, e uma risada baixa me escapa.
Mason sai da casa então, olhando entre nós dois, mas seu
olhar é rapidamente direcionado para Chase e Ari. Ele fecha a cara
na hora.
Sr. Johnson ri, dá um tapa em seu ombro e dá a volta para
entrar.
— Estou indo pegar minha esposa para almoçar. Até mais,
rapazes.
Ele sai, e os dois na praia voltam por esse caminho, paran-
do não muito longe de nós agora.
Chase diz algo, e a mão coberta pelo suéter de Ari cobre a
sua risada, mas ainda ecoa em meus ouvidos.
Meus lábios se contorcem, meu corpo confuso pela felici-
dade que sua risada traz e a devastação sangra em mim por não ter
sido eu quem a recebeu.
— Porra. — Mason suspira, e olhamos um para o outro. —
O que está fazendo, cara?
— Querendo saber como mostrar a uma garota que dese-
jou um homem a vida toda que ela não o quer mais.
Mason estremece, seu olhar se aguçando cada vez mais
conforme encara os dois.
— Que se foda.
Ele avança e eu me levanto, agarrando-o pelo pulso para
impedi-lo de continuar.
Seus olhos se estreitam em mim.
— Noah.
— Preciso que me prometa uma coisa.
Suas sobrancelhas franzem.
— Não.
— Mason, qual é. Por favor.
Irritado, ele para e me olha.
— O quê?
— Quando ele disser que mudou de ideia, não interfira.
— Que porra é essa? — rebate. — Você está falando sé-
rio?
— Sim, e sei que você não quer fazer ela sofrer. Ter um
ataque de fúria fará exatamente isso.
— Não se trata de manter minha irmã longe do meu amigo.
Pode ter sido antes, mas agora é diferente. Trata-se de ela recupe-
rar a vida que perdeu. Você precisa entender isso.
— Confie em mim, eu entendo, mas estou tentando fazer o
que é certo aqui. É o que ela quer.
— O que ela quer é você.
— Mason.
— Ela te ama, mano! Isso é que é o certo, fim da porra da
história!
— Fale baixo — advirto, mas é tarde demais.
Ari ouve os gritos de seu gêmeo e, com certeza, seus olhos
são atraídos para cá.
Com passos vacilantes, ela coloca o cabelo atrás da orelha
ao puxar o canto do lábio inferior entre os dentes. Seu peito sobe
com uma respiração profunda e ela não desvia o olhar.
Ela não se move.
Mas os olhos dela não estão em Mason. Estão em mim.
— Olhe para ela, Noah. — O sussurro de Mason é deses-
perado. — Só… merda, olhe para ela. Está escrito nela, e nem sabe
disso. Ela é sua, cara. Não a deixe perder o que sempre quis e final-
mente encontrou.
Um nó se forma na garganta e eu o engulo. Mas nem isso
esconde a turbulência em meu tom.
— Em sua cabeça, agora, ela o ama. Ela o quer. Preciso
que a deixe descobrir por conta própria.
Frustrado, ele passa a mão no rosto.
— Me diga o porquê.
— Porque ela está perdida, você mesmo disse. Ela só tem
o que sabe, e o que ela sabe é… — Engulo. — O que ela sabe é co-
mo ele a faz sentir.
Ficamos em silêncio um pouco antes de eu acrescentar:
— Ele é a única coisa que faz sentido para ela agora.
— Você sabe que isso é fodido, né? Que poderia sair pela
culatra? Se ele a ama mesmo e ela der a eles a chance que não ti-
veram porque eu sou um cretino, isso pode significar que você a
perderá. — Ele se vira e me encara. — Está preparado para isso?
Porque pode acontecer, porra.
As artérias ao redor do meu coração se apertam e fica um
pouco mais difícil respirar.
Ari sorri então, acena, e tudo dói. Queima.
Pigarreando de leve, eu me viro, encarando Mason.
— Não estou pedindo para você empurrá-la para ele. Só
estou pedindo que permita a ela a chance que você tirou, caso ela
decida o que quer.
Mason balança a cabeça.
— Este não é um cara qualquer. Tem passado, laços famili-
ares. Amizade que dura há anos. — Ele me olha. — Chase é um
bom homem, Noah.
— Se não fosse, eu não estaria aqui.
Ele suspira, longo e alto.
— Tá bom. Mas para deixar claro, esta é uma péssima
ideia, e você pode aprender isso da maneira mais difícil. — Com is-
so, ele desce os degraus, cortando à direita e desaparecendo na
praia.
Ari e Chase observam ele desaparecer, e quando a aten-
ção dela se volta para mim, eu me sento outra vez.
Pressiono os dedos nos olhos, torcendo para estar fazendo
a coisa certa e desejando que haja uma maneira de descobrir, mas
como posso encontrar a resposta quando eu nem sei a maldita per-
gunta?
A vida nunca foi simples para mim, mas isso está em outro
nível e não estou lidando muito bem.
Eu quero minha garota de volta.
Quero o futuro que ousei sonhar.
Eu quero ela.
— Obrigado por vir conversar com Kalani — diz Nate, o pri-
mo de Ari, quando me acompanha para fora. — Imagino que a últi-
ma coisa em sua cabeça agora seja futebol, então significa muito
que a tenha entretido.
— Não quero que pense que não estou interessado em jo-
gar pelos Tomahawks. — Eu me viro para encará-lo. — Estou. Eu fi-
caria honrado em fazer parte de qualquer time, ainda mais um que
quer que eu volte para minha posição original, mas eu só…
— Não consegue pensar além do momento presente?
Concordo.
— Ei, conheço a sensação, cara. Confie em mim. Meu
mundo se despedaçou por um minuto, também, antes de chegar-
mos aonde estamos agora. Não como o seu, mas…
— Não, não diga isso. Sofrimento é sofrimento, certo?
— Essa merda dói de qualquer jeito — concorda, esten-
dendo a mão, então eu bato minha palma na dele. — Você vem ao
churrasco no domingo?
— Estarei aqui — cumprimento o homem e volto para a ca-
sa de praia de Ari.
No caminho, Trey me liga, fazendo desta sua quarta tentati-
va de falar comigo desde que Ari acordou do coma, mas não consi-
go atender, assim como não consegui responder às mensagens de
Paige ou de meus treinadores.
Não sei o que dizer a eles, ou a qualquer outra pessoa.
Imagino que tenham ouvido alguma coisa, mas não tenho certeza e
não estou pronto para ter essa conversa com ninguém.
Falar do que aconteceu só vai tornar tudo mais real do que
já é, e não estou bem.
Não demoro muito a chegar ao deque da casa de praia.
Brady e Cameron estão sentados no sofá, jogando em seus telefo-
nes. Quando chego ao topo, Cameron olha para cima, com um sorri-
so nos lábios.
— O quê? — Meus passos são lentos.
— Martha Stewart chegou, oficialmente. — Ela ergue as
pernas, pegando uma batata frita da tigela no colo de Brady. — En-
tre aí, Snoop Dogg.
— Não estou entendendo…
Ela olha de volta para sua tela.
— Você irá.
Com um pequeno sorriso, balanço a cabeça e entro.
Coloco um único pé na porta e, instantaneamente, meus
sentidos são agredidos, o aroma que eu poderia reconhecer em
qualquer lugar, e meus pés param, meus olhos disparando ao redor
do lugar.
O sr. Johnson está sentado à mesa lendo uma revista de
esportes, e Mason se inclina na ilha da cozinha.
E atrás dele, de frente para o fogão, está… Ari.
Ela está mexendo algo em uma panela, e se minha memó-
ria não está me pregando peças, eu sei bem o que ela está tomando
cuidado extra para provar.
A receita que mostrei para ela. Que fiz com ela.
A receita da minha mãe.
Minha garganta fica obstruída e, devagar, eu me aproximo,
juntando-me a Mason no balcão.
— Mãe, você achou?! — grita Ari, mergulhando o dedo na
colher para provar o molho quente.
— Não, querida, aqui atrás não tem. — A sra. Johnson dá
a volta pela cozinha, seu rosto se iluminando quando me vê. — No-
ah, você voltou. Como foi com a Lolli?
— Tão louco quanto o esperado, tenho certeza. — Mason
aperta meu cotovelo, e solto uma risada baixa.
— Ela é gentil. Foi uma boa conversa.
Ari olha por cima do ombro então, e meu peito infla.
— O que, uh, o que estava procurando? — pergunto, tiro a
jaqueta e a coloco sobre a cadeira. Arregaço as mangas, contornan-
do a lateral da ilha, cautelosamente.
Faço uma pausa ao lado dela e um sorriso nervoso surge
em seus lábios.
— A mamãe estava procurando algumas pimentas — expli-
ca Mason.
Aceno, tentando manter a respiração estável porque acho
que sei onde isso vai dar.
— Tem alguns jalapeños na geladeira.
— Acha que ficaria bom? — pergunta Ari, olhando rápido
para mim.
— Talvez, mas de que tipo estava procurando?
— Pimenta em pó.
Eu não digo nada de propósito, e ela olha para mim.
— Aquelas usadas nas pizzas, sabe?
Eu luto contra um sorriso, minha pulsação acelerando.
— Sei, sim. Pimentas de pizza.
A mão de Ari para no meio do movimento, a cabeça viran-
do na minha direção. Um pequeno franzir surge em sua testa, mas
um pequeno sorriso desliza no segundo seguinte.
— Espere! — Ela vai até a gaveta lateral e vasculha, tiran-
do alguns pacotes de pimentas da pizza do Benito. Ela segura a em-
balagem, triunfante. — Sabia que isso seria útil.
Ela volta, rasga cada pacotinho e os despeja na panela.
Inclino o cotovelo no balcão, de frente para ela.
— Deve dar uma bela apimentada, hein?
Seu sorriso é largo.
— Exato.
Seus olhos param nos meus e um nó se forma na minha
garganta.
Nossa, ela é tão bonita.
— Ah, merda! — Brady entra com um grito, e porra, isso
quebra o feitiço. — Temos extintores de incêndio, né?
— E seguro residencial? — acrescenta Cameron.
— Ha-ha. — Ari balança a cabeça. — Eles juram que sou
inútil, Noah.
Deslizo um pouco mais perto, seu cotovelo roçando meu
peito quando ela se mexe, e o seu peito sobe com uma inspiração
profunda.
Seus olhos se voltam para os meus, seus cílios longos e
escuros sobem e descem pelas maçãs do rosto.
— Parece que está indo bem. — Meu tom está um pouco
mais rouco do que eu gostaria, mas não me importo.
Ela pisca, um lampejo de algo piscando em seu rosto, e en-
tão ergue o queixo, aquela doce timidez que eu amo aparecendo.
Sinto sua falta.
Ela franze a testa, mas rapidamente a desfaz, sacudindo a
cabeça por cima do ombro.
— Sim, estou indo muito bem. Talvez eu não seja tão ruim,
afinal. — Ela faz uma pausa. — Mãe.
— Oi. — A senhora Johnson se encosta no marido, levan-
do uma caneca de café aos lábios para esconder um sorriso. — Eu
não disse isso.
Todos riem, e antes que eu desvie o olhar, o sr. Johnson
chama minha atenção.
Ele pisca e volta para sua leitura.
Meus olhos não saem dela depois disso.
Ela está trabalhando com uma memória, uma que eu dei a
ela, e ela nem sabe disso.
NOAH
Ontem de dia foi difícil. E de noite foi pior.
Essa parece ser a tendência do fundo do poço.
Acordo ansioso e vou dormir fraco e pesado. Fico esperan-
do o momento em que as coisas vão melhorar, mas não melhoram.
Cada dia traz uma nova montanha para escalar, e ela só fica mais
alta, mais íngreme. É como se eu estivesse no fundo do abismo
com um arnês quebrado e sem corda.
Só que parece ter um invisível em volta do peito, e ele
aperta cada vez que olho para cima e vejo seu rosto sorridente,
apontado para um homem que não sou eu.
Minha mãe vai perceber que as coisas estão piorando as-
sim que me vir, então dou uma rápida passada no banheiro, jogo um
pouco de água no rosto e faço uma pausa para mascarar o homem
acabado no espelho.
É preciso um pouco menos de esforço quando a alcanço,
encontrando sua cama elevada na posição mais alta e um sorriso
em seu rosto.
— Oi, mãe. — Eu me aproximo, meu sorriso parecendo um
pouco estranho. Percebo a cadeira de rodas ao lado da cama, e en-
tão Cathy passa por mim.
— Oi, Noah. — Ela me dá um pequeno sorriso, encontran-
do meus olhos antes de se concentrar em minha mãe. — Esta jo-
vem aqui esteve olhando o relógio à sua espera hoje.
Minha mãe dá um tapa de brincadeira nela, e então faz al-
go que eu ainda não a vi realizar, manobra os quadris em um ângulo
de noventa graus sozinha.
Seus olhos se voltam para os meus, e eu solto uma risada
baixa.
— Uau, olha só. O que é isso? — Eu me aproximo rapida-
mente, incapaz de controlar o sorriso no rosto quando ela estende a
mão para mim.
Segurando sua mão direita na minha, eu a guio, pronto pa-
ra apoiar seu lado esquerdo, caso ela precise de mim, mas ela se vi-
ra, sentando direto na cadeira. Dobrando os joelhos, olho para ela, e
quase sucumbo à emoção, mas não quero estragar o momento, en-
tão engulo.
— Alguém anda arrasando na terapia, né?
Minha mãe ri baixinho.
— Estou me sentindo ótima, filho.
— É assim que gosto de ouvir. — Eu me levanto, inclinan-
do-me para abraçá-la. — Então, para onde vamos?
— Cathy disse que tem bolinhos no refeitório ao lado. Pen-
sei em experimentá-lo, ver se é parecido com o meu.
Dou risada, meu joelho quicando.
— Duvido.
— Bem, teremos que ver. Além disso, o café aqui tem gos-
to de pó velho, então eu gostaria de provar algo mais forte.
— Sabe que eu teria trazido para a senhora se tivesse me
pedido.
Ela acena, dando tapinhas na roda, portanto deslizo atrás
dela, segurando as manoplas.
— Eu queria ir com você. Ouvi dizer que as decorações
ainda estão lá.
Sorrindo, aceno para Cathy e lá vamos nós.
Duas fatias de bolo de chocolate e uma xícara de café
abandonada depois, minha mãe suspira, seus olhos no quebra-no-
zes gigante do lado de fora das longas janelas. Ela passa da guir-
landa iluminada até o boneco de neve segurando um livro de Natal.
— Lembra-se do ano em que passamos o Natal nas mon-
tanhas? — Ela olha para mim. — Você disse que não queria ne-
nhum presente, mas uma noite na neve, então reservamos aquela
pequena cabana por uma noite?
— E depois ficamos presos na neve e passamos mais uma
noite de graça.
Minha mãe ri, uma calmaria a domina.
— Sim, tivemos sorte, não foi?
Ela se volta para a mesa, pegando o glacê deixado em seu
prato, seus olhos percorrendo o lugar com tanta alegria que minha
garganta se fecha.
Esperei tanto tempo por isso, em vê-la feliz por voltar a es-
tar no mundo, mas seu corpo estava muito fraco. Ela tentava, mas
sentar-se sozinha na cadeira exigia tanta energia que acabaria can-
sada demais para qualquer coisa que não fosse uma curta caminha-
da pela clínica de reabilitação.
A parte mais difícil para mim foi não saber como ela se
sentia quando estava sozinha, mas imagino que a culpa injusta que
ela sentia, no começo, se infiltra às vezes, e segue uma onda de de-
samparo, mas ela ainda tem tanta vida nela; vejo isso quando a visi-
to. Toda vez que entro no quarto, ela é a mãe que sempre conheci,
gentil, amorosa e altruísta.
Hoje ajuda a provar isso.
Ela está ficando mais forte, há luz em seus olhos e seus
movimentos ainda não ficaram pesados, embora já estejamos sen-
tados aqui há mais de uma hora.
Eu precisava disso.
Meu mundo está tão fodido, mas agora, vendo minha mãe
se virar para a mulher na mesa ao lado, conversando sobre flores e
como o vermelho é a cor clássica que todos deveriam usar, tudo pa-
rece bem. Pela primeira vez em muito tempo, eu me sinto capaz de
respirar.
Um pouco mais tarde, chega a hora de levar minha mãe de
volta.
Dentro de seu quarto, ela aponta para que eu me sente,
então me jogo na cadeira em frente a ela.
— Tive um sonho ontem à noite — sussurra, baixinho. —
Era véspera de Natal e você estava sentado perto de uma árvore
com uma caixinha na mão. Você abriu e isso… — Ela enfia a mão
no pequeno bolso sobre o peito. — Estava lá dentro.
Fico confuso quando minha mãe coloca uma aliança de ca-
samento na palma da minha mão.
— Você se lembra desse anel? — pergunta.
Nego com a cabeça e o observo, vendo os pequenos dia-
mantes pela lateral.
— Você o encontrou quando tinha seis ou sete anos. Viu o
vizinho usando o detector de metais dele, e ele te emprestou, assim
nós o levamos até o píer. Passamos horas andando e não encontra-
mos nada. Nem sequer uma tampa de garrafa. Você estava prestes
a desistir, quase chorando, quando de repente, ele apitou.
Uma vaga memória me ocorre quando coloco o anel na
palma da mão e olho para ela.
— Este é o anel que desenterrou. Depois o embrulhou e
me deu no Natal daquele ano.
— Eu me lembro — murmuro, um sorriso esticando meus
lábios. — Você chorou.
Ela ri.
— Chorei. E então o limpei direitinho e guardei para você.
Quase me esqueci disso até ontem à noite.
— Seu sonho?
Ela acena.
— Sim, estava na caixinha, e suas mãos começaram a tre-
mer quando o tirou de lá, mas pararam quando você o deslizou no
dedo dela.
Engulo em seco, e os olhos de minha mãe abrandam. Ela
segura a minha mão, apertando.
— Mãe…
Ela estende a mão, tocando meu rosto conforme as lágri-
mas se acumulam em seus olhos.
— Estou tão orgulhosa de você, Noah Riley. Você se tor-
nou o homem que sempre esperei que fosse.
Lágrimas se acumulam em meu olhar e minha mandíbula
flexiona.
— Tive uma mulher e tanto que me mostrou o caminho cer-
to.
— Você teve, não foi?
Minha risada sai misturada com emoção, e ela sorri.
— Te amo, meu amor. Com todo meu coração. Para sem-
pre.
— Eu também te amo.
Com uma respiração profunda, ela dá um tapinha na minha
bochecha e eu a ajudo a ir para a cama.
— Hoje foi um bom dia — sussurra, um peso crescendo em
suas palavras, e eu sei que está na hora de ir.
Saio sob o ar fresco de janeiro e ignoro o momento de alí-
vio que sinto.
Pego meu telefone do bolso, rolando a longa lista de liga-
ções perdidas e clico para chamar.
Trey atende no primeiro toque.
— Olha só, que beleza, ele está vivo.
Aponto meu sorriso para o céu.
— Que tal aquela cerveja?
— Já estou a caminho, meu amigo. Vejo você em vinte mi-
nutos?
— Até daqui a pouco.
Subindo na minha caminhonete, abro as janelas e aumento
o volume da música.
Sentindo-me mais leve como há muito tempo não sentia,
sigo para o campus.
Na frente do dormitório, Chase pula do banco e dá a volta
correndo pelo capô, alcançando minha porta assim que eu a abro.
Ele me prende com um sorriso vitorioso e estende a mão
para a minha.
— Sabe. — Eu me aproximo da beirada e deslizo minha
mão na dele. — Eu pulei deste mesmo banco várias vezes.
— Ah, eu sei. — Sua mão livre sobe, pegando a minha ou-
tra, e eu pulo no chão, seus dedos segurando os meus ao me puxar
para mais perto. — Mas esta noite é um pouco diferente.
— É, de que jeito? — pergunto, entrando no jogo dele.
— Você esteve aqui como minha amiga todas essas vezes.
Algo faísca dentro de mim.
— E hoje à noite?
— Esta noite, você está aqui como meu encontro — sus-
surra, e minhas panturrilhas se contraem. — E eu gostaria de dar
um beijo de boa-noite na minha garota antes de entrarmos, caso
não tenha chance depois.
Dou uma risada baixinha, prestes a responder, mas algo
sobre seu ombro chama minha atenção, e eu me afasto de lado de-
vagar.
Mason, Brady e Cameron saíram de casa, e a inquietação
toma conta de mim.
Meus olhos os percorrem mais uma vez, e percebo quem
está faltando. A mesma pessoa que procurei, mas não o vi desde
uns quatros dias antes do baile, embora tenham dito que ele voltou
naquela noite, mas saiu antes do amanhecer.
Noah.
A tensão envolve meus ombros.
Cameron retorce as mãos diante dela. Abre a boca, mas a
palma da mão sobe para cobri-la e balança a cabeça. Ela olha para
o chão, afastando-se para o lado, e meus olhos se voltam para a
porta da frente.
Olhos meigos encontram os meus.
— Oi, Ari.
— Paige. — Franzo a testa, meu estômago embrulha. —
Onde está o Noah?
Seus olhos se arregalam e ela gagueja ao falar:
— Hmm, ele… ele está… — Ela para, diminuindo a distân-
cia entre nós, e segura as minhas mãos. Seus olhos começam a la-
crimejar, e meus dentes cerram.
— Paige… — Meu sangue gela. — Ele está bem?
Seus lábios tremem e ela nega com a cabeça, as lágrimas
caindo de seus olhos.
Algo em mim se quebra, e meu rosto esquenta quando sol-
to um soluço. De repente, sinto dificuldade de respirar e minha visão
fica turva. Não percebo que estou tremendo até as mãos do meu ir-
mão se fecharem em volta dos meus antebraços por trás, me fir-
mando. Eu me viro para ele, e ele sussurra em meu ouvido, mas su-
as palavras são abafadas.
Mãos macias encontram as minhas e eu olho para cima.
Um sorriso desolado curva os lábios de Paige enquanto
acena.
— Posso contar o que aconteceu?
NOAH
Minha cabeça não para, mas é estranho porque é como se
meus pensamentos estivessem vazios, como se não processasse
nada, mas aqui estou eu. Estou morto em pé, sem fôlego por causa
de uma corrida da qual não consigo me lembrar.
Hoje está um pouco pesado, e parece que o ritmo agora é
esse.
A segunda-feira me testa, e a terça-feira é pior, mas aí che-
ga a quarta-feira e manda os dias anteriores à merda. Quinta-feira
causa estragos, e então, a sexta-feira me fode de lado, levando-me
para o fim de semana do tipo “deixa comigo, segure minha cerveja”.
É uma longa corda sem fim, sem sino para tocar, dilacerando meus
membros a cada tentativa de puxar.
Não tenho energia, nem impulso.
Você não tem nada, Noah.
Meu queixo recosta no peito.
— Posso adivinhar a resposta, mas só para perguntar, quer
conversar? — fala Paige, sua voz hesitante, mas carinhosa.
Nego com a cabeça e me forço a olhar para ela.
Ela se senta em uma cadeira, seu corpo virado para ficar
de frente para mim, uma xícara de chá quente na mão. Paige sorri,
descansando a cabeça no encosto e me observa.
Seu nariz fica um pouco vermelho e ela puxa a boca de la-
do, tentando lutar contra as lágrimas que a consomem.
Quero desviar o olhar, não quero pena e odeio que o modo
como me sinto esteja afetando as pessoas ao meu redor. Não quero
ninguém triste por minha causa.
Não quero que ninguém sinta o que estou sentindo.
Completo e totalmente indefeso.
— Paige. — Estendo a mão, colocando a palma da mão
em seu joelho, e ela funga com um aceno.
Seus olhos passam por mim, e seu peito sobe quando seu
olhar se volta para o meu.
— Ela se lembrou de alguma coisa?
Minhas sobrancelhas arqueiam e volto a olhar para frente.
— Não exatamente. — Penso em como ela mencionou a
orientação e seu conforto na cozinha. — Nada que tenha percebido,
ou que desencadeou qualquer outra coisa, pelo menos não que te-
nha dito.
— Ela me chamou pelo nome.
Minha cabeça se vira para ela, e Paige acena.
— Não tive a chance de dizer a ela quem eu era. Ela me
viu e me chamou pelo nome.
Meu estômago revira.
— O que ela disse?
— Ela perguntou por você.
A esperança me atravessa o peito, mas me sufoca ao mes-
mo tempo.
Não é tão simples mais.
Agora, se Ari se lembrasse, não tem garantia.
Chase está na jogada e tudo o que ela precisa fazer é acei-
tá-lo.
Algo me diz que ela está perto disso.
Está em seus olhos, um brilho que era reservado para mim
quando o universo decidiu roubá-lo.
É mínimo, mas está lá, se desenvolvendo mais a cada dia
que passa.
Sabia quando a conheci que ela não estava livre para ser
minha, como eu sabia que quando me apaixonasse com tudo, me
recuperar seria difícil, se é que seria possível, mas saber como as
coisas poderiam terminar não era suficiente para eu desistir.
O caminho de três vias é um que eu percorreria dez vezes,
não importa aonde leve, porque amar Arianna Johnson vale o risco.
Ser amado por ela não tem preço.
O tempo valeu o tormento.
Ainda mais quando fui obrigado a enfrentar o que tentei ne-
gar, uma possibilidade de que não havia pensado antes.
Apaixonar-se por mim não significava que ela deixou de
amar ele.
Significava que ela nos amava.
Eu quero que ela me ame mais.
Girando no bolso o anel que minha mãe me deu, fecho os
olhos, imaginando o sorriso no rosto de minha mãe no outro dia.
Nem sequer me liguei na hora, mas devia ter percebido.
Aquele era seu último dia ensolarado.
A última vez que sua alma brilharia neste mundo cruel an-
tes que a tirasse dele. De mim.
As pessoas dizem que esse dia chega quando você aceita
o fim de sua vida; é aquela última explosão de energia e gargalhada
final com aqueles que ama, protegidos por uma falsa esperança.
Minha mãe amava apenas duas pessoas quando morreu,
uma era eu e a outra era a garota que não se lembra dela.
Como ela poderia aceitar o fim quando não sabia aonde ele
ia dar?
Eu me sinto envergonhado ao pensar isso, e faço uma ora-
ção silenciosa, agradecendo a quem ouvir pelo sonho que ela teve
antes que chegasse a hora de ela partir.
Ela me viu feliz, e isso era tudo que sempre quis deste
mundo.
A felicidade de seu filho.
Farei o que puder para dar isso a senhora, mamãe. Vou
encontrar essa alegria.
Em algum lugar.
A mão de Paige toca meu ombro e, às cegas, a alcanço,
aceitando o calor que ela oferece, pois, por dentro, um gelo está to-
mando conta, e não sei como pará-lo.
Uma segunda mão toca meu joelho, e olho para cima ven-
do os olhos gentis da sra. Johnson.
— Estão todos lá fora agora — sussurra, estendendo a
mão para tocar meu rosto, igual minha mãe fazia, e algo se acalma
dentro de mim.
Eu aceno, e ela se endireita. Observo ela caminhar até Ari
e se sentar na cadeira atrás dela. Ari, que está olhando para mim,
não desvia o olhar quando me levanto.
Pigarreando, chamo a atenção de todos e a conversa ao
nosso redor para.
— Eu… hmm… — Limpo a garganta de novo, incapaz de
me orientar, sem saber o que quero dizer e desejando não ter pedi-
do à sra. Johnson para me avisar quando seria um bom momento
para falar, mas assim que olho para cima, direto para o par de olhos
castanhos mais suaves e perfeitos, as palavras ficam claras. —
Acordei de madrugada hoje. O sol ainda não tinha nascido, e não
dava para enxergar além da mão. A névoa era tão espessa. Eu sa-
bia que estava prestes a passar por um pesadelo e não tinha certe-
za de como ia fazer para chegar ao anoitecer, mas então você apa-
receu — digo, olhando nos olhos de Ari, vendo os dela ficarem bri-
lhantes antes de eu encarar a todos. — Sabe, minha mãe era uma
mulher altruísta, a pessoa mais altruísta que já conheci, na verdade.
Durante toda a minha vida, eu a testemunhei fazendo de tudo para
ajudar e agradar aos outros, cuidando pouco ou nada de si mesma.
Demorei muito tempo para perceber que era assim que ela gostava.
— Se ela não estava fazendo algo para melhorar a minha
vida ou a de outra pessoa, então não estava fazendo nada. Ela era
gentil e generosa assim. — Endireito os ombros, olhando ao redor
das pessoas. — Pensei em comparecer diante do pastor hoje, ape-
nas minha mãe e eu, e pensei que era tudo de que precisava, mas
me enganei. Ela merecia mais do que isso.
— Ela… — Hesito, olhando para Ari mais uma vez. — Ela
me disse uma vez que tudo o que sempre quis foi ser a mãe de um
filho que se orgulhasse dela, e ela conseguiu isso. — Uma expres-
são curiosa e pensativa surge na testa de Ari, e desvio o olhar. —
Ela mereceu ser homenageada pelas pessoas que respeitaram a
missão de sua vida, e essa missão foi me criar, então significa muito
ter todos vocês aqui porque sei que valorizam nossa amizade. Ao
fazer isso, vocês realizaram o único sonho da minha mãe. Hoje foi
suportável porque todos vocês estiveram comigo.
Ari aperta o peito.
Porque você estava comigo.
— Se minha mãe estivesse aqui, agradeceria a vocês por
terem vindo, mas não por ela, nem mesmo no dia que era para ser
lembrado dela. Ela agradeceria por mim, então quero fazer o que
ela nunca faria, e quero pedir que pensem nela por um momento.
Não em mim.
As pessoas fazem um minuto de silêncio, e então o sr.
Johnson se aproxima, me segurando em um abraço.
Alguns outros caminham até mim para prestar suas home-
nagens antes de saírem, e quando consigo me libertar, eu saio.
Não é minha intenção, mas não posso deixar de pensar se
ela virá atrás de mim na praia como fez com ele.
Passados vinte minutos, aceito a resposta.
E como dói, porra.
O mar é muito parecido com a vida, em constante mudança
e imprevisível. Sempre achei que a beleza por trás dele era isso,
mas ultimamente me pergunto se é verdade.
Onde está a beleza da possibilidade de um furacão com o
poder de destruir tudo em seu caminho, tanto as memórias do pas-
sado quanto as previsões do futuro? Não é por isso que voltamos a
lugares que amamos? Pela paz que oferece e pelas lembranças que
nos trazem?
O que acontece quando essas memórias são apagadas e
não há o que se recordar?
Como se deve seguir em frente sabendo disso?
A brisa aumenta e cruzo os braços, mas algo atrai meus
olhos para a esquerda. A uns nove metros de distância vejo Noah, e
ele está vindo até mim. Meus pés estão se movendo antes mesmo
que eu perceba, e o encontro na metade do caminho.
Um pequeno sorriso se forma em seus lábios, e ele me
passa um dos cafés que estava segurando.
Aceito ansiosa, e uso o calor do copo descartável para
aquecer as mãos.
— Como sabia que eu estaria aqui? — brinco, fingindo que
o motivo de ele estar aqui sou eu.
— Você sempre está. — Ele não titubeia e, por um momen-
to, meus músculos se contraem.
Noah sabia onde me encontrar, tanto que fez um pequeno
desvio até a cafeteria primeiro, sabendo que eu estaria ali quando
voltasse.
Sinto um aperto profundo no peito, mas respiro através de-
le e, sem dizer nada, caminhamos em direção à fogueira, sentando
juntos em volta dela.
Ergo o copo, inalando o aroma forte.
— Não se preocupe. — Noah arruma a sua tampa. — Não
é de caramelo.
Minha cabeça vira em sua direção, e a suavidade de seu
olhar me faz sussurrar:
— É do quê?
— Hortelã.
Meu favorito. Noah conhece o meu favorito.
Ele sabia que eu estaria aqui, perto da água.
A confusão me domina, e acho que Noah percebe. Ele res-
ponde rompendo o contato visual e ergue o copo aos lábios, deixan-
do-me curiosa.
— O seu é de quê?
— Batizado.
Solto uma risada alegre, e seus lábios se curvam de lado.
— Bem… — Abro a tampa do meu e estendo. — Divide aí
comigo.
Ele me estuda um momento, e com uma pitada de diversão
em seu olhar, pega uma pequena garrafa do bolso do moletom, co-
locando um pouco de Bailey’s no meu copo.
Dou uma mexida devagar, tomando um pequeno gole.
— Nada como um pouco de bebida antes da comida.
— Ainda não são nem oito horas.
— Sim, mas rimou com comida.
Noah ri.
— Estou surpreso por você não ter lançado um Allan Jack-
son e citado: “It’s Five O’Clock Somewhere”, são cinco horas em al-
gum lugar. A tradicional hora do happy hour.
Meu sorriso é instantâneo, e admito.
— Eu pensei.
Ele solta “hmm” baixinho, e algo se aquece dentro de mim
quando seus olhos encontram os meus.
— Aposto que sim.
Meu sorriso se abre com um bocejo, e os olhos azuis de
Noah se abrandam.
— Ainda não está dormindo bem? — Sua voz soa áspera
com a própria inquietação.
Eu estremeço.
— É óbvio, né?
Noah nega com a cabeça, devagar e firme, antes de sus-
surrar:
— Não. Não é.
Ele me olha fixo por um bom momento, e um calor tão es-
tranho quanto familiar me cobre. Não, não é óbvio. Ele sabe, sim-
ples assim.
Porque ele conhece você, Ari.
Eu pisco.
Você o conhece.
Eu pisco de novo.
Olhamos um para o outro, e é ele quem encara o mar pri-
meiro, e eu o acompanho.
Ficamos sentados em silêncio, aproveitando o calor que
nossas bebidas oferecem e a calma que a companhia um do outro
traz. Fiquei no limite por tanto tempo, mas esta é a primeira vez em
muito tempo que sinto que posso apenas ser, como se eu pudesse
deixar minha dor mostrar até onde vai, sem me preocupar com os
outros e com a preocupação que tentam esconder ao meu redor.
Minha família tenta fingir que está tudo normal, e sei o
quanto isso deve ser difícil.
Noah não faz isso. Ele está aqui comigo, e só.
Não sinto que preciso sorrir e apenas isso é revigorante.
Somente quando consigo ver o fundo do copo é que decido
que quero revelar algo com ele, mesmo sem ter certeza do que isso
significa ou por que preciso que ele saiba.
Mas preciso, então me viro para encará-lo.
— Procurei você ontem à noite. — Minha voz sai mais bai-
xa do que o planejado, e a cabeça de Noah se vira para mim tão
rápido que sinto um nó na garganta. Seus olhos azuis procuram os
meus, uma mistura de choque e determinação, com uma dor não di-
ta nublando a dele. — Achei que talvez tivesse saído com Paige.
Sua expressão de confusão é intensa e instantânea. Noah
balança a cabeça, lambendo os lábios como se estivesse engolindo
as palavras que deseja falar, mas aceno, pedindo por elas em silên-
cio.
— Paige é minha amiga — diz, a tensão apertando seus
traços enquanto acrescenta: — Do colégio e da Avix.
Meus batimentos aceleram um pouco e espero por mais.
— Eu sei que não percebeu, mas foi lá que a conheceu. Na
Avix. — Seus olhos se movem entre os meus. — Não antes. Não no
verão. No campus, nas semanas durante o semestre.
Meus lábios se abrem, meus ombros encolhendo.
— Eu a conheci na faculdade?
Ele faz que sim com a cabeça.
— Entre todas as coisas, por que eu me lembraria do rosto
e do nome dela? — pergunto. — Ela era importante para mim?
Ele nega.
— Não, não necessariamente.
A implicação mais profunda de suas palavras me atinge, e
uma inesperada sensação de pavor vem a seguir.
— Ela era importante para você.
Seu rosto se contorce, um milhão de pensamentos passan-
do por ele antes de falar:
— Não do jeito que pode estar pensando.
— Nem sei o que estou pensando — admito, baixinho. — É
como se eu tivesse pensamentos e preocupações, ou raiva e triste-
za, mas não sei por que ou para onde direcioná-los. Fico pensando
se cometi um erro. Que talvez eu devesse ter deixado todo mundo
preencher as lacunas, mas não queria sufocar o que eu realmente
sentia pelo que outra pessoa achasse o que eu sentia, porque será
que alguém revela mesmo todos os seus sentimentos com outra
pessoa? Quero dizer, de verdade, e sem restrição?
Noah me olha bem nos olhos e diz:
— Nós, sim.
Duas palavras, ditas com ternura e franqueza, criam uma
dor tão profunda em meus ossos que não faço ideia de onde termi-
na ou começa, não faço ideia se a dor é minha que estou sentindo…
ou dele.
Noah inclina a cabeça. Seu sorriso é tenso, mas as pala-
vras são genuínas:
— Discordo, aliás. Acho que o que está passando é corajo-
so. Qualquer um poderia ter sentado e ouvido alguém contar a histó-
ria de sua vida, mas você escolheu vivê-la. Independente da confu-
são que eu sei que sente, e da dor de que não consegue se livrar.
Você é forte, Julieta. — Ele engole. — Muito mais forte do que ima-
gina.
Ela é mais forte do que imagina…
Minha garganta se fecha, e ao olhar para Noah, minha ca-
beça faísca.
Parece um raio durante o dia, os flashes estão ali, mas
quando seus olhos os seguem, não tem nada. Nenhuma prova do
que testemunhou, nenhum sinal do que foi.
— O que está pensando? — pergunta.
— Em como sua mãe estava orgulhosa de você. — A dor
reflete em seu rosto e seu peito estufa. — Deve ter sido.
Seus olhos se abaixam depressa, e acena, virando-se para
frente e ficando em silêncio um pouco.
— Eu a vi no dia em que morreu. Ela estava… foi um dia
muito bom. Ela me deu algo que encontramos anos atrás, algo que
eu havia esquecido, e bem ali perto daquele píer foi onde o encon-
tramos. — Ele suspira. — Não me lembro bem onde, mas em algum
lugar perto de lá.
Isso traz um sorriso ao meu rosto, e eu olho para a água.
— O mar sempre oferece uma surpresa. Espero que demo-
re muito, mas também gostaria de ser cremada.
Noah se vira para mim e, pela primeira vez, sinto que aca-
bou de aprender algo a meu respeito que ainda não sabia.
— Ah, é?
Concordo.
— Assim, minhas cinzas podem ser enterradas ou espalha-
das, e será como estar no meu lugar favorito para sempre. — Olho
para ele. — Quer saber onde fica?
— Eu sei onde é.
— Ah, sabe? — Dou risada, sua resposta rápida e inespe-
rada.
Noah assente.
— Aqui. Na praia.
Fico boquiaberta.
— Como você… deixa pra lá. — Fico um pouco envergo-
nhada e desvio o olhar.
— Julieta… — diz. Meus olhos voltam para ele. Está balan-
çando a cabeça devagar. — Você não me contou. Uma vez, você
me pediu para levá-la ao meu lugar favorito. — Pedi? — Então eu
perguntei se faria o mesmo.
— Eu trouxe você aqui? — sussurro, meu estômago revi-
rando sob a palma da minha mão.
— Você concordou em me mostrar, mas eu disse que
apostava que já sabia, e você respondeu… pode apostar que eu
também. — O sorriso dele é pequeno e depois desaparece. — Nun-
ca confirmei o que achava, mas você acabou confirmando.
— Essa foi a primeira vez que você adivinhou?
— Foi, mas não parece um palpite. — Ele engole. — Pare-
ce que eu sabia.
Um arrepio percorre meu corpo e mordo a bochecha.
— Porque você me conhece.
— Sim. Conheço. Assim como você sabia o que eu preci-
sava para deixar o dia de ontem um pouco menos insuportável.
A pressão cai em meu peito, e eu me preparo para a tontu-
ra, para a névoa e o sufocamento, mas o pânico nunca ataca.
A curiosidade, sim.
Então, volto-me para Noah e pergunto:
— Onde era seu lugar favorito?
Com isso, seus olhos se acalmam, sua voz não passa de
um sussurro quando ele diz:
— Eu poderia te mostrar…
NOAH
Porra, ela é linda, perfeita.
Aqui.
Ela veio até mim com raiva, me encontrou na memória e
agora me encara com desejo.
Mas meu amor não tem ideia do que precisa quando a res-
posta, embora difícil de encontrar, é tão simples.
É uma palavra, uma coisa.
Sou eu.
A dor em sua voz me assola. E está me matando.
Como me sinto com relação a ela?
Meus dedos passam por seu rosto, a palma aberta um ins-
tante depois, e ela pisca, devagar.
Eu te amo, baby. Cada parte de você.
Eu amo o jeito que liga a vida às letras musicais, como sor-
ri para a lua e ama igual ao oceano, por todas as partes, e sem des-
culpas. Eu amo a forma que é altruísta, honesta e gentil, mesmo
que a vida não tenha sido tão gentil com você ultimamente. Eu amo
como tenta ser corajosa por sua família porque não quer que eles
sofram, mesmo quando isso acabe um pouco com você.
Eu te amo tanto que quero voltar para casa, acordar ao seu
lado e passar a vida inteira te adorando. Quero a casa de que você
falou e a família dos seus sonhos. Não quero ser apenas o homem
que você precisa, mas o que você deseja. Aquele que não conse-
gue viver sem. Eu quero te amar por toda a vida, e ainda mais de-
pois disso.
Mas acima de tudo, eu só quero a chance de te fazer mi-
nha de novo.
Porque eu sou seu. Para sempre.
Aconteça o que acontecer.
— Noah — murmura, e eu pisco de volta para o agora.
Para a garota vulnerável diante de mim, confusa pela forma
que seu coração bate quando está perto de mim, e entendendo mui-
to bem o que ela está sentindo quando está comigo.
Ela se sente segura e calma. Está em paz e surpresa com
o fato de não sentir vontade de correr, como sabe que não tem moti-
vos para isso.
Porque comigo, ela está em casa.
Estou em casa por você, baby. Por favor, lembre…
Ari respira fundo.
— Faz uma coisa pra mim?
— Qualquer coisa.
— Mostre o que sente por mim — implora ela.
Sinto um frio na barriga, mas minha cabeça se ilumina com
alegria.
Ela mordisca o lábio.
— Eu sei que estou confusa e…
— Você não está confusa.
— Nada parece real desde que acordei, mas estar aqui…
— Hesitante, sua mão desliza para cima e não para. — Não sei ex-
plicar.
Meu sangue bombeia descontrolado, cada músculo do meu
corpo se contrai.
— Eu te fiz uma promessa antes.
— Que promessa?
— Nunca negar um pedido seu, então preciso que pense
muito bem no seu próximo movimento porque não sou forte suficien-
te para ser um homem melhor aqui. Uma promessa para você é al-
go que nunca vou quebrar, mesmo que não se lembre de mim, mas
não tenho certeza se isso sou eu sendo nobre ou egoísta. — Minha
mão abaixa, meu polegar deslizando por seu lábio inferior. Ela estre-
mece e o calor se espalha por mim. — Você deveria se afastar, Juli-
eta.
— Não quero. — Lágrimas inundam seus olhos, e sua ca-
beça abaixa, então encontro sua testa com a minha. O mais deva-
gar possível, ela pressiona os lábios no canto dos meus e fica ali por
um bom tempo.
Quase não consigo respirar, e impedir minhas mãos de
afundar em seu cabelo é quase impossível, mas de alguma forma
consigo me manter imóvel.
Quando ela finalmente se afasta, é com o mais suave dos
sorrisos.
— Acha que podemos conversar um pouco?
A possibilidade envia uma faísca pelo meu peito, e os mús-
culos do meu pescoço se esticam.
— Sempre. O tempo que você quiser.
Achei que talvez ela fosse nos levar até a sala, mas ape-
nas se abaixa no chão, encostando as costas na minha cama, então
faço o mesmo, me recostando à parede em frente a ela, e espero.
ARI
Noah me encara conforme ergo as pernas e apoio o queixo
nos joelhos.
— Me diga alguma coisa — pergunto.
Uma ternura o envolve, e ele olha para baixo, reprimindo
um sorriso como se tivesse um segredo e, de repente, quero saber
tudo dele.
Com humor em seu olhar, ele encontra o meu.
— O que você quer saber?
— Tudo.
Seus olhos penetram nos meus, e eu juro que ficam vidra-
dos, mas no instante seguinte, ficam claros e encantados por mim.
Noah sorri, e algo em meu peito se agita.
Ele começa a falar, e eu ouço cada palavra sua.
Passava da meia-noite quando meu irmão finalmente deci-
diu que não era mais capaz de se segurar e ligou para Noah. En-
contrei-o no final da escada e nos amontoamos em seu Tahoe, Cha-
se e os outros já enfiados lá dentro.
Não conversamos muito no caminho de volta para a casa
de praia e, quando chegamos, todos estavam prontos para dormir.
Mais uma vez, não dormi muito, os eventos do dia não saí-
am da cabeça, os pensamentos do que poderia ter acontecido. É di-
fícil não saber se o que vejo é uma memória ou uma fantasia distor-
cida que surge da vontade desesperada de saber em que me en-
contro queimando.
Quando o sol nasce, já estou saindo do banho e indo direto
para o primeiro lugar que senti necessidade de estar.
Como suspeitava, ela se levantou e me viu pela janela da
sacada.
Com um pequeno sorriso, Payton abre a porta, o cabelo
bagunçado e os olhos cansados.
— Ari, oi. — Ela gesticula para eu entrar, retomando seu lu-
gar no balcão, onde prepara uma mamadeira para o filho. — O que
está fazendo acordada tão cedo?
— Eu… Payton.
Seus olhos levantam para os meus.
— Desculpa.
— Por quê? — Ela fica confusa.
Quando eu a encaro com um olhar compreensivo, ela sus-
pira, se aproxima e me abraça.
— Confie em mim, Ari. Eu entendo.
Assinto, apertando suas costas e soltando um longo suspi-
ro quando ela me solta.
— Alguma chance de você precisar descansar e dormir um
pouco?
Sinto o nervosismo me atacar quando seus passos param
e ela olha por cima do ombro. Mas depois se aproxima de mim.
— Precisava era de um banho ininterrupto…
Mordendo meu lábio, eu aceno, pego a mamadeira das
mãos de Payton e vou até o berço.
Aproximo-me dele, virando-me para ela antes que saia.
— Payton.
Ela para.
— Obrigada.
Com um pequeno sorriso, ela acena e desaparece no cor-
redor.
Passo as mãos ao longo da borda do cobertor felpudo azul,
e quando meu rosto aparece, os olhos de Deaton me encontram.
— Ei, amigo — sussurro, rindo quando ele chuta.
Com uma respiração profunda, eu o pego com cuidado,
seus pequenos sons de arrulho aquecendo partes de mim que eu
estava com medo de sentir.
Quando me sento na cadeira de balanço com ele nos bra-
ços, meus olhos marejam, mas não é de tristeza. Não tenho certeza
do porquê. Tudo o que sei é que o bebê em meus braços é precio-
so. Ele agarra a mamadeira com facilidade, suas mãos subindo para
cobrir as minhas como se estivesse determinado a segurar a coisa
sozinho, e uma risada baixa me escapa.
— Já tentando ser homem.
Olho para cima de vejo meu irmão entrando na cozinha.
— Oi. — Estreito os olhos para ele. — Não sabia que esta-
va acordado.
Ele acena e vem se sentar ao meu lado, e assim que Dea-
ton o vê, sorri ao redor do bico da mamadeira. Mason dá risada.
— E aí, amigão?
— Ou talvez você não soubesse que eu estava acordada.
Mase?
Ele dá de ombros, se acomodando na cadeira perto da pol-
trona onde estou.
— Eu caminho de manhã, às vezes. Parker sai muito para
trabalhar e Kenra também é ocupada.
Meus olhos se estreitam, mas ele não diz mais nada.
Mason olha do bebê para mim, seus traços se suavizando.
— Estava pensando quando viria aqui.
— Sim — sussurro, acariciando o cabelo macio de Deaton.
— Eu, também.
Segurar um bebê traz uma sensação de paz que nada
mais se compara. Parece que o tempo desacelera e os pulmões se
abrem além da capacidade. É como prender a respiração e respirar
fundo ao mesmo tempo, um calor inigualável que te preenche da ca-
beça aos pés.
— Você está bem? — sussurra meu irmão.
— Estou — respondo, sincera, minha mão formiga quando
passo a ponta do polegar pelas bochechas macias do bebê. — Que-
ria ter passado mais tempo com ele nas últimas semanas.
Eu olho para o meu irmão, e ele assente, mas começa a fe-
char a cara enquanto olha para o menino em meus braços.
— Se você tivesse feito isso, hmm, talvez seria um pouco
mais difícil para você ir embora amanhã.
— Seria? — pergunto.
Ele olha para mim.
— Será mais difícil para você ir embora amanhã?
O peito de Mason sobe, só que mais uma vez, ele não diz
nada, e a preocupação toma conta de mim.
— Mase…— Balanço a cabeça. — Ela não está pronta.
— Eu sei. — Seus olhos pousam em Deaton.
Vários minutos se passam, e só quando estou colocando o
bebê em seu berço, dormindo profundamente, é que Mason volta a
falar:
— O que você vai fazer, Ari? — pergunta. — A respeito de
Noah e Chase?
Balançando a cabeça, eu me viro para ele.
— Não sei.
— O que seu coração está dizendo?
Sinto vergonha quando respondo:
— Que eu quero o que sempre tive e que talvez seja meu,
enfim.
— Que ele é, finalmente, seu, você quer dizer? — Olho pa-
ra baixo, e ele continua: — Eu conheço você, e sei que saber um
pouco de você e Noah deixou as coisas mais difíceis.
— Eu só… não quero fazer ninguém sofrer.
Mason suspira, uma gentileza o cobrindo.
— Eu sei que não, mas aconteça o que acontecer, alguém
vai, irmã. É inevitável.
— Sim, eu sei.
Meus pais sempre disseram que você deve seguir seu co-
ração, que ele nunca vai te desviar do caminho certo, mas o meu
não está funcionando bem.
Porque se seu coração é o líder, o corpo e cabeça devem
estar alinhados.
O meu não está, e não tenho ideia do que fazer a respeito.
NOAH
Acordei esta manhã com um pouco menos de peso nos
ombros.
Nada está bom, nem de longe, mas ela veio até mim por
conta própria. Ela olhou para mim como costumava fazer.
Ela me sentiu como eu a sinto.
Por toda a parte, em cada parte dela, ela simplesmente
não entendia. Eu deveria ter ficado de boca fechada e a beijado,
mas beijá-la seria a forma mais cruel de tortura, e não tenho certeza
de quanto mais consigo aguentar. Minha mãe não está aqui para me
convencer disso, e não vou incomodar meus amigos com problemas
que não serão capazes de encontrar uma forma de resolver.
Foram as seis semanas mais longas da minha vida, mas
espero que melhore.
Estamos de volta ao campus agora. De volta à agitação da
vida universitária, e espero que aonde quer que ela vá, onde quer
que ela olhe, ela me veja como eu a vejo.
Vejo-a na fonte onde nos sentamos na noite em que a en-
contrei no bar.
Eu a vejo na cafeteria e nas mesas de piquenique.
Na biblioteca e na pista.
Na academia, no campo e a cada centímetro deste lugar,
porque eu segurei a mão dela em cada parte dele. Eu a beijei em to-
dos os cantos.
Eu a amei em segredo, mas não tenho tanta certeza se era
um segredo tanto assim.
Acho que ela sabia.
Espero ter mostrado a ela o que significava para mim.
O que sempre significará para mim.
Se ela não for minha no final, eu ainda serei dela.
É uma tortura.
Mas é verdade.
Não tem como se recuperar de uma garota igual a ela.
A esperança é de que não precise, mas quando saio da ca-
feteria, me lembro por que deixei a esperança para trás há muito
tempo, depois do segundo derrame de minha mãe.
Ari está parada ao lado do prédio, um café com menta na
mão, sem dúvida, extra forte como o que está queimando a minha
palma esquerda neste exato instante. Chase um passo antes dela.
Meu amor sorri para um homem que não sou eu, e quando
ele passa o braço em volta do ombro dela, o meu se desfaz.
Deslizo para a sombra da árvore quando começam a vir
nesta direção, meus olhos se fecham quando sua risada ameaça ar-
rancar meu coração do peito.
Só depois que se foram é que saio de trás da árvore, jo-
gando o café intocado que comprei para ela, no lixo.
Tenho aula em uma hora, mas não ligo.
Meus pés me levam até minha caminhonete, e minha cami-
nhonete me leva até a estrada.
A mesma em que a levei comigo tantas vezes que nem sei
quantas.
É como eu disse, ela está em todo lugar.
Minha Julieta.
Solto uma risada amarga, e balanço a cabeça.
Talvez a resposta para o nosso final tenha sido dada desde
o início.
Se eu sou o Romeu e ela é a Julieta, talvez seja esse o
destino que coloquei sobre nós naquele primeiro dia. Amor proibido,
mas em nossa história, somos proibidos pelo destino.
Talvez eu fosse o substituto, como Mason pensou.
Quem sabe eu não seja o homem dos sonhos dela, mas o
substituto que fez o nobre trabalho. Que fez amizade com uma garo-
ta desolada. Que mostrou a ela o que significava ser importante pa-
ra um homem, como era ser amada. Ela sabe agora que vale o
mundo e merece ainda mais.
Ari é forte suficiente para exigir o que sempre quis agora, e
a pessoa que ela ainda acredita que quer está pronta para dar isso
a ela.
Quando meu dia acaba e consigo encontrar Mason para
pedir seu Tahoe emprestado, a gráfica está fechada de novo. Eles
não puderam dizer muito por telefone, além de confirmar que eu ti-
nha um pedido que estava pegando poeira na prateleira de coleta.
Chase ligou algumas vezes, mas depois de sua chegada
inesperada esta manhã, quando na verdade, eu esperava ter um
tempo para explorar o campus sozinha, algo que acredito que ele
deveria ter percebido, deixei suas tentativas de contato sem respos-
ta.
Ainda bem que Mason concorda em deixar as chaves e o
carro para mim amanhã de manhã antes da aula, então tomo a deci-
são de faltar pelo resto das aulas no primeiro dia.
Mando um e-mail para os professores antes de dormir para
ter certeza de não ser dispensada dos cursos, e pego a estrada na
manhã seguinte, minutos antes de a gráfica abrir.
Demoro cerca de quinze minutos para chegar, e sorrio para
o grande letreiro de néon acima da porta que diz: Paper Dreams and
Things.
A mulher atrás do balcão sorri quando entro e se vira para
a parede gigante feita de pequenos cubos.
— Você vai adorar o resultado disso! — Ela balança a ca-
beça, colocando um pacote do tamanho de uma caixa de sapatos
na minha frente. — Vamos abrir para ver se está tudo certo. — Ela
começa a puxar o laço dourado que a mantém fechada, e estendo a
mão.
— Não, espera — eu me apresso em dizer.
Ela para.
— Eu, hmm, fica tão bonito com a fita. Não quero estragar.
Tenho certeza de que ficou perfeito. — Eu aceno, ansiosa.
— Ah, sem problemas. — A mulher dobra alguns pedaços
de papel, coloca em cima da caixa e a empurra para mim. — Ah,
quase esqueci! Isso… — Ela tira um post-it do lado da caixa que
não consigo ver, e o coloca em cima. — Uma mulher veio e deixou
este endereço. Pediu que falássemos para você ir lá depois de pe-
gar isso. Acho que ela está tentando entrar em contato com você,
também.
— Ah, peço desculpas pelo inconveniente. Meus e-mails
estão lotados agora.
— Muito bem, querida, tenha um bom feriado.
E assim ela vai atender o outro cliente e, com os músculos
tensos, carrego a caixa, não mais pesada que um par de sapatos,
até o carro.
Em vez de abrir, coloco o endereço do post-it no GPS de
Mason e, quinze minutos depois, estou entrando em um estaciona-
mento que ficaria feliz em nunca mais ver.
Desligando o motor, eu saio e espero estar indo para a
área certa, um pouco insegura quando me aproximo e vejo o nome
do lugar.
Centro de Reabilitação Tri-City.
Eu me lembro deste lugar. Eu o vi quando voltei para o
meu retorno no médico.
Com uma respiração profunda, entro e uma onda de náu-
sea me atinge.
A mulher atrás do balcão sorri, acenando para que eu me
aproxime, então, com passos lentos, sigo em frente, e quando ela
desliga o telefone, sorri.
— Assine aqui, querida. Quem você veio ver?
— Ah, hmm…
— Ari?
Minha cabeça se vira para a esquerda e vejo uma mulher
mais ou menos da idade da minha mãe se aproximando com uma
prancheta na mão.
— Oi.
— Estou tão feliz que apareceu! Estou tentando entrar em
contato com você há dias. Eu ia ligar para o Noah, mas ela me fez
prometer não ligar.
Meu coração bate descontrolado, e aceno.
Quem a fez prometer?
Ela faz uma cara estranha, indo sem pressa para trás do
balcão.
— Aguarde só um pouquinho, está bem, querida?
— Sim, claro. — Engulo, penso em me virar e sair corren-
do, mas não sei porquê. Há um peso rastejando sobre mim, amea-
çando me derrubar.
Passa pouco menos de dez minutos e a mulher volta, com
um envelope lacrado na mão, e tem algo duro dentro.
— Desculpe pela demora. Aqui. — Ela me passa, falando
com gentileza: — Meus sentimentos. Ela era muito querida aqui.
Meu sorriso é tenso, e assinto em concordância.
— Cuide-se, Ari.
— Obrigada, Cathy. — Com isso, saio do prédio, mas fico
paralisada do lado de fora.
Cathy.
Como…
Eu me afasto, agora mais confusa do que antes.
Volto para o campus, meu joelho quicando o tempo todo, e
corro para o meu quarto. Ainda bem que Cameron não está em ca-
sa, então tranco a porta e coloco a caixa e a carta na minha frente.
Minutos, talvez até horas, passam e eu não me mexo. An-
do de um lado para o outro no quarto, penteando o cabelo uma dú-
zia de vezes, sem tirar os olhos do edredom nem uma vez.
Meu telefone toca, mas ignoro.
Meu estômago ronca, mas ignoro também.
— Que se dane.
Pulo na cama, rasgo o envelope e despejo o que tem den-
tro.
Minha boca se abre quando outro envelope lacrado cai, um
pedaço de papel dobrado endereçado a mim cai por cima dele.
Uma carta.
É uma carta.
Demora um momento, mas encontro coragem para abri-la,
abaixando-a na minha frente.
Pego um travesseiro para me apoiar, enterro a boca nele
conforme o abraço e prendo a respiração.
E, então, olho para baixo e leio.
Querida Arianna,
Não tenho certeza de como começar esta carta, então vou ir direto
ao assunto e dizer que você, doce menina, é um presente que nun-
ca pensei que receberia. Você é o presente. Aquele que me permitiu
respirar pela primeira vez em muito tempo. Por sua causa, minha lu-
ta diária diminuiu e, finalmente, posso colocar minha bandeira bran-
ca para descansar.
O que isso significa? Bem, significa que minha cabeça e coração es-
tão se entendendo com meu corpo, enfim. E se estou compreenden-
do os segredos que meu corpo divide comigo, eu o deixei.
Deixei meu filho.
Se você ainda não adivinhou, esta carta é minha, Lori Riley, mãe de
Noah.
Sei que não se lembra de mim, mas somos boas amigas, você e eu,
mas podemos falar disso depois. Vamos falar de Noah.
Como já sabia, eu era tudo o que ele tinha neste mundo. Durante to-
da a sua vida, éramos só ele e eu, e embora eu não mudasse em
nada a vida que vivíamos, acabei me arrependendo muito disso.
Com esse arrependimento veio o ressentimento, e ele apontou dire-
tamente para mim.
Sabe, eu falhei em perceber que por amá-lo, por derramar cada gra-
ma de energia que eu tinha em nossas vidas e no futuro dele, eu
não deixei espaço para mais, algo que não percebi até depois de ter
meu primeiro derrame no último ano do colegial de Noah.
Daquele dia em diante, no fundo da minha cabeça está o medo.
Medo de que algo acontecesse comigo e meu filho ficasse sozinho
neste mundo.
Doce Arianna, meu Noah se tornou seu Noah, e, querida, ele era o
seu tudo, assim como você era o dele.
Você se apaixonou por ele, e você nunca mais deixou de amá-lo.
Com amor, Lori, a mãe eternamente em dívida com a mulher que
ama seu filho.
Non temere la caduta, ma la vita che nasce dal non aver mai saltato
affatto. Nunca tenha medo da queda, mas da vida que surge de
nunca ter se arriscado a pular.
ARIANNA
Assim que Noah me coloca no tapete fofo em frente à árvo-
re, ele vai até a lareira e ajeita as toras colocadas lá dentro. Ele des-
liza atrás de mim, puxando minhas costas para seu peito ao obser-
varmos as chamas subirem, acrescentando um pouco mais de luz
ao Natal cintilante que nos cerca.
Olho abaixo da árvore, e meu estômago nada de ansieda-
de.
Demorou meses para preparar, muito antes do meu aciden-
te, e nunca estive tão orgulhosa de algo na vida. Estou prestes a dar
a Noah um presente que, sem dúvida, significará mais do que posso
imaginar.
Esticando os dedos dos pés por baixo do cobertor, bato no
embrulho vermelho, e a cabeça de Noah se move, seu rosto encos-
tado no meu.
— Esse é para mim?
Assinto em concordância.
— É.
— Não é justo, Julieta. — Ele beija minha têmpora.
— Posso pensar em várias maneiras de igualar o placar…
Ele geme de brincadeira, suas mãos baixando para fazer
cócegas em minhas costelas.
Dou risada, inclinando a cabeça para trás em seu ombro
para poder ver seus olhos, e ele abaixa seus lábios nos meus. Sor-
rio contra a sua boca, sussurrando:
— Abra, Noah.
Ele segura meu olhar por um bom tempo e depois, com de-
licadeza me afasta de lado e se inclina, pegando o presente debaixo
da árvore. Ele olha para a caixa, a etiqueta diz de “Papai Noel para
Noah”, e um pequeno sorriso se forma em seu rosto.
Ele olha para cima de novo, e eu aceno, minhas mãos en-
trelaçadas, supernervosa.
Como se estivesse em câmera lenta, ele puxa as fitas e
elas caem de lado. O papel é rasgado e ele pega a caixa branca
que estava por baixo.
Meus lábios se contraem em uma linha tensa, e então No-
ah abre a tampa, o que tem dentro aparece, paralisando suas mãos
no ar.
Todo o seu corpo está imóvel, mas muito, muito devagar,
ele deixa a tampa cair, e é com os dedos trêmulos que ele enfia a
mão lá dentro, pegando o livro de couro macio e preto.
Relutante, seus olhos encontram os meus, mas só por um
segundo, antes de voltarem para o livro.
Noah cai de bunda no chão e engole.
— Julieta… — Ele quase não respira. — O que é isso?
Lágrimas nublam meus olhos, e luto para evitar que minha
respiração fique ofegante.
Eu me aproximo, traçando lentamente a letra cursiva na ca-
pa.
O título não mais do que duas palavras.
Receitas de Riley.
Noah ergue a mão, apertando a boca e mandíbula, e ba-
lança a cabeça.
— Baby… não acredito… — murmura, com os olhos turvos
ao olhar para mim.
— Olhe dentro.
Ele expira e endireita os ombros, fazendo o que falei.
Assim que seus olhos param na página amarelada, o livro
de receitas cai no chão e ele enterra o rosto nas mãos.
Quando olha para cima, é para me segurar, me arrastar pa-
ra ele e me colocar em seu colo, trazer meus lábios aos dele, para
me beijar com cada parte de si.
Demora vários momentos para ele se afastar e, quando se
afasta, dou um leve sorriso.
— Posso ler para você?
Ele concorda, passa os braços ao meu redor e fecha os
olhos, escondendo o rosto no meu peito enquanto pego o livro de
receitas.
Este livro é para o meu menino favorito. O menino que deu sentido e
propósito à minha vida. É para o menino que me tornou mãe, a úni-
ca coisa que aspirei ser desde antes que pudesse me lembrar. É pa-
ra o garoto que superou todas as minhas expectativas e se tornou
um homem do qual eu não poderia estar mais orgulhosa. Na verda-
de, minha alma não é capaz de se orgulhar mais, pois você já ocu-
pou cada centímetro, e sei que só se tornará ainda mais surpreen-
dente.
Este livro de receitas é para você, meu querido Noah, e dentro dele
me encontrará como recordação. Meu coração está tão cheio, pois
espero que um dia a barriga de sua esposa e de seus filhos estejam
saciadas quando você virar a página e preparar para eles todas as
refeições que criei para você. E, assim, descobrirá que estou para
sempre com você, viva em aromas que um dia encherão sua casa
como encheram a nossa.