4 Veneno e Outras Coisas (Ravina) - Red R
4 Veneno e Outras Coisas (Ravina) - Red R
4 Veneno e Outras Coisas (Ravina) - Red R
Dedicatória
Epígrafe.
Aviso.
Prólogo.
Capítulo 1.
Capítulo 2.
Capítulo 3
Capítulo 4.
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12.
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16.
Capítulo 17.
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20.
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25.
Capítulo 26.
Capítulo 27
Capítulo 28.
Capítulo 29.
Capítulo 30.
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33.
Capítulo 34
Capítulo 35.
Capítulo 36
Capítulo 37.
Capítulo 38 .
Capítulo 39
Epílogo.
Nota da Red.
Agradecimentos.
Os direitos autorais dessa história pertencem à autora.
Criado no Brasil.
Tenha uma melhor experiência de leitura ouvindo a
playlist.
Para todas as meninas que,
acreditando ser uma princesa, descobriram
da pior maneira que princesas não existem.
“Posso ser de mel, e de veneno.
Posso ser muito humana, e muito bicho também.
Me morde e eu te como.”
- Clarice Lispector
Este é o quarto e último livro da Série Ravina, mas não é necessário
ler os anteriores para compreender a história. São narrativas independentes.
O livro contém gatilhos envolvendo pedofilia (não existe a menor
sombra de romantização), incesto e menção a abuso sexual (não é entre os
personagens principais), ninfomania, fanatismo religioso, violência física e
psicológica, abuso de substâncias lícitas e ilícitas, luto, palavrões, sexo
explícito, menção a aborto, fetiches, ofidiofobia e vícios.
“Ele não é real!”, gritaram para mim.
“Não havia mais ninguém lá!”, repetiram em meus ouvidos
incontáveis vezes.
Aquelas frases ficaram na minha mente por anos.
Então, como um passe de mágica ou trapaça do destino, eu o vi.
E ele era tão real quanto os meus piores sonhos, não me restando
nada diferente do que me tornar o seu maior pesadelo.
Uma pessoa crédula, nervosa e impulsiva.
Eu joguei minhas mãos para o alto e disse: “Mostre-me alguma coisa”.
Ele disse: “Se você se atreve, chegue mais perto”.
Stay, Rihanna.
Estou há meia hora olhando para o teto, tão obstinado que consigo
até mesmo notar as irregularidades na pintura branca. Meu cérebro parece
se recusar a apagar as imagens de Branca na balada. Eu vejo flashs dela
transando com o casal acendendo e apagando junto à maldita luz vermelha.
Por que isso me tira do eixo? Eu quero jogar uma pá de terra em cima dessa
lembrança, mas não consigo.
Preciso me levantar, no entanto, meu corpo molenga e as pálpebras
pesadas parecem ter outra ideia. Eu não costumo ser assim. Geralmente, eu
me levanto de boa se tive uma noite tranquila, sem beber ou ter ido caçar
uma foda. Hoje é sábado, dia de folga, eu deveria estar mais relaxado. Mas
não, sigo aqui, parecendo um idiota, com uma preguiça do caralho e sem
conseguir sair da cama, mesmo que o relógio em formato de robô na minha
mesinha de cabeceira marque sete horas da manhã.
Eu preciso ir à porra da Vermute buscar minha moto, porque, como
bebi ontem, mesmo que pouco, voltei de Uber. Em geral, costumo ir aos
locais de moto, e se ingerir bebida alcóolica, eu nunca volto dirigindo. Isso
é lei para mim.
E só de pensar nisso é como se cortinas começassem a se abrir em
minha mente, doidas para trazer uma paisagem mental à tona, uma da qual
eu amo fugir. E evitar isso é o impulso que tenho para tomar coragem e
finalmente me levantar da cama.
Meu hamster, o Adolfo, não para de correr na roda azul, seu
brinquedo favorito. Eu o tenho há um ano. Resolvi comprá-lo pensando que
poderia me ajudar a não ficar tão triste quando estou em casa. Não que
realmente tenha resolvido. Com passos preguiçosos, caminho até sua gaiola
vermelha, que fica perto da minha cama. Quando abro a portinhola e coloco
minha mão lá dentro, ele não foge. Deixa que eu acaricie sua cabeça, que
sinta a maciez de seus pelos beges. Ele tem olhões fofos, escuros e doces.
Eu amo muito esse carinha.
Após colocar comida para ele e limpar por alto sua gaiola, desço as
escadarias e vou direto ao banheiro. Depois de urinar, lavo as mãos, e
enquanto escovo os dentes, dou uma olhada em meu cavanhaque e vejo que
logo estará na hora de aparar a barba, para que ele não seja camuflado por
ela. Após enxaguar a boca, vistorio meus piercings pelo reflexo no espelho.
No rosto, eles se distribuem em um Bridge, que fica no alto do nariz, entre
os dois olhos, outro no septo e o meu favorito: o da sobrancelha. Os
remanescentes estão dentro da boca, um Smile no freio superior e um na
língua. Tem um piercing abandonado em meu rosto, chama-se Labret e fica
embaixo da boca. Eu acabei enjoando dele e decidi não usar mais a joia.
Assim, fica mais camuflado. De todo jeito, acho que tenho poucos
piercings. Vou colocar um na aba direita do nariz assim que der.
Assoviando, caminho até a cozinha. Coloco a cafeteira prateada para
trabalhar e, enquanto espero a minha injeção fumegante de energia ficar
pronta, como quatro bananas com aveia. Depois de lavar o prato branco,
encho uma caneca preta, com a estampa dos botões do Xbox, com meu
cafezinho e vou para o sofá da sala.
Eu quero aproveitar que está bem cedo para dar uma jogada. A
mandada da Veneno não deve estar on-line agora. Nos fins de semana, ela
geralmente surge em meus games na parte da tarde. De segunda a sexta,
meu pesadelo em forma de hacker está sempre me perseguindo nos jogos
durante a noite.
Após ligar meu videogame, espero que o Xbox se conecte à internet,
e enquanto cantarolo um pagode, movimento os botões do controle para
abrir um jogo de Battle Royale. Levo alguns segundos para encontrar uma
partida com jogadores o suficiente, afinal, não são nem oito da manhã. Mas
é só meu avatar entrar no dirigível, que flutuará até sobrevoar a ilha onde
será a partida, que meu coração passa a bater de modo desenfreado. Eu
nunca sei quando a maldita vai surgir e me matar. E como o intuito do jogo
é que todos os participantes se ataquem até que só reste um sobrevivente,
fica fácil que ela me meta tiro sempre que dá de cara comigo.
Assim que o balão libera para que os jogadores pulem em direção à
ilha, eu me jogo em queda livre. Quando estou bem perto do solo, aperto o
botão para que meu paraquedas se abra e meu avatar com um traje do Thor,
o deus nórdico do trovão, pouse no chão.
Quando estou jogando, é como se eu realmente estivesse naquele
mundo, teletransportado, vivendo uma coisa única. Minha mente se desliga
de tudo o que é real.
A adrenalina se infiltra em minhas veias enquanto meu avatar entra
nas ruínas de uma casa abandonada. Andando pelos cômodos, encontro a
primeira arma. Após pegar algumas munições, olho pelo buraco onde
deveria ser uma janela para vistoriar o ambiente do lado de fora, tentando
ver se há outros jogadores por lá que possam atirar em mim. Por um golpe
de sorte ou misericórdia do destino, vislumbro o avatar de um grande urso
rosa andando pelo lado de fora, com toda certeza procurando armamento.
Aperto o botão para andar abaixado, subo as escadarias da casa
abandonada sem produzir sons que possam fazer com que outros jogadores
me detectem, pulo pela janela de um dos quartos e fico sobre o telhado que
imita a cerâmica da varanda. Faço tudo isso sem que ela sequer olhe em
minha direção.
É a porra do meu dia de sorte!
Enquanto meu coração ribomba em meus ouvidos, uma camada de
suor desce pela minha testa. Parece até que estou realmente diante do maior
desafio da minha existência.
Veneno está pegando uma caixa fluorescente que contém munições,
embaixo de uma árvore. Sem dó, eu sento bala nela. É tanto tiro que
certamente estou atraindo os outros jogadores para a nossa localização. Mas
neste exato segundo, isso não importa. É apenas o triunfo que me interessa,
a sensação de que, finalmente, após a porra de um ano, estou me vingando.
Quando leio a frase que pisca na minha tela, até meio emocionado e
descrente, eu gargalho.
“Você eliminou o jogador Veneno.”
— Ééééé, porraaaa! — grito, batendo os pés no chão, tamanha
animação.
Finalmente consegui acabar com essa vadia!
Eu não acredito!
Consegui meter bala nela e eliminá-la da partida.
Vinguei as incontáveis vezes em que a puta fez isso comigo.
Sabendo que o jogador, mesmo depois de eliminado, consegue
observar a partida, desço com meu avatar do telhado e corro até o corpo
dela. Em cima de seu “cadáver”, aperto o botão para que meu boneco
dance. “Perdeu, otária!”
Esse é o maior deboche que eu poderia fazer.
E quando uma rajada de tiros me elimina da partida e acaba com a
minha jogada, eu não me importo.
Eu me vinguei!
Acabei com ela pela primeira vez!
Uma notificação de mensagem no chat do videogame aparece
piscando no alto da tela. Sorrindo, eu abro a “conversa”, a fim de ler o que a
projetinho de hacker me deixou.
“Harry, você não pode fugir de mim! Foi a primeira vez que
conseguiu me vencer, e também a última! Acabarei contigo sempre que
puder. E posso ser incansável, Sr. Alencar.”
Pisco muitas vezes para as palavras escritas na tela da minha
televisão. Como ela sabe que meu sobrenome é Alencar? Eu não deixo isso
aparecer para outros usuários do Xbox que não estejam na minha lista de
amigos.
Dando de ombros para suas palavrinhas de má perdedora, resolvo
responder:
“Perdeu, otária!”
No alto da escadaria do meu loft tem uma porta. Nenhum dos meus
irmãos tem permissão para entrar ali. É meu templo e local de trabalho. E
enquanto eu subo os degraus, com uma caneca de café que desci para
reabastecer, penso quão perigoso seria se algum deles resolvesse bisbilhotar.
Assim que destranco a porta pela fechadura digital, usando
biometria, vejo os incontáveis post it’s coloridos espalhados pelas paredes
no tom de um azul tão claro que facilmente se confundiria com branco. Os
papéis têm a porra da mesma frase, a confissão mais precisa da minha
obsessão:
Destruir o Harry!
Destruir o Harry!
Destruir o Harry!
Destruir o Harry!
Destruir o Harry!
A frase está por todo canto, berrando que sou louca, mas também
me lembrando do que se tornou o meu maior objetivo de vida.
Assim que me acomodo na cadeira gamer de couro preto com
detalhes em vermelho e pouso a caneca sobre o porta-copos de madeira,
penso no que finalmente consegui fazer. Parece que a minha cabeça é feita
de rabiscos confusos em espiral. Está tudo embaralhado dentro de mim.
Apoio os cotovelos sobre a madeira branca da minha bancada de
trabalho. Meu rosto é adornado por um sorrisinho de triunfo, afinal, é
apenas o começo da vingança contra o meu inimigo.
Eu venho observando o celular do Harry há meses. Após invadir seu
aparelho – o que foi bem fácil –, eu tive acesso a cada e-mail, foto, ligação
e mensagem. Mulheres, incontáveis conversas com um grupo de amigos
que ele parece gostar muito, mais mulheres, marcação de atendimentos para
colocar piercings em clientes no estúdio em que ele trabalha... é o que
resume o histórico do seu WhatsApp.
Durante os últimos meses, eu fui traçando uma estratégia de como
atingi-lo. Inicialmente, fiquei frustrada ao ver que ele não faz
absolutamente nada de errado. Harry é certinho. Trabalha, parece não ter
família, mas tem um círculo fiel de amigos apelidado de Tribo. Pelas
mensagens, seu único deslize é fumar maconha. Nada muito diferente do
que os meus irmãos fazem. Dan mesmo, que é o puro samaritano da
família, aperta um de vez em quando.
Quando eu ainda morava na mansão dos meus irmãos, ficava
martelando sobre como fazer para destruir alguém que não deixava o menor
rastro que o incriminasse. Cheguei à conclusão de que eu precisava me
aproximar, tinha de estar ao lado do diabo para descobrir suas fraquezas, e
então poder derrotá-lo. Eu não sou tola, sei que meu plano de vingança se
tornou uma obsessão. Eu respiro o maldito Harry, durmo e acordo pensando
nele, em como destruir cada parte dele até que não lhe reste um só pedaço
inteiro.
Ao longo do tempo, percebi que um bom jeito seria seduzi-lo, fazê-
lo se apaixonar por mim, e depois chutá-lo. Mas isso, por mais que seja
delicioso e tentador, ainda soa infantil, e não me parece o bastante. Ele
merece mais!
Descobrir o quanto era importante para ele se tornar sócio do
estúdio onde trabalha há anos foi a deixa perfeita para eu iniciar a minha
vingança. Harry é muito amigo de três casais, e dois dos caras são chefes
dele. A cada mensagem que eu lia deles acordando coisas sobre essa tal
sociedade, mais eu percebia que era a opção perfeita de golpeá-lo. Em suas
confissões com os amigos, Harry disse inúmeras vezes que vinha juntando
dinheiro para essa oportunidade de se tornar um dos donos do estúdio e
entrar na fatia de lucro da expansão que eles estão fazendo com a marca.
Existe vingança mais perfeita do que roubar o dinheiro que ele
pretendia investir? Esta semana eu vi que ele estava muito perto de fechar o
negócio, por isso precisei fisgá-lo com um e-mail falso. Hoje cedo, fiz uma
oferta muito atraente de moedas para o seu jogo favorito, quase a preço de
banana. Ingênuo que só, não demorou nem meia hora para ele cair no golpe
e colocar suas informações no formulário.
Precisei de poucas horas para transferir toda a grana dele para um
dos laranjas que meus irmãos arrumaram para mim. Deixo uma
porcentagem do dinheiro como pagamento, então eles sacam o montante,
entregam a um dos meus irmãos, e aí começa o processo de lavar o
dinheiro. Às vezes, usamos uma rede de lojas que temos, ou alguns postos
de gasolina. Assim, fugimos dos olhos da receita e da polícia.
Eu não vou devolver esse dinheiro ao Harry. Perto do que ele me
tirou, sessenta mil reais não é nada! O que eu perdi não tem preço. E
mesmo que ele fosse capaz de me vender um lugar no céu em troca do que
me tirou, eu não aceitaria. Eu queria muito ter visto a cara dele quando
descobriu que limpei sua conta e não sobrou nadinha. E quer saber? O
Harry que se foda!
Tive de fazer um tremendo esforço para deixar que ele ganhasse a
partida de hoje cedo, mas foi maravilhoso saber que a felicidade dele foi de
cem a zero na mesma manhã. Eu quis que ficasse muito feliz e se sentindo
um vencedor, e depois arranquei tudo o que ele tinha, assim como ele fez
comigo.
Sou viciada em videogame. Meu irmão mais velho foi quem me
apresentou aos jogos, quando eu tinha treze anos, antes de as coisas ruírem
totalmente.
Eu cresci em um mundo diferente do que este em que vivemos
agora, distante da realidade da maioria das crianças, e foi só quando
fugimos de lá que eu fui conhecer diversas coisas, inclusive o que era
mesmo a tecnologia. E fiquei maravilhada com a internet, com celulares e
todos os tipos de jogos.
Então, invadir os jogos do Harry é algo que me diverte, fora que, às
vezes, eu o ouço gritar da casa dele quando dou cabo dos seus avatares nas
partidas. Ele me xinga de tantos nomes criativos, e é muito emocionante
que não faça ideia de que estou do outro lado do corredor, sentindo o corpo
flutuando de felicidade e me embebedando com as suas derrotas.
Estou de frente para o meu computador, que tem um monitor de 24
polegadas. E eu ainda acoplei mais duas telas, para aumentar a minha
produtividade. Na parede à minha frente, algumas luminárias de led em
formato de joystick estão acesas em tons variados, aumentando a sensação
de ser um ambiente divertido.
Vou entrar na Deep Web para vender alguns vírus a outros hackers
agora, e assim ganhar mais uma grana para o meu futuro. Depois que eu der
um xeque-mate no Harry, quando eu me sentir realmente satisfeita por vê-lo
arruinado de vez, talvez eu saia do país.
Originalmente, eu tenho dupla cidadania. Eu nasci nos Estados
Unidos, assim como os meus irmãos e o meu pai, mas minha mãe era
brasileira. Eu precisei mudar de identidade para evitar que pessoas grandes
e poderosas me encontrassem, então vou ter de tirar um visto, como
qualquer pessoa comum, para entrar no país onde nasci.
Ir para lá talvez me ajude a sair do looping eterno em que vivo. Eu
revisito as minhas dores quase diariamente, como se estivesse morando no
passado por boas frações do dia, deixando o presente para habitar meus
pesadelos. Isso ainda vai me matar.
Sinto um nó apertado no pescoço, como se estivesse em uma forca.
A sensação de ter emoções presas na garganta é tão grande que eu chego a
massagear o pescoço.
Ok, eu não vou conseguir fazer mais nada nesta porra de escritório
hoje, mas ao menos consegui dar o golpe no Harry mais cedo, que é o que
realmente importa. Eu me levanto bem rápido, deixando que a cadeira se
arraste para trás.
Dan e Rafael ficaram de almoçar aqui hoje, mas antes de fazer a
comida, acho que tenho tempo de ir à academia e jogar um pouco de
energia fora.
Desço as escadarias em direção ao quarto. Antes de vir morar aqui,
eu fiz uma pequena reforma no loft e fechei a parede do mezanino onde
deveria ser o quarto, para ter privacidade no escritório, e no local em que
seria a sala, eu fiz o meu quarto.
Ao lado da minha cama, tenho um pequeno guarda-roupa espelhado.
Trato de vestir uma legging de academia e um cropped preto. Prendo o
cabelo em um rabo de cavalo e me sento na cama. No exato segundo em
que estou colocando as meias, Dan entra.
— Ei, gostoso, toma conta da Nagini para mim? Vou à academia. Eu
acho que ela está um pouquinho agitada, fora que não quis comer o ratinho
que dei a ela.
“Eca! Eu nunca vou me acostumar a essa comida bizarra da sua
‘filha’. Mas ok, titio ama e titio cuida, mesmo que de uma cobra muito
assustadora!”
Sorrio da sua piadinha, e após calçar os tênis e pegar minha bolsa,
que já deixo preparada para ir me exercitar, dou um beijo estalado na
bochecha macia do meu príncipe em forma de irmão.
— Te amo!
“Eu te amo mais, gatinha! Acho que já vou preparar o almoço. O
Rafael ficou de trazer as coisas para a salada, então vou colocar o frango
para assar.”
Depois que o Dan fez as panquecas para mim hoje cedo, deixei a
ave marinando antes de subir para o escritório para dar o golpe no Harry.
Uma coisa que eu amo e me relaxa pra cacete é cozinhar. Mas sabendo que
vai ser uma mão na roda que o Dan coloque a ave no forno, eu apenas
assinto.
Enquanto abro a porta, digo:
— Deixe a janela de cima da cama aberta, para não ficar muito
quente para a Nagini, por causa do forno.
Sem dizer mais nada, saio pelo corredor. Decidida a não passar raiva
com o elevador bosta daqui do prédio, sigo pelas escadarias de emergência
até o térreo. Assim que saio pela porta do hall de entrada, vejo a dona
Isaura mexendo nos escaninhos de correspondência.
— Ah, mocinha, eu queria mesmo falar com a senhorita!
Merda! Por que não dei meia-volta quando a vi?
Ela é muito chata! Sempre que me vê, fica me alugando sobre as
regras do prédio e querendo contar da vida dos outros.
— Oi, tudo bem? — Forço um sorrisinho.
— Estou ótima. Esses dias descobri o sexo do bebê da minha filha, é
uma menina. Luz, o nome dela.
— Nossa, que lindo! Parabéns!
— Obrigada, querida! Você parece uma menina de bem. Se tiver
qualquer problema com algum morador aqui do prédio, não hesite em me
avisar — fala, segurando as minhas mãos. Estou um pouco chocada com a
sua simpatia. É a primeira pessoa que diz que eu tenho cara de “boa
menina”. — Seu vizinho de porta é meio bagunceiro. Harry é muito amigo
do meu genro, sabe? Mas embora ele seja desajuizado, não é uma pessoa
ruim. Só não diga a ele que eu o elogiei. Quero botar aquele moço nos
trilhos, para que não ouse colocar o som nas alturas, como vinha fazendo.
— Pode deixar! Eu não sabia que o Harry era amigo do seu genro.
Qual é o nome dele?
— Bill. Mora no condomínio aqui da frente. Ele e minha filhinha
Maria. Agora deixe-me ir, que estou com feijão no fogo.
— Foi um prazer falar com a senhora, dona Isaura. E parabéns de
novo pela netinha.
Assim que saio pela portaria, sou baqueada pelo calor absurdo que
está fazendo. Meu rosto automaticamente esquenta, e dou graças aos céus
pela academia ficar a apenas uma quadra de distância.
Até que foi legal o papo com a síndica. Ao menos dessa vez a fofoca
foi importante, pois saber que o Harry é amigo de seu genro é útil. Pelas
mensagens que eu vi no telefone dele, todos os seus amigos moram no
mesmo condomínio, esse bem chique aqui na frente do meu prédio.
Conhecer os amigos dele é outra parte da minha vingança. Se eu
puder me aproximar, talvez consiga tirar algo tão importante para ele
quanto o desgraçado tirou de mim.
Eu posso tomar seu lugar, ser uma amiga exemplar e fazer a
amizade deles ruir, como um verdadeiro Cavalo de Troia.
“Você me tem em suas mãos,
Nem sabe o tamanho do seu poder.”
Mercy, Shawn Mendes.
Acho que poucas vezes eu senti meu coração bater com tanta
urgência assim. O sentimento de estar desolado, eu já conheço, pois o
experimentei diversas vezes. É como se o mundo fosse uma partida de
videogame em que você é a parte central, mas, ironicamente, o controle
desse game não é seu. Essa dádiva é apenas do destino.
Você é pequeno, insignificante diante das reviravoltas desse jogo
sádico chamado vida. E aqui estou, de cabeça baixa, sem saber que caralho
eu faço agora e me sentindo um rato preso em um labirinto.
Para onde eu vou?
Qual é o caminho?
De todos os planos que eu fiz para a minha vida, não existe um que
não envolva me tornar sócio do Ravina. Sem essa possibilidade, eu sou uma
bússola sem ponteiro, sem norte, perdido.
Parado no meio da cozinha, aos poucos volto a captar com clareza
os estímulos do ambiente ao meu redor, mesmo que agora eu deseje que
todos os meus sentidos sumam, para eu não precisar encarar este pesadelo.
— Harry? — Bill pousa sua mão enorme em meu ombro. Parece
preocupado comigo. — Tudo bem?
Eu pisco muitas vezes, só então percebo que a vida voltou a operar
com o volume normal, com as vozes dos meus amigos preenchendo o
ambiente. Ana acaba de entrar pela porta da sala, fazendo uma dancinha
animada que balança os babados do decote de seu vestido amarelo curto.
Josiah está dizendo algo sobre ir buscar o carvão no carro, chamando o
Nate para acompanhá-lo.
Engulo em seco, ainda processando a porra do fato de que eu fui
roubado. De que a brincadeira idiota e inocente da Veneno está saindo do
controle. Ou nunca foi uma brincadeira? Será que sempre foi uma
criminosa do outro lado?
Quando meus olhos focam por inteiro o rosto de feições duras do
Bill, sopro o ar com força pelos lábios, como se isso fosse o bastante para
jogar para fora um pouco da impotência que estou sentindo.
Se eu soubesse que matar aquela vadia no jogo me renderia uma
conta zerada no banco, eu teria aceitado ser massacrado por ela muitas
vezes, sem revidar.
— Oi... — finalmente respondo, tentando com força não divagar.
Pensa, Harry! O que você faz agora?
— Aconteceu alguma coisa?
Enquanto ele afasta a mão do meu ombro, eu corro em círculos
dentro da minha mente, feito um gato correndo atrás do próprio rabo. Eu me
sinto um tolo, sem saber o que fazer. Conto a ele que fui roubado? Revelo
que a tal hacker é também uma ladra? Vou à polícia, abro um boletim de
ocorrência e peço alguma orientação?
Puta que pariu! Guardo o telefone no bolso, olho para o meu amigo
e forço um sorriso.
— Estou bem, mas morrendo de fome. E... falando nisso, eu acabei
de lembrar que não dei a comida do Adolfo –– minto, mesmo que isso me
deixe chateado. Mas eu preciso de tempo, de espaço para respirar. Gosto de
contar tudo aos meus amigos, só que esse rolo os envolve diretamente.
Estou para fechar um negócio com Bill e Josiah, porra! Como revelar que a
grana para o meu ingresso na sociedade foi roubada? — Vou dar um pulo lá
e já volto.
Eu nem consigo olhar direito em seus olhos ou responder aos
questionamentos das minhas amigas empoleiradas no sofá da sala, que a
cada passo que eu dou para sair da casa, perguntam aonde estou indo.
Quando atravesso o portão, agradeço silenciosamente por Josiah e Nate
estarem de costas para mim, pegando coisas na caçamba da picape preta
estacionada aqui em frente. É só quando estou quase na esquina que ouço
Nate gritando:
— Vai aonde, cuzão?
Penso em responder, mas... quer saber? Se eu parar e disser algo,
vou acabar desmoronando. Preciso me isolar e pensar, tentar colocar a
cabeça no lugar. De todo modo, eu não quero levar mais preocupação ao
Bill. Ele já está todo ferrado emocionalmente.
Percebo que meu corpo se move, mas minha mente está tão
distante... Minhas pernas se mexem, seguem o caminho para casa, enquanto
eu me sinto fora do corpo. Será que estou chapado? Que fumei um baseado
com uma erva potente, batizada, que me deixou mais louco do que de
costume? A quem eu quero enganar? É só a realidade se tornando fodida
novamente.
Eu não sei se estou cego, porém, quando estou prestes a atravessar a
via movimentada que separa o Condomínio La Grassa do prédio onde
moro, sinto que sou puxado para trás. E, aos poucos, a cortina de fumaça
que me cegava os olhos se dispersa com tudo. A realidade me bate como se
eu pedisse por mais, como se eu gostasse disso, deixando claro que, por
pouco, tudo não piora de vez. Uma moto em disparada passa perto demais
do meu corpo, enquanto eu caio para trás, salvo pelas mãos de um estranho.
Eu seria atropelado em cheio se não fosse o cara que se arrasta para o lado,
tirando-me de cima dele, pois eu caí com as costas sobre o seu corpo e
certamente o estava esmagando.
Descrente de que tudo está realmente dando errado para mim,
encaro o céu azulado lá em cima. Tomo coragem e me sento, aos poucos,
com as palmas das mãos fervendo, por entrarem em contato com o asfalto
quente da via.
— Tudo bem, cara? — pergunta o homem, ficando de pé e tentando
usar as mãos para varrer a sujeira da roupa. Está usando um terno cinza,
agora sujo, por conta do chão. Sua mão branca e tatuada se estende para
mim com gentileza. Eu não sei por que estou rindo, mas enquanto aceito a
sua ajuda e fico de pé, é tudo o que consigo fazer. Gargalho feito um
desvairado, mas é um riso regado a sofrimento, não existe uma mísera gota
de diversão. — Quase que você batia as botas, amigão!
— Obrigado! — após finalmente conseguir parar de dar um de
Coringa e cessar a risada, agradeço. — Estou vivendo um dia de merda, eu
não prestei atenção enquanto atravessava a rua. Se não fosse você, eu iria
para o colo do capeta agorinha, para ele terminar de enfiar uma rola no meu
rabo.
— Eita! — O cara ri. — Prazer, Rafael Mesquita! Sou seu novo
vizinho. Estou morando no 402, com o Daniel, meu irmão mais novo. Eu te
vi outro dia tomando uma prensa da síndica –– fala depois de apontar com o
indicador para o prédio aqui em frente.
Aceito a mão que ele me oferta, mais por educação do que por
qualquer simpatia, apertando-a em um gesto cortês. Embora eu seja grato
por esse cara ter me salvado de um atropelamento, ainda estou fodido
demais para querer bater papo.
— Harry Alencar! — Após me apresentar, bufo ao me lembrar da tia
Isaura. — Ela ama encher o meu saco.
Não é comum as pessoas usarem o sobrenome nas apresentações
aqui no Rio de Janeiro. Costumamos só falar o primeiro nome, e já está de
bom tamanho. Sem ter muito para onde fugir, e com a alma voltando ao
corpo aos poucos após as merdas que aconteceram nos últimos minutos,
sigo com ele para o outro lado da rua. Antes que eu tenha a chance de
reorganizar meus pensamentos para cogitar pegar a chave do prédio em
meu bolso, Rafael o faz. Sigo atrás dele, e quando chegamos ao elevador e
o esperamos descer, fito seu rosto. Os cabelos castanho-escuros e meio
desgrenhados, a boca, o tom da pele... tudo isso me lembra alguém. Ele é
um dos caras que eu vi com a Branca outro dia. Reparo na tatuagem com a
palavra Grumpy no alto da maçã direita do rosto. É tão pequena que eu mal
consegui decifrar.
— Você é parente da Branca? — solto a pergunta de uma só vez,
sem energia para enrolação.
— Ah, ela é minha irmã caçula. — Seu olhar se prende em mim de
um jeito diferente. E enquanto Rafael adentra o elevador e segura a porta,
eu me pergunto se é realmente seguro embarcar nessa porra com ele. Parece
até que o capeta fez download em seu corpo neste exato segundo, porque
toda a gentileza em seu olhar desapareceu. Decidido a ser corajoso, eu entro
no elevador. — Você a conhece?
Eu posso jurar que sua voz desceu muitos tons, tornando-se meio
sombria. Rafael é estranho como a irmã. Toda a simpatia que ele tinha me
dedicado na rua evaporou.
— Sim. Ela me obrigou a lhe dar carona para a balada ontem.
— E foi só isso?
Sua pergunta é uma pegadinha? Tipo, eu falo que a vi trepando com
um casal, então ele termina de fazer o trabalho que a moto na via não fez?
Ou Rafael acha que foi comigo que ela transou? Ou que temos um caso?
— Foi!
Eu não sou sem noção a ponto de contar o que rolou na balada, por
mais tentador que seja dedurar a Branca e sua putaria ousada para o seu
irmãozinho mais velho. Caso eu tivesse uma irmã, odiaria que alguém me
narrasse suas aventuras íntimas.
Hoje é mesmo o meu dia...
Os céus olharam para mim e decidiram que era o momento perfeito
para eu pagar por meus pecados. Só falta a síndica aparecer e me dar mais
uma multa.
Estou um pouco mais atrás dele, com as costas na parede do fundo,
e enquanto o elevador geme como um idoso que sobe uma escadaria, vejo
Rafael se virando de lado após ter apertado o botão do quarto andar. Seus
olhos castanhos me inquirem sem dizer uma palavra.
Irritado, eu me inclino para a frente e aperto o botão do meu andar.
Durante o trajeto, que parece se estender por uma era até a primeira parada,
Rafael não deixa de me encarar. Estou a ponto de dizer que não curto outros
caras, que meus gostos se limitam apenas a garotas. Aproveito que está me
olhando como se fosse me esfaquear a qualquer segundo para reparar nele.
É mais alto do que eu, e olha que tenho 1,85m de altura. O que mais me
gera estranheza é que ternos não combinam com ele. Rafael tem uma
caveira tatuada em uma das mãos e usa brinco em uma das orelhas. Não que
ternos sejam patentes de estilo algum, mas eu realmente não acho que
combinam com ele.
Bom, mesmo sendo doido, eu usei terno no casamento dos meus
amigos. Vai que ele está voltando de um casamento...
— Foi bom te conhecer, Harry! — Sua frase falsa é dita enquanto
ele sai do elevador. Chego a soltar uma bufada. Eu só não digo que é um
cuzão completo porque acaba de salvar a minha vida. É apenas quando ele
gira sobre os sapatos lustrados e pretos, com aparência de custarem uma
grana alta, que eu aprumo a postura para encará-lo. Rafael segura a porta do
elevador, fixa os olhos bem dentro dos meus e, com um sorriso que eu só
posso definir como assassino, diz: — Mais cuidado da próxima vez que
atravessar a rua, não queremos que seja atropelado, não é?
Enquanto as portas se fecham, eu me pergunto se é mal de família
ser insuportável assim. A ameaça nublada em suas palavras não me passou
despercebida. Tudo isso só porque eu dei uma carona à Branca? Fico só
imaginando se ele soubesse o que eu vi. Sendo ciumento assim com a irmã,
acho que infartaria ao vê-la com uma pica na boca e uma mina chupando a
sua boceta.
Quando finalmente entro em casa, eu me lembro da razão de ter
voltado para cá tão cedo. Os breves momentos com o novo vizinho me
fizeram esquecer a coisa infinitamente mais séria.
Frustrado, retiro os sapatos e os largo pelo chão, então caminho até
o sofá da sala. Eu queria fumar um baseado, mas terei de ir à polícia daqui a
pouco, é melhor não ficar doidão. Quando eu me sento, apoio os cotovelos
nos joelhos e deixo que minha cabeça caia sobre as minhas mãos.
Pensa, Harry!
Meu celular está tocando, e quando eu o retiro do bolso, vejo que é
Isabela. Recuso a chamada. Uma infinidade de mensagens no grupo do
WhatsApp intitulado Tribo, onde todos os meus amigos estão, inunda a tela
de bloqueio do meu iPhone.
É melhor começar pelo óbvio, ligar para a minha gerente do banco.
Estou andando pela rua da minha casa, pois desci do táxi duas
esquinas antes. Está um engarrafamento horrível, e como já estava perto, eu
preferi vir andando.
Saí de casa rumo à academia, fiz uma série de exercícios, mas não
senti que foi o bastante para gastar a minha energia. Então, eu tive a ideia
de ir ao shopping. Como estou um pouco ansiosa por ter roubado o Harry,
acabei querendo fazer compras. Este é um dos meus péssimos hábitos,
passear de loja em loja pagando por coisas que não preciso. Estou cheia de
sacolas, porque comprei uma infinidade de roupas e acessórios novos. Ao
menos desta vez acho que vou usá-las, porque geralmente eu as largo com
etiqueta e tudo dentro do guarda-roupa, para mofar por lá até eu resolver
doar.
O ruim foi que eu perdi o almoço com os meus irmãos; quando dei
por mim, com o telefone repleto de mensagens e ligações perdidas, vi que já
passava das quatro horas da tarde. Liguei para o Daniel antes de sair do
shopping, e ele disse que Rafael comeu o frango quase inteiro em
represália, e ainda acabou com todos os doces da minha geladeira.
Embora eu tenha perdido o almoço com os dois, ao menos suavizei
a ansiedade com compras, e não fui atrás de transar com alguém.
Como eu me aliviei muito bem ontem, espero ficar uns dias sem ter
um frenesi que me faça correr atrás de sexo. É horrível viver esse ciclo. É
como um vício, a porra de um canto de sereia que me convida e que é quase
impossível resistir. Estou vivendo a minha rotina, fazendo algo
completamente aleatório, assistindo a uma série, lendo um livro, jogando ou
hackeando alguém, e, de repente, bate um tédio, uma necessidade absurda,
e lá estou eu buscando sexo para preencher essa porra. É o único jeito que
eu encontro de ter alívio. Eu me enfio em casas de swing, dou em cima
descaradamente de mulheres ou caras bonitos em qualquer lugar, tudo que
me leve a uma foda rápida e descompromissada, onde vou gozar e depois
chutar a pessoa. Sem sentimentos. Sem rostos para lembrar. E, então, eu
volto para casa, visto a minha casca de culpa e me agarro à certeza da
minha podridão. Eu não repito pessoas e não fico com conhecidos. Quanto
mais distante de mim, melhor.
“Ninfomaníacos correm para o banheiro e se masturbam, não
preferem o toque humano, como você, Branca. É difícil te definir, mas acho
que, de certo modo, você se enquadra nesse diagnóstico. Você tem a
compulsão sexual, não consegue se controlar quando a vontade chega. E
por mais que não queria detalhar bem o que aconteceu no passado, você
relata os traumas da sua infância. Provavelmente, são as causas do seu
transtorno.”
Esse foi o diagnóstico que me fez sumir do consultório da minha
psiquiatra, há três anos. Eu sou fodida, já sei disso, não preciso da porra de
um nome para essa merda fedida dentro da minha cabeça. Mas também é
horrível a maneira como tudo se torna meio obsessivo dentro de mim. Eu
relembro essas malditas palavras sempre que termino de transar com
alguém.
Talvez, eu não saiba existir sem sexo porque foi essa porra que eu
aprendi!
A mulher loira, tão magra e alta que poderia certamente ser
confundida com uma dessas modelos de passarela, foi até bem condizente
ao falar sobre a necessidade do toque. Eu não gosto de me masturbar. Não
sozinha. É tão... vazio e sem sentido. Eu gosto do toque humano, da
temperatura da pele. Por mais empoderador que seja se dar prazer sem o
auxílio de alguém, para mim, soa deprimente. Não que me enfiar embaixo
de bocetas e paus desconhecidos seja menos deprimente, mas ao menos isso
me traz alívio na hora.
Como se o destino quisesse zombar de mim, meus olhos são
atraídos para o outro lado da avenida movimentada, onde ônibus e carros
vagueiam sem parar. O alvo do meu olhar é uma igreja com arquitetura
vitoriana. Toda vez que eu passo aqui na frente, é como entrar em uma
máquina do tempo que me puxa em direção àquela criança de anos atrás, a
garotinha arruinada concebida em uma seita americana, mas que jurava ser
uma princesa.
Eu não quero parar, mas meus pés estacionam contra a minha
vontade. Encaro a torre no topo da construção, com passado e presente se
misturando sem que eu possa controlar. Eu quase posso sentir o cheio das
árvores e da lama fresca do Vale. É como enxergar a projeção da pequena
igreja, as placas de madeira branca e lascada das paredes, a torre pequena
do sino chamando atenção acima do teto triangular, as janelas apertadas que
mal deixavam o ar circular, tornando lá dentro abafado.
Eu me vejo, tão pequena e doce ziguezagueando entre os cinco
degraus largos da entrada. Quase posso ver a minúscula cidade feita de
madeira com pintura branca e gasta, com casas pequenas, uma estufa
deprimente, cavalos magros e malcuidados. Um paraíso torto e corrompido
oculto por muros imensos, projetados para que todos os segredos ficassem
escondidos lá dentro, como um mausoléu que carrega os ossos de tudo o
que morre.
Por que o meu inferno na Terra ainda tem cheiro de lar? Por que, por
mais que eu tenha sido destruída incontáveis vezes no Vale, ainda sinto
saudade de quando eu era aquela garota? A que achava que as coisas que
vivia não eram tão dolorosas, que via em sua mãe uma verdadeira rainha e
digna de todo o seu amor?
Hoje, eu me lembro do Vale e vejo, como a adulta que sou, que
aquilo era um lugar em ruínas. Não era bonito. Nunca foi. E, ainda assim, às
vezes, quando eu fecho os olhos, ouço o barulho dos meus irmãos
capinando ou sinto o cheiro dos bolos preparados na cozinha. Ouço o
relincho dos cavalos ou sinto o cheiro das lamparinas a óleo, da cera das
velas, e, em dados momentos, a voz da minha mãe me ninando ao som de
suas histórias.
É confuso.
Ao mesmo tempo que odeio tudo o que vivi, eu daria o mundo para
viver presa nos meus dez primeiros anos de vida, porque ali nada havia
ruído em minha mente. Ali, era apenas eu sendo feliz, mesmo que não
devesse. Mesmo que não entendesse que os meus irmãos já estavam
sofrendo. É egoísta e sujo desejar morar lá, naquele passado que já era
imundo, onde eu apenas não sabia que havia nascido atolada num tanque
com merda.
Eu passo a vida como se fosse uma bruxa queimando na fogueira da
Inquisição, ou uma das mulheres “possuídas” do Vale, para sempre ardendo
e gritando, agonizando, nunca vivendo...
Sinto a pressão dilaceradora dentro do peito. Ele se comprime.
Parece esmagado. É a vontade maldita de chorar que nunca será sanada. Faz
tantos anos que eu não sei o que é isso, que sei o quanto preciso colocar
esse aperto no peito para fora...
Reviro os olhos. Eu me forço a sair do passado, a voltar a ser o que
sou: apenas uma garota envenenada. Em silêncio, com os ombros
costumeiramente pesados doendo, faço o caminho até o meu prédio. Já
diante dele, meus olhos são levados até a fachada com portões de ferro
vazados do condomínio do outro lado da rua. Dona Isaura fala com um trio
de mulheres. Duas estão grávidas. A loira tatuada não está com o ventre tão
elevado, mas a outra, a que tem cabelos longos e castanhos, parece estar
com a barriguinha um pouco maior. Deve ser a Maria. Reconheço seus
rostos, são as amigas do Harry. Eu já vi fotos das três nas redes sociais dele
várias vezes.
A síndica acena ao me notar, com os olhos semicerrados e o rosto de
semblante sério se abrindo em um sorriso duro. Devolvo o aceno com
dificuldade, chacoalhando algumas sacolas no processo, e notando que as
três acompanhantes dela giram a cabeça para me encarar. A terceira garota
diz algo enquanto prende os longos cabelos cacheados no topo da cabeça.
Elas riem, parecem cochichar sobre mim. Em outro momento, isso me
irritaria a ponto de eu querer ir tirar satisfação. Odeio que debochem da
minha cara, mas como preciso me tornar amiga delas, engulo a curiosidade
de saber por que estão rindo.
Eu poderia ir até lá agora, inventar alguma história para puxar papo
com a dona Isaura, e assim começar o plano de aproximação com as
garotas. Mas eu não estou bem neste momento. Preciso estar inspirada para
ser o mais simpática e acessível possível. Virando-me para o prédio, eu me
sinto aliviada ao abrir o portão e seguir para dentro.
Diante do elevador, penso em subir pelas escadarias, mas estou com
o peso das sacolas, então vou esperar essa porcaria. Odeio socializar com
vizinhos, porém, na próxima assembleia do prédio, farei questão de ir,
porque precisam melhorar essa bosta. Eu tenho um certo medo de um dia
acabar presa nesse caixote.
Aperto milhares de vezes o botão para o quinto andar, e enquanto o
elevador se arrasta para cima, eu pego meu celular na bolsa e verifico as
mensagens. Tem uma do meu irmão mais velho. Eu me pergunto se vale a
pena ler, já que ele sempre quer me encher o saco com algo e
provavelmente está reclamando por eu ter furado com o nosso almoço. Mas,
sem muita opção, resolvo o fazer.
“Olá, Harry!
Quanto tempo, não? Estou ansioso para saber o que quer tratar
comigo. E... eu não vou mentir, gostaria muito de ver como você está, se
tomou jeito na vida, se tem filhos ou se casou. Mas eu não quero criar
expectativas de que tenha tomado jeito. Quem se casaria com o rapaz
inconsequente que deixou a minha casa? Se for para apenas me trazer
problemas, espero que não venha.
Atenciosamente, Isaque Alencar.”
Olho bem para a cara dela. Branca é maluca? Ela acha que meu saco
é de brinquedo? Ele já está até doendo, de tão cheio, porque, por culpa dela,
meu fim de semana inteiro foi para o lixo e eu não consegui sair com mina
nenhuma. E ela ainda tem a coragem de meter essa de eu não sair com
ninguém por dois meses?
Branca vai dar para mim? Vai sentar no meu pau e me aliviar? É
cada uma dessa garota que, cada vez mais, eu tenho certeza de que é doida!
Enquanto reparo mais de perto nas cobras no cabelo da Medusa grande e
maneira que Branca tem tatuada na coxa, ela abre a boca:
— Conseguiria!
Branca se estica toda no banco após meter a mentira mais lavada do
mundo na minha cara, mas fica bem claro, pela maneira como seus olhos se
movem de um lado para o outro, que ela está mentindo para si mesma e
sabe disso.
E não é o modo como espera que eu diga algo que me chama
atenção, é a porra do detalhe que fecha com chave de ouro quão gostosa ela
é, e que, até então, havia passado despercebido por mim. Por baixo da blusa
de alças pretas, seus peitos ostentam piercings nos mamilos, piercings que
marcam o tecido, que parecem me convidar. Minha boca se enche de água,
e eu preciso lutar para olhar para o outro lado. Mas não tem jeito, meu pau
endurece na hora. Se tem algo que eu amo em mulheres, são piercings
enfeitando a pele, as joias mais bonitas que existem.
— Para de encarar meus peitos e diz alguma coisa! — agora ela
grita, irritada e fazendo um bico que a deixa ainda mais bonita.
Engolindo em seco e me dobrando de um jeito desconfortável para
ela não ver que meu pau está igualzinho a uma rocha, eu apoio o cotovelo
no balcão e pouso o queixo sobre ele, encarando-a.
— Não vou entrar nessa — respondo sem muita emoção. — A
menos que pretenda me montar sempre que eu estiver precisando, não
encha o meu saco com isso.
— Você é mesmo um imbecil! — Seus olhos faíscam, são pura raiva
e mágoa. — Eu não vou dar pra você! — grita, pulando da banqueta e me
encarando. O rosto, já vermelhinho pelo resfriado, agora está quase roxo,
um efeito colateral da ira, que, em algum momento, ainda a fará ter um
treco. — Não pode tocar a droga de uma punheta durante esse tempo? Foi
você que nos enfiou nessa bosta de acordo, agora sustente-o!
— Eu?! — Levanto-me ao perguntar. Eu não sou de ficar bravo com
facilidade, mas essa mulher dos infernos sabe apertar os botões certos para
me tirar do sério. Quase sinto minha cabeça queimando, de tanta raiva. —
Você e sua maldita cobra levaram o Adolfo de mim, então, se estamos
nessa, você também tem culpa no cartório! E não vou tocar punheta porra
nenhuma. Eu não sou moleque. A menos que faça papel de namorada
nesses dois meses, trepando comigo, eu não vou ficar na seca.
— Eu te odeio, Harry! — Seu brado é tão forte que as veias de seu
pescoço saltam, e só cessa quando empurra meu peito. — E vai se foder!
Ela me odeia... olha só! Ela tem me irritado desde a porra do
primeiro momento em que abriu a boca para falar comigo, e ainda vem
dizer que me odeia?
— E acha que eu gosto de você? — grito de volta, segurando seus
braços. — Eu te acho gostosa, mas tua beleza não vale o problema que você
é. Na tua cara tá escrito com letras bem grandes: “Vou foder com a vida de
qualquer um que se envolver comigo”. Então, se estou querendo te comer, é
porque você tá me deixando contra a parede, pois tu seria a minha última
opção.
É só quando as palavras saem da minha boca que eu me dou conta
da tremenda merda que acabo de dizer a ela. Não há mais raiva em seu
rosto. Aqui, embaixo de mim, Branca só parece pequena e frágil. Seus
olhos ficam mais vermelhos que o inferno, mas não há raiva neles. Apenas
mágoa, nítida, clara, palpável. Seu queixo treme, e sinto vontade de pedir
desculpas, de dizer que exagerei, mas nem tenho tempo de sentir culpa
demais. A filha da puta abre a boca, mas não diz nada, em vez disso, cospe
em meu rosto.
Estou segurando seus braços, e com o rosto molhado por sua
agressão, percebo que meus dedos quase rasgam sua pele. Que poder de me
deixar irado é esse? Eu não sou assim. Ela desperta algo muito furioso em
meu corpo. E se eu a solto, é apenas para não fazer a merda de cuspir nela
de volta.
— Mete o pé! — Minha voz não se eleva, é apenas gelo puro. —
Agora!
— Eu não daria pra você nem que minha boceta estivesse com teias!
— rosna, mas engole em seco, como se estivesse se segurando para não
chorar na minha frente. Enquanto limpo a minha bochecha com a mão, sem
deixar, por um só segundo, de observar a desgraçada, tomo ciência de que
fui baixo ao dizer que ela é tão ruim que eu só a foderia em último caso, o
que ainda é uma mentira. Pois, além de Branca ser uma das mulheres mais
gatas que eu já vi, ela mexe comigo. — E você vai entrar nessa comigo e
mentir para o Rafael, ou juro que encontro o teu avô e conto tudo a ele, que
tu tá fodido porque foi roubado por uma hacker e agora quer enganá-lo com
um namoro fake!
Sem dizer mais nada, Branca sai correndo da minha casa, e quando
bate a porta atrás de si, é com tanta força que eu quase posso ver lascas da
parede se soltando ao redor.
Vou até a sala e me jogo na bosta do sofá, seguro a cabeça e,
encarando o teto, pergunto-me se essa mina é meu carma. Eu detesto essa
garota. O tamanho do meu ranço por ela só perde para a Veneno.
E agora? A filha da puta ameaçou encontrar o meu avô e contar
tudo. Embora eu não tenha dito para a Branca quem ele é, ela parece o tipo
de mulher que, quando quer algo, vai até o inferno para conseguir. E se ela
for falar essas merdas ao Isaque, vai atrapalhar de vez os meus planos. Eu
posso caçar outra mulher para ir comigo à festa do velho, mas agora a
Branca já disse ao irmão sobre mim. Ela precisa tanto dessa mentirada
quanto eu, e não vai pensar duas vezes se eu a deixar na mão. Só que nessa
de sair com outras mulheres, eu não darei o braço a torcer. Detesto punheta,
porque não consigo gozar, preciso de uma mulher para isso.
Eu tenho 25 anos, caralho! Eu me sinto um moleque nessa trama
toda e não sei o que fazer. Como ela conseguiu me irritar tanto? Acho que
tudo começou quando falamos sobre a história da balada, quando eu senti
uma bola quente e explosiva dentro de mim ao me lembrar daquela cena.
Jogo o ar para fora do nariz com força, ainda com dificuldade, por causa da
coriza. Chego a ficar com dor de cabeça com todo o caos que estou
vivendo. Problemas com o meu avô, com a desgraçada da Veneno, e agora
com a Branca. Ela é mimada, louca, infantil... e muito irritante! Ainda
assim, eu preciso dela. Da mesma maneira que ela está nas minhas mãos
com esse lance da cobra, estou refém dela com o meu avô. Só que eu não
quero ceder. Eu vou endoidar se ficar dois meses sem transar.
E se eu mentir para a Branca? Se disser que aceitei e, por baixo dos
panos, pegar algumas minas no estúdio? Não seria uma traição. A gente
nem tem nada, tampouco se suporta. É só eu não deixar que ela ou seus
irmãos saibam.
Porra! Quer saber? Chega de ficar sozinho martelando sobre essas
coisas. Vou lá falar com os meus amigos agora mesmo, conto a merda toda
e ainda peço um conselho sobre essa maluca da Branca.
No cartão dizia que o coquetel seria no salão dos fundos, onde meu
avô sempre gostou de reunir os amigos ricaços para beber, fumar charuto e
contar vantagens sobre a sua vida.
Foi um saco ter de esperar a Branca trocar de roupa três vezes, para,
no fim, escolher o primeiro vestido azul que colocou. É lindo, tem uma
parada aberta em um dos lados da perna, mas só mostra a coxa não tatuada.
Eu gostei, é de alças e tem um decote maneiro que não exibe muito os seios.
Depois que se maquiou e escovou os cabelos, parece ter ficado mais segura
de que está bonita, pois subiu nos saltos finos prateados e me deu a mão,
sem qualquer sombra de insegurança nos olhos. E meu pau... ficou duro, é
claro. Eu não sei a quem ando querendo enganar, a parada é que estou
mesmo a fim dela. Que quero a foder, e beijar e morder. Eu só não posso me
concentrar nisso agora.
Um funcionário nos guia até a entrada do salão, como se eu não
soubesse de cor o número de passos necessários para chegar aqui. Assim
que entramos, noto algumas dezenas de pessoas espalhadas pelo local.
Passeio os olhos pelos presentes, e até o momento não reconheci ninguém.
Pensei que os convidados fossem vir mais elegantes, mas acho que meu avô
se cansou de tanta pompa e festas com trajes de gala. Embora haja de idosos
a mais jovens pela sala, tomando champanhe caro e comendo canapés, suas
roupas são como as minhas, mais casuais, com apenas uma peça mais
clássica, como um blazer. As mulheres é que estão um pouco mais
arrumadas.
— Cadê ele? — Branca se aproxima do meu ouvido para perguntar.
É meio irritante o modo como eu me arrepio sempre que sinto seu
hálito próximo. Ela está com uma mão entrelaçada à minha; com a outra,
segura meu antebraço.
— Eu ainda não o vi — respondo baixinho, olhando ao redor da sala
envidraçada e de paredes claras. As mesas de madeira robusta no meio do
salão ostentam taças de champanhe sobre bandejas de vidro, aperitivos
variados e flores brancas. Tem uma mesa específica em um dos cantos, com
charutos e cigarros à vontade, afinal, Isaque ama fazer propaganda da
própria marca. — Eu não quero que fume na frente dele — falo para a
mandada. — Ele adora julgar mulheres que fumam — aviso.
— Sério? O cara vende cigarros e pensa assim? — Sua voz é jocosa,
e ela bate os cílios enormes e falsos que colou para vir aqui. Mas eu
agradeço aos céus por Branca não insistir no assunto. — Pode deixar, gato.
Nada de cigarros aqui. Mas vou fumar no quarto, não quero nem saber. Não
vou conseguir ficar dois dias sem contaminar os meus pulmões.
— Cada um tenta se prejudicar da maneira que encontra... —
reclamo, mas quando ela bufa, solto sua mão e deslizo a minha pela lateral
de seu quadril. Acho que a minha raiva dela tem sumido, o que é bom.
Posso me concentrar em só dar um de atacante, pois quero muito saber o
gosto dessa boca perfeita. — Ok, pode fumar no quarto. Eu ainda não disse
o quanto você está bonita, sabia?
Branca me olha por cima dos olhos e umedece os lábios, como se
fosse possível deixá-los ainda mais brilhantes com saliva. Ela se solta e
desliza para a minha frente. Leva suas mãos delicadas para as lapelas do
meu blazer branco, depois as desce para dentro, tocando minha camiseta
preta e alisando o meu peito. Sorri de maneira sedutora, exalando essa coisa
sensual que parece estar entranhada em sua alma.
— Tentando dar em cima de mim, Harryzinho? — provoca, depois
lambe os lábios novamente. — Você disse que estava escrito na minha cara
que eu vou foder qualquer homem que se envolver comigo. — Pelo visto,
Branca nunca vai esquecer que eu disse essa merda a ela. Mesmo de salto,
essa safada ainda precisa ficar na ponta dos pés para alcançar a minha boca.
Olha nos meus olhos enquanto me deixa de pau duro bem no meio da sala.
Chutando o balde, seduzido por seu cheiro, desço as mãos por suas costas e
as pouso em sua lombar, pouco antes do relevo de seu rabão bonito. A
minha coluna arrepia quando ela me dá um selinho breve, envolvendo as
mãos no meu rosto, deixando um rastro com seu cheiro sobre ele. — Ficou
excitado ao me ver foder com o casal, espionando enquanto eu beijava
aquela gatinha na academia, e agora quer o mesmo para você, não é? Mas
não vai ter.
— Eu só disse que você está bonita. — Entrando na sua onda, eu a
puxo com um tranco para mim, deixando que sinta a merda que está
causando dentro da minha calça no meio de um evento importante, sarrando
meu pau bem duro em sua barriga. Raspo meu nariz em sua bochecha, e
antes de chegar ao seu ouvido, mordo de maneira bem demorada a pele
gostosa de seu pescoço. — Eu não posso elogiar a minha noiva? —
provoco, apertando com força o seu quadril, querendo que estivéssemos
sozinhos agora, porque seria muito difícil não mergulhar com tudo nessa
boca abusada dela. — Faça isso de me alisar quando estivermos sozinhos,
então eu te mostro que aquele casal e aquela garota não poderiam te fazer
gozar gritando como eu posso.
Branca arfa, e quando eu a afasto de mim, está com os olhos
arregalados e engolindo em seco. Eu a fito de cima, com um sorriso torto,
deixando bem escancarado que ela não está no controle como pensa. Abro a
boca para provocá-la, mas antes que consiga, uma presença baixinha e loira
toma totalmente a direção dos meus olhos.
— Ah! — Ela dá alguns pulinhos, parada um pouco atrás de Branca.
Os babados no decote de seu macacão azul-escuro chegam a balançar com
sua animação. — Harry?! Eu não acredito!
Meu coração se alegra quando dou a volta em Branca e caminho até
Aurora, quando a levanto do chão e a rodo, animado. Seu cheiro doce me
lembra os velhos tempos. Leve como uma folha de papel, eu não tenho
dificuldade para a rodar.
— Tampinha?! Que saudade! — Quando eu a coloco no chão,
sorrindo, aproveito para implicar com ela: — Cresceu um pouquinho, né?
— E você não mudou nadinha, né? Continua com essas piadas
baratas! — Dá um tapinha em meu braço. — Eu pensei que nunca mais
fosse vê-lo, cara!
— Você me segue no Instagram, não manda mensagem porque não
quer. — Faço bico, fingindo analisar as unhas e estar magoado.
Aurora é minha amiga de infância. Filha do melhor amigo do meu
avô, cresceu correndo pelos corredores desta casa comigo. Já aprontamos
muito, demos alguns beijos escondidos nos cantos deste lugar, e foi com ela
que eu transei pela primeira vez, mas nada que tenha sido muito sério. Ela
foi estudar Medicina, depois se dedicou a morar fora do país, e nunca mais
nos falamos.
— Eu mandei! Várias vezes, até! E você nunca me respondeu... —
Cruza os braços e faz um bico na boca minúscula e rosada.
Tudo nela é pequeno, os olhos castanhos, o nariz, os seios... toda
minúscula. Reflito sobre o que ela disse. Eu respondo todo mundo no
Instagram, principalmente se for mulher. Só se a mensagem dela foi parar
nas solicitações de mensagem. Quando penso em dizer essa hipótese a ela,
ouço os passos em meu encalço.
— Não vai me apresentar à sua amiga?
A voz de Branca surge feito uma cortina gélida capaz de provocar
uma queimadura de gelo em minha pele. A tensão que sinto por achar que
ela está enciumada é bizarra. Branca não é minha mina de verdade, mas
quando para ao meu lado, eu estremeço, com medo de sua reação, como se
ela fosse. Embora Branca sorria para Aurora, eu percebo que está puta. Seu
olhar é vidrado e cortante, mas o sorriso falso e a postura aprumada deixam
claro que ela não vai demonstrar.
— Essa é a Aurora, uma amiga de longa data. — Para evitar
problemas com essa maluca logo agora, que eu preciso dela, dou alguns
passos para trás e paro ao seu lado. Deslizo a mão para segurar a lateral de
seu quadril. Ela está tensa, mas não passa batido que parece mais aliviada
quando eu volto a minha atenção para ela. — E, Aurora, esta é minha noiva,
Branca.
As sobrancelhas da minha amiga se elevam, mas ela sorri de um
jeito gentil para a Branca e estende a mão.
— Noiva?! Como o mundo não foi destruído em chuva? Eu nunca
imaginei que viveria para te ver noivo — brinca, voltando a atenção para a
minha vizinha. — Prazer, Branca! Uau, você é muito bonita! — elogia,
alargando mais o sorriso.
— O prazer é todo meu, linda! — Se para me irritar ou não, Branca
vai até Aurora e a puxa pelos ombros gentilmente, dando um beijinho
demorado em cada uma de suas bochechas. Aurora nunca usa maquiagem,
por isso, quando Branca se afasta, ela está vermelha como molho de tomate.
— Amei o colar... — Descarada, Branca segura o pingente em formato de
gota em ouro amarelo no pescoço pálido da minha amiga. Eu quase ouço o
barulho do sangue borbulhando na porra das minhas veias. Ela está
querendo me provocar. Ficou com ciúmes e quer revidar. Caralho! Essa
mulher é um campo-minado. Qualquer passo em falso, ela está assim,
querendo me explodir. — Depois me conta onde comprou.
— Claro! Se quiser, tenho um igualzinho em ouro branco. Até
combinaria com o seu nome. — Aurora dá uma risadinha sem jeito.
Puxo a mandada com tudo para colar suas costas em meu peito.
Aurora é fofa, mas já pegou mulher para um caralho. Eu não quero a
Branca perto dela. Não por ciúmes. Ou sei lá... Talvez seja, droga! Mas eu
não quero essas duas juntas. Por isso, chego bem perto do ouvido de Branca
e sussurro:
— Nem pense em dar em cima dela!
— Meu tio foi quem disse que você estava aqui — a loira explica, e
sem fazer ideia de que me interrompe, aponta o dedo para um canto isolado
do salão, onde o homem vestindo um terno caro e tão preto quanto a noite
fuma um charuto e me encara, rodeado de pessoas, mas parecendo nem as
ouvir.
Meu corpo inteiro se arrepia, e minha alma parece encolher quando
ele desvia dos amigos sem dizer uma palavra e, apoiando-se em uma
bengala escura, começa a caminhar em uma marcha lenta. É como se o
tempo parasse enquanto observo o próprio diabo vindo em minha direção.
Sua pele negra clara parece mais enrugada do que da última vez que
eu o vi. Agora, ele definitivamente assumiu o branco dos cabelos, pois os
pintava uma vez por semana, para deixá-los sempre preto. E parece que
diminuiu de tamanho, pois era alto e sempre se sentiu forte como um leão,
como ele mesmo dizia. Mas os efeitos da gravidade chegam para leões
também.
— É ele? — Branca sussurra, e toda a aura de ciúmes e provocação
parece se desfazer como poeira. Agora, ela respira em um ritmo mais
rápido.
— Sim.
— Ora, ora... — A voz rouca por anos de fumo desmedido nos
brinda. Ou seria... amaldiçoa? — Dizem que um bom filho a casa torna —
começa, com seu sorriso de raposa velha. — Eu nunca achei que isso se
aplicaria a você.
Tenho de olhar para o lado para conter a raiva. Eu sou um pouco
reativo, e talvez eu seja assim porque vivi anos ouvindo coisas desse tipo.
Engulo a amargura secando a minha garganta, e me lembrando de que
passar por isso é importante para o meu sonho, eu me preparo para falar,
enquanto Branca sai da minha frente e se enfia embaixo do meu braço
direito. Acho que essa é sua marca registrada de quando está insegura.
— Oi, vô! — cumprimento. — Como o senhor está?
— Forte como um leão! — Dá seu sorriso, que mora a léguas de
distância dos olhos. O broche na lapela de seu paletó, com o símbolo de um
leão, até brilha sob a luz do lustre caríssimo acima de nossas cabeças, um
deboche velado do destino. — Pensei que não fosse viver para ver uma
mulher aceitar ter uma vida ao seu lado. — Tosse após falar, pegando um
lenço no bolso do paletó e limpando a boca. Ele guarda rapidamente o
pedaço de tecido no bolso da calça e guia seus olhos para Branca. — Então,
a senhorita é a noiva do meu neto? — Ele a sonda desde os cabelos até as
unhas dos pés. Não é nada sexual, é mais como uma inspeção. Branca sorri
para ele enquanto sai de baixo do meu braço para apenas ficar ao meu lado,
mas eu já conheço o seu olhar. É meio assassino, como se detestasse o meu
avô. Isso já a faz ganhar alguns pontos comigo. — Minha família tem fama
de ter bom gosto para mulheres. Harry puxou a esse lado, pelo visto. Ao
menos em algo não me deu desgosto.
Branca está com uma das mãos ao redor do meu antebraço, e mesmo
que eu a tenha visto roendo as unhas no quarto, ainda sobrou alguma coisa
para ela tentar enfiar na minha carne. Mas quando não consegue, por causa
do blazer, ela me aperta, a ponto de doer. Branca está mais do que irritada,
está puta para caralho. Mas nada perto do que eu sinto sendo alvo desse
comportamento passivo-agressivo uma vida inteira.
Sempre tive medo de chegar um momento em que eu aceitasse que
merecia isso. Que merecia sofrer, não receber amor, que o errado era eu.
Mas acho que consegui sair antes.
— Esta é a Branca. — Tento controlar a voz trêmula ao dizer. —
Como o senhor mesmo disse, minha noiva.
— É um prazer conhecê-lo, senhor...
— Isaque Alencar, querida. É uma honra conhecê-la e recebê-la em
minha família! — Meu avô estende a mão para ela. Quando Branca pousa a
dela sobre a do velho, ele deixa um beijo suave no dorso. Meu avô ama
fazer isso com as mulheres, elas ficam felizes. Mas embora Branca esteja
sorrindo, afasta a mão rápido demais para ter se encantado com os bons
modos dele. — Seja lá o que temos para conversar, garoto... — Meu avô
olha para mim agora. — Trataremos no domingo. Quero aproveitar a minha
festa sem maiores problemas. — Tenho de trincar os dentes por ele arrumar
um jeito de me prender nesta porra até o último dia. — Eu gostaria de
conversar com a senhorita, Branca. Vamos dar uma volta?
Ele ameniza o tom da voz para falar com ela, muito diferente da
maneira rude com que fala comigo, como se eu fosse um pouco de sujeira
que ele facilmente varre de seu paletó.
Branca me olha por cima do ombro, meio incerta, esperando que eu
lhe diga o que fazer. Eu apenas meneio a cabeça, concordando que ela
obedeça. Alguns segundos e respirações profundas depois, eu a observo
caminhar para longe, de braço dado com o meu avô.
Deixando Aurora para trás, vou até uma das mesas de buffet e pego
uma taça de champanhe. Enquanto bebo, as perguntas rodam na minha
mente.
E se ele estiver desconfiado e tentar encontrar alguma incoerência
nela?
E se a Branca ainda estiver brava comigo e tentar me foder de
propósito?
Respostas, eu não tenho, mas bebida de graça é o que não falta.
Pouso minha taça já vazia sobre a mesa e pego outra.
“Serei a atriz estrelando nos seus pesadelos”.
Look What You Made Me Do - Taylor Swift.
Minha vida está uma confusão, e meus planos já nem existem mais,
porque a cada vez que eu me envolvo com o Harry, mais sem rumo eu
pareço ficar. É como se agora eu fosse muito mais Branca do que sou capaz
de ser Veneno.
Eu me apaixonei pelas amigas dele, que mal conheço e que me
fizeram chorar com a bondade e o carinho com que me receberam.
Eu me apaixonei pelo homem que tem sido o foco de todo o meu
ódio.
E foi tão rápido.
Foi tão intenso.
Tão forte quanto o chupão que eu ostento no pescoço, uma marca
dele que ficarei obcecada, olhando no espelho quando ele não estiver por
perto, venerando seu toque marcado em mim.
É como se eu tivesse olhado para um penhasco e, bem na beiradinha
do abismo, resolvido pular. Eu sei que a queda vai me destruir, mas até
chegar ao chão, ainda tem um trajeto. Ele vai passar como um piscar de
olhos, mas só vai doer quando eu estiver lá embaixo. Agora, eu posso só
fechar os olhos e aproveitar a sensação lenta e trágica da queda.
Agora, eu posso curtir as nossas mãos dadas enquanto entramos em
sua casa, ou sentir minha barriga dando voltas quando eu me lembro dele
dizendo que está apaixonado por mim enquanto, já descalços, nós nos
sentamos no sofá e eu aninho minhas costas em seu peito. Ele me abraça
forte, e suas palavras tão claras e intensas de que fará de tudo para não sair
do meu coração reverberam dentro de mim, como um eco, potente,
infiltrando-se em meus ossos.
Isso tudo é tão injusto...
Eu sou uma pessoa toda corrompida, que qualquer um poderia abrir,
olhar em minhas entranhas e sentir nojo. Mas não o Harry, porque, diferente
de tudo o que pensei, ele não é assim. Ele sabe que eu sou viciada em sexo,
pela fofoca do Rafael, e mesmo assim não correu de mim. Ao contrário,
Harry foi um fofo e deixou claro que me quer, mesmo eu sendo tão suja. E
naquele segundo, eu quis beijá-lo, quis que ele não fosse o meu maior
inimigo. Eu quis que ele não fosse a pessoa que arruinou a mim e aos meus
irmãos. Porque, agora que estou tão perto, vejo que ele não parece ser o
monstro que eu alimentei por um ano inteiro dentro da minha mente, cheio
de presas e um poder maligno de destruição. Na minha cabeça, o Harry era
um vilão tão forte que não me restava nada diferente de me tornar sua igual
para derrotá-lo. Na verdade, ele só parece um garoto comum, com uma vida
comum, e infinitamente mais doce do que ousei imaginar.
Harry me beija como se me venerasse. E sorri para mim com os
olhos puxadinhos mais lindos do mundo. Então, como não me apaixonar?
Como não abaixar os meus escudos e ser só a garota tola que sonha em
conhecer um príncipe? E por que essa vida maldita tinha de fazer o Harry
ter todos os predicados de um? Ele parece um príncipe, então, por que me
destruiu?
Eu pensei que já havia sido arruinada o suficiente para não
conseguirem me quebrar um pouco mais. Porém, quando eu olhar nos olhos
do Harry e contar quem sou, eu realmente me desmontarei de vez.
E isso vai doer, porque eu já estou terrivelmente rendida por ele.
Não é mais uma questão de impedir a minha carência de falar mais alto. É
que esse homem é completamente apaixonante, tão passível de ser amado
que até uma serpente cheia de veneno como eu se apaixonou.
Os répteis nunca precisaram desenvolver habilidades emocionais
durante a evolução, diferente dos mamíferos, por exemplo. E aqui estou,
uma cobra que não deveria sentir nada, mas que está completamente
apaixonada, indo contra a sua natureza endurecida.
Respiro fundo, e quando olho para cima, por cima do ombro, Harry
está me fitando, com seu sorriso torto especialista em molhar calcinha no
rosto.
— É gostoso estar apaixonado — ele fala, mais uma vez fazendo
meu coração ferver. Irônico mesmo é eu concordar. A sensação de me
apaixonar é realmente boa. Mas eu me sinto tão má ao vê-lo expor que
gosta de mim, nem parece que era tudo o que eu mais queria quando
comecei essa merda. Mas não tem mais volta. Está feito. Estamos a um
passo da destruição total. — Eu quero saber tudo sobre você, Branquinha.
Então, comece me contando por que trabalha como designer.
E esse apelido? Deus! Ele poderia me chamar assim a vida inteira e
eu jamais enjoaria.
— Eu sou apaixonada por tecnologia, quase uma Geek[13]. Amo tudo
relacionado a isso, troco de telefone a cada nova edição de iPhone — conto,
sendo bem sincera. Quando saí do Vale, fiquei obcecada com todo e
qualquer eletrônico que encontrava em meu caminho, e diferente do Dan,
que no começo morria de medo dos barulhos da televisão, eu me apaixonei
de cara. — Eu só entrei na escola com quatorze anos, por algumas questões
da minha infância que eu te conto um dia, pois ainda não estou pronta para
falar sobre isso. — Raspo a garganta. — Então, fiz algumas provas e entrei
na classe de acordo com a minha idade, porque meu conhecimento permitia.
E foi lá que eu passei a ter mais acesso a computadores e me apaixonar de
vez por eles. Quando eu me formei no Ensino Médio, pensei em cursar TI
na faculdade, justamente por me dar bem com essas coisas, mas eu não
queria ficar enclausurada trabalhando diretamente para um chefe. Eu
sempre amei ficar no Photoshop fazendo edições de fotos, por isso comecei
a pegar trabalhos como designer para alguns conhecidos dos meus irmãos.
— E não há mentira alguma nisso, eu realmente faço, às vezes, esses
trabalhos. E gosto muito, porque me dou super bem com o Photoshop. —
Então, acabei me profissionalizando.
— Você podia fazer as artes digitais do Ravina. Depois manda seu
portfólio pra mim, pra eu mostrar aos meus amigos.
Assinto balançando a cabeça, e embora a culpa me corroa feito um
ácido, dilacerando a minha pele, por tê-lo roubado, ainda acho fofo ver o
quanto ele confia em mim para querer que eu faça as artes do seu negócio.
Um dia, eu vou trabalhar só com isso, fazendo artes para empresas e
perfis na internet, o que nunca me deixará rica, mas me permitirá viver bem
até fora do país. É a coisa mais limpa que eu sei fazer para ganhar dinheiro.
— E você, como se sente agora, que é um empresário?
É impossível não me sentir uma cadela quando eu me lembro de que
tentei atrapalhar isso, ou o quanto o Harry vai me odiar quando descobrir. E
eu sei que todo esse ódio foi o que eu vim buscar quando me comprometi a
destruí-lo. Eu só não imaginava que no meio do caminho tropeçaria em um
sentimento tão puro, a ponto de desejar que ele apenas me ame, que, um
dia, entenda o meu ódio e me desculpe pelo que eu fiz. Que... possamos
ficar bem. E mesmo apaixonada, eu não sei se sou capaz de perdoá-lo.
Harry me arrancou muito. E a menos que tenha uma desculpa convincente
para a grande merda que fez, eu não sei se conseguiria passar por cima de
tudo para ficarmos juntos de verdade.
É uma utopia desejar isso agora, um relacionamento real com ele.
Eu não sou criança, sei que é apenas a pura, poética e fodida destruição que
nos aguarda.
— Estou muito feliz por me sentir mais parte do Ravina agora.
Obrigado, de novo, por ter me ajudado com o meu avô. E tem mais, estou
gostando do que estou tendo com você. — Merda! Ele é tão fofo! Eu giro
meu corpo no sofá, monto de frente em seu colo, grudo em seu pescoço e,
como a vadia carente que sou, abraço-o apertado. — Imagino que seja um
assunto difícil para você, mas eu queria perguntar algumas coisas, caso se
sinta bem para responder...
Inspiro bem fundo, e quando exalo, tentando ficar mais leve, vejo
que é impossível aliviar a carga dentro de mim. Eu nunca me apaixonei, e
por que imaginei que, quando acontecesse, seria algo ao contrário de
caótico? A minha vida sempre foi um emaranhado de problemas, não seria
diferente agora.
— Pode perguntar, amor. — Deito a cabeça em seu ombro, sentindo
que poderia sobreviver só me alimentando de seu cheiro.
— Amor? — Sinto seu sorrisinho espantado. — Acho que posso me
acostumar com você me chamando assim... — Sorrio, com as bochechas
esquentando de vergonha, porque a maneira carinhosa com a qual o chamei
só escapou, feito uma fugitiva, e eu sequer percebi. — Sobre o que o Rafael
me contou, o vício em sexo, como isso começou?
Brinco com a aliança em seu colar, sentindo suas mãos passeando
pelo meu quadril. Harry está bem duro contra a minha calcinha, mas
entendo que deve ser difícil não ficar, pois esta posição nos deixa bem
encaixados. E por mais que o assunto seja sério, estamos cheios de tesão um
pelo outro. Eu sei que sou gostosa e que minha calcinha ainda está molhada,
porque, depois que gozei, Harry a colocou no lugar. Como eu ainda nem
tomei banho, ela está ensopada com os resquícios da nossa safadeza no
condomínio de seus amigos.
Porra, eu nem acredito que transamos para valer, e daquele jeito, no
meio do condomínio. Céus, nem em mil anos eu imaginaria que transar com
ele seria tão gostoso!
Enquanto a minha mente divaga sobre o que fizemos, eu me lembro
de que não o respondi. Mas ainda não posso contar ao Harry os detalhes da
seita. Se eu falar do Vale, será uma sequência de pensamentos que
terminará no exato momento em que os nossos mundos colidiram. Em que
ele entrou na minha vida sem permissão e, feito um fantasma, assombrou-
me por anos.
Beijo seu pescoço, buscando no calor de sua pele algo capaz de
aplacar a raiva que estala em meus ossos, que arde em minha pele quando
eu me lembro do dia em que o vi, em que percebi que ele era real, não um
fruto da minha imaginação, como Rafael gritou para mim por tantos anos.
Arrasto meu nariz em sua pele, aliso os músculos comportados de
seus braços e, só quando me sinto calma o suficiente, longe o bastante dos
pensamentos raivosos, consigo dizer:
— Tem coisas que eu ainda não posso contar. Um dia, direi tudo a
você, mas, agora, falarei apenas de quando percebi que algo estava errado
comigo. Na verdade, não fui eu quem percebeu primeiro, foi o Rafael. —
Eu me afasto um pouco, erguendo o corpo e entrelaçando as mãos atrás de
sua nuca, olhando em seus olhos para prosseguir. Harry está com uma
carinha de sono, afinal, além de ter bebido com os amigos, já é madrugada.
— Eu fiz sexo muito cedo, e por agora é o que você precisa saber sobre o
meu vício. Quando nos mudamos para uma casa na Barra da Tijuca, eu
comecei a sair com os adolescentes do meu condomínio. Eu não ligava se
eram meninos ou meninas, só queria gozar, por isso nunca ficava apenas
nos beijos. Eu fazia sexo mesmo, e acabei malfalada. É óbvio que os
murmúrios sobre a garota que transava com qualquer um chegou aos meus
irmãos, e um dia o Rafael me pegou no flagra com um garoto. — Embora o
rosto de Harry esteja sério, suas carícias em meu corpo evidenciam que
deseja me confortar. — Ele me obrigou a ir a uma psiquiatra, e então veio o
diagnóstico de que eu estava com uma compulsão sexual. Eu não conseguia
lidar com qualquer emoção negativa, como raiva, ansiedade, tristeza... Eu
compensava, e ainda compenso, com sexo. Posso transar inúmeras vezes e
nunca fico satisfeita. Para piorar, como é sempre com estranhos, eu me sinto
muito culpada depois. Só com você, por mais clichê que possa parecer, é
que foi... diferente. Foi novo e bom de verdade. Não foi doloroso.
E eu sei que não me sentir suja quando entrego meu corpo a ele é
mais um ponto que me faz gostar tanto do Harry.
É como tirar um peso do meu peito poder falar sobre isso. Embora
eu tenha contado do Vale às meninas, eu não falei sobre a ninfomania, mas
sei que, se nos virmos todos os dias, e elas sendo tão legais, acabarei
confidenciando isso também.
— Você pode me contar aos poucos, quando se sentir confortável,
Branquinha. E eu nunca sentiria nojo de você por isso, como você disse
ainda há pouco, lá no La Grassa. — Sua voz é tão carregada de
compreensão que me derrete inteira. — E devo ser um viciado também,
estou sempre comendo desconhecidas por aí.
— Estava! — corrijo, fechando o semblante e sentindo raiva só de
pensar nisso. — Você é só meu agora!
— Fica tranquila. Embora todas me queiram, agora eu realmente
sou todinho seu!
Dou uma boa risada, amando como ele consegue trazer leveza a um
momento tão pesado como este. Eu não aguento essa fofura dele, por isso
encho sua cara linda de beijos, muitos beijos, um atrás do outro, pelo rosto
inteiro, com o coração quentinho, explodindo com esse sentimento novo e
arrebatador que faz meu peito bater de um jeito muito mais forte.
— Eu cheguei a fazer um tratamento, mas acabei cansando, por não
ver resultados.
— Por que não tenta voltar? Eu gostaria que você fizesse isso... —
Harry segura meu queixo agora, e com a outra não, coloca uma mecha de
cabelo atrás da minha orelha. Seu olhar é cuidadoso, e se eu pudesse ver
meu próprio rosto agora, estaria nítido que estou hipnotizada por esse
homem. — Sei que acabamos de ficar juntos, mas como prometi, vou te
ajudar com isso até te ver melhorar. Depois do que o seu irmão me contou,
eu dei uma pesquisada no assunto. Encontrei uma médica na internet muito
bem avaliada e especialista nesse problema. — Ele dá um jeito de enfiar a
mão no bolso da calça, erguendo-me um pouquinho de seu colo, e pega o
celular. — Estou enviando o contato dela para o seu WhatsApp.
Deito a testa em seu ombro e sopro o ar pela boca, enquanto ele
termina de mexer no telefone e o coloca no assento ao nosso lado. Sinto que
devo mesmo fazer isso, deixar a minha ira um pouco de lado e me tratar,
cuidar da minha cabeça, antes que isso me coloque em situações muito
piores.
O medo do Rafael sempre foi de que eu acabasse machucada, sendo
estuprada, ou coisas mais graves enquanto eu me metia em situações para
transar. E quando o Harry e eu terminarmos, sei que me lançarei no fundo
do poço. Talvez eu devesse ter uma médica, uma psicóloga, profissionais
para me ampararem quando tudo ruir de vez entre nós.
Se eu não o tivesse deixado entrar, talvez não fosse sofrer tanto.
Agora, já não tem como voltar atrás. Harry já me invadiu, já está em cada
célula minha, com seu charme me ganhando de dentro, infiltrando-se em
meu coração.
— Ok! Vou marcar uma consulta com ela. — Ergo a cabeça e fito
profundamente seus olhos. — Você pode ir comigo?
Sei que soa patético pedir isso a ele, mas... acho que vou me sentir
mais segura e ter coragem de comparecer, do contrário, vou acabar fugindo
e desmarcando em cima da hora.
— É claro que sim! É só me avisar antes, que eu desmarco o que for
para ir contigo.
Deito a cabeça em seu ombro novamente, e não sei por quanto
tempo ficamos em silêncio após a conversa. Mas suas mãos nas minhas
costas, escalando em uma carícia tão limpa, tão lenta e doce até o meu
cabelo, deixam-me tão calma, tão tranquila, que o sono chega com tudo e
eu durmo no colo do homem que agora já não sei se odeio, nos braços do
homem que me confunde inteira.
“Não posso voltar para casa sozinha de novo.
Preciso de alguém para aliviar a dor.”
Habits (Stay High), Tove Lo.
Faz dois dias que eu aprendi que ficar com o estômago doendo de
fome consegue tirar o meu foco do vício. Dan tem chorado no pé da minha
cama tentando me fazer comer, pois são quase 48 horas que eu não deixo
nada entrar. Mas ele não entende. Se eu abrandar esse buraco na minha
barriga, a minha dor vai me levar direto para onde eu não posso ir. Para
onde eu não quero ir.
Estou imunda, com o corpo apodrecendo na mesma intensidade com
que a minha alma está suja. Meus cabelos têm nós que eu sequer consigo
contar, e se tomei um banho desde que vi o Harry, foi muito.
Eu durmo quase o dia todo, e só consigo isso porque tomo um
sedativo controlado, que comprei de um farmacêutico duvidoso que me
vende sem receita.
No dia em que o Harry terminou comigo, cheguei à casa dos meus
irmãos e desmoronei no meio da sala, e acho que só chorei tão alto no dia
em que perdi o meu filho.
Quando a minha mãe e o Ivan morreram, eu não chorei. Eu não fui
capaz de derrubar uma só lágrima vendo seus corpos nos caixões, vendo pás
e mais pás de terra cobrindo-os para sempre. Pensei que já tinha sofrido a
ponto de minhas glândulas lacrimais atrofiarem.
Mas eu tenho chorado tanto que meus olhos estão inchados, com as
pálpebras doendo. Eu só não choro quando estou dormindo, e embora eu
tivesse pensado que teria pesadelos ruins, agora meu inconsciente resolveu
debochar de mim. Eu tenho sonhos lindos, onde sou feliz com o Harry,
onde ele me perdoou e vivemos uma história de amor. Às vezes, eu nos vejo
nos casando; em outras, estamos nos beijando, fazendo coisas de casal. Mas
quando eu acordo, a realidade é uma só: estou tendo meu destino merecido.
É deprimente a quantidade de vezes ao dia em que eu entro no
WhatsApp para ver se Harry me enviou algo, ou para olhar sua foto, ver se
está on-line, se postou algum status.
Eu enviei muitas mensagens a ele quando saí da casa do Isaque,
depois que mandei o print da devolução do seu dinheiro, e as reli mil vezes,
mas nenhuma delas foi respondida. A única coisa que o Harry fez foi
devolver os quarenta mil a mais que eu mandei para ele, como juros pelo
que fiz. Ele só devolveu o valor, não disse nada.
Embora Harry não tenha me bloqueado, é como se o tivesse feito. E
eu não posso reclamar, não tenho nem mesmo coragem de esperar que ele
volte comigo.
E todos os dias, eu afundo.
Afundo.
E afundo.
Sem qualquer esperança de um dia emergir.
Eu nunca pensei que amar doesse tanto, mas sei que só dói porque
eu quis assim, porque fui uma fodida de merda que achou que tudo era
resolvido com vingança, com revanche. Eu trucidei alguém que nem
merecia. Na verdade, alguém que seria a minha cura. Que já estava sendo.
O Rafael está vindo aqui hoje. Ele estava numa viagem, pois é outro
vingativo. Ele vive e respira para encontrar as pessoas que julga serem as
responsáveis pelas coisas que vivemos na infância, as pessoas que ele tem
medo de que nos encontrem e nos façam mal. Por isso, ele sempre diz que
os encontrará antes. Mas essa é a vingança dele, não me diz respeito,
porque eu já queimei quem mais merecia o meu ódio.
Samuel bate à porta, e sei que é ele só pelo cheiro suave do seu
perfume, um pouco amadeirado, mas que sempre rouba a cena onde quer
que ele vá.
Eu coloco a cabeça para fora da coberta felpuda branca, fitando seus
olhos cor de mel, seu rosto quase uma cópia da face do Daniel.
Meu irmão se enfia embaixo da coberta comigo, e sendo dengoso
que só, ele me puxa para deitar a cabeça em seu peito. Estou na casa deles
desde que saí do condomínio do Isaque, porque aqui é onde habita o meu
único mundo, o lugar que pode impedir que eu faça uma besteira.
Eu sabia que estava pulando do abismo com essa vingança, eu só
não imaginava que a queda pudesse me matar, e, de fato, ela quase mata. E
só não faço mesmo uma merda mais séria por causa deles, porque já
sofreram muito.
— Sabe que o Rafael vai querer pegar o cara, né? — Sua voz
melodiosa e calma me faz olhar para cima e ver a boca com resquício de
brilho labial incolor.
A namorada dele está pela casa, e embora eu odeie vê-la o beijando,
gosto dela. A Vitória faz bem a ele, porque o Samu não gosta de ficar
sozinho, e quando ela não está por perto, ele está sempre grudado em um
dos garotos. O Samu quer se casar com ela, mas tem medo de que a Vitória
descubra que ele está metido nos esquemas do Rafael.
Reflito sobre ele mencionar que o nosso irmão mais velho vai querer
pegar o Harry. Eu precisei contar tudo aos meus irmãos, porque, quando
cheguei aqui cheia de hematomas e chorando, dois deles, Adam e Elias,
pegaram de arma a soco-inglês e já queriam ir para o meu prédio, pensando
que o Harry tinha batido em mim. E quando eu contei tudo, eles ficaram
chocados, incrédulos com o que eu fiz. E pior, incrédulos por eu ter
encontrado o garoto que todos juravam ser um fantasma, uma criação da
minha mente. Diferente de como eu imagino que será a reação do Rafa, eles
entenderam a história e não pareceram ter raiva do Harry. Na verdade,
alguns dos meus irmãos ficaram chateados comigo, com o que eu fiz, com o
que eu escondi.
Dan me deu um sermão, chorou, disse que achou que eu confiasse
nele. Mas, no fim, ele me entendeu, e me aconselhou a me perdoar, a
entender que eu agi como as circunstâncias pediam. Que eu era
praticamente uma criança, traumatizada, em choque, que criei no Harry um
demônio, e depois agi do único jeito que sabia para resolver as coisas: com
vingança. Mas nenhuma de suas palavras farão com que eu me perdoe. A
sua passada de pano para mim é porque sou sua irmã, pois qualquer pessoa
consegue ver que eu fui uma filha da puta.
Eu entendo o peso do que fiz, e justo com o homem que me aceitou
com a minha sujeira e tudo, que me quis, que confiou em mim.
E mereço definhar de dor, assombrada para sempre com o peso do
futuro perfeito que eu mesma arruinei.
— Ele não é nem doido de querer fazer algo com o Harry! — Minha
voz endurece, e mesmo fraca, pela fome, eu ganho força ao pensar em
surtar se tocarem nele. — Vou ter um papo bem sério com o Rafael.
— Você não vai comer mesmo? Vai continuar assim?
Agora meu irmão faz cafuné na minha cabeça, enquanto eu percorro
a estampa do Homem Aranha na frente da sua blusa preta. Eles são todos
carinhosos comigo, afinal, eu sou a caçula. Embora eu seja infinitamente
mais ligada ao Rafa e ao Dan, também amo todos os outros.
— Não estou com fome.
Enquanto digo, Adam surge na porta do quarto carregando um copo
de vidro. Ele fica engraçado no meu quarto rosa, porque, todo de preto,
como o típico roqueiro que é, destoa de tudo. Ele se senta na borda da
minha cama branca de dossel, no quarto de princesa que fizeram para mim
aqui.
As paredes de um rosa pálido, o piso branco, os móveis claros com
detalhes em rosa, tudo faz parecer o quarto da Barbie, e eu adoro, é um bom
refúgio.
— Vai um suquinho, princesa? — pergunta Adam, com a voz
costumeiramente anasalada. Mas no segundo em que me oferta, espirra com
tudo em cima do copo. — Desculpa!
Seu cabelo castanho, um pouco mais claro que o meu, está
bagunçado, e com sua alergia emocional, um presentinho que o Vale deixou
para ele, Adam vive espirrando ou com o nariz escorrendo, quando não está
cheio de urticárias. Seu rosto longo é bonito, e o nariz reto e a barba rala e
castanha fecham com chave de ouro o quanto meu irmão é lindo.
Eu o ignoro, pois não quero suco de laranja, ainda mais cheio de
meleca.
E não consigo deixar de pensar no quanto o Vale fodeu a todos nós.
Eu tenho seis irmãos vivos, e enquanto o Daniel não fala, por ter
presenciado o meu ritual de iniciação, o João tem uma depressão crônica;
inclusive, está bem acima do peso por causa disso. Ele nunca sai de casa, é
o escudeiro fiel do Samuel, e quando não está dormindo, está jogando
videogame ou conversando com seus amigos virtuais. Por outro lado, os
mais novos, Elias e Adam, são os que menos parecem traumatizados. Elias
é extremamente animado e expansivo; onde chega, vira a alma do lugar,
chamando atenção pela simpatia e o sorriso fácil. Fora a sua beleza sem
igual, que atordoa as mulheres por onde passa. Ele nunca para com
nenhuma delas, e gosta da vida do crime, porque assim pode ter carros
velozes para os rachas que participa.
Adam é mais tranquilo, mas tem essa alergia toda quando fica muito
ansioso. Ele até tem uma vida social legal, e fica com uma garota de vez em
quando. Eu já a vi com as camisas dele pela casa várias vezes, e já senti
vontade de chutar a bunda bonita dela para fora daqui. Não que eu tenha
ciúme dos meus irmãos, mas eu a achava uma abusada por andar desse
jeito, como se a casa fosse dela. Na real, talvez eu tenha ciúme, sim. Eu
adoro a Vitória, namorada do Samu, mas de longe. Eu nunca deixei a minha
cunhada se aproximar muito de mim.
Adam e Samuel começam a falar sobre chamarem a minha
psicóloga aqui, para me ajudar e me fazer comer, porque sabem que agora
eu tenho uma, e abraçando mais o meu irmão, eu começo a me desconectar
do mundo, pensando que uma garrafa de tequila seria uma boa para foder
mais o meu estômago e o deixar doendo, para ofuscar ainda mais qualquer
vontade de trepar.
É a presença pesada surgindo na porta que nos faz silenciar. Usando
jeans e uma regata preta larga, Rafael guia seu corpo tatuado até a minha
cama. Ele me encara, e quando vê o meu estado, suas sobrancelhas se
erguem. Em choque, ele fita o terrário da Nagini, que está enrolada no galho
lá dentro, no canto do quarto, ao lado da porta do banheiro. Dan a trouxe
para cá, para cuidarmos dela e também na esperança de me animar. Rafael
parece juntar as peças e perceber que eu voltei para casa, e que isso
significa que eu terminei com o Harry. Ele trinca o maxilar ao notar minhas
olheiras e ver a marca amarelada dos apertões no meu braço, pois estou
usando uma das camisetas largas do João, a única coisa branca e leve em
mim agora, porque, se eu fosse uma cor, seria cinza.
— Que porra rolou? — ele pergunta, tirando um maço de cigarros
do bolso da frente.
Eu me levanto, erguendo a mão para que ele me dê um cigarro. Mas
Samu a abaixa, dizendo bem baixinho:
— Só vai fumar se comer!
Afundo de volta em seu peito, bufando.
— Ela tem uma baita história pra contar, cara! — Adam fala,
desistindo de me dar o suco e o bebendo, enquanto Rafael acende o fumo.
— E não quer comer. Está há 48 horas sem botar nada pra dentro. Nem o
Dan conseguiu fazer a nossa princesa se alimentar. E se o Dan não
conseguiu, ela só vai comer quando quiser...
— O que aquele pau no cu aprontou? — Rafael indaga e traga bem
fundo o cigarro. Seus olhos já estão longe, expelindo fumaça junto à que
solta pelas narinas, certamente pensando em vingança. — Vou lá, pra
termos uma conversinha de homem pra homem.
Meu corpo gela, e o sangue em baixas temperaturas parece congelar
minhas veias.
— Não! Se você chegar perto do Harry, se sonhar em fazer qualquer
coisa com ele depois do que eu te contar, ou jogar uma piada sequer, vai me
perder! Estou a um pequeno passo de desistir desta vida de merda, então,
faça algo com o homem que eu amo e me perca de vez! — Mesmo sem
forças, mesmo completamente esgotada, eu consigo gritar. E só então, com
as palavras deslizando pelos meus lábios, sem eu conseguir as conter, é que
eu me dou conta do que disse. Eu disse... que o amo! E embora eu queira
pensar mais sobre isso, ainda preciso conter essa fera que chamo de irmão.
— Senta na porra daquela poltrona! — Aponto para o estofado embaixo da
larga janela, adornada por cortinas brancas com estampa florida. — E
escuta tudo!
Nossos irmãos estão em silêncio, esperando Rafael explodir por eu
ter gritado com ele, porque, em nossa casa, ele é a autoridade. Rafael é o
responsável por todos nós, e eu sou a única que o peita, embora já tenha
tomado tapas nos braços e ficado de castigo por causa disso. Mas foram
palmadas tão leves que não matariam nem formigas.
Eu conto cada detalhe do que aconteceu, sobre a balada, a minha
vingança, os meus sentimentos crescendo, Harry me ajudando a me tratar, e,
por fim, sobre o nosso término e a descoberta da sua inocência.
Rafael está impassível, mas quando eu termino de falar, ele revira os
olhos.
— Como você é inocente... — Rafael me olha com raiva, mas vendo
meus olhos marejarem, a maneira como eu me agarro mais ao Samuel, em
como ele me abraça e beija a minha cabeça para me consolar, seu semblante
suaviza. E ele melhora o tom de voz quando continua: — É claro que você
ia se apaixonar. E olha pra você agora... arruinada. Você não é má, Branca,
não teria como sustentar essa vingança. — Ele termina o cigarro e,
irritando-me, apaga-o na minha cômoda branca e repleta de adesivos da
Hello Kitty, sujando a madeira. — E fica tranquila, nem tem por que eu
querer bater nele depois de descobrir isso tudo.
Eu respiro aliviada, ao menos não preciso me preocupar com a
segurança do Harry.
Meus irmãos conversam um pouco, depois tentam me convencer a
comer, e eu não cedo nem pela insistência e os puxões de orelha do Rafael.
Por fim, eles entram no consenso de que se eu não comer até o fim do dia,
ligarão para a minha psicóloga para ver o que fazem. Quando me deixam
sozinha, sou afogada, puxada para baixo, dançando no escuro com todas as
lembranças dos momentos bons que vivi com Harry.
E dói tanto.
Choro até que minhas pálpebras pesem e eu pegue no sono.
Sinto cócegas no rosto, mas sei que o peso no colchão ao meu lado é
do Daniel. Abro os olhos devagar, notando-o me encarar com preocupação,
com os olhos caídos e um semblante triste.
“Tem gente querendo te ver.”
— Quem?
Ele se levanta da cama, depois sai do quarto, e meu coração chega a
acelerar pensando no que sei ser impossível, pensando que é o Harry, que
veio responder às minhas mensagens pessoalmente.
Então, eu penso no quanto estou suja, fedorenta e decadente. Planejo
correr para o banheiro e tentar dar um jeito em mim, mas quando o trio de
garotas entra pela porta, eu afundo na cama.
Eu nunca contei as elas sobre esta casa, que meus irmãos moram
aqui, então, ou foi o Daniel ou o Harry que deu o endereço.
É uma mistura de alívio e tristeza ver o rosto das três. Ana, Maria e
Isabela têm reações diferentes quando me encaram, e o que eu estranho é
ver o Daniel voltando para o quarto, e sua cara de medo me chama atenção.
Ana parece triste; Maria, horrorizada com o meu estado. E Isa tem um
estranho semblante determinado.
Isabela está fofa em um vestido soltinho vermelho. Seus olhos me
percorrem, e antes que a raiva domine por inteiro as suas feições, a pena faz
uma breve aparição.
Ana e Maria trocam olhares assustados, o que me deixa ainda mais
confusa. Penso em dizer algo, mas Isabela puxa com tudo a coberta do meu
corpo, fazendo-me sentir frio. Meu coração quase salta da boca, tenho medo
de que ela bata em mim.
— Daniel nos pediu ajuda! — ela fala, cruzando os braços e me
encarando. Tem tanta força no rosto dessa mulher que eu me sinto até
pequena diante dela, embora a tampinha aqui seja ela. — Então, levanta
dessa porra e vai tomar um banho!
— Eu...
— Bora! — Isa pega meu antebraço e me tira da cama, e temendo
encostar em sua barriga se resistir, eu apenas obedeço quando ela me arrasta
para o banheiro. Meus olhos estão arregalados quando Isa me leva pelo
cômodo claro até o box, ou quando abre a água fria em cima da minha
cabeça. — Não vai ficar na porra da cama sentindo pena de si mesma! Fez
uma grande merda, então, levanta a porra da cabeça e lida com as
consequências!
Eu me abaixo no piso, abraço os joelhos e choro. Eu não tenho
forças, nem vontade, para me cuidar, para reagir, para fazer nada.
— Reagir pra quê? — Minha voz é quase um sussurro. — Eu fodi
com tudo, Isabela.
— E pra poder consertar, precisa estar viva! — Não ligando por se
molhar, ela se abaixa e, com força, arranca a minha blusa pela cabeça.
Eu sinto vergonha, tento cobrir meus seios, mas Isabela não parece
se incomodar. Sei o que ela está fazendo, está me dando um choque de
realidade, sendo dura na dose que eu preciso para que consiga escalar o
poço e sair do fundo.
Ela joga xampu no meu cabelo e, com paciência, começa a lavá-lo,
sendo gentil.
— Pegue esta escova, mas vá devagar — Maria fala, mas como
estou olhando para o chão, eu não a vejo. — Não machuca a Branca!
Eu gosto do que isso tudo significa, mesmo sentindo o coração tão
dolorido. Significa que elas gostam de mim, que se importam comigo.
Isabela enxágua o xampu, e no condicionador, começa a desfazer os
nós do meu cabelo com a escova. Eu quero tomar banho sozinha, mas estou
tão fraca que, mesmo sentada no chão do box, ainda sinto tontura. É só
quando ela termina de lavar o meu cabelo que me puxa para cima, entrega-
me um sabonete e se vira de costas. Eu vejo a Maria parada diante da porta
do banheiro, e, lá fora, consigo ver o Dan e Ana conversando. Ela fala, e ele
parece responder digitando no celular e virando a tela para que ela leia.
Eu me lavo direito, vendo a água suja escorrer de mim, depois
aproveito para escovar os dentes. E quando estou limpa o suficiente, Isabela
me entrega uma toalha. Estou lenta quando saio do box. Daniel, então, entra
no cômodo e me entrega um conjunto de baby-doll azul-claro. Depois de
vestida, volto para a cama, e então exalo o ar que parecia preso em meu
peito.
As meninas se amontoam ao meu redor, sentando-se na cama king, e
nem por um segundo deixam de me encarar. Rafael surge no quarto com
uma bandeja de comida. Meu estômago revira e eu fico enjoada só de olhar.
Embora com fome, eu não sinto vontade de me alimentar. Mas meu irmão,
parecendo ter combinado com o Dan de deixar a Isabela tomar a frente,
entrega a bandeja para ela.
— Você vai comer! E, depois, nós quatro vamos conversar sobre
tudo isso! — Isa diz, colocando a bandeja sobre o meu colo.
Isabela está toda molhada, e Daniel entrega a ela uma toalha e um
dos meus vestidos. Isa entra no closet, ao lado do terrário da Nagini, dando
vários pulinhos assustados quando nota a cobra, o que faz um sorriso torto e
quase inexistente se formar em meus lábios.
Quanto eu sondo o quarto, meus irmãos já se foram, deixando-me a
sós com as meninas. Maria alisa a barriga por cima do macacão nude, e
sentada à minha frente com as pernas dobradas ao lado do corpo, encara-me
cheia de expectativa.
Olho para a bandeja em meu colo, tem um prato de sopa e um copo
de suco.
Respirando fundo, eu pego a colher. Pelo longo período sem comer,
quando eu a mergulho no caldo, minha mão trêmula faz com que eu derrube
um pouco do líquido na bandeja.
— Se quiser, eu posso fazer aviãozinho — Ana brinca, dando uma
piscadinha de olho para mim, o que faz meus olhos marejarem. — A Júlia
come tudinho quando eu faço isso.
Maria dá uma risadinha fofa, e quando eu sorvo a primeira colher,
acabo rindo também.
— Foi o Dan quem pediu para vocês virem? — pergunto. — Foi
assim que descobriram onde eu estava?
Ana assente, então se arrasta para o travesseiro ao meu lado, onde
Samuel esteve deitado há pouco, quase pagando calcinha quando seu
vestido branco solto sobe um pouco.
Isabela volta para o quarto, o vestido curto e apertado em uma
malha preta lhe caiu muito bem. Ela engatinha pela cama e se senta ao lado
da Maria.
— Sinceramente, tu é uma vilã de araque! — Isabela diz, e Ana já
bufa, revirando os olhos para ela. — Cara, como pôde querer se vingar
sentando no pau dele? Tinha tudo para dar errado...
Uma lágrima escorre pelo meu rosto no mesmo instante que meus
ombros despencam. Eu não quero fazer bico, feito uma criança, mas faço
mesmo assim. Eu me sinto péssima por tudo, e só de mencionar o Harry... já
dói.
Eu sinto saudades. Nós nos víamos diariamente, e agora faz dois
dias que eu definho. É incrível como ninguém morreu, mas a sensação de
luto ainda paira dentro de mim pelo relacionamento que eu mesma
assassinei.
— Para, Isabela! Ela já está mal o suficiente! — Maria ralha,
virando-se de lado e olhando feio para a amiga. Mas seu rosto se suaviza
quando ela se volta para mim. — Estamos aqui porque gostamos de você,
Branca. Já ficamos sabendo de tudo, o Harry nos contou cada detalhe. E,
sinceramente, depois de conversar com o Daniel, tivemos a certeza de que
você não é uma pessoa ruim, só estava machucada.
— Vocês deveriam me odiar... — digo. — Eu entenderia.
— Nada disso! — Ana fala, alisando meus cabelos úmidos, depois
descendo o nó do indicador por minha franja de impostora. — Ser uma
bostinha é para sempre, gata.
— Achou que ia se livrar da gente? — Isabela levanta uma
sobrancelha. — Eu sou teu carma, Branquinha. Até depois que você morrer,
eu estarei lá, lembrando que foi você quem escolheu ser minha amiga. Não
sabe a merda em que se meteu...
Eu dou outra risada, desta vez, mostrando os dentes, com uma
lágrima descendo pelo nariz e entrando em minha boca, vendo a Maria
dando um tapinha no braço da loira, sem conseguir segurar o próprio riso.
Sorvo mais sopa, gostando de aliviar a fome e do quanto a presença
delas atenua, um pouquinho que seja, o buraco em meu peito. Quando
pouso a colher no prato, corro os olhos pelas três.
— Eu nunca fui falsa com vocês. — Sou sincera. Sinto meu coração
se apertar ao ver seus olhos cheios de expectativa para o que vou dizer. Os
olhos de Isa, mesmo ela sendo a mais durona, enchem-se de lágrimas. —
Eu nunca tive amigas, nunca confiei em garota nenhuma para me abrir. E eu
amei vocês tão rápido que sempre me sentia uma impostora ao pensar que
magoaria as três quando terminasse com o Harry. Porque eu não achei que
tivesse pelo mundo mais garotas ferradas como eu, de braços abertos para
mim, me oferecendo um amor genuíno. — Isa limpa a bochecha, tentando
endurecer a postura, mas não consegue, então desiste de brigar com as
lágrimas e as deixa rolar soltas. — Vocês não têm ideia do quanto eu fiquei
ansiosa quando me chamaram para a noite das garotas, porque ali eu fui
algo que nunca fui capaz de ser: uma garota normal. E eu me senti
pertencente, amada de volta.
— Que bom que não nos enganou. — Isabela alisa o meu pé, e eu
gosto quando ela, talvez sem nem perceber, começa a fazer massagem nele.
— Fiquei triste achando que você tinha brincado com a gente como fez com
o Harry.
— Eu não brinquei, Isa.
— Agora vejo que não — ela diz.
— Ficamos magoadas pelo que fez com o Harry, mas nem
precisamos dizer que ele não merecia, ele nos contou que você entendeu
isso — Ana fala, fazendo meu corpo todo doer. — E te perdoar, te querer
com a gente é possível, porque não precisamos escolher entre você e ele. O
Harry nos disse que não se importava se ainda quiséssemos ser suas amigas,
então ficamos aliviadas por ele não se opor a virmos aqui.
— Pensei que nem fossem mais querer olhar na minha cara. —
Suspiro ao me lembrar.
— Na verdade, ficamos incrédulas com tudo isso, mas queríamos te
ouvir. Tudo parecia surreal demais... — Maria fala. — E tivemos dúvidas se
não éramos parte da sua vingança, mas o Harry foi lá falar com todos nós.
Ele contou como passou a te enxergar depois da conversa que tiveram com
o avô dele, e que percebeu que você gostava realmente de nós.
Então, foi ele quem me ajudou a não perder as meninas?
Se inferno existe, meu lugar lá está bem garantido por ter feito mal a
ele.
— Eu o perdi. — Eu desmorono, e choro tanto que até a bandeja
balança e a sopa escapa pelas beiradas do prato. — Agora eu vejo que
sempre sonhei com um príncipe, mas perdi o meu, porque fui sua bruxa má.
— Os olhos das meninas despencam e um silêncio toma o quarto inteiro,
meus soluços são o único barulho. — Como ele está?
Elas se entreolham, mas é Maria quem quebra o silêncio:
— O Harry pediu que não falássemos dele com você.
Eu olho para baixo, triste, mas entendo, principalmente a lealdade
delas ao amigo.
— Ele tá fodido, igualzinho a você — Isabela fala, deixando Maria
e Ana boquiabertas. — Ah, o que é? — pergunta às garotas, apertando um
nó no meu pé que me faz gemer. — Eu não sou baú pra guardar segredo!
Ele tá triste, ficou sem comer, igual a você. Bebeu e foi lá pra casa dizer ao
Nate que você não prestava, que era uma bandida que tinha roubado o
coração dele.
Cara, eu amo essa garota!
E por que ouvir isso me deixa animada? Não saber que ele está
sofrendo, mas sim que sente algo ainda. Que não me varreu completamente
do seu coração.
— Meu Deus! Como você é fofoqueira! — Maria ralha, jogando as
mãos para o alto ao lado da cabeça e desistindo de brigar com a Isabela. —
Depois você se vira com ele!
— Então, já que a Isabela falou, eu preciso dizer que o Harry falou
que a ama. Mas ele estava bêbado. — Meu coração quase para quando eu
olho para a Ana. — Porém, quando acordou no sofá da minha sala, sóbrio,
disse que não tem mais volta. Que te quer bem, mas que vai lutar pra te
esquecer.
— Depois eu é que sou a inconveniente! — Isabela fuzila Ana com
os olhos. — Pra que contar essa parte? O plano não era juntar os dois,
depois de ver que a Branca realmente gosta dele?
— Ela parece arrependida mesmo, Ana... — Maria concorda com
Isabela. — Não era pra contar essa parte!
Ana olha para baixo, parecendo chateada por ter falado demais.
E mesmo sabendo que elas têm algum plano bobo para nos juntar,
eu ainda me sinto encolhendo, encarando a verdade que já imaginava. O
Harry não me querer é bem óbvio depois da merda que eu fiz. E eu poderia
gritar que vou lutar por ele, que vou atrás dele implorar o seu perdão, mas,
se fizesse isso, eu estaria mais perto da Veneno do que da Branca. E hoje eu
odeio a Veneno. Eu a quero morta, enterrada, porque percebi que tudo o que
fiz foi me arruinar quando coloquei essa vingança em primeiro plano.
— Ele nos pediu para te ajudar a cuidar da sua doença e não te
deixar afundar. Ele parece te amar mesmo, Branca. Estou orando muito pra
que isso tudo passe e vocês fiquem bem, porque mesmo que você tenha
feito tanta burrada, acho que gosta do Harry.
— Eu gosto, e isso é o pior de tudo, Maria. — Reviro os olhos. —
Seria bem mais fácil se eu tivesse quebrado a cara, descoberto que estava
errada, mas sem estar apaixonada. Esse sentimento todo arrebentando o
meu peito é o meu maior castigo.
— Talvez ele só precise de tempo para te perdoar — Ana fala. — O
Josiah aprontou muito no passado, e eu precisei me afastar dele até que, por
fim, ficássemos juntos.
— E somos incapazes de te julgar, Branca. Até os garotos, Bill e
Nate, deram uma passada de pano pra você. — Meus olhos quase saem das
órbitas ao ouvir Isabela terminar a frase. — Não fique surpresa, o Bill é
extremamente vingativo, e disse que no seu lugar nem teria planejado
vingança, teria dado cabo do Harry sem nem perguntar. — Engulo em seco,
com os olhos arregalados encarando a Maria, que cora de vergonha, mas
não nega que seu marido seja assim. — E o Nate, bom, a gente fez da vida
um do outro um verdadeiro inferno antes de ficarmos juntos, então, nem
temos como te apedrejar.
— E o Josiah? — pergunto, virando-me para a Ana.
Ela respira fundo, e depois de umedecer os lábios, responde:
— Ele é um rancorosinho, mas, com o tempo, vai parar de sentir
raiva de você.
Eu empurro a bandeja e a pouso sobre a minha mesa de cabeceira. E
como julgar o marido da Ana? É até bem surpreendente que os outros
tenham passado pano para mim, ou eu ter conseguido alguma empatia.
Isabela é quem me puxa para si, e quando dou por mim, elas estão
me dando um abraço grupal.
— É... sua coisinha venenosa... a gente te ama, e vamos juntar os
seus pedaços — Isabela diz. — Fora que deixamos os preparativos da festa
da tia Isaura nas mãos dos garotos para virmos até aqui te dar um choque de
realidade. — Ela me prensa de costas na cama, e eu morro de rir com os
beijinhos fofos e estalados que me dá na bochecha, enquanto as outras se
afastam aos sorrisos. É estranho sentir meu coração, que parecia apagado, a
ponto de quase desaparecer, ir ganhando cor, vida. — Então, vamos te
arrumar e te deixar bem bonita pra ir com a gente.
Quando Isabela se afasta, eu nego, balançando a cabeça.
— Não! Eu não estou preparada para ver o Harry. Nem tenho planos
de voltar para o meu apartamento.
— Bom, você pode ir à festa... — Ana se estica por cima de mim,
pegando o copo de suco na bandeja e, sentando-se ao meu lado, entregando-
me a bebida. — O Harry disse que não vai. Está na casa do avô.
É bom saber que ele está bem com o Isaque. E espero que isso dure
até os últimos dias do avô dele. É o único saldo positivo do caos que eu
levei para a vida dele. O Harry desmoronaria se o Isaque morresse com ele
longe.
Eu penso na festa. Talvez seja bom para mim. Talvez me ajude a
ficar tranquila. E se eu voltar para o meu apartamento, o Dan e as garotas
podem me ajudar a não abandonar o meu tratamento, a melhorar de vez.
— O que nos diz, vai à festa da minha mãezinha?
Sorrio para a Maria, acenando com a cabeça e amando vê-la bater
palmas.
Espero que elas não estejam mentindo para me enfiar com o Harry
no mesmo ambiente.
“É engraçado, você é quem está destruído,
Mas eu sou a única que precisava ser salva,
Porque quando você nunca vê a luz,
É difícil saber qual de nós está desabando.”
Stay, Rihanna.
Já faz três meses que eu não piso na minha casa. A última vez em
que estive lá, foi no dia em que saí da festa da Isaura. Depois que eu falei
com a Branca, fui para o meu apartamento, coloquei algumas roupas em
uma mala e segui para a casa do meu avô.
Ele nem havia me chamado para morar lá, mas além de não se opor,
abriu o maior sorrisão quando eu perguntei se, enquanto ainda juntava meus
pedaços após o termino com a Branca, podia ficar no meu antigo quarto.
A real é que eu entendi que não dava para me curar, para me livrar
de toda aquela dor, se ainda esbarrasse com ela toda hora pelo prédio. E eu
não queria que a Branca ficasse na casa dos irmãos. Embora isso não fosse
decisão minha, eu preferia que ela estivesse perto das minhas amigas, para
que as garotas a ajudassem a seguir na linha, junto ao Daniel. E fiquei feliz
ao ver que, vindo para o meu avô, ela voltou para o seu apartamento. Eu
soube que Branca não queria ficar lá, com medo de que eu pensasse que ela
estaria me perseguindo ou forçando uma convivência.
As meninas se revezam em me atualizar sobre como estão as coisas
com a Branca, e eu acho que ficar perto das garotas funcionou para ela. Eu
soube que o Daniel dorme todos os dias na casa dela, e que a Branca tem
feito algumas terapias diferentes e, até o momento, tem estado cada vez
melhor. E embora eu me morda de vontade, eu nunca pergunto se ela tem
planos de conhecer outra pessoa. Ou se já fez isso. Pensar nela com alguém
dói, mas eu não sou egoísta de esperar que ela não siga em frente, afinal, fui
eu quem terminou tudo.
Por outro lado, toda vez que estou doido querendo foder, eu me
puno pensando: “E se a gente voltar um dia... e eu for o único que trepou
com outra pessoa?”. Então, eu me lembro de como esses três meses foram
nublados. Eu tive dias em que só dormi depois de virar uma garrafa de
vodca. Tive momentos em que achei que fosse ficar louco, com tantas e
tantas imagens de um futuro onde tudo entre nós dois fosse diferente me
rondando, e fosse feliz, porque é foda como ela sempre pareceu perfeita
para mim, como tudo se encaixou, o nosso beijo, os nossos corpos, o jeito,
os gostos...
Mas eu acho que esse tempo tem sido necessário. Eu não sinto mais
uma só gota de raiva dela. Na verdade, o que sempre ronda as memórias da
nossa história é dor, algumas porções de tristeza e muita saudade. Acredito
que a saudade é o ingrediente mais forte nessa receita toda. A saudade é
tanta que nem parece que o nosso romance foi rápido, que durou tão pouco.
Mas a intensidade do que vivi com aquela mulher foi tão foda, tão gritante,
que eu sentia como se a conhecesse havia eras.
E não é que eu não sinta vontade de sair e comer alguém, porque,
talvez, eu acabe fazendo isso em breve, pois é cada punheta sem graça que
eu bato no banho para aliviar o saco... Só não é tão ruim quando eu deixo
que as memórias das nossas fodas me invadam, quando eu maceto meu pau
com a mão imaginando que é ela. São esses momentos que realmente têm
sabor, mas é só abrir os olhos, ver a minha porra escorrendo pelo ralo do
chuveiro, que eu sinto quão deprimente é ficar preso no fantasma dela.
Desde que eu voltei a morar com o meu avô, passamos a ter uma
relação diferente, uma que eu sempre sonhei em ter. Conversamos sobre
tudo, vemos filmes juntos, falamos das mulheres que meu avô já pegou, dos
lugares para onde viajou... E ele dá boas risadas das minhas merdas, que
agora eu posso contar com mais liberdade. Não existe mais julgamento com
os meus piercings, não tem mais sermões ou cara feia. Ele parece me
aceitar, e por duas vezes segurou meu ombro e chorou pedindo perdão,
dizendo que deveria ter sido um avô melhor para mim.
Vendo-o tão perto do seu fim, eu não quero guardar mágoa alguma.
Sinto tanto medo de perdê-lo que me obrigo a entender que ele não recebeu
amor paterno, por isso não soube dar.
Enquanto piloto pelas ruas da Cidade Maravilhosa, eu me recordo
do dia em que meu avô teve uma piora em sua doença. Faz duas semanas
que a saúde dele decaiu. Ele passou mal em casa, e sua enfermeira, Edna e
eu o levamos correndo para o hospital. Mesmo contra a sua vontade, e até
nos xingando, porque não queria de jeito algum, precisamos interná-lo. Ele
estava com um quadro de sepse, e os médicos nos disseram que a situação
era muito delicada. Embora houvesse um protocolo de tratamento com
medicamentos, só as transfusões de sangue poderiam de fato ajudá-lo
naquele momento.
Sinceramente, meu avô está num estágio tão avançado do câncer
que, quando desenvolveu uma infecção generalizada, eu tinha me resignado
de que sua hora havia chegado. Mas meus amigos inundaram as redes
sociais com pedidos de doação de sangue compatível com o dele. E
tratando-se de câncer terminal, os médicos não viam saída alguma para o
seu quadro.
É claro que meu avô está condenado, com metástase no fígado e
praticamente no corredor da morte, mas se eu puder ter um dia a mais que
seja ao lado dele, eu quero a porra desse dia.
Ao menos uma coisa boa aconteceu diante de todo aquele caos:
muitas doações de sangue, que são essenciais em quadros de choque
séptico, como foi o caso dele. Eu nunca soube quem eram todas aquelas
pessoas, mas com a quantidade gigante de doadores, uma semana depois,
ele foi tendo melhora.
Meu avô ainda está amarelo, magro, e sempre que eu me despeço
dele para ir para o Ravina trabalhar, tenho medo de que seja a última vez
que o verei.
Paro a princesa em uma vaga para motos no estacionamento amplo,
com fileiras e mais fileiras de carros ao nosso redor. Em seguida, dirijo-me
para a recepção do hospital enorme, que mais parece um prédio comercial
do centro da cidade.
Estou trazendo um DVD do filme Duna para assistirmos juntos.
Embora eu tenha dito a ele que tem ótimos streams para vermos o filme,
meu avô tem um grande apego a vê-los no aparelho, e me fez trazer o de
casa.
Notei que ele anda bem mais sorridente nos últimos dias, e mesmo
com a voz fraca e movimentos lentos, disse que tem jogado xadrez com
uma moça bonita do hospital. De início, pensei que fosse algum delírio
dele, por não ter visto ninguém, mas quando notei um tabuleiro pequeno no
canto do quarto dias atrás, percebi que era real, que alguma alma bondosa o
tem feito companhia quando eu não estou. E eu não tenho do que reclamar
da equipe que cuida dele, são todos bem de boa.
Fico na recepção pelo tempo suficiente de pegar meu adesivo de
acompanhante, e enquanto caminho pelo largo corredor branco, cheirando a
álcool e momentos tristes, paro diante da porta clara e ampla, que tem uma
identificação na frente com o nome dele, fora todos os outros adesivos, indo
de amarelo a vermelho, pregados nela, deixando bem claro que tem um
caso complicado lá dentro.
Ouço um risinho de mulher e, por fim, a voz do meu avô:
— Não vai ter pena de um velho com o pé na cova? — Ele tosse,
depois ri com vontade. — Vai mesmo me dar um xeque-mate?
E querendo ver quem é a tal moça bonita, abro a porta lentamente.
Eu quase deixo meu capacete cair quando vejo que é de fato uma moça
bonita. Linda pra caralho! E quando reparo no sorriso que ela está dando ao
meu avô, enquanto move a peça e ganha o jogo, lembro como é uma guerra
inteira lutar para esquecer isso, esse sorriso branco, com dentes lindos e
pequenos, ou a maneira como ela fica vermelha e seus olhos se enrugam e
ficam pequenininhos quando está entregue às risadas.
— Sim, seu chantagista! Eu vou!
Ela faz uma pequena dança com os ombros, rindo sem parar. Meu
avô ergue as mãos e segura a cabeça, com o rosto iluminado e feliz, dando-
se por vencido.
Não querendo ser visto, eu tento ser o mais silencioso possível ao
dar meia-volta, e quando consigo encostar a porta sem ser notado, paraliso
ao ouvir Branca se despedindo.
— Então, eu volto na segunda-feira — ela avisa. — Trarei um jogo
de cartas e um filme novo.
— Nunca vai contar a ele que somos amigos? — Isaque inquire, a
voz diminuindo.
Meu coração se aperta. Então, eles são amigos mesmo? Isso é fofo
pra caralho. Branca não odeia o meu avô. Eu jurava que ela fosse ter
alguma mágoa, pelo quanto mostrou que pode ser rancorosa.
Neste segundo, é difícil saber que porra sentir. Eu quero falar com
ela, mas ao mesmo tempo me manter distante, proteger a nós dois dando
seguimento ao modo como estamos conseguindo continuar com as nossas
vidas.
Eu prometi à Branca que ainda seremos amigos, e, se ela quiser,
quando meus sentimentos estiverem contidos o suficiente, eu tentarei me
aproximar. Mas fazer isso agora seria sucumbir, regredir, e, talvez, até nos
machucar.
— Não. É melhor assim.
Percebendo que ela está mesmo saindo, eu caminho bem rápido para
os fundos do corredor, na direção contrária aos elevadores, dobrando à
direita. É feião ter que colocar a cara para fora da parede para vê-la se
afastando, com medo de que me veja aqui. E eu não sei se é o tempo sem
ela, ou sem trepar, mas só de ver a sua bundona se mexendo naquele jeans
apertado, eu já fico duro feito pedra, com o pau doendo de vontade de ser
aliviado. Quando a vejo pegando o elevador, solto o ar que estava entalado
em meu peito.
Ela parece melhor.
Está mais bonita do que nunca.
Parece mais gordinha, um pouco de nada, mas está melhor do que
da última vez que eu a vi. Com o cabelo mais comprido, a franja linda
totalmente livre e exposta. E ainda tinha um sorriso no rosto quando pegou
o elevador.
Há quanto tempo Branca tem feito isso? Vindo fazer companhia ao
homem que ela deveria ver como culpado por me tirar da cena do acidente?
Por que ela gosta dele? Por que se dar ao trabalho de vir até aqui?
Espero meu pau amolecer, lutando com a saudade maluca de querer
senti-la, de me aproximar. Ouço uma voz na minha cabeça sussurrando para
eu esquecer tudo, para perdoá-la, para fazê-la minha de novo, se ela ainda
me quiser.
Sempre que me veem com cara de bunda, meus amigos me mandam
voltar para ela. Quando ouço uma música de corno, eu me sinto traído e
ferido. E nos pagodes com melodias de término rolando em nossos
encontros, eu choro feito um idiota.
É culpa do signo, com certeza. É uma maldição ser pisciano. Cada
dia é uma humilhação diferente sendo sensível para caralho.
A real é que eu ainda a quero, mas não sei o que fazer. E eu tenho
um vício novo, olhar seus stories.
Branca tem postado coisas sobre a sua vida no Instagram todos os
dias, como idas à academia, novas leituras, quando faz massagem ou até
quando está saindo do consultório da psicóloga. No começo, eu ficava
acanhado, pensava que ela veria que estou a estalkeando, mas, no fim,
chutei o balde. Embora eu tenha lutado para manter uma distância física,
ver as fotos dela, o que tem feito, aplaca um pouco a saudade.
E decidido a sanar as dúvidas sobre essa amizade com o meu avô,
finalmente entro no quarto. Gosto do quanto é amplo, porque quando
decido dormir aqui, eu não me sinto enclausurado. E as paredes de um tom
azul-claro aumentam a sensação de amplitude. Fora a vidraça grande nos
fundos do quarto, com a vista da folhagem de uma árvore, que faz tudo soar
mais calmo. E foi na cama de acompanhante abaixo dela que eu chorei, com
o meu avô no CTI. Mas, agora, gosto de focar nele aqui, nos momentos que
ainda temos juntos.
— Harry?! — Os olhos dele brilham quando me vê. Está usando um
cateter nasal para respirar. — Já chegou? Subiu de elevador?
Eu cerro os cílios para a sua pergunta, para a esperança misturada
com curiosidade em suas feições. A real é que ele quer mesmo saber se eu
esbarrei com ela, o meu carma em forma de mulher.
— Subi. Mas a Branca ainda estava aqui quando eu cheguei — falo,
e em vez de se assustar, ele ri. Eu nem consigo me irritar por meu avô ter
escondido de mim essa amizade.
Ele já me mandou tantas vezes ir atrás dela que eu até perdi as
contas.
Ama dizer que devo perdoá-la, porque ela é só uma menina confusa
e sofredora. E que ainda sonha que um dia nos casemos, porque somos um
casal bonito e mil e outras merdas.
Eu amo e odeio ouvir isso, que ele apoia que um dia a gente volte.
— Então conversaram?
Reviro os olhos, colocando meu capacete em cima do aparador
branco perto da porta, ao lado do aparelho de DVD. Acima dele, a televisão
está ligada, passando um noticiário no mudo.
— Não — respondo, falando a verdade, tirando o casaco de
moletom e ficando só de camiseta. Coloco-o junto ao capacete, pousando o
filme em cima do aparelho de DVD. Então, vou até a poltrona de couro
caramelo ao lado de sua cama. — Ainda não consegui ter coragem de me
aproximar.
— Está com medo da Branca? — Ele ri. — Ela é mesmo poderosa!
— O seu neto sou eu! — resmungo. — E desde quando ela tem
vindo aqui?
— Desde que trouxe os irmãos para me doar sangue — responde
meu avô, como se não fosse nada, colocando o tabuleiro em cima de um
aparador ao lado de seu leito. Está usando a camisola branca do hospital,
com algumas bolas amarelas pequenas estampando o tecido. — Nós
conversamos um pouco. Ela me contou coisas da sua infância e disse que
gostava de mim. A Branca nem precisava, garoto, mas gosta. E entende o
que eu fiz por você. Então, eu me afeiçoei a ela e nos tornamos bons
amigos. Na segunda vez que veio, eu perguntei se ela sabia jogar xadrez. —
Ele raspa a garganta bem alto, fazendo-me levantar para lhe dar um copo
d’água. — Desde então, ela vem algumas vezes na semana, me conta sobre
a sua vida, os planos futuros, e seus sentimentos. Eu gosto dela, falo para as
enfermeiras que é minha nora.
Eu nem sei o que pensar sobre essa porra toda. Ao mesmo tempo
que meus sentimentos acendem, que sinto vontade de dar uns beijos nela
por saber que tem feito o meu avô feliz, eu ainda tenho medo. Medo de tudo
o que rolou, de me precipitar se for atrás dela.
— Ela não é sua nora, vô.
— Mas não me custa nada fingir que é. E a Branca seria, se você
quisesse...
— Ela disse isso?
— Disse!
E quando eu vou continuar falando, ouço uma batida à porta. Ao
olhar por cima do ombro, vejo Aurora e seu pai chegando com um buquê de
flores.
“Leve-me pela noite.
Venha para o lado escuro.
Nós não precisamos da luz.
Nós vamos viver no lado escuro.”
Darkside, Alan Walker.
Estou tão puto que sinto que a minha cabeça vai explodir.
E, caralho, também estou com as bolas leves, como não ficavam há
um bom tempo. Soltei tanta porra dentro da Branca que a Aurora demorou
para conseguir sugar tudo.
Quando a Aurora chegou ao hospital, mais cedo, nós conversamos
um pouco sobre trivialidades, e depois eu fui para a casa do meu avô,
deixando a ela e o pai terem um tempo a sós com ele por lá, pois meu avô
disse que eu podia ir embora e voltar amanhã, afinal, seu amigo o faria
companhia esta noite.
Eu vim para esta merda de balada beber, porque precisava, porque
ver a Branca visitando o meu avô mais cedo, importando-se com ele,
acabou comigo. Eu afundei em saudade, lembrando-me do que vivemos.
Então, fiquei pensando se não estava na hora de ir atrás dela, encerrar a
distância e aceitar que eu a amo, que ninguém mais vai entrar no meu
coração.
E vim sozinho para cá, mas, por acaso, encontrei a Aurora e o
Carlos no bar. Ele é um carinha do condomínio, conhecido de longa data,
costumávamos sair para curtir quando éramos adolescentes. Carlos nos
chamou para o camarote, pois eu não comprei acesso a um. Pretendia ficar
pela pista mesmo, para o som alto da balada invadir a minha mente e
silenciar os pensamentos.
A Aurora queria me pegar de todo jeito, alisando o meu peito,
tentando sentar no meu colo... Mas eu estava resistindo, porque não queria
que ela confundisse as coisas, e quando eu falava em seu ouvido, por causa
do som alto, confessando que ainda gostava da Branca, que pretendia sair
do camarote e voltar para o bar, eu a vi. Pisquei, pensando que estava
doidão pelo cheiro do baseado da galera do camarote ao lado, vendo uma
miragem da Branca. Mas era real. E ela estava tão gostosa e perfeita...
Eu deveria ter ficado na minha, mas quis causar ciúmes nela quando
a notei ficando vermelha ao me ver conversando com a minha amiga,
nitidamente brava pela Aurora ser entrona e meter a mão na minha coxa. A
Branca fica fofa quando está brava, parece um cãozinho, tipo o Fofo[21], do
Hagrid. Eu só esqueci que ela é geniosa, que é tão ciumenta e possessiva
quanto eu quando se trata dela. E ver a diaba beijando a minha amiga foi
demais. Demais no sentindo mais doentio da palavra.
Eu senti raiva.
Ciúme.
E desespero.
Pensei: “Eu quero mesmo perdê-la? Saber que os beijos que
deveriam ser meus, os que tanto gosto e sinto falta, serão para outra
pessoa?”
O tormento foi tanto que a minha mente deu um nó ao ver a Branca
se enroscar com outra bem na minha cara. Mas eu pedi por isso, eu a
espetei, provoquei, sabendo que ela devolve desse jeito.
Então, não restou nada além de aceitar que eu a quero. Porra, eu
preciso dela, para mim, só para mim! E que... chega! Chega de distância,
chega de tempo para pensar. Eu já pensei o bastante!
Eu já a perdoei.
Já foi.
Estou contaminado.
Branca corre nas minhas veias, para nunca mais as deixar.
Agora, eu a quero, com fome, de verdade, para valer.
Por isso, eu me vesti com raiva, vendo minha amiga de infância com
cara de choro depois que eu lhe dei um fora quando tudo acabou. Mas a
Branca suavizou a situação, disse para a Aurora que ela era linda, que tinha
amado tudo, mas que nós dois precisávamos resolver algumas coisas. Por
fim, fazendo-me querer quebrar a balada inteira, Branca a beijou novamente
e fez carinho no rosto dela. Eu a puxei pelos cabelos e mordi sua boca, com
ódio, sussurrando um “chega, porra!”. Branca riu, vestiu-se rápido e me
seguiu para fora.
E mesmo com ciúmes, eu entendi que ela não queria que a garota se
sentisse usada, mas não liguei. Outras pessoas me considerariam um filho
da puta por isso, mas foi a Aurora que, vendo que as coisas entre mim e a
Branca não estavam bem resolvidas, disse que queria a nós dois. Ela
inflamou a porra toda, então, que lidasse com as minhas faíscas!
E desde a festa do meu avô, eu vi que ela estava a fim da Branca.
É óbvio que quando eu a puxei para o meu colo, foi apenas um blefe
para a Branca recuar na sua intenção de dar em cima da minha amiga, mas
tudo descaralhou[22] tão rápido que a única solução foi nos dar uma
despedida de solteiro caótica.
Agora, Branca me segue pela balada, e toda hora eu olho por cima
do ombro para ver se ela está mesmo atrás de mim.
A boate está bem mais cheia neste momento, e escura, com fumaça
artificial nublando o ambiente. Vendo uma rodinha de caras perto do balcão
de pagamento do consumo, próximo à saída, eu já a puxo para a minha
frente, para evitar sair no soco se alguém soltar piada para ela. Eu pago meu
cartão e o dela, depois seguimos para fora.
Eu não sei que porra primitiva é essa no meu peito, querendo marcar
território. É medo de perder? Ou apenas estou aceitando que não tem jeito,
que eu sou dela da mesma maneira desgraçada que ela é minha?
Parece ridículo esse medo todo de a perder por a ter visto beijando
outra, quando fui eu quem terminou tudo, quando ela sempre deixou claro
que me queria, tanto para mim quando para os outros. Ainda assim, eu só
vou ficar tranquilo quando conversarmos, quando definirmos as coisas e eu
ouvir da boca dela o que preciso.
Agora, o medo de Branca me fazer sofrer de novo está quase mudo,
quando a vontade de a ter, de me jogar com tudo nos meus sentimentos, é o
que sobrepõe qualquer barulho.
Eu não vim de moto, para evitar ter de deixá-la aqui e precisar voltar
para buscar amanhã. Por isso, pego um dos táxis no ponto aqui da frente.
Espero Branca entrar primeiro, na parte de trás, depois deslizo ao seu lado.
Ela parece se esquecer do cinto, e tudo o que preciso fazer, enquanto coloco
o meu, é encarar o plug ao lado dela de soslaio, então Branca já o coloca.
Passo o endereço da casa do meu avô ao motorista, e quando o carro
se movimenta, sinto o ar saindo com força pelo meu nariz.
Branca está me olhando, consigo ver pela visão periférica. E me
encara por tempo demais, mas eu não quero olhar para ela agora. Eu aceitei
aquela porra, dancei no ritmo da música daquela foda, mas ainda estou
puto. E não deixo de pensar que, por mais excitante que tenha sido e que eu
ame transar com duas mulheres, aquilo ali me irritou, e nem consegui dar o
meu melhor.
Demora cerca de vinte minutos para chegarmos ao condomínio do
meu avô, e o único momento em que Branca deixou de me encarar foi
quando mandou uma mensagem de áudio para o Dan avisando que estava
vindo para casa comigo.
Quando o táxi para diante da fonte em frente à mansão, um
segurança careca vistoria o carro enquanto descemos. Eu pago a corrida,
então o funcionário observa, bem sério, o veículo se afastar para sair da
propriedade.
Dou as costas à Branca e termino o trajeto, e quando entro em casa,
posso ouvir os saltos dela fazendo barulho contra o piso.
— Não vai falar comigo? — pergunta.
Eu paro no meio da sala, que está apagada. Respiro fundo antes de
me virar para ela. Um fio de luz entra pelas frestas das portas entreabertas
da varanda, iluminando de um jeito fraco e amarelado o rosto perfeito da
mulher que me dominou.
Ela entrou no meu corpo e me ganhou de dentro, como queria. E,
agora, o estrago já foi feito. Eu já vivo com o nome dela se multiplicando
pelas minhas células.
Dou um passo à frente, com o peito disparado, mas sei que a mais
nervosa aqui é ela. Branca engole em seco quando eu seguro o seu pulso e a
puxo comigo pela sala. Ela precisa andar rápido para me acompanhar, e,
quase correndo, subimos as escadarias até, por fim, chegarmos ao meu
quarto. Não tem conversa, porque eu só para quando estamos no meu
banheiro.
Então, eu respiro, solto sua mão, vou até o box do chuveiro e abro a
água morna. O barulho da água caindo esconde o estrondo que meu coração
está fazendo, quase berrando quando eu me viro para encará-la.
Quando eu a puxo para mim, Branca pisca, assustada, e fica pálida
quando, sem muita delicadeza, eu tiro a parte de cima de sua roupa, olhando
para os seus peitos durinhos. Fico com a boca inundando com esses
piercings nos mamilos me encarando, pedindo para eu chupar um a um.
Mas eu não faço isso. Na verdade, abaixo sua saia, e como já está sem a
calcinha, que eu rasguei na balada, mando que tire os saltos, e ela dá um
jeito de chutar os dois pelo chão.
Branca tem fogo nos olhos quando eu a puxo pelo pulso, e sem nem
ligar de tirar minha própria roupa, eu a enfio embaixo do chuveiro. Ela
pisca, não entendendo nada quando eu me viro de costas e pego um
sabonete líquido, quando o espalho nas minhas mãos e começo a esfregar
seu corpo.
Ela não faz ideia do quanto eu sinto urgência de a limpar, então,
quando começo a esfregar o lugar que mais me deixou puto por ter
presenciando alguém tocando, ela solta uma arfada. Se de susto ou tesão, é
difícil saber. Mas eu gosto de sentir meus dedos escorregando pelas dobras
de sua boceta.
— Eu vou te limpar! — aviso, olhando para baixo, para a mulher me
encarando por cima dos olhos, com gotas e mais gotas de água escorrendo
pelo seu corpo, deixando-me duro. Eu me molho também, mas não ligo. —
Você precisa entender que foi a última vez que o cheiro de outra pessoa, o
gosto de outra pessoa, ficou em você.
Branca não diz nada. Encurralada contra a parede, e eu a esfrego
inteira, o rosto, os lábios, os peitos, até descer para voltar a limpar melhor
sua boceta e o cu, então, sentir meu pau doendo de vez.
Depois de terminar, saio do box, deixando o chão do banheiro
encharcado, e na pia imensa de mármore, pego o frasco do meu enxaguante
bucal. Derramo um pouco na própria tampa e, já na sua frente, entrego a
ela.
— Limpe a boca!
Branca segura um sorriso, parecendo se divertir com a minha
atitude. Ela obedece, bochechando o líquido e, depois de um segundo,
afastando-se um pouco para cuspir no ralo. Eu posso ver a água do chuveiro
caindo e varrendo tudo. Meio sem paciência, eu já a puxo para a minha
frente novamente, tomando a tampinha de sua mão e a jogando longe, pelo
chão do banheiro.
E quando a percebo bem limpa, quando meu coração afrouxa um
pouco, porque aplaquei a necessidade urgente de tirar os resquícios de
Aurora do corpo da mulher que sempre deveria ter sido só minha, seguro
sua cintura e a puxo para mim.
Branca segura o tecido enxarcado da minha blusa e, por cima dos
olhos, encara-me com ansiedade.
Sem pressa, tracejo o dorso do indicador por essa cara de diaba dela,
tão doce e linda.
— Branquinha, Branquinha... — Ela amolece, fecha os olhos
quando ouve minhas palavras, a ponto de eu poder sentir suas pernas
fraquejando. Isso me faz querer tirar o pau e nos dar um segundo round de
sexo de reconciliação, um digno e só nosso. — O que você quer de mim?
Ela abre os olhos com tudo, encarando-me com vontade, e tem um
mundo de coisas, e sentimentos e promessas na cara dela. Levo a mão que
estava em seu rosto até os seus cabelos, vendo como são lindos, mesmo
molhados, matando a saudade de tocá-los.
— Eu quero você!
— Na balada, parecia que queria a Aurora... — provoco, já sentindo
o fogo começar a corroer minha pele, quase causando bolhas de
queimadura. — Dividir você foi excitante, mas não faz ideia do quanto foi
esmagador. — Deito minha testa na dela, sentindo-a respirar fundo, quase
engasgando com a própria respiração. Suas unhas estão enfiadas na minha
blusa, de tão nervosa que ela está. — Eu precisei te ver beijando outra
pessoa para entender que seus beijos deveriam ser apenas meus. — Agora,
deslizo meus lábios por cima dos dela, sentindo o peito doer. — Que
enlouqueço se viver uma vida onde te vejo sendo feliz longe de mim. — Eu
me afasto, para tatuar na mente o brilho em seus olhos, feito de lágrimas,
esperança e muita paixão. — Porque essas são as coisas que me
atormentam, que cantam na porra da minha cabeça que eram para nós dois.
Que você é perfeita pra mim!
Dou um meio sorriso, observando-a mordiscar o lábio inferior, sem
deixar, nem por um minuto, de me encarar. Eu rompo qualquer distância e a
beijo. É um beijo leve, delicado, mesmo que eu também queira ser mais
pesado, ser doidão e foder Branca aqui, contra essa parede.
Agora, chegou a hora de deixar tudo sair. De gritar o que estou
sentindo e definir de vez o que somos.
Não tem volta para o que sentimos.
Acho que desde que os nossos destinos se encontraram, da pior
maneira possível, jamais teve. E como um cara sensível que acredita em
destino, eu acho que ele brincou com a gente, que quis que fosse assim. E
agora, fodido demais para resistir a essa mulher, eu falo tudo o que sinto:
— Todo mundo diz que “a diferença entre o veneno e o remédio é a
dose”[23]. E quando descobri quem você era e o que tinha feito, eu quase
morri com a quantidade alta e tóxica que injetou nas minhas veias. — Os
olhos de Branca se apagam, ficam acinzentados, e posso ver algumas
lágrimas cintilando e se amontoando em seus cílios. Um “sinto muito”
começa a escapar pela boca dela, mas eu coloco meu indicador em cima dos
lábios gelados. — Mas consigo ver que o mesmo veneno que você me
servia, você também bebia. Que se matava aos poucos, sem enxergar outro
caminho. — Limpo a lágrima que escorre por sua bochecha, tentando se
camuflar com a água do chuveiro. — Você e eu aprendemos algo que
vamos levar para sempre: a vingança destrói quem a cobiça! — Ela assente,
fechando os olhos e respirando pela boca. — E quase, quase mesmo,
perdemos a chance de entender que a nossa maior tragédia também nos
colocou na vida um do outro. — Beijo sua bochecha, a infinidade de
lágrimas que ela derrama. E fico triste de a ver tremendo assim, mas tenho
que falar sobre isso antes de chegar ao que preciso, e com a minha alma,
dizer a ela: — Agora, eu te vejo como um remédio, Branca. Você, nesses
três meses, se curando sozinha, lutando por você, me mostrou que pode e
sabe curar. — Eu a puxo para um abraço apertado, sentindo a porra das
lágrimas se juntando no meu rosto e embargando a minha garganta. — Você
me deu suas doses mais altas pensando que eu merecia, mas, agora, você
também é a única substância capaz de me limpar, de refazer meu coração. E
eu tentei apagar meus sentimentos, mas já te amo tanto que não consigo
mais acreditar que serei feliz se não nos der outra chance. — Puxo seu rosto
para longe do meu peito, então seguro suas bochechas. — Eu quero todas as
coisas além do seu veneno, e prometo te dar as minhas coisas boas, se você
quiser. Então, porra, bora ser o remédio um do outro?
— Harry! — Ela dá um jeito de montar em cima de mim, enlaça as
pernas no meu quadril e me beija. Não é de língua, é uma sequência de
beijos curtos e estalados pela minha cara inteira. Estou fraco, abalado pelo
momento, mas ainda consigo sorrir enquanto ela se afasta para secar as
minhas lágrimas. — A dose que servi a mim mesma foi infinitamente mais
alta, mas foi a que te dei que mais me pune. — Ela está falando rápido, toda
emocionada. — Eu me matei todos os dias querendo te ferir pelo que
pensava que você havia feito, e quando descobri sua inocência, quase
consegui morrer de vez. — Branca segura o meu rosto, e quando me perco
em seus olhos, eu me pergunto como resisti a isso por tanto tempo. Eu
posso me viciar em olhar para ela, viver me alimentando desse rosto lindo
para sempre. — Se alguém aqui é cura, é você! Foi por você que eu aprendi
que também tenho valor, que posso lutar para cicatrizar as minhas feridas,
que posso gostar de estar viva. O único remédio que eu conheço tem nome:
Harry! Eu te amo, tanto, tanto que muitas vezes me pego pensando quando
foi que comecei a te amar assim.
Eu a prenso na parede, então aliso sua franja de princesa, e quando
Branca ri, quando uma covinha se afunda em sua bochecha, é o que ela de
fato parece.
— E quando foi?
— Eu não sei... — Ela rola os olhos de um lado para o outro,
pensando. — Talvez... quando não se afastou ao saber que eu era viciada
em sexo, quando me tratou como linda, quando prometeu me ajudar com a
compulsão. Ou a cada vez que você riu. — Ela apoia as mãos na minha
nuca. — A cada piada que fez. — Branca me beija na boca, e eu não recuo,
apenas começo a mexer minha língua contra a dela, com ela suspirando
entre os meus lábios. — A cada beijo que me deu.
Coloco minha testa sobre a sua franja, sentindo meu peito fervendo
e ao mesmo tempo... leve, como se um peso absurdo tivesse saído de cima
dele.
Segurando sua cintura, eu me preparo para definir ainda mais as
coisas:
— Quero que a gente se cure junto todos os dias. Quero deixar isso
tudo pra trás. — A esperança explode como fogos de artifício nos olhões de
Branca, que bate os cílios grandes sem parar. — Eu serei o seu remédio pra
sempre, se você deixar. Vou te dar uma cerimônia de casamento, onde vai
usar seu vestido de mangas bufantes, com a saia encorpada, brilhando como
as estrelas, se você quiser.
— Você se lembra do vestido! — O queixo dela treme.
— Nunca esqueci! Eu serei seu príncipe, Branca. Então, você quer
ser a minha princesa?
Porra! Acho que isso soou diferente para ela.
— Está me pedindo em casamento? — Branca quase grita, com um
olhão arregalado.
— Calma aí, Branquinha! — Eu rio.
— Não tem graça! — E tomo um tapinha no ombro quando ela
percebe que não era de casamento que eu estava falando.
Afastando-me dela, eu a pouso no chão, então tiro o cordão do meu
pescoço. Tento me concentrar em pegar o anel de compromisso dele, mas
também quero ver o olhar de fascínio dela para a joia. Eu recoloco meu
cordão antes de pegar a sua mão.
Meus sentimentos se embaralham, ficam ainda mais fortes quando
eu vejo o primeiro anel que dei a ela em seu anelar esquerdo.
— Nunca o tirou?
— Nunca! — Ela se perde em meu rosto, tão apaixonada que nem o
mais cético dos homens duvidaria disso. — Eu amo este anel.
— Então, este aqui é para você ser minha namorada. — Eu o deslizo
por seu anelar, para ficar junto ao primeiro, o que lhe dei pelo noivado
falso. — No futuro, vou te dar um de noivado, mas não sei se nesse dedo
vai caber os três juntos.
— Eu faço caber!
E neste instante, meu lado quinta série chega com tudo, eu abro o
maior sorrisão.
— Faz mesmo?
— Posso te mostrar que pode caber o que você quiser!
Porra! Eu esquento, adorando ver Branca lambendo a boca, já
planejando receber essa língua no meu pau a noite inteira.
— Então, Branquinha, você quer ser minha namorada?
— Mais do que tudo no mundo, Harry!
Eu tiro minha camisa, vendo-a me encarar com uma fome absurda, e
quando desço a parte de baixo de uma só vez, com o pau feito uma tora, de
tão duro, sorrindo para ela, eu digo:
— Agora sim eu vou te dar uma foda de reconciliação decente! Só
nós dois!
“Eles dizem que o mundo foi feito para dois.
Só vale a pena viver se alguém está amando você.
E, querido, agora você é amado.”
Video Games, Lana Del Rey.
Eu vivi muitos anos sem saber o que era ser amada, e a cada vez que
converso com vocês, que abro o grupo, eu me sinto muito querida.
Vocês são luz na minha vida e me motivam todos os dias a pensar
em escrever, a querer viver do meu sonho e focar só em vocês.
A cada nova leitora que se propõe a conhecer essa pequena who, que
enxerga a minha alma nessas páginas, minha eterna gratidão.
Eu sempre vou tentar transformar meu coração ferrado em algo bom
para vocês!
[1]
Jogo de multijogador on-line.
[2]
Profissional que trabalha colocando joias no corpo por meio de perfurações.
[3]
Gíria carioca para definir uma pessoa problemática ou estranha.
[4]
Também conhecido como vírus Cavalo de Troia, é um software criado para causar danos a
diferentes dispositivos eletrônicos.
[5]
É o crime de enganar uma pessoa por meios eletrônicos e, assim, conseguir informações
confidenciais para roubá-las.
[6]
Jogo de simulação da vida real produzido pela Maxis.
[7]
Monstro do folclore nórdico em formato de lula
[8]
O cyberstalkyng pode ser traduzido para uma perseguição em ambientes virtuais.
[9]
Refeição servida entre o café da manhã e o almoço.
[10]
Esse piercing é formado por uma haste reta de aço que atravessa a pele. Possui duas pequenas
bolas de aço, uma em cada extremidade.
[11]
Também conhecido como vírus Cavalo de Troia, é um software criado para causar danos a
diferentes dispositivos eletrônicos.
[12]
Oscar Wilde, O Leque de Lady Windermere.
[13]
Termo para definir os fãs de tecnologia.
[14]
É um inimigo mais poderoso no videogame, aquele que você enfrenta para passar de nível.
[15]
Iniciante no videogame.
[16]
Sem camisinha.
[17]
Seria uma gíria para definir uma “faceta”, uma “personalidade” diferente.
[18]
Cadeia.
[19]
Bravo.
[20]
Quem faz sexo de maneira bruta.
[21]
Cão gigante de três cabeças que aparece no livro Harry Potter e a Pedra Filosofal.
[22]
Desandou.
[23]
Frase atribuída ao médico e físico suíço-alemão Paracelso.
[24]
Apelido da Isabela para personagens de romance que choram à toa.
[25]
Video Games, Lana Del Rey.
[26]
Ficar bravo.
[27]
Trecho do conto Branca de Neve, Irmãos Grimm.