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Literatura, memória e estilo: introdução

Preprint · August 2024

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Margareth Torres de Alencar Costa


Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
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1 Literatura, memória e estilo: intro-
dução
_________________________

Lueldo Teixeira Bezerra


Israel A. C. Noletto
Margareth Torres de Alencar Costa

Apresentação

Este livro que ora apresentamos aos pesquisadores, leitores e aficio-


nados em literatura e em crítica literária nasceu das discussões efe-
tuadas na disciplina Literatura e questões historiográficas ministra-
das no segundo semestre de 2023 no Programa de pós-graduação
em Letras da Universidades Estadual do Piauí.
Ponderar sobre a literatura e as muitas questões historiográ-
ficas que perpassaram nossa prática em todo um semestre nos levou
a refletir sobre a importância da história e suas implicações sobre os
textos literários produzidos através dos séculos. Isto nos faz olhar
com atenção para a importância da arte de narrar e nos remete ao
exercício da memória, o que se testemunhou sobre a realidade das
coisas experienciadas pelos seres humanos e sua visão influenciada
pelo zeitgeist, o espírito da época em que viveram.
Pierre Nora propôs a coexistência de duas histórias: (1)
aquela construída através memória coletiva de um povo em um mo-
mento do tempo e (2) aquela registrada pelos historiadores. Esta pri-
meira história seria “mítica, deformada”, classificada pelo autor
como “memória de verdade”. Já a segunda história, aquela escrita
pelo historiador, sustentada pelo repertório das ciências humanas,
pelo veio da racionalidade, com o fito de contrapor-se ao que Nora
entende como memória, de facto (Nora, 1984; vide Le Goff 1996 e Pe-
reira, 2014).
Desta forma uma das missões da história é analisar e estu-
dar o homem, compreendendo aqui todo o contexto que implica esta
palavra: homens, mulheres, crianças, idosos através dos tempos.
Diálogos entre literatura, memória e estilo
Isto inclui a soma dos costumes e relações sociais do passado envol-
vendo todos os acontecimentos políticos, o avançar de nossos ante-
passados, suas lutas, angústias, avanços e derrotas, vitórias, triste-
zas e alegrias. Demonstra-se destarte que a história não é estática e,
sim movente. Já o passado e presente se relacionam para impactar o
futuro.
Há outras questões historiográficas que nos fazem refletir
junto com todos os pesquisadores presentes na organização deste
livro e nossos leitores. Estas envolvem, por exemplo, fontes escritas,
não escritas, iconográficas, arqueológicas, paleontológicas, orais,
midiáticas e estilísticas (Noletto, 2024, p. 11; Mendes, Ferreira,
Costa, p. 2013). Todas estas questões repercutem no que chamamos
de acontecimentos. Também reverberam nos diversos grupos soci-
ais uma vez que tudo que acontece acontece em sociedade – inunda-
ções, furações, terremotos, relacionamentos que tem início ou que
culminam em divórcio e que impactam quem se interessa por eles,
pois o ser humano sempre foi curioso, fez perguntas e quis respos-
tas. Afinal, como pontua Pereira (2014, p. 344), “os elos entre as ins-
tâncias da memória e da literatura apresentam-se como potências de
leitura das formas diversas de ver e de enfrentar a realidade modu-
lada pelo pensamento humano”.
Falar sobre História e suas questões suscita de imediato a
noção de tempo. Os fatos históricos acontecem em ordem cronoló-
gica e emoldurados pelo contexto e linguagem de sua época. É gra-
ças a isto que podem ser catalogados, conhecidos como objeto de
estudo. Tais questões fazem parte da memória individual e coletiva
de determinado povo a ponto de terem tido repercussões sociais em
nível mundial, nos meios de produção da economia e das riquezas
mundiais e ou apenas territorial e mesmo as necessidades básicas
para que os seres humanos se mantenham humanos. Outra questão
historiográfica que desperta interesse é o fato de as riquezas serem
distribuídas de diversas formas nos mais diferentes continentes e
países bem como as relações étnico raciais serem até hoje motivo dos
mais diversos conflitos fazendo com que as sociedades se compor-
tem deforma diferente em relação aos seres humanos na face da
terra.

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Lueldo T. Bezerra, Israel A. C. Noletto & Margareth Torres de A.
Costa

Várias teorias sobre o modo de produção dos bens de con-


sumo sejam de forma primitiva, ou o modelo asiático (servidão co-
letiva), feudal, capitalista só para citar alguns dos modos de produ-
ção e repartição dos bens de consumo através dos tempos e que re-
percutem na vida de muitos levando ao conhecimento das fontes e
memórias históricas e tudo ligado intrinsecamente à memória.
Com a repercussão das diversas mídias: impressa, fotogra-
fia, cinema, internet, o surgimento do celular, Pen drive, CD, o ar-
mazenamento nas nuvens, facebook, instagram, blogs as fontes his-
tóricas experimentaram um boom por meio de todo tipo de recurso
midiático aproximando pesquisadores de todo o mundo, rompendo
as barreiras da distância geográfica e mesmo idiomática por meio
do recurso da tradução.
Assim os pesquisadores passam por diversas etapas como
da aproximação do texto, do testemunho e dos arquivos, do exercí-
cio da compreensão, análise e explicação dos fenômenos e represen-
tação do passado já vivenciado sendo capaz de fazer o cotejo entre
textos produzidos por diversos pesquisadores, entre obras literárias
e mesmo outros meios tecnológicos para só então transformar o pro-
duto obtido em conhecimento científico.
Todo este esforço está representado nestas páginas através
do estudo os pesquisadores que fazem parte do Programa de Mes-
trado Acadêmico em Letras/literatura da Universidade Estadual do
Piauí e dos Núcleos de Estudo Hispânico da UESPI (NUHEIS) e o
Grupo de Pesquisa em Língua e Literatura Inglesa (Anglolit).

Conteúdo e organização do livro

Abrindo este volume, José Barroso de Oliveira Filho e


Lueldo T. Bezerra propõem uma discussão do romance Ataliba, o
vaqueiro, de Francisco Gil Castelo Branco, através de uma lente que
explora a religiosidade do sertanejo. Em seguida, no texto “Descons-
truindo as fronteiras: uma leitura pós-colonial do conto “intérprete
de males”, de Jhumpa Lahiri”, Maria Islane de Moura Silva, exa-
mina como a narrativa desafia e desconstrói os saberes dominantes,

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Diálogos entre literatura, memória e estilo
questionando as estruturas de poder estabelecidas e explorando as
complexidades das identidades pós-coloniais presentes na obra.
Outrossim, o trabalho intitulado “As influências do co-
lonial na contemporaneidade: um estudo pós-colonial do conto
“Maria”, de Conceição Evaristo, de Thamara Ingrid Soares Teles,
busca viabilizar discussões frequentes na construção da coletivi-
dade, que carregam consigo as marcas deixadas pelo processo da
colonização.
Expandindo o espectro temático deste volume, a autora
Annicélia Ianiceli apresenta o trabalho “Sonho: a linha enviesada
entre luz e sombra presentes no episódio “O sono dos justos”” do
seriado Sandman (Netflix). O objetivo é compreender que os seriados
proporcionam, associados às novas plataformas de distribuição de
conteúdo, um novo padrão de comportamento. Essa conexão entre
real e ficção pode ser um dos artifícios que agradam e aproximam o
público para além das telas através de personagens e narrativas que
contemplam as características psicológicas que podem, inclusive,
questionar a condição humana, em destaque o arquétipo da sombra.
Recuperando um dos períodos sombrios de nossa histó-
ria, Denise Bonfim de Oliveira analisa as obras O congresso dos desa-
parecidos e Júlia nos campos conflagrados do Senhor, de Bernardo Ku-
cinski, ao passo em que explora o tema trauma.
Já o autor Israel A. C. Noletto busca perspectiva dife-
rente para a concatenação epistemológica de literatura e memória.
O trabalho “O efeito glotocronológico: estilo como veículo de me-
mória linguístico-literária” propõe uma análise fincada nas relações
de memória coletiva e estilo de escrita. O referido efeito, preconiza
o autor, proporciona uma sensação imersiva no linguajar de uma
época.
Também demonstrando interesse por questões relativas
ao estilo, o ensaio “Violência racial e antissemitismo na narrativa de
filiação O diário de Anne Frank” de autoria de Paulo Sérgio Machado
Araújo investiga a violência racial e o antissemitismo na narrativa
de filiação O diário de Anne Frank. Ao longo da narrativa, percebe-
mos que a biografia da narradora se liga ao que entendemos como
conceito de memória, que diz respeito ao relato de lembranças

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Lueldo T. Bezerra, Israel A. C. Noletto & Margareth Torres de A.
Costa

reconhecidas por seu conteúdo seja histórico ou político e enquadra-


se no que Dominique Viart (2008) denomina de narrativa de filiação.
Combinando a área literatura e memória com novas tec-
nologias, como aludido alhures, Denise Sousa da Silva em seu artigo
intitulado “Entre letras e telas: uma exploração semiótica entre a li-
teratura e o cinema” aborda o tema do sobrenatural. Na literatura,
encontramos diversas obras canônicas, e entre elas destaca-se a obra
“Dracula” de Bram Stoker, que, desde o seu surgimento em 1897,
conferiu um novo significado à palavra vampiro e tornou-se fonte
de diversas adaptações em vários meios de expressões artísticas.
“Entre a margem e a elite: a conexão intrínseca entre violên-
cia e exclusão social em Feliz ano novo, de Rubem Fonseca”, é o es-
tudo efetivado por Joana Tainá Batista Costa cujo objetivo é discutir
a violência na sociedade contemporânea associada à ideia de margi-
nalidade no conto “Feliz ano novo” (2012), do autor Rubem Fonseca,
a fim de refletir sobre a influência dos contextos sociais precários no
qual os personagens vivem para a concretização de comportamen-
tos violentos.
Rômulo Bruno de Moura Alves estuda a “Reconstrução e
fragmentação: a identidade nos contos Uso Diário, de Alice Walker,
e Olhos d’água, de Conceição Evaristo” e visa, através da literatura
afro-brasileira e afro-americana, promover o resgate da experiência
histórica do sujeito negro. Ambas, afro-brasileira e afro-americana
se colocam como local de resgate da identidade da pessoa negra, em
especial, da mulher negra, quebrando paradigmas estabelecidos
pela branquitude.
Já “O contorno histórico dos fantasmas: assombrações his-
tóricas da argentina em O desenterro de anjinha e Quando falávamos
com os mortos, de Mariana Enriquez, de autoria de Ayrton de Souza
Lopes tem por objetivo entender o que existe debaixo do pano que
cobre a assombração do fantástico latino americano, mais precisa-
mente nos contos da autora Mariana Enriquez, serão utilizadas pes-
quisadoras como Rocha de Souza (2020) e Mallimaci (1996) para fa-
zer um panorama sócio-histórico do período ditatorial, Assmann
(2011) para comentar sobre memória e processos traumáticos e Ce-
serani (2006) comentando sobre o fantástico enquanto modo e seus

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Diálogos entre literatura, memória e estilo
procedimentos formais, numa análise dos contos da autora argen-
tina.
Fechando este volume, “O resgate de uma vida excluída na
obra Voltar para casa, de Toni Morrison, por Francymary da Silva
Santana e Margareth Torres de Alencar Costa busca analisar quanto
a “travessia” realizada pelas mulheres será bem mais penosa e do-
lorosa que a dos homens. Nesse sentido, por que estas mulheres te-
rão que renegar sua condição de existência, como será o caso de Yci-
dra, em prol do ideal do opressor? Esta e outras perguntas são res-
pondidas pelas autoras no texto em tela.

References

Le Goff, Jacques. Enciclopédia Enaudi. Memória-História. Lisboa:


Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1996.

Mendes, A. M.; Ferreira, E.; Costa, M. T . A. (2013). Literatura, his-


tória e cultura afro-brasileira e africana: memoria, identidade, en-
sino e construções literárias. Teresina: Editoria da UFPI.

Noletto, I. A. C. (2024). Fictional Languages in Science Fiction Lite-


rature: Stylistic Explorations. New York/London: Routledge.

Noletto, I. A. C.; Lopes, S. A. T.; Costa, M. T. A. (2017). Satire in


Swift’s own words: considerations on glossopoesis in Gulliver’s
Travels. Journal of English Language and Literature 7(2), pp. 519-524.

Nora, Pierre. (1984). Les lieux de mémoire: La République. Paris:


Gallimard.

Pereira, Danielle C. M. (2014). Literatura, lugar de memória. Revista


Soletras 28(2), pp. 344-355.

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