47857-Texto Do Artigo-188269-1-10-20220201
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Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão (UFG/RC) e
mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em História,
Cultura e Formação de Professores da Universidade Federal de Catalão (UFCat), sob orientação
do Prof. Dr. Valdeci Rezende Borges (PPGH-MP). E-mail: [email protected].
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Veredas da História, [online], v. 12, n. 1, p. 91-104, jul., 2019, ISSN 1982-4238
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Carolina Maria de Jesus nasceu no dia 14 de março de 1914, na cidade de Sacramento, Minas
Gerais. Foi criada por sua mãe, lavadeira, com mais sete irmãos. Com o apoio de uma das
freguesas de sua mãe, é matriculada aos sete anos no colégio espírita Alan Kardec, onde
desenvolve interesse pela leitura e pela escrita. Durante a infância e a adolescência, Carolina
vive em diversas cidades do interior de Minas e São Paulo, quase sempre trabalhando como
lavradora. Em 1937, Carolina se muda para a cidade de São Paulo e vai morar na favela do
Canindé, na zona norte da capital paulista. Trabalha como catadora de papel e, nas horas vagas,
registrava o cotidiano da favela em cadernos que encontrava no material que recolhia. Em 1960,
o livro autobiográfico “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, com edição de Audálio
Dantas, é publicado com uma tiragem de dez mil exemplares. Com o sucesso das vendas,
Carolina, recebe homenagens da Academia Paulista de Letras e da Academia de Letras da
Faculdade de Direito de São Paulo. Nos anos seguintes, publica “Casa de Alvenaria: Diário de
uma Ex-favelada” (1961); “Pedaços da Fome” (1963) e “Provérbios” (1965). Apesar do sucesso
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Certa feita quando a menina Bitita foi acusada de roubar umas mangas
do quintal de Dona Faustina, sua vizinha, ela não titubeou em responder à
vizinha que “Os brancos também são ladrões porque roubaram os negros da
África”. (JESUS, 2014, p. 58). Entretanto, poucas pessoas tinham essa consciência
histórica e social que Carolina demonstrava ter sobre a escravidão. Nas palavras
de sua bisavó, dona Maria Abadia, os brancos de agora já estão ficando melhor
para os pretos. Agora, por exemplo, eles atiram para amedrontar, antigamente
atiravam para matá-los. (JESUS, 2014, p. 58).
“Apenas sorriam achando graça de ver os negros correndo de um lado
para o outro. Procurando um refúgio, para não serem atingidos por uma bala”.
(JESUS, 2014, p. 58). Portanto, os policiais que deveriam cumprir o papel de
manter a segurança de todos e todas sem discriminação alguma, busca pelo
contrário, perseguir e eliminar o negro da nossa sociedade.
Ao fim de suas observações acerca dos negros de Sacramento, Bitita
conclui que, ao falarem que os negros agora estavam livres, ela logo pensava
em que liberdade era aquela vivida por eles, onde a todo instante eles estavam
correndo das autoridades como se fossem culpados de algo que nem mesmo
ideia faziam, levando em consideração nos assassinatos sem explicação que a
própria polícia perpetrava contra os negros. Carolina arremata:“Então o mundo
já foi pior para os negros? Então o mundo é negro para o negro e branco para
o branco!” (JESUS, 2014, p. 59).
Destarte concluímos que a linha que separa a Literatura e a História tem
se apresentado cada vez mais tênue. Uma se entrelaça na outra e já não sinaliza
repúdio ou desavenças dentro desses dois campos do saber como outrora se
apresentou. As fronteiras da Literatura e da História já se entrecruzam, e
esperemos que nesse entrecruzar muito conhecimento possa ser produzido e
compartilhado. De outra forma caímos na possibilidade de reproduzir áreas sem
diálogo, sem debate ou crítica, o que poderia contribuir para entramos em total
anacronismo na leitura da sociedade e do mundo. Camilotti; Naxara (2009, p.16)
apontam que:
Referências
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elites-século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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BARONE, Leda Maria Codeço. Literatura e construção da identidade. Revista
Psicopedagogia. v. 24, n°74, 2007, pp.110-6.
CAMILOTTI, V; NAXARA, Márcia Regina Capelari. História e Literatura: fontes
literárias na produção historiográfica recente no Brasil. RevistaHistória:
Questões & Debates. Curitiba: Editora UFPR, n. 50, pp.15-49, jan/jun 2009.
CANDIDO, Antonio. O Discurso e a Cidade. Editora Ouro Sobre Azul. Rio de
Janeiro, 2004.
CANDIDO, Antonio O direito à literatura. In: Vários escritos. São Paulo: Duas
Cidades/Ouro sobre Azul; 2004. p.169-91.
FARIAS, Tom. Carolina: uma biografia. Rio de Janeiro: Malê, 2017.
FRAZÃO, Dilva. Carolina Maria de Jesus. Escritora brasileira.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Zahar. Rio de Janeiro, 2012.
GRECCO, Gabriela de Lima. História e literatura: entre narrativas literárias e
históricas, uma análise através do conceito de representação. Revista Brasileira
de História & Ciências Sociais. v. 6, nº 11, 2014, pp. 39-53.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. de Laurent Léon Schaffter.
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JESUS, Carolina Maria de. Diário de Bitita. São Paulo: SESI-SP editora, 2014.
MARTINS, Giovana Maria Carvalho; Cainelli, Marlene Rosa. O uso de literatura
como fonte histórica e a relação entre literatura e história. Disponível em:
<http://www.cih.uem.br/anais/2015/trabalhos/1318.pdf> Acesso em 13 de
junho de 2018.
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Veredas da História, [online], v. 12, n. 1, p. 91-104, jul., 2019, ISSN 1982-4238