8 Fa 74 Acae 9104134 A 273
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RESUMO
Cidade importante para os estudos de patrimônio da América do Sul Colonia del Sacramento está
localizada no Uruguai. Enquadra-se no critério de Cidade histórica viva. O estudo de caso ora abordado
busca compreender o resgate da dinâmica patrimonial em Colônia do Sacramento, após Convenção
do Patrimônio Mundial, de 1972. Problematizaremos qual a implicação da chancela internacional (1996)
que reconheceu o interesse excepcional do Bairro Histórico, enquanto elemento do patrimônio mundial
da humanidade, na ação de revitalização, em 2021 da Plaza de Toros del Real de San Carlos, distante
5 km do casco fundacional tombado. Nas estratégias de proteção e gestão do Bairro Histórico podemos
perceber as diretrizes que apoiaram o movimento coletivo e institucional, que impediu a destruição do
edifício e do entorno da antiga Plaza que, por sua vez, se relaciona com outros espaços com grande
potencial cultural. Existem estratégias de valorização e preservação patrimonial, que favorecem o
turismo cultural, que poderiam promover outras iniciativas de salvaguarda e ressignificação, e exercem
uma certa resistência ao mercado imobiliário. Nos últimos cinco anos vários hotéis de alto padrão tem
sido construídos para atrair turistas de maior poder aquisitivo, embora poucos restaurantes novos foram
abertos, os navios que conectam com Buenos Aires (Argentina) continuam sendo os mesmos quanto
à qualidade, e têm menos frequência que antes da pandemia, que foi divisor de águas tanto em Colônia
quanto no mundo.
Palavras-chave: Colônia do Sacramento; Convenção do Patrimônio Mundial de 1972; dinâmica
patrimonial; memória e esquecimento.
1 De cidadela portuguesa (1680), passando a Barrio Sur, um lugar urbano na virada do século XIX para o XX à
margem da expansão da malha urbana. Nas últimas décadas do século passado, o sítio passou a ser denominado
Barrio Histórico, sendo reconhecido pela UNESCO (1995) pelo Valor Universal de seu conjunto arquitetônico e
traçado urbano (colonial) que compõe sua particular paisagem, importante testemunho de um período histórico
nacional e da humanidade (Ríos, 2018).
2 O programa do projeto idealizado pelo austro-húngaro Nicolás Mihanovich (radicado em Buenos Aires) propôs
um estadio (coso) taurino cujo projeto ficou a cargo do Arq. Marcovich e do Eng. Dupuy, Juan.
Em relação ao Centro Histórico de Colonia del Sacramento – cidade que foi objeto de disputas
entre Espanha e Portugal desde sua fundação, em 1680 – o bairro do Real de San Carlos
teve sua origem como acampamento militar em 1761. Ali se concentraram tropas para
combater ora os portugueses, ora os espanhóis que em alternados períodos estavam dentro
das muralhas. O núcleo central do sítio se expandiu a partir da Capela de San Benito, nas
imediações da qual existiam também um cemitério e um hospital atendidos por padres
franciscanos (Rivero Scirgalea, 2018).
3 “Na verdade, paisagem e espaço são sempre uma espécie de palimpsesto onde, mediante acumulações e
substituições, a ação das diferentes gerações se superpõe. O espaço constitui a matriz sobre a qual as novas
ações substituem as ações passadas” (Santos, 2006, p. 66).
O sítio foi presença marcante no cotidiano de Colonia del Sacramento e, em 1777, quando foi
definida a pertença da Colônia à Espanha, o aparato militar foi desarmado restando
aproximadamente 200 civis que se dedicaram à agricultura, pecuária e, conforme Rivero
Scirgalea (op. cit.), também ao comércio.
Após a independência da Republica Oriental del Uruguay (1828), a partir de 1854 o Estado
concedeu o direito à posse da terra o que propiciou a estruturação do arranjo urbano do núcleo
do Real de San Carlos.
Figura 02 – O Real de San Carlos, em Colonia del Sacramento: [A] Projeto do Complexo Mihanovich
para o Real de San Carlos; [B-C] Propaganda do transporte para o Real de San Carlos e das touradas
em periódicos de Montevidéu; [D] Título: Entrada a la Plaza de Toros de Colonia, 1955 (fotografia
esquerda) e na fotografia da direita “El viejo circo taurino del Real de San Carlos, que fuera inaugurado
en enero de 1910”, 1955. Fontes: Montagem elaborado pelas auroras a partir de: [A] Uruguay, 2012;
[B e C] Pesquisa no acervo da Biblioteca Nacional do Uruguai; [D] Fotografia (esquerda) disponivel em:
http://bibliotecadigital.bibna.gub.uy:8080/jspui/handle/123456789/9692 e fotografia da direita em:
http://bibliotecadigital.bibna.gub.uy:8080/jspui/handle/123456789/9514 .
No breve intervalo de tempo que houve touradas, a Plaza de Toros trouxe para o Real de San
Carlos, e por conseguinte para a cidade de Colônia do Sacramento, um certo protagonismo
(Figura 02-B e C) para além da escala regional, atraindo espectadores e simpatizantes (dessa
prática) de outras regiões do país, e também de Bueno Aires, do outro lado do Rio da Prata.
Outro acontecimento significativo na trajetória do (atual) Barrio Real de San Carlos foi a
implantação do hipódromo, em 1937, proposto pelo complexo Mihanovich, após uma tentativa
frustrada de reiniciar as touradas. O mesmo trouxe significativa valorização para o balneário
5° Simpósio Científico ICOMOS Brasil e 2° Simpósio Cientifico ICOMOS/LAC
Belo Horizonte/MG - Brasil, 05 a 07 de dezembro de 2022 – Lima-Peru, 08 e 09 de dezembro de 2022
e existe até os dias atuais. O conjunto desses outros referenciais urbanos, periféricos ao
centro urbano de Colônia do Sacramento deu um uso turístico recreativo ao Real de San
Carlos.
A ideia de promover o turismo num determinado lugar obedece à sua dimensão econômica,
desde que o turismo significa ingresso de divisas para os países.
Todos estes empreendimentos foram particulares, sem intervenção do estado, que somente
na década de 1930 acenaria com a ideia de desenvolver o turismo, começando com o Touring
Club; as políticas públicas viriam a partir de 1933, ano em que começou a funcionar
efetivamente a Comissão Nacional de Turismo (CNdT), que, embora criada em março de 1930,
permanecera inativa.
Quanto à Plaza de Toros del Real de San Carlos, pode ser analisada como uma obra
emblemática da tecnologia de seu tempo, assim como o Complexo Nicolás Mihanovich. No
processo de reinserção no cotidiano da comunidade (local, regional e nacional), desde a
segunda parte do século XX e nessas primeiras décadas do XXI, a praça passou de quase
ruína à Patrimônio.
Colonia del Sacramento está inserida no critério de cidade histórica viva, que são aquelas
“que por sua própria natureza [...] continuarão a ser levadas a evoluir sob o efeito de mutações
socioeconômicas e culturais" (UNESCO, 1972).
Cabe recordar o cenário mundial na década de 1970 para perceber que o patrimônio (o
cultural e o natural) estava ameaçado, por diferentes agentes, de destruição. Neste contexto,
e para garantir a salvaguarda desses vestígios, a Convenção do Patrimônio Mundial de 1972
buscou reconhecer monumentos, conjuntos e lugares, na escala mundial, que tivessem “valor
universal excepcional”, considerando-os como patrimônio cultural comum à humanidade.
Figura 03 – Fotografias do período de reconstrução da muralha (a inauguração das obras foi em 1972).
Fontes: Montagem elaborada pelas autoras a partir de: Arquivos digitais gentilmente cedidos pelo
historiador Marcelo Días Buschiazzo.
4 São várias as intervenções, da segunda parte do século XX, realizadas pelo arquiteto Miguel Ángel Odriozola
Odriozola no Bairro Histórico de Colonia del Sacramento. Entre elas e que encontramos no circuito patrimonial
(como importante pontos turísticos) podemos citar: Casa do Governador (resgate arqueológico), Museo Español,
Bastión del Carmen, Archivo Regional, Basilica Sant. Sacramento, Museo Municipal, Ruínas do Convento e Faro.
O Plano de Gestão de Colônia do Sacramento (2012) já percebia que o sítio não está
congelado no tempo. O documento marca a necessidade de uma integração entre o bairro e
Figura 04 – Diferentes usos e significados: [A] Título “Puerta Colonia Plaza de Toros del Real de San
Carlos y Calle de los Suspiros”, Postal de Colonia del Sacramento, 196_?, o edifício aparece entre os
referenciais patrimoniais da cidade; [B] Plaza de Toros interditada, 2018; [C] Crianças brincando na
Plaza de Toros em 1987, quando ainda era possível entrar livremente. Pouco depois, o edifício foi
fechado devido ao perigo de acidentes e desmoronamento; [D] Imagem publicitária do 5º Festival
Internacional de Colonia, percebemos como a Plaza de Toros permanece como marco local e nacional,
porém após sua revitalização foram propostos novos usos e significados para o edifício. Fontes: [A]
Acervo de materiales especiales, Biblioteca Nacional do Uruguai (Disponível em:
http://bibliotecadigital.bibna.gub.uy:8080/jspui/handle/123456789/19159); [B] Pesquisa de campo
realizado no Real de San Carlos, pelas autoras; [C] Acervo pessoal professora Margarita Barretto; [D]
Extraido da publicidade na página dedicada predominantemente ao turismo nacional, “Uruguay Natural”,
disponível em:
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid0so8RYDc19Vazio219iujzAw7ndhRMPdp1roC6s6z
URLN2NXs8Rm1YzLoUaAa53LSl&id=100066762430862&sfnsn=wiwspmo&mibextid=RUbZ1f
Em publicações locais 5 observamos que houve, desde as décadas finais do século XX,
diversas iniciativas que buscaram pôr em valor a Plaza de Toros. O edifício (com suas
5 Na pesquisa realizada em 2018 para a elaboração de dissertação de mestrado (2017-2019), foi realizada uma
revisão nos arquivos da sede do periódico local La Colonia (importante meio de comunicação local que foi fundado
em 1901 e atua até nossos dias), quando buscou-se resgatar matérias do jornal que documentassem as mudanças
espaciais e comportamentais na cidade. No mesmo período foram investigadas as matérias referentes a trajetória
urbana da Plaza de Toros na revista de distribuição local Estampas Colonienses fundada por Heroídes Artigas
5° Simpósio Científico ICOMOS Brasil e 2° Simpósio Cientifico ICOMOS/LAC
Belo Horizonte/MG - Brasil, 05 a 07 de dezembro de 2022 – Lima-Peru, 08 e 09 de dezembro de 2022
dimensões monumentais) permaneceu no cotidiano e no imaginário da comunidade (Imagem
04-B). Percebemos um longo processo de degradação, que se estendeu até a segunda
década de nosso século, quando o edifício finalmente ganhou novos usos e significados.
Já na pesquisa, nos exemplares da revista Estampas Colonienses6, foi possível perceber que
desde 1976 – quando o edifício foi considerado monumento nacional (Resolução nº 989/976)
– foram vários os olhares (histórico, arquitetônico e turístico) lançados ao edifício trazendo à
luz sua excepcionalidade (seu novo significado como patrimônio arquitetônico para o Real de
San Carlos, para a cidade e para o país). Nas matérias investigadas observamos iniciativas
Mariño (Membro da Coordenadoria Nacional de História, Investigador do Archivo Nacional de la Nación e Medalla
e Diploma ao Mérito pela Associação Proprietários e Amigos do Bairro Histórico). Os exemplares originais foram
gentilmente cedidos à autora por sua esposa Estela Ibarra.
6 Como foi relatado nas seguintes matérias (entre outras): “Nice del Río de la Plata” (ESTAMPAS COLONIENSES,
1997, p. 16) onde destaca-se a importância que teve a inserção do Complexo (no início do século XX), entendendo
a Plaza como vestígio material desse importante processo de modernização e que tocou a cidade de Colonia del
Sacramento; “Plaza de Toros esplendor, caída, futuro” (ESTAMPAS COLONIENSES, 1998, matéria da capa); “El
Complejo Mihanovich” ESTAMPAS COLONIENSES, 2011, p. 10-16) e “Recuperación sí, corridas no” (ESTAMPAS
COLONIENSES, 2012, p. 03).
Este chega ao século XXI, quando surge a possibilidade de que a Plaza venha diminuir a
carga turística do Bairro Histórico.
6. A modo de encerramento
Percebemos que na época atual, nas ações de “puesta en valor” do patrimônio arquitetônico-
urbano aqui na América Latina, a revisão historiográfica pode fundamentar os processos de
preservação dos elementos urbanos considerados patrimônio ao desvelar as múltiplas
relações espaciais, sociais e culturais entre as construções, os sujeitos e a terra. Ao
estabelecer vínculos temporais entre os edifícios tombados, os sujeitos e o sítio são tecidas
relações entre os passados e os presentes da cidade.
Nas novas formas de vivenciar a cidade e seus rastros percebe-se a inserção de outras
imagens para a constelação de memórias da urbe. Uma trama patrimonial que vai além da
chancela da Unesco, como propôs o próprio PGBHCS, e que interfere no imaginário citadino.
A partir da valorização dos rastros urbanos, para além de signos, em sua relação com o
tempo, que consolidam o constructo cultural da cidade, percebem-se ações de educação
patrimonial que resgatam camadas, mas que também engendram memórias outras. Em
edifícios ressignificados por cada presente que o toca, como no caso da Plaza de Toros,
observamos um movimento que, se for potencializado pelo poder público e pelo agente
turismo, poderia gerar novos processos de “puesta en valor” do patrimônio mnemônico da
comunidade. Uma dinâmica patrimonial na cidade de Colônia do Sacramento, que se
estruturou no decorrer do século XX, ganhou amparo técnico e legal com a convenção do
patrimônio mundial de 1972 e subsequentes desdobramentos até os dias atuais.
Intervenções, que como cita o Plano de Gestão do Bairro Histórico – em referência as
indicações para a gestão do entorno patrimonial ao sítio chancelado pela Unesco –
permitiriam ao Estado e a comunidade fazer frente aos perigos que ameaçam o patrimônio
seja ele arquitetônico, cultural ou natural.
7. Referências Bibliográficas
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Baptista. Bauru, SP: EDUSC.
ESTAMPAS COLONIENSES. (1998) – Año III. Número 16 (julho). Colonia del Sacramento.
ESTAMPAS COLONIENSES. (2011) – Año XVII. Número 93 (julho). Colonia del Sacramento.
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FUINI, Lucas Labigalini. (2017). Geografia, Ensino & Pesquisa, Vol. 21, n.1, p. 19-29. ISSN:
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GUILLOT, M. (2004). De Colonia del Sacramento a Colonia – Apuntes del Arq.Miguel Ángel
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https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/206457.
RIVERO SCIRGALEA, S. (2018). El Real de San Carlos: desde la época colonial hasta el
Complejo Turístico. Montevideo, Uruguay: Torre del Vigía.
SANTOS, Milton. (2006). A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção / Milton
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UNESCO. (1972). Convención sobre la protección del patrimonio mundial, cultural y natural.
17ª Conferencia General de la Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la
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