O Sentido Da Preservação Da Cruz Do Patrão: Recomendações para Intervenção

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 18

ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ

ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

O sentido da preservação da Cruz do Patrão: recomendações para intervenção

Pollyanna Sitonio Domingos de Andrade1- [email protected]

Resumo

Este artigo traz algumas considerações feitas a partir da busca pelo sentido da preservação da
Cruz do Patrão para recomendações de intervenções para o monumento sob a perspectiva da
Conservação Urbana Integrada. Foram levantadas questões sobre o patrimônio e sua
preservação e foi feito um levantamento de todas as ações realizadas ao longo do tempo na área
onde o monumento está inserido, analisando as questões dos interesses e de motivações para
essas ações em diferentes períodos de gestão da Prefeitura do Recife e do Governo do Estado
de Pernambuco. Foi possível identificar o sentido da preservação do monumento a partir dos
diversos olhares do conjunto de atores envolvidos e assim propor recomendações para
intervenção na área. Entende-se que o atendimento às expectativas destes depende de fatores
como mecanismos de gestão pública e questões econômicas e financeiras que merecem a
continuidade das pesquisas.

Palavras-chave: Patrimônio; Preservação; Gestão.

Abstract

This article presents some considerations from the searchfor the meaning of the Cruz do Patrão
preservation to make recommendations for interventions in the monument under the Integrated
Urban Conservation perspective.Questions were raised about the heritage and its preservation
and a survey was made to all the actions done over time in the area where the monument is
located, examining the issues of interests and motivations for these actions in different periods
of management of the Municipality of Recife and the Government of the State of Pernambuco.
It was possible to identify the direction of the preservation of the monument from the various
looks of the set of actors involved and was propose recommendations for intervention in the
area. It's understood that the attendance of the expectations depend on factors such as
mechanisms of governance and economic and financial issues that merit could continue being
studied.

Key-words: Heritage; Preservation; Governance.

Introdução

Este artigo pretende discutir o sentido da preservação da Cruz do Patrão, considerando a


perspectiva da Conservação Integrada a partir dos interesses da preservação do patrimônio.

Com este enfoque, se observa uma discriminação na valorização da cultura material histórica:
o interesse nas práticas de conservação se dá quase que exclusivamente em relação aos vestígios

1
Arquiteta e urbanista, graduada pela Faculdade Damas da Instrução Cristã.

38
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

considerados de elite. Os vestígios indígenas, afro-brasileiros e das populações mais humildes


apesar de terem o seu reconhecimento, ainda são pouco valorizados (FUNARI, 2011).

A ideia de modernizar os espaços urbanos surgiu no século XIX, através da destruição do


patrimônio deixado por gerações passadas fez com que a humanidade perdesse muito de seu
patrimônio físico e consequentemente, sua história. Havia um pensamento geral das pessoas da
época de que o progresso seria obtido eliminando o passado. Não existia uma preocupação em
preservar o patrimônio, apenas construir uma cidade adequada à nova vida moderna.

A preocupação com a preservação do patrimônio começou a surgir no final do século XIX.


Nesta época, apenas o patrimônio físico era alvo da preservação. No século XX, a cidade ganha
atenção especial como elemento fundamental na preservação do patrimônio e então não só o
objeto físico possuiria importância. Em meados do século XX, ocorre uma mudança no
pensamento relacionado à atitude preservacionista, que se fundamenta agora na promoção do
desenvolvimento socioeconômico e à Conservação Urbana Integrada. Passa a se dar
importância além da proteção do patrimônio histórico, na continuidade de uma cultura e na
sustentabilidade2. Essa preservação passa a ser tarefa de toda a comunidade, embora de
responsabilidade direta e própria do poder público.

A Cruz do Patrão é um marco formado por uma coluna de ordem dórica, com uma pinha
facetada no capitel e acima uma cruz que foi construída em meio ao istmo que ligava Recife a
Olinda. Está situada em um terreno de propriedade da União, dentro do Porto do Recife, o que
por muito tempo dificultou o acesso ao monumento. Tem sofrido ao longo de sua existência um
processo de abandono por parte do poder público. Esse abandono levou a uma degradação do
monumento e do espaço público o que consequentemente constitui um fator de exclusão que
contribui, ainda mais, para o abandono do local e o desconhecimento da população sobre a
existência do monumento.

Foi construído, no século XVII, como marco de navegação, provavelmente o único existente
no Brasil desse tipo, para os navios que atracavam no porto, sendo hoje, o mais antigo
monumento histórico do Recife. No entanto, sua maior importância para os dias atuais se dá
pela relevância que o local tem para os afro-brasileiros, uma vez que o local era de
espancamento e enterramento de escravos e, por isso vem sendo por muito tempo local de culto
para essa comunidade (RAMOS, 2008).

Em 19 de julho de 2012, também foi pedida a abertura do Processo de Tombamento do


monumento denominado Cruz do Patrão ao Conselho Estadual de Cultura, devido às frequentes
notícias dos órgãos de comunicação, de que a administração do Porto teria anunciado a retirada
do monumento para ocupação de uma construção portuária. Também foi solicitado que se
oficiasse o Iphan para iniciar o processo de tombamento a nível federal.

O objetivo geral do trabalho elaborado é identificar o sentido da preservação do monumento e


indicar um conjunto de recomendações para intervenções para a área do monumento da Cruz
do Patrão, partindo da lógica da Conservação Integrada.

A intenção é que a área quando for preparada para receber o público em geral, integrando o
roteiro turístico-cultural da cidade, esta preparação seja feita levando em consideração os

2
O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade
de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades (CECI, 2012).

39
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

elementos da cultura material, mas também da cultura imaterial, de acordo com o olhar da
comunidade afro-brasileira. Os objetivos específicos são: fazer um resgate histórico do estado
do monumento e analisar os diversos olhares que existem sobre o mesmo e identificar o sentido
da preservação para a sociedade.

Para tanto, mostrou-se necessário o conhecimento de conceitos e proposições básicas acerca do


patrimônio e da revitalização e uso correto dos ambientes históricos. Através de pesquisas
realizadas sobre a indicação, delimitação e classificação dos componentes a serem conservados,
restaurados, valorizados e apropriadamente utilizados e considerando os valores presentes na
área em estudo, pode-se caracterizar a vocação turístico-cultural que a mesma possui.

1. Patrimônio e sociedade

Nos dias atuais, se considera como patrimônio material, os bens imóveis, como edificações,
conjuntos urbanos e sítios arqueológicos e paisagísticos e bens móveis, como pinturas,
esculturas, vestígios arqueológicos e paleontológicos etc. São bens que se pode tocar, podem
ser guardados, preservados e restaurados (IPHAN, 2012).

Como patrimônio imaterial, são consideradas as formas de expressão, modos de criar, fazer e
viver. Só é percebida pela manifestação do homem. Segundo a Unesco, o patrimônio cultural
imaterial, é composto por:
as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os
instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural (UNESCO, 2012).
Esses conceitos que são definidos nos dias de hoje, são na realidade, fruto de uma evolução do
conceito de patrimônio histórico e de monumento e monumento histórico que vem desde o
século XIX.

As noções de monumento e monumento histórico, que hoje muitas vezes se confundem, são em
muitos aspectos opostas e até antagônicas. De acordo com Alois Riegl (1858-1905), a diferença
fundamental, é que o monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja destinação foi
pensada a priori, enquanto o monumento histórico não é, desde o princípio desejado
(ungewollte) e criado como tal, ele é constituído a posteriori, por olhares convergentes de
historiadores e amantes da arte, que fazem uma seleção dentre os edifícios onde os monumentos
são apenas uma pequena parte. Todo objeto do passado pode ser convertido em testemunho
histórico, sem que para isto tenha tido como origem uma destinação memorial. “O monumento
tem por finalidade fazer reviver um passado mergulhado no tempo, o monumento histórico
relaciona-se com a memória viva e com a duração” (CHOAY, 2006, p. 26).

As relações que estes mantêm entre si, com o tempo, a memória e o saber, determinam uma
diferença maior quanto a sua conservação. Os monumentos de uma maneira geral estão
expostos às ações do tempo e aos desgastes. O monumento histórico necessita de conservação,
uma vez que se insere em um lugar imutável definitivo. Desta forma, os projetos de conservação
e sua execução evoluíram com o tempo acompanhando a própria história do seu conceito
(CHOAY, 2006).

Apesar de existir a preocupação com a preservação dos monumentos desde o século XIX na
França e na Inglaterra, foi com a redação da Carta de Veneza em 1964, que se unificam as
preocupações mundiais com a preservação do patrimônio, confirmando os princípios de dois

40
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

teóricos Gustavo Giovannoni (1873-1943) e Cesare Brandi (1906-1988), ampliando o leque de


exemplares em diferentes escalas:
Art. 1º – A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada,
bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de
uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às
grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o
tempo, uma significação cultural (CARTA DE VENEZA, 1964, Art. 1º).
Na década de 1970 tem início as primeiras ações de implantação da Conservação Urbana
Integrada, que se refere a uma estrutura de planejamento e de ações de gestão numa área urbana
existente com a finalidade de garantir o desenvolvimento sustentável mediante a manutenção
das características significativas das estruturas físicas e sociais do assentamento e do seu
território, e sua integração com novos e compatíveis usos e funções (ZANCHETI, 2003).

No entanto, apesar de o princípio fundamental da Conservação Integrada ser a preocupação


com o patrimônio histórico levando em conta os diferentes valores que o compõe, com uma
abordagem social, a partir dos anos 80 e 90, o que se vê é essa abordagem sendo substituída por
uma de cunho econômico. Os primeiros exemplos práticos, da década de 70 realmente se
concentraram na recuperação da estrutura física, econômica e social dos lugares objeto de
intervenção, mas a partir dos anos 80 e 90, a Conservação Integrada passa a ser apreendida
como uma forma de “revitalizar” áreas centrais obsoletas através da recuperação econômica e
imobiliária. Assim há o questionamento do que se pretende preservar, e se esta realmente busca
uma aliança entre a preservação e o desenvolvimento, ou é apenas uma preservação da
“fachada”.

Essa substituição da abordagem da conservação da transformação social para a econômica


encontra-se ligada à globalização e a processos urbanos que caracterizam a cidade
contemporânea, com a importância da imagem da cidade. O processo de ampliação de conceito
de patrimônio aliado ao chamado “empresarialismo urbano”, alia o desenvolvimento da
indústria do turismo com a exploração de espaços públicos com reconhecimento histórico.
(VIEIRA, 2008).

Isso faz com que se discuta a questão dos valores culturais das áreas históricas e o homem como
foco da conservação, com a identificação dos valores reconhecidos, da sua relação com o
patrimônio, dos seus símbolos e das suas necessidades. Passa a existir a inclusão do componente
cultural no conceito de desenvolvimento sustentável, baseado em ideias, valores e padrões da
comunidade, levando em conta a diversidade cultural, e, não apenas a materialidade, mas seu
caráter, identidades e heranças construídos ao longo do tempo.

Assim, o tratamento de áreas históricas atualmente tem novos desafios no que se refere à gestão,
uma vez que existem diversos atores envolvidos e a escala de valores de cada um destes, ou
seja, na maneira como se relacionam os valores culturais e econômicos nas implantações dos
processos de revitalização. É necessário adaptar as necessidades contemporâneas aos desafios
tradicionais de gestão da cidade.

2. A Cruz do Patrão: o bem e seus significados

2.1.A materialidade do bem

41
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

A Cruz do Patrão é uma coluna cilíndrica de ordem dórica, construída em alvenaria, com
revestimento em argamassa de cimento de épocas diferentes com altura de seis metros com dois
metros de diâmetro. No capitel se levanta uma pinha facetada, encimada com uma cruz em
pedra calcária com a inscrição INRI (Iesus Nazarenus Rex Iudeorum, ou Jesus Nazareno, o Rei
dos Judeus). Em seu entorno imediato existe pavimentação em pedra portuguesa cercada por
um gradil de ferro. (SILVA, 2012).

Figura 1: Vista da Cruz do Patrão.


Fonte: Acervo da autora, novembro/2012
O monumento está localizado no extremo norte do Bairro do Recife, dentro da área do Porto
do Recife, em um terreno murado que possui uma área de 6.849,74 m², pertencente à União. O
terreno onde se localiza a Cruz do Patrão, a oeste limita-se com o rio Beberibe, e a leste com a
Rua Ascânio Peixoto. O acesso é feito atualmente, a partir da Rua Ascânio Peixoto a partir da
entrada oficial do Porto do Recife no Bairro do Recife. Ainda é possível o acesso através das
margens do Rio Beberibe, ou por um passeio a partir da Ponte Limoeiro pelas margens do rio,
que, no entanto, nos dias de hoje se encontra fechado.

O nome se dá em função da sua origem de balizamento para a entrada do ancoradouro interno


do porto, o Patrão, era o chefe da guarnição de embarcação de remos ou a vapor. A construção
da Cruz do Patrão está atrelada à importância do porto natural do Recife. Desde o início do
século XVI, o Arrecife dos Navios era a porta de entrada, em torno do qual teve origem a cidade.
A partir da península do Povo dos Arrecifes, temos hoje o Bairro do Recife. A partir da segunda
metade do século XVI o porto do Recife era o de maior movimento na América Portuguesa,
visto que era o principal escoadouro das riquezas da capitania mais promissora. Atraídos por
essas riquezas, principalmente pelo açúcar, os holandeses se instalam em 14 de fevereiro de
1630 no Recife, permanecendo até 1654. Dada a importância do porto para a economia da
época, era uma preocupação constante o seu acesso, sendo necessários então, os marcos de
balizamento para oferecerem uma orientação segura de navegação no acesso ao canal (SILVA,
2012).

A cidade tinha três acessos: a barra grande, a barra pequena, e a barreta, que era uma pequena
abertura em frente ao Pina, sendo a barra grande a forma mais importante de entrada para o
porto. A Cruz surge então da necessidade para entrar na barra grande, servindo como guia
(ASSIS, 2012).
Desde o ancoradouro externo - onde ficavam os navios maiores que não passavam na
calha - até o ancoradouro interno - por onde só passavam os navios menores para
entrar e não bater no banco inglês - um grande trecho onde há um empedramento e
areia, fatores que podem encalhar o navio - eles tiveram que fazer um assinalamento
com madeira, que depois foi transformado em uma cruz (ASSIS, 2012 p. 36).

42
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

Ainda pela necessidade de uma melhor visibilidade, foi feita uma base e uma coluna em
alvenaria com um pequeno capitel e uma cruz no topo lembrando o modelo anterior. Esta é a
representação de um modelo de sinalização que não é brasileiro, e sim um hábito Europeu,
chamado de navegação por rumo à distância (ASSIS, 2012).
No Recife, o navegador que queria entrar com o barco no porto precisava apontar a
proa da navegação na direção da cruz, cruzando o referencial com a torre da igreja de
Santo Amaro das Salinas, que ficava do outro lado do rio Beberibe, em Santo Amaro
(ASSIS, 2012 p. 36).
Os documentos históricos indicam que originalmente a Cruz encontrava-se no centro do istmo.
A partir de estudos realizados, e verificações na planta topohidrográfica realizada pelo tenente
Eliziário em 1848, sabe-se que essa margem variou ao longo dos séculos chegou até à base da
Cruz no século XIX. Vale ressaltar que, em alguns mapas que mostram o antigo istmo, estão
representados grandes bancos de areia que ampliavam a sua largura. De acordo com fontes
históricas e mapas antigos, pode-se dizer que o istmo apresentava, ao menos em alguns
momentos, em torno de 80 metros de largura3.

No entanto, hoje a área está bastante modificada pelos aterros na parte leste da Cruz, para a
ampliação do porto no século XX. O lado a oeste do monumento encontra-se a apenas vinte e
quatro metros da margem do rio Beberibe (RAMOS, 2008).

O sentido da preservação para a memória da navegação

A partir de entrevistas e reportagens com representantes de entidades ligadas à preservação do


patrimônio, o monumento figura como o mais antigo do Recife. Além disso, ao longo dos
séculos XVIII e XIX e boa parte do século XX, foi conhecido mundialmente devido a sua
importância para a navegação. Com recursos tecnológicos limitados, qualquer navegador que
viesse de qualquer parte do mundo e que tivesse que entrar no Recife, tinha que ter nas suas
anotações os “derroteiros” (anotações que eram anexadas aos mapas) com a indicação de
entrada no porto. A partir disso se dá a importância na manutenção do monumento em seu local
de origem e sua interação com o entorno, com a manutenção de sua função.

Não há registro de que exista no Brasil outro exemplar senão este deste tipo de sinalização para
a navegação, diferentemente de boias e faróis, que podem ser encontrados em todo litoral. De
acordo com o professor José Luiz da Mota Menezes que “ele é importante porque é um
monumento náutico nacional que se torna internacional até pelo Recife ser área de primeiro
toque dos barcos” (In ASSIS, 2012 p. 39).

2.2.A imaterialidade do bem

Para entrar no porto do Recife, os navegadores avistavam a Cruz do Patrão e aguardavam


alinhamento com a torre da igreja de Santo Amaro das Salinas, situada por trás do Rio Beberibe.
Neste momento, podiam seguir perpendicularmente em direção à barra que entravam
seguramente no porto. Esta atividade repetida várias vezes diariamente durante séculos, estava
intimamente ligada ao ato de possessão do território colonial. Nela verificam-se os elementos
primários que estabeleciam o domínio português: o mar e o navegador, o porto, e nele um
representante da autoridade régia, o patrão-mor da ribeira e a Igreja. Assim, fincada no local
primitivo do sítio dos pescadores que deu origem à vila, a Cruz do Patrão foi mais do que um
3
Em novembro de 1999, pesquisadores da UFPE encontraram a localização da antiga margem esquerda do Rio
Beberibe, no interior do prédio onde funcionou a sinagoga dos judeus, de 1636 a 1654. Os arqueólogos
descobriram o terreno do istmo, a inclinação de sua margem esquerda e a camada de aterro que propiciou o
43 crescimento do Recife Antigo.
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

importante e prático marco de navegação. Como monumento, representava também um marco


da posse da Coroa portuguesa, da mesma forma como aconteceu com os outros marcos lançados
ao sul e nas costas dos Oceanos Atlântico e Índico ao longo dos séculos XV e XVI. Esses
marcos expressavam implicitamente o ato de posse do território (CATARINO, 2005).

Desde o século passado vigoram na cidade do Recife, tradições culturais que definem a Cruz
do Patrão como um antigo cemitério de escravos. Essa tradição na qual se baseia a história dos
negros, foi repassada de pais para filhos por gerações, e caracterizou o monumento como local
de espancamento e sepultamento de negros. Diante dessa crença, o local guardou e guarda até
hoje a presença do sobrenatural, de espíritos e fantasmas. Desta forma, a Cruz do Patrão tornou-
se conhecida também como um dos lugares mais assombrados do Recife, temido e evitado por
todos (RAMOS, 2008).

No entanto, além desses dois importantes significados, de posse de território na época da


colônia e de local assombrado até os dias de hoje, o principal é que a Cruz do Patrão tornou-se
símbolo da cultura afro-brasileira, em decorrência do que aconteceu no lugar. Apesar de
construído pela classe dominante de então, conta aspectos importantes da vida dos negros do
Recife, tomando-se símbolo da escravidão, tendo o reconhecimento, a valorização e a
apropriação do patrimônio cultural pela sociedade através de seu resgate histórico-cultural.

Em 2005, a pedido da Prefeitura da Cidade do Recife e financiado por esta, foi realizado um
projeto de pesquisa pelo Programa de Pós-Graduação em Arqueologia e preservação do
Patrimônio da Universidade Federal de Pernambuco, sobre a história e a dimensão simbólica
desse monumento em relação às tradições culturais que existem na cidade, e que o vinculam ao
sofrimento e morte de escravos. O estudo levou em consideração os conteúdos espirituais
existentes próprios do contexto imaterial, e que estão ligados à história de monumentos como
esse, até porque para entendê-lo como patrimônio da cultura material, era preciso antes,
conhecê-lo em seu aspecto imaterial (RAMOS, 2006).

Como resultado, as pesquisas arqueológicas mostraram que o local do entorno imediato do


monumento não se tratava de um cemitério, mas de um local de realização de práticas afro-
religiosas, onde os “trabalhos” eram realizados e deixaram evidências, confirmando a sua
importância histórica. O monumento ficou caracterizado não como local de sepultamento de
negros, mas como local de realização de rituais afro-religiosos. Foram encontrados vestígios de
rituais realizados nos final do século XIX e início do século XX, vinculando o espaço à cultura
afro-brasileira da cidade do Recife. Foram encontrados ossos desconectados dos corpos jogados
à beira das marés. Esses atos de crueldade realizados no local, ficaram estigmatizados nos
rituais concretizados aos pés da Cruz do Patrão, como uma reverência aos eguns4 pelo descanso
das almas, que segundo a tradição ainda vagam no local.

A tradição oral existente há mais de um século não foi ignorada, e foi feita uma pesquisa
historiográfica, onde se constatou que certamente eram jogados corpos de negros no local,
prática que também era realizada em qualquer outro local ermo da cidade. Como na época não
havia cemitérios no Brasil, as pessoas eram sepultadas sob os pisos ou nas paredes das igrejas
e conventos, no entanto, somente os de certa posição social. Após 1850, por uma questão de
saúde pública, é que surgiram os cemitérios, localizados no mesmo local das Igrejas. Nessa
época também existia a segregação dos não católicos, mas mesmo cristianizados, os africanos,

4
Em orubá quer dizer familiares mais velhos que se foram, espíritos.

44
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

como escravos, eram sepultados em covas rasas ou abandonados como animais para apodrecer
nas margens dos caminhos e no ermo das praias.

Outra justificativa de não ter se verificado a confirmação da tradição oral do local como
cemitério de escravos, é a documentação cartográfica, visto que a Cruz estava localizada em
local estreito e alagado, reforçando o que justificaria a ausência de sepulturas. Acredita-se
também que a ideia de lugar de enterramentos pode ter uma origem externa ao local, podendo
ter havido uma transferência da ideia de outro local, dado a existência de um cemitério fora dos
muros do povoado, de não católicos ou de negros sepultados clandestinamente, tornando-se
símbolo da resistência à escravidão, com a realização de ritos religiosos para os que morreram
ali (RAMOS, 2008).

O sentido da preservação para a cultura afro-brasileira

O sentido da preservação do patrimônio para a comunidade afro-brasileira do Recife vai mais


além do que simplesmente a preservação do patrimônio construído. A partir de entrevistas
realizadas com representantes da comunidade5 pode-se constatar a importância que a Cruz do
Patrão representa para ela, como um marco religioso e da história afro-brasileira no Recife.

Em 1937, após a revolução, no Governo de Getúlio Vargas, foi ordenado o fechamento de todos
os terreiros de Candomblé. Nesta época vários objetos dos terreiros foram saqueados e o
material recolhido pela Secretaria de Segurança pública e enviado para o Museu do Ipiranga
em São Paulo. Muitos terreiros com medo que os seus objetos fossem tivessem o mesmo fim,
enterraram estes nas praias e em áreas de mata até 1948 quando os terreiros foram reabertos.
Um dos lugares que foram utilizados para o enterramento desses objetos foi a Cruz do Patrão,
no lado onde hoje se localizam os armazéns.

Para a comunidade, a história da Cruz do Patrão tem a mesma complexidade da história do


negro no Brasil, com a mesma discriminação e descaso. No local da Cruz eram enterrados os
negros, escravos e todas as pessoas discriminadas que estavam mortas e também eram
abandonados os que estavam doentes.

Em 2002, quando a Prefeitura da Cidade do Recife iniciou as discussões sobre a realização de


uma escavação arqueológica no local, a comunidade foi contra, mas diante da decisão da
maioria pela realização das pesquisas, criou-se uma comissão para o acompanhamento, para o
caso de aparecer algum objeto ou ossos, desta forma poderia ser dado um enterro digno a esses
restos mortais. Essa comissão foi comandada pelo Babalorixá Manuel Papai, do Terreiro Obá
Ogunté mais conhecido como Sítio de Pai Adão. Para o início das escavações foi feita a
evocação para os Eguns. Alí havia dois dos três elementos necessários, a água e a terra, faltando
apenas as plantas. Para a religião, acredita-se que no local onde existem enterramentos, mesmo
que simbólicos, deve ser feito esse ritual para a realização de qualquer trabalho na área. Durante
as escavações não foi evidenciada nenhuma ossada que tivesse haver com a religião. No
entanto, o fato de não ter sido encontrado o cemitério, como sugeria a tradição oral, não gerou
nenhuma diminuição da sua importância para a comunidade, que considera o local como um

5
Foi realizada entrevista em 22 de setembro de 2012 com o Babalorixá Manoel do Nascimento Costa, conhecido
como Manoel Papai, do Terreiro Obá Ogunté ou Sítio de Pai Adão, como é mais conhecido. O Babalorixá é o
presidente a Associação de Terreiros na região e acumula mais de 800 terreiros.

45
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

marco, “ali é um marco, marco do sofrimento e da história do negro, a distância onde está o
cemitério não diz nada, porque ali era o porto, o local era aquele”, afirma Manoel Papai.

A valorização da Cruz do Patrão poderia ser uma forma de política de combate ao racismo,
buscando extinguir os resquícios de preconceito racial provenientes do período da escravidão
(DINIZ, 2011).

Após a construção do conceito de patrimônio e a descrição do bem, não resta dúvidas quanto à
caracterização da Cruz do Patrão como monumento histórico, tanto pela sua importância
material como imaterial. No entanto, em relação à preservação, o que se apresenta hoje é o
descaso com esse patrimônio.

Observa-se que existe a participação de dois conjuntos de atores atuantes nos processos de
revitalização do monumento: o poder público e entidades através de seus técnicos6, e a
comunidade afro-brasileira. O olhar que cada um desses tem sobre o monumento é diferente
entre si, com conflitos em relação aos valores culturais e econômicos.

A questão do abandono e da falta de interesse da gestão pública se reflete no estado de


conservação do bem. Sem receber nenhum tipo de manutenção, o monumento passou muito
tempo coberto por vegetação no seu entorno e sobre o seu gradil, impossibilitando o acesso às
proximidades do mesmo. Isto sem mencionar, que não existe, nem nunca existiu nenhuma
forma de acesso especial à área, nem iluminação ou agenciamento para o local, de forma que o
destacasse e o incluísse na vida da sociedade. Na verdade existiram e ainda existem diversos
projetos com enfoques diferentes que serão apresentados e discutidos neste estudo.

3. Os diversos olhares sobre a Cruz do Patrão

Partindo do enfoque da Conservação Integrada, não podemos fazer uma análise das intenções
de intervenção na área do monumento sem levar em consideração o seu entorno, ou seja, o
Bairro do Recife como um todo, já que está é numa das áreas mais importantes histórica e
cultulramente do Recife.

A partir do entendimento da ocupação e do uso do bairro poderá se ter um melhor entendimento


das motivações das ações de implementação dos projetos feitos visando sua requalificação e
valorização. Estes projetos têm se apresentado com prioridades diferentes em relação às
principais ações para a reabilitação do bairro em função da diversidade de pensamentos de
gestões que passaram pela Prefeitura do Recife e pelo Governo do Estado. Em relação ao
monumento, muitos deles não o levam em consideração. Os que existem, também se
apresentam com olhares diferentes em relação à sua recuperação, restauração e a revitalização
da sua área para a inclusão deste na sociedade.

O Bairro do Recife é o núcleo original a partir de onde se desenvolveu a cidade. Criada em


1537, a vila funcionou como apoio portuário para a cidade de Olinda na época mais
desenvolvida. Em 1630, com o incêndio de Olinda e o domínio holandês, Recife recebeu a
implantação de um projeto urbanístico planejado. Mesmo após a expulsão dos holandeses a
cidade vai se desenvolvendo dentro da linha urbanística deixada pelos holandeses para o Bairro
de Santo Antônio. Até o final do século XIX não se verificava nenhuma mudança significativa
na malha urbana do Bairro do Recife, caracterizada por deformações e valorização dos espaços

6
Considera-se aqui como técnicos, pesquisadores e representantes de entidades ligados à preservação do
patrimônio como do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco e do Instituto Ricardo
Brennand.
46
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

sacros. No início do século XX, influenciado por reformas urbanas francesas e o discurso
higienista, o Recife também passou por um processo de modernização com o reaparelhamento
do porto e a reforma urbana do Bairro do Recife. Para que o porto pudesse ter competitividade
em termos nacional, houve uma remodelação do velho núcleo, tirando-lhe as características
iniciais de povoamento, já que quarteirões foram demolidos e abertas largas avenidas. A
península foi ampliada e transformada em ilha, desligada artificialmente de Olinda, a qual se
reunia por meio do istmo (VIEIRA, 2008).

Entre 1930 e 1950, o desenvolvimento econômico se caracterizou por uma urbanização


acelerada e pela expansão para as periferias urbanas com o esvaziamento e degradação dos
centros. No Recife, o bairro de Santo Antônio se transformou em centro simbólico e econômico
da cidade, e o Bairro do Recife perdeu a sua importância passando a ter as características do
abandono e consolidando-se como bairro da prostituição e da boemia. No entanto, nos anos 70,
com o agravamento da degradação espacial, física e humana, a área perdeu o encanto que ainda
lhe restava nos anos 60, e passou a ser local de atividades marginais (VIEIRA, 2008).

3.1. As intervenções planejadas

Como o Bairro do Recife tinha dependência direta do Porto, sofreu com a falta de vida
dinâmica. Apesar da diminuição das atividades portuárias, nos anos 60, várias reformas foram
feitas como a construção de grandes armazéns, do terminal açucareiro e do parque de tancagem,
a incorporação da Av. Alfredo Lisboa ao pátio de manobras de caminhões do Porto e a
desapropriação e demolição da área do entorno da Igreja do Pilar (VIEIRA, 2008).

Nessa época, foi cogitada a retirada da Cruz do Patrão do lugar, para que a Companhia
Pernambucana de Borracha Sintética - Coperbo, pudesse construir esferas de gás, mas houve a
intervenção da comunidade científica que conseguiu evitar a ação (ASSIS, 2012). Apesar disso,
não houve a preocupação em deixar um acesso para o monumento. O local do monumento
simplesmente foi incorporado ao porto e encoberto por novas construções. Como na época não
tinha mais função para a navegação, seu valor para a comunidade afro-brasileira também não
foi levado em consideração, passando então a cair no esquecimento e desconhecimento da
população em geral. Prevaleceu a modernidade e o potencial econômico do porto.

Os estudos e projetos para a área do Bairro do Recife tiveram início em 1985, na gestão do
prefeito Jarbas Vasconcelos (1985-1988) com o inicio da elaboração do Plano de Reabilitação
do Bairro do Recife, com enfoque social e o objetivo de recuperar o patrimônio edificado em
função da inclusão das classes sociais de baixa renda que ocupavam a área, das favelas, pensões
e cortiços. No entanto com o fim da gestão, o plano não teve continuidade.

Na gestão seguinte do prefeito Joaquim Francisco (1989-1992), também não se deu


continuidade ao plano e o foco das ações passou a ser o setor empresarial, com estímulo à
atividade turística e incentivos e isenções fiscais. Dentro da elaboração do Pano Diretor e do
estabelecimento das zonas de interesse, foram contempladas as áreas da parte sul da ilha, visto
que estavam mais “à mostra” do público, excluindo-se a parte norte onde se localizam a Igreja
do Pilar, o Forte do Brum e a Cruz do Patrão. Nesta mesma época, na metade do mandato,
Joaquim Francisco se elegeu Governador do Estado, e o governo estadual lançou um projeto
turístico para o Estado que contemplava o Bairro do Recife como um dos principais pontos de
apoio. O patrimônio histórico e artístico passou a ser visto como de grande valor para a
economia. Foi então encomendado o Plano de Revitalização para o Bairro do Recife – PRBR,
como parte do Programa Integrado de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – Prodetur,
que era gerenciado pelo banco do Nordeste – BNB, e financiado pelo Banco Interamericano de

47
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

Desenvolvimento – BID. Além da elaboração do Plano, não houve nenhuma outra realização
efetiva de ação para o bairro (VIEIRA, 2008).

A nova gestão municipal, que assumiu a partir de 1993, novamente com o prefeito Jarbas
Vasconcelos (1993-1996), implantou o PRBR. Vale salientar que as prioridades observadas em
seu primeiro mandato não foram as mesmas do segundo, sendo estas então, alinhadas com as
do Governo Estadual, do então governador Joaquim Francisco, seu antecessor. O plano seguiu
complementado com programas de parcerias entre o investimento público e o privado e com
reformas emergenciais dos espaços públicos. Em linhas gerais este plano prosseguiu até o ano
de 2005, sofrendo ao longo do tempo mudanças e ajustes. Ele definiu a estrutura econômica e
social das atividades a serem implantadas no bairro, a forma de ocupação das áreas, a utilização
do patrimônio ambiental e cultural e a imagem social buscada. Como objetivos, estavam a
transformação da área em um Centro de Serviços Modernos, a conservação do patrimônio
histórico e cultural do bairro através da vitalidade econômica, resgatando sua característica de
espaço em constante transformação que mantém os registros de todas as suas épocas históricas
e a conversão do Bairro do Recife em espaço de diversão e lazer para a população e em um
centro de atração turística nacional e internacional. O plano ainda propôs uma mudança na
legislação para o bairro com a divisão da área em três setores, que teriam formas de intervenção
diferenciada: um Setor de Consolidação, um Setor de Revitalização e um Setor de Renovação.
A área da Cruz do Patrão estava dentro do Setor de Revitalização, fazendo parte da área do
porto do Recife. Monumentos como o Forte do Brum e a Igreja do Pilar, faziam parte do Setor
de Renovação. No entanto, apesar de sua importância, os monumentos da porção norte do bairro
novamente não faziam parte dos Projetos de Impacto, a não ser a área da Igreja que se encontra
na comunidade do Pilar que deveria receber uma atenção em relação à reconstrução do ambiente
urbano (Setor de Renovação). Durante essa gestão, todos os esforços foram centrados para a
captação de recursos e realização de projetos para as intervenções na parte central e sul do
bairro, nas áreas do Polo Bom Jesus e do Polo Alfândega. Os outros monumentos não faziam
parte do roteiro turístico, nem da agenda de eventos culturais para o bairro.

Na gestão municipal iniciada em 1997, do prefeito Roberto Magalhães (1997-2000), apoiado


pelo seu antecessor, novamente os maiores esforços se concentraram nos projetos destinados
na porção central e sul do bairro. Além destes, também foram executados alguns projetos na
porção norte da ilha, como a recuperação da Ponte do Limoeiro, a urbanização do entorno do
Forte do Brum e a Requalificação Urbana do Portal Norte da Ilha do Recife. Apesar da
proximidade e de já haver o acesso para o monumento, tanto pela lateral do rio Beberibe, quanto
por dentro do Porto do Recife, não foi feito nada na área da Cruz do Patrão, a não ser o anúncio
de que a área do monumento faria parte de um novo ponto turístico para o Polo Pilar no Bairro
do Recife. Dentro desta proposta a área seria transformada em um ponto de visitação, com a
construção de um acesso para pedestres beirando o Rio Beberibe com 200 metros de extensão
e que a Rua Ascânio Peixoto, já existente dentro do Porto do Recife, seria aberta ao público
para o acesso de veículos, esta última, realizada. Ainda nesta mesma gestão também foi
apresentado um projeto de revitalização do monumento juntamente com a instalação de um bar
e restaurante em um navio que ficaria atracado na área próxima ao monumento. Este projeto
remontaria a ideia equivocada da exploração econômica do monumento dos anos 80, com a
destruição da memória patrimonial, indo de encontro a todos os valores do monumento, para a
história e para a cultura afro-brasileira. Nesta gestão observa-se a preocupação com a
valorização econômica através do turismo e do lazer. A tônica era a utilização do patrimônio
priorizando a sua exploração econômica e não a promoção da valorização econômica do
patrimônio.

48
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

O prefeito João Paulo (2001-2004 e 2005-2008) que assume a prefeitura em 2001, iniciou uma
nova fase de gestão voltada para as classes sociais mais baixas. Nesta fase ainda de realização
do PRBR continuaram em desenvolvimento vários dos programas iniciados nas gestões
anteriores. Também foi iniciada a elaboração do Programa de Requalificação Urbanística e
Inclusão Social da Comunidade do Pilar – PRUISCP, com a inclusão da requalificação
urbanística com a melhoria da infraestrutura urbana, a criação de novos acessos, praças
equipamentos e habitações; a inclusão social da comunidade a valorização do patrimônio (Igreja
do Pilar e vestígios do Forte de São Jorge), no entanto não foi executado. (VIEIRA, 2008).
Foram realizadas as obras de restauração do monumento da Cruz do Patrão, acompanhada em
uma etapa posterior de uma pesquisa arqueológica a fim de resgatar uma parte da história da
comunidade afro-brasileira do município. Depois disso foi elaborado um projeto para a área.
De conformidade com os projetos anteriores, a nova proposta contemplava uma via de acesso
de pedestres a partir da Ponte Limoeiro até o terreno onde está o monumento e a transformação
da área em uma praça e espaço para eventos, além da criação de um centro de formação afro-
brasileira ao lado do monumento com o objetivo de fortalecer o turismo no local. Como se pode
observar, nesta gestão também foi dado prioridade aos valores econômicos, com intervenções
modernizadoras em áreas de grande visibilidade. Até este momento o que se observa é que as
ações desenvolvidas pelo Plano de Revitalização do Bairro do Recife se concentraram em ações
de exploração do turismo nas áreas do Polo Bom Jesus e do Polo Alfândega.

Como comentado anteriormente, este programa norteador de ações que foi o PRBR prosseguiu,
em linhas gerais, até o ano de 2005. Em abril do mesmo ano foi assinado o convênio do projeto
do Complexo Turístico Cultural Recife-Olinda entre as prefeituras das duas cidades, o Governo
do Estado e o Governo Federal. O objetivo do projeto, que mais tarde passou a se chamar apenas
Projeto Recife-Olinda, era priorizar ações estratégicas a serem implementadas em um conjunto
de territórios da RMR, mais especificamente na área entre Brasília Teimosa e o Sítio Histórico
de Olinda, contribuindo para o desenvolvimento histórico, cultural, tecnológico, econômico,
social e ambiental da região. Ele é resultado da junção de uma série de projetos que vinham
sendo desenvolvidos em instâncias separadas. (VIEIRA, 2008). A ideia é de tratar o território
como um conjunto especial, alinhando a história e o patrimônio com a valorização econômica
e cultural, com investimentos para a restauração de monumentos e edificações e o
reaproveitamento de áreas subutilizadas. A previsão de duração do projeto era de 20 anos. O
projeto propõe ainda instrumentos de integração e planejamento que promovam uma integração
do planejamento e da gestão do território com a gestão das atividades turístico-culturais na área
de abrangência. Entre outras coisas, busca a salvaguarda e proteção do patrimônio cultural
(sítios, edifícios, ocorrências e etnografia), a valorização das frentes d’água (rios Capibaribe e
Beberibe, bacia do Pina e Oceano Atlântico) e a valorização dos espaços públicos.

Em relação ao Projeto Recife-Olinda, o que primeiro chama atenção é não haver referência do
monumento no projeto, principalmente como área de relevância. A preocupação se dá apenas
em relação aos bens tombados, como é o caso do Forte do Brum e a outros testemunhos da
evolução da ocupação do território, como é o caso dos terminais açucareiros e dos silos. Como
proposta está o resgate do caminho de articulação entre Recife e Olinda, no caso uma releitura
do istmo. Vale salientar que a Cruz do Patrão era um elemento importante na paisagem desta
ligação, assim como a sua relação com o Forte do Brum e o Forte do Buraco, não mais existente
atualmente, mas havendo a possibilidade de serem encontrados vestígios no local onde existiu.
Há também uma relação deste com Igreja de Santo Amaro das Salinas, esta citada no projeto,
uma vez que como marco de navegação, a igreja fazia parte do alinhamento para entrada no
porto. Apesar do foco nas atividades turístico-culturais e da preocupação com o patrimônio
cultural, não se vê nenhuma preocupação especial para o tratamento do monumento, com o seu
resgate histórico e cultural, nem como marco de navegação nem como marco da história afro-

49
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

brasileira. A partir das imagens do projeto urbanístico proposto, o que se observa é apenas um
tratamento urbanístico no local, que deve ter uma maior visibilidade uma vez que ficará na área
lateral da ponte que ligaria a porção norte da ilha à Vila Naval.

Em 2009, assume a prefeitura da Cidade do Recife o prefeito João da Costa (2009-2012), eleito
com o apoio do ex-prefeito João Paulo. Durante a gestão, foi dada continuidade aos projetos
em andamento. Foi colocado na agenda novamente a transformação da Cruz do Patrão no mais
novo equipamento turístico-religioso da cidade, com o projeto de requalificação e construção
de um complexo que serviria de referência para a cultura afro-brasileira. A proposta era de uma
estrutura para a frequência de visitantes, com uma área total de uso de mais de 10 mil m², com
a construção de um prédio administrativo (com biblioteca ou livraria sobre a cultura afro-
brasileira), auditório, lojas, salão de exposição, restaurante, cafeteria e estacionamento. Estava
previsto também o passeio às margens do rio Beberibe e três píeres para atracação de catamarãs
(PCR, 2009). O projeto não foi levado adiante. Após a apresentação e alterações feitas, deveria
ser elaborado o Termo de Referência para a elaboração do projeto executivo e posterior
execução, o que não se tem notícia até hoje.

Ainda no Bairro do Recife, como promessa de campanha do governador Eduardo Campos


(2007-2010 e 2011 até a atualidade), fazendo parte dos projetos estruturadores do Porto do
Recife, estava a sua recuperação, com a continuidade das atividades de sua origem e de sua
vocação. O projeto de revitalização previa a recuperação da movimentação de cargas e a
implantação de vários tipos de atividades não operacionais com investimentos públicos e
privados, para a construção de equipamentos de cultura e lazer, Centro de Convenções,
escritórios comerciais, hotéis e marinas, além de um terminal de passageiros. O projeto está em
fase de execução, financiado com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC
para a Copa de 2014, do Governo Federal e contempla a urbanização da área portuária entre a
ponte giratória e o Forte do Brum. O objetivo do projeto era que com a melhoria do terminal e
a urbanização e requalificação dos armazéns, a área portuária se integrasse ao Bairro do Recife,
retomando sua vocação comercial e seu potencial turístico (PASSOS, 2010). Este projeto foi
denominado Porto Novo - Operação Urbana do Cais do Porto e praticamente substituiu o
Projeto Recife-Olinda. Atinge apenas a área portuária que não está sendo utilizada pelo Porto,
neste caso os armazéns da costa leste da ilha, e posteriormente á área dos armazéns 15, 16, 17
e do prédio da Conab, no Bairro de Santo Antônio.

Em dezembro de 2011, em função da necessidade de ampliação de espaços para importação de


maquinário e estoque de veículos na área operacional, a administração do Porto anunciou que
estava estudando a possibilidade de mudar o monumento da Cruz do Patrão de local. A intenção
era de levar o monumento para uma das duas praças na entrada do porto (MELO, 2011). Após
essas declarações, ao que parece, a área do monumento foi considerada como operacional para
o porto, uma vez que a área contemplada pelo projeto Porto Novo de revitalização era a não-
operacional, e foi cogitada a intenção de deslocamento do monumento para a construção de
pátio de estocagem. Ao analisar essa intenção, observa-se que ainda existe o pensamento na
administração pública, da ideia modernizadora no final do século XIX, onde "a modernização
é sinônimo de destruição do antigo e construção do novo e moderno. Qualquer relação,
lembrança, reminiscência do passado colonial deve ser esquecida..." (VIEIRA, 2008 p. 71)

Em função dessa notícia e, agora, de um perigo de destruição concreto, em 19 julho de 2012,


foi dado entrada no processo de tombamento e preservação rigorosa do monumento e entorno
da Cruz do Patrão no Conselho Estadual de Cultura, o qual foi aprovado, por unanimidade, em
29 de agosto deste ano. Também foi dado encaminhamento ao processo em termos federal
(ASSIS, 2012). A necessidade do pedido de tombamento se deu para garantir a preservação do

50
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

monumento no local, pelo menos enquanto durar o processo e este não for aprovado pelo estado.
Apesar do pedido de tombamento e da garantia do monumento no local, em novembro de 2012,
observou-se uma redução de mais da metade da área em relação à área existente anteriormente,
em que o monumento está inserido. Nesta parte do terreno está sendo instalada uma empresa
que, de acordo com operários que se encontravam no local, seria de pescados. Verificou-se que
restou apenas um recuo de aproximadamente 15 metros em relação ao monumento, um pouco
maior que o do lado oposto que é de aproximadamente 10 metros.

Como foi visto, durante muito tempo os investimentos foram centralizados nas obras e nos
projetos de importância e valoração econômica e não nos de valor social e cultural. Foram
sempre deixados para um segundo plano, os projetos em áreas que não eram visíveis, nem eram
de importância para a frequência da elite, como foi o caso da Comunidade do Pilar e da Cruz
do Patrão. Na maior parte das vezes os projetos existiam, mas não havia recursos para sua
execução, apesar de existirem altas somas para serem investidas nos outros projetos.

4. Recomendações para intervenção

Um dos motivos de se levantar a questão sobre a Cruz do Patrão é o desconhecimento da


existência desse monumento histórico por grande parte da sociedade que vive no Recife.
Desconhecimento este causado provavelmente pela dificuldade de acesso aliado ao desinteresse
pelo que ela representa e para quem ela tem valor, a comunidade afro-brasileira. Há na cidade
outros monumentos degradados e abandonados, mas diferentemente deste, a população tem
acesso e conhecimento da existência, tornando-se mais fácil a reivindicação pela manutenção e
recuperação. Como se mostra um dos princípios da Conservação Integrada patrimônio é uma
riqueza social e, portanto, de responsabilidade coletiva, e deve ser preservado uma vez que
apresenta interesse histórico e cultural.

As recomendações apresentadas foram elaboradas sob eixos temáticos nível de gestão, de


projeto de intervenção (requalificação), de restauro do monumento e de preparação para o
turismo.

Em relação à gestão, como qualquer outro patrimônio, existe o desafio de todo processo de
intervenção, uma vez que há diversos atores envolvidos, relacionando de maneira diferente os
valores culturais e econômicos. É necessário adaptar o sentido da preservação de cada um
desses às necessidades de utilização da sociedade, e ainda às dificuldades próprias da gestão da
cidade.Sob a ótica da Conservação Integrada, não se pode deixar de levar em conta a
participação popular, que neste caso, se faz representar em parte pela comunidade afro-
brasileira, que também deve ter poderes no processo decisório juntamente com o poder público
e com a comunidade científica. Além disso, deve-se implantar um programa de educação
patrimonial com a comunidade do entorno e a comunidade afro-brasileira, onde esta população
possa conhecer a história do bem e ser sensibilizada quanto à sua preservação, podendo ainda
ser estendida para escolas das redes municipais e particulares da Região Metropolitana do
Recife.

Para a elaboração de projetos de intervenção, a fim de que os princípios da CI sejam atendidos,


é necessário que sejam feitas escolhas apropriadas das funções para a área histórica levando em
conta a diversidade de valores culturais e econômicos. Neste caso, deve-se considera tanto os
aspectos materiais relevantes para os técnicos, como os aspectos imateriais de importância para
a comunidade afro-brasileira aliando e atendendo as duas comunidades.

51
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

A partir dos conceitos observados, pode-se considerar que o monumento em seu aspecto
material pode se representar em si, enquanto que no seu aspecto imaterial tem a necessidade da
manifestação do homem. Desta forma, para que possa ser percebido enquanto local religioso e
de interesse cultural é necessário que este seja demonstrado como tal. A recomendação é que o
local além de preservado, possa ser transformado em um memorial da cultura afro-brasileira,
com referências desta e de sua história.

A partir das entrevistas realizadas, observou-se que em ambos os casos existe a intenção e a
necessidade da utilização do acesso feito pelo rio Beberibe, com atracação de barcos no local.
Para que seja contemplado e reconhecido como monumento náutico, é importante que seja visto
a partir do rio, ou do mar, como era feito nos tempos em que servia de alinhamento com a Igreja
de Santo Amaro, não sendo esta forma mais possível devido às outras construções do porto,
que também representam testemunho de sua época, e um patrimônio da cultura urbana. Para a
comunidade afro-brasileira, a água tem uma relação com a religião e os rituais. Um pier poderia
servir de local para os barcos atracarem para tornar o local o ponto de partida para as panelas
de Iemanjá, um dos rituais mais importantes da cultura. Recomenda-se que sejam previstos
piers para atracação de embarcações no local.

Para que possa ser apropriada pela sociedade, é necessária uma preocupação especial também
com os acessos de pedestres, bicicletas e de veículos além das embarcações. Para pedestres e
bicicletas, já existe um recuo de 20 metros dos terrenos nas margens do rio Beberibe, e se
recomenda a sua utilização. Para veículos, o acesso deve ser feito pela Rua Ascânio Peixoto,
por dentro do Porto do Recife. Para a identificação do local e dos acessos, recomenda-se
também que sejam instaladas placas com a sinalização e indicação do monumento no local e
no Bairro do Recife e de Santo Amaro.

Para que se possa fazer o reconhecimento do local e do monumento a partir de outros pontos
da cidade, é necessária a instalação de iluminação especial de destaque em relação às outras
edificações do porto no seu entorno. Não se pode deixar de considerar a relação que o
monumento tem com o lugar e com essas outras edificações, uma vez que este também se
constitui um patrimônio, como conjunto ambiental de identidade do bairro. Para qualquer
projeto, deve-se levar em conta a sustentabilidade do ambiente com a redução de gastos
desnecessários com materiais e energia.

Também se recomenda que faça parte da elaboração de projetos, uma comissão da comunidade
afro-brasileira que possa auxiliar no reconhecimento de referências da religião e da cultura, para
que estas não sejam manipuladas cenograficamente com objetivos educativos e comerciais para
o turismo. É necessário que a área seja utilizada pela comunidade, para a manifestação de sua
cultura e não de forma folclórica.

Por fim, ainda em relação ao rema da requalificação, não se pode deixar de se observar o
conjunto de normas existentes para as intervenções na área e em áreas de monumentos
históricos.

Em relação ao restauro do monumento, a maior preocupação é a preservação da autenticidade


e a utilização de mão de obra local e especializada nos processos de restauro. É fundamental
que não se dissocie o monumento do local em que ele está inserido, visto que decomposto e
reconstituído em outro lugar torna-se falso. Deve ainda ser feito um diagnóstico do estado de
conservação do monumento por profissionais especializados para verificação da necessidade
de manutenção e restauro e que qualquer obra de restauro que necessite ser feita, possa ser

52
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

executada pelos jovens qualificados pelo Projeto Oficina de Restauro, incluindo a sociedade no
processo de apropriação e valorização do bem.

Por fim, em relação ao turismo, também se deve levar em conta que sua gestão deve ser feita
de forma a aproveitar seus benefícios sem deixar que a sua valorização econômica danifique o
patrimônio, nem que se torne uma área exclusivamente turística sem levar em conta as
necessidades e desejos da população local. A área pode ser incluída no roteiro turístico religioso
e étnico do Estado, uma vez que possa passe a ser o local da realização do ritual das Panelas de
Iemanjá, e memória da cultura e da religião, em conjunto com os terreiros da cidade. O turista
poderia participar da realidade da comunidade étnica, mostrando toda sua riqueza cultural
singular.

Acredita-se que seguindo essas recomendações apresentadas se cumpra com a intenção inicial
de ter a área onde se encontra a Cruz do Patrão preparada para recepcionar o público em geral
da cidade e os turistas. Desta forma será possível levar ao conhecimento de toda essa população
a importância desse monumento, e a mesma será, então, capaz de apropria-lo como um dos
bens mais importantes para a história do Recife, tanto em relação à cultura material como
imaterial.

Considerações finais

Após a análise do sentido da preservação da Cruz do Patrão a partir dos olhares dos diversos
atores, foi possível elaborar um conjunto de recomendações para intervenção na área de estudo.
Diante da proposta construída, entende-se que o atendimento às expectativas econômicas,
políticas e sociais dependem de outros fatores importantes como os mecanismos de gestão.

Precisa-se estar atento para que ações sob a prerrogativa de uma ação cultural, não se tornem
práticas constantes do poder público, fazendo com que novamente prevaleçam os interesses
econômicos em detrimento do valor cultural. Somando-se a isto as arbitrariedades cometidas
pelos órgãos que deveriam proteger o patrimônio e não deixar-se levar por sofismas que levam
à destruição destes.

Em relação à Cruz do Patrão, o que se observa é que esta está sob constante ameaça em razão
desse mesmo pensamento imediatista e financeiro, visto que se encontra em local valorizado
para armazenagem, dentro do Porto do Recife. Cabe aqui levantar a oportunidade em que se
coloca a questão para que se dê continuidade a uma pesquisa em que se levante as questões
financeiras que atuam sobre o monumento.

Como foi visto, é imprescindível para a manutenção de sua autenticidade e significância e,


consequentemente, para a sua condição de patrimônio, que este se mantenha em seu local de
origem. Além disso, que se cumpram as recomendações de restauro que se observam aqui sob
os princípios das cartas patrimoniais e de Cesare Brandi, para restauração de monumentos.

Tem-se consciência da dificuldade do atendimento de interesses diversos de atores da


sociedade. Mas este, é um dos desafios dos processos de gestão patrimonial, principalmente
quando se pretende integrar as partes menos favorecidas da sociedade com uma ligação direta
ao bem. É preciso que se viabilizem os projetos de forma que os valores para cada um possam
coexistir de forma harmônica.

O trabalho realizado evidencia a necessidade de se compreender a importância do patrimônio e


da sua preservação a partir do atendimento às expectativas do conjunto de atores envolvidos e

53
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

da integração do patrimônio na vida da cidade, alcançando um caráter sustentável com


equilíbrio entre as dimensões econômicas, sociais, ambientais, políticas e culturais.

Referências bibliográficas

ALVES, Cleide. A Cruz do patrão vai sair do anonimato e virar atração. Jornal do Commercio.
Recife, 22 nov. 1998 Caderno Cidades p.4.

ASSIS, Luiza. A conquista da Memória. Revista Algo Mais, no. 79, Seção Capa, Recife, p. 34.
Outubro, 2012BELFORT, Angêla fernanda. Nova Vida para o Porto do Recife. Jornal do
Cmmercio. Recife, 16 jan. 2011. Disponível em
<http://pedesenvolvimento.com/2011/01/16/nova-vida-para-o-porto-do-recife/>. Acesso em:
12 set. 2012.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia: Ateliê Editorial, 2004.

BRASIL, Ministério da Cidades, et al. Projeto Urbanístico Recife-Olinda. Recife: 2006.

CARTAS Patrimoniais da Unesco. Carta de Veneza. Veneza. 1964. Disponível em


<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em: 14 set. 2012.

CATARINO, Acácio José Lopes. Marcos velados na vila colonial: a Cruz do Padrão do
Recife. Artigo apresentado no Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime:
poderes e sociedades. Faculdade de ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, Portugal, 31 de outubro a 3 de novembro de 2005. Disponível em <http://cvc.instituto-
camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/acacio _lopes _catarino.pdf> Acesso em: 17 nov. 2010.

CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS DA CONSERVAÇÃO INTEGRADA - CECI.


Plano de Gestão da Conservação Urbana: Conceitos e Métodos. Olinda: Centro de Estudos
Avançados da Conservação Integrada, 2012.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2006.

DINIZ, Marcelo Augusto Serra. Movimento Negro opõe-se à mudança da Cruz do Patrão no
Porto do Recife. JCOnLine, Blog do Jamildo. Recife, 23 dez. 2011. Disponível em <
http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/noticias/2011/12/2…opoese_a_mudanca_da_c
ruz_do_patrao_no_porto_do_recife_121466.php>. Acesso em: 10 set. 2012.

FUNARI, Pedro Paulo. Os desafios da destruição e conservação do patrimônio cultural no


Brasil. Arquitextos, São Paulo, 01.005, Vitruvius, out 2000
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.005/970>. Acesso em 10 set. 2012.

IPHAN. Patrimônio material. Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/portal/


montarPaginaSecao.do?id=12297&retorno=paginaIphan>. Acesso em: 09 nov. 2012.

MELO, Jamildo. Secretaria de Turismo vai investir R$ 27 milhões na revitalização de


patrimônios do Estado. JCOnLine, Blog do Jamildo. Recife, 18 jun. 2009. Disponível em <
http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/mes.php?pag=35&mes=06&ano=2009>. Acesso em:
17 nov. 2010

NAVIO-BAR vai dar vida à Cruz do Patrão. Jornal do Commercio. Recife, 08 out. 1999.
Caderno Cidades p. 6.

54
ARIC – FACULDADE DAMAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
ARCHITECTON - REVISTA DE ARQUITETURA E URBANISMO – VOL. 03, Nº 04, 2013

PASSOS, Tânia. Porto do Recife começa a mudar. Diário de Pernambuco. Recife, 21 jul.
2018. Caderno Vida Urbana, p. C1.

PCR. Recife requalifica monumento da cultura afro. Recife, 19 ago. 2009. Disponível em
<http://www.recife.pe.gov.br/2009/08/19/recife_requalifica_ monumento_da_ cultura _afro
_168138.php>. Acesso em: 18 nov. 2010.

PONTUAL, Virgínia et al. Desafios à interface da interpretação com conservação do


patrimônio cultural: o caso do istmo de Olinda e Recife - Brasil. Olinda: Centro de Estudos
da Conservação Integrada, 2007.

RAMOS, A. C. P. T.. Além dos mortos da Cruz do Patrão - simbolismo e tradição no uso
do espaço no Recife. CLIO. Série Arqueológica (UFPE), v. 2, p. 1-12, 2008.

______. Práticas de Atuação na Preservação de Bens Culturais. CLIO. Série Arqueológica


(UFPE), v. 21, p. 285-298, 2006.

SILVA, Leonardo Dantas. Pernambuco: Imagens da Vida e História. Recife: SESC, 2001.

______. A Cruz do Patrão*. Disponível em <http://www.luizberto.com/esquina-leonardo-


dantas-silva/a-cruz-do-patrao-2>. Acesso em: 10 nov. 2012

SILVA, Luiz Eduardo. PCR vai resgatar a Cruz do Patrão. Folha de Pernambuco, Recife, 09
abr. 2002. p. 2.

UNESCO. Patrimônio cultural no Brasil. Disponível em


<http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/cultural-heritage/>. Acessado
em: 09 nov. 2012.

VIEIRA, Natália Miranda. Gestão de sítios históricos: A transformação dos valores


culturais e econômicos em programas de revitalização em áreas históricas. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 2008.

VIEIRA, Natália Miranda, et al. PODER LOCAL E PROPRIETÁRIOS: disputas pela


(não) preservação do Patrimônio. ARQUIMEMÓRIA 3o Encontro Nacional de Arquitetos
sobre Preservação do Patrimônio Edificado, Trabalho Completo. Salvador: UFBA, 2008

ZANCHETI, Silvio Mendes. Conservação integrada e planejamento urbano na atualidade.


Espaço & Debates, jan / dez 2003, v 23 43-44, p. 92-104.

55

Você também pode gostar