7 - Cristianismo

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Cristianismo

DISCUTIR A ESTRUTURA E EVOLUÇÃO DA IGREJA MEDIEVAL.

NESTE TÓPICO
Cristianismo: o cenário
O Mundo Natural e o Mundo Espiritual
Referências

Cristianismo: o cenário

Os aspectos fundamentais do processo de formação do feudalismo durante a Alta Idade Média, destacam-se
duas condições de caráter social e ideológico: a clericalizarão da sociedade e as transformações na
mentalidade. Portanto, ao mesmo tempo em aconteciam aquelas transformações de ordem econômica e
política, ocorria também um conjunto de mudanças no campo das crenças, dos valores, das sensibilidades, isto
é, no nível das mentalidades. O conjunto deste processo de transformações tornou a Igreja Medieval totalmente
presente na sociedade feudal e na vida cotidiana, fazendo ainda uma ponte cultural, entre os hábitos romanos
e germânicos.
No contexto da crise do Império Romano, a mentalidade dita pagã e o antropocentrismo que a caracterizava
são postas em xeque com a decadência das instituições sociais e políticas de Roma, ao mesmo tempo em que
crescia cada vez mais a novidade sobre a presença e a crença do suposto filho de um Deus único entre a
humanidade. Este ambiente de insegurança física, psicológica e espiritual levou à elaboração de uma nova
concepção do relacionamento entre o homem e as forças espirituais. A importância de reconsiderar o papel
destas forças espirituais implicou uma valorização da religiosidade, no sentido de buscar estabelecer uma
compreensão do mundo que envolvesse os planos visíveis e invisíveis da existência.
A valorização da religiosidade expressava a suspeita quanto ao conhecimento racional, que passa a ser visto
como uma falsa sabedoria, um instrumento diabólico, uma vez que os textos bíblicos passam a ser entendidos
pelos teóricos da Igreja como os portadores da única verdade existente, impondo, claro, tal ideia para o restante
da população europeia, a princípio.
A clericalização da sociedade
A concepção de que a conversão ao cristianismo possibilitava o acesso à salvação divina fortaleceu o papel da
Igreja, já que ela mesma se colocava como divulgadora privilegiada na comunicação entre os homens e Deus.
A chamada clericalização da sociedade foi um fenômeno de amplas proporções, na medida em que o número
de clérigos/padres aumentava na população, constituindo a partir de um grupo específico que passa a obter
inúmeros privilégios, acumulando poder político e econômico, como vimos rapidamente em aula anterior.
Uma igreja, muitas faces
A Igreja Romana, em seu processo de institucionalização, afasta-se cada vez mais daquela Igreja cristã
primitiva, mais humilde solidária. Agora, muito mais próxima da do poder político e econômico, uma forte
hierarquia ocorre no clero, diminuindo o espaço destinado ao cultivo dos aspectos espirituais na vida de muitos
clérigos. Este descompasso entre os aspectos espirituais e materiais (temporais) será um problema recorrente
na História da Igreja medieval, tornando-se um dos aspectos que melhor expressa sua identidade contraditória.
É neste contexto que o surgimento do clero regular nos permite reconhecer uma tentativa da Igreja de responder
aos impasses provocados por essa contradição.
Já no século V, Santo Agostinho (354-430), o mais influente teólogo nos primeiros séculos do cristianismo, que
viveu no período de decadência do Império Romano, tempo esse marcado pela intensa conturbação social e as
incertezas geradas pelas constantes invasões dos povos bárbaros. O pensamento de Agostinho concentrava-
se na busca pela verdade, na identificação do bem supremo expressado pela suposta infinita sabedoria de
Deus. A existência do Criador, vista pelos cristãos como fonte única do verdadeiro conhecimento, encontrou
estreito paralelo com o pensamento de Platão (427-347 a.C.), fato que veio a permitir um desenvolvimento
sistematizado do pensamento cristão, com sua estrutura metafísica fortemente ancorada na filosofia pagã.
Observe que Platão viveu 700 anos antes de Agostinho e da Igreja.
A teologia cristã descobriu cedo que a filosofia grega, sobretudo a platônica, não era simplesmente um conjunto
de ideias pagãs, mas sim a matriz que sustentaria racionalmente os ensinamentos e dogmas aliados à fé. Para
exemplificar, observe que a concepção de natureza dos primeiros cristãos não era regida pela racionalidade ou
pela estética geométrica. Era essencial incorporar a fé como instrumento do entendimento da natureza. Como
tudo no universo era regido segundo um plano e a vontade divina, os cristãos acreditavam que, qualquer que
fosse a concepção que o homem elaborasse sobre a natureza, ela foi diretamente inspirada e iluminada por
Deus. A teologia cristã alimentava a crença de que ela nascera para ser universal e única.
No início do século VI, São Bento de Núrsia (480-547) concebe uma congregação paralela ao redor de uma
vida comunitária dedicada à contemplação divina, mais próxima da vida dos primeiros cristãos. O eremitismo já
fazia parte do cristianismo e de outras religiões do Oriente, mas a Ordem de São Bento criou um novo conjunto
de normas que deveriam guiar os monges na busca da ascese, o exercício espiritual.

O eremitismo foi um fenômeno muito presente nos primórdios do cristianismo. Lembre-se que tanto João Batista
quanto Jesus, além de fazerem prolongados jejuns no deserto, teriam supostamente vivido anos de suas
juventudes nos desertos, de forma ascética, ou seja, vivendo como eremitas, afim de que a solidão os ajudasse
a moldar o caráter e a força espiritual de suas crenças. Tal fenômeno, nos primeiros séculos da Igreja Católica,
foi muito vivenciado por vários eremitas, como Santo Antônio e Santo Onofre, por exemplo, que viveram muitas
décadas (alguns quase toda a vida) nos desertos da Turquia, Norte da África e Palestina, comendo pouco,
dormindo em cavernas ou em acomodações precárias, passando décadas (segundo rezam algumas lendas)
sem sequer tomarem banho, usando a mesma roupa por anos ou mesmo vivendo nus. Apesar desses detalhes
bizarros, ser um eremita era a ambição de muitos, mas alcançada por poucos, exigindo muita força de vontade,
o que fazia estes poucos serem venerados popularmente como exemplos de caráter cristão e de santidade.

De acordo com Duby (1994) o princípio norteador da Regra de São Bento dividia a atividade cotidiana dos
monges entre a oração (meditação, contemplação) e o trabalho manual sem fins lucrativos, mas sim como uma
prática que os direcionasse para uma disciplina física que pudesse ser transposta para uma disciplina espiritual,
rejeitando a ociosidade. Tal regra será um modelo a ser seguido por várias outras ordens que surgiram
posteriormente, contribuindo para a formação de um clero regular, mais próxima do povo.
Apesar da continuidade apontada em relação à Regra de São Bento, na Regra da nova ordem Franciscana é
possível perceber ainda um elemento completamente original, ausente no modelo beneditino. Trata-se da
exortação quanto à condição de pobreza e mendicância na qual os irmãos deveriam viver. Esse elemento, que
constitui a identidade singular dessa ordem diante das demais, deve ser compreendido em relação à nova
configuração histórica na qual emerge esse grupo. Efetivamente, com os sucessos econômicos do auge do
feudalismo (XI e XIII) e o surgimento de uma prosperidade material, personificada no desenvolvimento das
cidades e das rotas comerciais, o perigo à salvação das almas estava na crescente valorização dos bens
materiais. Neste sentido, a exortação à pobreza dos frades franciscanos apareceu como crítica à realidade
social vigente.

História e cinema: Sobre o tema de São Francisco de Assis e a fundação de sua Ordem de mendicantes, o
filme Irmão Sol, Irmã Lua (Itália: Franco Zeffirelli; 1972) é uma boa dica, pois mostra parte do contexto de
prosperidade material, ascensão da burguesia e o ressurgimento das ordens mendicantes com voto de pobreza,
em contradição com o luxo do alto clero e a riqueza urbana.
A presença dos mendicantes no filme é bastante interessante, pois faz referência a São Francisco de Assis e
São Domingos de Guzman que foram os fundadores dessas ordens. Os Franciscanos e
Dominicanos apregoavam uma vida simples e piedosa, representando um modelo de renovação na Igreja
Católica.

O Mundo Natural e o Mundo Espiritual


Outro aspecto segundo Heers (1981) foi decorrente do crescente poder material (temporal) da Igreja durante a
Alta Idade Média foi uma intensa hierarquização interna. Neste sentido, a Igreja passou a reproduzir em sua
organização interna o distanciamento entre grupos de status diferenciado, como verificado no contexto social
mais amplo. Surgiu, assim, um alto clero que agregava os grupos de comando da instituição, com grande poder
político, econômico e social, e o baixo clero, no qual estavam os clérigos que tinham uma vida muito próxima
àquela de seus fiéis, não partilhando do requinte e riqueza dos grupos dominantes. Mesmo o clero regular, que
havia surgido como crítica ao crescimento dos assuntos temporais no clero secular, também acaba por repetir
a mesma trajetória. Na medida em que seu apelo espiritual produzia uma grande quantidade de admiradores,
vieram os donativos de terras e recursos diversos que, acumulados por séculos, iriam tornar as ordens religiosas
instituições ricas e poderosas durante a Baixa Idade Média.
Voltando um pouco, ao chegar o período denominado Idade Média Central (X-XIII), como vimos em aula anterior,
a intensificação das relações entre o homem e a natureza foi o ponto de partida do pensamento cristão ocidental
para o desencadeamento da busca pela compreensão racional dos fenômenos naturais. Tratava-se de uma
atitude antagônica à doutrina neoplatônica de Agostinho. Se o objetivo da cristandade era a união entre a alma
do homem e a bondade infinita de Deus, por que não entender esse princípio racionalmente? Por que não
analisar as verdades reveladas à luz da inteligência ou, como afirmava Anselmo no século XII, por que não lutar
para compreender aquilo em que se acredita? A intransigência que marcou os primeiros teólogos cristãos foi
substituída por uma atitude mais tolerante diante dos saberes da Antiguidade Clássica.
O constante embate entre o mundo natural, racionalizado e amparado pela filosofia aristotélica (em ruptura com
a platonista), e a revelação divina ditada pelas Escrituras, tiveram amparo nas figuras de Alberto Magno e
Tomás de Aquino, intérpretes preocupados em firmar a distinção entre o conhecimento teológico e o
conhecimento filosófico-científico.
O caminho seguido pelo dominicano Tomás de Aquino (1225-1274) foi o da procura por um método capaz de
conciliar a fé e a razão. Enquanto os conhecimentos sobre os fenômenos naturais eram fundamentados
racionalmente, os conhecimentos derivados da revelação divina eram considerados superiores aos da razão. A
fé, nesse caso, suplantava a racionalidade sem que houvesse oposição.
Aquino afirmava ou demonstrava, como gostava de dizer, que a inteligência divina emanada de Deus estava
presente em todo o processo da criação que envolvia o universo. Deus não era apenas o Primeiro Motor imóvel
aristotélico, ou a Forma Suprema platônica, indiferente ao universo criado, mas sim o Criador, a fonte do mundo
que cedia de si próprio para concretizar sua obra.
A doutrina proposta por Tomás de Aquino, apoiada em Aristóteles, teve profunda influência no pensamento
cristão do século XIII em diante, pois estava aliada a uma conjuntura desenhada pelas transformações que a
sociedade medieval, no auge do feudalismo, experimentava. As novas tecnologias, somadas ao racionalismo
crescente e a uma nova organização socioeconômica e comercial, que tinha como eixo a transição de uma
estrutura agrária para urbana (burguesia), incentivavam o homem a entender as forças da natureza e sua
utilização prática (princípio pragmático científico). Tais fatores sustentaram a mudança da mentalidade: o
pensamento medieval começou a construir uma ciência racional que, sob a interpretação tomista, levaria ao
conhecimento pleno da obra de Deus.

Mosteiros de Meteora.
SAIBA MAIS.
Mosteiros medievais: Nos mosteiros se desenvolveu o Canto Gregoriano que tem um caráter introspectivo e
meditativo, por isso foi tão praticado nas ordens conventuais. Como é cantado em latim, exigia técnica apurada
e treinamento, assim o isolamento era propício para a sua prática.
Neste contexto, estamos já a um passo do que será denominado mais tarde de Renascimento ou Renascença
(XIV-XVI) em que houve não apenas um movimento simpático aos conhecimentos greco-romanos (arquitetura,
ciência, literatura, história, mitologia) como também um despertar do pensamento científico e racional e uma
pesquisa científica mais pragmática e objetiva, inclusive em torno dos textos bíblicos originais (escritos
originalmente, durante vários séculos, em hebraico e grego), levando muitos clérigos a questionarem as
escrituras traduzidas para o latim e alguns dogmas do catolicismo.

Santo Onofre (350-400 d.C.), precursor do cristianismo e santificado posteriormente tanto pela Igreja Católica
Romana quanto pela Igreja Ortodoxa Bizantina, viveu como eremita no deserto da Tebaida, no Alto Egito.
Fonte: Francisco Collantes, Public domain, via Wikimedia Commons
São Tomás de Aquino, apoiado pela filosofia aristotélica, provocou profundas mudanças no pensamento católico
medieval no século XIII, atingindo tanto o alto quanto o baixo clero. "Apoteose de São Tomás de Aquino", por
Francisco de Zurbarán (1631).
Fonte: Francisco de Zurbarán, Public domain, via Wikimedia Commons

Imagem de São Francisco de Assis e São Domingos de Guzman fundadores das ordens mendicantes.
Fonte: Angelo Lion, Public domain, via Wikimedia Commons

Referências
DUBY, Georges. As três ordens do Feudalismo. Lisboa: Estampa, 1994.
FRANCO JR., Hilário. A Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 2001.
HEERS, Jacques. História Medieval. São Paulo: DIFEL, 1981.
HUIZINGA, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.
INÁCIO, Inês C.; LUCA, Tânia Regina de. O pensamento Medieval. São Paulo: Ática, 1988.
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Bauru: EDUSC, 2005.
RÜPPELL JÚNIOR, Ivan Santos. Cristianismo. Curitiba: Contentus, 2020. E-book. Disponível em:
https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/186368. Acesso em: 17 mar. 2021.
SILVA, Marcelo Cândido da. Igreja e sociedade. In: SILVA, Marcelo Cândido da. História Medieval. São Paulo:
Contexto, 2019. cap. , p. 81-114. E-book. Disponível em:
https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/170122. Acesso em: 17 mar. 2021.

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