Uma Sensação de Pertencimento - CAP8

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RICARDO ARAUJO PEREIRA

REFORMA O CRISTIANISMO E O MUNDO: UMA SENSAÇÃO DE


PERTENCIMENTO

Trabalho apresentado atendendo às


exigências parciais da disciplina de História
da Igreja III com o Prof. Rev. Wilson Santana
Silva

SEMINÁRIO TEOLÓGICO PRESBITERIANO


REV. JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO
São Paulo 2018
UMA SENSAÇÃO DE PERTENCIMENTO: Como as pessoas escolhem sua igreja.

1. A sociedade da Igreja

Durante a década de 60 do século XVI, enquanto a reforma protestante se espalhava


em toda a Europa, muitos líderes de movimentos iconoclastas oriundos de tal movimento
reformista da igreja baseavam suas ações e crenças em críticas humanistas e politizadas sobre
os problemas da igreja, do que propriamente um movimento de transformação doutrinária. As
ações destes líderes não passavam de meros atos de vandalismo e vistos como rebeldes por
conta da bagunça criada em muitas cidades em que o calvinismo crescia.

O preocupante de tudo isso é que se tais de lideres eram tão razos em sua fé, o que
dizer dos mais simples e limitados de conhecimento como explicar tal envolvimento
fervoroso a reforma sem entendimento do que ela propriamente propôs?

Hoje podemos ver crentes mudando hora ou outra de igreja, e um dos argumentos
favoritos e centrais entre este público são suas experiências de louvor. Isso tanto de em um
sentido estético quanto em um sentido de aparência transcendental, ou na pior das hipóteses
por puro entretenimento destes “crentes”. Podemos citar como exemplos atuais igrejas que se
fundamentam ao redor de experiências e práticas ritualísticas sem sentido. (Ex. “benção de
Toronto e os sustentáculos de Kirk”).

Contudo isso não passa de uma percepção nas diferenças sociais de louvor, que são as
relações dos devotos entre si, no sentimento de lugar e de pertencimento conferido pela
participação em uma congregação; seja em distribuição de cargos ou na distribuição dos
melhores bancos da igreja.

O calvinismo holandês do século XVI teve seu inicio marcado por encontros ao ar
livre com o objetivo de purificar templos católicos, além de apreciarem a idéia de correrem
riscos como experiência religiosa, o que era visto com a desaprovação dos conservadores
locais.

Logo as experiências destes crentes recém-chegados do catolicismo estavam na poucas


reproduções do culto antigo, e em cantar salmos em francês, além de pregações sobre o fogo
do inferno. Tudo isso tinham um efeito magnético, principalmente para um mesmo tipo de
pessoa (pessoas independentes ou aqueles satisfeitos com a situação de marginalidade, os que
buscavam sensações e os influenciados pelos modismos de sua época). Fazendo assim do
protestantismo uma contracultura da época, que seus adeptos em sua maioria estavam
interessados em escândalos e protestos.1

Os principais indivíduos envolvidos em tais comportamentos extravagantes eram os


jovens, graças ao patrocínio de poderosos, fazendo com que multidões de jovens se
envolvessem em esquadrões fanáticos com movimentos de Reforma e Contra-reforma. Como
no caso do “furor” de 1566, em que iconoclastas vandalizavam igrejas.

Tanto católicos quanto protestantes tinham o mesmo público como alvo e estes por sua
vez demonstravam um zelo cada qual por sua religião.

O caso mais emblemático foi um personagem da Reforma Polonesa o padre Stanislav


Orzechowski descrito como carismático, independente, porém turbulento, talvez por conta de
sua vocação para denúncias. Disse ter se convertido por sua paixão pela inovação em
desobedecer ao papa, não fazer jejuns, tomara propriedades da igreja, nada saber sobre Deus e
exterminar os monges.

Orzechowschi foi e voltou a ser católico várias vezes como lhe era oportuno, sem
alterar quase em nada de suas convicções, desenvolvendo seu trabalho clerical mais na base
da criação de um estilo – retórica ameaçadora- do que a adesão de um teologia radical.
Chegou a ser excomungado definitivamente pela igreja católica em 1550, as ainda era
ortodoxo em suas práticas católicas. Porém podia condenar tantos a nova doutrina luterana
que se embrenhava na Polônia como podia também criticar a corrupção romana, porém por
fim defendeu a adesão a igreja grega.

Orzechowschi não era apenas contraditório em suas idas e vindas em diferentes grupos
religiosos, mas também em questões doutrinárias sendo defensor e sem discriminação de
pontos que diferenciavam todos os principais grupos cristãos envolvidos na reforma polonesa,
como a predestinação e o livre-arbitrio, transubstanciação e consubstanciação a mediação e a
revelação. Tudo isso era secundário, o que lhe interessava eram as questões de poder e
autoridade.

Em sua fase protestante era um liberal na qual o rei era vocacionado por Deus para
servi-lo em seu governo, já em sua fase católica acreditava que o rei era instituído para servir
ao clero.

1
Thomas More orava por hereges “razoáveis” e “pacíficos”, mas constatou que “eles só se deleitavam
com os protestos”
A Polônia mesmo se revelando um campo fértil para o movimento de Contra-
Reforma, tinha em sua estrutura social e religiosa uma harmonia muito grande entre os
diferentes grupos de cristãos daquele país. Por conta de inúmeros conflitos sem fim criou-se
um acordo em bela harmonia o Concors Discordia que durou por dois séculos.

Neste acordo, Luteranos tinham liberdade religiosa mediante a emissão de alvarás e


tratados na parte setentrional daquele país, garantindo assim uma base sólida de paz civil.

Em 1645 houve outro evento em que Católicos e protestantes tentaram um


entendimento mútuo, porém sem sucesso este foi chamado de o Colóquio do Amor. Logo
toda batalha em conquistar novos fiéis eram geralmente espirituais.

Frades e monges disputavam santidade com os pastores protestantes através de


práticas místicas e ascéticas, usavam também da beleza e das escolas como meios de chamar a
atenção do povo polonês.

Tal paz e harmonia duraram até o ano de 1724, quando um grupo de jesuítas foi
atacado e um colégio incendiado, fazendo com que as liberdades protestantes fossem
revogadas, logo quando a tolerância religiosa tinha se tornado moda em quase toda a Europa.

A religião não era definida pelo sujeito em si mesmo, mas pelo Estado, o que se tornou
uma norma em toda a Europa, o que pode ser visto ou aferido com alguma confiança que
determinadas pessoas de tais países são católicas ou protestantes. Onde havia alguma
liberdade religiosa tal escolha não era feita baseada na crença, mas sim no tipo de fraternidade
construída ali.

Os Protestantes quando perseguidos foram logo recrutados entre os grupos de


minorias. Os comprometidos sempre foram poucos, já os conformistas e dissidentes eram
maioria.

Na Inglaterra a reforma se tornou parte da identidade nacional, em uma percepção


heroica de si mesma frente a um grupo majoritário. Na Holanda o calvinismo moldou a
cultura nacional, mesmo sendo de grande influencia neste pais tal movimento nunca foi
majoritário.

Os católicos também se tornaram minorias em alguns países, e aqueles que escolhiam


tal caminho tinham traços psicológicos semelhantes, como o gostar de correr riscos, sendo
mais fácil definir as tradições cristãs na Europa entre minoritárias e não minoritárias.
2. O Perfil das Congregações
Para ter uma distinção mais detalhada dos perfis de igreja existentes durante o período
da Reforma o autor trabalha com outras divisões que vão retratar suas estruturas de
funcionamento e governo, além de revelar em alguns perfis uma clara distinção de classes
entre os crentes. O que é aplicado tanto para protestantes, católicos e ortodoxos.

O Primeiro perfil são as igrejas de hierarquia subvertida, que na verdade eram seitas
igualitárias que tinham como base a partilha de bens em comum (uma espécie de comunismo
cristão), baseados no texto de Atos 2. O grupo mais notável deste perfil foram os shakers do
século XVIII que combinavam códigos de conduta puritana com êxtases coletivos.
Movimento iniciado por Madame de Stael que foi considerado por seus adeptos como a
reencarnação de Cristo. Este movimento é fruto de observações dos morávios.

O problema deste perfil é que sempre vão existir Ananias e Safiras para administrar as
contas e bens partilhados dentro do grupo. Contudo a subversão de hierarquia serviu para
emergir varias formas de cristianismo.

A igreja sempre teve por vocação desde seu inicio promover uma sociedade alternativa
para aqueles que eram vistos como párias entre os seus. Na qual, meninos pobres bem
patrocinados e apadrinhados podiam crescer de status por meio de serviços eclesiásticos,
desde que uma vez lá demonstrassem humildade para como mais simples, mas haviam outros
como São Francisco de Assis que preferiu entrar ou criar uma ordem alternativa que prezava a
pobreza.

A igreja católica desenvolveu uma estrutura de poder na divisão entre o clero e os


leigos, já os protestantes ofereciam uma hierarquia subvertida na qual os leigos participam e
de modo tão rígido quanto às igrejas católicas.

Hoje, a maioria das igrejas protestantes está sob o governo de uma boa parte de leigos
atavés de seus concílios ou conselhos de ancião o que garante não apenas uma estrutura
inversa de poder dentro da igreja, mas também sobre aqueles que fora do contexto eclesiástico
seriam de uma classe superior. Assim dentro de seus muros a igreja consegue aplicar uma
inversão dos valores mundanos.

Outros ponto de subversão neste perfil está no que diz respeito as mulheres e sua
participação na igreja. A igreja cristã em si sempre soube do papel influenciador das mulheres
quanto a dedicação no exercício religioso, pois em seus lares de maneira piedosa e devota
criavam novos cristãos a partir de suas instruções domésticas.
No entanto tal influencia foi a gênese também para o surgimento de novas heresias
como o Adventismo2 e Ciência Cristã3, com isso as igrejas reformadas logo definiram de
maneira clara e objetivo o papel da mulher em relação a igreja e aos homens.

Já a igreja Católica foi por outro caminho, desenvolvendo escolas e ordens religiosas
de cuidado e assistência social, como uma espécie de braço direito dos padres romanistas.

Com isso a Reforma não é apenas um matiz de determinado movimento religioso, mas
sim o resultado de movimentos típicos da tradição cristã.

Outro ponto a se salientar é a participação de criança na revelação de novos desígnios


divinos, sendo elas mediadoras da vontade de Deus para os homens.

Agora uma das características mais surpreendentes é o papel terapêutico de


rebaixamento dos ricos pelos pobres dentro das paredes de uma igreja, desde claro lhe seja
garantido os primeiros lugares nos bancos da frente e que sua prole tenha acesso ao estudo de
um catecismo. Mesmo que a reforma protestante europeia ter coincidido com vastas
mudanças sociais. Algumas igrejas protestantes tinham bancos com encostos altos para
diminuir os efeitos de uma reunião comunitária no sentido mais amplo da palavra.

O Outro perfil é o de comunidades globulares, nas que são compostas por famílias,
isso tanto igrejas católicas e igrejas protestantes. Aqui os irmãos vão buscar se identificar com
aqueles que possuem os mesmo gostos, educação etc. Fazendo assim em nossos dias uma
proliferação de igrejas com linguagens especificas para cada grupo ou minoria, como se cada
sujeito estivesse diante de um menu a la carte de igrejas.

As igrejas católicas em países não católicos são famosas neste modelo por serem
imunes a homogeneização e por serem esnobes, como no caso da capela de Oxford que pode
receber até mil pessoas, mas só é frequentada por pouquíssimos membros.

Já outros grupos buscam a ideia de grupo familiar ou de família cristã em que a igreja
substitui a família de casa, tendo características de um lar cristão. Como exemplo temos a
Opus Dei e a igreja da Unificação ambas acusadas de tirarem os filhos de seus lares ou os
sandemanianos dos séc. XVIII e XIX, que passavam todos os domingos unidos em orações e
cerimonias e durante a semana ainda se envolviam com trabalhos da igreja.

2
Fundada por Ellen Gould White
3
Fundada por Mary Baker Eddy
“A tendência de certas igrejas e congregações para
atrair os fiéis com ideologias semelhantes e inclinações parecidas apresenta
grandes vantagens práticas: em uma casa com muitas moradas, oferece um
ambiente proveitoso para cristãos de preferências variadas; enriquece a vida de
toda a igreja, na medida em que se acrescentam muitas facetas ao brilho de uma
gema Lapidada” (ARMESTO & WILSON, 1997).

Uma igreja que aspira ser Universal não pode insistir em uniformidade, como no caso
da Inquisição Católica e dos tribunais religiosos protestantes.

Os conventículos de Classe são grupos formados a partir de afinidades intelectuais e


sociais. Tal formato tem maior adesão geralmente nos Estados Unidos e em toda Grande
Bretanha, cultos com estilo e linguagem voltados a determinadas pessoas com gostos em
comum, principalmente as minorias sociais e grupos com suas ideologias. Comparado a um
mercado da fé, onde se eu não encontrar o que quero saio a procura de algo que me satisfaça.

A igreja mesmo com sua aspiração de ser Universal, se contrasta muito com seus
métodos e práticas, na qual se favorece o exclusivismo tentador, na qual seus membros se
constituem nos únicos eleitos. Isso fica evidente na confissão dos próprios autores que já
quiseram que suas igrejas fossem limpas de seus membros menos capazes intelectualmente e
espiritualmente.

Na igreja católica tal tentação tem sido administrada pela criação de ordens religiosas
envoltas com inúmeras cerimônias especiais com caráter ritualístico para cada tipo de pessoa.

As igrejas com perfil comunidade de marinheiro tendem a serem tão exclusivistas


quanto ao perfil anterior, porém com vistas a conduzirem seus membros ao desconhecido,
uma espécie de fé que não aponta a lugar algum, um exemplo clássico é a Opus Dei.
Resumidamente grupos com práticas místicas. Os autores comparam tal grupo as empresas de
turismo que oferecem pacotes de viagens a destinos misterosos, mesmo que o lugar seja
frustrante o que compensa toda viagem é o sentimento de companheirismo entre os turistas.
Sendo de uma intensidade ímpar tal mergulho nas brumas e incertezas da fé.

3. A Sensação de estar Deslocado


Hoje com mais de dois séculos de igreja cristã, seus membros em busca de uma
experiência rompem fronteiras denominacionais, tudo para se sentirem bem e assim a igreja
local não é mais constituída pela comunidade local. Logo cada igreja tornou-se uma espécie
de vitrine da fé, pronta a atender as necessidades de seus clientes, abordando a cada pessoa ou
grupo de maneira diferente.

Para os autores a Reforma não gerou o individualismo, mas com certeza esfacelou
com a igreja como comunidade, gerando uma revolta muito grande entre os tradicionalistas.

Contudo os protestantes como Calvino e Servetus também eram contra a ruptura do


sentimento de comunidade de suas congregações, indo atrás de seus dissidentes.

Para não perder seus membros várias igrejas atrelaram a suas crenças uma
autenticidade nacional quanto ao surgimento de novas igrejas ao ponto de criarem
propagandas semimísticas quanto a representatividade da coroa em questões de fé.

Já em Genebra com Calvino todas as esferas da vida eram estimuladas a exercerem um


único padrão ético, logo o trabalho honesto, a caridade, a execução das leis, a pregação tudo
isso para a glória de Deus chegando até a considerar o tempo importante na construção social.

Já na Prussia tais valores foram atrelados ao funcionalismo público e ao colocar


pastores em posições de proeminência acadêmica e política, Colocando todos os súditos não
apenas no Estado, mas também na comunidade cristã. Com isso revelando apenas indícios de
um sentimento de pertencimento na fusão entre as identidades de Estado e Igreja. Sendo que
esta mesma igreja na década de 1930 se desvinculou do Estado por conta do advento do
nazismo.

Mesmo quando as igrejas apresentam uma harmonia em suas doutrinas e dogmas,


diante de questões culturais como guerras, movimentos migratórios elas se rachavam e
estabeleciam tais questões a partir do faccionalismo cultural vigente.

Assim temos uma leitura da relação fé-cultura na qual são discutidos seus pontos de
fronteiras e contribuição, desde os gregos e romanos se questiona como deve ser feita a
proclamação do Evangelho para cada povo e sua cultura.

Logo podemos dizer que as igreja sobrevivem por conta de sua adaptação cultural
emergente do momento, ou seja, de acordo com zeitgeist de sua época. Como por exemplo os
casos de santos “revolucionários” surgidos na França do século XVIII.

Todo este contato com a cultural revela um problema, como se envolver com a cultura
sem se contaminar com ela?
As pessoas buscam uma comunidade que fale sua língua, que tenha os mesmo
costumes e gestos, mas que ainda lhe garanta uma experiência que transcenda esta realidade
material do mundo moderno.

Neste século as coisas mudaram um pouco enquanto antes os indivíduos se reuniam


em busca de uma identidade e pertencimento, hoje congregações inteiras e denominações se
reúnem em concílios.

Na década de 60 e 70 houve o surgimento dos movimentos pentecostais e carismáticos


nas igrejas de todo o mundo, porém hoje vemos este movimento indo em direção oposta, em
que os crentes estão buscando se envolver com questões litúrgicas e sacramentais da tradição
e daí buscarem um respaldo institucional para lhes garantir uma identidade e o sentimento de
pertencimento.

Finalmente podemos dizer que os fiéis de hoje simplesmente replicam todos os


movimentos históricos culturais em suas agendas espirituais, onde a liberdade de escolha
também é exercida e praticada quanto às questões de fé, e que experimentar novas facetas do
cristianismo pode enriquecer minha espiritualidade.

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