Verbete Descobrimentos
Verbete Descobrimentos
Verbete Descobrimentos
Descobrimentos
______. Práticas de cidadania. São Paulo: Contexto, 2004.
Pinsky, Jaime; Pinsky, Carla Bassanezi (orgs.). História da cidadania. São Paulo:
Contexto, 2003.
Rosenfield, Denis L. O que é democracia. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Rousseau, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Descobrimentos
Com o surgimento da Análise do Discurso e da Linguística na pesquisa histórica,
cada vez mais os historiadores têm se preocupado com as palavras que usam, com o
correto emprego dos conceitos, com os significados dos termos comuns em História.
No caso do estudo da colonização da América, isso é bastante visível com relação à
utilização da palavra descobrimento.
Descobrimento é um termo tradicionalmente empregado pela historiografia
latino-americana e ibérica, desde o século xix, para se referir à chegada dos
primeiros europeus à América e ao início da colonização desde continente. Designa,
principalmente, as jornadas de Cristóvão Colombo, de Pedro Alvarez Cabral e dos
muitos conquistadores espanhóis, como Balboa e Cabeza de Vaca, que devassaram
o continente, da Flórida à Patagônia. Podemos observar o sentido clássico de
“descobrimento”, por exemplo, na obra de Capistrano de Abreu, historiador do final
do século xix e um dos grandes inovadores da historiografia brasileira. Em seu livro
Capítulos de História Colonial, ele faz as primeiras críticas ao movimento predatório
das bandeiras contra os índios e inaugura a historiografia dos sertões brasileiros.
Capistrano utiliza, de acordo com o uso então comum, a expressão “descobrimento
do Brasil” para falar das primeiras expedições ao que viria a ser o território brasileiro.
Mas o termo parece ter caído em desuso no fim do século xx. A crítica ao processo
predatório de colonização rendeu frutos e atualmente a maioria dos historiadores
latino-americanos prefere nem mesmo falar de descobrimento, mas de conquista e
de colonização. A razão para isso está no seu forte cunho ideológico.
Tal termo foi primeiro empregado para encobrir uma situação histórica. Durante
o século xvi, a Coroa espanhola pregava que a conquista da América era um projeto
cristão de conversão dos gentios – os índios – à “verdadeira fé”, entendida como
o Catolicismo. Mas em 1552, Frei Bartolomeu de Las Casas publicou a Brevíssima
relação da destruição da Índia, descrevendo as atrocidades cometidas pelos espanhóis
contra os povos americanos. Sua obra teve tal impacto na Espanha que colonizadores
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e escritores de História deixaram de utilizar a palavra conquista para se referir
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A partir de 1992, com a comemoração do v Centenário do Descobrimento
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da América, principalmente na Espanha, a discussão em torno da utilização das
palavras descobrimento e conquista aumentou. Muitos preferiam mesmo falar de
encontro de culturas, procurando, assim, afastar qualquer ideia de superioridade
expressa pelos outros termos. No entanto, visto a patente desigualdade gerada por
esse “encontro”, diversos são os historiadores que optam por um termo que traduz a
violência dos primeiros contatos. A palavra conquista, assim, vem ganhado espaço,
principalmente na obra daqueles que trabalham a partir da perspectiva indígena, como
o mexicano Miguel Léon-Portilla. A própria comemoração dos quinhentos anos de
descobrimento/conquista gerou muita discussão entre os especialistas e na mídia.
Enquanto a Espanha realizou um evento de porte internacional, comemorando os
descobrimentos com a Exposição Universal de Sevilha, na América Latina a maioria
dos países preferiu não se manifestar, tendo em vista a hostilidade popular com relação
às comemorações espanholas. Por outro lado, a própria controvérsia em torno das
comemorações na América Latina fez que movimentos políticos que contestavam a
comemoração, sobretudo os movimentos indígenas, tivessem visibilidade nunca vista.
A polêmica, assim, ajudou a própria contestação dos “descobrimentos”.
No Brasil, o emprego da palavra descobrimento pelo grande público ainda é
frequente, apesar de bastante contestado pelos especialistas. E mesmo na acepção
mais amena do termo, usada pelos historiadores que defendem que o descobrimento
da América significa um encontro de civilizações, ainda se emprega largamente os
símbolos do conquistador. Por outro lado, o uso de expressões como contato de cultura
ou encontro de culturas continua a favorecer uma visão idílica da conquista, visão que
defende que as diferentes culturas envolvidas contribuíram harmonicamente para a
formação da sociedade colonial, esquecendo que muitas dessas contribuições foram
feitas à força. Essa visão dos descobrimentos como encontro se beneficia muito do
trabalho de Todorov, que via a colonização da América como um momento único
na história da humanidade, momento em que se teria dado início a um processo
mundial de integração entre as culturas. No entanto, Todorov não omite a violência
desse encontro. Pelo contrário, para ele, essa violência terminou sendo um elemento
fundador da História Contemporânea. Também Eni Orlandi, seguindo Todorov,
afirma que o discurso do descobrimento do Brasil é um elemento fundamental na
construção de nossa atual identidade como brasileiros.
Assim, se hoje a maioria dos historiadores já aceita a existência dessas implicações
e evita utilizar a palavra descobrimento, isso não acontece com o termo ocupação. Essa
palavra, e seu sinônimo povoamento, carrega um peso ideológico equivalente ao de
descobrimento. Também significa o estabelecimento em uma terra até então desabitada.
Mas se o conceito de descobrimento está sendo contestado, ainda há todo um setor da
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historiografia (muito reproduzido em vários livros didáticos) que, ao tratar da
Descobrimentos
Ver também
Aculturação; Colonização; Discurso; Globalização; Identidade; Ideologia; Índio;
Memória; Miscigenação; Mito; Negro.
Sugestões de leitura
Azevedo, Francisca Nogueira; Monteiro, Jonh Manuel (orgs.). Confronto de
culturas: conquista, resistência, transformação – América 500 anos. Rio de
Janeiro/São Paulo: Expressão e Cultura/Edusp, 1997.
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