Memórias Líricas Da Amizade em Clube Da Esquina
Memórias Líricas Da Amizade em Clube Da Esquina
Memórias Líricas Da Amizade em Clube Da Esquina
Abstract: Liberty, fraternity and equality are ideals that the album
Clube da Esquina (1972) seeks to translate lyrically and musically.
This effort is not casual, constituting the response of the so-called
"grupo dos mineiros" to the repression promoted by the military
dictatorship - because, as Arendt teaches, speech and action only gain
concreteness when "people are with others, that is, in the simple
enjoyment of human coexistence” (2007, p. 192). I will seek to
understand how the musicians worked on these elements and how,
from the encounter between subjects from different generations, with
different musical backgrounds and other social contexts, a new sound
emerged from within the phonographic industry. Wide enough to
encompass genres such as sacred music, the Afro-mineira tradition,
rock and jazz, political and aesthetic discourses of nueva canción and
bossa nova and avant-garde cinema procedures, this new sound
would soon be recognized as legitimately Brazilian.
Keywords: communication materialities; Clube da Esquina; memory;
fraternity
Introdução
Milton costuma contar que foi depois de assistir a três sessões consecutivas de
Jules et Jim, clássico da nouvelle vague francesa, que ele e Márcio Borges compuseram
suas três primeiras canções juntos, sete anos antes do lançamento do antológico álbum1.
“É possível fazer um filme de várias músicas minhas” (Gavin, 2014, 62), comenta Milton,
aludindo ao caráter “cinematográfico” dessas e de outras composições.
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Santos, Leandro Aguiar Severino. “Memórias líricas da amizade em Clube da Esquina”. Musimid 2, no. 2 (2021): 46-67.
era “música que andava, música câmera-olho, que vai da panorâmica ao close, do plano-
sequência aos short cuts” (2009, p86).
Assistia-se a muitos filmes na Belo Horizonte dos anos 1960: organizado por
estudantes e aspirantes a cineastas, o Centro de Estudo Cinematográfico (CEC), criado na
década anterior, funcionou como núcleo da vida cultural e boêmia da juventude
intelectualizada da cidade. Experimentações de Godard e Fellini, histórias intimistas de
Truffaut, clássicos instantâneos de Hitchcock, westerns de Sergio Leone e as ousadas
produções do Cinema Novo eram consumidos avidamente no CEC – e depois das sessões,
Brant, Tiso, Tavinho, Milton e Márcio, ainda gozando do anonimato, se reuniam para
beber, fumar e discutir os diálogos, os movimentos de câmera e, claro, as trilhas sonoras
que davam vida aos filmes. Os encontros aconteciam quase sempre nos bares do hall do
edifício Malleta, frequentado por jornalistas, artistas e estudantes críticos ao regime
ditatorial, e onde, segundo Márcio Borges, “todos os bêbados eram geniais” (2009, 86).
Jules et Jim aborda o amor livre, a responsabilidade do ser perante suas escolhas,
trata da busca pela liberdade e diz de como só podemos nos reconhecer a nós mesmos a
partir do outro: dá uma dimensão existencial e política à amizade. Liberdade,
fraternidade e igualdade, as bases da revolução francesa e de uma democracia ainda
utópica, são o tema de Jules et Jim, e não surpreende que o filme tenha causado tanto
impacto nos jovens Milton e Márcio.
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Um disco de MPB?
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Por fim, poucos discos da MPB nasceram “clássicos”, e Clube da Esquina não pode
ser considerado um deles. O álbum não se firmou como um sucesso imediato de vendas,
e o lugar de prestígio que hoje ocupa passa também por regravações famosas de algumas
de suas canções, como Trem Azul, na voz de Tom Jobim, Cais, com Elis Regina, e as
inúmeras versões de Um girassol da cor do seu cabelo.
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“Em 1965, o Bituca se mudou para São Paulo para tentar a profissão”, contou
Fernando Brant ao Museu Clube da Esquina. “Então fizemos o seguinte: a gente se
encontrava no máximo de 15 em 15 dias. Ou a gente ia pra lá, ou ele vinha pra cá, de
ônibus”. Nessas idas e vindas, Milton entregou à Brant a melodia de Travessia, pediu que
Borges escrevesse a letra para Vera Cruz e, num festival no Rio, conheceu Bastos, que
faria os versos de Três pontas, canção de seu álbum de estreia. Os três viriam a ser, anos
depois, os principais letristas de Clube da Esquina.
Criamos esse nome, que era um socorro mesmo, um carro guindaste, numa
época em que a gente aplicava esse método aos discos do Beto Guedes. Tinha
uma coisa do disco ter uma unidade, o que é muito difícil, porque às vezes você
pega um disco e tem 30 vezes a palavra ‘Deus’ – aí o cara pensa que é um disco
evangélico. Mas não, é porque são letristas diferentes, com as mesmas
preocupações, todo mundo numa crise religiosa, aí todo mundo ‘Deus’, ‘Deus’…
Então a gente, pra evitar isso – eu mais ditatorialmente, porque era produtor
dos discos – já começava a interferir logo: ‘Não, isso aqui não dá’. (Museu Clube
Da Esquina, online) 5
5 Disponível em https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/historia/depoimento-de-
ronaldo-bastos-45848 Acesso 10 fev. 2021
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Brant concorda que a política influenciou as canções de Clube da Esquina, mas não
mais do que outros aspectos da existência: “Eu sempre lia o jornal pra saber da política.
Mas não pertenci a nada. Era só um cidadão e a política, como todas as coisas da vida –
amizade, amor, infância – entravam nas letras”6. Assim, sem deixar de lado a política, os
letristas optaram por uma abordagem menos dogmática das questões do momento: o
engajamento das letras, como comentou Caetano Veloso em Verdade Tropical, é mais
“pressuposto do que explicitado” (1997, 206) e passa pela exploração lírica de certo
intimismo existencialista, da saudade e da solidão.
Em Nada será como antes, balada pop escrita por Milton e Bastos, percebemos a
operação desta poética. A letra se baseia na história de um sujeito – que poderia ser
Milton – que está “com o pé nessa estrada” e se despede dos seus; com “alvoroço no
coração” e certo de que nada permaneceria igual, pede notícias dos amigos e, ao final,
sentencia que, passe o que passar, haverá de resistir “na boca da noite um gosto de sol”.
6 Disponível em https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/pessoa/fernando-brant-17742
Acessado em 10. Mar.2021.
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A capa cumpre também esta função. A imagem dos dois garotos sentados no chão
de terra à beira de uma cerca de arame farpado representou, como lembra Bastos, um
rompimento com o padrão da indústria fonográfica. “Milton não vendia discos ainda, mas
as gravadoras investiam no artista. Só que era uma loucura, porque era um disco duplo,
na capa eram dois meninos, não tinha título ou nome de ninguém. Um disco totalmente
fora do padrão”7. Ao contrário de boa parte dos discos de MPB e bossa nova dos anos
1960, não é uma foto do artista que ilustra o invólucro; não constam, também, o título do
álbum ou o nome dos músicos. Idealizada por Cafi, Juvenal e Bastos, a capa se aproxima
mais daquelas produzidas pelos designers da factor inglesa Hipgnosis, responsável pelas
artes de Atom Heart Mother e The dark side of The Moon, álbuns lançados em 1970 e
1973 pelo Pink Floyd.
O dramaturgo, poeta e cineasta Ruy Guerra, um dos mais engajados letristas entre
os que atuaram no Brasil nos tempos da ditadura, fornece uma chave de leitura para a
capa de Clube da Esquina: “Milton é ligado à terra como Caymmi, de outro modo, é ligado
7 Ver nota 5
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Tal modernidade, evidentemente, era bem outra daquela que o governo militar
defendia em suas peças publicitárias. Imagens utópicas de um futuro desvinculado de
modelos impostos de fora e ideias de liberdade e justiça social perpassam as composições
da MPB dos anos 1970, e marcadamente as de Clube da Esquina.
“Eu andava meio deprimido, sufocado dentro de uma revolta que não tinha como
exteriorizar diante da gigantesca muralha de medo” (2009, 215), escreveu Márcio Borges.
O compositor, que teve várias de suas parcerias com Milton censuradas e conviveu com o
desaparecimento de amigos envolvidos com a luta armada, relata que o clima entre os
que aderiram à “luta desarmada”, isto é, aqueles que escreviam músicas, reportagens,
peças teatrais e rodavam filmes denunciando a repressão do regime, era um “purgatório
de paranoia” (2009, 215), o que também se expressava em suas produções artísticas.
Dicotomias poéticas entre o dia e a noite, aliás, são um traço corrente nas
produções da MPB da época. Artistas como Belchior (lembremos de “Galos, noites e
quintais”), Sérgio Ricardo (“Bichos da noite”), e em especial os letristas de Clube da
Esquina, partiam do “pretume concreto da escuridão” para, na análise de Starling,
“investigar as sombras em busca do que pudesse parecer fora do lugar ou fora do tom” e
refletir sobre a “total falta de claridade ou expectativas” que se abatia sobre o país (2004,
224).
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“Quem ouve uma canção, ouve alguém dizendo alguma coisa de uma certa
maneira” (1987, 7), escreveu o semiólogo e músico Luiz Tatit. A junção que aí ocorre é de
ordem corporal, e as palavras são ditas de forma a agir “(...) diretamente sobre o corpo
do ouvinte, cativando-o por meio de pulsações regulares que entram em fase com
pulsações orgânicas internas” (1987, 29). Nos termos de Mário de Andrade, “(...) a música
possui um poder muito intenso de acentuar e fortificar estados-de-alma sabidos de
antemão. Como essas dinamogenias não têm significado intelectual, são misteriosas, o
que faz do poder sugestivo da música formidável” (1972, 13).
Ouçamos Cais. Os acordes dedilhados, que vão ascendendo à medida que Milton
canta, soam em conjunto à voz dissonantes e melancólicos, como se o violão refletisse as
reincidências melódicas da voz de Milton e vice-versa. Sobre o “sentido implícito de
velocidade na percepção dos acordes”, percebe o músico e pesquisador Paulo da Costa e
Silva que
8 Trechos de “Nada será como antes”, “Nuvem Cigana”, “Um girassol da cor do seu cabelo”, “Tudo
que você podia ser”,“Trem azul”, “Cais”, “Estrelas” e “San Vicente”.
9 Disponível em: https://dev1-piaui.folha.uol.com.br/maior-e-menor-em-cole-porter/ Último
acesso em 10 jun. 2021.
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A escuta da voz inaugura a relação com o outro: a voz, pela qual se reconhece os
outros (como a letra num envelope), indica-nos a sua maneira de ser, a sua
alegria ou sofrimento, o seu estado; ela veicula uma imagem do corpo e, além
disso, toda uma psicologia (fala-se de voz quente, de voz branca etc.). (Barthes
2004, 243).
Foi por ser considerado um “artista de prestígio” que Milton obteve licença para
gravar como quisesse. O processo não se deu sem tensões – o artista ameaçou deixar
gravadora caso o nome de Lô fosse vetado –, mas tampouco fugiu da estratégia dos
grandes selos para se firmar no mercado nacional: em seus catálogos, as gravadoras
buscavam balancear artistas de sucesso comercial e músicos aclamados pela crítica. O
raciocínio, explica a antropóloga Rita Morelli (2009), é que o artista de prestígio
emprestaria seu bom nome à empresa, convertendo-se futuramente em fonte de lucro
por causa das reimpressões e regravações de LPs que, ao contrário das “músicas da
moda”, não visavam só o consumo imediato.
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Clube da Esquina foi gravado em dois canais: um para o canto e os arranjos vocais,
outro para o restante da banda (incluindo a orquestra de cordas e metais) que tocou ao
vivo nas salas da EMI-Odeon sob as batutas de Milton e Paulo Moura. Esse fato é
relevante se levamos em conta que muitos artistas como Os Mutantes, Gal Costa e
Gilberto Gil já gravavam na época em quatro, cinco e até dezesseis canais. Além disso, a
banda que acompanhou Milton, formada por músicos que em muitos casos participavam
da composição das canções, era numerosa: havia voz, violão, piano, a mencionada
orquestra, guitarra, percussão, baixo, guitarra de 12 cordas, coro, solfejo, piano elétrico,
órgão, tumbadora e bateria – e em algumas músicas mais de um guitarrista, baixista e
percursionista tocam juntos.
10 Disponível em https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/pessoa/wagner-tiso-17748
Acesso em 10 mar. 2021
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Santos, Leandro Aguiar Severino. “Memórias líricas da amizade em Clube da Esquina”. Musimid 2, no. 2 (2021): 46-67.
Quanto aos vocais de Milton e Lô, oscilam entre o canto suave, o falsete e o grito,
sendo que na maioria das faixas as vozes são duplicadas, com uma sobrepondo-se à outra.
Nivaldo Duarte, técnico de gravação, acrescentou, também, eco à voz de Milton. Segundo
o cantor, esta escolha remete ao seu passado no interior mineiro:
Três Pontas tem muita serra, então às vezes a turma toda subia num morro lá e
começava a gritar, e aí eu ouvia aquele negócio de volta repetidas vezes… e
quando eu comecei a gravar eu falava com o pessoal – olha, bota um eco aí que
a minha coisa tem muito a ver com eco. (apud Nunes 2005,91).
As vozes dos dois parecem reproduzir sonoramente a imagem da capa do álbum:
Milton entoa as palavras com seriedade, e apesar do tom quase sisudo que imprime em
algumas faixas (Cais e Os povos, por exemplo), em outras o canto evoca algo da seriedade
e da solidão da infância – ao passo que, em faixas como Tudo que você podia ser, Cravo
e canela e Nuvem cigana, Milton nos chama para dançar e experimentar o mundo, e, sem
deixar de lado o olhar inquisidor da criança negra da capa, aponta possibilidades de fuga
da realidade opressora. Reiterando a letra de Márcio Borges que abre o disco, seria
preciso agir, mas agir com a leveza de uma criança, para se ser “tudo que você podia ser”.
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que, juntos, remetem à influente psicodelia de A day in the life, canção dos Beatles
lançada 5 anos antes de Clube da Esquina. Toninho Horta credita a Beto e Lô a
aproximação do grupo com o rock inglês. Nove anos mais jovem que Milton, Lô era um
adolescente quando o quarteto britânico dominava as estações de rádio belo-
horizontinas, de modo que a oposição “rock vs MPB” que dava o tom do ambiente musical
anos antes do lançamento de Clube da Esquina não fazia para ele sentido algum.
“Eu vejo o Clube da Esquina como um encontro – é uma música meio rural com
uma coisa totalmente pop, mundial já, com referências da bossa nova, muito de Beatles
com muito de viola”11. Quem analisa é Cafi, o fotógrafo que registrou as crianças que
estampam a capa do disco. De fato, o que se ouve no disco é um “encontro”: há desde
Bastos, carioca que, antes das gravações, esteve na Inglaterra atento às novidades do rock
e do LSD, há Tiso, maestro com formação erudita que abandonou por uns tempos as
batutas para formar a banda psicodélica Som Imaginário, há Brant, poeta-jornalista que,
de tão apegado à Minas, se mudou para o Rio de Janeiro e em menos de um mês mudou-
se de volta à BH, e, entre tantos outros, há Milton, autodidata que começou a carreira
cantando ao lado de Tiso nos bailes de Três Pontas, agregando-se aos trios de samba-jazz
quando de sua mudança para BH para então, poucos anos depois, enveredar para o rock,
o jazz modal e a música sacra.
“Mesmo numa gravação”, escreveu o crítico musical Simon Frith, “um concerto
remete a um anfiteatro, uma peça de câmara a uma sala de estar; do mesmo modo que o
jazz remete aos clubes de jazz, e o rock a um pub ou um estádio lotado” ( XXX). Assim
sendo, à quais ambientes remete Clube da Esquina? O que parece claro entre os artistas
da MPB, ao menos àqueles vinculados à tradição da bossa nova – Milton, Edu Lobo, Chico
Buarque, Gal & Caetano, entre outros – é que havia um esforço na construção de uma
relação intimista entre o ouvinte e o artista. O lirismo e o tom confessional das letras, as
performances de palco e estúdio, as capas dos álbuns e o próprio formato dos shows
cooperam na construção desse encontro. Como detalha Marcos Napolitano em MPB: a
trilha sonora da abertura política:
11 Disponível em https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/pessoa/cafi-carlos-da-silva-
assuncao-filho-17782 Acesso em 10 jan. 2021
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Santos, Leandro Aguiar Severino. “Memórias líricas da amizade em Clube da Esquina”. Musimid 2, no. 2 (2021): 46-67.
12 Ver nota 5
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Santos, Leandro Aguiar Severino. “Memórias líricas da amizade em Clube da Esquina”. Musimid 2, no. 2 (2021): 46-67.
afirma mesmo que “a mais genuína forma de justiça é uma espécie de amizade” (1999, p.
139).
Milton explora o canto a duas, três ou mais vozes, sobrepondo sua própria voz
ou combinando-a com cantores, compositores, instrumentistas, pessoas
comuns. Diferentes timbres são reunidos de maneira a preservar a unicidade de
cada voz dentro do coletivo; uma atitude diferente daquela tomada pela música
coral, erudita ou popular, ou mesmo pelos grupos vocais, nos quais a timbragem
das vozes, para que soem homogêneas, é uma prática sobre a qual dedicam
grande parte dos ensaios (2005, 18)
A mixagem de som utilizada foi a analógica, que, na percepção de Tiso, “não é
aquela coisa perfeitinha” que ouvimos nas mixagens digitais, inexistentes na época13.
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Bastos, a intenção era fazer um disco “com início, meio e fim, que não seja só um
apanhado de canções” (1997, 257).
Thais Nunes aponta aquelas que ela considera serem as principais características
de Clube da Esquina. Para a autora, “a produção chama a atenção pela elaboração e beleza
harmônica e melódica, pela assimetria da forma musical, pelo uso recorrente do falsete,
pela exploração da melancolia” (2005, 12). Quanto ao último destes elementos, Caetano
Veloso notava que “havia no culto ao estilo de Milton, na própria admiração pelo seu
trabalho, uma valorização mórbida da tristeza” (1997, 338). A sobrevalorização da
melancolia parece refletir, ela também, o clima das discussões da época. Como conta
Nelson Angelo,
15 Disponível em https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/historia/eu-sou-um-escravo-da-
musica-45529 Acessado em 10 mar. 2021
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Santos, Leandro Aguiar Severino. “Memórias líricas da amizade em Clube da Esquina”. Musimid 2, no. 2 (2021): 46-67.
brush e o violão dissonante acrescentam um clima psicodélico que não existia na versão
original de 1956.
Considerações finais
“Eu morava no mesmo prédio que o Beto”, conta o guitarrista Toninho Horta, “e o
Beto sempre encontrava com o Lô, aí eu falava: ´ih, aqueles roqueiros´”16. Poucos anos
mais velho que os dois, os interesses musicais de Horta eram outros, o que gerava
“represálias” por parte dos roqueiros: “Eles olhavam pra mim com o violão e falavam: ´ih,
aquele cara do jazz, da bossa nova, não está com nada´”, brinca. Foi desse encontro entre
iniciantes promissores e músicos com anos de estrada nos ´bailes da vida´ que nasceu a
sonoridade de Clube da Esquina.
16 Disponível em https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/imagem/os-herdeiros-71443
Acesso em 10 mar.2021
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Santos, Leandro Aguiar Severino. “Memórias líricas da amizade em Clube da Esquina”. Musimid 2, no. 2 (2021): 46-67.
“Acho que a gente era alma gêmea em torno de interesses comuns pelo Cinema
Novo, pela bossa nova, especialmente pela mudança do mundo e pela música, pela
poesia” opina Bastos, “e fomos nos encontrando, nos misturando, de forma que, sem
programa, sem teoria, sem nada, a gente foi virando uma coisa só”17.
O próprio clima das gravações aponta para a atmosfera fraternal que Clube da
Esquina reproduz. Como lembra Joyce, que participaria, em 1978, das gravações de Clube
da Esquina 2, as sessões de estúdio se converteram num ponto de encontro:
Nivaldo confirma: “a gente pode dizer que foi quase uma festa, não uma gravação”.
Na memória de Nivaldo, o fluxo de “mineiros” pelo estúdio, a proposta ambiciosa do
álbum e sua experimentação geravam curiosidade e dúvidas por parte dos funcionários
da gravadora. “A gente ficava olhando, teve algum comentário lá: ´o que a Odeon vai fazer
com essa garotada?´”(online)19.
17 Ver nota 5
18 Disponível em https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/pessoa/joyce-silveira-moreno-
17904 Acesso em 10 mar.2021.
19 Ver nota 14
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Santos, Leandro Aguiar Severino. “Memórias líricas da amizade em Clube da Esquina”. Musimid 2, no. 2 (2021): 46-67.
e livre “a partir da subversão das hierarquias” (Burgeous, 2016) que cercam a prática
musical convencional. Ainda que a sonoridade mesma do jazz tenha influenciado as
composições de Clube da Esquina, é nesse procedimento que o álbum mais se aproxima
do gênero de Thelonious Monk e Alice Coltrane: embora Milton ocupe uma posição
central no disco, há também uma ênfase na coletividade ali envolvida.
Referências
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Santos, Leandro Aguiar Severino. “Memórias líricas da amizade em Clube da Esquina”. Musimid 2, no. 2 (2021): 46-67.
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