"Tchau, Querida!": Por Uma Estética Do Extremismo A Partir Dos Protestos Pelo Impeachment de Dilma Rousseff
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XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Experiência Estética do XXIX Encontro Anual
da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020
2 Leandro Aguiar Severino dos Santos, mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense
e doutorando em Comunicação na Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]
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1. Introdução
Entre março de 2015 e abril de 2016, o povo brasileiro vivenciou – parte dele
perplexo, outra parte eufórico – as manifestações pelo impeachment da presidente Dilma
Rousseff, reeleita pouco menos de dois anos antes, e que culminaram, em 17 de abril de
2016, na votação favorável ao seu afastamento na Câmara dos Deputados. É certo que uma
complexa cadeia de atores cooperaria decisivamente, nem sempre de forma aberta ou
orquestrada, para que a deposição saísse bem-sucedida. É o caso de mencionar a chancela do
poder judiciário, o apoio explícito das organizações patronais, de parte do jornalismo
tradicional e, estes fartamente documentados, os movimentos subterrâneos de proeminentes
lideranças políticas [EXEMPLOS]. Mas para além desses atores, a presidente dificilmente
seria removida do cargo não fossem os massivos, festivos, estridentes protestos de rua que
deram o respaldo popular que faltava ao processo de impeachment.
“Intervenção militar já”, “Dilma quenga”, “We say no to comunism!”, “Pela minha
família, pelos meus amigos, eu voto sim”, “Pelos fundamentos do cristianismo”, “Pela
memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra”: é facilmente constatável que tanto os
protestos de rua contra Dilma Rousseff quanto as manifestações dos deputados na fatídica
votação deixaram-se contaminar por inegáveis fundamentos autoritários. De forma velada ou
aberta, irrompeu, a partir destes protestos, uma estética discursiva de desprezo a um conjunto
de valores que acordou-se chamar de democráticos [EXEMPLOS]. Alguns pressupostos para
a construção de um método para abordar a constituição estética e comunicacional destes
protestos, bem como sua assimilação pela política institucional, serão apresentados neste
artigo.
Fato é que se observa “a olho nu” o restabelecimento, no Brasil, de uma vertente
política e cultural de extrema-direita que por mais de três décadas foi relegada ao ostracismo
institucional pelo “consenso” que resultou na Constituição de 1988.
Embora em nenhum momento, nos últimos 30 anos, os elementos mais reacionários
que serviram de base para a ditadura militar tenham deixado de exercer influência nos centros
de decisões – como sabemos, muitos dos congressistas e governadores biônicos da Arena
[QUAIS?] mantiveram o poder de seus clãs em partidos como DEM e MDB –, do ponto de
vista cultural, os apologistas do golpe de 1964 perderam, durante a abertura política, o que
hoje seria chamado de “guerra de narrativa”. Isso porque a abertura dos anos 1980 foi,
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também, uma abertura cultural que alargou os imaginários em torno das ideias de povo e
nação: as mulheres conquistavam crescente poder de mobilização, atuando de forma decisiva,
ainda no fim dos anos 1970, para a aprovação da lei do divórcio; a partir de publicações da
imprensa alternativa como O Lampião da Esquina e de forte presença no mercado
fonográfico, nas pessoas de Ney Matogrosso, Cazuza, Ângela Ro Ro e tantos outros, os
homossexuais deixavam a semi-clandestinidade, passando a exigir direitos; organizados
politicamente, os povos indígenas e o movimento negro influenciaram na redação de alguns
dos trechos mais emblemáticos da nova Constituição; inclusive nas igrejas, ganhava força a
vertente carismática [CHECAR SE É MESMO], vista na época como mais popular e aberta à
modernidade; e nas redes de televisão, nos humorísticos que ocupavam larga faixa do horário
nobre (“Casseta & Planeta”, “TV Macho”, “Os Trapalhões”) o moralismo tacanho que via os
generais como defensores patriotas dos “valores da família” era diariamente ridicularizado.
Também por isso, movimentos como o Integralismo e o TFP (Sociedade Brasileira de Defesa
da Tradição, Família e Propriedade), antes influentes na imprensa e junto ao governo,
praticamente desapareceram do radar.
Anos antes dos protestos de 2015/16, o ressurgimento destes e de outros atores vinha
já tomando forma e colecionando conteúdos, velhos e novos, sobretudo em ambientes
digitais, como diversos trabalhos têm mostrado nos últimos anos3.
Conservadora socialmente, moralista nos costumes e reacionária em questões de
segurança pública tal qual seus antecessores, o restabelecimento político-institucional da
extrema-direita deu-se com o apoio de parcela expressiva não só das elites, mas de setores da
classe média e das classes pobres, como se confirmou no resultado da eleição presidencial de
2018.
Entre as diversas particularidades destes atores políticos e de seus apoiadores mais
entusiasmados, destaca-se a adesão a uma lógica comunicativa e a uma estética particular,
gestada em grande parte nos ambientes digitais, e cujas características e consequências para o
debate público pretendemos explorar adiante.
Se é verdade, como defende Bruno Latour, que “o social é aquilo que outros tipos de
conectores [ciência, direito, economia] amalgamam” (2006, p. 22), podemos deduzir que a
3 Destacamos, entre estes, os trabalhos recentes de Wilson Gomes sobre “fake news” e comunicação
política, a dissertação de Mestrado de Marcelo Alves dos Santos: “Vai pra Cuba!!! A Rede Antipetista na
eleição de 2014”, e as investigações de seu orientador, Afonso de Albuquerque, como “A comunicação política
depois do golpe” (ver bibliografia).
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estética seria a forma como este amálgama se apresenta aos nossos sentidos. O novo
extremismo brasileiro, se assim podemos chamá-lo, é sem dúvida um amálgama de
economia, tecnologia, ideologia, uma história social, entre outros conectores, e certamente
expressa-se de maneiras específicas, valendo-se de diversos meios e formas. Ainda
acompanhando Latour, para quem a “sociologia não passa de uma espécie de interpsicologia”
(2006, p. 33), nosso argumento central é que os protestos em favor do impeachment e o
consequente recrudescimento da extrema-direita não podem ser compreendidos sem se ter em
conta a performance de um Brasil imaginado a que eles deram corpo, o que ao mesmo tempo
permeia e extrapola as disputas entre defensores de um ou outro partido político e as intrigas
palacianas de Brasília.
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“Casa-Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, o que depois seria chamada de História
Cultural brasileira tem justamente o propósito de sondar os imaginários, a construção
simbólica e a reafirmação diária das “brasilidades”. Tratava-se, como expresso no título do
livro, de uma tentativa de mapear as relações de poder entre os que mandavam e os que
obedeciam no Brasil colônia, bem como a persistência desses traços em um Brasil que se
industrializava. É certo que o estudo contém vários acidentes de percurso que denunciam a
própria posição privilegiada que o autor ocupava na sociedade recifense – Freyre era herdeiro
de ricos senhores de engenho, e em diversos momentos explicita seu saudosismo de certas
relações, que classifica como “açucaradas”, entre “sinhôs e sinhás”, “mucamas” e “preto-
velhos”. Mas muitas de suas conclusões, principalmente se nos lembramos de algumas das
palavras de ordem dos protestos antipetistas, seguem atuais:
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salários, e não as normas trabalhistas fundadas por Vargas. A partir daí todas as
burlas são permitidas e estimuladas (OLIVEIRA, 2012, online)
Foi atravessado por relações de poder traumáticas entre gêneros, raças e classes
sociais, enfim, que se constituiu, ao longo dos séculos, o imaginário social brasileiro, suas
instituições políticas e econômicas e muitas das ideias em torno de "nação" e “brasilidade”.
Mas concepções outras, mais democráticas, humanistas e muitas vezes utópicas também
surgiram, conquistando inclusive alguma hegemonia em certos meios e épocas, como durante
a já discutida abertura política dos anos 1980. Em reação a estas concepções mais
progressistas, ideias e imaginários conservadores tomaram corpo nos protestos de 15-16 – e
já se ensaiavam, frisamos, em centenas de páginas nas redes sociais da internet 5. Geralmente
recalcadas sob múltiplas camadas de “cordialidade” [EXPLICAR], como teorizou Sérgio
Buarque de Holanda, pioneiro do ensaísmo historiográfico, tal conservadorismo reacionário
se deixou entrever, nos protestos, em performances fugidias, daí nossa opção por uma
abordagem estética do extremismo brasileiro.
Por isso, nos interessa menos as implicações políticas dos protestos antipetistas que as
micropolíticas – na explicação de Suely Rolnik, a intersecção do “político, do social e do
cultural” onde se desenham “os contornos da realidade em seu movimento contínuo de
criação coletiva” (1989, p. 5). Outro interessado na micropolítica, Manuel Castells observou
que essa constituição subjetiva da sociedade, “base das instituições que a organizam” (2015.
p. 1), constrói-se cada vez mais na interação com os meios de comunicação, o que se
aprofundou vertiginosamente com o advento da internet e do que ele chama de “sociedade em
rede” - transformação que, para o autor, explica a crescente relação “entre emoção, cognição
e comportamentos políticos” (2015, p. 5).
Nos valemos, aqui, de uma outra noção que Raymond Williams, precursor dos
estudos culturais ingleses, aplicou às obras literárias, mas que julgamos válida também para a
compreensão de acontecimentos midiáticos e políticos: as “estruturas do sentimento”.
Williams descreveu estas estruturas como “as categorias que organizam a consciência
empírica de um determinado grupo social”, dando às suas expressões “sua unidade, seu
5 Em sua dissertação de Mestrado, Marcelo Alves calcula que, ainda em 2014, somente no Facebook
mais de 500 páginas, com um público estimado em 10 milhões de pessoas, dedicavam-se a “propagação de
calúnias, defesa de conteúdo ideológico sectário, teorias da conspiração e discurso hostil contra o Partido dos
Trabalhadores” (2016, p. 21).
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caráter estético específico” capazes de nos revelar “o grau mais elevado possível da
consciência” desse grupo (1967, p. 15).
Nesse sentido, o ufanismo verde-e-amarelo da camisa da seleção brasileira de futebol,
o acionamento dos “valores da família tradicional”, a exaltação do então juiz federal Sérgio
Moro como paladino do combate à corrupção endêmica e das Forças Armadas como
repositório da moral, da ordem e do patriotismo parecem convergir na construção simbólica
de certa brasilidade ancestral, anterior à suposta invasão desta por elementos que teriam
suspendido sua alegada cordialidade telúrica. Isso fica evidente em diversas demandas que
encontraram eco entre parcela expressiva dos manifestantes: na defesa da “escola sem
partido”, contrária à abordagem de questões históricas e de gênero nas escolas; na crítica ao
programa Bolsa Família e às cotas raciais e socioeconômicas nas universidades; no clamor
pela redução da idade penal; ou nos pedidos por uma intervenção militar na política nacional.
De saída, consideramos que tal extremismo não foi “criado” pela grande imprensa
manipuladora (embora tenha sido alimentado por ela) ou pela exposição continuada a vídeos
delirantes no Youtube (pois uma mensagem, nota Manuel Castells, só é efetiva quando chega
aos que estão preparados para recebê-la), mas trata-se de um traço perene da cultura política
brasileira que há muito paira sobre o imaginário social do país, aguardando o momento
propício e as condições materiais para se manifestar.
Esse momento se deu em 2015-16, nos protestos contra Dilma Rousseff, e se deu
comunicativamente, fazendo largo uso de uma enorme rede de compartilhamento de
informações (verdadeiras ou não) conectada via internet. A grande imprensa, em boa medida,
passou ao largo desse fenômeno – aliás, parte dela tornou-se, com efeito, vítima constante de
críticas e ataques oriundos destas redes.
Parte da sociedade não se fez politicamente reacionária: redescobriu-se, como em uma
“volta às origens” das quais é saudosa, reacionária, valendo-se de novos meios para
comunicar velhas mensagens – ainda que envelopadas de uma nova forma, como observamos
no caso das fake news.
É aí que a ideia de performance, descrita por Paul Zumthor (2007, p. 9) como “o
momento decisivo em que todos os elementos cristalizam em uma e para uma percepção
sensorial”, adquire função central em nossa análise. Pois foi através das performances nas
redes, nos protestos e nas tribunas políticas que as “estruturas do sentimento” do extremismo
nacional, antes dispersas, adquiriram corpo e passaram a articular discursos: a performance
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Quando ouço a Sinfonia no. 7 de Beethoven, uma gama de elementos colabora para
definir a impressão que ela deixa em mim. O caminho ascendente das flautas e oboés, a
dramaticidade das trompas e trompetes, a melancolia que inspiram os violinos e violoncelos,
bem como as duras marcações do tímpano são só parte do espetáculo: para além do
estritamente musical, é significativo o fato de eu ouvir uma composição de mais de 200 anos,
expressão do romantismo alemão e dos acontecimentos que o moldaram; é significativo que
eu, o ouvinte, seja latino-americano; e se sei que o compositor sofria de surdez parcial,
imagino que os acentos dos instrumentos intentam comunicar a música aos que carecem de
audição perfeita, e ao imaginá-lo a sinfonia ganha para mim ares ainda mais dramáticos; faz
diferença, é claro, se ela é executada em uma sala de concertos ou por meio do Youtube –
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de mitologias acerca da raça e da nação. Violência simbólica e material, ódio e cinismo, para
essa “ralé”, tornaram-se os métodos naturais de ação “política”.
Se no período das Grandes Guerras a figura das “massas” já andava meio saturada
entre pensadores das Humanidades, o crescimento exponencial da mídia – imprensa, rádio e,
sobretudo, a televisão – alterou definitivamente os olhares sobre as relações entre políticos e
cidadãos, bem como as próprias ideias de “massa” e “nação”. O “espetáculo” anunciado por
Guy Debord torna-se, então, incontornável aos que se interessam em refletir sobre as
interações entre o “mundo da política”, o “mundo da mídia” e seus efeitos sob o “mundo da
vida”, na famosa categorização de Jürgen Habermas.
Acompanhamos Louis Quéré no entendimento de que o acontecimento, enquanto
categoria filosófica para se pensar as construções simbólicas em torno do presente, passado e
futuro, é indissociável desse intenso processo de colonização do “mundo da vida” pela mídia
que caracteriza o século 20 e, de maneira ainda mais dramática (e com “mídia” agora no
plural), o século 21. E concordamos também com Hans Gumbretch, que vê nesses
acontecimentos, como antes já se via nas obras de arte, dimensões performáticas que moldam
e são moldadas pelos sentidos e atmosferas que suscitam.
Resumidamente, os acontecimentos, para Gumbretch, instituem uma atmosfera,
provocam estesia, e os significados que eles engendram passam por uma formulação estética.
Compreender as estratégias sensíveis, como diria o pensador brasileiro Muniz Sodré, postas
em jogo pelo extremismo brasileiro em suas manifestações é, assim, um caminho para se
abordar as dificuldades que se impõem ao desenvolvimento de uma cultura verdadeiramente
democrática no país.
“O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito”, escreveu Foucault, “é
simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia,
produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso” (1979, p.8). Um dos desafios
que se relaciona ao olhar que propomos é traçar a “genealogia das relações de força” que
deram forma estética aos protestos. Nos interessa compreender as “coisas” que essa
composição estético-discursiva produz e as formas de prazer que a envolvem. Uma hipótese é
de que a estética autoritária opera, entre outras coisas, como forma de autoproteção e
isolamento para certos grupos sociais da nossa caótica, violenta e desigual realidade.
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quando falamos da “casa” não estamos nos referindo apenas a um local onde
dormimos, comemos ou que usamos para estar abrigados do frio ou da chuva. Mas a
um espaço profundamente totalizado numa forte moral. Uma dimensão da vida
social permeada de valores e realidades múltiplas. Coisas que vêm do passado e
objetos que estão no presente: esfera onde nos realizamos como seres humanos que
têm um corpo físico, e também uma dimensão moral e social. Assim, na casa,
somos únicos e insubstituíveis (DaMATTA1986, p. 20)
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por algum colega pesquisador(a), redobra-se a exigência por justificativas, como as que vêm
a seguir.
A subjetividade contemporânea, nos diz o pesquisador André Brasil (2010, p. 17),
faz-se cada vez mais como exterioridade, constituindo-se “no ato mesmo de sua
publicização”. Tal tendência, que é antiga, remontando ao século XIX, intensifica-se com a
midiatização geral do “mundo da vida” que conheceu o século XX e, mais recentemente, com
a internet e suas redes sociais (usuários do Instagram que o digam...). Por isso, as imagens
que circulam entre nós, conclui André Brasil, têm “ressaltada sua dimensão performativa”:
“não estamos no domínio da pura representação, mas da representação tornada performance,
da performance tornada jogo e, por fim, do jogo generalizado como estratégia de gestão”.
Ora, como avançar analiticamente sobre essa performance, esse jogo contemporâneo
que deliberadamente mais confunde do que explica? Para André Brasil, compreender o apelo
das imagens que hoje irrompem nos meios digitais demanda identificar não apenas quais
poderes, na linha foucaultiana, “emolduraram tal visibilidade e por meio de quais
estratégias”, mas principalmente descobrir o que estas imagens pretendem ocultar, seus
“resíduos impensáveis, os dejetos intratáveis, os gestos invisíveis”.
Lucia Santaella nos explica que “o mundo das imagens se divide em dois domínios”:
o das imagens materializadas, representações visuais coletivamente aceitas (desenhos,
pinturas, fotografias, imagens televisivas etc); e o das nossas imagens internas (fantasias,
esquemas mentais, sonhos, delírios). Mas ambos os domínios, completa Santaella, não
existem separadamente, estando ligados já em sua gênese: “não há imagens como
representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que as
produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham origem no mundo
concreto dos objetos visuais” (1997, p. 15). Encontrar as conexões entre o Brasil imaginado,
imaterial, e suas projeções imagéticas nas multidões antipetistas será também um esforço
genealógico.
Para Benedict Anderson, a essência de ideias como as de “nação”, “povo” ou
“cidadãos de bem” consiste em que todos os que a elas aderem “tenham muita coisa em
comum, e também que tenham esquecido muitas coisas” (2008, p. 32). De fato, o que as
manifestações pelo impeachment colocaram em cena foram também disputas em torno da
memória: a comunidade imaginária, o Brasil ali feito em performance, trouxe consigo
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Se acreditarmos que sim, e parece ser esse o caso, momentos como a “dança do
impeachment”, protagonizada por manifestantes em Fortaleza em 16 de agosto de 2015 e
divulgada nas redes sociais, ou a abertura da sessão de votação na Câmara – quando o então
deputado federal Eduardo Cunha (MDB) rogou “que Deus tenha piedade desta nação” –
podem ser compreendidos a partir da chave da estética do grotesco, que para Sodré muitas
vezes oferece “uma radiografia inquietante, surpreendente, às vezes risonha, do real”.
Tornamos a questionar: o que a estética das manifestações pelo impeachment de Dilma
Rousseff ambicionam encobrir, e o que revelam em sua tentativa?
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