Epidemiologia 2019-Vol 3
Epidemiologia 2019-Vol 3
Epidemiologia 2019-Vol 3
Marília Louvison
Thaís Minett
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
A Epidemiologia agrega variadas linhas de conhecimento, discutidas a seguir,
que emergiram fortemente a partir do século XVII. Naomar de Almeida Filho,
epidemiologista brasileiro de destaque internacional, explica que o século em
questão foi inovador nos sentidos político e social, pois a necessidade de
“calcular” a população passa a ser fundamental para o Estado (por questões
políticas e militares). Nesse contexto, surgem linhas como a “aritmética
política”, de William Petty (1623-1697), e a “estatística médica”, de John
Graunt (1620-1674) (Almeida Filho, 1986).
John Graunt foi o primeiro a quantificar os padrões de natalidade e
mortalidade e a ocorrência de doenças, identificando características
importantes, entre elas a existência de diferenças entre os sexos e na
distribuição urbano-rural, elevada mortalidade infantil e variações sazonais
existentes. Foi ele o responsável pelas primeiras estimativas de população e
pela elaboração de uma tábua de mortalidade, também conhecida como tábua
de vida (procedimento para estimar a expectativa de vida da população).
O trabalho que marcou não somente o início formal da Epidemiologia, como
também uma das mais espetaculares conquistas, foi a descoberta, por John
Snow, de que o risco de contrair cólera estava relacionado ao consumo de
água de uma fonte específica (Beaglehole; Bonita; Kjellström, 2010). Snow
marcou a moradia de cada pessoa que morreu de cólera em Londres entre
1848 e 1849, e 1853 e 1854, analisando a relação entre a distância das fontes
de água e a ocorrência de óbitos (Figura 1). Foi com base nessa investigação
que o médico construiu uma teoria sobre a transmissão das doenças
infecciosas, sugerindo que a cólera fosse disseminada por meio da água
contaminada, fato que antecede a descoberta do Vibrio cholerae e evidencia
que, desde 1850, os estudos epidemiológicos têm indicado as medidas
apropriadas de saúde pública a serem adotadas.
Figura 1 - Mapa de John Snow, que demarca as residências com óbitos por cólera em Londres, no
ano de 1854; os pontos azuis indicam bombas d’água, e os vermelhos, residências com morte por
cólera. Note os pontos vermelhos agrupados no entorno de uma bomba específica
Fonte: adaptado de Don Boyes. John Snow and serendipity.
Importante
Até meados do século XX, a Epidemiologia e a Medicina estiveram
impulsionadas pelo crescente aperfeiçoamento dos métodos diagnósticos,
terapêuticos e estatísticos que proporcionaram a compreensão dos modos
de transmissão e possibilitaram intervenções que contribuíram para o
controle de grande parte das doenças transmissíveis, ao menos nos países
desenvolvidos. A partir da 2ª Guerra Mundial, estabeleceram-se regras
básicas da análise epidemiológica, o aperfeiçoamento dos desenhos de
pesquisa e a delimitação do conceito de risco em associação ao
desenvolvimento das técnicas de diagnóstico, à evolução da Estatística e à
introdução dos computadores. A Epidemiologia sedimenta-se como
disciplina autônoma na década de 1960.
Dica
Leavell e Clark (1976) explicam que Medicina Preventiva é a
especialidade que se dedica à prevenção da doença em vez de seu
tratamento. Arouca (2003) entende-a como o estudo do processo saúde-
doença nas populações, suas relações com a atenção médica, bem como
das relações de ambas com o sistema social global, visando à
transformação dessas relações para a obtenção de níveis máximos possíveis
de saúde e bem-estar das populações.
Importante
A Clínica Médica, como linha de conhecimento do saber médico, estuda o
processo saúde-doença em “nível individual”, com o objetivo de tratar e
curar casos isolados que apresentem certa característica, como os sinais e
sintomas de determinada doença. A Epidemiologia se preocupa com o
processo de ocorrência de doenças, mortes, quaisquer outros agravos ou
situações de risco à saúde na comunidade, ou em grupos dessa
comunidade, com o objetivo de propor estratégias que melhorem o nível de
saúde das pessoas que a compõem.
A - Epidemiologia Descritiva
Resumo
História
1. Introdução
O conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural.
Ou seja, saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas; depende
da época, do lugar e da classe social. Os valores individuais e as concepções
científicas, religiosas e filosóficas também estão associados a esse conceito.
Inicialmente, para chegar a uma apropriação concreta dos conceitos de saúde
e doença, faz-se necessária uma compreensão etimológica dos 2 vocábulos.
Segundo Reiner (2008), doença provém do latim dolentia, derivado de dolor e
dolore, que querem dizer “dor” e “doer”. Já saúde, também do latim, vem de
salutis, derivado do radical salus, com significação de “salvar”, “livrar do
perigo”, “afastar riscos e/ou saudar”, “cumprimentar”, “desejar saúde”.
A - Saúde
Dica
Segundo a Constituição Brasileira de 1988, “a saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e
recuperação” (Brasil, 1988).
B - Doença
A - O modelo biomédico
Importante
No lugar de considerar saúde e doença como componentes de um sistema
binário, do tipo presença-ausência, pode ser mais adequado concebê-las
como um processo no qual o ser humano passa por múltiplas situações, que
exigem de seu meio interno um trabalho de compensações e adaptações
sucessivas.
Figura 3 - Padrão de evolução da infecção por HIV: (A) infecção primária; (B) síndrome aguda da
infecção por HIV, com ampla disseminação viral em órgãos linfoides; (C) latência clínica; (D)
presença de sintomas constitucionais; (E) doenças oportunistas; (F) óbito
Fonte: site The Naked Scientists.
a) Período pré-patogênico
Importante
O período pré-patogênico refere-se ao 1º período da História Natural da
Doença, quando os distúrbios patológicos ainda não se manifestaram no
indivíduo. Trata-se da própria evolução das inter-relações dinâmicas, que
envolvem, de um lado, os condicionantes sociais e ambientais e, do outro,
os fatores próprios do suscetível, até que chegue a uma configuração
favorável à instalação da doença.
- Fatores sociais
- Fatores ambientais
- Fatores do hospedeiro
b) Período patogênico
Importante
No período patogênico, a interação entre os fatores condicionantes sociais
e ambientais e os fatores próprios do hospedeiro já causou alterações
bioquímicas em nível celular e distúrbios na forma e na função de órgãos e
sistemas, culminando com a manifestação da doença, que evoluirá para um
defeito permanente (ou sequela), para a cronicidade, para a morte ou para a
cura.
Paim (2008) explica que, a partir das influências da Medicina Preventiva, foi
difundido o modelo da HND, estabelecendo 5 níveis de prevenção, cujas
medidas poderiam ser aplicadas de forma integral em distintos momentos do
processo saúde-doença (Figura 4 - C).
Importante
Na 1ª fase de prevenção, na qual haveria a possibilidade de um
desequilíbrio entre o agente, o hospedeiro e o ambiente, cabem medidas de
promoção da saúde e proteção específica, cujos procedimentos foram
chamados de prevenção primária. Já o período patogênico é aquele
destinado a ações diagnósticas e de tratamento precoce, bem como a
limitação da invalidez ou incapacidade, correspondendo à prevenção
secundária ou 2ª fase de prevenção. Ainda nesse período patogênico, seria
possível conseguir a prevenção terciária por meio da reabilitação,
equivalendo à 3ª fase de prevenção.
- Prevenção primária
Dica
As medidas de promoção à saúde no Brasil foram regulamentadas pela
Portaria nº 687, de 2006, pelo Ministério da Saúde. Seu objetivo foi
promover mudanças na cultura organizacional do Sistema Único de Saúde,
com vistas à adoção de práticas horizontais de gestão e estabelecimento de
redes de cooperação intersetoriais.
- Prevenção secundária
- Prevenção terciária
Excesso de tratamento;
Excesso de rastreamento;
Excesso de exames complementares;
Medicalização de fatores de risco.
Nos últimos 15 anos, vários modelos têm sido desenvolvidos para demonstrar
os mecanismos por meio dos quais os determinantes sociais de saúde afetam
os resultados na saúde. Nesse contexto, são pontuados os Determinantes
Sociais da Saúde (DSSs): condições socioeconômicas, culturais e ambientais
de uma sociedade que se relacionam com as condições de vida e trabalho de
seus membros (como habitação, saneamento, ambiente de trabalho, serviços
de saúde e educação, além da trama de redes sociais e comunitárias),
influenciando a situação de saúde da população (CSDH, 2005).
Um dos modelos mais importantes de determinantes sociais trata da
influência das camadas, explicando como as desigualdades sociais na saúde
são resultado das interações entre os diferentes níveis de condições, desde o
nível individual até o de comunidades afetadas por políticas de saúde
nacionais (Figura 6). Observe que os indivíduos estão no centro da Figura 6 e
têm idade, gênero e fatores genéticos que indubitavelmente influenciam seu
potencial de saúde final. A camada imediatamente externa representa o
comportamento e os estilos de vida das pessoas. As pessoas expostas a
circunstâncias de desvantagem tendem a exibir prevalência maior de fatores
comportamentais, como fumo e dieta pobre, e se deparam com barreiras
financeiras maiores ao escolherem um estilo de vida mais saudável (CSDH,
2005).
B - Modelo biopsicossocial
O modelo biopsicossocial (ou holístico) permite que a doença seja vista como
um resultado da interação de mecanismos celulares, teciduais, organísmicos,
interpessoais e ambientais. Assim, o estudo de qualquer doença deve incluir o
indivíduo, seu corpo e seu ambiente circundante como componentes
essenciais de um sistema total (único ou particular).
Dica
A teoria do modelo biopsicossocial, na qual há a interação de 3 fatores no
processo saúde-doença, foi formulada por Engel e considera que os fatores
psicossociais podem operar para facilitar, manter ou modificar o curso da
doença, embora o seu peso relativo possa variar de doença para doença, de
um indivíduo para outro e até mesmo entre 2 episódios diferentes da
mesma doença no mesmo indivíduo (Fava; Sinino, 2010).
Resumo
Medidas de frequência I:
morbidade
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
Após a conceituação de saúde e doença, pode-se partir para questões mais
aplicadas da Epidemiologia. A rigor, neste capítulo, serão abordados os
aspectos básicos da ocorrência de doenças, aqui denominados “medidas de
frequência”. A problemática de interesse do capítulo é a presença de
determinado evento e a possibilidade de repetição desse evento; à medida que
ele ocorre repetidas vezes, pode ser reconhecido um padrão de ocorrência
que, muitas vezes, traz informações importantes sobre a sua prevenção e o seu
controle.
Compreender as medidas de frequência pode ser importante tanto para a
população geral quanto para os profissionais de saúde. Pode-se imaginar uma
situação em que exista uma epidemia de dengue, por exemplo; para saber o
estado evolutivo dessa epidemia, se as atividades de prevenção vêm surtindo
o efeito esperado, se o tratamento existente tem aumentado a sobrevida dos
afetados ou se as políticas adotadas para o controle da doença têm sido
adequadas (Costa; Kale, 2009), é preciso avaliar as medidas de frequência de
doenças e compará-las ao longo do tempo.
Assim como todo o restante da Epidemiologia, as medidas de frequência de
doença são avaliadas a partir de indicadores, que, como regra geral, são
calculados a partir da divisão entre números. As características específicas
dos diferentes tipos de indicadores (razões, proporções, coeficientes e índices)
são aprofundadas no capítulo de mortalidade e outros indicadores; porém,
devido à importância e às características particulares das medidas de
frequência, costuma-se estudá-las em um capítulo à parte, como é o caso
deste livro. As “medidas de frequência”, portanto, são definidas a partir de 2
indicadores que fazem parte da categoria “coeficientes”, que são a prevalência
e incidência (Medronho, 2008).
Importante
De maneira geral, a prevalência expressa o número de casos existentes de
uma doença ou um fenômeno de interesse em um dado momento, ao passo
que a incidência se refere à frequência com que surgem novos casos de
uma doença, num intervalo de tempo.
É fundamental realizar essa discussão de maneira mais ampla, pois ela será
importante para compreender a aplicação dos estudos epidemiológicos e dos
estimadores de risco vastamente utilizados na análise desses estudos.
Antes de iniciar essa discussão, é importante lembrar que, na maioria das
vezes, há interesse em conhecer a frequência de determinadas doenças para
que sejam estruturadas as medidas de controle. Contudo, as moléstias são
apenas um dos desfechos mensuráveis, podendo-se medir a frequência de
fatores de risco ou determinantes, eventos adversos à saúde, ou outros que
não são necessariamente uma doença. Além de medidas como prevalência e
incidência, existem diversas medidas de frequência, como as de mortalidade,
letalidade ou sobrevivência, que, segundo Costa e Kale (2009), podem ser
compreendidas como variações dos conceitos de incidência e prevalência.
2. Incidência
Incidência pode ser definida como a frequência de casos novos de uma
determinada doença ou problema de saúde de uma população com risco de
adoecimento, ao longo de um determinado período (o conceito de tempo está
envolvido). Casos novos, ou incidentes, podem ser compreendidos como
indivíduos que não estavam enfermos no início do período de observação, ou
seja, sob risco de adoecimento, e se tornaram doentes ao longo deste. É
necessário que cada indivíduo seja observado, pelo menos, em 2 ocasiões,
portanto só pode ser obtida em estudos longitudinais, como ensaios clínicos
ou estudos de coorte. A incidência é, então, uma medida dinâmica, pois
expressa mudanças no estado de saúde. Além disso, o conceito de incidência,
em Epidemiologia, é sinônimo do conceito de risco. Assim, o risco de um
indivíduo do sexo masculino, tabagista, com 60 anos de idade, desenvolver
câncer de pulmão é a incidência de câncer de pulmão em uma população de
indivíduos do sexo masculino, tabagistas e com 60 anos de idade.
Incidência é definida, segundo Gordis (2010), como o número de casos novos
de uma doença que ocorreu durante determinado período, em uma população
sob risco de desenvolvimento dessa enfermidade. Além do termo “taxa de
incidência”, que se refere à ocorrência em função do tempo, existem autores
que utilizam o termo “coeficiente de incidência”, uma vez que é uma medida
que expressa a probabilidade de ocorrência da doença. Sendo assim, o
denominador dessa divisão deve trazer todos os indivíduos que estão sob risco
de desenvolver a doença.
Está claro, então, que o numerador dessa fração considera as pessoas
acometidas, ou seja, os novos doentes. Contudo, no denominador do
indicador pode haver 2 tipos de números que dividem o coeficiente de
incidência em 2 tipos: incidência acumulada e densidade de incidência.
A - Incidência acumulada
Importante
Muitos livros de Epidemiologia, na tentativa de simplificar o entendimento
das fórmulas dos indicadores, afirmam que, após a divisão do numerador
pelo denominador, devemos multiplicar essa divisão por um múltiplo de 10
(como 100, 1.000 ou 10.000) para obter o valor do indicador. Por exemplo,
caso haja 2 casos incidentes de coqueluche em uma creche com 100
crianças, a incidência seria 2/100 = 0,02*100 = 2%. Entretanto, esse
conceito é ilusório e matematicamente equivocado, pois não podemos
“inventar” um número para multiplicar. Na verdade, como demonstra a F1,
para facilitar a interpretação do indicador, multiplicamos a divisão por
10n/10n; ou seja, multiplicamos por 1, que não altera a fórmula original,
mas torna o número mais inteligível. Ao longo deste e dos outros livros,
utilizaremos a fórmula correta, porém não se surpreenda caso alguma
questão cobre o conceito simplificado de alguns livros de Epidemiologia.
Figura 1 - Seguimento de uma população de 12 indivíduos para expressar pessoas sob risco de
adoecimento
Dica
Qual é a vantagem da utilização da densidade-incidência em relação à
incidência acumulativa? Vamos supor que você esteja acompanhando 5
pessoas ao longo de 5 anos, para avaliar a incidência de HIV. A pessoa 1 e
a pessoa 2 desenvolveram HIV após o 1º ano de seguimento, e você
conseguiu acompanhar todas elas por todo o período de tempo. Ou seja,
temos um total de 5 pessoas e um total de 17 pessoas-ano (2 pessoas
duraram 1 ano e 3 pessoas duraram 5 anos). Qual é a incidência acumulada
de HIV nessa população? É 2/5. E qual é a densidade de incidência? É
2/17. Agora, vamos supor que você não conseguiu acompanhar todas as
pessoas por 5 anos, e 2 pessoas foram acompanhadas por apenas 2 anos.
Ou seja, permanecemos com 5 pessoas, porém agora temos um total de 11
pessoas-ano (2 duraram 1 ano; 2 duraram 2 anos; 1 durou 5 anos). Qual é a
incidência acumulada de HIV agora? Permanece sendo 2/5. E a densidade
de incidência? É 2/11. Isso significa que, quando há perdas, a incidência
acumulada subestima a real frequência da doença, pois não sabemos se as
pessoas que foram perdidas desenvolveriam a doença futuramente ou não.
Por isso, nesses casos, a densidade de incidência é um indicador melhor.
3. Taxa de ataque
Um tipo de incidência bastante conhecido, que frequentemente aparece em
provas, é a taxa de ataque. A taxa de ataque significa a incidência de doentes
em uma população previamente exposta a um fator de risco comum e pode ser
calculada com a fórmula a seguir.
Dica
A taxa de ataque é uma taxa utilizada para situações mais agudas, para
curtos períodos de tempo, geralmente para eventos mais isolados, como um
surto de intoxicação alimentar.
4. Prevalência
Prevalência é uma medida de frequência que revela quantos indivíduos estão
doentes (ou apresentam o desfecho). Pode ser definida como o número de
pessoas afetadas na população em determinado momento, dividido pelo
número de pessoas na população naquele momento – F3 (Pereira; Paes;
Okano, 2000; Gordis, 2010).
Costa e Kale (2009) explicam também que os casos existentes são de
indivíduos que adoeceram em algum momento do passado mais ou menos
remoto, como os casos “antigos” e os “novos”, que estão vivos quando se
realiza uma observação. Desse modo, os que vierem a falecer no período de
observação não devem ser considerados cômputos da prevalência.
Importante
Em Medicina e Saúde Pública, o termo “prevalência” pode ser empregado
para designar “prevalência pontual” ou “prevalência no período”. Quando
não está especificado, faz-se referência à prevalência pontual, que se refere
à frequência de uma doença ou problema de saúde num instante (ponto) do
tempo. Prevalência por período refere-se a um intervalo de tempo, que
pode ser arbitrariamente selecionado, tal como 1 mês, 1 ano ou um período
de 5 anos.
Algumas pessoas podem desenvolver doença em um período, outras
apresentá-la antes e morrer ou ser curadas durante esse período. O importante
é que cada indivíduo representado pelo numerador teve a doença em algum
momento durante o período especificado.
Para exemplificar, toma-se a representação de uma população hipotética de
São Paulo (Figura 3), na qual se deseja saber qual é a prevalência da doença
em janeiro de 2010. Sabe-se que existem 6 indivíduos doentes (6, 9, 13, 14,
22 e 29) para uma população de 35 indivíduos. A prevalência pontual da
doença no ano de 2010 em São Paulo é de 17%.
Figura 3 - População de 35 indivíduos para estudar a prevalência de doença em São Paulo, em
janeiro de 2010
Importante
A incidência informa sobre a dinâmica de entrada de novos casos,
permitindo estimar o risco de adoecimento de uma população exposta. A
prevalência é uma informação fundamental para a administração e o
planejamento em saúde, uma vez que o número de atendimentos,
medicamentos e pessoas é calculado levando em conta essa medida de
frequência. Porém, a incidência é o elemento que fornece casos novos à
prevalência.
Figura 5 - Situações para verificação da relação entre prevalência e incidência: (A) entrada de casos
novos (incidência); (B) casos existentes (prevalência); (C) saída de casos (morte, cura ou perda de
acompanhamento em uma coorte)
Figura 6 - Casos de dengue segundo classificação final e semana epidemiológica de início dos
sintomas
Fonte: adaptado de Boletim sobre situação da dengue, febre de chikungunya e febre do zika vírus em
Santa Catarina (atualizado em 06/01/2016).
Franco e Passos (2005) explicam também que, no caso das doenças crônicas e
de longa duração, como o diabetes, mesmo com incidência baixa, a
prevalência tende a ser alta, pois os pacientes tendem a sobreviver por muitos
anos, havendo um acúmulo de casos ao longo do tempo, também
demonstrado no cenário 2 da Figura 5. Um bom programa de controle do
diabetes poderá resultar na elevação da prevalência dessa doença, seja por
melhorar o diagnóstico, seja por aumentar a sobrevida, elevando a duração da
doença.
Importante
Afirmar que há 95% de probabilidade de que o intervalo de confiança
inclui a prevalência (ou incidência) real não significa que:
Resumo
Introdução
As medidas de frequência são definidas a partir de 2 conceitos
epidemiológicos fundamentais, denominados “prevalência” e
“incidência”. De maneira geral, a prevalência expressa o número de
casos existentes de uma doença ou um fenômeno de interesse em um
dado momento, ao passo que a incidência se refere à frequência com que
surgem novos casos de uma doença, num intervalo de tempo. É
fundamental realizar essa discussão de maneira mais ampla, pois ela será
importante para compreender a aplicação dos estudos epidemiológicos,
bem como dos estimadores de risco vastamente utilizados na análise
desses estudos.
Incidência
Taxa de ataque
1. Introdução
Neste capítulo, serão abordados alguns indicadores mais utilizados no Brasil
para categorizar a qualidade de saúde de um determinado local.
Na área de Saúde, os “indicadores” são parâmetros utilizados
internacionalmente a fim de avaliar, do ponto de vista sanitário, a higidez de
agregados humanos, bem como fornecer subsídios aos planejamentos de
saúde, permitindo o acompanhamento das flutuações e tendências históricas
do padrão sanitário de diferentes coletividades consideradas à mesma época
ou da mesma coletividade, em diversos períodos de tempo (Medronho, 2009).
Diante das inúmeras dificuldades para mensurar a saúde da população, o que
se faz é quantificar e descrever a ocorrência de determinados agravos à saúde,
doenças ou morte. Nesse caso, olha-se, então, a ausência de saúde, ou, como
habitualmente é dito, a saúde pelo seu lado negativo (Medronho, 2009).
Assim, por exemplo, um local cuja população apresente baixa frequência de
doenças e mortalidade por diversos tipos de causas será taxado de saudável.
Importante
Em sentido amplo, qualquer informação que auxilie um gestor ou
profissional da saúde na tomada de decisão em saúde poderá ser um
indicador de saúde. De forma geral, indicadores são expressos por meio da
divisão entre números.
Dica
Com a preocupação de medir o padrão de vida das coletividades humanas,
a Organização das Nações Unidas recomendou a adoção do termo “nível
de vida”, para expressar as condições atuais de vida de uma população, e o
termo “padrão de vida”, para referir-se às aspirações futuras.
2. Construção de indicadores
A - Aspectos básicos
B - Tipos de indicadores
a) Coeficientes ou taxas
Dica
Os coeficientes ou taxas são comumente utilizados para estimar o risco de
ocorrência de um problema de saúde, como adoecimento ou mesmo a
morte, em relação a determinada população suscetível, por unidade de
tempo. Em um sentido epidemiologicamente rigoroso, o conceito de risco
está atrelado (na verdade, é sinônimo) da incidência de uma determinada
condição. Entretanto, para fins de medicina preventiva e descritiva, o
coeficiente de prevalência, por incluir, no denominador, a população que
estaria sujeita a sofrer o evento, também pode trazer a ideia de risco,
embora não seja o risco em si.
Repare que foi realizado um cálculo muito simples: o número de mortes por
AIDS em 2014 foi dividido pelo tamanho da população do Brasil e de cada
região, respectivamente (o coeficiente está na base 105/105; ou seja, o
produto dessa divisão foi multiplicado por 100.000/100.000 habitantes). Note,
também, que agora existe uma dimensão bem definida para as mortes, pois
estão relacionadas à população geral do país e de cada região. Um bom
exemplo da aplicabilidade desse indicador pode ser visto a seguir (Tabela 2):
os casos de mortalidade por AIDS no Norte do Brasil têm mais
representatividade do que os do Nordeste, apesar de terem ocorrido mais
óbitos nessa última região. O mesmo fato pode ser observado entre o Sul e o
Sudeste do país.
Dica
Em linhas gerais, as proporções representam a “fatia da pizza” do total de
casos ou mortes, indicando a importância desses casos ou mortes no
conjunto total.
No caso da proporção, será utilizado um exemplo bem simples, que trará uma
nova dimensão para aqueles óbitos por AIDS absolutos apresentados junto à
Tabela 1. Será aplicado o indicador que poderá ser denominado de
mortalidade proporcional por AIDS (F2) – lembre-se de que poderia ser por
qualquer outra causa. O procedimento de cálculo é: divisão do número de
óbitos por AIDS para cada região e para o país pelo total de óbitos ocorridos
em cada região e no país no mesmo ano.
Veja que, no ano de 2009, a proporção de óbitos por AIDS no Brasil foi de
cerca de 1%, relativamente mais relevante nas regiões Sul e Norte do país
(Tabela 3). Já no caso da razão causa externa/AIDS, são 11,7 óbitos por
causas externas para 1 de AIDS no país; a região com maior razão foi o
Nordeste, com 19 mortes por causas externas para 1 de AIDS (Tabela 4).
Para chegar a este último procedimento, partiu-se dos números absolutos de
óbitos por AIDS no ano de 2009, que não tinham valor avaliativo ou
comparativo. Foi feita, então, sob uma ótica mais prática, uma relação desses
números com outros de interesse (por meio de coeficientes e índices), fato que
conferiu um caráter avaliativo e possibilitou a comparação entre as diferentes
regiões do Brasil.
De maneira genérica, assim são planejados e montados os indicadores de
saúde. Vale ressaltar que existe uma diferença considerável entre coeficientes
(ou taxas) e proporções.
Importante
Proporções não expressam uma probabilidade (ou risco) como os
coeficientes, pois o que está contido no denominador não está sujeito ao
risco de sofrer o evento descrito no numerador (Laurenti et al., 1987).
Importante
Como o uso de um único indicador não possibilita o conhecimento da
realidade epidemiológica de uma população, a associação de vários deles e,
ainda, a comparação entre diferentes indicadores nos ajuda a compreender
a importância de um processo patológico ou se determinada intervenção foi
positiva.
Importante
Os indicadores expressos por coeficientes mais importantes são estatísticas
de mortalidade e permitem inferir as condições de saúde de uma
população, uma vez que possibilitam identificar grupos mais afetados por
determinados agravos à saúde. Diante dessa informação, é possível
reconhecer os problemas prioritários da população e alocar recursos para
ações e intervenções nesses problemas. Permitem, ainda, avaliar a eficácia
dessas ações e intervenções.
Importante
Para minimizar as distorções em estudos comparativos e evitar
interpretações errôneas, recomenda-se padronizar as taxas. Com o ajuste
das faixas etárias a um padrão estabelecido pela Organização Mundial da
Saúde, fala-se em coeficiente de mortalidade padronizado. Logo, pode-se
afirmar que este, quando disponível, é mais adequado para comparações,
em detrimento do coeficiente de mortalidade geral.
c) Coeficiente de letalidade
Dica
O coeficiente de letalidade, também chamado coeficiente de fatalidade,
mede o poder de determinada doença de levar ou não o indivíduo
acometido ao óbito. Permite avaliar, portanto, a gravidade do processo.
Sabe-se que a raiva humana, por exemplo, é uma doença de taxa de letalidade
superior a 99%, ou seja, morre quase todo indivíduo que apresenta
diagnóstico confirmado de raiva. Porém, trata-se de uma doença rara; logo, há
poucos óbitos, e sua mortalidade, portanto, é baixa. O CL não é estável, ou
seja, apresentará resultados diferentes a depender da população a ser avaliada.
A Tabela 7 traz os CLs para algumas doenças. O coeficiente de acidente por
animais peçonhentos, nesse caso, foi de 0,3%, porém, se não existir
assistência médica adequada e/ou soro para o indivíduo acidentado, até
mesmo os casos menos graves poderão evoluir para morte. Assim, a
letalidade depende de questões como a situação do hospedeiro, a
potencialidade do agente etiológico em levá-lo a óbito e o atendimento à
saúde que o indivíduo receber.
Importante
A divisão da mortalidade infantil em mortalidade neonatal precoce,
neonatal tardia e pós-neonatal é relevante para a identificação dos locais de
atendimento deficitários causadores das mortes. Espera-se que altas taxas
de mortalidade neonatal precoce estejam associadas a uma má qualidade
do pré-natal e do parto; já altas taxas de mortalidade neonatal tardia têm
relação com a qualidade assistencial pediátrica intra e extra-hospitalar; a
mortalidade pós-neonatal, por sua vez, está ligada a alterações
socioeconômicas e ambientais, como saneamento básico e vacinação, por
exemplo.
Importante
A morte materna é considerada “perda evitável”. Elevadas razões desse
indicador refletem o baixo nível de condições da saúde da mulher, e ele é
empregado como “sentinela” para indicar a qualidade dos cuidados
oferecidos à população.
Figura 8 - Evolução da mortalidade materna (100.000 nascidos vivos) e suas principais causas
Fonte: Observatório Brasil da igualdade de gênero.
Dica
O índice de mortalidade infantil proporcional permite avaliar indiretamente
as condições sanitárias da região estudada.
b) Índice de Swaroop-Uemura
Importante
Quanto maior o valor do índice de Swaroop-Uemura, melhores as
condições socioeconômicas e de saúde de uma população. Esse índice é
um bom indicador das condições de vida de uma população.
1º nível: ≥75%;
2º nível: de 50 a 74%;
3º nível: de 25 a 49%;
4º nível: <25%.
Importante
No último relatório Saúde Brasil (Ministério da Saúde, 2015/2016), o
Ministério da Saúde divulgou que o Brasil apresentou um índice de
Swaroop-Uemura de 75,23%, ou seja, 1º nível, no ano de 2015/2016. Os
relatórios prévios não eram claros quanto ao nível em que o Brasil se
situava, porque os dados de 2007 indicavam que o país estava no 2º nível,
mas acreditava-se já estar no primeiro. Portanto, caso alguma questão
pergunte sobre em que nível o país se situa, fique atento se ela está
questionando sobre os anos de 2015/2016 (1º nível) ou se está se baseando
nos relatórios antigos (2º nível).
Para esse indicador, o Brasil, em geral, apresenta uma curva do tipo III (em
forma de U) em transição para o nível IV, o que sugere nível de saúde regular
(elevada proporção de mortes em menores de 1 ano e acima de 50) evoluindo
para elevado (predomínio da mortalidade acima dos 50 anos). Contudo, existe
uma variação interessante entre as macrorregiões: Sudeste e Sul apresentam
uma tendência a J, ao passo que Norte e Nordeste têm uma característica de U
mais acentuada (Figura 10). A última curva de Nelson de Moraes do Brasil,
juntamente com a curva em indígenas, foi divulgada pelo Ministério da Saúde
em 2017, e seu resultado está representado na Figura 11.
Figura 10 - Curva de Nelson de Moraes, no Brasil e em grandes regiões, para o ano de 2007
Importante
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), o
coeficiente de fecundidade poderia ser visto como uma maneira de
expressar o número médio de filhos que uma mulher teria ao final de sua
idade reprodutiva, além de ser um indicador importante no estudo e na
análise da transição demográfica.
O coeficiente de fecundidade também pode ser especificado por idade, sendo
chamado de coeficiente de fecundidade específico. Este é o indicador que
relaciona o número de nascidos vivos referidos a uma determinada idade da
mãe com o número total de mulheres, na mesma idade (F20). A partir do
coeficiente de fecundidade específico, é estimado o coeficiente de
fecundidade total, muito empregado em comparações populacionais, obtido
pela soma dos coeficientes de fecundidade específicos, por idade, com o
objetivo de eliminar a influência da pirâmide etária no indicador (Pereira,
2002).
Importante
Em termos comparativos, a taxa de fecundidade geral fornece uma noção
mais apropriada da geração de filhos na população do que a taxa de
natalidade. Contudo, também tem limitações na comparação de populações
cujas estruturas etárias das mulheres em “período reprodutivo” sejam
diferentes – essa é a razão de seu desuso. Na prática, são muito usados os
coeficientes de fecundidade específicos por idade e, principalmente, o
coeficiente de fecundidade total (Pereira, 2002).
b) Esperança de vida
Importante
Sob uma ótica prática, a expectativa de vida ao nascer indica o número
médio de anos que um indivíduo tem de probabilidade de viver, a partir de
determinada idade considerada, supondo que os coeficientes de
mortalidade permaneçam os mesmos no futuro.
Importante
Os anos potenciais de vida perdidos formam um indicador muito útil na
área de Planejamento em Saúde, pois expressam o efeito das mortes
ocorridas precocemente em relação à duração de vida esperada para uma
determinada população, permitindo comparar a importância relativa que as
diferentes causas de morte têm nessa população. Quanto maior esse índice,
pior a situação de saúde da região ou do país avaliado. No Brasil, a
principal causa de “anos de vida perdidos” na população masculina foram
as causas violentas.
Figura 13 - Número de anos de vida perdidos para homens, segundo grupo de causas no Brasil
(1996-2005)
Fonte: adaptado de IBGE, 2009b.
Resumo
Dinâmica de transmissão e
distribuição de doenças
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
As doenças humanas provenientes da relação entre hospedeiro (pessoa),
agente (bactéria, vírus ou outro agente) e meio ambiente (alimentos ou água
contaminados) resultam de uma interação entre fatores biológicos e
ambientais, com o equilíbrio exato variando conforme as diferentes doenças
(embora algumas sejam de origens amplamente genéticas). Muitos dos
princípios subjacentes que fundamentam a transmissão das doenças são mais
claramente demonstrados utilizando-se doenças transmissíveis como modelo.
Contudo, os conceitos discutidos podem ser extrapolados para doenças não
infecciosas ou mesmo para outros agravos à saúde (Gordis, 2010).
Dica
As doenças são descritas como resultado de uma tríade epidemiológica, ou
seja, um produto de interação de um hospedeiro humano, um agente
infeccioso (ou de outro tipo) e um ambiente que promova a exposição.
Figura 2 - Evolução temporal dos fatores de risco para doenças crônicas nas capitais brasileiras,
segundo dados do Ministério da Saúde: (v. a.) variação anual média, em pontos percentuais
Fonte: Brasil, 2017.
Figura 3 - Determinantes subjacentes da saúde e seu impacto sobre as doenças não crônicas
transmissíveis
Fonte: adaptado de Epidemiologia Básica, 2ª edição.
3. Distribuição temporal
Importante
O estudo da distribuição temporal pode fornecer inúmeras informações
fundamentais para compreensão, previsão, busca etiológica, prevenção de
doenças e avaliação dos impactos de intervenções em saúde (Medronho;
Perez, 2009).
Importante
Embora os estudos de distribuição temporal sejam vastamente discutidos
na área das doenças infecciosas e parasitárias, sobretudo as transmissíveis,
pode-se afirmar que não se trata de uma aplicação exclusiva. A
monitorização e a avaliação de doenças crônicas não transmissíveis, bem
como de outros agravos à saúde (causas externas, como acidentes,
desastres, fatores contribuintes para o aparecimento de doenças), podem
ser uma ótima ferramenta para a vigilância em saúde.
Figura 4 - Evolução do número de casos de poliomielite e da cobertura vacinal entre 1980 e 2014
Fonte: Família SBIm. Vacinas poliomielite.
A análise de um conjunto de observações sequenciais no tempo pode conter
flutuações aleatórias (ao acaso), de modo que é importante tentar detectar,
além das possíveis variações aleatórias, os 4 tipos de evolução principal das
doenças: tendência histórica, variações cíclicas, variações sazonais e
variações irregulares (Medronho; Perez, 2009).
Dica
A análise de tendência de uma doença deve levar em consideração as
possíveis modificações nos critérios diagnósticos, na terminologia da
doença, nas taxas de letalidade etc. Entretanto, muitas vezes, é necessária a
observação de uma doença ao longo de décadas para traçar o perfil
esperado para a conjuntura atual (Medronho; Perez, 2009).
Figura 5 - Mortalidade para os principais locais de câncer em homens e mulheres, de 1980 a 2006
5. Variações cíclicas
Importante
As variações cíclicas são aquelas com ciclos periódicos e regulares. As
mudanças cíclicas no comportamento de doenças são recorrências nas suas
incidências, que podem ser anuais ou ter periodicidade mensal ou semanal.
Na variação cíclica, portanto, um dado padrão é repetido de intervalo a
intervalo (Brasil, 2005). Outros autores consideram como variação cíclica
as flutuações na incidência em períodos maiores do que 1 ano (Medronho;
Perez, 2009).
Na Figura 6, apresentam-se as taxas de incidência e mortalidade de sarampo
no estado do Paraná, entre 1965 e 2004. Repare que, entre 1965 e 1988, a
incidência da doença segue um padrão de flutuação que parece se repetir a
cada 3 anos, ao passo que a mortalidade mostra baixa variação.
Esse processo pode ser explicado pelo nascimento de crianças suscetíveis,
cujo acúmulo vai provocar aumento progressivo no número de casos da
doença. Note que, a partir do ano de 1992, quando foi implementado o Plano
Nacional de Eliminação do Sarampo e o Ministério da Saúde utilizou
estratégias para o controle, entre elas a vacinação de crianças e adolescentes
de 9 meses a 14 anos, por intermédio de campanha de vacinação em massa, a
incidência da doença diminuiu significativamente, pois não havia mais
suscetíveis para contrair o vírus e desenvolver a doença.
6. Variações sazonais
As variações sazonais ocorrem quando a incidência das doenças sempre
aumenta, periodicamente, em algumas épocas ou estações do ano, meses, dias
da semana ou em horas do dia. Por exemplo, a dengue (nas épocas quentes do
ano) e os acidentes de trânsito (horas de muita movimentação urbana –
deslocamento para o trabalho ou para a escola). Com relação às doenças com
variação estacional, deve-se conhecer o nível endêmico: se há aumento
normal em certa época do ano, ele não pode ser confundido com uma
epidemia.
Sabe-se que as doenças infecciosas agudas constituem um exemplo claro
dessas variações. Entretanto, o aparecimento de alguns sintomas de
determinadas doenças crônicas (por exemplo, doença pulmonar obstrutiva
crônica), fenômenos demográficos (nascimentos) e a mortalidade por certas
causas específicas, como acidentes de trabalho, também podem apresentar
variações sazonais (Medronho; Perez, 2009).
Um bom exemplo desse tipo de variação são os acidentes com animais
peçonhentos, sobretudo com ofídicos. A distribuição mensal dos casos (Figura
7) segue padrão encontrado nos demais estados das regiões Sul e Sudeste,
onde é verificada uma sazonalidade marcada pela predominância dos casos
nos meses quentes e chuvosos de setembro a março, confirmando que a
ocorrência do acidente ofídico está, geralmente, relacionada a fatores
climáticos e ao aumento da atividade humana nos trabalhos do campo, nessa
época do ano (Brasil, 2005).
Figura 7 - Número de casos de acidentes ofídicos segundo o mês de ocorrência no estado do Paraná,
Brasil, de 1997 a 2002
Fonte: adaptado de Ministério da Saúde, 2005.
7. Variações irregulares
Importante
Existem procedimentos para reconhecer se a variação de determinada
doença está dentro do esperado (variação cíclica e/ou sazonal). Esse fato
pode ser chamado de endemia, ou seja, a doença tem um padrão de
ocorrência endêmico. Caso exista variação irregular, superando a
frequência esperada, poderia ser caracterizada, então, uma epidemia.
B - Endemia
Dica
As doenças são chamadas de endêmicas quando, em uma área geográfica
ou um grupo populacional, apresentam padrão de ocorrência relativamente
estável, com incidência ou prevalência acima de zero.
C - Epidemia
Importante
Ao descrever uma epidemia, devem ser especificados o período, a região
geográfica e outras particularidades da população em que os casos
ocorreram. O número de casos necessários para definir uma epidemia varia
de acordo com o agente, o tamanho, o tipo e a suscetibilidade da população
exposta e o momento e o local da ocorrência da doença (Beaglehole;
Bonita; Kjellström, 2010).
Figura 8 - Doença endêmica versus doença epidêmica
Fonte: adaptado de Epidemiologia, 4ª edição.
Dica
Graficamente, uma epidemia se expressa como curva anormal em relação à
ocorrência esperada, chamada curva epidêmica.
Sinnecker (1976) discorre sobre alguns elementos dessa curva que merecem
destaque, uma vez que podem auxiliar na classificação do tipo de epidemia e
no seu controle (Figura 13).
Figura 13 - Elementos da curva epidêmica
Importante
Uma endemia caracteriza-se por ser temporalmente ilimitada; a epidemia,
ao contrário, é restrita a um intervalo de tempo marcado por começo e fim
– bem definidos – com retorno das medidas de incidência aos patamares
endêmicos observados antes da ocorrência epidêmica. Esse intervalo de
tempo pode abranger poucas horas ou estender-se a anos ou décadas.
Foi visto, até aqui, que uma epidemia se refere a uma alteração, espacial e
cronologicamente delimitada, do estado de saúde-doença de uma população,
que se caracteriza pelo aumento progressivo, inesperado e descontrolado dos
coeficientes de incidência de determinada doença, ultrapassando o limiar
epidêmico preestabelecido.
Dica
Existem 2 aspectos básicos para a diferenciação das epidemias: o primeiro
diz respeito à velocidade com a qual ocorre o processo epidêmico,
classificando estas em epidemias lentas e explosivas; e o segundo se refere
à fonte ou origem da contaminação e divide-as em fonte comum (pontual
ou persistente) ou fonte progressiva ou propagada (Brasil, 2005).
Resumo
Vigilância em saúde com ênfase
em vigilância epidemiológica
Marília Louvison
Thaís Minett
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
A vigilância em saúde visa à observação e análise permanentes da situação de
saúde da população, articulando-se em um conjunto de ações destinadas a
controlar determinantes, riscos e danos à saúde de populações que vivem em
determinados territórios e garantindo a integralidade da atenção, o que inclui
tanto a abordagem individual quanto coletiva dos problemas de saúde. O
conceito de vigilância em saúde inclui:
Dica
Os componentes concretos da vigilância em saúde são Vigilância
Epidemiológica, Vigilância da Situação de Saúde, Vigilância em Saúde
Ambiental, Vigilância em Saúde do Trabalhador e Vigilância Sanitária.
Importante
Um aspecto fundamental da vigilância em saúde é o cuidado integral com a
saúde das pessoas por meio da “promoção da saúde”, que objetiva
promover a qualidade de vida, criando condições para reduzir a
vulnerabilidade e os riscos à saúde da população, relacionados aos seus
determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho,
habitação, ambiente, educação, lazer, cultura e acesso a bens e serviços
essenciais.
As ações específicas da vigilância em saúde são voltadas para alimentação
saudável, prática corpórea/atividade física, prevenção e controle do
tabagismo, redução da morbimortalidade em decorrência do uso de álcool e
outras drogas, redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito,
prevenção da violência e estímulo à cultura da paz, além da promoção do
desenvolvimento sustentável.
No início de 2003, como parte das medidas de reestruturação do Ministério da
Saúde, foi criada a SVS, após a extinção de 3 secretarias cujas atribuições
foram redistribuídas entre as 5 que as substituíram, o que visava reduzir a
fragmentação das ações e conferir maior organicidade à atuação do referido
órgão. As atribuições das novas estruturas foram regulamentadas pelo Decreto
nº 4.726, de 09.06.2003, que estabeleceu a nova Estrutura Regimental Básica
(Brasil, 2003).
A partir de então, a coordenação das atividades de vigilância epidemiológica e
de controle de doenças, anteriormente sob responsabilidade do CENEPI da
Fundação Nacional de Saúde (Sinete/Funasa), foi transferida para a nova
estrutura, vinculada à administração direta do Ministério da Saúde (Figura 3).
Essa nova estrutura reuniu todas as secretarias responsáveis pelos
componentes básicos da vigilância, permitindo maior flexibilidade e
articulação entre eles (Brasil, 2006).
3. Vigilância Epidemiológica
A - Conceitos e propósitos
Importante
A Vigilância Epidemiológica refere-se a um conjunto de atividades que
proporciona a obtenção de informações fundamentais para o conhecimento
e a detecção ou a prevenção de qualquer mudança que possa ocorrer nos
fatores que determinam e condicionam o processo saúde-doença, em nível
individual ou coletivo, com o objetivo de recomendar e adotar de forma
oportuna as medidas de prevenção e controle dos agravos. Portanto, pode
ser entendida como a obtenção de informação para a ação (Fischmann,
1994; Alvanha et al., 2001).
Dica
As ações de vigilância epidemiológica aplicam-se, em geral, às doenças
transmissíveis, mas podem ser estendidas às doenças não transmissíveis
(anomalias congênitas, desnutrição, doenças crônico-degenerativas etc.) e a
outros agravos (acidentes e violências).
B - Bases históricas
No Brasil, a preocupação do Estado com doenças transmissíveis e seu
controle ocorreu, primeiramente, no início do século XX, com a realização de
campanhas sanitárias que buscavam combater, principalmente, doenças que
comprometiam a atividade econômica, como febre amarela, peste e varíola.
Foi na década de 1950 que a expressão “vigilância epidemiológica” foi
aplicada ao controle de doenças transmissíveis; significava, originalmente,
“observação sistemática e ativa de casos suspeitos ou confirmados de doenças
transmissíveis e de seus contatos”. Em 1963, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) toma partido do assunto, divulgando algumas das principais
ações de vigilância. No Brasil, o desenvolvimento da Vigilância
Epidemiológica como um sistema tem aspectos semelhantes ao entendido
pela OMS (Tabela 2).
A Campanha de Erradicação da Varíola – CEV (1966 a 1973) – é reconhecida
como marco da institucionalização das ações de vigilância no país, tendo
fomentado e apoiado a organização de unidades de Vigilância Epidemiológica
na estrutura das secretarias estaduais de saúde. Tal processo fundamentou a
consolidação de bases técnicas e operacionais que possibilitaram o posterior
desenvolvimento de ações de grande impacto no controle de doenças
evitáveis por imunização. O principal êxito relacionado a esse esforço foi o
controle da poliomielite no Brasil, na década de 1980, que abriu perspectivas
para a erradicação da doença no continente americano, finalmente alcançada
em 1994.
O SUS incorporou o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
(SNVE), definindo a Vigilância Epidemiológica, em seu texto legal (Lei nº
8.080/90), como “um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a
detecção ou a prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e
condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de
recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou
agravos”.
Importante
Cada sistema de vigilância será responsável pelo acompanhamento
contínuo de específicos eventos adversos à saúde, com o objetivo de
estabelecer as bases técnicas e as normas para a elaboração e a
implementação dos respectivos programas de controle.
C - Funções
Importante
A Vigilância Epidemiológica tem como propósito primordial fornecer
orientação técnica permanente para os profissionais de saúde, que têm a
responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de controle de
doenças e agravos, tornando disponíveis, para esse fim, informações
atualizadas sobre a ocorrência dessas doenças e agravos, bem como sobre
os fatores que os condicionam, numa área geográfica ou população
definida.
D - Coleta de dados
Dica
De acordo com o método de coleta de dados, podemos realizar inquéritos,
levantamentos ou investigações epidemiológicas. Inquéritos são realizados
quando dados são sistematicamente coletados (por telefone, questionários,
face a face, serviços postais), porém o método experimental não é usado.
Inquéritos são, por definição, um estudo transversal. Levantamentos são
estudos realizados com base nos dados existentes nos registros dos serviços
de saúde ou de outras instituições. Normalmente não são estudos
amostrais, pois envolvem toda uma população específica. Investigações
são, por sua vez, um processo de pesquisa de campo realizado a partir dos
casos notificados (suspeitos ou confirmados). O objetivo é identificar a
fonte de infecção e o modo de transmissão, os grupos expostos a maior
risco e os fatores de risco, bem como confirmar o diagnóstico e determinar
as principais características epidemiológicas.
a) Fonte de dados
Dica
Para obter os dados, a Secretaria de Vigilância em Saúde lança mão de
alguns meios, como a notificação compulsória, os prontuários médicos,
atestados de óbito, resultados de exames laboratoriais e dados dos bancos
de sangue, investigação de novos casos de uma doença e epidemias,
inquéritos comunitários, notícias veiculadas pela imprensa, sistemas-
sentinela, e faz uma busca ativa das doenças ou agravos da saúde.
b) Tipos de dados
Dica
Os tipos de dados obtidos incluem dados demográficos, ambientais e
socioeconômicos, dados sobre morbidade e mortalidade, e as notificações
de emergências de saúde pública, surtos e epidemias.
E - Processamento dos dados coletados
Definir ações que podem ser realizadas para controlar e/ou eliminar e/ou
erradicar o agravo e/ou reduzir os óbitos por esse agravo e/ou reduzir ou
evitar sequelas por esse agravo etc. Ou seja, a partir da informação, é
elaborada a ação que permitirá o desenvolvimento das funções da Vigilância
Epidemiológica: essencialmente, reduzir as taxas de morbimortalidade pelo
agravo em questão.
Importante
No Brasil, a determinação de quais doenças devem estar presentes na Lista
Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória é
responsabilidade do Ministério da Saúde. Habitualmente, essa lista
contempla as doenças sujeitas ao Regulamento Sanitário Internacional
(RSI) e doenças que são objetos de vigilância da Organização Mundial da
Saúde que apresentam importância epidemiológica no país. Além disso,
podem fazer parte dessa lista doenças de particular importância para a
saúde pública (que necessitam de investigação epidemiológica ou medidas
de controle imediatas).
a) Magnitude
b) Potencial de disseminação
c) Transcendência
d) Vulnerabilidade
e) Compromisso internacional
D - Notificação negativa
Importante
A Vigilância em Doenças Crônicas Não Transmissíveis reúne o conjunto
de ações que possibilitam conhecer a distribuição, a magnitude e a
tendência dessas doenças e de seus fatores de risco na população,
identificando seus condicionantes sociais, econômicos e ambientais, com o
objetivo de subsidiar o planejamento, a execução e a avaliação da
prevenção e do controle delas. A prevenção e o controle dessas doenças e
dos seus fatores de risco são fundamentais para evitar o crescimento
epidêmico delas e suas consequências nefastas para a qualidade de vida e
para o sistema de saúde no país (Brasil, 2005).
Resumo
Transição epidemiológica,
demográfica e nutricional
Alex Jones F. Cassenote
Marina Gemma
Lucas Primo de Carvalho Alves
1. Introdução
Neste capítulo, um panorama da situação brasileira será apresentado em 2
aspectos: epidemiológico (frequência de doenças e mortalidade) e
demográfico (perfil da população – idade, fecundidade, entre outros). Estudar
esse panorama é uma possibilidade de compreender não somente o processo
pelo qual passou o perfil de morbimortalidade nesse último século, mas,
sobretudo, de estar preparado para o constante processo de modificação que
continuará a acompanhar a população de maneira variável.
As transformações sociais e econômicas ocorridas no Brasil durante o século
passado ainda provocam mudanças importantes no perfil de ocorrência das
doenças na população (Brasil, 2011). As mudanças nos níveis de mortalidade
têm efeito sobre o ritmo de crescimento populacional e afetam
significativamente a composição etária, levando a um processo de
envelhecimento que aumenta o peso relativo da população idosa. Isso
favorece a ocorrência das doenças crônicas e degenerativas, como as
neoplasias e as doenças de aparelho circulatório, e modifica a estrutura de
mortalidade, segundo a causa de óbito (Monteiro, 2000).
Importante
O processo de transição demográfica, com queda nas taxas de fecundidade
e natalidade, e o progressivo aumento na proporção de idosos (diminuição
das taxas de mortalidade) favoreceram o aumento das doenças crônico-
degenerativas (doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, doenças
respiratórias). A transição nutricional, com diminuição expressiva da
desnutrição e aumento do número de pessoas com excesso de peso
(sobrepeso e obesidade), e o aumento dos traumas decorrentes das causas
externas – violências, acidentes e envenenamentos – foram os fatores
responsáveis pelo cenário de mudança que vivenciamos na Epidemiologia
Médica (Brasil, 2011).
Na 1ª metade do século XX, as doenças infecciosas transmissíveis eram as
causas mais frequentes de morte. A partir de 1960, as Doenças e Agravos Não
Transmissíveis (DANTs) passaram a assumir esse papel (Brasil, 2011).
Projeções para as próximas décadas apontam para crescimento epidêmico das
DANTs na maioria dos países em desenvolvimento, em particular das doenças
cardiovasculares, neoplasias e diabetes tipo 2. Essas doenças respondem pelas
maiores taxas de morbimortalidade e por cerca de mais de 70% dos gastos
assistenciais com a saúde no Brasil, com tendência crescente. Assim, o
desenvolvimento de estratégias para o controle das DANTs tornou-se uma das
prioridades para o Sistema Único de Saúde (SUS). A vigilância
epidemiológica das DANTs e dos seus fatores de risco é fundamental para a
implementação de políticas públicas voltadas à prevenção e ao controle
(Brasil, 2011).
2. Transição demográfica
Com os avanços da Revolução Industrial e seus desdobramentos
educacionais, científicos e tecnológicos, ficou claro que o desenvolvimento
econômico produz 2 efeitos sobre a população: a) reduz as taxas de
mortalidade, em geral, e a mortalidade infantil, em particular, e possibilita o
aumento da esperança de vida da população; b) depois de certo tempo do
início da queda da mortalidade, as taxas de fecundidade também começam a
cair, provocando a diminuição do tamanho das famílias (Alves; Cavenaghi,
2008).
Esse fenômeno, típico do século XX, foi chamado de “transição
demográfica”. Um ganho inequívoco foi que a expectativa de vida média da
população mundial dobrou em 10 décadas, passando de cerca de 30 anos, em
1900, para mais de 60 anos, em 2000. Nunca, na história, uma melhora das
condições de saúde dessa magnitude havia acontecido. No mesmo período,
um fenômeno social sem precedentes aconteceu com as taxas de fecundidade
do mundo, reduzidas pela metade, passando de menos do que 6 filhos por
mulher, em 1900, para cerca de 2,8 filhos, em 2000 (Alves; Cavenaghi, 2008).
O modelo de transição demográfica mais difundido foi proposto por Warren
Thompson, em 1929. Com relação a este, Vermelho e Monteiro (2009)
explicam que, inicialmente, ocorre a queda de mortalidade, que irá produzir
ganho de vidas humanas em todas as idades, podendo não alterar a estrutura
etária de uma população. O fator decisivo para o envelhecimento de uma
população é a queda da fecundidade, isto é, a diminuição relativa de
contingentes populacionais nas faixas etárias mais jovens e a ampliação da
população nas faixas etárias mais idosas. Assim, são identificados 4 estágios
da transição demográfica (Tabela 1 e Figura 1).
Figura 1 - Etapas da transição demográfica: a linha verde refere-se à taxa de natalidade; a linha
roxa, à taxa de mortalidade e a linha laranja, à população total. O preenchimento azul entre as
linhas verde e roxa resulta no crescimento natural da população
Fonte: Our World in Data.
Importante
No Brasil, a partir do fim da década de 1960, a redução da fecundidade
(que influencia a natalidade), que se iniciou nos grupos populacionais mais
privilegiados e nas regiões mais desenvolvidas, generalizou-se rapidamente
e desencadeou o processo de transição da estrutura etária, que levará,
provavelmente, a uma nova população quase estável, mas dessa vez com
perfil envelhecido e ritmo de crescimento baixíssimo, talvez negativo
(Carvalho; Rodríguez-Wong, 2008). Uma das principais justificativas para
a queda da taxa de fecundidade é a mudança do perfil do público feminino
perante a sociedade, passando do papel predominantemente de mãe/esposa
ao de parte da classe trabalhadora.
Dica
É frequente que as provas de concursos médicos cobrem a tendência dos
principais indicadores demográficos do Brasil. De modo geral, deve-se
ressaltar que a transição demográfica ocorre devido a um aumento da
esperança de vida, do índice de envelhecimento e da população urbana, e
diminuição da taxa de fecundidade, taxa de natalidade e taxas de
mortalidade. Um indicador paradoxal com a transição demográfica do
Brasil, também frequente em provas, é o aumento da gravidez na
adolescência.
Dica
A estrutura etária atual é marcada por grande proporção de mulheres em
idade reprodutiva, o que favorece o crescimento populacional, apesar dos
baixos níveis de fecundidade atualmente prevalentes (Rodríguez-Wong;
Carvalho, 2006). Devido a isso, ainda se deve esperar um crescimento
expressivo da população brasileira nas próximas décadas, em razão dos
efeitos da fecundidade passada sobre a estrutura etária da população (Brito,
2007).
3. Transição epidemiológica
Entendem-se por transição epidemiológica as mudanças ocorridas no tempo,
nos padrões de morte, na morbidade e na invalidez que caracterizam uma
população específica e que, em geral, ocorrem em conjunto com outras
transformações demográficas, sociais e econômicas (Santos-Preciado et al.,
2003; Schramm et al., 2004). Essa transição pode ser dividida em 4 principais
estágios, com um 5º em potencial (Vermelho; Monteiro, 2009), conforme
demonstrado na Tabela 2.
Sob a óptica de um dos modelos de transição epidemiológica corrente, a
chamada “transição clássica das sociedades ocidentais”, durante os últimos
200 a 300 anos, os primeiros 4 estágios ocorreram quase sequencialmente nas
sociedades do Ocidente, com apenas pequenas superposições (Vermelho;
Monteiro, 2009).
Segundo Schramm et al. (2004), o processo pode ser sintetizado em 3
mudanças básicas: substituição das doenças transmissíveis por doenças não
transmissíveis e causas externas; deslocamento da carga de morbimortalidade
dos grupos mais jovens aos grupos mais idosos; transformação de uma
situação em que predomina a mortalidade para outra na qual a morbidade é
dominante.
Importante
A definição da transição epidemiológica deve ser considerada componente
de um conceito mais amplo, chamado transição da saúde, que inclui
elementos das concepções e dos comportamentos sociais, correspondentes
aos aspectos básicos da saúde nas populações humanas.
Importante
Há superposição entre as etapas nas quais predominam as doenças
transmissíveis e crônico-degenerativas. A reintrodução de doenças como
dengue e cólera ou o recrudescimento de outras como a malária, a
hanseníase e as leishmanioses indicam uma natureza não unidirecional
denominada contratransição. O processo não se resolve de maneira clara,
criando uma situação em que a morbimortalidade persiste elevada para
ambos os padrões, caracterizando uma transição prolongada.
4. Transição nutricional
Tanto o Brasil quanto diversos países da América Latina estão
experimentando, nos últimos 20 anos, uma transição nutricional que
acompanha as transições demográfica e epidemiológica. Chama atenção o
marcante aumento na prevalência de obesidade nos diversos subgrupos
populacionais para quase todos os países latino-americanos. Assim, a
obesidade se consolidou como agravo nutricional associado à alta incidência
de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, influenciando sobremaneira o
perfil de morbimortalidade das populações.
Estudos confirmam a magnitude crescente da obesidade em crianças,
adolescentes, adultos e mulheres em idade reprodutiva. Os determinantes são
o estilo de vida sedentário e o consumo de dietas inadequadas. A obesidade
deixou de ser um problema presente apenas nos países desenvolvidos,
passando a afetar cada vez mais os grupos populacionais menos favorecidos;
assim, passa a demandar intervenções e apoio governamental para a
implementação de ações claras para a promoção da saúde física, do controle
do peso e da ingesta de alimentos saudáveis.
Resumo
Introdução
As transformações sociais e econômicas ocorridas no Brasil durante
o século passado ainda provocam mudanças importantes no perfil
de ocorrência das doenças na população. Os estudiosos da
Epidemiologia acreditam que essa mudança esteja intrincada com
outros processos, sendo a modificação do perfil demográfico da
população e a evolução da Medicina diagnóstica e terapêutica os
melhores exemplos.
Transição demográfica
Com os avanços da Revolução Industrial e seus desdobramentos
educacionais, científicos e tecnológicos, foi ficando claro que o
desenvolvimento econômico produz 2 efeitos sobre a população: a)
reduz as taxas de mortalidade, em geral, e a mortalidade infantil em
particular, e possibilita o aumento da esperança de vida da
população; b) depois de certo tempo do início da queda da
mortalidade, as taxas de fecundidade também começam a cair,
provocando a diminuição do tamanho das famílias.
Transição demográfica no Brasil
A transição demográfica, no Brasil, tem sido muito mais acelerada
do que nos países desenvolvidos, sem se diferenciar, entretanto, do
que têm passado outros países latino-americanos e asiáticos. Entre
1940 e 1960, o Brasil experimentou um declínio significativo da
mortalidade, com ênfase para o coeficiente de mortalidade infantil a
partir da década de 1970. Pode-se afirmar que esse fenômeno
ocorreu de maneira desigual nas diferentes grandes regiões do país.
Nos últimos anos, por exemplo, notou-se uma queda brusca nesse
indicador para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, ao passo que
o Norte e o Nordeste ainda mantêm concentrações
significativamente elevadas.
Transição epidemiológica
O processo de transição epidemiológica pode ser sintetizado em 3
mudanças básicas: substituição das doenças transmissíveis por
doenças não transmissíveis e causas externas; deslocamento da
carga de morbimortalidade dos grupos mais jovens aos grupos mais
idosos; transformação de uma situação em que predomina a
mortalidade para outra na qual a morbidade é dominante.
Transição epidemiológica no Brasil
No Brasil, a transição epidemiológica não tem ocorrido de acordo
com o modelo experimentado pela maioria dos países
industrializados, nem mesmo por vizinhos latino-americanos, como
Chile, Cuba e Costa Rica. Há uma superposição entre as etapas nas
quais predominam as doenças transmissíveis e crônico-
degenerativas; a reintrodução de doenças como dengue e cólera ou
o recrudescimento de outras como a malária, a hanseníase e as
leishmanioses indicam uma natureza não unidirecional denominada
contratransição; o processo não se resolve de maneira clara, criando
uma situação em que a morbimortalidade persiste elevada para
ambos os padrões, caracterizando uma transição prolongada; as
situações epidemiológicas de diferentes regiões em um mesmo país
tornam-se contrastantes. Atualmente, o Brasil sofre a chamada
tripla carga de doenças, caracterizada por: (1) agenda não concluída
de infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva; (2) o
desafio das doenças crônicas e de seus fatores de risco, como o
tabagismo, o sobrepeso, a obesidade, a inatividade física, o estresse
e a alimentação inadequada; (3) o forte crescimento das causas
externas.