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APOSTILA

HABILIDADES
SOCIAIS E TEA
ACADEMIA DO AUTISMO

HABILIDADES SOCIAIS E TEA


por Fábio Coelho
HABILIDADES SOCIAIS E TEA

Independente de categorias e diagnósticos, os seres humanos estão em


constante interação com seus pares nos mais variados contextos e, como pontua Caballo
(2012), ao serem socialmente habilidosos, são capazes de promover interações sociais
saudáveis e produtivas. A importância desse assunto é reconhecida pelas ciências
humanas, nos mais variados campos de atuação, como sendo um fator de saúde,
qualidade de vida e satisfação no trabalho. Pensando nisso, a Psicologia, desde meados
do século passado, busca compreender esse repertório de comportamentos que, hoje,
são conhecidos como habilidades sociais.

As habilidades sociais podem ser definidas, segundo Bolsoni-Silva e Carrara


(2010), como um conjunto de comportamentos emitidos diante de uma situação
interpessoal, que maximizem os ganhos e reduzam as perdas para os envolvidos na
interação. Os autores explicam, também, que um repertório habilidoso pode ser
aprendido naturalmente, ou através de treinamentos sistemáticos.

Sobre este tema, Bolsoni-Silva (2002) fez uma extensa revisão teórica e escla-
receu que o treinamento das habilidades sociais (Inglaterra) e o treinamento assertivo
(EUA) tiveram origens independentes e em países diferentes, o que ilustra bem a noção
da Psicologia como uma disciplina multifacetada. Ainda segundo a autora, o movimento
do treinamento de habilidades sociais é anterior ao treinamento assertivo, porém,
devido à maior aproximação dos brasileiros com os trabalhos dos Estados Unidos,
o segundo movimento obteve maior visibilidade e interesse no Brasil.

O movimento das habilidades sociais se iniciou na Inglaterra, com os trabalhos


de Argyle (1967), pesquisando, entre outros assuntos, o absenteísmo no trabalho,
o comportamento religioso, a comunicação não verbal, o contato verbal e a proximi-
dade. O autor, inicialmente, fez uma analogia à interação homem-máquina, esclare-
cendo que, em uma relação entre pessoas, a variabilidade comportamental é maior do
que qualquer outro processo de troca entre o indivíduo e o ambiente. Posteriormente,
Trower (1982) também se dedicou ao tema das habilidades sociais, trazendo o conceito
de competência social para designar as consequências eficazes em uma interação social.

O treinamento assertivo, por outro lado, teve início nos Estados Unidos com
trabalhos especialmente na área clínica. Salter (1949), influenciado pelos estudos sobre
a atitude nervosa de Pavlov, foi o primeiro psicólogo a promover técnicas para aumentar
a expressividade verbal e facial das emoções. O autor definiu estratégias que ele deno-
minou de terapia dos reflexos condicionados.

Posteriormente, Wolpe (1975) passou a utilizar o treinamento assertivo como


técnica de terapia comportamental. O autor ampliou o repertório das habilidades so-
ciais, acrescentando a defesa dos próprios direitos e a expressão de sentimentos
negativos, denominando essas habilidades de comportamento assertivo. O treina-
mento assertivo de Wolpe consistia em um método para tratar ansiedade e facilitar a
expressão adequada de qualquer emoção que não fosse a ansiedade. Lazarus (1977)
criticou a ênfase dada por Wolpe à expressão de sentimentos negativos, argumentando
que muitos sentimentos positivos também poderiam se encontrar bloqueados neuro-
ticamente, necessitando de expressão emocional. Por outro lado, Albert e Emons (1978)
definiram a assertividade como um processo que ocorre quando o emissor expressa
sentimentos e pensamentos de forma adequada ao receptor, usando a entonação,
latência e fluência de fala apropriada ao ambiente no qual se encontra.

Bolsoni-Sliva (2002) registra que, a partir da década de 70, o termo habilidades


sociais, usado inicialmente na Inglaterra, passou a ganhar força nos Estados Unidos e
começou a substituir a denominação comportamento assertivo na maioria das publi-
cações. Além disso, como pontuam Del Prette e Del Prette (2008a), as habilidades sociais
passaram a ser consideradas uma categoria ampla das relações interpessoais, e a asser-
tividade uma subclasse dessas.

Atualmente, Caballo (2012) define o comportamento socialmente habilidoso


como aquele no qual o indivíduo expressa atitudes, opiniões, desejos, respeitando a si
próprio e aos outros, colaborando para a solução imediata dos problemas situacionais e
reduzindo a probabilidade de problemas futuros.

Falcone (2012) concorda, enfatizando a importância das habilidades empáticas e


de sua vinculação às assertivas para que as interações sociais sejam bem-sucedidas. A
empatia é entendida como a capacidade de compreender e de expressar compreensão
acurada sobre a perspectiva e sentimentos de outra pessoa, além de experimentar
compaixão e interesse pelo bem-estar desta.

A funcionalidade das habilidades sociais é amplamente discutida no trabalho de


Bolsoni-Silva e Carrara (2010). Com base na Análise do Comportamento e no behavio-
rismo radical, os autores esclarecem que é necessário analisar essas habilidades funcio-
nalmente na sua relação com as práticas culturais e o contexto no qual o comporta-
mento ocorre, tendo o cuidado para não observar somente a topografia. Desse modo,
um comportamento não pode ser analisado sem levar em consideração o ambiente no
qual foi emitido, pois comportamentos que são reforçados em algumas culturas e sub-
grupos podem ser punidos em outras.

Del Prette e Del Prette (2008a) ampliam o conceito e a taxonomia, esclarecendo


que habilidade social é um termo mais amplo que a assertividade, pois inclui, também,
as habilidades de comunicação, de resolução de problemas interpessoais, de coope-
ração e de desempenhos interpessoais nas atividades profissionais, além de expressão
de sentimentos negativos e defesa dos próprios direitos.

Segundo esses mesmos autores (op. cit.), desempenho social pode ser definido
como: a emissão de um comportamento ou sequência de comportamentos em uma
situação qualquer. Por sua vez, explicam que a competência social tem um sentido
avaliativo que remete aos efeitos do desempenho social nas situações vividas pelo
indivíduo. Além dos conceitos citados, Del Prette e Del Prette esclarecem que: habili-
dade social é a existência de diferentes classes de comportamentos no repertório do
indivíduo, para se desempenhar de maneira competente com as demandas situacionais
e interacionais. Assim, fica distinguido alguns termos que comumente são confundidos.

Desse modo, fica notável a complexidade do tema e a influência de diversas


abordagens, podendo-se verificar uma predominância das tendências behaviorista e
sóciocognitivista. Del Prette e Del Prette (op. cit.) esclarecem que as habilidades sociais
têm sido caracterizadas a partir das dimensões comportamental, pessoal e situacional,
de acordo com a base teórica de cada autor. Os contextos dos estudos também são
amplos; enquanto alguns autores se dedicaram à clínica e às patologias, outros tiveram
excelentes resultados com crianças, pais e universitários, em escolas e no trabalho.

COMPONENTES DAS HABILIDADES SOCIAIS

Caballo (2012) selecionou a literatura entre 1970 e 1986, revisando 90 trabalhos


e formulando uma ampla gama de componentes vocais, não vocais, paralinguísticos e
mistos. O autor teve a preocupação de mostrar, clara e empiricamente, a validade dos
aspectos, avaliando a quantidade e frequência de respostas emitidas pelos indivíduos,
levando em consideração a natureza recíproca das interações. A seguir, serão apresen-
tados os componentes propostos por Caballo.

A. Componentes não vocais: Olhar/contato visual, latência da resposta, sorrisos,


gestos, expressão facial, postura, distância/proximidade, expressão corporal,
assentimentos com a cabeça, automanipulações, orientação, movimento das
pernas, movimentos nervosos das mãos e aparência pessoal.

B. Componentes vocais paralinguísticos: Voz, volume, tono, clareza, velocidade,


timbre, inflexão, tempo da fala, duração das respostas, número de palavras
ditas, distúrbios da fala, pausas/silêncios na conversação, número de frases,
vacilações e fluência da fala.

C. Componentes vocais de conteúdo: Pedidos de nova conduta, conteúdo de


anuência, conteúdo de elogios, perguntas, conteúdo de apreço, autorrevelação,
reforços verbais, conteúdo de recusa, atenção pessoal, humor, verbalizações
positivas, variedade dos temas, conteúdo de acordo, conteúdo de enfrenta-
mento, manifestações empáticas, formalidade, generalidade, clareza, oferta de
alternativas, pedidos para compartilhar atividades, expressões em primeira
pessoa, razões/explicações, iniciar a conversação, retroalimentação, expressar
sentimentos positivos e negativos, negociar, liderar e escutar ativamente.

D. Componentes mistos: Afeto, conduta positiva espontânea, escolha do momento


apropriado, tomar a palavra, ceder a palavra e conversação em geral.

Del Prette e Del Prette (2008a) utilizaram o trabalho de Caballo como ponto de
partida. Destacando a necessidade de mais pesquisas na área, os autores pesquisaram
diversos autores e construíram um quadro de componentes das habilidades sociais.
A seguinte tabela será utilizada como base para este trabalho.

1. Componentes comportamentais 1.2. Verbais de formalidade


1.1. Verbais de conteúdo 1.2.1. Latência e duração
1.1.1. Fazer/responder perguntas 1.2.2. Regulação: bradilalia, taquilalia, volume e
1.1.2. Solicitar mudança de comportamento modulação
1.1.3. Lidar com críticas 1.2.3. Transtornos da fala
1.1.4. Pedir/dar feedback 1.3. Não verbais
1.1.5. Opinar/concordar/discordar 1.3.1. Olhar e contato visual
1.1.6. Elogiar/recompensar/gratificar 1.3.2. Sorriso
1.1.7. Agradecer 1.3.3. Gestos
1.1.8. Fazer pedidos 1.3.4. Expressão facial
1.1.9. Recusar 1.3.5. Postura corporal
1.1.10. Justificar-se 1.3.6. Movimentos com a cabeça
1.1.11. Autorrelevar-se 1.3.7. Contato físico
1.1.12. Usar conteúdo de humor 1.3.8. Distância/proximidade

2. Componentes comportamentais 3. Fisiológicos


2.1. Conhecimentos prévios 3.1. Taxa cardíaca
2.1.1. Sobre a cultura e ambiente 3.2. Respostas
2.1.2. Sobre os papéis sociais 3.3. Respiração
2.1.3 Autoconhecimento 3.4. Respostas galvânicas da pele
2.2. Expectativas e crenças 3.5. Fluxo sanguíneo
2.2.1. Planos, metas e valores pessoais
2.2.2. Autoconhecimento 4. Outros componentes
2.2.3. Autoeficácia x desamparo 4.1. Atratividade física
2.2.4. Estereótipos 4.2. Aparência física
2.3. Estratégias e habilidades de processamento
2.3.1. Leitura do ambiente
2.3.2. Resolução de problemas
2.3.3. Auto-observação
2.3.4. Autoinstrução
2.3.5. Empatia
Segundo o DSM-5, uma das características que compõem o diagnóstico de TEA
(Transtorno do Espectro Autista) consiste nos déficits persistentes na comunicação social
e na interação social. Uma das deficiências que compõem este item do diagnóstico
consiste nos déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos.

DSM-5

Critérios diagnósticos:

• Déficits na comunicação/interação social em diferentes contextos.


• Dificuldade para estabelecer, responder e/ou manter uma conversa.
• Descompasso entre comportamentos não verbais (tom de voz, sorriso) e o con-
texto da conversa.
• Contato visual reduzido ou ausente.

Há diversas razões que podem comprometer as habilidades sociais em pessoas


com Transtorno do Espectro Autista (TEA):

• São habilidades complexas e compostas de muitas habilidades diferentes, cujas


“regras sociais” são vagas e inconstantes.
• Aquilo que é aceito, ou esperado em um ambiente ou grupo, não é aceito ou
esperado em outro.
• Outras dificuldades comportamentais, mando e imitação comprometidos, auto-
estimulação, hiperatividade e defensividade sensorial.

De acordo com a literatura apresentada, dentre os déficits de habilidades sociais


do TEA, podemos citar:

• Dificuldade em compreender estímulos sociais.


• Dificuldade em iniciar e responder a interações.
• Uso inadequado de contato visual.
• Dificuldade de interpretação verbal e não verbal.
• Respostas e sinais sociais e emocionais inadequados.
• Dificuldade em compreender e participar de brincadeiras típicas da idade.
• Dificuldade em identificar conteúdo emocional nas expressões faciais e vocais
das outras pessoas.
• Dificuldade para compartilhar experiências afetivas.
• Dificuldade para apresentar atenção compartilhada, comportamento simbólico,
imitação motora, compreensão de linguagem, compreensão e uso convencional
de gestos.
• Dificuldade para responder às solicitações verbais e desenvolver e manter
amizades com pares de mesma idade.

Na revisão feita por Rao, Beidel e Murray (2008), os autores apontaram para
algumas características em relação às habilidades sociais de indivíduos com autismo de
alto funcionamento e Síndrome de Asperger, de acordo com a fase de desenvolvimento.

• Em idade pré-escolar, essas crianças demonstram falta de algumas habilidades


sociais, o que as distinguem de seus pares com desenvolvimento típico.
• Na escola primária, a maior dificuldade está em iniciar e manter amizades com
colegas da mesma idade.
• No início da adolescência, a falta de habilidades sociais pode resultar em ridicu-
larização e rejeição pelo grupo de pares.
• Na juventude, apresentam dificuldades em compartilhar experiências afetivas
ou compreender as perspectivas do outro, duas habilidades que são vitais para
a reciprocidade social e o desenvolvimento de amizades.
• Em geral, há uma melhora do isolamento social na fase adulta, mas muitos
déficits em habilidades sociais ainda persistem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DEL PRETTE, Z. A. P.; & DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais: terapia e
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DEL PRETTE, Z. A. P.; & DEL PRETTE, A. Inventário de habilidades sociais (IHS-Del-
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2001.

MCKINNON, K.; & KREMPA, J. Social skills solutions: A hands-on manual for teaching
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WOLPE, J. Prática da Terapia Comportamental. São Paulo: Brasiliense, 1973.


FICHA TÉCNICA

Colaborador: Fábio Coelho.


Equipe técnica: Fábio Coelho, Chaloê Comim e Guilherme Baptista.
Revisão e edição: Débora Araujo e Victor Cardoso.
Design e layout: Agência B42 e Academia do Autismo.

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AUTOR. Título do material, subtítulo. Academia do Autismo, São Pedro da Aldeia,


páginas inicial-final, ano de publicação.

Exemplo: COELHO, F. Introdução ao Transtorno do Espectro Autista. Academia do


Autismo, São Pedro da Aldeia, p. 3-4, 2022.

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