Livro - Regularizacao Fundiaria Na Amazônia

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Durbens Martins Nascimento


– ainda por cima acelerada por circunstâncias tão favoráveis – da
Daqui não saio manufactura e da pequena empresa para a grande indústria é também,
Daqui ninguém me tira sobretudo, o tempo da “falta de habitações”. Por um lado, massas de

Organizador
Daqui não saio operários rurais são de repente atraídas para as grandes cidades que se
Daqui ninguém me tira desenvolvem em centros industriais; por outro, o traçado destas cidades
mais antigas já não corresponde às condições da nova grande indústria e
Onde é que eu vou morar? do tráfego correspondente; ruas são alargadas, novas ruas abertas, e faz-
O senhor tem paciência de esperar! se passar o caminho-de-ferro pelo meio delas. No mesmo momento em
Inda mais com quatro filhos que os operários afluem em grande número, as habitações operárias são
Onde é que vou parar? demolidas em massa. Daí a repentina falta de habitações dos operários e
do pequeno comércio e pequenos ofícios dependentes de uma clientela
Sei que o senhor operária. Nas cidades que surgiram desde o começo como centros de
Tem razão de querer indústria esta falta de habitações é por assim dizer desconhecida. Foi o Durbens Martins Nascimento
A casa pra morar caso de Manchester, Leeds, Bradford, Barmen-Elberfeld. Pelo contrário,

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DA UNIÃO NA AMAZÔNIA PARAENSE


Experiências de Pesquisa e Extensão na Superintendência do
Mas onde eu vou ficar? em Londres, Paris, Berlim, Viena, ela tomou uma forma aguda e, na Cientista Social. Nasceu na cidade
maioria dos casos, continua a existir de maneira crónica.” de Turiaçu-Ma. Cursou o Ensino
Fundamental e Médio no município
Nesse mundo ninguém

Patrimônio da União (SPU), Belém-Pa


Friedrich Engels (1820-1895). de Bragança-Pa. Formou-se em Mestre
Pede por esperar
Prefácio à Segunda Edição (Revista) em Planejamento do Desenvolvimento
Mas já dizem por aí (UFPA/NAEA), em 2000. Concluiu
de 1887 da obra “A questão da Habitação”.
Que a vida vai melhorar. o Doutorado em Ciências do
Desenvolvimento Socioambiental
Composição (UFPA/NAEA), em 2005. Foi Diretor
Paquito e Romeu Gentil de Programas e Projetos de Extensão
da UFPA (2009-2012) e Diretor
Adjunto do NAEA entre 2013 e 2014.

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS Atualmente (2014) é Diretor Geral deste


Núcleo da UFPA. Fundou e coordena
o Observatório de Estudos de Defesa
DA UNIÃO NA AMAZÔNIA PARAENSE da Amazônia (OBED) e publicou em
2007, com vários autores, Governança,
Integração e Meio Ambiente na
Amazônia; em 2008, Relações
Internacionais e Defesa na Amazônia;
em 2012, Amazônia e defesa: dos Fortes
às novas conflitualidades. Em parceria
Durbens Martins Nascimento com Jadson Porto, publicou: Interações
Fronteiriças no Platô das Guianas: novas
Organizador construções, novas territorialidades
(2011) e Dinâmicas Periférico-
RETARIA DO Estratégicas da Fronteira da Amazônia
S

PATRIMÔNIO DA UNIÃO
Setentrional: das políticas públicas e
redes institucionais à integração espacial
(2013). Publicou dezenas de papers em
periódicos nacionais e internacionais.
U !"#$%!&'&# (#&#$') &* +'$,
Reitor: Carlos Edilson de Almeida Maneschy
Vice-Reitor: Horácio Schneider
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho

Núcleo de Altos Estudos Amazônicos


Diretor Geral: Durbens Martins Nascimento
Diretor Adjunto: Ana Paula Vidal Bastos
Conselho Editorial do NAEA
Armin Mathis; Durbens Martins Nascimento; Edna Maria Ramos de Castro;
Fábio Carlos da Silva; Luis Eduardo Aragon; Francisco de Assis Costa; Silvio
Lima Figueiredo e Ana Paula Vidal Bastos
&RRUGHQDGRUGH&RPXQLFDomRH'LIXVmR&LHQWtÀFD
Silvio Lima Figueiredo
Durbens Martins Nascimento
Organizador

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS


DA UNIÃO NA AMAZÔNIA PARAENSE

B-./0 1234
NAEA
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&RRUGHQDGRULDGH&RPXQLFDomRH'LIXVmR&LHQWtÀLFDGR1$($
Ana Lucia Prado
Roseany Caxias

Editoração eletrônica
Ione Sena
Capa
RL2
Revisão
Albano Rita Gomes
Rosângela Mourão
Rosiane Caxias

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Regularização fundiáriada em áreas da União na Amazônia Paraense,
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Naea
Rua Augusto Corra, 1
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PEFGHIJKLHM IM EFPNOQHLM
Dilma Rousseff - Presidente

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO


Miriam Belchior - Ministra

SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO


Cassandra Maroni Nunes - Secretária

COORDENAÇÃO DA AMAZÔNIA LEGAL


Fernando Campagnoli - Coordenador-Geral

SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO PARÁ


(SPU/PA)
Lélio Costa da Silva

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COORDENAÇÃO E EXECUÇÃO TÉCNICA


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COORDENADORA DE CAMPO – SPU


Dirce Brito
Márcio Freitas

COORDENADORA ACADÊMICA
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SECRETÁRIA DO PROJETO
Bruna Cristina Castelo Branco Corrêa

ESTAGIÁRIOS E BOLSISTAS
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Sombra, Danielle de Nazaré de Andrade, Denivaldo Pinheiro, Diego Renato
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Paiva, Sidney Barros Miranda, Thais Nayara de Carvalho Costa, Thales Ravena
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In Memoriam
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Daqui ninguém me tira
Daqui não saio
Daqui ninguém me tira

Onde é que eu vou morar?


O senhor tem paciência de esperar!
Inda mais com quatro filhos
Onde é que vou parar?

Sei que o senhor


Tem razão de querer
A casa pra morar
Mas onde eu vou ficar?

Nesse mundo ninguém


Pede por esperar
Mas já dizem por aí
Que a vida vai melhorar

Autoria: Paquito/Romeu Gentil


Interpretação: Vocalista Tropicais
Sumário

stusvwxyzw{|}~ ........................................................................ 15

APRESENTAÇÃO ............................................................................... 19

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E


TERRENOS DE MARINHA E SEUS REFLEXOS
FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM .................................. 21
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA


EM ILHAS DA UNIÃO ..................................................................... 51
Thales Maximiliano Ravena Cañete

O PERFIL DAS COMUNIDADES RURAIS BENEFICIÁ-


RIAS DE TAUS EM ABAETETUBA-PA: UMA ANÁLISE
SOCIOECONÔMICA E ESPACIAL .............................................
Wilson Max Costa Teixeira, Tomás Henrique Costa, Dirce Brito, 103
Glícia Tatiane Medeiros de Melo, José Ronílson Leite Corrêa,
Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira ..................................

CARTOGRAFIA APLICADA À “IDENTIFICAÇÃO


SIMPLIFICADA”: AGILIDADE NO PROCESSO DE
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DA UNIÃO
NA AMAZÔNIA PARAENSE .........................................................
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Davi Gustavo Costa dos 127
Santos, Durbens Martins Nascimento ...................................................
Durbens Martins Nascimento

USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZA-


ÇÃO FUNDIÁRIA - TERRENOS DE MARINHA EM
BELÉM-PA ............................................................................................ 135
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa,
Juciane Martins de Sousa

CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À


REGULARIZAÇÃO FUDIÁRIA NA AMAZÔNIA
PARAENSE: PROCEDIMENTOS TÉCNICOS E
METODOLÓGICOS PARA A CARACTERIZAÇAO E
IDENTIFICAÇÃO DAS TERRAS DA UNIÃO ....................... 159
André Araújo Sombra, Durbens Martins Nascimento, Davi Gustavo
Costa dos Santos

SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO NO


PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO
DE ÁREAS DA UNIÃO EM APOIO A REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE ............................. 181
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Raquel Colares Abreu,
Vanessa Amorim Vasconcelos

DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS


PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS DE MARINHA
EM BELÉM - PARÁ ........................................................................... 195
Mayara Rayssa da Silva Rolim

POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE


REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO EM
CASO DE TAUS .................................................................................. 225
Juliana Mendes Boulhosa Marques, Thales Maximiliano Ravena
Cañete


Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense

O IMPACTO DA MOROSIDADE DOS CARTÓRIOS


NA DESTINAÇÃO DOS IMÓVEIS DA UNIÃO À
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL, ESTADUAL E
MUNICIPAL ......................................................................................... 257
Rafaela Santos Carneiro

PROJETO NOSSA VÁRZEA: PRESERVAÇÃO DO


PATRIMÔNIO NATURAL E SALVAGUARDA DAS
COMUNIDADES TRADICIONAIS ............................................. 269
Antonio Carlos Santos do Nascimento

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Agradecimentos

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decisivo do Engenheiro Lélio Costa, Superintendente da Secretaria do
Patrimônio da União (SPU) no estado do Pará; contei também com a ajuda
do engenheiro Márcio Freitas e do técnico João Maranhão, ambos da equipe
do Superintendente, que foram fundamentais para a efetivação da parceria
entre esta e a Universidade Federal do Pará, por meio do Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos (NAEA), e a Fundação de Amparo e Desenvolvimento
da Pesquisa (FADESP), que expressaram e expressam compromisso com a
questão da regularização fundiária em áreas da União na Amazônia. Estendo
os agradecimentos a todos os servidores da SPU, particularmente seus
diretores, que foram imprescindíveis para o desenvolvimento das atividades
de pesquisa e extensão.
Reconheço o apoio, em todas as fases do projeto, do Magnífico Reitor
da UFPA, Prof. Dr. Carlos de Almeida Maneschy e da Secretária de Gabinete,
Maria Lucia Langbeck Ohana, “Tutuca”; sem os mesmos, absolutamente nada
teria avançado para a materialização deste projeto.
Agradeço à Diretora Administrativa da FADESP, Eliana Alzira Levy
Fernandes, e à técnica Vanessa Cardoso, que cuidou com muita eficiência e
elegância do gerenciamento financeiro.
Homenageio aqui a Coordenadora Geral do Programa Terra Legal,
Patrícia de Menezes Cardoso, por incentivar e apostar na importância deste
projeto, e seu sucessor nesta Coordenação, Fernando Campagnoli.
Para o primeiro formato do projeto, contribuíram Augusto Cleybe,
Márcio, Lucas, Ewerton e Alan Frick, aos quais expresso minha gratidão.
As discussões feitas no NAEA para montar a equipe do projeto revelaram-se
frutíferas para a escolha dos melhores alunos.

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Durbens Martins Nascimento

O desenho institucional final do projeto foi produzido na SPU-PA,


com a participação dos técnicos da SPU/Brasília, aos quais deixo meu
reconhecimento e agradecimento.
Minha dívida com a Bruna Castelo, Secretária do projeto, que garantiu
a eficiência à gestão; e a graciosidade da Rafaela Carneiro que deu o toque
que faltava ao projeto.
Agradeço as coordenadoras acadêmicas e de campo, Aurilene dos Santos
Ferreira e Dirce Brito, respectivamente, pelo desempenho e compromisso
com a execução das ações. Vocês foram imprescindíveis na condução das
equipes de trabalho.
Sem a coordenação das oficinas, decisivas para a elaboração dos papers,
exercida com competência pelo Wando Dias Miranda e pelo Thales Cañete
Ravena, este livro não seria possível. Meus sinceros agradecimentos.
O livro começou a se materializar com os serviços desenvolvidos por
Rosângela Mourão, Albano Rita Gomes e Roseany Caxias.
Meus agradecimentos à Editora do NAEA e a todos os técnicos, alunos
e professores desta instituição.
Um agradecimento especial aos colegas professores André Montenegro
Duarte e Myrian Silvana da Silva Cardoso. Vocês foram importantes pela
experiência adquirida na regularização fundiária em áreas da União, da qual
me beneficiei para gerenciar o projeto que resultou neste livro.

A parceria estratégica entre o projeto sobre regularização fundiária


na Amazônia e o projeto Rede Brasil-Amazônia de Gestão Estratégica em
Defesa, Segurança Pública e Desenvolvimento revelou-se necessária para a
caracterização dos imóveis da União em terrenos de Marinha desenvolvida
pela equipe. A Marinha do Brasil é uma Instituição Permanente e a
solução relativa à regularização de áreas estratégicas sob sua jurisdição é
extremamente importante para o avanço do processo de desenvolvimento

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense

sustentável da Amazônia, na medida em que parte dessas áreas é ocupada por


ribeirinhos, principalmente nas ilhas localizadas na Amazônia paraense.

Agradecemos a CAPES e ao Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa


Científica e Tecnológica em Áreas de Interesse Nacional (Pró-Estratégia),
por garantirem parte do recurso financeiro que propiciou a publicação deste
livro.

Venho manifestar minha alegria por coordenar as atividades de


pesquisa e extensão de 40 bolsistas de diversas universidades do Estado
do Pará. Revelar que o projeto forneceu subsídios para estes estudantes
compreenderem a necessidade do processo de regularização fundiária na
Amazônia; acredito que por meio deste projeto foi despertado neles o estímulo
para a pesquisa e a extensão.

Por fim, gostaria de agradecer a todos que fizeram parte do projeto,


particular menção aos que são autores e co-autores dos papers que compõem
este livro. Sobretudo, gostaria de homenagear as dezenas de famílias que
foram beneficiadas, direta ou indiretamente, com os trabalhos de pesquisa e
extensão executados pelo projeto.

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Apresentação

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a FADESP. As atividades de pesquisa e extensão foram realizadas na SPU, na
cidade de Belém, no período de dezembro de 2012 a janeiro de 2014.
Este trabalho organiza uma experiência pioneira, pois inclui estudantes
de graduação, mestrado e doutorado, técnicos e pesquisadores no interior da
SPU, cuja missão consiste em coordenar e executar as políticas de regularização
fundiária em áreas da União no Brasil, concebidas multidisciplinarmente.
(VWHVHVWXGDQWHVGHJUDGXDomRHSyVJUDGXDomRHGHPDLVSUR¿VVLRQDLV
são oriundos de diversas áreas do saber. Dentre eles, vamos encontrar
sociólogos, engenheiros, geógrafos, cientistas sociais, geólogos, advogados,
assistentes sociais etc. A maioria destes alunos aproveitaram a oportunidade
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FRQFOXVmRGHFXUVRGHJUDGXDomRHSyVJUDGXDomR2VWUDEDOKRVGRVHVWXGDQWHV
UHYHODPPDWXULGDGHFLHQWt¿FDHLPSRUWDQWHJXLDSDUDDLQYHVWLJDomRQDiUHD
da regularização fundiária, assim como ferramenta prática para que outras
equipes possam, por meio das metodologias desenvolvidas, replicá-las em
RXWURVFRQWH[WRVUHVSHLWDQGRDVHVSHFL¿FLGDGHVUHJLRQDLV
Neste projeto-piloto, montou-se uma estrutura organizacional no
LQWHULRUGD638D¿PGHSHUPLWLUDVFRQYHUJrQFLDVHQWUHDVGXDVRUJDQL]Do}HV
a institucional-legal da SPU e a do projeto. A organização de natureza
FLHQWt¿FDHVWHYHVREXPDFRRUGHQDomRGHFDPSRHRXWUDDFDGrPLFDDSHVDUGDV
diferenças no plano legal da organização dos servidores da SPU e do projeto,
as assimetrias institucionais não se constituíram em obstáculos à realização
GR SURMHWR 2V SULPHLURV RX VHMD RV VHUYLGRUHV GD 638 UDSLGDPHQWH
UHFRQKHFHUDPRVLJQL¿FDGRVRFLDOHSROtWLFRGRSURMHWRHDEUDoDUDPDFDXVD

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Durbens Martins Nascimento

da regularização fundiária e a importância da academia em pensar estratégias


H¿FLHQWHV SDUD DERUGDU D FRPSOH[LGDGH GD TXHVWmR IXQGLiULD QD $PD]{QLD
HPiUHDVGD8QLmR2VHVWXGDQWHVSRURXWURODGRDVVXPLUDPDLPSRUWkQFLD
da experiência dos servidores da SPU para a concretização das metas. Ao
¿QDO GRV WUDEDOKRV D DYDOLDomR TXH ¿FD p DR PHVPR WHPSR R VXFHVVR GR
HPSUHHQGLPHQWR DFDGrPLFR H SUR¿VVLRQDO H R DYDQoR GD UHJXODUL]DomR
fundiária.
'R SRQWR GH YLVWD FLHQWt¿FR R SURMHWR UH~QH XP GHEDWH LQWHUHVVDQWH
acerca dos instrumentos e mecanismos disponíveis para avançar no processo
GH UHJXODUL]DomR IXQGLiULD QD $PD]{QLD SDUDHQVH 2V DXWRUHV FRPXQLFDP
WHRULDVTXHVW}HVHSURFHGLPHQWRVSUiWLFRVLQHUHQWHVà concretude do processo
de regularização fundiária 2 SURMHWR SRVVLELOLWRX D HVWH OLYUR IRUQHFHU XPD
oportunidade para gestores de políticas de regularização fundiária, assim
como para pesquisadores, acessarem um suporte de ferramentas práticas e
FRQFHLWXDLVSDUDDSHUIHLoRDUHPVXDVLQWHUYHQo}HVQDH[HFXomRGHVVDVSROtWLFDV
No conjunto dos textos, há uma convergência para compreendê-lo
FRPYLVWDVDVXEVLGLDURVIRUPXODGRUHVGHSROtWLFDVS~EOLFDVGHPRQVWUDQGRD
necessidade da inovação da pesquisa e da extensão para superar o atraso a que
IRLVXEPHWLGDDUHJLmRDPD]{QLFDDRORQJRGHWUrVVpFXORV
3RU¿PRVOHLWRUHVHQFRQWUDUmRPHWRGRORJLDVDSOLFDGDVjFDUDFWHUL]DomR
GHLPyYHLVGD8QLmRQD$PD]{QLDHPTXDWURWLSRORJLDV *OHEDVDUUHFDGDGDV
pelo INCRA em nome da União, com presença de terrenos marginais e de
PDULQKDLQDOLHQiYHLV ,OKDVFRPLQÀXrQFLDGHPDUpHRXÀXYLDLV 7HUUHQRV
GHPDULQKDHVHXVDFUHVFLGRVH 3UySULRVQDFLRQDLV

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E TERRENOS
DE MARINHA E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS
NA CIDADE DE BELÉM1

Rafaella de Fátima Lopes Cabral2

1 INTRODUÇÃO

Com a chegada da Coroa Portuguesa ao Brasil, as terras brasileiras


deixaram de serem “terras sem dono”, já que Portugal as incorporou ao seu
patrimônio, por considerá-las um direito de conquista.
Com isso, para evitar que outros países se apossassem do território
recém descoberto e como uma das formas de ter controle sobre o espaço
territorial, concedeu lotes para que as pessoas pudessem usufruir, continuando
a propriedade com a Coroa Portuguesa, mas para isso beneficiários deveriam
cumprir certos requisitos, caso contrário, perderiam o usufruto da terra.
Destarte, Portugal sempre obteve o controle sobre o espaço territorial
brasileiro, até conceder sesmarias que, após algum tempo, eram confirmadas
passando a propriedade para quem cumprisse todas as obrigações impostas.
Nesse sentido, a Câmara Municipal de Belém foi favorecida com uma
sesmaria demarcada e confirmada em 1708, ocasião em que passou a obter a
propriedade de tal espaço, podendo dele dispor.

1
Agradeço ao meu orientador de Monografia de Conclusão de Curso, professor Maurício
Leal, que compartilha como co-autor este paper.
2
Graduanda do Curso de Direito da UFPA

¶·
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

No entanto, com o objetivo de resguardar todo o Brasil contra possíveis


invasões marítimas, a Coroa Portuguesa, na colonização do país, resolveu
implantar os terrenos de marinha, já existentes em Portugal, em legislações
alusivas à propriedade.
Os terrenos de marinha são áreas localizadas à margem de 33 metros
da linha da preamar média, situados no continente, na costa marítima e nas
margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés.
Assim, feitas essas considerações, iniciam-se os conflitos sobre a
regularização e propriedade de tais terrenos, pois o Município dividiu a
sesmaria em lotes e os vendeu, enquanto que a União no máximo possibilita
a concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão direito real de
uso, garantindo para si a propriedade de tais áreas, além de arrecadar tributos
pela disponibilização desses terrenos.
Observa-se ainda que o embate jurídico a respeito desse assunto é
extenso, embora não haja questionamentos judicializados, o que dificulta
determinar a quem de fato pertencem as terras.
Portanto, a exploração desse tema é oportuna, uma vez que possibilita
perceber as conceituações presentes no mundo jurídico, de forma que as
discussões tragam para a sociedade um questionamento de se o local onde a
sesmaria foi confirmada pode ou não ser objeto de propriedade de particulares
ou se, devido pertencer a União, tais terras jamais podem ser usucapidas.

2 REGULARIZAÇÃO DE TERRAS
2.1 Aspectos históricos da propriedade no Brasil

A Constituição Federal de 1988 considera como um dos direitos


fundamentais a propriedade (CF, art. 5o, caput), contudo nem todos gozam
deste direito, pois ainda é grande a disputa por um pedaço de chão, em
consequência disto há elevado número de pessoas consideradas sem-terra.

¸¸
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E TERRENOS DE MARINHA
E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

Destarte, pela ausência de propriedade diversos conflitos começaram


a surgir, tendo como origem o processo de ocupação de terras, as quais, que
eram originariamente públicas, passaram a pertencer a Portugal por direito
de conquista. Nesse sentido, Almeida (2003, p. 310) explica que “toda a terra,
antes ocupada pelos silvícolas, por direito de ocupação (descobrimento),
passou a pertencer a Coroa portuguesa”.
Com isso, a partir da “descoberta” do território brasileiro, as terras
que até então não possuíam donos, transformaram-se em bens do domínio
privado, privilegiando uma classe social em detrimento de outras, ocasião em
que a maioria foi prejudicada, surgindo assim o conflito pela busca do direito
a propriedade.
O Estado, tentando apaziguar esses conflitos, criou diversos mecanismos
na busca da concessão de terras a todos, através de políticas públicas como
a desapropriação para fins de reforma agrária, o condicionamento da
propriedade ao cumprimento da função social, dentre outros. Nesse sentido:
A questão agrária ganha, hoje, a dimensão de uma tragédia, pois a disputa
pela posse da terra envolve milhões de pessoas em todos os recantos do
Brasil. Apesar de ser um país continental, alguém ainda precisa morrer
para ter um pedaço de chão onde possa viver e plantar. As causas
da situação atual remontam à maneira com a qual, desde os tempos
coloniais, foi tratada a apropriação das terras (TRECCANI,2001,
p. 21).

No entanto, depreende-se que o Estado ainda se omite na concretização


deste direito fundamental, por concentrar muitas terras em sua propriedade
sem lhe dar destinação devida.
Portanto, os conflitos surgiram com o descobrimento do Brasil e
consequentemente com a colonização portuguesa, que se apossou das terras
brasileiras, destinando-as conforme sua vontade. Ademais, a evolução do
direito de propriedade possui muitas controvérsias, já que desde a descoberta
do Brasil diversos títulos outorgando a posse e propriedade foram emanados,
contribuindo para a apropriação indevida.

¹º
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

2.2 As fases da propriedade imóvel no Brasil

Para discorrer acerca do conflito urbano envolvendo terrenos de marinha


e sesmarias, é imprescindível a análise da evolução da natureza jurídica da
propriedade no Brasil, isto porque o seu tratamento no ordenamento jurídico
sofreu grandes transformações ao longo do tempo, repercutindo no processo
de ocupação de terras atualmente.
O Brasil, que inicialmente era ocupado só por indígenas, não tinha
divisão de terras, a qual era tratada como bem comum pertencente a todos.
Contudo, “a partir da conquista, no Brasil, deixam de existir terras sem
dono, todas elas incorporaram-se, de fato e de direito, ao patrimônio da coroa
portuguesa” (ROCHA, 2010, p. 58).
Assim, Portugal visando proteger o Brasil de invasões resolveu
conceder espaços de terras para o cultivo de algumas plantações, dividindo
em capitanias hereditárias, surgindo as sesmarias, regime que vigorou pelo
período de 1500 até 1821.
Pelo sistema sesmarial, a terra era concedida, apenas, aos amigos do
rei (fidalgos arruinados e plebeus enriquecidos); os homens rústicos
e pobres, por sua vez, não tinham outra alternativa senão apoderar-se
fisicamente de qualquer pedaço de terra remota e distante dos núcleos
de povoamento e zonas populosas (MATTOS NETO, 1988, p. 95).

Releva notar que para ter a sesmaria os beneficiários deveriam cumprir


certos requisitos, caso não os observassem, não tinham a sesmaria confirmada,
ocasião em que as posses se tornavam ilegítimas. Além disso, aqueles que não
foram beneficiados pelo instituto da sesmaria se apossavam de terras, sendo
também uma forma de posse ilegítima.
Assim, Dom Pedro Bragança, através da resolução no 76 de 1822,
suspendeu o regime sesmarialista, determinando que a partir de então
vigorasse o sistema de posse (1821-1850), o qual beneficiava quem explorava
a terra, independente de como tivesse adquirido. Destarte, “no Brasil o
sistema de propriedade territorial estava em completa balbúrdia e quase

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E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

que em parte alguma se podia dizer com certeza se o solo era particular ou
público” (SILVA, 2008, p. 146).
Em 1850, foi promulgada a Lei no 650, conhecida como Lei das
Terras, vigorando de 1850 a 1889, a qual disciplinava acerca da aquisição
da propriedade no Brasil, reconhecendo como modalidades a compra,
a revalidação das cartas de sesmaria e a legitimação das posses. Ademais,
passou a tratar a terra como mercadoria, já que a transferência de domínio se
dava pela compra e venda ou a título gratuito quando localizada na faixa de
fronteira. Nesse sentido, o artigo 1o da Lei:
Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que
não seja o de compra.
Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes
estrangeiros em uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser concedidas
gratuitamente.

Por fim, há o atual período republicano (que teve origem em 1889 e


vigora até os dias atuais), caracterizado pela obrigação do cumprimento da
função social da propriedade como requisito constitucional, sendo a finalidade
punir os latifúndios, em beneficio daqueles que não possuem terras, prezando
por uma reforma agrária.

3 SESMARIA
3.1 Origem da sesmaria

Em meados de 1375, Portugal passava por uma crise econômica,


agravada pela peste negra, além disso havia ainda o deslocamento da
população rural para o centro da cidade, já que, com a ausência de artesãos,
o salário foi valorizado, atraindo esses profissionais. Contudo, isso ocasionou
mais prejuízos à situação econômica do país, devido a falta da mão-de-obra
no campo, levando à diminuição da produção agrícola. Ibraim Rocha et al.
explicam:

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Durbens Martins Nascimento

No final da Idade Média a agricultura portuguesa estava em crise,


colocando em risco o abastecimento das cidades. Esta situação tinha
origem no processo de urbanização; os servos da gleba migravam
para nas cidades transformando-se em artesãos. Portugal dominava
os mares “descobrindo” e colonizando novos países na África e Ásia
(ROCHA, 2010, p. 59).

Portanto, “o objetivo primordial, pois, da sesmaria era não permitir


que a terra ficasse inculta”(FALCÃO, 1995, p. 161). Nesse mesmo sentido,
Treccani disciplina:
Percebe-se que, na base do direito sesmarial, existia a determinação
de promover, compulsoriamente, o aproveitamento do solo. Estes
dispositivos legais mostravam a preocupação do rei de frear o êxodo
rural, que tinha sua origem nas várias guerras de conquista, no
processo de urbanização com os servos da gleba se transformando
em artesãos nas cidades, e na ânsia de colonizar os novos países, que
estavam sendo descobertos (TRECCANI, 2001, p. 30).

Destarte, foi promulgada, no reinado de Fernando I (1367-1383), a Lei


das Sesmarias, cujo objetivo era legislar a distribuição das terras destinadas
ao cultivo. Surge então o instituto jurídico português que disciplinava acerca
da transferência da propriedade estatal aos particulares que cumprissem
certos requisitos.
O instrumento legal utilizado para a distribuição das terras foi a Lei
do Sexmo – as Sesmarias. É o núcleo de onde originou o direito agrário
brasileiro. Era um antigo costume em Portugal retirar seus donos das
terras não exploradas para entregá-las a quem se dispunha a lavrá-las e
semeá-las. O costume foi transformado em lei escrita, em 1375 pelo rei
D. Fernando. Segundo a dita Lei, as terras eram concedidas por tempo
determinado e o proprietário estava obrigado a trabalhar nelas, por si
ou por terceiros, pagando à coroa a sexta parte dos frutos, chamada
antigamente de “sexma” (GERMANI, 2005, p. 5).

Logo, não bastava recebê-la, os beneficiados deveriam desempenhar as


obrigações referentes à sesmaria concedida para então continuar na posse
da terra, pois a qualquer momento a Coroa Portuguesa poderia reaver a
propriedade indireta, caso entendesse que as determinações impostas não
estavam sendo observadas.

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E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

Muito embora nas cartas de concessão constasse uma indicação de que


a sesmaria era perpétua e que o sesmeiro podia fazer o que quisesse da
terra, a concessão não era incondicionada e além dos deveres do bom
aproveitamento das terras, ainda havia componentes de formalidade
como o registro da carta, a medição, a demarcação, o pagamento
do foro e a confirmação. Isto se dava porque tanto o instituto das
capitanias hereditárias como o instituto das sesmarias encontraram
muitas dificuldades em se consolidar – a bem da verdade fracassavam
sob diversos aspectos em relação ao que a Coroa pretendia – e muitas
concessões foram revogadas (ALMEIDA, 2008, p. 53 e 54).

Cumpre salientar que, a princípio, nem todos eram beneficiados com


a sesmaria, isto porque só recebiam as terras quem possuísse laços com a
nobreza de Portugal ou os que fossem militares.

3.2 Legislação portuguesa e seus reflexos no Brasil

A Lei de Sesmaria influenciou na atividade camponesa pois ordenava


a “prática da lavoura e o semeio da terra pelos proprietários, arrendatários,
foreiros e outros” (BRASIL, 1983a, p. 355). Nesse sentido:
Esta lei, apresentada como “drástica e violenta” pelos contemporâneos,
determinava que os donos de terras ociosas deveriam lavrá-las,
diretamente ou com seus próprios escravos, ou transferi-las a terceiros,
que as tornassem produtivas em troca do pagamento da sexta parte do
que iria ser produzido. O não cumprimento destas cláusulas implicava
o confisco da propriedade, retornando a mesma ao patrimônio real
(TRECCANI, 2001, p. 30).

Assim, o proprietário da terra era obrigado a lavrá-la ou, caso não


quisesse, poderia transferir para terceiro, o qual ficaria encarregado de
cultivar, tornando as terras produtivas, devendo pagar ao proprietário a sexta
parte do que fosse produzido.
Depreende-se assim que o objetivo da sesmaria era tornar produtivas
as terras, além de povoá-las.
Não obstante, com a descoberta do Brasil, Portugal possuía grandes
áreas não ocupadas, mas que lhe pertenciam pelo direito de conquista, assim,

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

para evitar invasões, resolveu conceder capitanias hereditárias para povoar o


território brasileiro. A doutrina leciona:
Portugal, como o achamento desta imensa terra de Vera Cruz, tinha um
problema imenso a superar: conservar o domínio das terras descobertas,
e, para solucioná-lo outro meio e modo não encontrou senão apelar
para alguns dignitários da Coroa, fazendo-lhes doações das chamadas
Capitanias, cuja denominação corresponderia ao nobilitante título de
Capitão, atribuído, por força dela, ao donatário. Em que consistiam
essas Capitanias? Exatamente a uma extensão territorial com frente
para o mar na abrangência de cinquenta léguas e fundos até onde fosse
o domínio da Colônia, posto a incerteza desses limites [...] (FALCÃO,
1995, p. 37).
A divisão desse território em capitanias foi uma alternativa da Coroa
Portuguesa para garantir o povoamento e a ocupação do território,
para evitar o tráfico do pau-brasil e as invasões de outros povos,
especialmente os franceses e holandeses. Foi também uma estratégia
para ocupar o território sem ter muitos custos para a Coroa, uma vez
que os donatários tinham que tornar as terras produtivas, “desbravá-
las” por conta própria, gerar renda e, ainda, repassar parte das riquezas
à Coroa Portuguesa.
As capitanias hereditárias representaram a primeira forma de
organização e divisão territorial do espaço brasileiro, mas entraram
em decadência em consequência de dois fatores principais: a grande
extensão das terras e a distância de Portugal. Muitos donatários não
conseguiram tornar suas capitanias produtivas, por isso muitas delas
fracassaram ou foram abandonadas.
Instalou-se, posteriormente, o Sistema de Sesmarias, com o propósito
de ocupar efetivamente o território e torná-lo produtivo, ou seja, uma
ocupação rentável e economicamente viável para a Coroa. Esse sistema
estava baseado em uma prática já utilizada em Portugal, que consistia,
basicamente, em conceder terras às pessoas que tivessem condição de
produzir (SILVA, 2011, p. 27).

Assim, além da intenção de proteger o espaço territorial recém-


conquistado, havia ainda a preocupação e a necessidade de torná-lo produtivo
e, com o intuito de promover o cultivo da área, implantou-se o sistema
sesmarial no Brasil.

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Rafaella de Fátima Lopes Cabral

O regime de sesmarias estendeu-se ao Brasil com as capitanias


hereditárias, instituídas por Dom João III, 1534. Seu conceito continuou
o mesmo de Portugal, com algumas adaptações, significando terras
conquistadas, não ocupadas economicamente, doadas pelos capitães
donatários e mais tarde pelos capitães governadores, com posteriores
confirmações, para exploração de particulares, ou seja, território
disponível para exploração de terceiros, com anuência governamental.
Quanto ao substantivo sesmeiro, passou a designar donatário de
sesmaria, diferentemente de Portugal, onde denominava o agente do
poder político, encarregado de repartição de terras por esse regime
(NEVES, 2001, p. 10-11).

Portanto, o direito fundiário no Brasil teve origem nas leis portuguesas,


aplicadas na colonização.
Os doutrinadores são hoje unânimes em reconhecer, que a história do
direito agrário e a estrutura agrária brasileira fincaram suas raízes no
direito português, pois quando começou o processo de colonização não
foi elaborada uma legislação específica para a colônia, mas passaram
a vigorar no Brasil as leis lusitanas, que estabeleciam a maneira de
adquirir, exercer, conservar, alienar e perder as terras. Desde antes da
sua descoberta e colonização pelos lusitanos as terras da futura Terra
de Vera Cruz (como foi denominado o Brasil na Carta de Pero Vaz de
Caminha ao rei) eram consideradas propriedade do rei, por direito de
conquista, em forçados tratados de Alcaçovas (1479) e de Tordesilhas
(1494) (TRECCANI, 2001, p. 27).

O regime sesmarial foi introduzido oficialmente em 06 de outubro de


1531, embora em 1530 Dom João III já tivesse outorgado a Martim Affonso
de Sousa o direito da concessão deste instituto jurídico.
Assim como em Portugal, nem todos possuíam o privilégio de receber
as concessões gratuitas, já que um dos requisitos era a obrigatoriedade de
construção de fortalezas para proteger contra invasões.
A Carta Foral de 06 de outubro de 1531 introduziu oficialmente o
regime sesmarial no Brasil. Destinatários destas concessões gratuitas
eram os homens de muitas posses e família, homens de cabedais, pois
quem recebia era obrigado a construir nelas torres ou fortalezas para
defendê-las, bem como levar gente e navios às suas custas (ROCHA
et al., 2010, p. 59).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Outra característica das sesmarias no Brasil era o cumprimento de


obrigações previstas na carta, tais como a obrigatoriedade de lavrar a terra,
a necessidade de medição e demarcação, registro da carta em livro específico,
pagamento de taxas e, por fim, a confirmação pelo rei. A doutrina ensina:
A concessão das cartas não era incondicionada, pois existiam cláusulas
que, se desrespeitadas, levariam à sua caducidade: Além de conceder, o
rei poderia retomar as terras daqueles que não respeitassem as cláusulas
previstas no instrumento de doação. Este descumprimento era motivo
suficiente para que aquele bem fosse “devolvido” ao patrimônio público.
Nascia, assim, o instituto jurídico agrário essencialmente brasileiro
denominado de terras devolutas.
[...]
Apesar disso, podem-se identificar as seguintes cláusulas como
essenciais para garantir a validade da carta:
a) Aproveitamento: a exigência de “lavrar” a terra pode ser considerada
o pré-requisito essencial para justificar a concessão das cartas de
sesmarias. É nesta perspectiva que Mattos Neto (1998, p. 93) confirma
que se o proprietário não explorasse a terra: “sofreria, como sanção
punitiva, a perda da terra sem direito a qualquer indenização”.
b) Medição e demarcação: o cumprimento desta obrigação era dificultado
pela escassez de técnicos capacitados. Inicialmente, não tinha sido
estabelecida qualquer exigência relativa ao tamanho. Considerando a
imensidão de território e diante do relativamente pequeno número de
moradores, as autoridades não tinham que se preocupar com o tamanho
das áreas e sua localização exata: sempre sobrava terra disponível para
satisfazer os novos pedidos. O tamanho das áreas era diretamente
proporcional à capacidade de aproveitamento por parte de sesmeiro.
c) Uma terceira exigência era o registro da carta em livro próprio.
[...]
d) Pagamento de foro: esta cobrança levava em consideração o critério
de “grandeza ou bondade da terra” e sua distância das cidades.
e) Uma última obrigação imposta aos detentores de cartas de sesmaria
era sua confirmação por parte do rei. A dificuldade que esta exigência
colocava aos colonos mais humildes estimulou parte considerável da
população a não requerer o domínio do solo, contentando-se em deter
a posse (ROCHA et al., 2010, p. 60 e 61).

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E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

Portanto, para ter reconhecida a doação era necessário observar as


exigências impostas. Dito de outro modo, a confirmação da sesmaria dependia
do cumprimento dos requisitos previstos nas cartas.
O título de sesmaria, pois, não era, título de domínio pleno iure, um
título de propriedade plena, irrefragável, posto que só se consolidaria
no domínio do beneficiário após cumpridas as condições que lhe eram
impostas, condições que vinham impressas no documento, ou seja, após
medida a terra e comprovada a sua exploração (cultura ou princípio de
cultura), fosse a medição confirmada por ato do imperador. Atendidas
tais exigências, o título sesmarial transmudava-se, ipso iure, em título
legítimo e pleno de propriedade, destacando-se a terra, legitimamente,
do domínio público (FALCÃO, 1995, p. 40).

Assim, não bastava o beneficiário receber a sesmaria, era preciso, além


dos demais requisitos (medição, cultivo, pagamento de taxas e registro em
livro próprio), a confirmação pelo rei. Essa exigência teve origem com a Carta
Régia de 28 de setembro de 1612 e se tratava de “mais um instrumento de
controle real sobre a colônia que dificultava o acesso à terra aos mais pobres
e de garantia de acesso à propriedade para os privilegiados” (TRECCANI,
2001, p. 40).
A Carta Régia, de 23 de novembro de 1698, ratificou a necessidade da
confirmação da sesmaria. Desta forma, o aumento na burocracia resultou em
elevadas posses, devido à dificuldade no processo de regularização.
Por fim, ressalta-se que o instituto jurídico das sesmarias não obteve a
eficácia pretendida e alcançada em Portugal, isto porque o espaço territorial
era vasto e nem mesmo a Coroa Portuguesa tinha conhecimento da sua área
e de seu solo para o cultivo. A doutrina leciona:
A profunda diferença, pois, entre o território português e o
brasileiro, as formas de cultura diferenciadas, a vastidão inculta e
selvagem daqui aliada à mata densa e desconhecida, não poderia,
de modo algum, permitir que o sistema sesmarial tivesse a
prosperidade que encontrou na terra lusitana. Suspenso o regime
sesmarial em 1822, restaram os títulos sesmariais tão-somente
como marco histórico de um épica de desbravadores (FALCÃO,
1995, p. 162).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Destarte, embora não tenha prosperado no Brasil, este instituto jurídico


produz efeito até os dias atuais, pois diversas sesmarias foram confirmadas,
como o caso da Cidade de Belém, e se tornaram direitos adquiridos.

3.3 A sesmaria de Belém

Em 1616 Francisco Caldeira Castelo Branco fundou Santa Maria de


Belém do Grão Pará, hoje chamada somente por Belém. A sua fundação tinha
como estratégia a sua localização, já que era uma área cercada por rios e
mares, facilitando o acesso de portugueses e, como objetivo primordial, evitar
invasões.
Apesar do reconhecimento papal do direito dos portugueses sobre os
territórios por eles descobertos, a consolidação da conquista exigiu dos
lusitanos o uso das armas contra outros países europeus que tentaram
ocupar a Amazônia.
Diante das dificuldades de garantir o domínio sobre esta região a partir
da capital e entendendo a importância de ter o controle direto sobre o
norte de sua colônia, os portugueses, através do decreto de 13 de junho
de 1621, subordinaram o Pará diretamente a metrópole (TRECCANI,
2001, p. 51).

Como consequência disto, Belém ficou diretamente subordinada à


Coroa Portuguesa, para que esta obtivesse melhor controle sobre a capital.
Ademais, Belém só reconheceu a independência do Brasil em 15 de agosto de
1823 (aproximadamente um ano após a independência do país), devido à sua
ligação com Portugal. Nesse sentido, Almeida esclarece:
A bem da verdade, a fundação de Belém, além de favorecer a conquista
efetiva da região, também teve o objetivo de manter relações próximas
com a Metrópole, porque esta não queria chamar a atenção da Coroa
Espanhola, proprietária original das terras de Belém, por conta do
Tratado de Tordesilhas. Tanto isso é verdade, que ela foi administrada
diretamente por Portugal (ALMEIDA, 2008, p.83).

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Rafaella de Fátima Lopes Cabral

No que concerne à sesmaria, parte da cidade das mangueiras foi


atribuída à Câmara Municipal de Belém pelo Governador do Estado do
Maranhão, Francisco Coelho de Carvalho, que a concedeu em nome do Rei
de Portugal, sendo esta sesmaria denominada de Primeira Légua Patrimonial
de Belém.
Belém apresenta, porém, uma característica histórico-jurídica peculiar:
sua primeira légua patrimonial é propriedade do Município de Belém
desde o começo do século XVII, mais precisamente desde 01 de setembro
de 1627, quando Francisco Coelho de Carvalho, então Governador e
Capitão-Geral do Estado do Maranhão, concedeu a primeira Carta
de Doação de Sesmaria para o antigo Conselho da Câmara da Cidade
de Belém. Este patrimônio foi posteriormente transferido para a
Intendência Municipal, daí para a Prefeitura de Belém e, a partir, de
1970, para a Companhia de Desenvolvimento Municipal – CODEM
(TRECCANI, 2006, p. 342 e 343).

A concessão da sesmaria ocorreu em 1 de setembro de 1627, contudo,


somente em 29 de março de 1628 a Câmara tomou posse da área doada. Já
a demarcação só ocorreu em 20 de agosto de 1703 e sua extensão consistia
do Forte do Presépio até o bairro do Marco, englobando os bairros centrais.
Cumpre salientar que a atribuição de conceder sesmarias foi repassada
aos governadores gerais e posteriormente também aos capitães-mores, já que
inicialmente só competia aos donatários.
Primeira Légua Patrimonial: Trata-se de uma porção de terra de 4.110
hectares que em 01/10/1627, foi doada, e demarcada oficialmente em 1703,
obedecendo o traço de uma légua em arco quadrante das margens do Rio Pará
em direção ao sul e do Guamá em direção ao norte. Essa doação foi efetuada
por meio da carta de sesmaria, pelo então Governador do Maranhão e do
Grão-Pará, Francisco de Carvalho à Câmara Municipal de Belém (MEIRA
FILHO, 1976, p. 451).
O Mapa 1 demonstra o limite da sesmaria e como se deu a ocupação
neste território. Pode-se perceber que a colonização ocorreu, na primeira fase,
ao longo da baía do Guajará e do rio Guamá.
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Durbens Martins Nascimento

Mapa 1: Limite da 1a légua patrimonial

Fonte: Adaptado de Abelém (1989 apud BORGES,2011)

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A Primeira Légua Patrimonial foi confirmada pela Carta Régia, de 30


de abril de 1708, período em que Belém ainda pertencia a Coroa Portuguesa,
que não se manifestou contraria à doação.
Como já mencionado, Belém tinha uma situação peculiar, já que estava
subordinada diretamente à Coroa Portuguesa. Outra característica foi a
concessão da sesmaria, que ao beneficiar a Câmara Municipal com a Primeira
Légua Patrimonial, não retirou da doação os chamados terrenos de marinha.
Dito de outro modo, o governador Francisco Coelho de Carvalho ao
dispor da sesmaria a concedeu incluindo as áreas da marinha, o que não era
comum na época, já que a doação sempre retirava das sesmarias essas áreas.
Nesse sentido, a Carta de Doação:
Francisco Coelho de Carvalho, do Conselho de Sua Magestade,
Familiar do santo Officio nos reinos de Portugal, seu governador e
capitão general no Estado do Maranhão. Faço saber aos que esta carta
de doação e sesmaria virem que, havendo respeito ao que na petição
atrazescripta, dizem os officiaes da Câmara d’esta cidade, e vistas as
causas que alegam hei por bem e serviço de Sua Magestadee pelos
poderes que d’elle tenho dar e doar d’este dia para todo sempre, por
carta de doação e sesmaria, à dita Camara d’esta cidade uma légua de
terra ao redor d’esta cidade, e todas as datas que dentro da dita legua
estiverem dadas e o sejam adeante, e para que fique a dita legua de
terra livre e isenta para o Conselho com todas as suas aguas, lenhas,
madeiras, serventias e pastos que na dita legua de terra houver, da
qual não pagarão pensão, nem tributo algum, salvo dízimo a Deus
Nosso Senhor, dos fructos que d’ella houverem, em esta minha Carta
de doação e sesmaria que mando se cumpra e guarde inteiramente
como n’ella e em meu despacho se contém. E mando aos officiaes a que
pertencer dém a posse e demarquem a dita légua de terra á Câmara
desta Cidade ou a quem seu poder tiver, para que a logrem e possuam
a dita CÂMARA e seus sucessores, e para que d’ella e em ella façam
o que lhe bem aprouver e estiver como coisa sua própria, que de hoje
para sempre he, e esta se registrará nos Livros de Registros d’ella
para que em todo o tempo conste em como está feita esta mercê á dita
Câmara d’esta Cidade. Dada n’esta Cidade de Belém sob meu signal e
sinete de minhas armas, em o primeiro de setembro de mil seiscentos
e vinte e sete annos.

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Durbens Martins Nascimento

Portanto, na carta de sesmaria foram doados à Câmara Municipal


de Belém os terrenos de marinha e a Coroa nada opôs a essa concessão,
conforme se depreende do Decreto de 13 de junho de 1621. Assim, toda a área
da primeira légua patrimonial de Belém (incluídos os terrenos de marinha aí
previstos) pertencem à Companhia de Desenvolvimento e Administração da
Área Metropolitana de Belém (CODEM).
Salienta-se ainda que somente pela Carta Régia, de 04 de outubro de
1678, os terrenos de marinha foram designados para uso comum, ou seja,
posterior a concessão (1o de setembro de 1627) e a posse pela Câmara da área
prevista na sesmaria (29 de março de 1628).
A Primeira Légua Patrimonial compreende um espaço predomi-
nantemente considerado terreno de marinha, isto porque a localização de
Belém teve como característica e finalidade o acesso por mares e rios.
Destarte, para tentar compreender a quem pertence a Primeira Légua
Patrimonial de Belém é indispensável analisar os terrenos de marinha.

4 TERRENOS DE MARINHA
4.1 Origem e conceito dos terrenos de marinha

Os terrenos de marinha tiveram origem no direito lusitano e consistiam


em uma reserva de área próxima ao mar. Para Portugal o interesse dessas
faixas era econômico, isto porque utilizavam o sal, bem como faziam portos
para carga de descarga de navios.
Os autores antigos são concordes na afirmação de que o Rei jamais
se interessou pela terra propriamente dita. O interesse era o sal, a
pesca, e os lucros que destes poderiam advir. A este interesse foram se
acostando, no correr do tempo, os de locais de desembarque, trapiches,
defesas das cidades, e finalmente, o povoamento indispensável a todos
esses programas (SANTOS, 1985, p. 4-5).

ÒÓ
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No Brasil esse sistema foi implantado com a colonização portuguesa


e “foram vistos como áreas estratégicas. Primeiramente, de natureza militar,
depois, econômica e política” (ALMEIDA, 2008, p. 54).
Assim, ainda que tivessem as mesmas finalidades dos de Portugal
(interesse no sal, nos portos e na pesca), os terrenos de marinha no Brasil
tiveram como preceito primordial a proteção contra invasões, daí a necessidade
de permanecer a titularidade da área com o Estado.
Depreende-se da leitura da legislação que vigorou no início da efetiva
ocupação do nosso território, que a finalidade das marinhas estava
centrada em quatro aspectos de sua ocupação. De fato eram necessárias
para os serviços de embarque e desembarque de coisas públicas ou
particulares, para a defesa da cidade e para obtenção de renda, além de
algumas vezes se prestarem para a extração de sal [...]. A importância
dos terrenos de marinha sempre esteve ligada à defesa do território,
e isso é até intuitivo. Sendo os terrenos de marinha faixas de terras
fronteiriças ao mar, era de interesse preservá-la para a construção de
obras ou implantação de serviços necessários à defesa do território,
ou, quando não, destiná-las aos serviços do Reino (GASPARINI, 2000,
p. 698-699).

Embora o nome do instituto conduza ao entendimento de que se trata


de terras pertencentes à Marinha, órgão da União, na verdade este nome foi
dado considerando o seu escopo, qual seja, de ser uma terra próxima ao mar.
Nesse sentido, o conceito deste instituto jurídico, descrito no art. 2o do
Decreto-Lei no 9.760/46, dispõe a localização, vejamos:
São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três)
metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da
linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios
e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a
influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés
é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo
menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

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Portanto, são áreas com 33 metros de profundidades estabelecidas “na


costa marítima e nas margens dos rios e lagos que sofrem a influência das
marés” (ROCHA et al., 2010, p. 136) e como previsto em Lei, a medição deve
levar em consideração o preamar-médio de 1831.
Cumpre ressaltar que terrenos de marinha não devem ser confundidos
com os acrescidos de marinha. Aqueles correspondem aos 33 metros
horizontais de acordo com a linha do preamar-médio de 1831. Já estes são
as áreas formadas naturalmente ou artificialmente para o lado do mar, dos
rios ou lagoas, em relação aos terrenos de marinha, conforme corrobora o
art. 3 do Decreto-lei no9.760/46, ou seja, “os terrenos acrescidos de marinha
ocorrem quando há processo de aumento, em direção contrária à da terra”
(ROCHA et al., 2010, p. 136).
Analisando a finalidade precípua da área, os terrenos de marinha foram
considerados como bem de uso comum, pertencente à propriedade do Estado.
Desta forma, são terras públicas, insuscetíveis de serem usucapidas.
Os terrenos de marinha são bens públicos de propriedade da União (art.
1° do decreto-lei n. 9.760). Esta é a legislação vigorante e tradicional
no direito brasileiro desde os tempos coloniais. Com efeito, as cartas
de data e concessões de sesmaria - ponto de origem da propriedade
privada no Brasil, pois as terras eram de propriedade pública por
direito de conquista - não incluíram a porção de terra correspondente
a 15 braças craveiras contadas do mar para o interior, nem os terrenos
ribeirinhos, também chamados reservados, numa extensão de 7 braças
craveiras (MELO, 2008, p. 22).

A Constituição Federal de 1988 dispõe que os terrenos de marinha,


assim como seus acrescidos, são bens da União (art. 20, VII, CF). Com
isso, esta pessoa jurídica de direito público interno criou um órgão para
administrar, outorgar a utilização e fiscalizar seus imóveis, denominando-o
de Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
No que concerne a doações de áreas que compreendem os terrenos de
marinha, convém ressaltar que a Carta Régia, de 04 de outubro de 1678, não
proibiu a concessão, mas determinou que estes não poderiam ser doados pelas
câmaras municipais, mas somente pelo Soberano.

Ö×
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E TERRENOS DE MARINHA
E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

Portanto, não havia impedimentos materiais para a transferência


destas áreas, somente requisitos formais deveriam ser observados, tais como
a obrigatoriedade da concessão ser outorgada pelo Soberano.
Ademais, foi somente com a Carta Régia, de 13 de março de 1797, que
houve proibição da transferência dos terrenos adjacentes as costas marítimas
e as margens dos rios que banhavam estas faixas.
Antes, porém, já havia determinações como o Ato, de 10 de janeiro
de 1732, que proibia a apropriação das praias e mares por pessoas, já que se
tratava de bem comum a todos e como a Provisão, de 11 de março de 1754,
declarando de utilidade pública parte dessas áreas.
Destarte, a proibição de transferência a particulares dessas áreas só
ocorreu mais tarde, pois houve, na legislação da época, autorização para a
concessão.

4.2 Terrenos de marinha em Belém

Como dito anteriormente, a escolha da instalação da cidade de Belém


foi estratégica, por ser considerada, na época, bastante acessível, já que está
cercada por rios e mares.
Desta forma, preocupada com as invasões, devido ao fácil acesso, a Coroa
Portuguesa ficou responsável pelo espaço, tratando-o de forma diferenciada,
como é o caso da subordinação direta.
Releva notar que Belém se desenvolveu ao redor do Forte do Presépio
(conhecido atualmente como Forte do Castelo), construído para repelir
invasões, com isso grande parte da população reside no que seriam terrenos
de marinha, de acordo com a legislação em vigor. Nesse sentido:
Belém foi fundada em 1616, no vértice de um estuário que sofre
influências do rio e oceano. A implantação de um forte neste vértice,
chamado de Presépio (hoje Forte do Castelo), ponto mais alto da
cidade com vista para a Baía de Guajará, demonstrava o objetivo da
sua implantação, que desde a gênese coincidiria com as finalidades
primeiras dos terrenos de marinha: proteger e defender – política e
militarmente – a entrada da Amazônia contra invasões estrangeiras
(ALMEIDA, 2008, p. 83).

ØÙ
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Assim, o processo de urbanização da cidade se desenvolveu nas


demarcações dos terrenos de marinha, característica comum nas cidades
litorâneas e da origem histórica, já que facilitava o acesso a esses locais.
Em Belém, o crescimento ocorreu às margens do rio Guamá e da baía
do Guajará. No entanto, conforme o conceito legal, trata-se de terreno de
marinha, contudo, a primeira légua patrimonial doada à Câmara Municipal
abrange esta mesma área, conforme se depreende da Figura 1.
Figura 1: Cidade de Belém

Fonte: SPU/PA.

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E TERRENOS DE MARINHA
E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

De acordo com Borges (2011, p. 3), o mapa acima representa o conflito


existente entre os dois órgãos, um municipal (CODEM) e outro federal
(SPU), acerca de quem seria a competência e titularidade sobre tais terras.
Pelo Município, a CODEM esclarece que pertence à União apenas
dos traços amarelos até o azul, que caracteriza os rios, ou seja, somente dos
acrescidos de marinha.
Já a SPU se intitula responsável por todo o traçado preto até os rios,
o que corresponde aos terrenos de marinha e 45,87% da área concedida em
sesmaria à Câmara Municipal de Belém. Nesse sentido, Morão apud Borges
(2011, p. 17) explica:
Estudos realizados pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU),
em 2006 estimam–se que Belém tenha quase metade de suas terras
da 1ª Légua Patrimonial caracterizados como terreno de marinha,
ou acrescido de marinha, estes representam grande porção das áreas
urbanas de Belém, o que representa 45,87% da área total da 1ª Légua
patrimonial. A partir desses dados pode-se inferir que a forma do
processo de ocupação e doação de terras na cidade de Belém, refletiram
e influenciaram significativamente para os conflitos que no passado,
entre 60 á 80 se estabeleciam entre os detentores de terras urbanas
e ocupantes, como também refletem para os atuais conflitos entre as
esferas governamentais (união e município).

Destarte, conclui-se que ambos órgãos se intitulam responsáveis pelo


território da Primeira Légua Patrimonial de Belém, sendo que o Município
afirma a toda a área correspondente a sesmaria lhe pertence, enquanto que
a União afirma que os terrenos de marinha não podem ser do Município,
embora estivessem constando da primeira légua patrimonial concedida.

5 CONFLITOS URBANOS EM BELÉM


5.1 Competência para regularizar a área

Ultrapassada a fase histórica e o conceito dos institutos, resta-nos


tentar entender se na concessão da sesmaria foram abrangidos ou não os
terrenos de marinha.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

De acordo com a Companhia de Desenvolvimento e Administração


da Área Metropolitana de Belém (CODEM), na concessão da primeira légua
patrimonial a carta incluiu na doação toda a área de terreno de marinha, com
isso, não caberia a União a titularidade.
Em contrapartida, a Secretaria do Patrimônio da União afirma que
o Município não foi beneficiado com os terrenos de marinha, pela carta de
sesmaria, por não obedecer as determinações impostas no ato de concessão
e por a Constituição Federal de 1988 prever tais áreas como bem da União.
A necessidade de descobrir a quem pertence essas terras tem como
objetivo imputar a responsabilidade pela regularização e saneamento do local,
bem como permitir que as famílias tenham acesso a documentos referente as
suas propriedade.
Caso tais terras pertençam ao Município, os indivíduos que tiverem
residência neste local poderão ser considerados proprietários, pois lhes foi
passada a transferência das áreas. Além disso, não terão que pagar para a
União taxas referentes à ocupação do terreno.
A taxa de ocupação está prevista nos artigos 127 a 132 do Decreto-
Lei 9.760/46 e prevê a obrigatoriedade de pagamento anual. Caso não seja
realizado tal pagamento, o ocupante perderá o direito de continuar no imóvel.
No que concerne ao Pará, a Justiça Federal, na Ação Civil Pública,
nº 2004.39.00.005184-2, impetrada pelo Ministério Público Federal decidiu
pela não cobrança da taxa, da União, nos terrenos de marinha. Eis o trecho
da sentença:
A decisão de fls. 927/931 determina que a União se abstenha de exigir,
administrativamente ou judicialmente, dívida que tenha por causa a
taxa de ocupação de imóveis situados na primeira légua patrimonial
de Belém. Deste modo, acrescento à referida decisão a abstenção de
cobrança da taxa de ocupação, do aforamento e do laudêmio referente
aos imóveis situados na primeira légua patrimonial de Belém [...].

Cumpre salientar que a natureza jurídica dessa cobrança não é de tributo


e a União não possui obrigações de contraprestação pelo seu pagamento.

Þß
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E TERRENOS DE MARINHA
E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

Trata-se, portanto, de arrecadação pelo uso do espaço pertencente a


um ente federado. Desta forma, é uma receita patrimonial originária, que não
se submete ao direito tributário e nem garante a propriedade pelo possuidor,
conforme determinação legal:
Art. 131. A inscrição e o pagamento da taxa de ocupação, não importam,
em absoluto, no reconhecimento, pela União, de qualquer direito de
propriedade do ocupante sôbre o terreno ou ao seu aforamento, salvo
no caso previsto no item 4 do artigo 105.

No entanto, se pertencerem à União, a prefeitura não poderá cobrar


IPTU, já que há imunidade recíproca, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea
a, da Constituição Federal de 1988, e os residentes dessa área são considerados
meros possuidores, pois a posse prevista no Código Tributário Nacional como
tributável é a de pessoa que já é ou pode ser proprietária da coisa (BARRETO,
2006, p. 896).
A sujeição passiva abrange aquele que detém qualquer direito de gozo,
relativamente ao bem imóvel, seja pleno ou limitado. Os titulares
desses direitos, como sujeitos passivos do IPTU, são [...] possuidor (ad
usucapionem) - somente a posse com animus domini, isto é, aquela com
a possibilidade de aquisição do domínio ou propriedade pelo usucapião
(SABBAG, 2005, p. 311).

No mesmo sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no RE


nº 451.152-5:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEIS QUE COMPÕEM
O ACERVO PATRIMONIAL DO PORTO DE SANTOS,
INTEGRANTES DO DOMÍNIO DA UNIÃO. Impossibilidade de
tributação pela Municipalidade, independentemente de encontrarem-
se tais bens ocupados pela empresa delegatária dos serviços portuários, em
face da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal.
Dispositivo, todavia, restrito aos impostos, não se estendendo às taxas.
Recurso parcialmente provido.

Portanto, o conflito acerca de quem é o responsável pela área


disputada envolve questões financeiras e patrimoniais para ambas as esferas
governamentais.

àá
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

O Município sustenta que a Câmara Municipal, ao receber a doação


da primeira légua patrimonial, obedeceu aos requisitos impostos, bem como
havia expressamente a inclusão dos terrenos de marinha.
Portanto, não subsiste razão à União de que os terrenos de marinha
não foram inclusos pela concessão da Coroa Portuguesa e embora tenha sido
o Governador do Maranhão o responsável pela doação da primeira légua
patrimonial, a Coroa Portuguesa posteriormente ratificou a concessão e em
nada exclui, da doação, os terrenos de marinha.
Outras ordens régias e administrativas anteriores a essa também
sinalizavam que as marinhas estavam fora das concessões de sesmaria,
o que firmava o entendimento de que era da Coroa – hoje representada
pela União – e não dos estados ou municípios o poder sobre as mesmas.
Apesar disso, os terrenos de marinha foram sendo passados a
particulares ao longo do tempo (ALMEIDA, 2008, p. 56).

Salienta-se ainda que na época não haviam legislações que abordassem


acerca da doação de tais áreas, o que ocorreu apenas com a Carta Régia, de 04
de outubro de 1678, a qual dispunha que os terrenos de marinha eram regalia
real (TRECCANI, 2001, p. 34).
Ademais, a Carta, de 12 de novembro de 1698, esclareceu que poderia
haver a doação dos terrenos de marinha, desde que concedidos pelo Soberano.
Logo, não havia ainda expressamente normas que impedissem a concessão.
Já em 10 de janeiro de 1732, através de um Ato, houve previsão
expressa proibindo a apropriação de praias e mares, por serem comuns a
todos. Após esta data diversos instrumentos normativos surgiram com o
intuito de impedir a doação dos terrenos de marinha.
Releva notar que, embora esses dispositivos proibissem a concessão das
áreas em discussão, eles não poderiam atingir a doações feitas e confirmadas
pela Coroa Portuguesa, como é o caso da primeira légua patrimonial.
Ressalta-se que não há unanimidade acerca da confirmação da carta
sesmarial, a doutrina explica:

ââ
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E TERRENOS DE MARINHA
E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

A princípio, considerando a data, o registro foi feito a destempo do


estipulado no Regimento dos Provedores, consoante afirma Treccani.
Este deveria ter sido feito um ano após a concessão.
[...]
Mesmo assim, tendo a Carta de Sesmaria de Belém sido confirmada
em 1708 e registrada em 1746, esta sesmaria estava sob a vigência –
segundo informações de Treccani – das Cartas Régias de 04 de outubro
de 1678 e de 12 de novembro de 1698.
A primeira determinava que os terrenos de marinha fossem reservados
ao uso comum, pois eram “regalia real” e a segunda dizia que os
terrenos de marinha poderiam ser concedidos apenas pelo soberano e
não pelas Câmaras Municipais.
Assim, a sesmaria concedida à Câmara Municipal de Belém estava
gravada, por determinação régia, com a exclusão dos terrenos de
marinha (ALMEIDA, 2008, p. 84-85).

No entanto, a Carta Régia, de 30 de abril de 1708, confirmou a


doação e em nada mencionou a exclusão dos terrenos de marinha doados
inicialmente e, nesta época, já estava em vigor a Carta, de 12 de novembro
de 1698. Além disso, com a concessão, as terras deixavam de ser públicas
e passavam automaticamente ao domínio privado, não podendo as doações
serem posteriormente revogadas, salvo se o beneficiário não cumprisse os
requisitos estabelecidos.
Sendo as terras originalmente do Reino de Portugal, por “direito de
conquista”, ou seja, públicas, as leis lusitanas é que estabeleceram o
modo de aquisição, conservação, alienação e perda de tais terras. Isto
fez com que o direito de propriedade no Brasil, tivesse sua origem
do desmembramento do patrimônio público que, conforme critérios
imperiais, passava a ser considerado particulares (ALMEIDA, 2008,
p. 54).

Destarte, com a confirmação pela Coroa Portuguesa da primeira


légua patrimonial de Belém à Câmara Municipal, eliminaram-se quaisquer
entendimentos contrários à inclusão dos terrenos de marinha. Tornou-se,
assim, direito adquirido pelo Município.

ãä
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Ademais, o Estado, ao conceder as sesmarias, tinha como objetivo


transferir a titularidade das terras aos particulares. Logo, a intenção visava
na mudança do domínio, permitindo à população o acesso à propriedade.
Vale destacar, ainda que, em nenhum momento, ontem como hoje, o
Estado desejou que tais terras se eternizassem nos seus domínios.
Prova disso são as próprias cartas de sesmaria, passadas aos donatários
e, posteriormente, “a quaisquer pessoas” que quisessem cultivar essas
terras (FALCÃO, 1995, p. 37).

Cumpre mencionar que os terrenos de marinha situados na primeira


légua patrimonial de Belém não podem ser considerados como bens públicos
dominicais, pois em seu favor há um título legítimo outorgando a propriedade
da área à Câmara Municipal. A doutrina explica:
Cumpre dizer que sob quaisquer circunstâncias o caso da cidade de
Belém fica em aberto, eis que o teor do art. 11 do Código de Águas (de
1934), já mencionado, não poderia ser considerada como terra “pública
dominial” eis que milita em seu favor um “título legitimo” que é a Carta
de Sesmaria expedida pelo Rei de Portugal, em 1627. A inteligência
do artigo é clara: os terrenos de marinha são públicos dominicais, se
não estiverem destinados ao uso comum, ou por algum título legítimo
não pertencerem ao domínio particular. E no caso presente mais que
destinada ao uso comum, ou seja, da comunidade, a área da cidade
pertence ao povo de Belém, desde 1627, ou seja, repita-se, 204 anos
antes da legislação de 1831, que originalmente conceituou os terrenos
de marinha (ÉLERES, 2003, p.36).

Embora os constitucionalistas aleguem que a Constituição Federal de


1988 considere os terrenos de marinha como bens da União, esta mesma
Constituição dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada” (CF, art. 5º, inc. XXXVI), bem como
considera direito fundamental a propriedade (CF, art. 5º, caput), que deve ser
garantido a brasileiros e estrangeiros.
Portanto, por se tratar de um título legítimo e confirmado, a sesmaria
correspondente à Primeira Légua Patrimonial de Belém deve pertencer,
na sua integralidade, ou seja, incluindo os terrenos de marinha de sua área
correspondente, ao município de Belém, sob a responsabilidade da CODEM.

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E TERRENOS DE MARINHA
E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

Salienta-se que como ainda é bastante controversa a questão de quem


pertence os terrenos de marinha previstos na primeira légua patrimonial,
todas as ações devem ser impetradas perante a Justiça Federal, por envolver
interesse da União.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, depreende-se que a formação de Belém está
relacionada com a colonização do Brasil por Portugal, haja vista a conquista
do território por este país e a aplicação dos institutos previstos nas legislações
portuguesas.
Releva notar que a localização da cidade favoreceu a sua ocupação, bem
como possibilitou que o crescimento ocorresse principalmente onde estão
localizados os terrenos de marinha, que também correspondem à primeira
légua patrimonial de Belém concedida em sesmaria.
Destarte, Portugal preocupado com a situação frágil da cidade, por ser
bastante acessível, já que está localizada às margens de rios, baías e mares,
ficou responsável diretamente por este espaço, para que obtivesse melhor
controle sobre a capital, visando repelir qualquer tipo de invasão.
Cumpre salientar que, a princípio, vigoraram no Brasil as legislações
portuguesas, estas responsáveis pelo processo de ocupação e apropriação dos
terrenos concedidos pela primeira légua patrimonial.
Assim, nesta época não havia nenhum impedimento acerca de doações
de terrenos de marinha, o que só veio ocorrer anos mais tarde. Desta forma,
não pode legislação posterior atingir o direito adquirido do Município de ser
o detentor de tais áreas.
Ademais, a finalidade dos terrenos de marinha era, de regra, evitar
invasões e isso não é mais tão preocupante atualmente, já que as invasões não
ocorrem mais somente pelo mar.
Não bastasse isso, a cidade de Belém tem ainda grande extensão dos
acrescidos de marinha, estes sim pertencentes à União, que são suficientes

çè
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

para a defesa do território. Ademais, para o benefício da sociedade, por lhes


garantir a propriedade das áreas em conflito, a doação deve ser considerada
como ato jurídico perfeito.
A intenção da União, de ter como seus estes terrenos, é arrecadar
valores através de taxas de ocupação. Tanto que não há nenhuma ação desta
esfera governamental requerendo que o Município não cobre IPTU sobre
tais áreas.
A cobrança do imposto não é devida quando referente a imóveis de
outra pessoa jurídica de direito público interno, já que existe a imunidade
recíproca.
Não obstante, a população dessa área, além de pagar IPTU, também
paga taxa de ocupação pela utilização do terreno. Destarte, uma das cobranças
é ilegal.
Ante o exposto, conclui-se que a doação concedida pelo Governador do
Maranhão e ratificado pela Coroa Portuguesa inclui os terrenos de marinha,
pois expressamente mencionava tais áreas e a legislação que proibia tal
concessão foi posterior ao ato.
Ademais, a União não tem a necessidade de ter tais áreas como de
sua propriedade e desde a colonização a intenção da Coroa Portuguesa era
transferir o domínio aos particulares.
Ressalta-se ainda que há confirmação desta doação no Registro de
Imóveis de Belém, outorgando ao Município a propriedade de tal área, por se
tratar de um título legítimo de propriedade.
Releva notar que ainda não há decisão no sentido de quem pertence tais
terrenos, o que prejudica a população que paga imposto à prefeitura como se
sua fosse a propriedade e contribui com taxa de ocupação perante a União.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, José Mauro de Lima O’ de. Terrenos de marinha: proteção
ambiental e as cidades. Belém: Paka-Tatu, 2008.

éê
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS SESMARIAS E TERRENOS DE MARINHA
E SEUS REFLEXOS FUNDIÁRIOS NA CIDADE DE BELÉM
Rafaella de Fátima Lopes Cabral

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aquisição de terras no Pará. Belém: UFPA; ITERPA, 2001.

íî
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO3

Thales Maximiliano Ravena Cañete4

1 INTRODUÇÃO
Este trabalho trata dos instrumentos de regularização fundiária em
ilhas da União. Esta abordagem se justifica em virtude de dois argumentos.
O primeiro constitui-se na proposta de Souza Filho (1999), que observa que
a Máquina Pública (Federal, Estadual e Municipal) é detentora de extensas
áreas irregularmente ocupadas, consequentemente, dando-lhe destinação
adequada e oficializando estas ocupações, estaria a Administração Pública
contribuindo com a regularização fundiária no Brasil e com a consolidação
e garantia de direitos diversos destas comunidades que ocupam suas terras.
O segundo argumento refere-se ao fato de que grande parte das populações/
povos e comunidades tradicionais da Amazônia vivem em ilhas fluviais sob
o domínio da União. Assim, ao entender e sistematizar os instrumentos de
regularização fundiária em ilhas da União, este trabalho contribui com a
regularização fundiária em terras públicas.
Para tanto, inicialmente é construído um breve histórico dos sistemas
de propriedade privada sobre o imóvel rural no Brasil, dividindo-o em
quatro fases, para então adentrar nas legislações atuais e seus respectivos
instrumentos de regularização fundiária. Também serão abordados os bens da
União, explicitando a dominialidade de suas ilhas e o seu respectivo respaldo
legal. Dessa forma, este artigo se estrutura da seguinte maneira:
1. Histórico das formas de apropriação de terra no Brasil
2. Dominialidade das ilhas
3. Instrumentos de Regularização Fundiária
3
Este artigo foi extraído do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Caminhos para a
Regularização Fundiária na Amazônia em Ilhas da União Ocupadas por População, Povos
e Comunidades Tradicionais”, apresentado ao curso de Graduação em Direito do Instituto
de Ciência Juridícas da Unama, em maio de 2013.
4
Cientista Social. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
da UFPA. Graduando do Curso de Direito da UFPA

ïð
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

2 BREVE HISTÓRICO DOS SISTEMAS DE PROPRIEDADE NO BRASIL


Como Benatti (2003), neste trabalho entende-se propriedade privada
como
[...] o conjunto de normas jurídicas que definem os direitos e deveres
do proprietário no uso particular dos recursos naturais, as quais
regulam as faculdades de utilização (usus), o desfrute (ususfructus), a
disposição material (abusus) e a disposição jurídica (alienatio), e a relação
do proprietário com outros sujeitos (BENATI, 2003, p.22).

Em outras palavras, direito de propriedade seria a relação jurídica de


apropriação, apossamento e ocupação da coisa alheia. Estes termos exprimem
o ato de uma pessoa que traz para sua posse um bem que, anteriormente, se
encontrava em posse alheia, tornando próprio aquilo que é de outrem. Este
ato pode ser realizado sobre a res nullius (a coisa que não têm dono) ou a res
derelictae (a coisa que pertenceu a outrem, mas que em virtude de abandono
ou renúncia, já não mais tem dono certo). Vale observar que o sentido de
apropriar-se pode ser tanto de maneira legal como fraudulenta, de coisa que
pertence a outrem. Assim, a consolidação da propriedade privada, no caso do
Brasil, se deu em terras públicas e não de domínio de outrem, ocorrendo a
pretexto de “controlar” os recursos naturais (BENATTI, 2003, p. 21). Dessa
forma, segundo Carvalho (2010), em linhas gerais, pode-se dividir a história
da propriedade privada no Brasil em quatro fases: a fase do regime sesmarial
ou de concessão de terras; fase do regime de posses ou período extralegal;
fase de sistematização jurídica; fase de consolidação jurídica.
De maneira similar Benatti (2003) divide as formas de propriedade
de terras no Brasil em propriedade sesmarial, propriedade senhorial e
propriedade moderna (ou liberal, ou individual, podendo serem entendidas
como sinônimas). Vale observar o alerta de Benatti ao firmar que “[...] os
autores que de algum modo discutiram a propriedade rural analisaram-na
como uma categoria única” (BENATTI, 2003, p. 32), não compreendendo que
historicamente o Brasil teve no mesmo espaço uma disputa entre diferentes
concepções de propriedade. Em outras palavras, em um mesmo período

ñò
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

histórico podem coexistir as formas de propriedade acima citadas, permitindo


concluir que a consolidação de uma propriedade não ocorreu com a extinção
da outra, havendo mais de uma concepção no mesmo período histórico, seja
de maneira harmoniosa, seja de maneira contraditória (BENATTI, 2003).
Dessa forma, Benatti (2003, p. 27) também defende o pluralismo de formas
de apossamento da terra e dos recursos naturais renováveis em virtude das
diferentes regiões brasileiras, permitindo a formação de uma propriedade
com características próprias.
O autor em tela também adverte para outro equívoco regularmente
cometido:
[...] transportar para o passado a compreensão presente sobre o
direito de propriedade, desconhecendo [...]ou [...] ignorando que
trata de diferentes épocas históricas e, consequentemente, de distintas
categorias. O conceito de propriedade empregado nos séculos XVII e
XVIII não é o mesmo do século XX(BENATTI, 2003, p. 33).

Em resumo, Benatti advoga a necessidade de se relativizar a concepção


contemporânea de direito de propriedade ao empregá-la no período colonial
e monárquico brasileiro, pois, em sua visão, parece existir uma pluralidade
de direitos de propriedade, entendendo a concepção de propriedade como
temporalmente determinada e condicionada por fatores sociais, econômicos e
ambientais (BENATTI, 2003, p. 25).
Nesse sentido, a propriedade pode ser caracterizada pelo grau de poder
que é exercido sobre ela, ou seja, “é a gradação do dominium que caracterizará o
conteúdo mínimo ou máximo da propriedade, e o fenômeno da descontinuação
está nas opções que cada sociedade fez para modelar a intensidade do poder
sobre a coisa” (BENATTI, 2003, p. 26). Assim, ao longo da história pode-se
aferir vários graus de dominium de maneira temporalmente múltipla ou não.
Explica-se. No caso medievo, por exemplo, a terra tinha vários donos, mas
com graus de poder diferenciados. Enquanto o senhor da terra detinha o
domínio direto, o vassalo detinha o domínio útil, permitindo a legitimidade de
mais de um proprietário (BENATTI, 2003, p. 26). Atualmente é majoritário

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

o sistema de propriedade que legitima a exclusividade do dominium a um


sujeito, ou seja, é predominantemente individualista.
Com efeito, pode-se resumir a evolução histórica concebida por Benatti
em três etapas: a primeira entendeu a propriedade rural como um bem
patrimonial, a segunda como um bem de produção e, para a terceira e atual
concepção, o imóvel rural assenta-se no binômio jurídico do uso tradicional
agrário e da proteção dos recursos naturais. Vale ressaltar que esta última
etapa está ainda em fase de consolidação, uma vez que “[...] os elementos
que consolidaram o direito de propriedade no século XX estão em profunda
transformação[...]” (BENATTI, 2003, p. 22).
Tendo em mente as problematizações acima realizadas sobre a noção de
propriedade privada e sua tradicional divisão proposta por Carvalho (2010),
pode-se, a seguir, passar para a explicitação individual das mesmas.

2.1 Fase do regime sesmarial ou de concessão de terras

Esta fase caracteriza-se pelo domínio da coroa portuguesa nas terras


brasileiras, pois o Brasil, à época, era colônia de Portugal. Nesse sentido, eram
as leis portuguesas que normatizavam a propriedade brasileira. Assim, não
existiam mais terras sem dono, pois todas foram incorporadas ao patrimônio
da coroa portuguesa. A esse respeito assim se manifesta Treccani: “a
propriedade, no Brasil, constituiu-se inicialmente como patrimônio público.
A esta mesma conclusão chegou também o maior especialista em direito
administrativo brasileiro Hely Lopes Meirelles” (TRECCANI, 2006, p. 327).
Segue a citação de Meirelles:
No Brasil todas as terras foram, originariamente, públicas, por
pertencentes à Nação portuguesa, por direito de conquista. Depois,
passaram ao Império e à República, sempre como domínio do Estado.
A transferência das terras públicas para os particulares deu-se
paulatinamente por meio de concessões de sesmarias e de data, compra
e venda, doação, permuta e legitimação de posses. Daí a regra de que
toda terra sem título de propriedade particular é de domínio público
(TRECCANI, 2006, p. 327, apud MEIRELLES, 1995, p. 455).

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INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

Dessa forma, para que um título de propriedade seja legítimo, o mesmo


deverá apresentar sua descorporação do patrimônio público através de sua
vinculação com um ato emanado pelo poder público competente.
Nesse sentido, as primeiras leis de regulação sobre terras a ter eficácia
no Brasil foram leis portuguesas. A primeira foi a Lei de Sesmaria de 26 de
junho de 1375. Este instrumento legal, sendo Português, tinha como objetivo
dar destinação aos territórios conquistados por Portugal na campanha
de combate aos mouros, e não regular o acesso a terra em um continente
totalmente diferente, que era o caso do Brasil. A sua principal previsão era a
de que as terras privatizadas deveriam ser cultivadas e, caso não o fossem, as
mesmas seriam desapropriadas e novamente destinadas para a privatização,
para que fossem de fato cultivadas. O objetivo era o de promover de maneira
compulsória o uso do solo, o abastecimento do reinado e frear o êxodo rural
que vinha prejudicando o modo de vida citadino, vale dizer, ainda em sua
gênese (TRECCANI, 2006).
De maneira similar se manifesta Carvalho (2010):
Em Portugal, desde a Lei Régia 26.06.1375, editada por Dom Fernando
I, o sistema sesmarial vinha sendo adotado com os objetivos de reprovar
os terrenos abandonados por razões de conflitos ou dificuldades de
permanecer na terra e de assegurar o abastecimento de alimentos aos
portugueses. A legislação sesmarial visava corrigir no uso das terras,
compelindo os proprietários a nelas permanecer e a cultivá-las, tendo
em vista a carência de alimentos e o êxodo rural existentes à época
(CARVALHO, 2010, p. 36).

A citada Lei Régia de 1375, quando aplicada à realidade brasileira, sem


nenhum tipo de adaptação, revelou-se com pouca eficácia, mesmo que durando
por quase três séculos. Este fato é assim problematizado por Carvalho:
A rigor, na esfera jurídica, não se pode afirmar que o modelo sesmarial
português tenha sido idêntico ao implantado no Brasil, pois aqui
não havia terras abandonadas, mas áreas inexploradas. No Brasil-
Colônia havia terras virgens que foram cedidas a colonos para serem
cultivadas. Dessa forma, sesmarias não existiram em solo pátrio, mas
sim concessões da Coroa portuguesa. Portanto, o vocábulo “sesmaria”
assumiu sinonímia de “concessão” e “doação” (CARVALHO, 2010, p. 40).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Vale dizer que a longa duração do sistema de sesmarias se justifica pelos


constantes períodos conturbados pelos quais Portugal passava, destacando-se
especialmente as guerras e conquistas nos continentes africanos e asiáticos,
deixando inicialmente a cargo da propriedade privada a colonização do
Novo Mundo (TRECCANI, 2006). Assim, Carvalho divide essa etapa da
propriedade privada no Brasil em três fases: a primeira caracterizava-se pela
possibilidade de os capitães-mores concederem cartas de sesmarias e serem
os responsáveis por ocupar, povoar e explorar a capitania, com competência
para outorgar títulos de ocupação da terra; a segunda fase caracteriza-se pela
transferência da competência de outorga de sesmarias aos governadores-
gerais; na terceira, em virtude do fracasso das experiências anteriores, a
outorga passou para a mão da coroa portuguesa, escolhendo os sesmeiros
(CARVALHO, 2010, p. 38).
Observa-seque o sistema sesmarial foi oficialmente introduzido
no Brasil somente em 1531, por meio de Carta Foral, a qual outorgava a
Martin Afonso de Souza o direito de conceder sesmarias. A carta obrigava
os particulares a obedecer a certos ritos para receberem as sesmarias, caso
contrário as cartas sesmariais poderiam ser consideradas caducas. Com o
passar do tempo novos regulamentos surgiram, assim como novas exigências,
criando um emaranhado legal sobre a normatização fundiária (TRECCANI,
2006). Contudo, mesmo diante deste emaranhado legal, faz-se possível
citar os principais deveres exigidos na apropriação de terras por sesmarias:
moradia habitual, cultivo permanente, demarcação do território e cobrança
de impostos (CARVALHO, 2010).
Em síntese, assim descreve Carvalho o período da distribuição de
terras mediante sesmarias no território brasileiro:
no Brasil por mais de três séculos, com esteio nas Ordenações Afonsinas,
Manoelinas e Filipinas, que deram suporte à prática de doações de
extensas áreas aos privilegiados amigos da Coroa portuguesa. Esse
processo teve, por um lado, o demérito de extinguir inúmeros povos
indígenas e com eles sua rica cultura e o de desencadear a latifundização
da propriedade agrária no Brasil e, por outro, o mérito de contribuir

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INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

para a colonização do interior e de assegurar a integridade territorial


do país. A tendência latifundista do Brasil foi impulsionada pela
legislação sesmarial, basta ver, como bem ilustra Borges (2005, p.
61), que uma sesmaria de três léguas de comprimento, por uma de
largura correspondia a 19.800 m x 6.600 m, o que equivale a 13.086 ha
(CARVALHO, 2010, p. 39).

2.2 Fase do regime de posses ou extralegal

Com a independência do Brasil, tem fim a distribuição de terras por


sesmarias, sendo esta medida oficializada através da Resolução de nº 76 de
17.07.1822, persistindo até a edição da Lei de Terras, no ano de 1850. Este
período é pensado por Carvalho (2010) como a fase do regime de posses ou
extralegal, correspondendo ao sistema de propriedade senhorial sugerido por
Benatti (2003) e, de maneira similar a Carvalho (2010), ao Regime de Posses
apresentado por Treccani (2006).
Treccani (2006), ao narrar o período histórico em tela, assim se
pronuncia:
A suspensão do regime sesmarial e o fato que a primeira constituição
não tratou deste assunto, fez com que o novo estado brasileiro nascesse
sem ter uma legislação específica relativa à questão agrária. Durante
trinta anos o direito de propriedade era garantido na sua plenitude
pela constituição (art. 179, § 22), mas não existia qualquer instrumento
administrativo que o viabilizasse. Este vazio de regulamentação
infraconstitucional perdurou até 1854 quando foi editado o Decreto-
Lei n° 1.318 de 1854, que regulamentou a Lei n° 601 de 1850.

Segundo Treccani (2001, p 68), até então continuou em vigor: “O


velho ordenamento jurídico português com suas leis, decretos, cartas régias,
alvarás, provisões, resoluções e avisos que tinham criado um verdadeiro caos
legislativo” (TRECCANI, 2006, p.344).
Com isso, Treccani (2006) observa que durante o referido período
extralegal, voltou a vigorar a norma fundamental de apropriação de
terras praticada na antiguidade romana, a saber, a primicapiens, ou seja,

úû
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

seria reconhecido como detentor do direito de propriedade quem ocupasse


por primeiro a terra. Treccani (2006) também alerta para uma aparente
igualdade de condições dada por este período aos camponeses em relação aos
latifundiários, pois na prática essa igualdade era ilusória, diante da diferença
material entre quem detinha somente as forças de seu braço em oposição a
quem detinha centenas de escravos.
Cotejando os sistemas de propriedade até então estudados, a saber, o
sistema de sesmarias e o sistema senhorial, com o regime de propriedade, o
de posse e os agentes sociais presentes na história fundiária brasileira, assim
reflete Benatti:
[...] Não era preocupação dos fazendeiros a introdução de novastécnicas
agrícolas ou de cuidados com o solo (SILVA, 1996: 69), pois, quando a
sua terra ficava “cansada”, solicitavam outra sesmaria ou continuavam
a apropriar-se de mais floresta primária [...]
[Assim]...interessava muito mais aos proprietários de terras ter suas
propriedades indefinidas e em constante “alargamento”, como também
não lhes era conveniente informar às autoridades os limites exatos
das suas glebas, para facilitar a incorporação do patrimônio público ao
domínio privado (BENATTI, 2003, p. 52-53).

Com efeito, assim conclui o autor em tela:


O que temos demonstrado é que essas duas visões do processo de
ocupação do território nacional [sesmarial e senhorial] são limitadas e
simplistas, acabaram fazendo uma leitura restrita da realidade histórica
analisada. De fato, a apropriação privada da terra foi tão importante
como a concessão de sesmaria para a formação da propriedade rural no
Brasil. Consequentemente, a posse nunca foi um fenômeno restrito ou o
principal instrumento de acesso à terra para os pequenos proprietários.
O apossamento foi um fenômeno generalizado, que favoreceu muito
mais os grandes proprietários do que os pequenos (BENATTI,
2003, p. 55).

Retornando ao resgate histórico da lei de Terras de 1850, passa-se à


sua análise e consequente entrada na fase de sistematização jurídica proposta
por Carvalho (2010).

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2.3 Fase de sistematização jurídica

A lei de terras veio preencher o vácuo jurídico deixado por um dos


primeiros atos do primeiro governo brasileiro, a saber, a já citada Resolução
no. 76, de 17 de julho de 1822. Assim se pronuncia a ementa da lei de terras:
Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são
possuídas por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições
legais, bem como por simples titulo de posse mansa e pacifica; e
determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas
a titulo oneroso, assim para empresas particulares, como para o
estabelecimento de colonias de nacionaes e de extrangeiros, autorizado
o Governo a promover a colonisação extrangeira na forma que se
declara.

Já em sua ementa pode-se verificar as primeiras determinações da lei


em apreço: a criação legal das terras devolutas, assim como sua medição,
demarcação e possível cessão, desde que a título oneroso. Assim formam-se
os institutos das terras devolutas5 e de sua respectiva ação discriminatória,
processo que consiste em separar as terras públicas das particulares. Com
efeito, a nova lei também introduziu, no ordenamento jurídico pátrio, outros
dois institutos que se tornaram clássicos: a revalidação e a legitimação de
posse. Estes somente seriam confirmados, como previsto nos artigos quarto
e quinto, desde que fosse cumprida a exigência da morada habitual e de
cultivar a terra como elemento fundamental. Treccani destaca que “[...]as
demais obrigações legais (medição e demarcação, registro, pagamento do foro
e confirmação real) poderiam ser desprezadas, desde que estas duas tivessem
sido cumpridas” (TRECCANI, 2006, p. 348).
Mais adiante Treccani também ressalta que “As revalidações das cartas
seriam acompanhadas de sua medição e demarcação, a serem realizadas
respeitando-se os prazos e as modalidades previstos em lei (arts 22 a 58
do Decreto 1.318/1854)” (TRECCANI, 2006, p. 345-346). Caso fossem
5
Vale observar que, segundo Benatti (2003, p. 65), este instituto já havia sido utilizado antes
da lei de terras. Ocorre que somente após a lei o referido instituto toma a amplitude que
tem até os dias de hoje.

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Durbens Martins Nascimento

encontradas benfeitorias de terceiros no interior destes imóveis, estas


áreas seriam excluídas da revalidação, permitindo aos medidores legitimá-
las em favor dos ocupantes. Vale observar que havia a possibilidade de as
benfeitorias não justificarem a legitimação, concedendo aos ocupantes o
direito somente a uma indenização. Nesse sentido, Treccani (2006) entende
que estas preocupações demonstram como a efetivação da cultura se
sobrepunha ao direito de propriedade baseado somente em papeis. Com efeito,
estas preocupações também permitem especular o início da constituição do
princípio da função social da terra, assim como as premissas do instituto do
usucapião. De maneira similar pode-se interpretar o parágrafo segundo do
artigo quinto, a seguir exposto:
§ 2º As posses em circumstancias de serem legitimadas, que se acharem
em sesmarias ou outras concessões do Governo, não incursas em
commisso ou revalidadas por esta Lei, só darão direito á indemnização
pelas bemfeitorias.
Exceptua-se desta regra o caso do verificar-se a favor da posse
qualquer das seguintes hypotheses: 1ª, o ter sido declarada boa por
sentença passada em julgado entre os sesmeiros ou concessionarios e
os posseiros; 2ª, ter sido estabelecida antes da medição da sesmaria ou
concessão, e não perturbada por cinco annos; 3ª, ter sido estabelecida
depois da dita medição, e não perturbada por 10 annos.

Assim, a preocupação com o trato efetivo da cultura sobre a terra e a


morada habitual no imóvel rural eram tão fundamentais que foram mais uma
vez mencionados no artigo que se segue.
Art. 6º Não se haverá por principio do cultura para a revalidação das
sesmarias ou outras concessões do Governo, nem para a legitimação de
qualquer posse, os simples roçados, derribadas ou queimas de mattos
ou campos, levantamentos de ranchos e outros actos de semelhante
natureza, não sendo acompanhados da cultura effectiva e morada
habitual exigidas no artigo antecedente.

Nesse sentido, vale retomar as considerações de Benattie Treccanisobre


a relação da posse com os grandes proprietários, pois estes, tendo melhores
condições materiais de concretizar sua posse, detinham ampla vantagem

6
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sobre pequenos posseiros que somente tinham a sua disposição a mão de


obra familiar, tornando-se difícil efetivar a cultura sobre a terra. Avaliando-
se ainda o aspecto cultural do trato com os recursos naturais, infere-
se que aqueles agentes sociais que baseavam seu modo de subsistência
no extrativismo estavam fora da concepção de cultura efetiva, pois que
praticavam justamente “os simples roçados, derribadas ou queimas de mattos
ou campos, levantamentos de ranchos e outros actos de semelhante natureza”
(art. 6 da lei 601 de 1850).
Com isso, clarifica-se a divisão proposta por Benatti, já citada mais acima,
sobre os sistemas de propriedade do imóvel rural no Brasil: primeiramente
como um bem patrimonial, em seguida como um bem de produção, para então
adentrar a atualidade, assentando-se no binômio jurídico do uso tradicional
agrário e da proteção dos recursos naturais. Nesta tríade, este período de
1850 em diante já se encaixa de maneira precisa na segunda etapa, qual seja,
a que concebe o imóvel rural como um bem de produção. Esta reflexão é
reforçada pela leitura do artigo 6 da lei de terras, acima citado, que condiciona
de maneira mais precisa a necessidade da prática da cultura efetiva sobre a
terra.
Em suma, a lei de terras teve quatro objetivos principais:
‡ SHUPLWLU R GRPtQLR VREUH DV WHUUDV GHYROXWDV VRPHQWH DWUDYpV GD
compra e venda;
‡WLWXODURVGHWHQWRUHVGDVVHVPDULDVQmRFRQILUPDGDV
‡ RXWRUJDU títulos aos detentores de terras por concessão feita no
regime anterior;
‡WUDQVIRUPDUDSRVVHPDQVDHSDFtILFDDQWHULRUjOHLHPGRPtQLR

Nesse sentido, Carvalho (2010) sintetiza as situações imobiliárias


existentes após a promulgação da lei de terras em quatro situações:
‡3URSULHGDGHVOHJtWLPDVFRPGLUHLWRRULXQGRGHWtWXORVGHVHVPDULDV
cedidas e confirmadas;

Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

‡3RVVHVFRPWtWXORVGHVHVPDULDVVHPFRQILUPDomR
‡3RVVHVVHPWtWXORKiELODQWHULRUHVjOHLGHWHUUDV
‡7HUUDVGHYROXWDV

Com efeito, vale observar que a lei de terras somente convalidaria as


posses anteriores à sua edição, ficando a posse concretizada após 1850 no
artigo segundo da lei em questão, que assim se pronuncia:
Art. 2º Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nellas
derribarem mattos ou lhes puzerem fogo, serão obrigados a despejo,
com perda de bemfeitorias, e de mais soffrerão a pena de dous a seis
mezes do prisão e multa de 100$, além da satisfação do damno causado.
Esta pena, porém, não terá logar nos actospossessorios entre heréos
confinantes.

Ademais, o artigo primeiro proíbe a aquisição de terras devolutas por


outro titulo que não seja o de compra. Dessa forma, a lei de terras, apesar
de legitimar as posses pretéritas, proíbe-as de 1850 em diante. Observa-se,
ainda, os novos obstáculos pecuniários no acesso a terra colocados pelo recém
citado artigo primeiro, inviabilizando o exercício do direito à propriedade
para as classes desprovidas de recursos materiais, assim como facilitando a
aquisição de terras para aqueles indivíduos mais abastados. Treccani assim
problematiza este fato:
A Lei de Terras pode ser considerada como uma ruptura com o sistema
legal vigente até então, pois abolia a possibilidade da apropriação gratuita
da terra e determinava que o único meio para se adquirir a mesma fosse a
compra: a terra transformou-se numa mercadoria. Se as cartas de sesmaria
tinham beneficiado, sobretudo os “amigos do rei”, isto é quem tinha
possibilidade de se aproximar da corte para conseguir a confirmação das
cartas, esta lei, criminalizando as novas ocupações primárias, impedia, na
prática, o acesso à terra para as pessoas mais pobres, tais como os negros
libertos e os migrantes europeus cuja chegada estava sendo estimulada
pelo governo (TRECCANI, 2006, p. 347).

Neste contexto de ampla explanação sobre terras devolutas, faz-se


imperioso expor sua conceituação legal construída pela lei de terras em seu
artigo terceiro, transcrito a seguir:


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Art. 3º São terras devolutas:


§ 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional,
provincial, ou municipal.
§ 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo
legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do
Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do
cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.
§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões
do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas
por esta Lei.
§ 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se
fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.

Finalizando este assunto, assim se manifesta Treccani (2006):


O reconhecimento de que é “devoluto” tudo aquilo que não for público
ou particular, advêm do processo histórico de aquisição das terras,
pois originariamente, todas as terras eram públicas, sendo propriedade
dos soberanos portugueses em força das bulas papais, de tratados
internacionais e do direito de conquista. De particular relevância é
a letra c) deste artigo que afirma que não se enquadrariam entre as
terras devolutas: “[...] as que foram concedidas como sesmarias que
incorreram em comisso, mas foram revalidadas por esta lei”. Isto
significa que se as cartas que não foram confirmadas anteriormente ou
revalidadas conforme o previsto na Lei 601, de 18 de setembro de 1850,
e no Decreto n.º 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que a regulamentou,
caíram em comissão não gerando qualquer transferência válida de
domínio (TRECCANI, 2006, p. 347).

Após a lei de terras não houve alterações legislativas substanciais que


alterassem de fato o sistema legal fundiário brasileiro. Como exceção a esta
afirmação estariam algumas das alterações ocorridas através da outorga ou
promulgação das várias Constituições brasileiras6. Assim, uma das mudanças
constitucionais passíveis de serem citadas refere-se aquela advinda da
Constituição de 1891 (a segunda constituição brasileira), que, em seu art. 64
transferiu o domínio das terras devolutas da União para os Estados-membros,
6
Carvalho (2010, p. 43-46) constrói um resgate constitucional, do qual se origina o realizado
por este trabalho.


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com exceção daquelas em faixa de fronteira, na Amazônia e da faixa litorânea.


Assim se pronunciava o dispositivo em apreço.
Art 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas
nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção
do território que for indispensável para a defesa das fronteiras,
fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.

No âmbito da Constituição de 1934, cita-se o art. 113 que garante


a inviolabilidade do direito à propriedade, o art. 129 que garantia o
respeito à posse de terras indígenas, ademais do art. 125, responsável
por introduzir no patamar constitucional o instituto do usucapião.
In verbis o dispositivo em questão:
Art 125 - Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano,
ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento
de domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o
produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá
o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente
transcrita.

Quanto aos comandos da Constituição de 1946, vale citar o parágrafo


16 do art. 141, que contemplava de maneira pioneira as desapropriações
por interesse social e por utilidade e necessidade pública. A constituição em
questão também previu que:
Art. 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social.
A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover
a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

Vale ressaltar as observações de Carvalho (2010, p. 45) sobre os


dispositivos em questão, considerados como letra morta no ordenamento
jurídico brasileiro por quase duas décadas, pois não foram regulamentados,
sendo que, quando o foram, não conseguiram alcançar seus objetivos, sendo
considerados ineficientes. Como exemplo cita-se a lei 4.132, que dispunha
sobre a desapropriação por interesse social, editada somente em 1962.
Dentro das legislações ordinárias, cabe citar o Estatuto da Terra
(lei 4.504, de 30.11.1964) que conferiu as normas de Direito Agrário, certa


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liberdade a ponto de ser considerado um ramo autônomo do Direito. Observa-


se que o período histórico em questão corresponde à ditadura militar, que
somente tratou de colonização no que concerne à distribuição de terras
(CARVALHO, 2010, p. 46). Somente com a redemocratização o Brasil pode
adentrar uma fase histórica de consolidação jurídica das normas de Direito
Agrário e Fundiário.

2.4 Fase de Consolidação Jurídica

Esta fase é marcada pela recepção da Constituição Federal que rege


nosso atual ordenamento jurídico.
Como exemplo cita-se a recepção da função socioambiental da
propriedade privada e do princípio do desenvolvimento sustentável, gerando
o Estado de Direito Ambiental e, para alguns autores, Agroambiental.
Entra-se em um novo patamar jurídico, um patamar socioambiental, no
qual tudo deve passar pelo crivo ecológico, visando preservar não só o meio
ambiente, direito transgeracional e bem comum do povo, mas também os
modos de vida e culturas que veem no meio ambiente o reflexo da sua própria
vida, sua própria cultura, seu próprio modo de fazer, viver e ser.
Contudo, até o presente alguns autores chamam a atenção para a
necessidade de uma maior flexibilidade jurídica diante da pluralidade de
modos de vida que compõem a sociedade brasileira, consequentemente,
pluralidade de territorialidades, apropriações sobre os recursos naturais, a
visão do próprio conceito de recursos naturais e a própria dialética existente
entre os conceitos de cultura e natureza que acabam afetando as formas de
regular o acesso e uso dos recursos naturais.
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3 DOMINIALIDADE DAS ILHAS

Este tópico constrói a justificativa legal e doutrinária do porque


algumas ilhas podem ser consideradas bens da União. Para tanto, inicialmente
será problematizada a noção de bens de domínio público para então adentrar
no caso específico da dominialidade das ilhas.

3.1 Os bens da União

Meirelles (2008), antes de conceituar os bens da União, confecciona


uma breve problematização sobre o conceito de domínio público, dando
maior precisão aos seus conceitos. Assim, Meirelles observa que domínio
público pode significar o poder que o Estado exerce sobre os seus bens e os
bens alheios, assim como pode significar a condição desses bens. Domínio
público também pode ser entendido como o conjunto de bens destinados ao
uso público ou pode significar o complexo de coisas afetadas de interesse
público. Com efeito, essa problematização obriga a criação de conceitos mais
precisos, como o de Domínio Público em sentido amplo, acrescidos de seus
desdobramentos nos seus sentidos políticos (domínio eminente) e jurídicos
(domínio patrimonial) (MEIRELLES, 2008, p. 523).
Domínio Público em sentido amplo seria:
[...] o poder de dominação ou de regulamentação que o Estado exerce
sobre os bens do seu patrimônio (bens públicos), ou sobre os bens de
patrimônio privado (bens particulares de interesse público), ou sobre
as coisas inapropriáveis individualmente, mas de fruição geral da
coletividade (res nullius) [...] (MEIRELLES, 2008, p. 523).

Em seu sentido político, domínio público seria aquele ligado ao


exercício da Soberania, exercido sobre todas as coisas de interesse público,
sob a forma do domínio eminente, entendendo domínio eminente como “[...]
o poder político pelo qual o Estado submete à sua vontade todas as coisas de
seu território. É uma das manifestações da soberana interna; não é direito
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Thales Maximiliano Ravena Cañete

de propriedade” (MEIRELLES, 2008, p. 523). Meirelles ressalta que este


poder alcança tantos os bens públicos, como a propriedade privada e as coisas
inapropriáves (tais como águas, jazidas, florestas etc.), contudo encontrando
limites na ordem jurídico-constitucional e nos princípios, direitos e garantias
da Lei Fundamental, não sendo meramente arbitrário.
Em seu sentido jurídico, domínio público seria aquele ligado ao
exercício do direito de propriedade por parte da Administração Pública, sob a
forma do domínio patrimonial. Em outras palavras, o domínio patrimonial
seria o próprio direito de propriedade do Estado sobre seus bens, mas, como
adverte Meirelles,
[...] direito de propriedade pública, sujeito a um regime administrativo
especial. A esse regime subordinam-se todos os bens das pessoas
administrativas, assim considerados bens públicos e, como tais, regidos
pelo Direito Público, embora supletivamente se lhe apliquem algumas
regras da propriedade privada (MEIRELLES, 2008, p. 524).

O domínio eminente não pode ser confundido com o domínio


patrimonial. Aquele assume contornos políticos, mesmo que com limitações
jurídicas, enquanto que este advém do direito de propriedade, logo, da própria
ordem jurídica, fazendo parte do Direito Público, sendo criado e regido por
este. Nas precisas palavras de Meirelles (2008, p. 524):
“Aquele é um domínio geral e potencial sobre bens alheios; este é um
domínio específico e efetivo sobre bens próprios do Estado, o que o
caracteriza como um domínio patrimonial, no sentido de incidir sobre
os bens que lhe pertencem”.

Com efeito, Meirelles conceitua bens públicos em seu sentido latu como:
todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes,
créditos, direitos e ações que pertençam, a qualquer título, às entidades
estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais
(MEIRELLES, 2008, p. 526).

Em seguida, o autor em tela lança mão do artigo 98 do Código Civil,


que conceitua de maneira geral os bens, separando-os em públicos e privados.
Segue, in verbis, o dispositivo em questão: “Art. 98. São públicos os bens do
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domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno;


todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.”.
Por exclusão, entende-se que todo bem que não for público, será privado.
Mais adiante, Meirelles estabelece dois tipos de classificação dos bens
públicos, pensando-os como federais, estaduais e municipais ou como, segundo
a classificação do Código Civil de 2002, bens de uso como do povo, de uso especial
e os dominicais. In verbis a classificação de bens públicos, segundo o Código
Civil de 2002:
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e
praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a
serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual,
territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominiais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas
de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma
dessas entidades.

Di Pietro (2007) observa que uma das primeiras classificações de bens


públicos foi feita no Código Civil de 1916, sendo que a doutrina pretérita a
este período pouco se manifestou sobre o assunto. O Código Civil de 2002
manteve a mesma classificação de seu antecessor, com pequenas modificações
que visavam deixar claro que se incluem entre os bens públicos os pertencentes
às pessoas jurídicas de direito público (DI PIETRO, 2007, p. 613).
Essa enumeração legal de bens do Código Civil não é exaustiva,
permitindo tanto novas modalidades de bens como novas formas de
classificação. Dessa forma, Di Pietro, para dar maior precisão aos bens
públicos e suas respectivas classificações, assim se manifesta sobre os mesmos:
Segundo a definição de Cretella Júnior (1984: 29), bens do domínio
público são “o conjunto das coisas móveis e imóveis de que é detentora
a Administração, afetados quer a seu próprio uso, quer o uso direto
ou indireto da coletividade, submetidos a regime de direito público
derrogatório e exorbitante do direito comum” (DI PIETRO, 2007,
p. 615, grifo nosso).


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Da mesma maneira que a definição de Meirelles (2008), a definição


acima exposta constitui-se pelos seguintes elementos: conjunto de bens
móveis e imóveis; a ideia de pertinência à Administração Pública (melhor
dizendo, ao próprio Estado) no sentido de permitir a tese de que o poder
público exerce sobre seus bens o direito de propriedade; a submissão ao regime
jurídico de Direito Público. Entretanto, vale observar que a última definição
em tela agrega à definição de Meirelles (2008) a noção de afetação, que,
segundo Di Pietro, representa a separação entre os bens dominicais dos bens
de uso comum e de uso especial, revelando a maior abrangência do vocábulo
bem no Direito Público, já que estes bens não se restringem ao uso da posse
e propriedade, como é o caso exclusivo dos bens dominicais, os bens público
senglobam e se expandem além dos dominicais na medida em que podem ser
destinados ao uso coletivo e do próprio poder público (DI PIETRO, 2007, p.
616). Dessa forma, Di Pietro (2007) constrói uma nova classificação dos bens
públicos: os bens do domínio público do Estado (ou bens de uso comum e
especiais) e os bens do domínio privado do Estado (ou bens dominicais).
A autora em tela entende como bens do domínio público do Estado
aqueles afetados a um fim público, sendo estes, no direito brasileiro, os de
uso comum do povo e os de uso especial (DI PIETRO, 2007, p. 615). Como
justificativa para essa classificação, ademais da problematização construída
no parágrafo anterior sobre a afetação dos bens públicos, a autora faz uma
breve regressão histórica, observando que os autores do início do século XX
passaram a afirmar a tese, liderada por Maurice Hauriou, que entendia a
propriedade administrativa sobre o domínio público como uma propriedade
regida pelo direito público, com pontos de semelhança e de diferença com a
propriedade privada, a saber:
[...] a Administração exerce sobre os bens de domínio público os
direitos de usar ou de autorizar a sua utilização por terceiros; o de
gozar, percebendo os respetivos frutos, naturais ou civis; o de dispor,
desde que o bem seja previamente desafetado, ou seja, desde que o bem
perca a sua destinação pública. Por outro lado, a Administração sofre
certas restrições também impostas ao particular (como transcrição no


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Registro de Imóveis), além de outras próprias do direito público (como


as normas sobre competência, forma, motivo, finalidade etc.); e dispõe
de prerrogativas que o particular não tem, como o poder de polícia que
exerce sobre os seus bens [...]
[Assim,] Passou-se a adotar a tese da propriedade pública; esta,
segundo Hauriou, não é, em sua essência, diferente da propriedade
privada, mas a existência da afetação dos bens lhe imprime
características particulares (DI PIETRO, 2007, p. 616-617, grifos da
autora).

Dessa forma, Di Pietro conceitua os bens de uso especial como todas


“[...] as coisas, móveis ou imóveis, corpóreas ou incorpóreas, utilizadas pela
Administração Pública para realização de suas atividades e consecução
de seus fins” (DI PIETRO, 2007, p. 617, grifo meu) e os bens de uso comum
do povo como aqueles que, por sua própria natureza ou por determinação
legal, “[...] podem ser utilizados por todos ou em igualdade de condições, sem
necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração”
(DI PIETRO, 2007, p. 617).
Vale ressaltar que no caso dos bens de uso especial, quando se fala
na “realização de suas atividades e consecução de seus fins” (DI PIETRO,
2007, p. 617, grifo meu) ou “destinados a serviço ou estabelecimento da
administração” (Art. 99, inciso II do CC), estas atividades, fins, serviço ou
estabelecimento da Administração estão referindo-se ao serviço público em
seu sentido amplo, abrangendo toda atividade de interesse geral exercida sob
autoridade ou sob a fiscalização do poder público, nem sempre se destinando
ao uso direto da Administração, permitindo o uso direto do particular, como
mercados, feiras, bancas de revista, aeroportos etc. (DI PIETRO, 2007,
p. 617). Assim, segundo Di Pietro, esses bens apresentam as seguintes
características: inalienabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade e a
impossibilidade de oneração. Estas características se exercem no sentido de
estes bens (de uso comum do povo e especiais) não estarem disponíveis para
qualquer relação jurídica regida pelo direito privado, como compra e venda,
doação, permuta, hipoteca, penhor, comodato, locação, posse ad usucapionem
etc., enquanto estiverem afetados.

7
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Este trabalho entende o instituto da afetação como o “[...] ato ou fato


pelo qual um bem passa da categoria de bem de domínio privado do Estado
para a categoria de bem do domínio público” (DI PIETRO, 2007, p. 619).
Tanto a afetação como a desafetação podem ser expressas ou tácitas, ou seja,
são expressas quando decorrem de ato administrativo ou de lei e são tácitas
quando são o resultado de atuação direta da Administração, sem manifestação
expressa de sua vontade, ou de fato da natureza. Com isso, quando estes bens
são desafetados, passam para a categoria de dominicais, passando para o
domínio exclusivo da Administração.
Antes de adentrar a conceituação de bens dominicais, vale observar
que, para alcançar um efeito de maior rigor técnico, os bens classificados pelo
Código Civil também podem ser reclassificados como bens: do domínio público
(análogos aos de uso comum do povo), patrimoniais indisponíveis (análogos
aos de uso especial), patrimoniais disponíveis (análogos aos dominiais). Tal
classificação encontra respaldo legal no Regulamento de Contabilidade
Pública (MEIRELLES, 2008, p. 527; DI PIETRO, 2007, p. 617- 620).
Dessa forma, bens dominicais (ou patrimoniais disponíveis) seriam
aqueles de domínio privado do Estado, constituindo-se em objeto de direito
pessoal ou real do mesmo. Em outras palavras, seria o patrimônio de uso
(em seu sentido amplo) exclusivo das pessoas jurídicas de direito público.
Segundo observação de Di Pietro:
bens do Estado, qualquer que seja sua proveniência, dos quais se possa
efetuar a venda, permuta ou cessão, ou com os quais se possam fazer
operações financeiras em virtude de disposições legais especiais de
autorização (art. 810) (DI PIETRO, 2007, p. 620).

Cabe destacar que estes bens possuem duas características. A primeira


relativa a sua função patrimonial ou financeira, pois são destinados a assegurar
renda ao governo, em oposição aos demais bens públicos, afetados para fins
de interesse geral. A segunda característica refere-se ao regime jurídico de
direito privado ao qual estão submetidos. Ambas as características citadas


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são relativizadas na atualidade, pois mesmo que com uma função patrimonial
ou financeira, estes bens visam objetivos de interesse geral, no sentido de
constituírem-se como fundamentais para o funcionamento da máquina estatal.
No caso da segunda característica, referente ao domínio privado exercido pelo
Estado e o consequente regime de direito privado ao qual estão submetidos,
os bens dominicais que obedecem fins de utilidade pública, mesmo quando
destinados a particulares.
A respeito desse novo modo de encarar a natureza e função dos bens
dominicais, Di Pietro observa que alguns autores os consideram como
serviços públicos sob regime de gestão privada, permitindo concluir que
“[...] O duplo aspecto dos bens dominicais justifica a sua submissão a regime
jurídico de direito privado parcialmente derrogado pelo direito público”
(DI PIETRO, 2007, p. 621).
Nesse sentido, Di Pietro (2007, p. 621) assim complementa a citação
exposta:
Comparando os bens do domínio público com os do domínio privado
do Estado, pode-se traçar a seguinte regra básica quanto ao regime
jurídico a que se submetem: os primeiros, ao direito público, e, os
segundos, no silêncio da lei, ao direito privado.

Assim, os bens dominicais acabaram sofrendo uma série de desvios


legais no sentido de que muitas leis de direito público foram criadas para
regularem esses bens. Como exemplo cita-se o art. 100 da CF, que prevê
processo especial de execução contra a Fazenda Pública, excluindo de maneira
implícita a penhora sobre qualquer tipo de bem público. Outro exemplo a ser
citado seria o usucapião que não se aplica nas terras públicas, em virtude dos
artigos 183 (parágrafo 3) e 191 (parágrafo único) da CF, os quais proíbem
qualquer tipo de usucapião no imóvel público (seja rural ou urbano)7.

7
No passado muito foi debatido sobre o usucapião em terras públicas, resultando em diversas
legislações sobre o assunto. Para detalhes sobre a legislação pretérita consultar Di Pietro
(2007, p. 622). Vale frisar que, como relatado acima, a CF vedou todo tipo de usucapião em
terras públicas.


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Assim, cabe agora adentrar os bens públicos da União, elencados no


artigo 20 da Constituição Federal, que assim se manifesta:
Art. 20. São bens da União:
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser
atribuídos;
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das
fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação
e à preservação ambiental, definidas em lei;
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de
seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites
com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele
provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros
países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras,
excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto
aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental
federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 46, de 2005)
V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica
exclusiva;
VI - o mar territorial;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII - os potenciais de energia hidráulica;
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-
históricos;
XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (grifo nosso).

Fica claro que extensas são as terras da União, assim como seus bens
de uma maneira geral. Dessa forma, este trabalho deixará somente a título
de citação os outros bens da União que não as ilhas, tendo em vista que o
propósito do artigo se restringe aos instrumentos de regularização fundiária
de ilhas da União e não todos os seus bens. Assim, seguem detalhados somente
a dominialidade das ilhas.


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Durbens Martins Nascimento

3.2 As ilhas como bens da União

Antes de adentrar especificamente na temática da dominialidade das


ilhas, faz-se imperioso considerar as explanações propostas por Carvalho
Filho (2011) a respeito do conceito e da classificação das mesmas:
Ilhas são as elevações de terra acima das águas e por estas cercadas em
toda sua extensão.
Classificam-se em ilhas marítimas, fluviais e lacustres, conforme
se situem, respectivamente, no mar, nos rios e nos lagos. As ilhas
marítimas, por sua vez, dividem-se em ilhas oceânicas e ilhas
costeiras: aquelas ficam distantes da costa e não têm relação geológica
com o relevo continental; estas surgem do próprio relevo da plataforma
continental. (grifos do autor) (CARVALHO FILHO, 2011, p. 1112).

Feitas as considerações acima, faz-se possível discutir o domínio público


das ilhas e seu respectivo respaldo legal. Nesse sentido, cabe destacar que esta
temática é objeto de árduo debate na seara jurídica, pois suscita interpretações
contraditórias sobre as legislações que tratam dos bens públicos. Com efeito,
inicia-se o estudo aqui proposto pelas palavras da Carta Magna, que assim se
manifesta sobre as ilhas como bens da União:
Art. 20. São bens da União:
...
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países;
as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas,
as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas
ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art.
26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

Da leitura do dispositivo acima citado, entende-se que, com exceção


das ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países e das ilhas
oceânicas e costeiras, as outras ilhas seriam de domínio público estadual8. Tal
8
Vale ressaltar a exclusão das ilhas marítimas que contenham a sede de municípios e, nesse
caso, excluídas aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal
(retornando ao domínio da União).


INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

interpretação é reforçada pela remissão que o referido dispositivo faz ao art.


26, inciso II, da própria CF. Segue o referido dispositivo, in verbis:
Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em
depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de
obras da União;
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu
domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou
terceiros;
III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

O artigo 26, como exposto, elenca os bens de domínio estadual,


configurando-se o inciso II como o responsável por conceder aos estados-
membrosa dominialidade das áreas localizadas nas ilhas oceânicas e costeiras,
excluídas aquelas sob domínio da União, municípios ou terceiros. Também
cabe colocar em evidência o inciso III do art. em apreço, pois que este concede
aos estados-membros o domínio das ilhas fluviais e lacustres não pertencentes
a União, ou seja, todas aquelas que não estão nas zonas limítrofes com outros
países.
Assim, inicialmente depreende-se da leitura dos dispositivos acima
citados que o domínio das ilhas fluviais, regra geral, é dos estados-
membros, com exceção daquelas ilhas localizadas nas zonas limítrofes com
outros países. As ilhas oceânicas e costeiras, regra geral, são de domínio da
União, com exceção das ilhas que contiverem sede de municípios, passando
a serem território destes, cabendo aos estados-membros uma dominialidade
residual9. Assim, o debate mais fervoroso guarda-se para o domínio das
ilhas fluviais, pois que a CF em seu inciso IV chama para a União somente as
ilhas fluviais em zonas limítrofes com outros países e concede aos estados-
membros, através do inciso III do art. 26 da CF, as ilhas fluviais e lacustres
9
Cumpre destacar a observação de Di Pietro (2007) sobre a possibilidade de ilhas que
possuam títulos de terras privados legitimados, em virtude do termo “terceiros” que é
empregado no final do inciso II, art. 26, da CF.


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Durbens Martins Nascimento

não pertencentes à União. Aqui nasce a primeira dúvida: e as ilhas situadas


em águas da União?
Nesse sentido, tanto Mello (2009, p. 913) como Di Pietro (2007, p. 664-
665) silenciam sobre as ilhas fluviais localizadas em rios da União, limitando-
se a reproduzir a letra da lei conjugando o inciso IV do art. 20 com o inciso III
do art. 26 da CF. Ambos os autores entendem que as ilhas fluviais localizadas
em zonas limítrofes com outros países (inciso IV do art. 20) pertencem a
União e as outras ilhas fluviais aos estados-membros (inciso III do art. 26),
não especificando o caso das ilhas fluviais localizadas em rios federais.
De maneira mais silenciosa se manifesta Guerra, que, a respeito das
ilhas, se limita a escrever somente o que segue abaixo:
São bens dominicais da União as porções de terra cercadas de águas
por todos os lados, sejam fluviais ou lacustres, oceânicas ou costeiras,
excluídas destas as que estejam sob o domínio dos Estados, Municípios
ou de particulares, consoante dispõem o art. 20, IV c/c o art. 26, II
ambos da Constituição (GUERRA, 2004, p. 997).

Sobre o assunto, Meirelles (2008, p. 561-562) observa que estas ilhas


são pedaços de terras, logo, devem subordinar-se ao regime jurídico das
terras, as quais permanecem no domínio dos estados-membros, em virtude
do art. 64 da CF de 1891, que transferiu todas as terras devolutas para os
estados-membros. Vale ressaltar que o posicionamento de Meirelles no
passado era diferente, concedendo à União do domínio das ilhas nos rios
públicos interiores10.
Por outro lado, Gasparini (2008, p. 944) se manifesta de maneira
contrária, na medida em que vê as ilhas fluviais localizadas em rios da União
como terras da mesma em virtude de interpretação do art. 23 do Código de
Águas que assim se manifesta:
Art. 23. As ilhas ou ilhotas, que se formarem no álveo de uma corrente,
pertencem ao domínio público, no caso das águas públicas, e ao domínio
particular, no caso das águas comuns ou particulares.

10
Esta observação de Meirelles (2008) consta na nota de rodapé número 47 do capítulo VIII,
da página 561 à 562.


INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

No caso dos doutrinadores jus-agraristas as divergências foram


poucas, pois o silêncio foi devastador. Com efeito, este trabalho somente
citará Carvalho (2010), único manual de Direito Agrário que fez menção
sobre a dominialidade dos bens públicos, mesmo que silenciando sobre o caso
específico da dominialidade das ilhas fluviais em rios federais. Nesse sentido,
sobre o assunto das ilhas, Carvalho é bastante sucinto, somente observando
que:
São bens da União as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com
outros países, as praias marítimas, as ilhas oceânicas e as costeiras, nos
exatos termos do art. 20, IV, da CF de 1988. Conforme redação dada
pela Emenda Constitucional 46, de 2005, ao inc. IV do art. 20 da Lex
Superior, são excluídas dos bens da União as ilhas oceânicas e costeiras
que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas
ao serviço público e à unidade ambiental federal, e as áreas, no seu
interior, que estiverem no domínio dos Estados e dos Municípios ou de
terceiros (CARVALHO, 2010, p. 227).

A referida citação ao menos clarifica a questão das ilhas costeiras e


oceânicas, na medida em que prevê a possibilidade de existência de territórios
no interior dessas ilhas que estejam no domínio dos estados-membros,
ademais das hipóteses aqui já previstas de ilhas como bens municipais, quando
forem sede do município e de ilhas de domínio de terceiros. Somente para
fins de maior esclarecimento ao leitor, pois a temática do domínio das ilhas
marítimas é predominantemente pacífica na doutrina, segue breve citação de
Carvalho Filho (2011), que estabelece o seguinte no que diz respeito a essas
ilhas (oceânicas e costeiras):
a) integram, como regra, o domínio da União;
b) nelas pode haver áreas do domínio dos Estados, Municípios ou de
terceiros particulares (art. 26, II);
c) nas ilhas costeiras, pertence ao Município a área em que estiver
localizada a sua sede; e
d) nessa hipótese, porém, excluem-se do domínio municipal as áreas
afetadas a serviço público ou qualquer unidade ambiental federal
(CARVALHO FILHO, 2011, p. 1113).


Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Retornando à temática das ilhas fluviais, vale observar que foi somente
na recém referida obra administrativista de Carvalho Filho (2011) que
foram encontrados mais detalhamentos sobre os bens públicos em espécie,
consequentemente, sobre o domínio público de ilhas fluviais em rios da União.
Com efeito, o referido autor resume o caso das ilhas fluviais e lacustres da
seguinte maneira:
[...], como regra, pertencem aos Estados-membros (art. 26, III, CF).
Pertencerão à União, no entanto, se:
a) estiverem em zonas limítrofes com outros países (art. 20, IV); e
b) se estiverem em águas do domínio da União ou que demarquem
a fronteira com países estrangeiros (art. 20, III, CF) (CARVALHO
FILHO, 2011, p. 1114).

Na citação acima, Carvalho Filho (2011) insere uma nota de rodapé de


número 253, assim se manifestando:
Tem havido controvérsias sobre o domínio das ilhas internas situadas
em rios e lagos pertencentes ao Estado. Não obstante, parece-nos claro
que a Constituição só quis atribuir ao domínio da União as ilhas fluviais
e lacustres nas faixas de fronteiras por razões de defesa e segurança
nacional. As que se situam nas águas do domínio da União também
serão, logicamente, de seu domínio. Fora dai, o domínio é dos Estados,
como emana do art. 26, III, da CF. Cf. a respeito HELY LOPES
MEIRELLES (p. 462-463).

Cumpre destacar que em toda doutrina administrativista aqui consultada


as ilhas, quando não afetadas, são classificadas como bens dominicais, ou seja,
de propriedade do poder público. Esta posição adquire respaldo legal por meio
do art. 25 do Código de Águas, que assim ordena “As ilhas ou ilhotas, quando
de domínio público, consideram-se coisas patrimoniais, salvo se estiverem
destinadas ao uso comum.”
Ademais da doutrina aqui citada, cabe chamar atenção para o decreto-
o
lei n 9.760, de 05 de setembro de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da
União e dá outras providências. O referido Decreto-lei arrola, em seu art. 1o,
os bens da União:

!
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:


a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;
b) os terrenos marginais dos rios navegáveis, em Territórios Federais,
se, por qualquer título legítimo, não pertencerem a particular;
c) os terrenos marginais de rios e as ilhas nestes situadas na faixa
da fronteira do território nacional e nas zonas onde se faça sentir
a influência das marés;
d) as ilhas situadas nos mares territoriais ou não, se por qualquer
título legítimo não pertencerem aos Estados, Municípios ou
particulares;
e) a porção de terras devolutas que for indispensável para a defesa
da fronteira, fortificações, construções militares e estradas de ferro
federais;
f) as terras devolutas situadas nos Territórios Federais;
g) as estradas de ferro, instalações portuárias, telégrafos, telefones,
fábricas oficinas e fazendas nacionais;
h) os terrenos dos extintos aldeamentos de índios e das colônias
militares, que não tenham passado, legalmente, para o domínio dos
Estados, Municípios ou particulares;
i) os arsenais com todo o material de marinha, exército e aviação, as
fortalezas, fortificações e construções militares, bem como os terrenos
adjacentes, reservados por ato imperial;
j) os que foram do domínio da Coroa;
k) os bens perdidos pelo criminoso condenado por sentença proferida
em processo judiciário federal;
l) os que tenham sido a algum título, ou em virtude de lei, incorporados
ao seu patrimônio. (grifo nosso)

Com efeito, o dispositivo jurídico acima exposto não permite uma nova
interpretação quanto à questão das ilhas fluviais em rios federais, somente
reproduzindo o que a legislação posterior vem ordenando: as ilhas marítimas,
em regra, são da União e as ilhas fluviais, em regra, são dos estados-membros.
Entretanto, vale ressaltar que a alínea “c” acima citada agrega ao patrimônio
da União, de maneira expressa, as ilhas fluviais que estiverem em zona
onde se faça sentir a influência das marés. No parágrafo único do art. 2o do

"#
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Durbens Martins Nascimento

próprio diploma legal em apreço, conceitua-se “influência das marés”, como a


“oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas,
que ocorra em qualquer época do ano”11.
Diante das diversas doutrinas e diplomas legais expostos, este
empreendimento entende como ilhas da União as marítimas, as fluviais e as
lacustres, considerando as seguintes exceções. No caso das ilhas marítimas,
são exceções: aquelas que são sede de município, de terceiros por títulos de
propriedade legítimos e os territórios que pertencem a estados-membros,
municípios ou terceiro no interior das ilhas. No caso das ilhas fluviais e
lacustres, são exceções: aquelas em rios estaduais que não recebem influência
de marés e aquelas que pertencem a terceiros por meio de títulos legítimos.
Seguem dois quadros que expressam o entendimento deste trabalho sobre a
dominialidade das ilhas.
Quadro 1: Dominialidade de ilhas fluviais
Tipo de rio Influência de marés Dominialidade da ilha
Federal Sim Federal
Federal Não Federal
Estadual Sim Federal
Estadual Não Estadual
Fonte: Elaboração própria (2013)

Quadro 2: Dominialidade de ilhas marítimas


Situação fática Dominialidade da ilha
Quando for sede municipal Municipal
Quando tiver áreas em seu interior de Pertence ao Estado somente o interior
domínio estadual sob seu domínio, podendo ser o restante
federal, municipal ou de terceiros
É a regra, ou seja, quando não for Federal
nenhuma das anteriores
Fonte: Elaboração própria (2013)

11
Para mais detalhes, consultar publicação do Ministério do Planejamento, disponível em:
http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/spu/publicacao/090707
_PUB_RegularizacaoPAS.pdf.

8$
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

Em conclusão, este tópico detalhou as diversas possibilidades de


domínio de uma ilha, posicionando-se expressamente sobre quais são as
ilhas que pertencem à União e que, consequentemente, poderão ser objeto de
regularização fundiária por parte da mesma. Dessa forma, o tópico a seguir
trata dos instrumentos jurídico-legais de regularização fundiária que a União
pode utilizar nas ilhas de seu domínio.

4 INSTRUMENTOS JURÍDICO-LEGAIS DE REGULARIZAÇÃO


FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Este tópico aborda os instrumentos jurídico-legais disponíveis para
que a União promova a regularização fundiária em suas ilhas, entendendo que
estes instrumentos podem ser pensados como as formas de uso ou alienação
dos bens públicos. Assim, duas seriam as formas de regularização fundiária
em ilhas da União: por meio do seu uso ou por meio da sua alienação. Inicia-
se pelo uso.

4.1 Utilização dos bens públicos

A doutrina formulou a seguinte classificação para a utilização dos bens


públicos: uso comum do povo ou uso especial/privativo. Esta classificação
sofre modificações em alguns doutrinadores, como por exemplo, Di Pietro
que, ampliando essa classificação, observa que o uso por particulares dos bens
públicos pode assumir diferentes formas, que dão lugar à dupla classificação:
a) pelo critério da conformidade ou não da utilização com o destino
principal a que o bem está afetado, o uso pode ser normal ou anormal;
b) pelo critério da exclusividade ou não do uso, combinado com o da
necessidade ou não de consentimento expresso da Administração, o
uso pode ser comum ou privativo(DI PIETRO, 2007, p. 631, grifo do
autor).

%&
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

A primeira classificação (uso normal ou anormal) caracteriza-se


por classificar o uso dos bens públicos segundo sua finalidade, ou seja, se
o particular está utilizando o bem público com o mesmo fim a que ele se
destina. Caso positivo, seu uso seria normal, caso negativo, seu uso seria
anormal. Na conceituação de Di Pietro (2007), “uso normal é o que se exerce
de conformidade com a destinação principal do bem; e uso anormal é o que
atende a finalidades diversas ou acessórias, às vezes em contradição com
aquela destinação” (DI PIETRO, 2007, p. 631, grifo do autor).
Di Pietro ainda divide esse uso normal/anormal em uso comum
normal/anormal ou uso privativo normal/anormal. Como exemplo do
uso comum normal, pode-se citar uma rua. Supondo-se que essa mesma rua
fosse utilizada, em um período determinado como espaço para evento local,
tem-se uso comum anormal, pois que este não é o fim a que se destina o bem,
contudo, ainda pode ser acessado por todos de maneira indiscriminada (ou
seja, ainda é comum) (DI PIETRO, 2007, p. 631, grifo do autor).
No caso do uso privativo normal, cita-se o caso das pessoas que detêm
permissão para uso de box em mercado municipal. O caso de uso privativo
anormal seria o exemplo das “barracas de café” postas nas calçadas: o fim
inicial das calçadas seria o trânsito de pedestres, contudo a mesma está sendo
utilizada de maneira privativa (o espaço usado exclui os outros, mesmo que o
serviço esteja disponível de maneira indiscriminada) e anormal (para vender
alimentos e não para a passagem de pedestres) (DI PIETRO, 2007, p. 631).
Sobre o uso comum, Di Pietro (2007, p. 632) observa que seria aquele
“[...] que se exerce em igualdade de condições, por todos os membros da
coletividade”. Em outras palavras, uso comum do povo seria aquela utilização
dos bens públicos de maneira a não discriminar nenhum usuário. Como
símbolo de bem a ser utilizado por todos, sem discriminação, seriam os bens
de uso comum previstos no art. 99, I do CC. Como exemplo citam-se os rios,
as praças, as ruas, as praias etc. Dando maior precisão a este tipo de uso de
bem público, assim se manifesta Carvalho Filho (2011, p. 1069): “Uso comum
é a utilização de um bem público pelos membros da coletividade sem que haja

'(
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

discriminação entre os usuários, nem consentimento estatal específico para


esse fim”.
Dessa forma, o uso comum dos bens públicos pode ser caracterizado
como: livres, podendo ser acessados por todos de maneira indiscriminada,
logo, são gerais, gratuitos (exceto por determinação legal contrária, segundo
o art. 103 do CC) e não têm a necessidade de consentimento expresso e
individualizado por parte do Estado. Contudo, sofrem regulamentação estatal
que é geral e de ordem pública, atendendo a necessidade de conservação do
bem, ou seja, regulamenta-se o seu uso para que permaneça em seu estado
normal, conservando, assim, a possibilidade de seu uso comum (MEIRELLES,
2008, p. 530-531; CARVALHO FILHO, 2011, p. 1069).
Sobre a regulamentação estatal do uso comum dos bens públicos, Di
Pietro se expressa de maneira a dar maior precisão sobre o tema, observando
que o bem comum:
está sujeito ao poder de polícia do Estado, que compreende a
regulamentação do uso, a fiscalização e a aplicação de medidas
coercitivas, tudo com o duplo objetivo de conservação da coisa
pública (coibindo e punindo qualquer espécie de ação danosa por
parte dos administrados) e de proteção do usuário (garantindo-lhe a
fruição do bem público de acordo com a sua destinação); no exercício
desse encargo, que constitui verdadeiro poder-dever do Estado,
a Administração não precisa necessariamente recorrer ao Poder
Judiciário, pois dispõe de meios próprios de defesa do domínio público,
que lhe permitem atuar diretamente; é o privilégio da administração
que José Cretella Junior chama de autotutela administrativa (RDA
108/57) (DI PIETRO, 2007, p. 632, grifo do autor).

O trecho acima citado se destaca dos demais na medida em que expõe


diversas características do uso comum dos bens públicos, especialmente a
característica relativa à possibilidade de regulamentação estatal por meio do
poder de polícia e pelo poder-dever, eliminando a necessidade da autorização
do Poder Judiciário, pois que detém a chamada autotutela administrativa,
sempre sujeita ao interesse público.

)*
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Restam ainda duas considerações sobre o uso comum dos bens públicos.
A primeira refere-se às condições de seu uso que podem ser alteradas de
diversas maneiras, consequentemente alterando os direitos e os deveres
dos usuários. Cita-se exemplo a título de maiores esclarecimentos. Se uma
determinada rua é fechada, os moradores dessa rua terão o direito subjetivo
público de reclamar providências do Estado, pois que são os usuários diretos
desse bem, enquanto que outros cidadãos detêm somente o interesse coletivo
na preservação do uso comum. Com isso percebe-se a diversidade de situações
fáticas a qual as pessoas estão submetidas na utilização comum dos bens
públicos, acarretando direitos e encargos diversos, mesmo que a princípio
todos tenham a mesma faculdade de utilização (MEIRELLES, 2008, p. 531).
A segunda consideração consiste nas problematizações de Di Pietro
sobre as utilizações de bens públicos que não são exercidas nem de maneira
indiscriminada e nem com exclusividade. Claro exemplo deste caso seriam
os pedágios que oneram o uso das estradas mesmo estas sendo bens
públicos. Assim, “o uso é exercido em comum (sem exclusividade), mas
remunerado ou dependente de título jurídico expedido pelo Poder Público”
(DI PIETRO, 2007, p. 633), ou seja, tem-se o uso comum desde que seja
diante de remuneração ou permissão do poder público. Para a autora em tela,
essa modalidade de uso seria denominada de uso comum extraordinário,
“terminologia de Amaral (1972, p.108)”. Nas palavras de Di Pietro, o referido
autor parte do pressuposto:
[...] de que o uso comum será sujeito a determinadas regras: a
generalidade (porque pode ser exercido por todos); a liberdade (porque
dispensa autorização); a igualdade (porque deve ser garantido a todos
em igualdade de condições); e a gratuidade (porque dispensa pagamento
de qualquer prestação pecuniária). Quando exercido em conformidade
com essas regras, o uso comum é ordinário. Porém, cada uma dessas
regras comporta exceções, subordinada a regimes diversos; cada
exceção corresponde a uma modalidade de uso comum extraordinário
(DI PIETRO, 2007, p. 634).

Este noção de uso comum extraordinário é análoga à classificação


de Carvalho Filho (2011), para o uso especial dos bens públicos. Para este
+,
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

autor, o uso especial seria o oposto de uso comum, englobando, assim, todas
as suas exceções. Entre essas exceções situam-se o uso privativo, o uso
compartilhado e os cemitérios públicos, corolário de todas as exceções. Por
outro lado, Meirelles (2008, p. 530) classifica o uso dos bens públicos somente
em comum e especial.
Diante das considerações acima expostas, este trabalho entende
que, em resumo, o bem público tem dois tipos de utilização, a especial (que
engloba o uso privativo) e a comum. Esta última caracteriza-se por ser geral,
disponível a todos os seres humanos de maneira indiscriminada, ademais de
ser regulamentada pelo Estado para conservar sua finalidade pública. Com
efeito, os bens de uso especial não serão detalhados em espécie, cabendo
considerações e a análise em espécie somente do uso privativo, pois que este se
configura como o instrumento jurídico-legal mais plausível para o exercício
da regularização fundiária dos bens públicos. Segue as considerações sobre os
bens de uso privativo.

4.1.1 Uso privativo

Uso privativo, nas palavras de Di Pietro (2007, p. 634), seria aquele


“[...] que a Administração Pública confere, mediante título individual,
a pessoa ou grupo de pessoas determinadas, para que o exerçam, com
exclusividade, sobre parcela de bem público.”. Este uso pode ser outorgado
tanto para pessoas físicas como jurídicas, de direito público ou privado. Duas
são sua características essenciais: a exclusividade do uso para a finalidade que
foi consentido; obrigatoriedade de um título jurídico individual, meio pelo
qual a Administração Pública outorga o uso e estabelece as condições em que
será exercido (DI PIETRO, 2007, p. 634).
Carvalho Filho acrescenta outras duas características ao uso privativo:
a precariedade e o regime de direito público. Precariedade no sentido de que
sempre prevalecerá o interesse público, em qualquer tempo, não cabendo, em
regra, indenização. Regime de direito público no sentido de que a outorga de

-.
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

uso está limitada por algumas regras do direito público, sempre atendendo
ao interesse público.
Dando maior precisão à noção de precariedade, Di Pietro lança mão
das observações de Cretella Junior, o qual aponta dois sentidos para o termo
em apreço:
a) revogável a qualquer tempo, por iniciativa da Administração, com ou
sem indenização, e, nesse caso, tanto as permissões como as conceções
são sempre precárias;
b) outorga para utilização privativa do bem público sem prazo fixo,
revogável, pois, sem indenização” (CRETELLA JÚNIOR, 1972 apud
DI PIETRO, 2007, p. 635).

O primeiro sentido constitui-se como aquele que se estende ao uso


privativo de bens públicos, pois sempre será possível revogação da outorga
em virtude de interesse público, sobrepondo-se, inclusive, a outorga feita por
contrato com prazo determinado (DI PIETRO, 2007). De maneira geral a
doutrina é pacífica quanto às formas de outorga de bem público, surgindo
poucas divergências. Meirelles elenca sete formas de outorga: autorização de
uso; permissão de uso; concessão de uso; cessão de uso; concessão especial de
uso; concessão de direito real de uso; enfiteuse ou aforamento.
Para Carvalho Filho (2011), a enfiteuse (ou aforamento) faz parte
das formas de uso sob regime de direito privado. A estas, o referido autor
acrescenta mais três: o direito de superfície, a locação e o comodato.
De maneira singular, Di Pietro (2007) classifica as formas de uso do
bem público pelo título jurídico individual, que pode ser público ou privado.
Quando público, obrigatoriamente deverá outorgar o uso dos bens públicos
somente da categoria especial e de uso comum através da autorização,
permissão e concessão. No caso dos títulos privados, os bens a serem usados
devem ser obrigatoriamente dominicais, sendo as formas de uso regidas
por direito privado em consonância com o direito público, abrangendo os
seguintes instrumentos jurídicos: locação, arrendamento, comodato, enfiteuse
e a concessão de direito real de uso.

/0
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

Diante do exposto, percebe-se que a classificação e as formas de uso


se alteram de maneira quase que irrelevante, de tal sorte que este trabalho
expõe todas as formas citadas nas obras consultadas de maneira supletiva.
Entretanto, visando fins de uma melhor organização textual, estas formas
serão classificadas segundo os critérios de Carvalho Filho (2011), ou seja, as
formas de uso especial privativo serão divididas entre aquelas que são regidas
por direito público e aquelas regidas por direito privado.

4.1.1.1 Autorização de uso

Configura-se como ato administrativo unilateral, por meio do qual


“[...] o poder público consente que determinado indivíduo utilize bem público
de modo privativo, atendendo primordialmente a seu próprio interesse”
(CARVALHO FILHO, 2011, p. 1076).
Ademais de ser caracterizada como unilateral, a autorização de uso
também é discricionária e precária, ou seja, o ato depende de valoração do poder
público sobre a conveniência e a oportunidade em conceder o consentimento,
sendo o referido ato revogável a qualquer tempo, sem qualquer direito de
indenização em favor do administrado (desde que atendendo questões de
interesse público supervenientes, cabendo algumas poucas exceções). Cumpre
frisar que na autorização o interesse que prevalece é o particular, decorrendo
importantes efeitos deste fato, elencados por Di Pietro:
1. a autorização reveste-se de maior precariedade do que a permissão
e a concessão;
2. é outorgada, em geral, em caráter transitório;
3. confere menores poderes e garantias ao usuário;
4. dispensa licitação e autorização legislativa;
5. não cria para o usuário um dever de utilização, mas simples
faculdade (DI PIETRO, 2010, p. 695, grifo do autor).

Di Pietro (2010) também observa que este ato pode ser outorgado a título
oneroso ou gratuito, simples (sem prazo) ou qualificado (comprazo). Neste
último caso, o prazo retira da autorização seu caráter precário, permitindo
12
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

indenização ao particular em função do seu direito público subjetivo,


vinculando o Estado ao termo final previamente fixado, consequentemente,
“se razões de interesse público obrigarem à revogação extemporânea, ficará o
poder público na contingência de ter de pagar indenização ao particular, para
compensar o sacrifício de seu direito” (DI PIETRO, 2010, p. 695).

4.1.1.2 Permissão de uso

Segundo conceituação de Carvalho Filho (2011, p. 1078), a permissão


de uso seria um ato administrativo “[...] pelo qual a Administração consente
que certa pessoa utilize privativamente bem público, atendendo ao mesmo
tempo aos interesses público e privado”.
A diferenciação da permissão de uso para a autorização de uso refere-se
ao nivelamento dos interesses. Enquanto que neste o interesse predominante
é o privado, naquele há uma igualdade de interesses (MEIRELLES, 2008).
Vale ressaltar que as características são idênticas, pois a permissão de uso é
ato unilateral, discricionário e precário, pelas mesmas razões da autorização
de uso. De maneira a encerrar este assunto, Di Pietro elenca três diferenças
entre os referidos atos:
1. enquanto a autorização confere a faculdade de uso privativo no
interesse privado do beneficiário, a permissão implica a utilização
privativa para fins de interesse coletivo;
2. dessa primeira diferença decorre outra, relativa à precariedade.
Esse traço existe em ambas as modalidades, contudo é mais acentuado
na autorização, justamente pelas finalidades de interesse individual; no
caso da permissão, que é dada por razões de predominante interesse
público, é menor o contraste entre o interesse do permissionário e o do
usuário do bem público;
3. a autorização, sendo dada no interesse do usuário, cria para este
uma faculdade de uso, ao passo que a permissão, sendo conferida no
interesse predominantemente público, obriga o usuário, sob pena de
caducidade do uso consentido (DI PIETRO, 2010, p. 696, grifo do
autor).

33
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

Há de se mencionar, ainda, a questão da licitação. Meirelles (2008)


observa que a outorga da permissão de uso, em regra, exige o processo
licitatório. Sobre esta temática, Carvalho Filho (2011, p. 1079) esclarece que a
exigência de licitação é “necessária sempre que for possível e houver mais de
um interessado na utilização do bem, evitando-se favorecimentos ou preterições
ilegítimas.”. Em alguns casos especiais a licitação será inexigível, como o caso
de uma calçada em frente a um bar, sorveteria, padaria, lanchonete etc.
Para esclarecer esta questão, deve-se primeiramente entender a
classificação que Di Pietro elaborou para a permissão de uso. A referida
autora classifica este ato administrativo em qualificado ou simples,
observando que quando é estipulado um prazo para a permissão de uso,
reduz-se a precariedade do ato. Di Pietro chega a comparar a permissão de
uso qualificada com a concessão de uso, observando que em ambos os casos o
usuário adquire o direito subjetivo à indenização em caso de revogação antes
do prazo determinado, não tendo o ato administrativo nenhuma feição de
precariedade.
Assim, Di Pietro observa que o art. 2° da lei 8.666/93 elenca os atos
administrativos que necessitam obrigatoriamente de licitação, entre eles a
permissão de uso. Ocorre que o referido dispositivo utiliza a expressão
“quando contratados por terceiros”, permitindo a interpretação de que
os atos em seu caput somente necessitariam de licitação se assumissem a
forma contratual. Reforçando este entendimento, está o parágrafo único do
dispositivo em apreço, que conceitua contrato como “todo e qualquer ajuste
entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que
haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de
obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.”
Dessa forma, entende-se que, em regra, a permissão de uso é ato
unilateral precário sem obrigatoriedade de licitação. Contudo, quando
assumir a forma contratual (como ocorre na permissão qualificada), deverá
ser obrigatoriamente precedida de licitação, sendo eliminados os contornos
de precariedade deste ato.

45
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Faz-se imperioso observar que existem exceções à obrigatoriedade


da licitação nas permissões de uso com formato contratual. Estas exceções
seriam aquelas previstas em lei, figurando como exemplo a hipótese do art.
17, I, f, da lei 8.666/93, que são os casos de:
f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito
real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais
construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de
programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse
social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração
pública;(Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007).

4.1.1.3 Concessão de uso

Concessão de uso seria “[...] o contrato administrativo pelo qual


o Poder Público confere à pessoa determinada o uso privativo de bem
público, independentemente do maior ou menor interesse público da pessoa
concedente” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 1080). Novamente tem-se o
uso privativo dos bens públicos, porem, a Concessão de Uso traz algumas
minúcias.
A primeira delas é a forma jurídica: enquanto que os instrumentos
anteriores se formalizavam por ato administrativo, a Concessão de
Uso formaliza-se por contrato administrativo. Com isso surge outro
diferencial: as primeiras eram ato unilateral da Administração Pública,
enquanto que a segunda tem caráter bilateral, consequentemente, deixa
de ser precária.
Quanto à discricionariedade, pode-se dizer que há dois entendimentos.
Um seria o de que o instrumento jurídico em pauta ainda mantém a
discricionariedade na medida em que só é passível de ser outorgado se houver
interesse público (CARVALHO FILHO, 2011, p. 1080). Outra posição seria o
de que não há de se falar na discricionariedade, pois “[...] obedece a normas
regulamentares e tem a estabilidade relativa dos contratos administrativos,
gerando direitos individuais e subjetivos para o concessionário, nos termos
do ajuste” (MEIRELLES, 2008, p. 536).

9:
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

As duas posições acima expostas são aparentes contraditórias,


visto que a primeira posição refere-se à discricionariedade na motivação
da outorga da Concessão de Uso, prevalecendo o interesse público ainda
no início dessa outorga, enquanto que a segunda posição refere-se ao
processo de implantação da Concessão de Uso, o qual não está submetido à
discricionariedade do Estado, mas sim ao contrato que foi celebrado. Assim,
há discricionariedade em princípio, não se estendendo a mesma ao tempo de
implantação do instrumento jurídico em apreço. Sobre esta temática cabe
salientar a problematização construída por Meirelles.
Na concessão de uso, como, de resto, em todo contrato administrativo,
prevalece o interesse público sobre o particular, razão pela qual é
admitida a alteração de cláusulas regulamentares do ajuste até mesmo
sua rescisão antecipada, mediante composição dos prejuízos, quando
houver motivo relevante para tanto (MEIRELLES, 2008, p. 536).

Di Pietro (2010, p. 698), caracterizando de maneira mais precisa a


concessão de uso em relação aos atos administrativos passados, observa que
esta, em regra, é instituída nos casos em que a utilização do bem público
objetiva o exercício de atividades de maior vulto, consequentemente, mais
onerosas para o concessionário.
De maneira a consolidar a caracterização da Concessão de Uso, Di
Pietro observa que a sua natureza é de contrato público, sinalagmático,
comutativo e realizado intutitupersonae. Assim, o contrato em questão concede
ao seu titular um direito pessoal de uso especial sobre o bem público, privativo
e intransferível sem prévio consentimento da Administração Pública. Por
fim, cumpre frisar que este contrato admite fins lucrativos (MEIRELLES,
2008, p. 536).
Cabe destacar as divisões doutrinárias sobre a Concessão de Uso, que
pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado. Di
Pietro (2010, p. 699) também chama a atenção para outras duas modalidades,
a saber: a exploração ou o simples uso; concessão de uso de utilidade pública
ou de utilidade privada. Estas modalidades da Concessão de Uso explicam-se
pelo próprio título.

;<
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Quanto à exigência de edital, a doutrina é unânime na resposta positiva,


sendo a exceção quando o caso não comportar regime de normal competição
entre eventuais interessados. A questão do prazo também é unânime na
doutrina, sendo a fixação do prazo obrigatória (CARVALHO FILHO, 2011).
Finalmente, cabe citar a concessão especial para fins de moradia
(CUEM), disciplina na Medida Provisória 2.220, de 04 de setembro de
2001, dando cumprimento ao art. 183, parágrafo primeiro da CF. Na
legislação imobiliária da União, a CUEM está prevista na lei 9636/98 (art.
22ª, acrescentado pela lei 11.481/07). Este instrumento jurídico figura
como uma medida de regularização fundiária, contudo em espaço urbano,
assim, não será tratada por este trabalho, que foca ilhas da União, espaço
predominantemente classificado como rural. Para mais detalhes sobre a
CUEM, consultar Meirelles (2008, p. 537-538), Carvalho Filho (2011, p.
1084-1089) e especialmente Cardoso (2010).

4.1.1.4 Cessão de uso

É um ato de colaboração dentro do próprio Estado, em que seus


vários componentes podem ajudar-se, cedendo bens desnecessários de uma
repartição pública para outra que o necessita (MEIRELLES, 2008). Nas
palavras de Carvalho Filho (2011, p. 1089), seria aquela cessão na qual “[...]
o Poder Público consente o uso gratuito de bem público por órgãos da mesma
pessoa ou de pessoa diversa, incumbida de desenvolver atividade que, de
algum modo, traduza interesse para a coletividade”.
A doutrina majoritária entende que a cessão deve ser instrumento
mediador de transferência de posse de um bem público de domínio de um
setor da Administração Pública para outro setor da Administração Pública, ou
seja, em regra, o bem deve ficar exclusivamente sob o uso, posse e domínio do
Estado (consequentemente regido por direito público). A divergência sobre o
assunto está na possibilidade de cessão entre entes diferentes da Administração
Pública, assim como para a Administração Pública Indireta. A polêmica se
agiganta no caso de cessão de uso de bem público para pessoa privada. Este
trabalho adota a posição de Carvalho Filho, que assim se manifesta:

=>
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

A cessão de uso, entretanto, pode efetivar-se também entre órgão de


entidades públicas diversas. Exemplo: os Estado cede grupo de salas
situadas em prédio de uma de suas secretarias para a União instalar
um órgão do Ministério da Fazenda. Alguns autores limitam a cessão
de uso às entidades públicas. Outros a admitem para entidades da
Administração Indireta. Em nosso entender, porém, o uso pode ser
cedido também, em certos casos especiais, a pessoas privadas, desde
que desempenhem atividade não lucrativa que vise a beneficiar, geral
ou parcialmente, a coletividade. Citamos, como exemplo, a cessão
de uso de sala, situada em prédio público, que o Estado faz a uma
associação de servidores. Ou entidade beneficente de assistência social.
Aliás, tais casos não são raros na administração. O que nos parece é
que tais casos sejam restritos a esse tipo de cessionários, impedindo-se
que o benefício do uso seja carregado a pessoas com intuito lucrativo
(CARVALHO FILHO, 2011, p. 1089).

No caso específico da União, o autor em tela observa que


Nela é prevista a seção gratuita de uso de bens imóveis federais quando
o governo federal pretende concretizar “auxílio ou colaboração que
entenda prestar”. Em outro diploma admitiu-se a cessão a “Estados,
Municípios e entidades sem fins lucrativos, de caráter educacional,
cultural ou de assistência social”. É verdade, todavia, que os demais
entes federativos têm autonomia para estabelecer uma ou outra
condição a mais. Não obstante, a legislação federal bem aponta as linhas
básicas dessa forma de uso (CARVALHO FILHO, 2011, p. 1089).

4.1.1.5 Concessão de direito real de uso (CDRU)

A CDRU é um tipo de contrato pactuado pela Administração,


transferindo o uso “remunerado ou gratuito de terreno público a particular,
como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de
urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração
de interesse social”. Segundo Meirelles (2008, p. 538), este é o conceito que
se pode extrair do art. 7° do Dec.-lei federal 271, de 28 de fevereiro de 1967.
Meirelles (2008, p. 538) também observa que a CDRU ao transferir
direito real de uso, caracteriza-se por ser ato inter vivos ou por sucessão
legítima ou testamentária, podendo ser, como os demais direitos reais sobre

?@
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

coisas alheias, a título gratuito ou remunerado, “[...] com a só diferença de


que o imóvel reverterá à Administração concedente se o concessionário ou
os seus sucessores não lhe derem o uso prometido ou o desviarem de sua
finalidade contratual.” Com isso, o Estado garante que a finalidade para
qual o contrato foi pensado será realizada, evitando aquisição do domínio
e possível especulação imobiliária do imóvel, sem lhe dar uma finalidade de
interesse público.
Este instituto se assemelha à concessão de uso, mas, segundo Carvalho
Filho (2011, p. 1083), existem dois pontos que os diferenciam. Enquanto que
esta última instaura relação jurídica de caráter pessoal, pois as partes têm
relação meramente obrigacional, a CDRU outorga direito real. Ademais, a
CDRU tem seus fins legalmente delimitados, enquanto que a Concessão de
Uso dependerá do caso.
A 11.481/07 também inclui no CC a CDRU como direito suscetível
de hipoteca (art. 1.473, IX). É permitida estipulação de prazo para a CDRU.
Consequentemente, o direito real da CDRU também poderá ser objeto de
alienação fiduciária, ficando a garantia desta alienação restrita ao prazo de
duração da CDRU (CARVALHO FILHO, 2011, p. 1083). Vale observar que
a 11.481/07 permite alienação fiduciária tanto para pessoa física ou jurídica,
não sendo exclusividade das entidades que operam no Sistema Financeiro
Imobiliário. A 11.481 também concede isenção de custas ao primeiro registro
do direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fundiária
de interesse social (MEIRELLES, 2008, p. 539)12.
Como assinalado por Meirelles, a CDRU é transmissível por ato inter
vivos ou causa mortis, sendo inafastável a observância dos fins da concessão. A
escritura pública ou termo administrativo podem figurar como instrumento
de formalização, devendo o direito real ser inscrito no competente Registro
de Imóveis (CARVALHO FILHO, 2011, p. 1083).
Para a celebração da CDRU, é exigido lei autorizadora e licitação
prévia, salvo disposição legal expressa, como é o caso das CDRU com fins de
12
A Lei a 11.481 também alterou o art. 1225, XII CC.

AB
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Thales Maximiliano Ravena Cañete

regularização fundiária, ou no caso de concessão a outro órgão administrativo,


como previsto no art. 17, parágrafo 2°, Lei n° 8.666/93 (CARVALHO FILHO,
2011, p. 1084).
Nas concessões federais o Dec. N° 5.732/06, em seu art. 1°, estipula
um limite territorial máximo de 500 ha, como observado por Carvalho Filho
(2011, p. 1084).

4.1.1.6 Formas de direito privado

A titulo de citação segue as formas de direito privado: Enfiteuse;


Direito de Superfície; Locação; Comodato.

4.2 Alienação dos bens públicos

Este tópico somente explicitará a legitimação de posse, pois é a mais


adequada para os fins de reforma agrária, permitindo-se somente citar as
outras formas de alienação dos bens públicos, a saber: Venda; Doação; Dação
em Pagamento; Permuta; Investidura; Concessão de Domínio.

4.2.1 Legitimação de posse

Para Carvalho Filho (2011, p. 1104), legitimação de posse configura-


se como o instituto pelo qual o Poder Público reconhece a posse legítima do
interessado e a observância dos requisitos fixados em lei, transferindo a ele a
propriedade integrante do patrimônio público.
Nas palavras de Helly Lopes Meirelles (2008, p. 548), a legitimação de
posse seria o “modo excepcional de transferência de domínio de terra devoluta
ou área pública sem utilização, ocupada por longo tempo por particular que
nela se instala, cultivando-a ou levantando edificação para o seu uso”. O
referido autor também observa que este instituto jurídico deve ser feito na
forma da legislação pertinente, no caso dos bens da União, na forma prevista

CD
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/64). O referido diploma legal, em seus art.
11 e 97 a 102, disciplina o procedimento de expedição do título de legitimação
de posse.
Assim, após a expedição do título de legitimação de posse (que, segundo
observação de Meirelles (2008, p. 549), é, na verdade, título de transferência
de domínio), seu destinatário deverá levá-lo a registro, podendo encontrar
quatro situações distintas: o imóvel não está registrado; o imóvel está
registrado no próprio nome do legitimado; o imóvel está registrado em nome
de antecessor do legitimado; o imóvel está legitimado em nome de terceiro
estranho ao legitimado (MEIRELLES, 2008, p. 549).
No primeiro caso narrado acima, o título de legitimação deve ser
registrado normalmente. No segundo e no terceiro caso, os registros
anteriores serão substituídos pelo presente título. No quarto e último caso,
a legitimação de posse é registrada, ficando sem efeito o registro anterior.
Prevalecerão, em qualquer dos casos narrados acima, as metragens descritas
no título em apreço, pois a finalidade precípua deste ato é a “... regularização
da propriedade pública e das aquisições particulares por essa forma anômala,
mas de alto sentido social” (MEIRELLES, 2008, p. 549).
Vale observar que a expressão “legitimação de posse” é imprópria, pois
o Poder Público não só reconhece a posse, mas, presente os requisitos legais,
procede à regularização fundiária, dando legitimidade à ocupação por um
período e, de maneira subsequente, efetiva à alienação visando a transferência
do domínio para o possuidor (CARVALHO FILHO, 2011, p. 1104).
O referido autor faz breve regressão histórica, remetendo o leitor à
Constituição de 1967, que rezava, em seu art. 171, a admissão legal do título
em apreço. O referido dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei
n° 6.383/76, que estabelece vários requisitos para a configuração do instituto.
Primeiramente, o diploma legal em apreço criou uma licença de ocupação
que estipulava um prazo máximo de quatro anos. Passados os quatro anos,
admite-se a transferência da área, desde que: a extensão máxima fosse de

EF
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

100 hectares; nela o posseiro tivesse morada permanente; fosse explorado


diretamente o cultivo da área; que o posseiro não fosse proprietário rural
(CARVALHO FILHO, 2011, p. 1104).
Sobre o processo acima exposto, cabe frisar as palavras de Carvalho
Filho (2011):
A legitimação de posse tem caráter eminentemente social e visa
atender as pessoas que exercem atividade agrícola em terras públicas,
não com fins especulativos, mas sim a titulo de moradia e trabalho.
Assim, satisfeitas as condições legais, e decorrido o prazo da licença
de ocupação, o interessado recebe título de domínio (CARVALHO
FILHO, 2011, p. 1104-1105).

Ainda se faz imperioso observar que o título em apreço pode ser extinto
pelo Poder Público se for comprovado que o particular não está na posse do
imóvel ou se não houve qualquer registro de cessão da posse. Com isso, o Poder
Público deverá cancelar o título no registro de imóveis por averbação, evitando,
dessa forma, desvirtuar o instituto diante do desinteresse do beneficiário
(CARVALHO FILHO, 2011, p. 1105).
Não se faz necessária a licitação, pois que o próprio beneficiário é o
ocupante da área a ser regularizada, eliminando qualquer tipo de competição.
A legitimação de posse também dispensa autorização legislativa, desde que
o ocupante preencha os requisitos legais da Lei 6.383/76 (CARVALHO
FILHO, 2011, p. 1105).

5 CONCLUSÃO

Este trabalho demonstrou a possibilidade de regularização fundiária


de ilhas da União para populações, povos e comunidades tradicionais. Esses
grupos sociais nos últimos anos vêm ganhando espaço no cenário nacional
a partir da sua luta por ter seu direito à diferença reconhecido, obrigando
os detentores do capital jurídico a conceder-lhes novos direitos. Cada vez

GH
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

mais a sociedade vem aceitando esses direitos, assim como visualizando esses
agentes sociais como parceiros na conservação do meio ambiente (RAVENA-
CAÑETE e RAVENA-CAÑETE, 2011).
Com efeito, para que essas populações tenham seus direitos garantidos, o
Estado brasileiro deve regularizar suas terras, utilizando-se dos instrumentos
jurídicos apresentados no decorrer deste trabalho.
Dentre as terras da União, as ilhas assumem destaque no cenário
amazônico, pois uma grande parte da população é ribeirinha, sendo que dessa
população uma parte reside nas ilhas. Dessa forma, a União pode promover
a regularização fundiária em suas próprias terras, não necessitando focar em
políticas agrárias e fundiárias com objeto nas terras privadas.
Dentre os instrumentos de regularização fundiária de terras públicas,
destaca-se a CDRU, que garante aos usuários dos bens públicos, direitos
diversos, como o de transmissão inter vivos ou sucessão, usar/gozar do bem
público de maneira a preservar a sua cultura etc.
Com efeito, conclui-se que a regularização fundiária da Amazônia
brasileira ainda está longe de se concretizar. Contudo, os primeiros passos
estão sendo dados, aparentemente, na direção mais correta. As terras públicas,
dentre elas as ilhas, podem e devem ser objeto de regularização fundiária, pois
se constituem em grande parte das terras da Amazônia. Com isso, ganham
os ribeirinhos, com maior segurança sobre a permanência nas terras que
ocupam, ganha o Estado que promove a regularização fundiária e garante o
uso sustentável de suas terras e, consequentemente, ganha o povo brasileiro,
com uma sociedade mais justa, igualitária e dona de suas terras.

REFERÊNCIAS
BENATTI, Jose Heder. Direito de propriedade e proteção ambiental
no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais no imóvel rural. 2003.
Tese (Doutorado em Ciências Socioambientais) – Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 2003.

IJ
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

CARDOSO, Patrícia de Menezes. Democratização do acesso à propriedade


pública no Brasil: função social e regularização fundiária. 2010. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2010.
CARVALHO, Edson Ferreira de. Manual didático de direito agrário.
Curitiba: Juruá, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito Administrativo. São Paulo:
Atlas, 2010.
. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2007.
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2008.
GUERRA, Evandro Martins. Bens da União. In: MOTTA, Carlos Pinto
Coelho (coord.). Curso Prático de Direito Administrativo. Belo Horizonte:
DelRey, 2ª ed., p. 985-1009, 2004.
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo:
Revista dos Tribunais/Malheiros, 2008.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros Editores, 26ª ed. , pp. 1102, 2009.
RAVENA-CAÑETE, Thales; RAVENA-CAÑETE, Voyner. Por uma
sociologia do campo jurídico na/da Amazônia: as populações tradicionais
amazônicas em foco. In: Revista Sociologia Jurídica. Número 13, 2011.
Disponível em: <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-13/280-
canete-thales-maximiliano-ravena-por-uma-sociologia-do-campo-juridico-
nada-amazonia-as-populacoes-tradicionais-amazonicas-em-foco>. Acessado
em 10 de setembro de 2013.

KK
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

SOUZA FILHO, Juvenal Boller. Instrumentos jurídicos de uso e alienação


de terras públicas. In: LARANJEIRA, Raimundo (coord.). Direito agrário
brasileiro. São Paulo: LTr, 1999.p. 35-64.
TRECCANI, Girolamo Domenico. Regularizar a terra: um desafio para
as populações tradicionais de Gurupá. 2003. Tese (Doutorado em Ciências
Socioambientais) – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade
Federal do Pará, Belém, 2006.

LMM
INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ILHAS DA UNIÃO
Thales Maximiliano Ravena Cañete

Apêndice A: Legislações sobre bens da união


Instrumento legislativo Disposição
Lei No 601, de 1850 Dispõe sobre as terras devolutas do Império.
Decreto-Lei No 9.760, de 05 de Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá
setembro de 1946 outras providências.
Decreto-Lei No 200, 25 de fevereiro Dispõe sobre a organização da Administração
de 1967 Federal, estabelece diretrizes para a Reforma
Administrativa e dá outras providências.
Lei No6.383, de 07 de dezembro de Dispõe sobre o Processo Discriminatório
1976 de Terras Devolutas da União, e dá outras
providências.
Decreto-Lei No 2.375, de 24 de Revoga o Decreto-lei nº 1.164, de 1º de abril
novembro de 1987 de 1971, dispõe sobre terras públicas, e dá
outras providências.
Decreto-Lei No 2.398, de 21 de Dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de
dezembro de 1987 ocupação relativas a imóveis de propriedade
da União, e dá outras providências.
Lei No 9.636, de 15 de maio de 1998 Dispõe sobre a regularização, administração,
aforamento e alienação de bens imóveis de
domínio da União, altera dispositivos dos
Decretos-Leis nos9.760, de 5 de setembro de
1946, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987,
regulamenta o § 2o do art. 49 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, e
dá outras providências.
Lei No 11.481, de 31 de maio de 2007 Dá nova redação a dispositivos das Leis nos
9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21
de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho
de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002
- Código Civil, 9.514, de 20 de novembro
de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de
1973, e dos Decretos-Leis nos9.760, de 5 de
setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro
de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e
2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê
medidas voltadas à regularização fundiária
de interesse social em imóveis da União; e
dá outras providências.

NON
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Lei No 11.952, de 25 de junho de 2009 Dispõe sobre a regularização fundiária das


ocupações incidentes em terras situadas
em áreas da União, no âmbito da Amazônia
Legal; altera as Leis nos8.666, de 21 de junho
de 1993, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973;
e dá outras providências.

PQR
O PERFIL DAS COMUNIDADES RURAIS BENEFICIÁRIAS
DE TAUS EM ABAETETUBA-PA: UMA ANÁLISE
SOCIOECONÔMICA E ESPACIAL

Wilson Max Costa Teixeira13, Tomás Henrique Costa14,


Dirce Brito15, GlíciaTatiane Medeiros de Melo16, José Ronílson Leite
Corrêa17, Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira18

1 INTRODUÇÃO: METODOLOGIA, AMOSTRA E TÉCNICAS DE


ANÁLISE
Este artigo analisa dados socioeconômicos coletados pela
Superintendência do Patrimônio da União no estado do Pará (doravante
SPU/PA) junto à comunidades ribeirinhas do município de Abaetetuba (PA),
objetivando construir um perfil socioeconômico dos ribeirinhos que são
beneficiários da política de regularização fundiária promovida pela SPU/PA.
O levantamento dos dados da presente pesquisa foi realizado em
períodos intermitentes, durante os anos de 2009 a 2012, na cidade de
Abaetetuba, por ocasião do cadastramento de famílias na ação de regularização
13
Cientista Político, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da
Universidade Federal do Pará, bolsista de pós-graduação da SPU/PA.
14
Graduando em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará, bolsista de
graduação da SPU/PA.
15
Pedagoga e coordenadora de campo do projeto.
16
Graduanda em Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade Federal do Pará,
bolsista de graduação da SPU/PA.
17
Graduando do curso de Geologia da Universidade Federal do Pará, bolsista de graduação
da SPU/PA.
18
Graduando em Serviço Social da Universidade Federal do Pará, bolsista de graduação da
SPU/PA.

STU
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

fundiária realizada pela SPU/PA. O cadastro foi efetuado por 8 servidores


desta instituição19 que percorreram áreas rurais do município, algumas de
difícil acesso, como a área insular, que abarca considerável parte do município,
num complexo de 73 ilhas que foram contempladas por esta política.
O questionário utilizado neste levantamento contava com cerca de 31
perguntas, das quais boa parte estava voltada ao expediente jurídico necessário
à emissão do TAUS20, instrumento jurídico-administrativo utilizado para
regularizar o uso da terra e dos recursos naturais por parte dos ribeirinhos em
áreas da União. As informações coletadas junto aos ribeirinhos foram reunidas
em diversos bancos de dados pelos servidores da SPU durante o processo
de cadastramento das famílias, e posteriormente agregados em duas bases21
para a realização deste trabalho. Assim, para a caracterização socioeconômica
dos beneficiários foram analisadas 10 questões, também plotados os pontos
de GPS utilizados para a confecção do mapa de espacialização dos TAUS
em Abaetetuba (Mapa 1), bem como a utilização do relatório de imagens,
empregado para caracterizar, em linhas gerais, aspectos das habitações dos
ribeirinhos e demais moradores da zona rural do município22. Segue o Mapa
1 com a espacialização dos TAUS, para uma melhor visualização do universo
de beneficiários que foram analisados.

19
Especificamente da Coordenação de Regularização Fundiária em sua Divisão Rural
(COREF).
20
Este instrumento é detalhado no decorrer deste livro, bastando entender, para efeito
deste artigo, que se configura em um instrumento jurídico-administrativo utilizado pela
SPU/PA para regularizar o uso da terra e seus respectivos recursos naturais, por parte de
ribeirinhos, em áreas da União. Este instrumento teve sua origem na SPU/PA em virtude
de demandas de órgão públicos e sociedade civil que necessitavam regularizar a exploração
de recursos naturais que era feita por ribeirinhos que vendiam açaí nos mercados da cidade
de Belém. Atualmente, o TAUS é utilizado como modelo de regularização de áreas rurais
no país inteiro, quando objetiva-se regularizar áreas públicas.
21
Trata-se do banco de dados com todas as bases agrupadas no software SPSS 20 e a base
formada pela tabela de atributos dos shapes do município de Abaetetuba.
22
Este sessão foi construída através da análise das imagens disponíveis no banco de dados.
As imagens foram coletadas no cadastramento dos beneficiários e tinham por objetivo
comprovar a legitimidade que a família pertence ao local informado, bem como registrar as
condições das moradias e os aspectos da localidade nos diversos espaços das áreas rurais.

VWX
O PERFIL DAS COMUNIDADES RURAIS BENEFICIÁRIAS DE TAUS EM ABAETETUBA-PA...
Wilson Max Costa Teixeira, Tomás Henrique Costa, Dirce Brito, GlíciaTatiane Medeiros de Melo,
José Ronílson Leite Corrêa, Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira

Mapa 1: Distribuição dos TAUS no município de Abaetetuba - PA

\]^_`ab _ _`cdefb b g a^_a_hb`ag igf i_igf f]^je^_h _dj]`f kb^l_dmgf


no tocante à integridade das informações. O fato de não haver no período
de coleta uma padronização dos questionários (pelo menos 2 modelos),
e o não preenchimento de todas as questões do mesmo, surgiu como uma
problemática a ser resolvida, ao que se decidiu por ajustes amostrais23. A rigor
não se tem de fato uma amostra por conta de dois motivos, a saber, o longo
intervalo de tempo em que os dados foram coletados, e a própria distribuição
espacial desta amostragem sobre a área em questão, como pode ser verificado
no Mapa 2 dos declarantes de renda; no que tange a este segundo quesito,
pode-se notar que as unidades incidiram em zonas concentradas tanto na
23
Desconsiderou-se da base de dados as informações faltantes (missing) o restante foi
considerado como uma amostra da qual se obteve um erro amostral, segundo proposto
por Barbetta (2010). Assim, a descrição do padrão de renda observado na área rural
de Abaetetuba apresenta um erro amostral de aproximadamente 5% para efeito de
amostragem probabilística.

YZ[
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

área insular quanto continental, o que limita a generalização dos resultados


observados.
Mapa 2: Distribuição da amostra por renda em Abaetetuba

qrso posto, os dados foram agrupados para reduzir as possíveis


distorções; apesar de cerca de 91,5% dos questionários terem sido preenchidos
entre os meses de abril a agosto de 2009, os que registram a renda mensal
do entrevistado estão entre os meses de novembro de 2012 e abril de 2013,
situação que levou a testar algumas hipóteses sobre o padrão de renda das
populações atendidas em separado, utilizando o valor do salário mínimo do
ano de 2012, como detalhado mais adiante.
Neste sentido, o cálculo do erro amostral para o grupo de renda pode
ser entendido segundo o sugerido por Barbetta (2010), por meio da equação:

nop
O PERFIL DAS COMUNIDADES RURAIS BENEFICIÁRIAS DE TAUS EM ABAETETUBA-PA...
Wilson Max Costa Teixeira, Tomás Henrique Costa, Dirce Brito, GlíciaTatiane Medeiros de Melo,
José Ronílson Leite Corrêa, Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira

Em que:
H : erro amostral
N: tamanho da população
n: tamanho da amostra

Pelo cálculo acima, o erro amostral é de 0,049 ou algo em torno de


5%. O que decorre (em condições ideais) termos confiança de 95% para a
generalização dos padrões observados, especificamente em relação à renda.
No tocante ao tratamento e à análise dos dados foram utilizados
os softwares Excel 2010, SPSS 20, bem como o ArcGis 10.1 para a análise
espacial da política de regularização fundiária no município. Foram utilizadas
técnicas estatísticas descritivas com intuito de analisar o perfil desta
população, com enfoque em testes de tendência central para caracterizar o
padrão socioeconômico, bem como os graus de correlação entre as variáveis
em questão quando foi possível; nas tabelas cruzadas optou-se por utilizar
porcentagens por coluna quando a variável renda foi testada, tornando-a
variável dependente no quadro da análise. Para os demais casos, utilizaram-
se percentuais totais por tratar-se de uma análise descritiva24.
Dessa forma, este trabalho está dividido em duas partes, a primeira
refere-se à análise dos dados estatísticos constantes nos bancos de dados da
SPU/PA e a segunda parte corresponde a uma análise dos dados imagéticos
constantes nos mesmos bancos de dados citados. Vale destacar que esta
análise será realizada à luz de leituras socioantropológicas que tratam da
temática populações, povos e comunidades tradicionais, devidamente citadas
no decorrer do texto.

24
Levin e Fox (2004) recomendam porcentagens totais no caso de não haver uma variável
independente determinando o padrão observado; para efeito desta caracterização, optou-se
por este procedimento nos casos em que todo o universo foi testado, uma vez que a análise
busca traçar apenas o perfil dos beneficiários de modo descritivo.

tuv
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

2 PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS BENEFICIÁRIOS DE TAUS EM


ABAETETUBA

A pesquisa foi realizada com um universo de 5.609 beneficiários da


política de regularização fundiária, por ocasião do cadastro de moradores
de áreas rurais do município de Abaetetuba, atendidos pela SPU, através
do Termo de Autorização de Uso Sustentável. Os dados foram levantados
por servidores da instituição durante o período de 2009 a 2012; sendo
este mesmo cadastro acompanhado de captura de imagens das moradias e
georreferenciamento das localidades onde reside a população beneficiária
como mostra a Tabela 1.
Tabela 1: TAUS cadastradas em áreas rurais no município de Abaetetuba,
período de 2009 a 2012
TAUS N %
Área insular 4929 87,9
Área continental 680 12,1
7RWDO 5609 100,0

Fonte: COREF; SPU; NAEA, (2014)

O fato de 87,9% das emissões de TAUS se darem em área insular


mostra que majoritariamente a política atendeu populações moradoras
de áreas ribeirinhas de várzeas. A situação desses moradores pode ser
entendida dentro do universo cultural de hábitos e práticas dessas
populações tradicionais (DIEGUES, 1993; 1994; LIMA; POZZOBON,
2000, ALMEIDA, 2006; 2008ª; 2008b; CUNHA; ALMEIDA, 2001)25. Pelo
25
Entende-se os termos populações, povos e comunidades tradicionais e ribeirinhas como
similares. Extensa é a literatura que trata sobre os referidos termos. Assim, para este
artigo, deve-se considerar as discussões propostas por Diegues (1993, 1994), Lima
e Pozzobon (2000) e o decreto 6.040 (2007). Segundo o art 3º, I, do referido decreto,
povos e comunidades tradicionais seriam: grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e
usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados
e transmitidos pela tradição. Agrega-se a este conceito o prisma socioambiental que é

wxy
O PERFIL DAS COMUNIDADES RURAIS BENEFICIÁRIAS DE TAUS EM ABAETETUBA-PA...
Wilson Max Costa Teixeira, Tomás Henrique Costa, Dirce Brito, GlíciaTatiane Medeiros de Melo,
José Ronílson Leite Corrêa, Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira

padrão profissional observado, verificou-se que a maioria exerce atividades


como agroextrativistas, alcançando o percentual de 93,7%, sendo que 2,4%
se declaram extrativistas, seguidos de lavradores (1,5%) e pescadores (2,4%).
Apesar de a grande maioria ser natural do próprio município, cerca
de 90,01% nascidos em Abaetetuba (correspondendo a 5.053 habitantes),
os dados mostram que há certo contingente advindo principalmente de
Igarapé-Miri (3,6%) fato que não modifica significativamente as asserções
desenvolvidas nos padrões observados, devido às semelhanças regionais e
contiguidade entre os dois municípios. O restante da população analisada
advém de municípios do interior do Pará, especialmente da Região do Marajó
e Baixo Tocantins, nada, porém, que denote haver um padrão migratório
consistente a ser correlacionado com as demais variáveis, uma vez que esses
valores são bastante residuais.
No que tange à análise do padrão de rendados beneficiários, utilizamos
uma base amostral de 7% (383 casos), com erro amostral de 5% para uma
população de 5.609. Assim, a análise mostrou um painel interessante quanto
ao perfil econômico destas pessoas; fica patente de antemão a situação
de pobreza monetária26. Sem desconsiderar a baixa renda e as possíveis
carências múltiplas que competem para precarizar a vida e o bem-estar dos
beneficiários da política de regularização fundiária, importa dizer que estas
populações estão intimamente ligadas às práticas econômicas e culturais de
subsistência ajustadas ao seu meio ambiente. O padrão de renda verificado, no
entanto, mostra um panorama muito expressivo: a média27 da renda per capita

empregado a estes termos por Diegues (1993, 1994) e pela lei nº 9.985/2000, caracterizando
estes grupos sociais como intimamente ligados aos recursos naturais que os cercam. Para
uma discussão detalhada sobre estes termos com diversas indicações de leitura, consultar
Ravena-Cañete (2012).
26
O conceito de pobreza monetária é formulado a partir de um parâmetro relativo (cálculo
da renda per capita de parcelas da população) em que é fixada a linha de pobreza na metade
da renda per capita medida no país pelo parâmetro absoluto, segundo a faixa de renda
necessária à aquisição de 2.280 Kcal/dia (CRESPO; UROVITZ, 2002; JANNUZZI, 2006).
27
Optou-se neste paper por estatísticas de medida central (média: equalização dos valores que
se padronizam; moda: valor mais frequente; mediana: ponto do meio de uma distribuição)
por melhor expressam a regularidade em amostras (LEVIN; FOX, 2009).

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é de R$84,0028 caracterizado como um indicador de situação de indigência,


segundo o parâmetro tomado neste diagnóstico. A análise das frequências da
renda per capita mostra pela moda que a maioria dos beneficiários recebe algo
em torno de R$ 50,00 como pode ser verificado na Tabela 2.
Tabela 2: Padrão de renda dos beneficiários de TAUS em Abaetetuba
Renda mensal Per capita
Válidos
 
Média  84,24
Mediana 200,00 50,00
Moda 200,00 50,00
Mínimo 20,00 
Máximo  1000,00
Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)

A partir do conceito de pobreza monetária, usado pela Organização


Mundial de Saúde, que toma como parâmetro o custo da cesta básica para
aquisição de alimentos (numa faixa de 2.280 Kcal/dia), é calculado o valor
relativo para definir a situação de pobreza; tendo em vista o valor do salário
mínimo como parâmetro para aquisição da cesta básica, os valores relativos
segundo o parâmetro adotado é de ½ salário para pobres e ¼ para situação
de indigência (JANNUZZI, 2006). Ao adotar este princípio para analisar a
distribuição de renda dos beneficiários em Abaetetuba, nota-se claramente
que a população atendida encontra-se em situação de indigência (89,8%), com
poucas exceções no limite da pobreza (7,6%) ou na faixa de renda compatível
à renda salarial (2,6%), como é ilustrado na Tabela 3.

28
Compreendida dentro de uma linha de rendimento baseada no salário mínimo de R$
678,00 (em 2013), Decreto 7.872/2012 D.O.U. 26/12/2012.

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Tabela 3: Padrão de renda por situação de pobreza e indigência com base no


salário de R$ 678,00
N %
N Válidos
383 100
Situação indigência 344 89,8
Situação de pobreza 29 7,6
=>Renda salarial 10 2,6
Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014).

Apesar das possíveis distorções que o conceito utilizado pode trazer ao


desconsiderar variáveis como cultura, meio ambiente e práticas econômicas
locais, não se pode desconsiderar a vulnerabilidade que estes grupos se
encontrariam caso não fossem amparados por políticas públicas específicas
que dessem suporte àquelas necessidades mais básicas como saúde, educação,
segurança alimentar etc.
Contudo, as curvas de pobreza e indigência observadas na amostra
devem ser ponderadas pelos segmentos profissionais que se distribuem nos
grupos de renda. Se levarmos em consideração que 93,7% do universo exerce
atividades de agroextrativista, e que os demais seguimentos profissionais são
reduzidos, pode-se inferir que o padrão de renda que mais se verifica é do
grupo profissional mais comum (Tabela 4).
Tabela 4: Perfil profissional dos beneficiários de TAUS em Abaetetuba
Profissional N %
Agroextrativista 5254 93,7
Extrativista 133 2,4
Lavrador 86 1,5
Pescador 136 2,4
Total 5609 100,0
Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)


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Sendo assim, consideramos dois critérios na análise. A estratificação


da renda pelo grupo da amostra baseado no padrão profissional mais
disseminado no universo, bem como o uso da categoria atividade profissional
como variável independente para auferir os percentuais dos grupos de renda
da amostra. Por este procedimento, o Gráfico 1 dimensiona a uma outra
visualização sobre os perfis empobrecidos e daqueles que estão numa faixa de
renda dentro de níveis toleráveis segundo o conceito empregado.
Gráfico 1: Grupos de renda por atividades profissionais29

Fonte: COREF; SPU; NAEA (2013)

Pela análise do gráfico obtido, pode-se depreender que nas atividades


profissionais com menor expressividade numérica no universo da pesquisa
(extrativistas, lavradores e pescadores) o padrão de renda mais disseminado
é o de até 200 (decodificado aqui na faixa de R$101,00 a R$200,00), seguido
do estrato até R$ 100,00 e em menor caso os de até R$ 300,00 (decodificado na
faixa de R$201,00 a R$300,00). O grupo profissional com maior percentual
numérico no universo da pesquisa, o agroextrativista, na amostragem aparece
com o padrão de rendimento mais alto, até 2 salários mínimos (decodificado na
faixa de R$679,00 a R$1.356,00).

29
O gráfico foi gerado a partir do cruzamento da variável profissão com renda mensal
estratificada.

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A Tabela 5 vem ancorar a regularidade observada de forma mais precisa;


ao determinar a atividade profissional como variável independente, temos
o seguinte cenário de análise: 78,6% do profissionais que se autodeclaram
agroextrativistas possuem uma faixa de rendimento até 2 salários mínimos,
enquanto que extrativista, lavradores e pescadores possuem rendimentos
com maior frequência na faixa de rendimento de 101,00 a 200,00 reais (com
47,4%, seguido de 41,9% e 50%, respectivamente) como pode ser verificado
na Tabela 5. Sendo assim, uma projeção deste perfil demonstraria um cenário
mais próximo a uma situação de equidade; apesar de frágil, o argumento aqui
proposto é de que 74% do universo pesquisado (4151 dos agroextrativistas)
estariam na faixa de renda de 2 salários mínimos (de R$679,00 a R$1.356,00)
pela projeção da tendência.
Tabela 5: Grupo de renda por atividade profissional em Abaetetuba
Profissão
Por
Agroex- Total %
salário % Extrativista % Lavrador % Pescador %
trativista
Até 100 0 0 32 24,1 10 11,6 23 16,9 65 17
101 200 0 0 63 47,4 36 41,9 68 50,0 167 44
201 300 1 3,6 12 9 12 14 28 20,6 53 14
301 400 1 3,6 9 6,8 9 10,5 7 5,1 26 7
401 500 0 0 2 1,5 4 4,7 3 2,2 9 2
501 600 0 0 1 0,8 3 3,5 1 0,7 5 1
1 salário 2 7 11 8,3 7 8 4 2,9 24 6
2 salários 22 78,6 3 2,3 5 5,8 2 1,5 32 8
Até 3000 2 7 0 0 0 0 0 0 2 1
Total 28 100 133 100 86 100 136 100 383 100

Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)

O Gráfico 2 mostra a tendência dos grupos de renda pela dispersão dos


casos no eixo da renda mensal e renda per capita; é notório a concentração
dos extrativistas, pescadores e lavradores nos padrões empobrecidos,
enquanto que o grupo agroextrativista se equaliza pelos estratos de renda
mais valorizados (apesar do reduzido número de casos).

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Gráfico 2: Padrão de renda por atividade profissional

†‡ˆ‰Š‹ SPU/PA (2014)

Apesar de reduzido número de entrevistados do sexo masculino


dentro da amostra de renda, há importantes aspectos a serem observados ao
cruzar-se as variáveis gênero e padrão de renda. O grupo do sexo feminino
está distribuído em quase todos os estratos de rendimento, concentrando-
se principalmente entre R$101,00 e R$200,00 com 46,7%, seguidos dos
estratos até R$100,00 (com 17,5%) e de R$201,00 a R$300,00 (com 14,2%).
O grupo do sexo masculino apresenta outro aspecto, polariza-se nos estratos
empobrecidos, de R$101,00 a R$200,00, com 32,1% e no grupo de renda
até dois salários (24,7%). A tendência mostra que o grupo do sexo feminino
representa a parcela mais empobrecida da amostra, enquanto que o sexo
masculino, apesar de grande contingente de baixa renda, ainda mostra um
percentual considerável com melhores rendimentos (Tabela 6).

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Tabela 6: Grupo de renda por gênero em Abaetetuba


Gênero
Por salário Total %
F % M %
Até 100 53 17,5 12 14,8 65 17,0
101 200 141 46,7 26 32,1 167 43,6
201 300 43 14,2 10 12,3 53 13,8
301 400 25 8,3 1 1,2 26 6,8
401 500 7 2,3 2 2,5 9 2,3
501 600 5 1,7 0 0,0 5 1,3
1 salário 16 5,3 8 9,9 24 6,3
2 salários 12 4,0 20 24,7 32 8,4
Até 3000 0 0,0 2 2,5 2 0,5
Total 302 100,0 81 100,0 383 100,0

Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)

O Gráfico 3 sintetiza o padrão de renda em porcentagens para o recorte


de gênero entre os beneficiários de TAUS em Abaetetuba. O procedimento
sobre grupos profissionais em que inferimos uma regularidade interna para o
universo pesquisado também pode ser aplicado para a análise do gênero. No
entanto, para este caso em específico pode-se vislumbrar a desigualdade de
renda entre os sexos masculino e feminino principalmente para os estratos
profissionais mais reduzidos.

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Gráfico 3: Padrão de renda por gênero dos beneficiários de TAUS em


Abaetetuba (em %)

Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)

Neste sentido, considerando que o grupo feminino se mostra como


o mais empobrecido (como indicado na Tabela 6 e no Gráfico 3) e que os
grupos profissionais extrativista, lavrador e pescador estão entre os de menor
rendimento (como mostra a Tabela 5 e o Gráfico 1), a Tabela 6 realizada a
partir do universo pesquisado nos remete à paridade de gênero entre o grupo
profissional mais expressivo.
Tabela 7: Atividade profissão por gênero dos beneficiários de TAUS em
Abaetetuba
Atividade Gênero
Total %
profissional F % M %
Agroextrativista 2609 46,5 2645 47,2 5254 93,7
Extrativista 119 2,1 14 0,2 133 2,40
Lavrador 75 1,3 11 0,2 86 1,5
Pescador 101 1,8 35 0,6 136 2,4
Total 2904 51,8 2705 48,2 5609 100,0

Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)

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José Ronílson Leite Corrêa, Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira

Pela análise das atividades profissionais, o recorte mostra que há


paridade de gênero no grupo que se autodeclara como agroextrativista, sendo
46,5% para mulheres e 47,2% para homens (melhor faixa de rendimento
profissional). Mesmo havendo reduzida representação dos outros extratos
de trabalho declarados, fica patente a maior presença feminina nesses perfis
profissionais em relação ao sexo masculino. Não chegando, no universo da
pesquisa, haver mais que 1% nos estratos sucedâneos (com 0,2% extrativistas;
0,2% de lavradores; e 0,6% de pescadores do sexo masculino), como demonstra
a Tabela 7.
Durante a análise dos dados surgiu o questionamento se havia algum
padrão de correlação entre renda e tempo de ocupação, hipótese que foi
descartada, conforme indica o Gráfico 3; na verdade o padrão de renda é
mantido homogeneamente por todo os períodos de ocupação, residualmente
verificou-se ligeira valorização de rendimento per capita entre os grupos de
ocupação recente (faixa até 10 anos de ocupação), mas nada que alterasse
significativamente o padrão observado.
Gráfico 3: Tempo de ocupação por padrão de renda

Fonte: SPU/NAEA (2014)

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Outro aspecto importante entre os beneficiários é quanto ao padrão


etário. Observou-se que a média etária desta população é caracterizada por
pessoas em idade adulta, com média de 45 anos, e idade mais recorrente de
35 anos (Tabela 8).
Tabela 8: Padrão etário de beneficiários de TAUS em Abaetetuba

Válido 4865
N
Ausente 744
Média 45,5
Mediana 43
Moda 35
Mínimo 17
Máximo 103

Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)

O recorte de gênero mostrou que os grupos etários são bastante


homogêneos tanto para o sexo masculino quanto para o feminino, não
havendo significativa polarização. De exceção apenas a faixa até 20 anos que
aparece bem reduzida no universo pesquisado (com 0,5% do total). Os grupos
mais expressivos são os que compreendem a faixa entre 31 a 40 anos (com
28,3%) seguido do grupo na faixa de 41 a 50 anos (com 22%) e do grupo mais
idoso, entre 61 a 103 anos (com cerca de 17,7% totais). O setor mais idoso da
população é bem significativo para ambos os casos, somadas a faixa etária de
51 a 60 anos com 16,5% totais, e a faixa entre 61 a 103 anos cerca de 17%,
totalizam 33,5%. Enquanto que os grupos etários mais jovens até 20 anos
somado com o grupo entre 21 a 30 chegam a apenas 15,5% do total, conforme
a Tabela 9.

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José Ronílson Leite Corrêa, Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira

Tabela 9: Grupo etário por gênero em Abaetetuba

Gênero
Faixa etária Total %
F % M %
Até 20 21 0,8 5 0,2 26 0,5
De 21 a 30 481 18,8 250 10,9 731 15
De 31 a 40 781 30,5 597 25,9 1378 28,3
De 41 a 50 517 20,2 553 24 1070 22
De 51 a 60 389 15,2 412 17,9 801 16,5
De 61 a 103 372 14,5 487 21,1 859 17,7
Total 2561 100,0 2304 100,0 4865 100,0
Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)

Ao cruzar o padrão etário com a variável estado civil verificou-se que


a maioria se identificou como solteiro (55,8%) seguido do segundo maior
grupo, os que se declararam como casados (37,8%). Diferentemente do que
se esperava, o maior percentual entre os solteiros não estava entre os mais
jovens (apenas 0,1% para os de até 20 anos e 11,2% para os de 21 a 30 anos),
porém entre os de idade madura, cerca de 22%, entre os de 31 a 40 anos, e
12,9%, entre os de 41 a 50 anos. Entre os casados a maioria estava entre os de
idade madura também, os de 61 a 103 anos, com 12,2%, e 10,5%, entre 51 a
60 anos. Para os grupos mais jovens, apenas 6% estavam entre a faixa até 20
anos, e 7 pessoas, entre 21 a 30 anos (ver Tabela 10).

””•
Tabela 10: Grupo etário por estado civil dos beneficiários de TAUS em Abaetetuba
˜—–
Estado civil
Divorcia- Separa- U. está- Total %
Faixa etária Casado % % % Solteiro % % Viúvo %
do do vel
Até 20 6 0,1 0 0 0 0 6 0,1 14 0,3 0 0 26 0,5

Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense


De 21 a 30 84 1,7 0 0 0 0 546 11,2 100 2,1 0 0 730 15,0
De 31 a 40 246 5,1 0 0 1 0 1076 22,1 54 1,1 1 0 1378 28,4
De 41 a 50 396 8,1 2 0 1 0 629 12,9 32 0,7 8 0,2 1068 22,0
De 51 a 60 513 10,5 1 0 0 0 259 5,3 8 0,2 19 0,4 800 16,5

Durbens Martins Nascimento


De 61 a 103 595 12,2 1 0 0 0 197 4 4 0,1 61 1,3 858 17,7
Total 1840 37,8 4 0,1 2 0 2713 55,8 212 4,4 89 1,8 4860 100,0
Fonte: COREF; SPU; NAEA (2014)
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3 PAISAGENS E MORADIAS DAS ÁREAS DE VÁRZEAS


As famílias que vivem nas áreas rurais da Amazônia, mais precisamente
nas áreas de várzea pertencentes às ilhas que sofrem influência de maré, têm
o hábito de construir as suas casas o mais próximo possível dos rios, que se dá
pela necessidade dos recursos provenientes dos rios para a sua sobrevivência,
por não possuírem sistemas de água encanada e sistema de esgoto o rio é o
meio mais viável para a obtenção de água, um fator que colabora com essa
necessidade de estar próximo dos rios é a pesca, que o habitante local pratica
para a sua alimentação ou comercialização, outro fator é a locomoção, onde
os ribeirinhos utilizam dos rios para o seu transporte. As áreas de várzea,
por terem solo encharcado e rico em matéria orgânica, não são propícias à
construção civil por estarem periodicamente mudando de condição, parte do
ano estão secas e na outra metade estão abaixo do nível da água dos rios.
Devido a essa condição as casas possuem algumas soluções construtivas
que devem respeitar o limite de cheia dos rios e a resistência do solo que
limitam muito o porte dessas construções, condicionam o tipo de material a
ser utilizado na construção e dão características muito particulares a essas
edificações.
Estas casas ribeirinhas em sua maior parte são construídas em
madeira, um material que possui um baixo custo, é sustentável, pois provém
de fonte renovável e é muito encontrada na natureza, em particular na
região amazônica, além do mais a madeira proporciona um bom conforto
térmico, que é algo muito conveniente ao clima tropical desta região. Outra
característica muito forte das casas ribeirinhas é a sua simplicidade, isso se dá
à baixa renda, onde a renda média aproximada desses habitantes ribeirinhos é
de aproximadamente R$300,00 (trezentos reais), assim dispondo de um baixo
orçamento para a construção destas casas. De pequeno porte, abrangendo
pequenas áreas e com poucos cômodos, geralmente dotadas de varanda e
trapiche, as casas ribeirinhas são voltadas a atender as necessidades básicas
de subsistência na Amazônia.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Fotografia 1: Residências de ribeirinhos beneficiários de TAUS em


Abaetetuba

Fonte: COREF; SPU (2014)

Também se pode notar nessas casas o fato de, por serem construídas nas
beiras dos rios, estarem construídas sobre palafitas, por conta das influências
que os rios sofrem das marés. Com isso, as casas são locadas a um nível mais
alto que o nível do solo, pelo cuidado de não serem inundadas nos períodos
de maré cheia.
Em relação à cobertura, as casas são cobertas, em geral, de forma mais
simples possível, mas sem perder a sua função de proteger o ambiente interno
de insolação e das intempéries. Em sua maior parte as coberturas ribeirinhas
são feitas por telhados de meia ou duas águas que variam muito de material,
que pode ser sustentável de quase nenhum custo, como a palha até as telhas
de fibrocimento e alvenaria, que são produzidas industrialmente.

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O PERFIL DAS COMUNIDADES RURAIS BENEFICIÁRIAS DE TAUS EM ABAETETUBA-PA...
Wilson Max Costa Teixeira, Tomás Henrique Costa, Dirce Brito, GlíciaTatiane Medeiros de Melo,
José Ronílson Leite Corrêa, Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira

A sustentação destas casas é feita por palafitas que são estacas de


madeira que elevam a altura da construção para muito além do nível do solo,
sendo que este desnível não segue um padrão de estrutura para estrutura,
as alturas das palafitas são estabelecidas de acordo com a cheia máxima
do rio naquela região onde a casa está edificada, que pode variar muito de
acordo com o local e o porte do rio. Estas variações periódicas dos níveis dos
rios podem ser um problema sério em relação à durabilidade das estacas de
sustentação, pelo fato de estarem uma parte do tempo dentro d’água e outra
fora, que pode causar o apodrecimento prematuro das estruturas, onde se
tornam vulneráveis a microrganismos que se alimentam das mesmas.

4 CONCLUSÃO
Este trabalho demonstrou o perfil socioeconômico dos usuários do
TAUS no município de Abaetetuba. Como resultado inicial, nota-se que o
padrão segue o mesmo padrão de diversidade presente em outras comunidades
ribeirinhas, focando nas atividades da agricultura familiar, pesca artesanal
e extrativismo, especialmente do açaí para a venda nos mercados locais e
regionais.
No que se refere à análise do padrão de renda dos beneficiários, ficou
patente de antemão a situação de pobreza monetária30 destes usuários, sendo
a média da renda per capita de R$84,00 caracterizado como um indicador
de situação de indigência segundo o parâmetro tomado neste diagnóstico. A
análise das frequências da renda per capita mostra pela moda que a maioria
dos beneficiários recebe algo em torno de R$50,00, sinalizando para mais um
indicativo da situação de indigência que é vivida por estas comunidades.

30
Como expresso mais acima, o conceito de pobreza monetária é formulado a partir de um
parâmetro relativo (cálculo da renda per capita de parcelas da população) em que é fixada
a linha de pobreza na metade da renda per capita medida no país pelo parâmetro absoluto,
segundo a faixa de renda necessária à aquisição de 2.280 Kcal/dia (CRESPO; GUROVITZ,
2002; JANNUZZI, 2006).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

No que se refere à moradia destas comunidades, novamente o padrão


amazônico se confirmou: as casas eram feitas de madeira, na margem de rios,
no formato de palafitas.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Antropologia dos archivos da
Amazônia. 1. ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2008a.
. Terras tradicionalmente ocupadas: terras de quilombo, terras
indígenas, babaçuais livres, castanhais do povo, faxinais e fundos de pasto. 2.
ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2008b.
. Arqueologia da Tradição. In: SHIRAISHI NETO, Joaquim. Leis do
babaçu livre: práticas jurídicas das quebradeiras de coco babaçu e normas
correlatas. Manaus: PPGSCA; UFAM; Fundação Ford, 2006.
BARBETTA, P. A. Estatística Aplicada às Ciências Sociais. 7. ed.
Florianópolis: UFSC, 2010. p. 315.
CUNHA, Manoela Carneiro da; ALMEIDA, Mauro W. B. Populações
tradicionais e conservação ambiental. In: CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro
et al. Biodiversidade na Amazônia brasileira: avaliação e ações prioritárias
para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios. São Paulo:
Estação Liberdade; Instituto Socioambiental, 2001.
DIEGUES, Antonio Carlos S. O mito moderno da natureza intocada. São
Paulo: HUCITEC, 1994.
. Populações Tradicionais em Unidades de Conservação. In: VIEIRA,
Paulo Freire; MAIMON, Dália (Org.). As ciências sociais e a questão
ambiental: rumo à interdisciplinaridade. Belém: NAEA, 1993.
JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores sociais no Brasil: conceitos,
fontes de dados e aplicações para formulação e avaliação de políticas públicas
e elaboração de estudos socioeconômicos. Campinas-SP: Alínea, 2006.

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O PERFIL DAS COMUNIDADES RURAIS BENEFICIÁRIAS DE TAUS EM ABAETETUBA-PA...
Wilson Max Costa Teixeira, Tomás Henrique Costa, Dirce Brito, GlíciaTatiane Medeiros de Melo,
José Ronílson Leite Corrêa, Francisco Bruno Moutinho Bittencourt Ferreira

LEVIN, J.; FOX, J. A. Estatística para Ciências Humanas. São Paulo:


Prentice Hall, 2004.
LIMA, D.; POZZOBON, J. Amazônia socioambiental: sustentabilidade
ecológica e diversidade social. In: REUNIÃO DA ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 22., 2000, Brasília, 2000. Anais...
Brasília: ABA, 2000.

£¤¥
CARTOGRAFIA APLICADA À “IDENTIFICAÇÃO
SIMPLIFICADA”: AGILIDADE NO PROCESSO DE
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DA UNIÃO
NA AMAZÔNIA PARAENSE

Wellington Augusto Andrade Fernandes1


Davi Gustavo Costa dos Santos2
Durbens Martins Nascimento3

1 A SECRETARIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO

A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) tem como objetivo


“conhecer, zelar e garantir que cada imóvel da União cumpra sua função
socioambiental, em harmonia com a sua função arrecadadora, em apoio aos
programas estratégicos para a nação” (BRASIL, 2012). Dentre os bens da
União, estão os terrenos marginais ou reservados, de marinha e seus acrescidos
e as glebas arrecadadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), os quais necessitam ser identificados e posteriormente
caracterizados. No estado do Pará essa função é realizada pela Coordenação
de Identificação e Caracterização do Patrimônio (COCIP, SPU/PA).
Referente à delimitação das áreas da União, ainda há um passivo muito
grande em relação à demarcação dos terrenos marginais, de marinha e seus

1
Graduando em Geografia do curso da UFPA. Técnico em Geografia e Cartografia do
Instituto Federal do Pará (IFPA)
2
Técnico da SPU/PA
3
Professor do NAEA/UFPA

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

acrescidos, os quais em sua maioria até o momento não foram registrados


ou tiveram sua Linha de Preamar Média (LPM/1831) e Linha Média de
Enchentes Ordinárias (LMEO) definidas.
Em mais de 150 anos de existência, estima-se que a SPU tenha
demarcado apenas cerca de 3% dos terrenos marginais dos rios
federais e 42% dos terrenos de marinha e acrescidos. Esse quadro
é ainda mais grave na Amazônia Legal, seja pelas peculiaridades
somente ali encontradas, no que tange a história, condições culturais,
ambientais, políticas e sociais, seja pela insuficiência de corpo técnico,
infraestrutura e tecnologia disponíveis (BRASIL, 2012).

Demonstra-se assim a importância da criação e desenvolvimento de


outros métodos, como a “Identificação Simplificada” para proporcionar mais
agilidadena caracterização de áreas da União com destaque para os terrenos
marginais e de marinha, objetivando realizar a destinação correta dessas
áreas, através de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
Através dessa parceria institucional foi criado o projeto de pesquisa
e extensão “Caracterização dos Imóveis da União em apoio à Regularização
Fundiária: Cidadania e Sustentabilidade na Amazônia Paraense parceria
SPU/NAEA”, coordenado pelo Prof. Dr. Durbens Martins Nascimento,
pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), as
atividades do projeto se iniciaram em 2013 na SPU/PA.
Na parceria institucional SPU – NAEA/UFPA foi diagnosticada a
necessidade de desenvolver materiais contendo informações sobre as questões
sobre a regularização fundiária nas áreas da União, tendo como produtos
do projeto quatro cartilhas com seminário de lançamento e a produção de
mais quatro livros coletânea contendo as experiências do projeto. Materiais
esses contendo informações referentes à identificação simplificada de bens da
União, bens da União em várzeas e ilhas com influência de maré e/ou fluviais,
instrumentos de Regularização Fundiária e de Habitação de Interesse Social
e à racionalização de uso e destinação em apoio à Administração Pública
Federal.

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CARTOGRAFIA APLICADA À “IDENTIFICAÇÃO SIMPLIFICADA”: AGILIDADE NO PROCESSO DE
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DA UNIÃO NA AMAZÔNIA PARAENSE
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Davi Gustavo Costa dos Santos e Durbens Martins Nascimento

Foram selecionados graduandos e pós-graduandos de diversas áreas


do conhecimento, tendo em vista o caráter de atuação multidisciplinar do
projeto de pesquisa, na qual suas atividades são realizadas na própria SPU/
PA. Tendo como objetivo principal auxiliar nos processos de caracterização
e identificação de áreas da União, para contribuir na regularização fundiária,
cidadania e sustentabilidade na Amazônia Paraense.

2 PROCEDIMENTOS GERAIS DA IDENTIFICAÇÃO SIMPLIFICADA


É realizada a identificação das áreas de domínio da União(terrenos e
acrescidos de marinha, glebas arrecadadas pelo INCRA), onde as mesmas são
localizadas, e posteriormente é feita a caracterização das áreas inalienáveis
da União, em virtude das mesmas pertencerem a União,são definidos os
trechos que podem ser alienados daqueles que poderão ser regularizados
através de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU),função essa realizada
no estado do Pará pela SPU/PA, por meio da Coordenadoria de Identificação
e Caracterização do Patrimônio (COCIP).

3 A CARTOGRAFIA APLICADA NA IDENTIFICAÇÃO DE AREAS DA


UNIÃO
No processo de identificação de áreas da União o espaço geográfico
se apresenta nas mais variadas formas, sendo necessário o uso das chamadas
geotecnologias, proporcionando a cartografia papel de destaque. Vale
ressaltar que “a associação Cartografia e Geografia se faz de forma bastante
direta, sendo a Cartografia uma ferramenta essencial para os estudos
geográficos”(FITZ, 2008, p. 107).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Mapa 1: Delimitação de terrenos de marinha e acresidos.

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importância dos conhecimentos cartográficos na utilização dessas tecnologias
nas mais diversas áreas do conhecimento. De acordo com Fitz (2008, p. 108),
“a Cartografia Digital, dentro dessa perspectiva, exerce papel fundamental
e indispensável para um bom desempenho das chamadas geotecnologias”.
Como podemos observar no mapa 1.
Para a criação de mapas, cartas e plantas são utilizadas bases de dados
cartográficos georreferenciadas de órgão federais como: Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Agência Nacional de Águas (ANA),
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Sistema
de Proteção da Amazônia (SIPAM) e Diretoria do Serviço Geográfico do
Exército (DSG).

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CARTOGRAFIA APLICADA À “IDENTIFICAÇÃO SIMPLIFICADA”: AGILIDADE NO PROCESSO DE
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DA UNIÃO NA AMAZÔNIA PARAENSE
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Davi Gustavo Costa dos Santos e Durbens Martins Nascimento

4 IMPASSES NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

De forma marcante podemos destacar a decisão do Conselho Nacional


de Justiça (CNJ) que resultou no cancelamento de 6.102 registros irregulares
de terras no estado do Pará. A soma das áreas referentes a esses imóveis
representariam 88,7% da área do Pará, indicando assim fortes indícios de
grilagem de terras. Há também no município de Vitória do Xingu, sul do
estado do Pará, dado caso, no qual um título cujo proprietário declarava
possuir 410 milhões de hectares, o que equivale a quase metade do território
nacional (IPEA, 2011).

5 REFERENCIAIS TEÓRICOS

No desenvolver do trabalho e nas discussões, foram utilizadas a lei


11.952/2009, de 25 de junho de 2009, e os decretos 7.341/2010 e 6.992/2009
para áreas urbanas e áreas rurais respectivamente.
Decreto 7.341/2010 - Art. 6º - Caso a área requerida pelo município
abranja terrenos de marinha, marginais ou reservados, seus acrescidos
ou outras áreas insuscetíveis de alienação [...], caberá à Secretaria
do Patrimônio da União delimitar a faixa de área não suscetível à
alienação” (BRASIL, 2012).

No que tange o conceito de espaço geográfico, segundo Joly (2011,


p.115)
é o espaço constituído pela superfície terrestre inteira, compreendidos
os oceanos e as regiões inabitadas [...]. Esse espaço geográfico é
concretamente percebido pelos objetos materiais, vivíveis e mesuráveis
que o compõem: rochas, montanhas, vales, rios, florestas, campos,
edificações etc.

Segundo Waibel (1958) apud Valverde, (2006), a divisão da Geografia


Agrária consiste de maneira geral em três ramos: a estatística, a ecológica

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

e a fisionômica. Sendo a estatística de todas a mais antiga, responsável pela


delimitação e representação cartográfica das áreas de produção agropecuárias,
proporcionando papel de destaque às analises referentes à regularização
fundiária.

6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A Comissão de Identificação Simplificada Estadual realiza a abertura
do processo de IS junto ao protocolo, preliminarmente é feita a caracterização
para identificação da área inalienável agrupando dados que venham a
contribuir na caracterização da área.
Mapa 2: Vistoria técnica em áreas da União.

ÊËÌÍÎÏÐ Ñ ÊÒÓ ÔÕÖ×ÊØÙÚ ÛÜÝÛÞÚ ßàÐ áËÑâãäÑÏÑß åÍßæÑß çÐá èÐéÐÌáÑèãÑß


antigas e recentes; dados geográficos (cartas, mapas e imagens de satélite);
regime hidrológico (estações fluviométricas ou maregráficas); levantamentos

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CARTOGRAFIA APLICADA À “IDENTIFICAÇÃO SIMPLIFICADA”: AGILIDADE NO PROCESSO DE
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DA UNIÃO NA AMAZÔNIA PARAENSE
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Davi Gustavo Costa dos Santos e Durbens Martins Nascimento

planimétricos; plantas georreferenciadas; entre outras informações que


possam subsidiar na identificação da Linha de Preamar Média (LPM/1831)
e/ou da Linha Média de Enchentes Ordinárias (LMEO) (Mapa 2).
O método da “Identificação Simplificada” no que consiste ao material
didático e divulgação ainda está em processo de finalização pela Secretaria
do Patrimônio da União (SPU) - Órgão Central. No que se refere ao amparo
legal e origem do método da identificação simplificada dessas áreas da União,
podemos destacar conforme:
A Lei 11.952/2009 e os decretos 7.341/2010 e 6.992/2009 simplificam,
para a SPU, o procedimento de identificação das áreas inalienáveis
(terrenos marginais ou reservados, de marinha e seus acrescidos)
em glebas arrecadadas na Amazônia Legal, buscando facilitar o
processo de Regularização Fundiária na região. A este procedimento
de identificação das áreas inalienáveis, deu-se o nome de Identificação
Simplificada (IS).

Nos trabalhos de campo, quando necessários, são levantados pontos a


partir de GPS Geodésico ou de navegação, para realização do mapeamento
das áreas da União. Para finalização da Identificação Simplificadaé elaborado
um relatório, o qual tem por finalidade justificar a posição da LPM/1831 e/
ou da LMEO, contendo os critérios técnicos utilizados para subsidiar a IS.
Na constituição dos procedimentos foram realizadas oficinas de
Identificação Simplificada em Praia Norte (TO), Oiapoque (AP) e Brasília
(DF). Participaram das atividades dessas oficinas representantes das SPU de
diversos estados da Amazônia Legal.

7 RESULTADOS
O principal resultado é proporcionar agilidade nos processos de
regularização fundiária de áreas na União na Amazônia paraense, por meio
do projeto de pesquisa e extensão “Caracterização dos Imóveis da União em
apoio à Regularização Fundiária: Cidadania e Sustentabilidade na Amazônia
Paraense parceria SPU/NAEA”.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

As metas têm sido alcançadas, tendo em vista a grande demanda de


processos de identificação e caracterização de áreas da União (terrenos e
acrescidos de marinha, glebas arrecadadas pelo INCRA).Esses processos vêm
ganhando grande fluidez desde o início das atividades do projeto.
São necessárias a criação e a validação junto ao IBGE de um banco de
dados georreferenciadoe em constante atualização contendo as informações
referentes a todas as áreas pertencentes à União.
Está prevista para o final do projeto a produção de quatro cartilhas com
seminário de lançamento e a produção de mais quatro livros coletânea, sobre
a Identificação Simplificada de bens da União, bens da União em várzeas e
ilhas com influência de maré e/ou fluviais, instrumentos de Regularização
Fundiária e de Habitação de Interesse Social e à racionalização de uso e
destinação em apoio à Administração Pública Federal.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria do Patrimônio da União. Identificação Simplificada.
Brasília, abr. 2012.
FITZ, Paulo Roberto. Cartografia básica. São Paulo: Oficina de Textos,
2008.
IPEA.Políticas sociais: acompanhamento e análise. Brasília, 2011. v.1.
JOLY, Fernand. A Cartografia. 15. ed. Tradução: Tânia Pellegrini. São
Paulo: Papirus, 2011.
VALVERDE, Orlando. Metodologia da Geografia Agrária.Campo e território.
Revista de Geografia Agrária, Uberlândia-MG, v.1, n.1, p.1-16, fev. 2006.

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USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA - TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA

Bianca Caterine Piedade Pinho36


Christiane Helen Godinho Costa37
Juciane Martins de Sousa38

1 INTRODUÇÃO
A formação das cidades brasileiras tem se mostrado, desde sua
fundação, altamente excludente. O privilégio adquirido pela minoria rica,
em detrimento da massa pobre, tem sido evidenciado no atual desenho das
cidades. A formação de áreas segregadas dentro da mancha urbana tem
implicado a tomada de providência por parte da gestão - de âmbito municipal,
estadual e federal - no quesito de regularizar essas áreas, de maneira a incluí-
las à cidade legal.
Neste processo de regularização, há a necessidade de meios técnicos
precisos de localização geográfica, para dar maior legitimidade ao direito
concedido. A utilização das técnicas de geoprocessamento como instrumento
de auxílio ao planejamento territorial tem sido cada vez mais comum nas
instituições de gestão territorial, pois possui como eficiência a agilidade
na espacialização das informações permitindo que haja maior possibilidade
de implementar políticas adequadas a determinado espaço. Desta forma

36
Geógrafa. Mestranda do Programa de Pós - Graduação em Gestão dos Recursos Naturais
e Desenvolvimento Local na Amazônia (UFPA/ Núcleo de Meio Ambiente da UFPA
37
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo da UFPA.
38
Graduanda de Engenharia Florestal da Universidade Federal Ruraa da Amazônia - UFRA

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

o Geoprocessamento proporciona maior eficiência, pois permite maior


integração da informação espacial.
No tocante ao espaço urbano Freitas & Lima (2012) afirma no que
se refere aos projetos de urbanização de assentamentos irregulares, que
as técnicas de geoprocessamento têm se mostrado pertinente em diversos
aspectos. Em algumas situações, essas técnicas têm sido usadas para facilitar
os diagnósticos de áreas urbanas.
Freitas & Lima (2012 apud CUNHA; ERBA, 2010) diz que dentre
as funcionalidades da informação territorial georreferenciada, destaca-se
a necessidade do controle sobre o processo de ocupação do solo urbano no
sentido de garantir o cumprimento da função social da propriedade, essas
informações permitem a geração de dados precisos e confiáveis. Freitas &
Lima (2012) ainda afirma que esse controle se torna virtualmente impossível
de ser exercido sem a produção de informações espaciais precisas e confiáveis.
A ausência de precisão cartográfica e de confiabilidade das informações tem
comprometido a implementação de mecanismos de planejamento urbano
excludentes, perpetuando um cenário de descontrole e de exclusão sócio-
espacial.
Tamanha é a dimensão e a gravidade do problema da imprecisão
cartográfica das informações urbanas no Brasil que, em anos recentes,
o governo federal tem adotado medidas de incentivo à implementação do
Cadastro Territorial Multifinalitário nos municípios brasileiros (FREITAS &
LIMA, 2012 apud BRASIL, 2009). Neste contexto, percebe-se a importância
da dimensão espacial para práticas de intervenção sobre a cidade, já destacada
por vários autores, particularmente aqueles ligados à ciência da Geografia
(FREITAS, 2012).
Para Batista (2002) a aplicação do geoprocessamento no processo de
Regularização Fundiária imprimirá maior agilidade nos estudos urbanísticos,
sociais e econômicos realizados, bem como na elaboração do projeto de
parcelamento do solo, possibilitando visualizar e manipular grandes volumes
de informações sobre as localidades.

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USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

Desta forma, este trabalho busca elucidar a eficiência do


geoprocessamento no processo de regularização fundiária urbana assim como
buscar alternativas metodológicas para superação de problemáticas ligadas à
gestão urbana utilizando o geoprocessamento como procedimento técnico
para superar obstáculos ligados à ausência de informações espaciais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Formação do espaço local

A urbanização do Brasil vem se modernizando, indubitavelmente,


entretanto ainda não conseguiu superar sua origem arcaica vinculada à
hegemonia da economia agroexportadora. Em seu percurso de formação
urbana, o Brasil, assim como os demais países latino-americanos, apresentou
um claro inchaço urbano-populacional durante a segunda metade do século
XX. Como consequência, houve uma intensa mobilização para construir
cidades que suprissem de alguma maneira, as necessidades básicas da
população – trabalho, abastecimento, transportes, saúde, energia, água etc.
(MARICATO, 2011).
Por mais que a resposta a este crescimento urbano tenha sido
insatisfatória às necessidades humanas, o espaço foi ocupado, as cidades
cresceram, e, de forma adequada ou não, legal ou ilegal, milhares de pessoas
passaram a morar em cidades brasileiras. As reformas urbanas realizadas entre
os séculos XIX e XX promoveram o saneamento básico e o embelezamento
paisagístico de muitas capitais, todavia estas ações eram voltadas apenas às
classes privilegiadas, excluindo e afastando a população menos abastada para
o entorno das cidades, onde a urbanização não havia alcançado (MARICATO,
2011).
A formação da cidade de Belém se assemelha à formação urbana nacional
quando explanamos sobre a estruturação desigual ao longo da história,
mas demonstra sua singularidade ao apresentar ápices muito distintos

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

ao restante do país. Ao longo do século XX, a capital do Pará apresentava


prosperidade econômica, devido a sua localização estratégica. Floresceu
durante o auge da borracha, e empobreceu quando o ciclo econômico de
exploração chegou ao fim, mas manteve vitalidade econômica suficiente para
sustentar sua independência em relação ao Sudeste brasileiro. A partir dos
anos 1950 se intensificou a migração para a região. A construção de rodovias
que interligavam as regiões brasileiras, os Grandes Projetos voltados o
Norte e a intenção do governo de “povoar a Amazônia” e desenvolver o
local promoveram uma massiva urbanização desordenada da região, e,
consequentemente, aumentou a periferização das capitais (CARDOSO, 2007).
A Região Metropolitana de Belém apresentou um crescimento anual
da população de 3,69% entre 1970 e 1991, o dobro da taxa de crescimento do
Brasil no mesmo período. Todavia, o crescimento econômico não alcançou este
acelerado crescimento urbano da cidade. Como centro de provisão e serviços
da região, Belém sofreu intensa imigração de população carente, resultando em
altos índices de crescimento populacional da periferia urbana da capital. Não
obstante, a inadequação das políticas urbanas de interesse social para atender as
demandas de habitação e nossa herança arcaica e elitista, que considera apenas
as exigências da população de média renda como relevantes, levou à criação
de assentamentos informais por parte dos imigrantes. Esses assentamentos
foram criados em terras desocupadas, públicas ou privadas, e muitas vezes
inadequadas para habitação por serem alagáveis (CARDOSO, 2007).

2.2 Planejamento urbano

Dentro deste contexto de formação do espaço urbanizado, cresceu em


paralelo, mas não simultaneamente, os estudos da formação e funcionamento
das cidades. E é através desses estudos, experiências advindas de outras
localidades, análise regional e novas propostas, que se inicia o processo de
planejamento urbano. Assim como o homem, as cidades permanecem em
constante movimento, crescendo e se modificando no curso da história.

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USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

A ausência de uma legislação limitante, e planos de metas específicos que


contemplem a singularidade do lugar trabalhado promovem um movimento
indesejado, a formação de cidades mal solucionadas e que não alcançam seu
máximo potencial à qualidade de vida urbana.
Infelizmente, este é o quadro encontrado na maioria das cidades
brasileiras, inclusive em Belém. Na falta de planejamento estratégico para
controlar seu crescimento, as cidades vão se expandindo espontaneamente.
Ao invés de “prever” o crescimento e direcioná-lo a um ordenamento
premeditado, estamos seguindo o desenho da cidade ilegal. Desta maneira,
nos mantemos em um ciclo aparentemente permanente: as melhorias urbanas
acontecem visando as necessidades da classe média. Em detrimento a isto, a
população de baixa renda é expelida para assentamentos informais na periferia
da cidade formal; o crescimento urbano exige mais cidade, ocorrem novas
melhorias urbanas nas atuais periferias e consequentemente a população
excluída é novamente expulsa da cidade legal para novos assentamentos.
Seguindo assim, cidades formais são criadas a partir da informalidade.
Segundo Arantes (2012), uma nova geração de urbanistas e gestores
apontam que as cidades só se tornarão protagonistas se forem dotadas de
um plano estratégico capaz de gerar respostas competitivas aos desafios
da globalização, e isto a cada chance de renovação urbana que por acaso se
apresenta na forma de uma possível vantagem comparativa a ser criada. A
expectativa está na ação a ser tomada em relação a esta perspectiva.

2.3 Regularização fundiária e terras de marinha

Este crescimento não planejado e a formação de uma periferia ilegal


exigem da administração pública medidas de regulamentação jurídica destas
áreas em prol de garantir o mínimo de direitos a esta população desfavorecida.
Neste texto, explanaremos sobre os dois termos jurídicos que contribuem
na compreensão do relato de caso: a Regularização Fundiária Plena, e a
demarcação dos terrenos de marinha no município de Belém.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Segundo o Ministério das Cidades (2009), a regularização fundiária é


um processo de reconhecimento pelo Poder Público, da legalidade de posse do
terreno ocupado para a moradia, através do registro no cartório, concedendo
o documento patrimonial. Ela consiste na inclusão da parte da cidade que se
encontra informal ou irregular no contexto geral da cidade legal e urbanizada.
Na busca de instrumentos legais para promover essa regularização e
solucionar o problema da moradia, expressos ao longo da história, ocorreram
avanços legislativos com intuito de garantir o direito fundamental à moradia
expresso na Constituição Federal. Como instrumento de destaque elaborado
nos últimos anos se aponta o Estatuto da Cidade, que prevê diretrizes e
indicações dos instrumentos jurídicos e urbanísticos, tais como, o Plano
Diretor, uma importante ferramenta do planejamento urbano, responsável
por promover o adequado ordenamento territorial e o correto uso da
propriedade urbana, de acordo com as reais condições do município. Apesar
de já haver uma diretriz de ação pública proposta na Constituição brasileira
de 1988 e em outros instrumentos, foi com a paradigmática Lei nº 11.977/09
que a regularização fundiária se consolidou como política pública setorial,
voltada para os assentamentos informais habitados pela população pobre,
adentrando, assim, numa nova concepção de política urbana.
Desta maneira, a regularização fundiária visa garantir o acesso a
moradia digna, pois busca ir além da regularização jurídica da posse, e aponta
a regularização fundiária plena como aquela que garante as regularizações
urbanísticas, ambientais e sociais em conjunto com a regularização jurídica.
Contando ainda com a participação ativa dos moradores dos assentamentos,
promovendo assim, a função social da cidade e a gestão democrática.
Adentrando o segundo conceito, os terrenos de marinha têm sua
definição legal contida no Decreto-Lei 9.760/1946: são terrenos situados
na costa marítima, e nas margens de rios e lagoas onde seja sentido a
influência das marés, assim como os que contornam ilhas situadas em zona
sob influência das marés, em faixas com 33 metros de largura, medidos
horizontalmente, a partir da Linha de Preamar Média de 1831, em direção à

þÿ1
USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

terra. É compreendido como influência de maré, a oscilação periódica de no


mínimo cinco centímetros do nível das águas, ocorrendo em qualquer época
do ano. Vale acrescentar que, a Linha de Preamar-Média (LPM) significa a
média da maré alta em determinado período. A LPM citada no Decreto-Lei
é a média obtida no ano de 1831. Quanto aos acrescidos de marinha, são
todos os terrenos criados, natural ou artificialmente, para o lado das águas
sob influência de maré, a partir da LPM (BRASIL, 1988).
Os conflitos de terras em Belém referentes aos terrenos de marinha
têm sua origem na formação da cidade. Em 1818 foi criado o Instituto
Jurídico dos Terrenos de Marinha e seus Acrescidos, de âmbito nacional.
Estabeleceu-se então, como pertencente aos bens da Nação, a faixa de 15
braças craveiras (33 metros) rumo à terra a partir das linhas demarcadas nas
praias até onde chegavam as águas do mar, com a justificativa de assegurar
a população e às defesas nacionais o livre acesso ao mar e às áreas litorâneas.
Em 1996, a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) realizou uma
demarcação das terras de marinha, no município de Belém, que gerou grande
conflito entre a gestão municipal e federal. A SPU/PA não considerou que
historicamente a primeira légua patrimonial pertence ao Município de Belém,
a qual foi doada em 1627, pela Coroa Portuguesa. Diante desta demarcação,
a Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana
de Belém (CODEM) considera ilegal que a União efetue cobranças tarifárias
no município de Belém por conta dos Terrenos de Marinha e Acrescidos.
Consequentemente, a CODEM não reconhece a demarcação realizada pela
SPU, pois alega que, ao receber a carta de Sesmaria da Primeira Légua
Patrimonial, em nenhum momento é citado que desta estariam excluídos os
terrenos de marinha (BORGES; PALHETA, 2011).
Os terrenos e acrescidos de marinha são bens dominicais, mesmo que
em Belém, a CODEM não os reconheça, pelo menos nas proporções em que
a SPU estipula, estes pertencem à União, e no caso da terra doada à Câmara,
excluíram desse bem os referidos terrenos de marinha. A atual justificativa
da existência dos terrenos de marinha não se resumem mais à defesa do


Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

território nacional, mas à necessidade de ordenação da zona costeira,


proteção ambiental, atividades policiais e militares e promoção de atividades
urbanísticas. Baseados nisso, na tradição e nos recursos arrecadados, o
governo federal repele qualquer movimento que coloque em risco o seu
domínio sobre essas terras (BORGES; PALHETA, 2011).
A questão mais pertinente para a atual análise é a Regularização
Fundiária destas terras. Pois, a regularização em vigor não se adequa à realidade
da área (como será explanado mais adiante). E o conflito interinstitucional
dificulta políticas de regularização fundiária de interesse da comunidade.
Mesmo sendo a SPU o órgão responsável pela regularização destas áreas, há
a ocorrência de vários casos de documentos expedidos pelo município, por
parte da CODEM, de terrenos considerados de jurisdição federal.

2.4 Geoprocessamento e Sistema de Informações Geográficas (SIG)

Outro conceito que precisa ser explanado é o de Sistema de Informações


Geográficas, por ser uma ferramenta de total importância no processo de
regularização das áreas ilegais em questão.
Pode-se dizer que os SIG são ferramentas que manipulam objetos (ou
feições geográficas) e seus atributos (ou registros que compõem um banco de
dados) através do seu relacionamento espacial. Deste modo, podemos afirmar
que o SIG é um sistema de software computacional com o qual a informação
pode ser capturada, armazenada e analisada, combinando dados espaciais
de diversas fontes em uma base unificada, empregando estruturas digitais
variadas, representando fenômenos espaciais também variados, através
de uma série de planos de informações que sobrepõem corretamente em
qualquer localização. O SIG pode ser utilizado para: organizar informação
espacial; sistematizar essa informação de maneiras diferentes; averiguar
certas localizações de acordo com critérios pré-estabelecidos; realizar análises
espaciais que necessitem associar diferentes tipos de dados e combinar
múltiplos planos de informações.


USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

As técnicas de geoprocessamento empregadas para a análise em um


SIG permitem, por exemplo, a definição do potencial de determinada área
para uma ou mais atividades e, a combinação desse potencial com outras
características dessas áreas para maior refinamento do estudo.
A capacidade de um SIG de permitir a modificação rápida, com a adição
ou remoção de barreiras e, de investigar as inter-relações complexas entre
diversos planos de informações temáticas é sem duvida, atraente para estudos
ambientais tais como, para o geoplanejamento (uso de novas tecnologias
de informação e de tratamento de dados espaciais digitais) e, gestão do
território. Esta ferramenta dinâmica e interativa pode ser sempre reajustada
na medida em que novos dados se tornam disponíveis e que haja necessidade
de mudanças de requisitos ou prioridades.
Acoplando com modelos de análise apropriados, o SIG pode ser usado
para conferir uma abordagem holística ao geoplanejamento, principalmente
em relação à solução de problemas nos quais, informações qualitativas
e quantitativas devem ser processadas juntamente. O SIG possibilita a
visualização dos resultados tanto em forma de relatórios ou gráficos quanto
em mapas, permitindo assim, rápida e eficiente estimativa dos resultados. O
acesso às informações deve ser restrito aos usuários especializados em SIG,
mas também aberto a todos os participantes envolvidos ao processo de
planejamento ou gestão.

2.5 Geoprocessamento como ferramenta para regularização fundiária

É evidente que a população urbana dos municípios brasileiros tem


aumentado e ultrapassado o contingente de pessoas habitantes do meio
rural nas últimas décadas. Essas pessoas são atraídas pela possibilidade de
melhorar suas condições de vida no que se refere a conforto e oportunidades
de emprego. Porém, o êxodo rural trouxe sérias consequências no âmbito
urbano, uma vez que a ocupação se deu em locais irregulares onde não
possuem o mínimo de direitos sociais e jurídicos em relação à moradia.


Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Na tentativa de diminuir as desigualdades sociais provocadas pelo


inchaço urbano, principalmente em locais inapropriados, o governo liberou
recursos para a habitação no Programa de Aceleração do Crescimento. Por
isso há a necessidade de regularização fundiária nas cidades.
A regularização fundiária, por se tratar de um tema novo no cenário
do planejamento urbano, apresenta muitas dificuldades no seu processo de
implementação. Uma das mais recorrentes na literatura tem a ver com o
tratamento e o nível de qualidade da informação espacial e refere-se à questão
da descrição e localização precisa dos limites físicos das parcelas a serem
regularizadas (ERBA, 2005; COPQUE; SOUZA, 2010).
De acordo com o artigo 50 do capítulo III da Lei Federal 11.977, de
7 de julho de 2009, a Regularização Fundiária dos Assentamentos Urbanos
consiste na titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à
moradia, assegurando, dessa forma, as funções sociais da propriedade urbana.
No entanto, para auxiliar o processo das titulações para a regularização
fundiária tem-se optado por utilizar os recursos de geoprocessamento.
As vantagens do geoprocessamento para a regularização fundiária estão
relacionadas ao fato de essas ferramentas permitirem a sobreposição de dados
de diversas fontes gerando uma nova informação, contribuindo para dar
dinâmica do processo; além de garantir o controle dos processos no sentido
de garantir o cumprimento da função social da terra. Dando confiabilidade
e precisão às informações geográficas. Outro aspecto a ser levado em
consideração dos sistemas de informação geográfica diz respeito ao cadastro
multifinalitário, garantindo certa versatilidade ao uso das informações
coletadas.
Permite as análises complexas por meio da integração de dados de
diversas fontes e criar bancos de dados através do georrefenciamento com as
ferramentas SIG.
Um grande exemplo de que as ferramentas SIG estão ganhando espaço
nos últimos anos é a adoção por parte da web aos aplicativos como o Maps, o
Google Earth, o Google Street View. Além dos celulares com equipamentos


USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

GPS, com todos esses avanços, é indubitável a necessidade dos Sistemas


de Informação Geográfica. Seja no cotidiano e sobretudo no planejamento
urbano, esses softwares se mostram eficientes no processo de regularização
fundiária.
Rosas (2005) defende que SIG se refere ao conjunto de ferramentas
computacionais, compostas por equipamentos e programas que, por meio
de técnicas, integra dados, pessoas e instituições, de forma a tornar possível
a coleta, o armazenamento, o processamento, a análise, a modelagem,
a simulação e a disponibilização de informações georreferenciadas, que
possibilitam maior facilidade, segurança e agilidade nas atividades humanas,
referentes ao monitoramento, planejamento e tomada de decisão, relativas ao
espaço geográfico.
Haja vista que o SIG atua no controle e manipulação de dados em
diversas aplicações, há um leque enorme de softwares utilizados para a
confecção de mapas, sendo os principais: ArcGIS, ArcInfo, ArcView,
AutoCADMap, ENVI, ERDAS, GRASS, IDRISI, MAPINFO e SPRING. O
uso de tais programas permite uma maior precisão na localização dos lotes,
facilitando a identificação dos locais a serem regularizados.
O ArcGIS é um software da empresa Environmental Systems Research
Institute (ESRI) de elaboração e manipulação de informações vetoriais e
matriciais para o uso e gerenciamento de bases temáticas com uma gama de
ferramentas de forma integradas, permitindo pesquisas e análises espaciais,
criação e edição de dados, padronização e impressão de mapas. Tal software
pode ser obtido através da compra da licença. Assim como o ArcGIS, o Autocad
é bastante utilizado na confecção dos mapas. Porém, o Auto Computer Aided
Design (CAD), sendo a tradução Sistema de desenho digital, elabora apenas
o desenho técnico sem o georrefenciamento da área. É um software fabricado
e comercializado pela Autodesk.
É importante ressaltar que há softwares livres, ou seja, seus
desenvolvedores não cobram nenhum valor pela sua utilização, e programas
como o Spring, e o Qgis, são eficientes quanto à produção de mapa e não
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

apresentam custos de instalações, o que garante a redução dos custos da


regularização fundiária.
O geoprocessamento traz consigo ferramentas eficazes e essenciais
para a identificação da área a ser regularizada. Assim, os programas sendo
os licenciados ou não, facilitam o manejo e a integração das informações
coletadas, dando uma gama de aplicabilidade ao banco de dados.

3 RELATO DE CASO – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA


EXECUTADA NA SPU
A partir da concepção de Regularização Fundiária plena, aplicada ao
trabalho executado pela Secretaria do Patrimônio da União na Regularização
de áreas urbanas do município de Belém localizadas em terrenos de marinha,
e os meios técnicos essenciais para sua efetivação precisa, será analisada a
validade da ação realizada pelo órgão.
O objetivo prático do Programa de Caracterização dos Imóveis da
União em Apoio à Regularização Fundiária: Cidadania e Sustentabilidade na
Amazônia Paraense – Parceria SPU/UFPA, era o auxílio da universidade
para dar andamento nos processos de Regularização Fundiária em Terras
da União. Dentro da COREF-Urbana, este trabalho se limitava aos terrenos
de marinha dentro da área continental de Belém, dando prosseguimento aos
processos de solicitação da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia
(CUEM) para as devidas áreas.
Ao dar seguimento nesses processos é necessário o anexo de mapas
que mostrem a localização da residência do requerente em relação à LPM.
Legitimando, desta forma, o pedido de regularização, por parte da União, ao
comprovar que o lote está inserido em um terreno de marinha. Ao longo de
um ano, foi realizado um trabalho voltado não só à produção cartográfica em
massa, mas a tentativa de qualificar o trabalho efetuado diminuindo o tempo
de produção e aumentando a qualidade do produto produzido, assim também,
como construindo um banco de dados capaz de fornecer dados qualitativos e
quantitativos para análises posteriores.


USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

No início das atividades realizadas pelo programa dentro da


COREF-Urbana, coube às bolsistas a análise dos processos arquivados na
superintendência, permitindo assim, a ciência geral da demanda existente,
e das pendências de mapas por bairros analisados. O seguinte passo foi
conhecer a base cartográfica existente, os meios de trabalho que já haviam
sendo utilizados na execução dos mapas e o trabalho a ser feito durante o
programa.
Uma das primeiras ações realizadas foi a modificação do layout dos
mapas emitidos. O layout encontrado se dividia em duas páginas, nas quais
uma mostrava o lote aproximado com os dados do mesmo e do requerente, e
a outra mostrava, em uma escala mais distante, a distância do lote em relação
à Linha de Preamar Médio e do Limite dos Terrenos de Marinha. Todavia, a
compreensão do mapa era difícil, monocromática e nada didática, oferecendo
dúvidas ao leitor se o lote se localizava dentro ou não das Terras da União. A
mudança no layout reduziu a quantidade de páginas, e promoveu a facilitação
da leitura e reduziu o tempo de preparo dos mesmos. Além disso, adicionou
mais informação referente ao processo e ao órgão emissor.


Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento
Mapa 1: Modelo de Mapa emitido pela SPU até o ano de 2012

Fonte: SPU, PA, 2013.


USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa
Mapa 2: Mapa emitido pela SPU no ano de 2013. Confeccionado no AutoCAD


Mapa 3: Mapa emitido pela SPU no ano de 2013. Confeccionado no ArcGIS


Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense


Durbens Martins Nascimento
Fonte: SPU, PA, 2013.
USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
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Mapa 4: Mapa emitido pela SPU no ano de 2013. Confeccionado no ArcGIS

Fonte: SPU, PA, 2013.


Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

A princípio, o software utilizado na confecção dos mapas foi apenas o


AutoCAD, no qual se encontra a base original disponível. Todavia, como forma
de otimizar o serviço executado, construir o banco de dados georreferenciado,
e facilitar a análise dos dados obtidos, preferiu-se reconstruir a base no
software ArcGIS, e a partir dele, gerar os novos mapas. Doravante, o banco
de dados foi iniciado a partir dos processos que apresentavam pendência
nos mapas. Permitindo, assim, facilitar o acesso ao dado de determinado
requerente, indicar os pontos georreferenciados de cada terreno, encontrar
requerentes com mais de um processo, e lotes sendo requeridos por mais
de uma pessoa, entre outros avanços do aprimoramento na procura de
informações do processo.
O AutoCAD não foi totalmente abandonado durante o programa, pelo
fato da base cartográfica no ArcGIS não ter sido totalmente concluída – por
se tratar de um trabalho muito extenso.
O primeiro acesso à base cartográfica do município de Belém, a princípio
existente em arquivo do AutoCAD, já mostrou deficiências existentes na base,
dificultando, desta forma, a elaboração dos mapas desde o princípio. Dentre as
lacunas encontradas no mapa estão:
ƒ
A LPM não está completamente delimitada, suas extremidades se
iniciam no meio do bairro do Marco e terminam próximo à orla de Icoaraci,
no bairro do Cruzeiro, não abrangendo toda a orla do Distrito;
ƒ
Sua criação é datada de 1994;
ƒ
Há bairros sem divisão de lotes e outros sem numeração de lotes;
ƒE há locais da cidade onde as numerações dos lotes estão avulsas (não
estão vinculadas à um determinado polígono de loteamento);
Os problemas encontrados estão identificados na Tabela mostrada a
seguir.


USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

Quadro 1: Bairros cadastrados na SPU que apresentam parte de seu domínio


pertencente a terras de marinha

Bairros Mapas aptos Mapas com observações


Agulha Ok
Barreiro Sem numeração de lote
Batista Campos Ok
Condor Ok
Cremação Ok
Cidade Velha Ok
Canudos Ok Algumas quadras com numeração fora do lote
Fátima Ok
Marco Ok
Marambaia Ok Sem numeração de quadra
Ok Algumas quadras com numeração fora do lote, e
Guamá
algumas quadras sem numeração no lote.
Jurunas Ok
Pedreira Ok
Sacramenta Ok
Telégrafo Ok
Umarizal Ok Quadra 2158 sem numeração de lote
Nazaré Ok
Pratinha Ok
Montese Ok Algumas quadras com numeração fora do lote
Val-de-cães Sem divisão de lotes
Sem numeração de lotes, e nem todo bairro
Curió-Utinga
urbanizado apresenta loteamento na base
Castanheira Sem divisão de lotes
Fonte: SPU, PA. Elaborado pelas autoras.

Um dos bairros que apresentou maior dificuldade foi o Barreiro, onde as


análises processuais foram concluídas, mas a falta da numeração dos lotes na
base deste bairro impediu que os mapas fossem gerados. Consequentemente,
os processos foram arquivados aguardando uma solução posterior.
Os locais onde a numeração do lote estava avulsa e fora do lote, foi
corrigida na medida em que a demanda necessitava da emissão dos mapas de
cada bairro.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

A data de elaboração do mapa é citada como problemática porque


acarreta inúmeros outros problemas no desenvolvimento e legitimidade
do trabalho. Ao utilizar esta base na preparação dos mapas sem considerar
este intervalo de 19 anos entre a criação do desenho e o uso deste para a
regularização do município se ignorou a constante movimentação urbana.
A criação de novos loteamentos, o remembramento e o desmembramento
de lotes, o surgimento de novas vias de penetração nas quadras, todos são
exemplos da ocorrência de mudanças físicas comuns em uma cidade em um
dado período. Outro fato comum, que mesmo não sendo de mudança física,
mas dificulta o processo como todo, são as mudanças na nomenclatura
de vias e na numeração dos lotes. Considerar esta constante mudança no
município nos leva a invalidar a legalidade dos mapas anexados aos processos.
Consequentemente, abre a dúvida quanto à validade dos processos aos quais
as CUEM foram emitidas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contingente urbano de assentamentos informais em Belém,
localizados em terras da União, demanda um amplo trabalho que vem sendo
realizado pela superintendência. Contudo, a precisão do material cartográfico
gerado ainda apresenta falhas que precisam ser corrigidas. Uma regularização
fundiária efetiva implicaria na construção de uma nova base cartográfica da
cidade de Belém. O intervalo de tempo existente entre a base atual e a cidade
hoje, ainda é o principal motivo da imprecisão dos trabalhos emitidos.
A implantação de um mapeamento temático possibilitado pelo uso do
SIG facilitaria a gestão urbanística, o que proporcionaria a implementação de
políticas públicas apropriadas a espaços com suas particularidades.

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USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

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BATISTA, Eliane Sant’ana. Geoprocessamento aplicado à regularização
fundiária de vilas, favelas e conjuntos habitacionais de interesse social:
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em Geoprocessamento) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
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BORGES, Denilce Rabelo; PALHETA, João Marcio. A influência da doação
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BRASIL. Presidência da República. Constituição (1946). Promulgada a 05
de outubro de 1946. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1946.
BRASIL. Portaria Ministerial nº 511, de 07 de dezembro de 2009. Diretrizes
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Multifinalitário (CTM) nos municípios brasileiros. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/diarios/navegue/2010/Dzembro/8/DOU>.
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CARDOSO, Ana Cláudia Duarte. Assentamentos informais e a pobreza
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legal. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. p. 163-218.

'((
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

. O espaço alternativo: vida e forma urbana nas baixadas de Belém.


Belém: EDUFPA, 2007.
COPQUE, A. C. S. M. ; SOUZA, F. A. . Cadastro técnico multifinalitário
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OLIVEIRA, F; LIMA JUNIOR, P. (Orgs) Cadastro Multifinalitário como
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FERNANDES, Edésio. Do código civil ao estatuto da cidade: algumas notas
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. Reformando a ordem jurídico-urbanística no Brasil. In: VALENÇA,
Márcio Moraes (Org.). Cidade (i)legal. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008b. p.
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FREITAS, C.F.S & LIMA, L.S. Cadastro Territorial e SIG no processo de
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MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias:
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. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 5. ed. Petrópolis-
RJ: Vozes, 2011.

)*+
USO DE GEOTECNOLOGIAS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA -
TERRENOS DE MARINHA EM BELÉM-PA
Bianca Caterine Piedade Pinho, Christiane Helen Godinho Costa e Juciane Martins de Sousa

NASCIMENTO, Luciana Dias do. O uso do geoprocessamento na


regularização fundiária e urbanística: uma proposta de apoio à decisão
aplicada ao município de Taboão da Serra-SP. 2008. 181f. Dissertação
(Mestrado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
ROSA, R. Geotecnologias na Geografia Aplicada. Revista do Departamento
de Geografia, v. 16, p. 81-90, 2005.

,-.
CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE:
PROCEDIMENTOS TÉCNICOS E METODOLÓGICOS PARA
A CARACTERIZAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS TERRAS
DA UNIÃO31

André Araújo Sombra Soares32


Durbens Martins Nascimento33
Davi Gustavo Costa dos Santos34

1 INTRODUÇÃO
Constatou-se, durante o período de trabalho no projeto “Caracterização
dos Imóveis da União em apoio à Regularização Fundiária: Cidadania e
Sustentabilidade na Amazônia Paraense” - NAEA/SPU, que um grande
volume processual de regularização de imóveis no estado Pará e na Capital
necessitaram dos trabalhos técnicos de representação cartográfica, para
auxílio e vazão dos mesmos. Em nível de informação, tais demandas variaram
desde a solicitação de caracterização da dominialidade de imóveis até a
solicitação de títulos de posse, solicitados tanto pelas populações de baixa
renda quanto pelo público de alto poder aquisitivo, que foram cumpridos em
curto e médio prazo, por conta variados fatores, a exemplo da agilidade que
31
Artigo publicado originalmente com o título: Cartografia digital aplicada à regularização
fundiária na Amazônia paraense: estudo de caso da caracterização e identificação das terras
da união. In: INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 6., 2013, João Pessoa.
Simpósio... João Pessoa: UFPB, 2013. v. 1, p. 1-2.
32
Graduando de Geografia da UFPA.
33
Professor do NAEA/UFPA.
34
Técnico da SPU/PA.

/02
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

se tem na tramitação interna da SPU/PA e a facilidade que se tem hoje na


visualização das áreas destinadas para a União no estado e na representação
cartográfica das mesmas, por meio do uso da cartografia em meio digital.
Acerca do uso desse segundo fator, o consideramos como o tema
central desse artigo, à luz do arcabouço teórico-conceitual Geocartográfico.
Realizaremos, para tal intuito, uma minirrevisão histórica do uso da
cartografia tradicional/analógica, suas aplicações, estágios de evolução
até o desenvolvimento da chamada cartografia digitalizada e dos Sistemas
de Informações Geográficas (SIGs). Assim, tomemos como exemplo, para
corroborar nossas argumentações, os métodos de representação cartográfica,
as variáveis visuais e os elementos pictóricos utilizados na SPU/PA. E por fim,
vamos ao encontro de um tutorial de uso do Sistema de Software ARCGIS 10.1,
com o fim de didatizar os procedimentos de caracterização e identificação do
patrimônio da União e mostrar as aplicabilidades dos métodos de representação
cartográfica. Dessa maneira encontra-se estruturado este artigo.
Ao final do artigo, nós concluiremos com considerações favoráveis
ao advento das técnicas cartográficas computadorizadas no processo
de regularização fundiária, que, a nosso ver, permitem a ampliação do
entendimento acerca do patrimônio da União, contribuindo com as análises
dos acontecimentos e dos fenômenos que ocorrem nesta porção territorial,
com a visualização e interpretação de imagens de satélites e da confecção e
visualização de mapas em tempo real através do computador. Isso garante
maior agilidade processual para a SPU/PA e, especificamente, para a
Coordenação de Caracterização e Identificação Patrimonial (COCIP), o maior
controle do patrimônio da União.

2 DA CARTOGRAFIA TRADICIONAL À CARTOGRAFIA DIGITALIZADA

Não se sabe ao certo em que período surgiu a cartografia e quais foram


os primeiros povos a fazer uso dela, entretanto para a maioria dos autores,

345
CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos

os primeiros registros cartográficos se dão por volta do século IV a.C, com


a necessidade da civilização chinesa em elaborar cartas com o objetivo de
localizar, demarcar fronteiras e gerir os territórios usados. Para Boligian
(2011), ela passa a ganhar mais precisão com a realização de cálculos de
circunferência terrestre e o estabelecimento das latitudes e das longitudes
do planeta pelos gregos. Passou a ter grande utilização nos séculos XV e
XVI com o processo de expansão marítima europeia, que visava a busca de
exploração de matérias-primas.
Com a chegada do século XX e dos tempos atuais, a cartografia ganha
um desenvolvimento tecnológico e informacional, aliando a técnica já existente
com conhecimentos de informática. Novas tecnologias foram surgindo a partir
de experimentos na navegação e na produção dos mapas pela sociedade; como
exemplo de novas tecnologias em cartografia, temos o geoprocessamento e o
sensoriamento remoto, que são técnicas informatizadas que permitem facilitar
o entendimento do homem com as interações e ocorrências no seu “Espaço
Vivido” (SANTOS, 2003). Segundo Boligian (2011, p. 20):
O desenvolvimento tecnológico é um importante aliado para os avanços
cartográficos e os estudos de Geografia. Um dos recursos oferecidos
pelas novas tecnologias é o geoprocessamento, que permite ampliar
os estudos e análises do espaço geográfico e dos fenômenos que nele
ocorrem. No Geoprocessamento são utilizadas técnicas matemáticas
e da informática para criar sistemas que possam analisar diversas
informações geográficas ao mesmo tempo.

Além do advento da técnica de geoprocessamento, que vai lidar com


a confecção e edição de mapas por meio dados vetoriais, surge a técnica de
sensoriamento remoto, que se responsabiliza pela confecção de mapas por
meio da extração e interpretação de imagens de satélites e fotografia aéreas;
ambas permitem a visualização de mapas em tempo real no computador
através de um software de SIG. Essas geotecnologias tornaram-se cada
vez mais presentes no quotidiano das sociedades, devido à necessidade de
localização de algum ponto e mapeamento, a exemplo disso temos o uso de
novos inventos, como celulares com localizadores e GPS portáteis.

676
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Nesse ínterim, nós entendemos “Cartografia Digital” como um


conjunto de todas as informações, tecnologias e ciências que permitem o trato
de dados geográficos em meio digital, permitindo a sua edição, manipulação
e representação. Para Taylor (1991, p. 251):
A Cartografia Digital ou Cartografia Assistida por Computador deve
ser vista não apenas como um processo de automação de métodos
manuais, mas como um meio para se buscar ou explorar novas maneiras
de lidar com dados espaciais.

A nosso ver, para além da facilidade e da fluidez que todos esses


inventos do séculos XX e XXI proporcionaram na confecção e visualização
de um mapa, eles também condicionaram uma melhor dinamização da
comunicação cartográfica, visto que você pode encontrar em um software SIG
uma variedade de símbolos, formas e elementos visuais para diversos temas,
facilitando a leitura do mapa. Desse modo, podemos inferir que a cartografia
digital nada mais se trata que a digitalização dessa linguagem simbólica.
Sobre essa questão, Martinelli (2008, p. 11) afirma: “Tal empreendimento é
uma resposta à altura de esclarecer e encaminhar corretamente o raciocínio
de quem elabora uma cartografia temática para uma Geografia eficaz”.

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A Questão que se coloca é que a cartografia e as ferramentas de


manipulação geográficas podem oferecer a identificação das áreas da União
no Pará. No nosso entendimento, essa neocartografia, que agora conta com o
auxílio científico e informacional, foi responsável por atribuir novo significado
aos dados geográficos, que na cartografia analógica eram operacionalizados de
modo manual, e com o advento do SIG. Assim, tornou-se possível encarregar
o computador pela realização de tais operações, podendo o mesmo integrar
dados do mundo real ao mundo computadorizado. Sobre essa questão:

89:
CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos

A ciência da geoinformação permitiu a intensificação no fluxo de


informações, considerando as ciências anteriormente apresentadas,
pois, a definição que Câmara e Monteiro (2001) aperfeiçoando os termos
apresentados por Gomes & Velho, foi possível estabelecer correlações
entre universos: o mundo real, o computacional, o de representação e o
de implementação (CASTRO, 2012, p. 2).

Nesse ínterim, os quatro universos da Geoinformação (CAMARA,


2009), aplicados às áreas da União do Pará, se atribuiriam do seguinte
modo: o mundo real corresponde aos terrenos de marinha e seus acrescidos
propriamente ditos; o mundo computacional corresponde a operacionalizações,
e filtragens dos dados reais no ambiente digital, como por exemplo a
delimitação dos terrenos de marinha e seus acrescidos através da Linha da
Preamar Média (LPM) de 1831 e linha limite de maré de 33 metros nos
softwares de SIG; o mundo de representação trata-se do mapeamento de uma
área recortada ou de um terreno específico, com o uso dos dados delimitados;
e por fim, o mundo de implementação corresponde à interpretação do mapa
finalizado do terreno, cabendo o julgamento se trata-se de uma área da União
ou não (Esquema 1).
Esquema 1 - Teoria dos quatro Universos do SIG. André Sombra (2013).

Fonte: SPU/PA e Google Earth (2010).

;<=
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Essa estrutura cartográfica existente no meio digital, mais o uso


da técnica, têm contribuído para o chamado processo de identificação
simplificado das áreas da União. Tal processo se dá com a averiguação das
áreas, através de meios digitais com o uso de plataformas SIGs, CAD e outras
geotecnologias existentes, que permitem uma análise preliminar ou parcial
sobre a dominialidade das áreas processadas. Esse procedimento – não via
de regra – pode evitar a verificação presencial em campo, possibilitando, em
muitos dos casos, a identificação via SIG e imagens de satélites precisas, para
julgar e caracterizar a área, evitando o deslocamento da sede da SPU/PA.
Além disso, outro fator que podemos contar como beneficiário em
tais empreendimentos é o acesso às informações da base cartográficas que a
União já possui, que já estão convertidas nos formatos de imagens de satélite
e shapefiles. Elas correspondem aos chamados terrenos de marinha, áreas que:
se encontram à margem de rios nacionais ou estão a 33 metros da margem
do rio, sofrendo influência de maré; alguns municípios, com a demarcação
da LPM de 1831; terrenos marginais, acrescidos de marinha; e ilhas com
influência de maré.
Figura 1 - LPM, Linha da Preamar Média e Linha de Limite de Maré de
Belém.

Fonte: SPU/PA e Google Earth (2013).

>?@
CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos

3 METODOLOGIA DE REPRESETAÇÃO CARTOGRÁFICA E SUA


APLICAÇÃO AOS MAPAS DA SPU/PA

Nessa perspectiva, apresentamos a aplicação de dois métodos de


representação, proposto por MARTINELLI (2008)35: o “Método qualitativo”
e o “Método quantitativo”. Podemos compreender, por meio da leitura desses
métodos, o entendimento das diversificações das formas de representação dos
fenômenos e processos que ocorrem no espaço. Tais métodos se aplicam ao
mapa através das variáveis visuais, elementos pictóricos e formas, a exemplo
das formas pontuais, lineares, texturas etc.

ˢʳˠōwǼŸ_Ÿ_sNjsƼNjsǣsŘǼYŸLJȖĶÞǼǼÞɚŸ

Nesse método, é levada em consideração a natureza do fenômeno ou


processo a ser representado, ressaltando suas formas, padrões, e atributos,
a fim de categorizar sua espécie no mapa. De acordo com Martinelli (2008,
p. 37):
As representações qualitativas em mapas são empregadas para mostrar
a presença, a localização e a extensão das ocorrências dos fenômenos
que se diferenciam pela sua natureza e tipo, podendo ser classificados
por critérios estabelecidos pelas ciências que estudam tais fenômenos.

As variáveis visuais utilizadas no método de representação qualitativa


dos fenômenos são: as cores, formas, orientação e tamanho. No caso dos
mapas elaborados para a SPU/PA, as variáveis visuais mais utilizadas são
as “cores” e as formas, que podem ser representadas em elementos pontuais
e lineares com variação de textura dependendo da área em questão. Veja os
exemplos a seguir.

35
Dentro desses dois métodos gerais de representação existem também os métodos:
ordenados e dinâmicos que não iremos dá ênfase nesse artigo.

ABC
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Exemplos de formas lineares:


RODOVIAS FEDERAIS
RFGFHIJK RODOVIAS RODOVIAS RIOS
FEDERAIS ESTADUAIS VICINAIS SECUNDÁRIOS

LMNOPQST UN VSWOXT PSYZ[X\T]


LOCALIDADES SEDES MUNICIPAIS

^S _XTS X`X\MS ZNOST S NMNOPQS UN OXY\VNTZXabNT cSYX\Td e[N TfS gWNXT


ou fenômenos representados por cores e texturas pontuais e lineares.

Exemplos da variável cor:


ILHAS HIDROGRAFIA PRIMÁRIA

LMNOPQS UX hXW\ghNQ ZNMZ[WX Q\YNXW]


GLEBAS DO INCRA

LMNOPQS UX hXW\ghNQ ZNMZ[WX PSYZ[XQ]


USO SUSTENTÁVEL

DEE
CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos

3.2 MwǼŸ_Ÿ_sNjsƼNjsǣsŘǼYŸLJȖŘǼÞǼǼÞɚŸ

Antes de conceituarmos esse método, chamamos a atenção para


o fato de que a representação quantitativa não é comumente utilizada nas
representações da SPU/PA. No entanto, é válido conhecê-lo. Esse método
caracteriza as relações de proporção entre os conteúdos dos lugares ou
conjuntos espaciais. Segundo Martinelli (2008, p. 42), ele é utilizado “para
quando a realidade é vista como feita de quantidades localizadas, tendo como
única variável visual o tamanho, representado através de figuras geométricas”.
Exemplo da variável tamanho:
COMPARATIVO DE EXTENSÃO DE PROPRIEDADES RURAIS

lmnopq Arcgis 10.1. André Sombra (2013).

4 TUTORIAL DE REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA DA SPU/PA:


ƼĶŸǼ¶sŎ_sƼŸŘǼŸǣsŎOŸŸNj_sŘ_ǣȕǻōŘŸǣŸ¯ǼɠNjs ARCGIS 10.1

A representação cartográfica para caracterização e identificação de


lotes rurais da União se dá em três etapas. A Primeira, trata-seda plotagem
dos pontos informados no memorial descritivos, que podem variar entre
“Coordenadas UTM” ou “Geográficas”, ou “Azimute e Distância” das
respectivas propriedades e imóveis rurais. Feita a plotagem, a segunda etapa
será a da Caracterização e Identificação da dominialidade da Propriedade ou
Imóvel plotado, sendo necessário adicionar toda a base cartográfica da SPU/
PA disponível em shapefile. E a terceira etapa trata-se da elaboração do layout
padrão pré-estabelecido pela Secretaria do Patrimônio da União de Brasília-
DF, contendo elementos cartográficos como legenda, norte geográfico, escala

ijk
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

gráfica, mapa de situação, grade de coordenadas e projeção. Feito isso, a


elaboração do mapa de localização do imóvel é finalizada, ele é impresso em
A4 depois anexado ao processo para dar a sua vazão.
Para tudo isso, é importante ressaltar que os processos devem conter
um memorial descritivo, com as informações georreferenciadas do imóvel,
como: Coordenadas Leste e Norte UTM ou Geográfica, DATUM Horizontal
e Azimute e Distância. Se o processo não contiver essas informações, não será
possível a elaboração do mapa. Neste passo a passo, iremos apresentar uma
elaboração de um mapa por meio da plotagem de pontos em Coordenadas
UTM. Confira com atenção.

4.1 Criação do shapefile


Antes de tudo, o shapefile é criado na ferramenta “ArcCatalog”.

uvwxyz ARCGIS 10.1. André Sombra (2013).

ˣʳˡ_ÞYŸ_ŸǣÞǣǼsŎ_sOŸŸNj_sŘ_ǣ

Feito isso, escolheremos o “DATUM Horizontal”, o “Sistema de


Coordenadas” e a “Zona (Fuso)”; estas informações devem estar presentes no
memorial descritivo da área, caso contrário, poderemos ter erros de precisão
no mapa.

rst
CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos

~€‚ƒ ARCGIS 10.1. André Sombra (2013).

4.3 Edição do shapefile criado

Depois que o shapefile foi criado, nós utilizamos as ferramentas de


edição do shapefile para poder liberar a inserção os pontos.

~€‚ƒ ARCGIS 10.1. André Sombra (2013).

{|}
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

ˣʳˣƻĶŸǼ¶sŎ_sƼŸŘǼŸǣ

Em seguida, utilizaremos a ferramenta “X e Y” para adicionar as


respectivas Coordenadas “Leste e Norte” e depois basta apertar a tecla
“Enter” para plotar o ponto. Depois que todos os pontos forem adicionados,
encerramos a edição do polígono formado.

‡ˆ‰Š‹Œ ARCGIS 10.1. André Sombra ( 2013).

ˣʳˤəsNjÞʩOYŸ__ŸŎÞŘÞĶÞ__s_ Njs

Feito o polígono, adicionamos a base de dados cartográficos da SPU


em shapefile, para verificar em que dominialidade se encontra o imóvel, para
que a SPU tome as providências cabíveis quanto à área a ser regularizada ou
encaminhe o processo ao órgão responsável pela gestão da área. Nesse caso,
uma das áreas plotadas se encontra dentro de uma Unidade de Conservação
a serem encaminhadas aos órgãos ambientais competentes.

„ †
CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos

‘’“” ARCGIS 10.1. André Sombra (2013).

4.6 Criação do layout

E, finalmente, o mapa é concluído com a adição do modelo de Layout


pré-estabelecido pela SPU de Brasília. Esse modelo de Layout já contém todos
os parâmetros cartográficos: Legenda; Escala gráfica; Norte Geográfico;
Mapa de Localização; Grade de Coordenadas; além do cabeçalho do órgão
e a assinatura do Chefe de departamento. Assim, resta apenas alterar alguns
elementos, como: a “Zona” do município, que pode ser visualizada por meio
do “Shapefile Carta Índice” como já explicamos no Item 5.2; a “Projeção”; as
“Coordenadas”; o “DATUM horizontal” utilizado; a “MZEE”; a “Mesorregião
do Estado” que se encontra o município da área; e data da elaboração do mapa.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Fonte: RCGIS 10.1. André Sombra (2013).

4.7 Modelo de mapa concluído

Eis o mapa no modelo padrão utilizados pelas Superintendências do


Patrimônio da União concluído.

Fonte: ARCGIS 10.1. André Sombra (2013).

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CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos

Se as coordenadas informadas no memorial descritivo não forem em


Coordenadas UTM e sim em Coordenadas Geográficas (Grau, Minuto e
Segundo) como, por exemplo: 55°47’59,445”W & 3°14›54,62»S, não há
necessidade da criação de um shapefile para plotar os pontos, basta utilizar
diretamente a ferramenta “X e Y” para iniciar a plotagem. Para isso, é
necessário mudar o cursor da ferramenta para a opção Degreess Minutes
Seconds. Veja o exemplo na figura abaixo.

Fonte: ARCGIS 10.1. André Sombra (2013).

E se os pontos informados no memorial descritivo forem em Azimute e


Distância, devemos utilizar a Ferramenta “COGO”, utilizando o atalho “Ctrl
G”, depois de já plotado o primeiro ponto em Coordenada. Veja o exemplo na
figura abaixo.

Fonte: ARCGIS 10.1 André Sombra (2013).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A introdução e o desenvolvimento do artigo já resumem bem os


resultados a que pretendíamos chegar:
1) O Território amazônico paraense conserva, em sua essência, um
gigantesco patrimônio Federal pertencentes à União, devido a uma grande
variedade de rios nacionais e consequentemente terrenos de marinhas e
seus acrescidos, terrenos marginais e ilhas com influência de maré. E para
gerir esse patrimônio, há a necessidade de métodos modernos que garantam
uma resposta imediata, e ajudem a simplificar o processo de identificação e
caracterização dessas terras. É o caso do advento da Cartografia Digital na
SPU/PA.
2) Acreditamos que os estudos dos métodos e técnicas de representação
simbólica da cartografia, como proposto por Martinelli, assim como a história
do desenvolvimento da cartografia e sua estruturação em meio digital, sejam
importantes para o entendimento da elaboração dos mapas da SPU/PA.
3) Esperamos que a leitura de Artigo/Manual-Prático tenha interessado
os leitores para um estudo abrangente sobre a Cartografia e que também
contribua para o aprendizado de novos servidores e estagiários da SPU/PA,
ou demais órgãos que trabalhem com regularização fundiária e necessitam do
procedimento tal qual apresentado neste trabalho. Esperamos também este
manual contribua para a o processo de regularização fundiária na Amazônia,
agilizando a entrega de título e posses à população paraense.

REFERÊNCIAS
BOLIGIAN, Levon; ALVES, Andressa. Geografia espaço e vivência. São
Paulo: Atual, 2011, p. 20.
CÂMARA. Gilberto; CLODOVEU, Davis; MONTEIRO, Antônio Miguel
Vieira. Introdução a ciência da geoinformação. São José dos Campos:
IMPE, 2009.

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CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos

CASTRO, Carlos Jorge Nogueira de; SILVA, Christian Nunes da; SOARES,
Daniel Araujo Sombra. Geografia dos transportes: o uso dos SIG na análise
das linhas de ônibus integradas aos terminais de passageiros da Universidade
Federal do Pará. In: ¡¢£¤¢¥¦¤ ¢§£¨¤¢§© ª¤« ¬¡­¬¦§®¤«¯ °±¯
2012, Belo Horizonte, MG. Anais... Belo Horizonte, MG, 2012, p.02.
ESRI, Sistema de Software ARCGIS 10.1 Desktop. Disponível em:
<http://www.esri.com>. Acesso em: 21 set. 2013.
LONGLEY, Paul A. et al. Sistemas e ciência da informação geográfica,
[S.l.]: Bookman, 2013.
MARTINELLI, Marcelo. Cartografia temática: cadernos e mapas: São
Paulo: EDUSP, 2003.
______. Mapas da geografia e cartografia temática. São Paulo: Contexto,
2008.
RELATÓRIO do projeto de extensão: Caracterização dos imóveis da União
em apoio à regularização fundiária na Amazônia Paraense. Belém: NAEA;
SPU, 2013. (segundo Relatório).
SANTOS, Milton, A Natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção.
4. ed. reimpr. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006.
TAYLOR, D. R. F. Geographical information systems: the microcomputer
and modern cartography. Oxford: England; Pergamon Press, 1991, p. 251.

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ANEXOS
Mapa 1- Exemplo de mapa: área localizada na gleba do INCRA Mojuí dos Campos, em Belterra.

Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense


Durbens Martins Nascimento
Fonte: SPU/PA, 2013.
CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos
Mapa 2- Exemplo de mapa: terreno de marinha localizado em Altamira.

Fonte: SPU/PA, 2013.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento
Mapa 3 - Exemplo de mapa: terreno de marinha em Portel.

Fonte: SPU/PA, 2013.


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CARTOGRAFIA DIGITAL APLICADA À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE
André Araújo Sombra Soares, Durbens Martins Nascimento e Davi Gustavo Costa dos Santos
Mapa 4 - Exemplo de mapa: terreno localizado na área de proteção ambiental do Marajó (ICMBIO).

Fonte: SPU/PA, 2013.

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SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO NO PROCESSO
DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS
DA UNIÃO EM APOIO A REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA PARAENSE

Wellingtton Augusto Andrade Fernandes39


Raquel Colares Abreu40
Vanessa Amorim Vasconcelos41

1 INTRODUÇÃO
O trabalho em questão surge a partir da experiência de estágio
realizado na Superintendência do Patrimônio da União no Pará (SPU/PA),
em que se desenvolviam atividades pelo projeto de pesquisa e extensão
“Caracterização dos Imóveis da União em apoio à Regularização Fundiária:
Cidadania e Sustentabilidade na Amazônia Paraense parceria SPU/NAEA”,
coordenado pelo Prof. Dr. Durbens Martins Nascimento, pesquisador do
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), em parceira com a
Superintendência do Patrimônio da União no Pará (SPU/PA) e a Fundação
de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP).
Nosso objetivo é demonstrar como o sensoriamento remoto e suas
técnicas de utilização e interpretação de imagens de satélite proporcionam
ganhos importantes no processo de identificação e caracterização de bens
imóveis da União. É dada ênfase ao emprego de certas composições de bandas
39
Graduando do Curso de Geografia da UFPA
40
Graduanda do Curso de Engenharia Civil da UFPA
41
Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNAMA

½¾½
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

multiespectrais em determinados satélites (perceptível especialmente nas


imagens do satélite LANDSAT na composição 5R4G3B), as quais realçam
sobre maneira os corpos hídricos, facilitando o processo de identificação e
caracterização das áreas da União.
O processo de Identificação e Caracterização de áreas da União no
Estado do Pará é realizado pela Coordenação de Identificação e Caracterização
do Patrimônio (COCIP/SPU-PA), em resposta a requerimentos e ofícios
de órgãos e empresas como: Advocacia Geral da União (AGU), Ministério
Publico Federal (MPF), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),
Mineradora VALE, entre outras. Dentre as questões trabalhadas no decorrer
deste artigo, toma um lugar central o fato de ser imprescindível o emprego
das técnicas de sensoriamento remoto, a partir da utilização de imagens de
satélite no processo de identificação e caracterização.

2 A SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO


DO PARÁ: BREVE HISTÓRICO

A Secretaria do Patrimônio é um órgão que está ligado ao Ministério do


Planejamento, Orçamento e Gestão, este contém as seguintes competências:
administrar o patimônio imobiliário da União, zelar por sua consevação,
adotar as providências cabíveis à situação da regularidade dominial dos
bens que estão em terras da União; realizar a incorporação de novos imóveis
ao patrimônio da União; efetuar a demarcação e identificação dos imóveis,
autorizar na forma da lei a sua ocupação de acordo com diretrizes estabelecidas
para promover a permissão de uso, que pode ser feita por meio da doação,
concessão e cessão gratuita de uso. Além das atribuições citadas, cabe a SPU/
PA as Autorizações de Uso, as Concessões de Uso para Fins de Moradias
(CUEM) e Cessões de imóveis para outros órgãos42 (BRASIL, 2008).
42
Estes institutos são detalhados em outros artigos deste livro, bastando explicitar que
os mesmos configuram-se como institutos do Direito Administrativo e Fundiário que

¿ÀÁ
SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO NO PROCESSO
DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS DA UNIÃO...
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Raquel Colares Abreu e Vanessa Amorim Vasconcelos

Outra atribuição da SPU/PA é o Projeto Orla que foi criado em 1980,


o qual busca destinar a dominialidade dos espaços litorâneos e costeiros, de
propriedade ou guarda da União, ao uso e gestão dos terrenos e acrescidos de
marinha pela população, garantindo o cumprimento da função socioambiental43
dos bens. O Projeto Orla possibilitou a SPU/PA contribuir com a proteção das
Áreas de Preservação Permanente e de Uso Comum do Povo, já que permitiu a
instauração de parcerias com instituições municipais, estaduais e federais para
fortalecer a fiscalização sobre essas áreas (BRASIL, 2013).
A representação do Patrimônio da União no Estado do Pará está
presente desde a década de 1940, priorizando políticas de arrecadação.
No decorrer dos seus 70 anos, a SPU/PA conseguiu ampliar o quadro de
funcionários, adquirindo equipamentos para a qualificação dos serviços e
implementando políticas de regularização fundiária em áreas da União.
Vale destacar que, atualmente, a política da SPU/PA não prioriza somente
a arrecadação, colocando-a em ressonância com a regularização fundiária e a
gestão de seu patrimônio. Apesar disso, a SPU/PA ainda opera em condições
precárias em muitos sentidos, na medida em que o número de funcionários
ainda é insufiente para cobrir toda a extensão do território paraense e o
equipamento disponível nem sempre é suficiente ou o mais apropriado, desafio
que é comum dentro da gestão pública brasileira.

objetivam permitir o uso de bens públicos por parte da população seguindo o devido
processo legal.
43
A função socioambiental da propriedade, princípio norteador da gestão do Patrimônio
da União, é recepcionado pela Constituição Federal de 1988 através da combinação dos
dispositivos jurídicos que protegem a propriedade e sua função social, com os dispositivos
jurídicos que protegem o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre os dispositivos
que garantem o direito a propriedade e o pleno exercício de sua função social estão: o art.
5°, incisos XXII e XXIII; art. 170, incisos II e III. Entre os dispositivos que garantem o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estão: art. 170, inciso VI e o art. 225
e todos os seus incisos e parágrafos. Finalmente, cabe ressaltar que o cumprimento da
função social da propriedade se consuma somente quando a mesma atende, dentre outros
requisitos, à preservação do meio ambiente, como está claramente previsto no art. 186,
incisos I e II, que assim se manifestam: “Art. 186. A função social é cumprida quando
a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência
estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II -
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;”.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Em relação à atuação da SPU/PA na Amazônia verifica-se um avanço


na política de regularização fundiária, que favorece as pessoas de baixa renda
e demonstra maior preocupação com a função social das terras da União,
através da destinação de áreas sob dominialidade do poder federal a essa
população, garantindo o direito fundamental à moradia44, dessa classe de
menor renda.

3 ÁREAS DA UNIÃO
Não é nosso objetivo pormenorizar o assunto de áreas da União,
bastando, para o entendimento deste texto, as considerações expostas a
seguir.
O art. 20 da Constituição Federal define os bens que pertencem à
União:
I – os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser
atribuídos; II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das
fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais
de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III – os
lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio,
ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros
países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem
como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV – as ilhas fluviais e
lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas;
as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a
sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público
e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 36, II; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005); V – os recursos
naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI
– o mar territorial; VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII – os potenciais de energia hidráulica; IX – os recursos minerais,
inclusive os do subsolo; X – as cavidades naturais subterrâneas e os
sítios arqueológicos e pré-históricos; XI – as terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios.
44
Art 6º da Constituição Federal: são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados (BRASIL, 2013, grifo nosso).

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SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO NO PROCESSO
DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS DA UNIÃO...
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Raquel Colares Abreu e Vanessa Amorim Vasconcelos

Na gestão destes bens, cabe à SPU a identificação e demarcação de


áreas públicas, cadastramento, destinação, arrecadação e controle do uso dos
imóveis ali contidos, a gestão dos bens dominiais (terrenos de marinha e seus
acrescidos e terrenos marginais e seus acrescidos) e o controle do uso dos
bens denominados uso comum do povo.
Com base nas definições constitucionais, citam-se dois dos bens imóveis
mais emblemáticos da União no território amazônico, por se configurarem
em espaços privilegiados da política de regularização fundiária desenvolvida
pela SPU-PA. Estes bens são: os terrenos de marinha (e seus acrescidos), os
terrenos marginais e os vários tipos de ilhas (fluviais, lacustres, oceânicas e
costeiras). Os mesmos são especificados nos parágrafos abaixo, com base na
publicação SPU (BRASIL, 2008).
Os terrenos de marinha estão compreendidos em uma faixa de 33
metros ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagoas que sofrem
influência das marés. Essa delimitação de terras é caracterizada a partir da
demarcação, realizada pela SPU, da Linha do Preamar Médio45 do ano de
1831 (LPM), um procedimento administrativo, declaratório de propriedade,
definido no Decreto-Lei n° 9.760/46. Os terrenos acrescidos de marinha são
a faixa formada, natural ou artificialmente (aterros), ao lado dos rios e lagoas
ou do mar, acompanhando a delimitação dos terrenos de marinha.
São considerados terrenos marginais aqueles banhados pelos rios,
lagos ou quaisquer correntes de águas federais e distantes da abrangência
das marés. Estes terrenos se estendem por uma faixa de 15 metros, medidos
para a parte da terra, contados do ponto médio da Linha Média das Enchentes
Ordinárias46 (LMEO), também demarcada pela SPU, por meio de procedimento
administrativo e declaratório, definido no mesmo Decreto-Lei n° 9.760/46.

45
Linha do Preamar Médio é considerada como a média das máximas marés do ano de 1831.
Utiliza-se este ano devido o fenômeno de mudanças na costa marítima em consequência do
movimento da orla, que promoveu processos erosivos ou de aterro. A partir dessa linha se
delimita os terrenos de marinha (BRASIL, 2008).
46
Linha Média das Enchentes Ordinárias é o traçado que determina a área dos terrenos
marginais, através do lado da margem do rio. É contada a partir da linha obtida por meio
da média das enchentes ordinárias (SPU, 2008).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

As ilhas fluviais e as ilhas lacustres permanentes pertencem à União


quando estão situadas nos limites da extensão com outro país, quando estão
situadas em corpo d’água da União, como também quando localizadas em
áreas em que se possa sentir a influência das marés, tendo em vista o art. 1o,
c, do Decreto-Lei n° 9.760/46, combinado com o art. 20, I, da CF/88.
Já as ilhas de várzea são aquelas suscetíveis a alagamento durante
alguns períodos do ano, que compreendem as extensões do leito do rio, assim
será considerado proprietário destas ilhas quem possuir a titularidade do
rio ou lago onde esta se encontra, não será considerada como um bem que
possa ter dominialidade diversa do leito fluvial ou lacustre do qual seja parte
integrante. As ilhas marítimas são determinadas em oceânicas e costeiras,
pertencentes à União, com restrição as ilhas costeiras que estejam inseridas
no interior de sedes municipais, nas quais a titularidade da União será apenas
considerada os terrenos de marinha e seus acrescidos, além de outros imóveis
próprios da União.
Portanto, deve-se ressaltar que os bens classificados pela Constituição
como de propriedade federal são de posse de todos os brasileiros e que
qualquer cidadão que se utilize deles de maneira exclusivamente privativa
terá, de certo modo, posição diferenciada em relação aos demais. E devido a
isso que, em diversos casos, a União estabelece a cobrança das denominadas
receitas patrimoniais que são contraprestações devidas pelos proprietários
particulares pelo uso exclusivo de bens que são de propriedade de todos.

4 IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS DA UNIÃO NO


ESTADO DO PARÁ

No processo de identificação e caracterização leva-se em conta a


localização do imóvel, se é urbano ou rural, a extensão da sua área, se é próximo
ou distante do centro da cidade, se constituído apenas de terreno ou se existe
área edificada, qual o tipo de construção, e quais as possibilidades de uso

ËÌÍ
SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO NO PROCESSO
DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS DA UNIÃO...
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Raquel Colares Abreu e Vanessa Amorim Vasconcelos

considerando o município de localização. Estes são fatores determinantes para


propiciar à administração uma correta destinação do bem a ser caracterizado
e identificado. Essas ações têm como finalidade identificar, incorporar, avaliar
e regularizar os imóveis da União.
Para se iniciar o procedimento de identificação e caracterização das
terras da União é imprescindível que antes haja a demarcação das mesmas.
Assim, surge a necessidade do levantamento topográfico, para que se tenha
uma clareza de quais são as áreas que pertencem à União de fato.
A atividade de demarcação consiste em intensa pesquisa em secretarias
municipais, bibliotecas e entrevista com comunidades que tradicionalmente
ocupam o local, tendo como objetivo conseguir material e documentos que
deem embasamento na definição da Linha do Preamar Médio – 1831 das
áreas a serem caracterizadas e identificadas. O levantamento consiste na
busca de dados sobre as tábuas de marés, levantamentos planialtimétricos,
mapas de cartografia que seriam pranchas desenhadas manualmente a qual se
realiza uma pesquisa analógica e também através de fotos antigas.
A Secretaria do Patrimônio da União, pela portaria nº 140, de 13 de
maio de 2013, estabelece que a:
Coordenação Geral de Identificação do Patrimônio, vinculada ao
Departamento de Caracterização, ficará responsável em alimentar o
controle e o acompanhamento de todas as demarcações e identificações
a serem realizadas pelas Superintendências, iniciado pela solicitação de
constituição de Comissão de Demarcação.

O art 3º desta portaria determina as diretrizes e procedimentos da


demarcação, que serão classificados como:
I - Demarcação da Linha de Preamar Média: análise e elaboração
técnica realizada por servidor para identificar e demarcar os terrenos
conceituados como de marinha. II - Demarcação da Linha Média
das Enchentes Ordinárias: análise e elaboração técnica realizada por
servidor para identificar e demarcar os terrenos conceituados como
marginais. III - Identificação Simplificada: análise e elaboração técnica
realizada por servidor para identificar e delimitar áreas inalienáveis
nas Glebas Federais arrecadadas pelo INCRA em nome da União na
Amazônia Legal nos termos da Lei 11.952/2009 e regulamentos.

ÎÏÐ
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Estas pesquisas realizadas pela comissão de demarcação servirão


para reunir dados que contribuirão no processo de caracterização das áreas
da União. Sabendo que a partir desse levantamento é possível determinar
se existe necessidade ou não de trabalhos de campo para que se delimite o
devido posicionamento da LPM e da LMEO. Todo esse levantamento de
informação irá garantir a fundamentação do trabalho da comissão e, desse
modo, assegurar a caracterização das áreas inalienáveis da União.
Portanto, a atividade de identificação e caracterização se inicia com o
reconhecimento do imóvel em questão tendo sempre como base a legislação
vigente; em seguida se procede à caracterização do mesmo, buscando
informações da localidade estudada para promover a demarcação da área,
caso ainda não exista. Sendo, assim, possível determinar se a propriedade se
encontra ou não em áreas pertencentes à União.

5 ESCALAS E VAZIOS CARTOGRÁFICOS NA AMAZÔNIA LEGAL


Formada pelos estados do Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima,
Amapá, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão (oeste do meridiano
44°) a Amazônia Legal possui certas particularidades em relação às demais
partes do território do Brasil, no que tange a trabalhos de ordem cartográfica,
ainda pouco desenvolvidos se confrontados com outras regiões do país. A
Amazônia Legal possui algumas peculiaridades que acabam por dificultar
o desenvolvimento de trabalhos cartográficos, entre os quais podemos
citar a elevada quantidade de áreas pouco exploradas e de difícil acesso
(BRASIL, 2008).
Os primeiros trabalhos cartográficos realizados na Amazônia foram
realizados pelo Projeto RADAM (Radar na Amazônia) em 1970, tendo
como objetivo principal levantamento e pesquisas de recursos naturais. Este
projeto também foi responsável pela construção de bases cartográficas em
escala de 1:250.000 a partir de técnicas como levantamentos de Radar e
fotogramétricos.

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SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO NO PROCESSO
DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS DA UNIÃO...
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Raquel Colares Abreu e Vanessa Amorim Vasconcelos

Atualmente, em virtude do desenvolvimento de novas tecnologias


geoespaciais são disponibilizados para download dados cartográficos do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em escala de 1:250.000
de todo o Brasil, e as imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE). Esses dados cartográficos e algumas imagens de satélites
também se encontram disponíveis em outros sites, como do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Serviço
Geológico do Brasil (CPRM), Agência Nacional das Águas (ANA), Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre outros.
Com efeito, detalhados os processos de caracterização e identificação
de bens da União e o cenário dos documentos cartográficos na Amazônia,
passa-se para o próximo tópico, o qual permite de fato alcançar o principal
objetivo deste trabalho, a saber, demonstrar como o sensoriamento remoto
e algumas de suas técnicas de utilização e interpretação de imagens de
satélite proporcionam ganhos importantes no processo de identificação e
caracterização de bens imóveis da União.

6 SENSORIAMENTO REMOTO NA CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS


DA UNIÃO
No decorrer do processo de identificação e caracterização de áreas
pertencentes à União em resposta a requerimentos e ofícios, os quais
necessitam conter informações referentes a um sistema de referência espacial,
no qual se destacam as coordenadas geográficas e as coordenadas Universal
Transversal de Mercator (UTM). A partir dessas coordenadas, juntamente
com as bases cartográficas, é realizada a caracterização e a identificação
dessas áreas.
As técnicas de sensoriamento remoto47 apresentam relevante
papel no processo de identificação e caracterização de bens imóveis da
47
Para Meneses e Almeida (2012, p. 3), “o sensoriamento remoto é uma técnica de obtenção
de imagens dos objetos da superfície terrestre sem que haja um contato físico de qualquer
espécie entre o sensor e o objeto.”

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

União. Nesse sentido, este papel pode ser desempenhado de maneira mais
satisfatória a partir da utilização de imagens de satélite que possibilitam
maior detalhamento em relação à escala. Isso se dá na medida em que alguns
satélites possuem resolução espacial de 30m, 20m e 2,4m por pixel, referentes
aos satélites LANDSAT, SPOT, e QUIKBIRD, respectivamente (Tabela 1),
permitindo a vetorização de uma nova base de dados georreferenciados, em
escala compatível.
Tabela 1: Características básicas dos satélites
PAÍS DE RESOLUÇÃO
SATÉLITE LANÇAMENTO
ORIGEM ESPACIAL*
LANDSAT 5 EUA 30 m 1984
SPOT 5 FRANÇA 20 m 2002
QUICK-BIRD EUA 2,4 m 2001
Fonte: UFRGS (2013)
* Bandas multiespectrais

O principio básico do sensoriamento remoto é apresentar o alvo


imageado de maneira remota a partir da radiação eletromagnética registrada
pelos sensores, na qual cada alvo possui sua assinatura espectral única. Com
a manipulação das bandas multiespectrais dos satélites, podemos obter
determinadas respostas, evidenciando determinados alvos, como vegetação,
hidrografia e áreas urbanizadas, facilitando assim a interpretação das imagens
de satélite.
Para exemplificar o emprego das técnicas de sensoriamento remoto,
especificamente o caso da utilização e interpretação de imagens de satélite no
processo de identificação e caracterização das áreas da União na Amazônia
Paraense, seguem dois mapas. O primeiro mapa foi executado pela COCIP/
SPU-PA a partir de imagem Google Earth georreferenciada (Mapa 1) e
o segundo seria o modelo proposto (elaborado pelos autores), no qual se
utiliza a técnica em Sensoriamento Remoto de composição de bandas, sendo

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SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO NO PROCESSO
DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS DA UNIÃO...
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Raquel Colares Abreu e Vanessa Amorim Vasconcelos

confeccionado através da composição 5R4G3B das bandas multiespectrais da


imagem do satélite LANDSAT (Mapa 2).
Mapa 1: Município de Afuá – Imagens Google georreferenciada

Fonte: COCIP; SPU (2013)

O Mapa 2 é oriundo da técnica de sensoriamento remoto na qual é


realizada a sobreposição das bandas multiespectrais do satélite LANDSAT
7, respectivamente as bandas 5, 4 e 3 na composição RGB (Red/Green/
Blue). Como efeito desta sobreposição resulta um maior destaque para os
cursos d’água (fundamentais na definição da ilhas, dos terrenos de marinha,
marginais e seus acrescidos), se comparado ao Mapa 1.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Mapa 2: Município de Afuá – Imagem LANDSAT 7 (Composição 5R4G3B)

Fonte: Autores (2013).

Nesse sentido, cumpre ressaltar que os trabalhos de caracterização


de áreas da União são realizados em escalas de aproximadamente 1:1.000
a 1:10.000, já as bases cartográficas oficiais disponibilizadas estão na escala
de 1:250.000, não possuindo a acurácia necessária para os procedimentos
de caracterização e identificação de bens da União. Segundo considerações
sobre a precisão de saída de dados georreferenciados, Silva (2003) assim se
manifesta: “A escala dos arquivos de saída deve ser compatível e consoante as
escalas dos arquivos de entrada. Assim, deve-se evitar digitalizar na escala de
1:1.000.000 e planejar a saída na escala de 1:25.000.”

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro das questões trabalhadas no decorrer deste artigo, fica claro
que o emprego das técnicas de sensoriamento remoto a partir da utilização
de imagens de satélites como LANDSAT, SPOT, QUIKBIRD, entre outros,

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SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO NO PROCESSO
DE IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS DA UNIÃO...
Wellingtton Augusto Andrade Fernandes, Raquel Colares Abreu e Vanessa Amorim Vasconcelos

facilitaria e daria maior precisão aos processos de caracterização e identificação


de bens da União. Estas técnicas facilitariam mais ainda a identificação e
caracterização de áreas da União no estado do Pará, principalmente por se
tratar também da Amazônia Legal, tendo em vista sua escala e seus vazios
cartográficos.
Podemos extrair a partir do processo de vetorização das imagens
de satélite, uma nova base cartográfica georreferenciada, que terá sua
escala compatível com os trabalhos de identificação e caracterização de
áreas da União. É necessário que se utilize de técnicas de sensoriamento
remoto na interpretação de imagens de satélite no decorrer do processo de
reconhecimento dessas áreas, tendo em vista seus benefícios, com destaque
para a composição 5R4G3B no caso das imagens LANDSAT.
É imprescindível que a Superintendência do Patrimônio da União do
Pará, tendo em vista a aquisição dessas imagens de satélite e qualificação
de seus servidores, venha a realizar parcerias com órgão dos mais diversos,
como o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia
(CENSIPAM), a Divisão de Serviços Geográficos do Exército (DSG), entre
outros, objetivando como resultado maior beneficiar o processo de identificação
e caracterização de suas áreas para concretizar a destinação adequada,
proporcionando ganhos significativos em cidadania e sustentabilidade da
Amazônia Paraense.

REFERÊNCIAS
BORGES, J. C. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Disponível
em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5334>. Acesso em: 5
dez. 2013.
BRASIL. Projeto Cartografia da Amazônia: documento de referência.
Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia-
CENSIPAM, 2008.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

. Constituição (1988). Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,


1988. Seção 1e 2.
. Decreto nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sobre os bens
imóveis da União e dá outras providências. Diário Oficial [da] Republica
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 set. 1946.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do
Patrimônio da União. Portaria nº 140, de 14 de maio de 2013. Regulamenta
as diretrizes e procedimentos de acompanhamento das demarcações e
identificação de áreas da União, de gestão da SPU, a serem seguidos pelas
Superintendências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 17 maio. 2013. Seção 1.
. . . Identificação simplificada. Brasília, DF, abr.
2012.
. . . Regularização de áreas da União na Amazônia
Legal: contribuições ao Plano Amazônia Sustentável (PAS). Brasília, DF,
2008.
LIMA, O. B. Terrenos de marinha e seus acrescidos: localização e
demarcação destes bens da União pelo método científico versus critérios
praticados pela SPU. Brasília, DF, 2009.
MENESES, P. R.; ALMEIDA, T. Introdução ao processamento de imagens
de sensoriamento remoto. Brasília: UNB, 2012.
SILVA, A. B. Sistema de Informações Geo-Referenciadas: conceitos e
fundamentos. Campinas-SP: Unicamp, 2003.
UFRGS. Sensores e Plataforma Orbitais. Disponível em: http://www.ufrgs.
br/engcart/PDASR/sensores.html. Acesso em: 5 dez. 2013.

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DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA
NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
DE MARINHA EM BELÉM-PARÁ

Mayara Rayssa da Silva Rolim48

1 INTRODUÇÃO
O presente artigo foi construído a partir da experiência de uma
bolsista do curso de Direito no projeto de pesquisa e extensão denominado
“Caracterização dos Imóveis da União em apoio à Regularização Fundiária:
Cidadania e Sustentabilidade na Amazônia Paraense”, desenvolvido por meio
da parceria entre a Superintendência do Patrimônio da União do Estado
do Pará (doravante SPU/PA) e a Universidade Federal do Pará (doravante
UFPA/NAEA). Este projeto teve como objetivo central promover ações de
regularização fundiária em bens da União, articulando o fazer acadêmico com o
fazer extensionista. Estas ações foram desenvolvidas especialmente na cidade
de Belém (por meio dos terrenos de marinha e seus acrescidos), nas ilhas
com influência de marés e suas respectivas várzeas (ambas de propriedade
da União) e nas glebas arrecadadas pelo Instituto de Colonização e Reforma
Agrária (doravante INCRA) em nome da União. A bolsista autora deste
artigo desenvolveu suas atividades na tipologia terrenos de marinha e seus
acrescidos na Coordenação de Regularização Fundiária Urbana (doravante
COREF URBANA) da SPU/PA.
Nesse órgão a bolsista ficou responsável pela análise de processos
de Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (doravante CUEM) e

48
Graduanda do Curso de Direito da UFPA

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Concessão de Direito Real de Uso (doravante CDRU) coletivos e individuais


da COREF URBANA onde não só fez a análise processual, mas também um
estudo da legislação que condiciona as duas formas de processo.
Neste artigo, através de revisão bibliográfica, análise da legislação e
experiência fática, será verificada e discutida a invalidade do negócio jurídico
referente às declarações de comprovação de tempo de moradia emitidas pelas
associações de moradores para os processos de CUEM confeccionados pela
COREF URBANA da SPU/PA.
Com o intuito de facilitar essa verificação e discussão, esta pesquisa foi
dividida em cinco tópicos. A introdução configura-se como primeiro tópico.
No segundo, é construído o conceito de segurança jurídica; no terceiro, é
construído o conceito de negócio jurídico; no quarto, são verificadas as formas
e os aspectosda invalidade do negócio jurídico e;no último, são analisadas
algumas declarações de comprovação de tempo de moradia emitidas pelas
associações de moradores para os processos de CUEM. Com essa metodologia
de pesquisa se objetiva não apenas discutir o problema como também buscar
formas mais eficazes de solucioná-lo.

2 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA


A ideia de segurança existe desde o princípio da organização jurídica
tendo por objetivo a paz e tranquilidade da vida em sociedade, por meio da
garantia de estabilidade e certeza dos direitos. O Estado Democrático de
Direito tem como um dos seus princípios basilares a segurança jurídica e
assim não poderia deixar de ser, uma vez que o próprio Direito se confunde
com a necessidade de segurança.
Este princípio assegura que não ocorra o caos na sociedade, pois
impede a desconstituição sem justificativas de atos ou situações jurídicas
independente de qualquer inconformidade que tenha ocorrido durante a
constituição da norma, protegendo da invalidação atos que tenham atingido a
sua finalidade sem causar dano algum e assegurando a todos os cidadãos que
as leis serão cumpridas, inclusive pelo próprio Estado.

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DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
DE MARINHA EM BELÉM PARÁ
Mayara Rayssa da Silva Rolim

Esse princípio pode ser classificado em duas espécies: em sentido


amplo e estrito. Em sentido amplo é a própria segurança do direito, ou seja,
está ligada ao sentido geral de garantia, proteção e estabilidade. Em sentido
estrito estaria mais focada no aspecto formal característico do Estado de
Direito Liberal e dos sistemas jurídicos positivados garantindo estabilidade
e certeza aos negócios jurídicos, permitindo que uma relação jurídica se
mantenha estável mesmo que se altere a base legal sob a qual se instituiu.
O princípio do Estado de Direito é, no essencial, o princípio da
segurança jurídica (KELSEN, 2009, p. 279).
Nessa mesma linha de pensamento o magistrado Mauro Nicolau
Junior, dispõe que:
A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o
estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são
as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais
pode travar relaçõesjurídicas válidas e eficazes.

Assim é que a categoria segurança está presente implicitamente na


Constituição Federal Brasileira de 1988 desde o seu preâmbulo, como direito
inviolável assegurado pelo Estado de Direito. Vejamos,
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte (BRASIL, 1988).

No caput do artigo 5º o princípio segue ainda explicitamente registrado


como direito fundamental. O artigo dispõe que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade [...] (BRASIL, 1988, grifo nosso).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Outra fundamentação jurídico-constitucional da existência do princípio


da segurança jurídica no ordenamento brasileiro se encontra nos incisos II
(princípio da legalidade), XXXVI (inviolabilidade do direito adquirido, da
coisa julgada e do ato jurídico perfeito), XXXIX (princípio da legalidade e
anterioridade em matéria penal) e XL (irretroatividade da lei penal desfavorável)
do artigo 5o. Evidenciando portanto, que o princípio da segurança jurídica se
traduz nos direitos e garantias individuais consagrados no artigo 5oda CF/88
e que por isso o Estado brasileiro não só deve tutelar a segurança jurídica
como também realizar suas funções de forma a prestigiá-la.
Assim, a segurança jurídica se configura como um dos principais
princípios do Estado de Direito, pois se trata de um verdadeiro direito
fundamental e constitucional do indivíduo de certeza, garantia, proteção
e estabilidade em sociedade. Assumindo as figuras de princípio da ordem
jurídica estatal e de direito fundamental, e se configurando como pressuposto
essencial para a realização de qualquer negócio jurídico.

3 CONCEITO DE NEGÓCIO JURÍDICO


O negócio jurídico é uma espécie de ato jurídico por meio do qual
as pessoas realizam relações jurídicas com a finalidade de criar, modificar,
conservar ou extinguir direitos, de acordo com a sua vontade e na medida
dos seus interesses. Para que um negócio jurídico seja possível deverá existir
nessa relação contratual a manifestação da vontade das partes, uma finalidade
negocial e a idoneidade do objeto e para que tenha validade e segurança
deverá sob pena de uma possível anulação cumprir os requisitos do art. 144,
CC, que dispõe:
Art. 104 CC. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.

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DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
DE MARINHA EM BELÉM PARÁ
Mayara Rayssa da Silva Rolim

Nesse sentido, Flávio Tartuce conceitua o negócio jurídico como:


“Ato Jurídico em que há uma composição de interesses das partes com uma
finalidade específica” (TARTUCE, 2012, p. 185).
Outro fator importante para que se realize o negócio jurídico são
os elementos essenciais, que são estes: a capacidade do agente, a licitude e
determinação do objeto e a forma prescrita ou não defesa os quais seguem
explanados no subtópico abaixo.

3.1 Elementos essenciais do negócio jurídico

Os elementos essenciais são aqueles indispensáveis à existência do ato,


o que no negócio jurídico requer três pilares fundamentais: vontade, objeto
e forma.
a) Agente capaz (vontade): o agente deve estar apto a praticar os
atos da vida civil. Os absolutamente incapazes devem ser representados e os
relativamente incapazes devem ser assistidos.
b) Objeto lícito, possível e determinado ou determinável: o objeto
do Ato Jurídico deve ser permitido pelo direito e possível de ser efetivado.
c) Forma prescrita ou não defesa: a forma dos Atos Jurídicos tem que
ser a prevista em lei, se houver esta previsão, ou não proibida.

4 INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO


A expressão “invalidade” abrange a nulidade e a anulabilidade do
negocio jurídico. É empregada para designar o negócio que não produz os
efeitos desejados pelas partes, o qual será classificado pela forma mencionada
(nulidade ou anulabilidade) de acordo com o grau de imperfeição verificado.
Nesse sentido, o professor Cristiano Vieira sobre a invalidade do
negócio jurídico dispõe: “A falta de algum elemento substancial do negócio
jurídico torna-o nulo (nulidade absoluta) ou anulável (nulidade relativa)”
(VIEIRA, 2010, p. 107). Nos tópicos abaixo serão analisadas e diferenciadas

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

as duas espécies de invalidade do negócio jurídico a que torna este um negócio


nulo e a que o torna anulável.

4.1 Negócios jurídicos nulos

A nulidade absoluta é gerada pelo ato nulo, do latim medieval nullitas,


de nullus (nenhum, nulo). Pela nulidade absoluta o ato não tem valor algum.
Não produz efeito algum, nem em juízo nem fora, porque tal ato, em verdade,
nunca existiu.
O ato nulo de pleno direito nenhum efeito produz em tempo algum,
nem em juízo ou fora deste, porque tal ato não teve nascimento, nunca existiu.
Sendo nulo, é o ato-negócio jurídico ineficaz, ou seja, a ineficácia jurídica é
sanção correspondente aos atos nulos. Assim, o ato nulo é imprescritível e
irratificável, como é expressado pelo artigo 166 (caput e incisos) e 167 caput)
do CC.
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para
a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção.
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se
dissimulou, se válido for na substância e na forma.
(Código Civil).

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DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
DE MARINHA EM BELÉM PARÁ
Mayara Rayssa da Silva Rolim

4.1.1 Formas de negócio jurídico nulo

4.1.1.1 Ato celebrado por pessoa absolutamente incapaz

A incapacidade absoluta consiste na impossibilidade, por motivos de


saúde ou idade, do indivíduo exercer os atos da vida civil. Essa impossibilidade
total do exercício de direito pelo incapaz, o qual deverá ser representado, está
expressa no artigo 3o do Código Civil brasileiro, que dispõe:
Art. 3o do Código Civil brasileiro São absolutamente incapazes de
exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua
vontade.

Assim, as pessoas absolutamente incapazes, que estão relacionadas


no art. 3o do CC, estão proibidas de praticar qualquer ato-negócio jurídico
pessoalmente sob pena dessa relação jurídica ser eivada de nulidade absoluta,
que poderá ser alegada por qualquer interessado ou mesmo pelo Ministério
Público quando lhe couber intervir.

4.1.1.2 Quando o ato tiver seu objeto ilícito, impossível ou indeterminável

Um fator de nulabilidade do ato pode ser referente ao seu objeto. Essas


possibilidades se referem ao objeto ilícito, impossível ou indeterminável que
seguem detalhadamente.
a) OBJETO ILÍCITO: é aquele proibido pela lei.
b) OBJETO IMPOSSÍVEL: se o objeto do ato é impossível de
realizar-se, obviamente ele não existe e, não havendo negócio jurídico sem
que haja um objeto, o ato é plenamente nulo. De qualquer maneira, o objeto
impossível pode sê-lo jurídica ou fisicamente. Assim, seguem detalhadamente
as possibilidades do objeto impossível.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

2 O objeto juridicamente impossível se confunde com o objeto ilícito;


3 O objeto fisicamente impossível é aquele que resulta incompatível
com as leis da natureza: dar a volta em torno da terra em duas horas, por
exemplo.
4 OBJETO INDETERMINÁVEL: deixa de ter fundamento legal
quando o objeto do negócio jurídico é identificável. É necessário que o objeto
seja identificável para o negócio tornar-se válido.

4.1.1.3 Quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito

Quanto ao motivo, produzirá nulidade todo aquele ato que for proibido
pela lei, injurídico ou ilegítimo. Nesse sentido, assim se manifesta Silvio
Venosa: “A matéria tem a ver, embora não exclusivamente, com a simulação,
onde há conluio para mascarar a realidade. Se ambas as partes se orquestrarem
para obter fim ilícito, haverá nulidade” (VENOSA, 2004, p. 272).

4.1.1.4 Ato não revestido da forma prescrita em lei

O ato em que se desprezou a forma prescrita em lei é nulo.

4.1.1.5 Ato em que tenha sido preterida alguma solenidade que a lei considera
essencial para a sua validade

Não basta que o negócio jurídico se revista da forma prescrita em lei;


em certos casos, é necessária a solenidade julgada essencial à sua validade.

4.1.1.6 Ato que tiver por objetivo fraudar lei imperativa

Quando o objetivo do negócio jurídico for fraudar dispositivo expresso


de lei, a nulidade opera-se de pleno direito.

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DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
DE MARINHA EM BELÉM PARÁ
Mayara Rayssa da Silva Rolim

4.1.1.7 Ato declarado nulo de modo taxativo pela própria lei

É todo aquele ato que a lei em seu texto normativo já expressa como
nulo, isto é, quando a própria lei, em muitos casos, dita expressamente a
nulidade, como se pode observar: “É nulo o casamento contraído: I – pelo
enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II
– por infringência de impedimento” (Art. 1.548 do Código Civil).

4.1.1.8 Ato que estiver revestido de simulação

Consiste a simulação em celebrar-se um ato, que tem aparência normal,


mas que, na verdade, não visa ao efeito que juridicamente devia produzir.
Como em todo negócio jurídico, há aqui uma declaração de vontade, mas
enganosa. Assim, o Código Civil coloca a simulação como causa de nulidade,
consoante expressamente determina o seu art. 167: “É nulo o negócio jurídico
simulado,[...]”. Portanto, o negócio jurídico simulado é nulo, entendendo
nulo como “[...] simulação quando o ato é realizado para não ter eficácia ou
para ser anulado em seguida” (BEVILÁQUA,1980, p.288). Porém, subsistirá
o que se dissimulou, “se válido for na substância e na forma” (segunda parte
do art. 167).

4.1.2 Quem pode alegar nulidade absoluta

A esse respeito, assim se manifesta o art. 168 do Código Civil atual:


Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas
por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe
couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz,
quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar
provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento
das partes (Código Civil). (BRASIL, 2013).

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Dessa forma, qualquer interessado pode levar ao conhecimento do juiz


a existência do ato negocial nulo e em qualquer ocasião; o Ministério Público
também tem legitimidade. Não há necessidade de se propor qualquer ação
de nulidade. Quando o juiz toma conhecimento, desde que fique provada a
nulidade absoluta, apenas declara a ineficácia; não a decreta.
4.1.3 Prescritibilidade do ato nulo

A prescrição é regida pelo art. 205 do Código Civil, por sua vez, diz:
“A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor”. Não são todos os atos nulos que prescrevem, sendo o ato que trata do
estado ou da capacidade das pessoas, ou ainda, de direitos não patrimoniais,
é imprescritível.
Os negócios jurídicos de fundo patrimonial, como, por exemplo, a
venda de uma casa por um louco, quando este pratica, pessoalmente, o negócio
jurídico da alienação, está contaminado de nulidade absoluta.
A nulidade absoluta é insanável de ser ratificada expressamente. A
referida prescrição é uma questão de técnica legislativa, pois, se assim não
fosse, permitida a prescrição para certo caso, na compra e venda de uma
casa, obrigaria o adquirente a examinar os negócios jurídicos de alienação
praticados cem ou duzentos anos atrás, tornando os negócios jurídicos
impraticáveis.

4.2 Os negócios jurídicos anuláveis

Sobre os negócios jurídicos anuláveis, o Código Civil é bastante claro:


Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável
o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou
fraude contra credores.

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DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
DE MARINHA EM BELÉM PARÁ
Mayara Rayssa da Silva Rolim

4.2.1 Conceito deato anulável

A palavra anulável tem o significado que pode ser anulado. O ato


anulável é a ação válida no momento de sua prática, produzindo efeitos,
mas que pode ser anulado, se assim o requerer, judicialmente, o interessado,
dentro do prazo legal.
Havendo negócio jurídico anulável os seus efeitos fluem normalmente
até o momento em que se declara judicialmente a nulidade. Portanto, ato
anulável é válido enquanto não desfeito por decreto judicial.
Esses atos anuláveis podem ser desde aqueles praticados por sujeito
relativamente incapaz até aqueles onde se há vícios de consentimento ou
sociais. Assim, seguem de forma detalhada no próximo subtópico essas duas
possibilidades de atos anuláveis.

4.2.2 Formas de ato anulável


4.2.2.1 Ato praticado por pessoa relativamente incapaz

Os atos praticados por pessoa relativamente incapaz, sem assistência


de seu legítimo representante, são anuláveis. Assim, os atos praticados por
maiores de 16 e menores de 18 anos, pelos ébrios habituais, pelos viciados
em tóxicos, pelos deficientes mentais que tenham o discernimento reduzido,
pelos excepcionais sem desenvolvimento mental completo ou pelos pródigos
não assistidos pelos seus representantes legais, são suscetíveis de serem
anulados se assim o requererem os interessados. O objetivo da anulabilidade
é proteger essas pessoas, vítimas de sua própria inexperiência. A decretação
de tal ineficácia fica, portanto, ao arbítrio do lesado.
Quando o ato é praticado com a presença de seus respectivos
representantes legais, o negócio jurídico é válido.
Quando o negócio jurídico for praticado por maior de 16 e menor de 18
anos, a anulação será concedida, desde que ele não tenha agido com malícia,
nos termos do art. 180 do Código Civil:

ÿ2
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O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de


uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando
inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se
maior.

Dispõe ainda o artigo 178, III, do Código Civil que:


Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a
anulação do negócio jurídico, contado:
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

4.2.2.2 Ato praticado por erro, dolo, coação, fraude contra credores, estado de perigo
ou lesão

Existindo um dos vícios de consentimento (erro, dolo, coação etc.),


ou um dos vícios sociais (fraude contra credores), ocorre a anulabilidade
e, poderá ser decretada a ineficácia desses atos, desde que fique provado o
respectivo vício. Este ato é prescricional se estabelecidas as condições do art.
178 do Código Civil.
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a
anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão,
do dia em que se realizou o negócio jurídico;

Seguem nos subtópicos abaixo detalhadamente os vícios sociais e de


consentimento: dolo, coação, erro e fraude contra credores.

a) Coação
A Coação tem como definição uma forma de pressão física ou moral
exercida sobre o negociante, visando obrigá-lo a assumir uma obrigação que
não lhe interessa. No art. 151 do CC é definido que a coação para viciar o
negócio jurídico, há de ser relevante, baseada em fundado temor de dano
iminente e considerável à pessoa envolvida, à sua família ou aos seus bens.


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Atos eivados de coação podem gerar a anulabilidade do negócio jurídico


desde que proposta ação anulatória pelo interessado no prazo decadencial de
4 (quatro) anos contados de quando cessar a coação (art. 178, I, do CC).

b) Erro ou ignorância
De acordo com o art. 138, CC são anuláveis os negócios jurídicos
quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia
ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do
negócio.
A ignorância se diferencia do erro, pois enquanto esta é a ausência
completa de conhecimento sobre algo o erro é apenas uma falsa noção ou uma
noção inexata do objeto que influencia a formação da vontade do declarante,
que a emitirá de maneira diversa da que a manifestaria se dele tivesse
conhecimento exato. Atos eivados por esses vícios podem ser anuláveis com
prazo decadencial de 4 (quatro) anos.

c) Dolo
É o emprego de um artifício astucioso para induzir alguém à prática de
um ato negocial que o prejudica e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro, ou
seja, um artifício ardiloso empregado para enganar alguém com o intuito de
benefício próprio.
De acordo com o art. 145 do CC, o negócio praticado com dolo é
anulável, no caso de ser este a sua causa. Esse dolo, causa do negócio jurídico,
é denominado dolo principal. Em casos tais, uma das partes do negócio
utiliza artifícios maliciosos para levar a outra a praticar um ato que não
praticaria normalmente, visando obter vantagem, geralmente com vistas ao
enriquecimento sem causa.

d)Fraude contra credores


É atuação maliciosa do devedor, em estado de insolvência ou na
iminência de assim tornar-se, que dispõe de maneira gratuita ou onerosa


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o seu patrimônio para afastar a possibilidade de responderem os seus bens


por obrigações assumidas em momento anterior à transmissão. Dois são
seus elementos: o objetivo, que é todo ato prejudicial ao credor, por tornar o
devedor insolvente ou por ter sido realizado em estado de insolvência, ainda
quando o ignore, ou ante o fato de a garantia tornar-se insuficiente depois de
executada; e o subjetivo, que é a má-fé, a intenção de prejudicar do devedor
ou do devedor aliado a terceiro. Em situações tais, caberá ação anulatória
por parte de credores quirografários eventualmente prejudicados, desde que
proposta no prazo decadencial de 4 (quatro) anos, contados da celebração do
negócio fraudulento (art. 178, II, do CC).

e) Estado de perigo
Quando é assumida obrigação exacerbante que possa comprometer seu
patrimônio e subsistência por causa de uma situação de extrema necessidade
de salvar a si mesmo ou a um membro de sua família. Relação esta que deverá
ser decretada como nula para evitar o enriquecimento sem causa.

f) Lesão
Ocorre quando um negócio jurídico é firmado de forma a provocar
lesão a um dos contratantes e beneficiar ao outro, ou seja, quando uma relação
é feita para se obter um lucro desproporcional por meio da inexperiência ou
necessidade do outro contratante.

4.2.3 Quem pode alegar a anulabilidade

É no art. 177 do Novo Código Civil que se encontram localizados os


sujeitos de direito autorizados a alegar anulabilidade do negócio jurídico. Nesse
sentido, assim se manifesta o referido dispositivo jurídico:
Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por
sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem
alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de
solidariedade ou indivisibilidade (Código Civil).


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Os interessados são aqueles a quem a nulidade não aproveita, no seu


interesse particular. Portanto, o direito de pedir a anulação do ato cabe ao
incapaz, evidentemente, quando alcançar a capacidade plena; também seus
sucessores, bem como determinados terceiros que sofram a influência dos atos,
podem ingressar com a ação anulatória, como o caso do credor prejudicado,
na fraude. Mas, a nulidade decretada só aproveita aquele que a tiver alegado
e, se tratar de solidariedade ou indivisibilidade, a sentença produzirá efeitos
sobre todo o negócio, ou seja, a anulação decretada, forçosamente, atingirá
toda a obrigação. Por exemplo, várias pessoas adquirem um automóvel (bem
indivisível) e dentre elas está um relativamente incapaz que não foi assistido
pelo seu representante legal. Decretada judicialmente a nulidade do negócio a
pedido deste, necessariamente a sentença atingirá os demais adquirentes.

4.2.4 Ratificação do ato anulável

O ato anulável pode ser ratificado: “Art. 172. O negócio anulável pode
ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro”(Código Civil)
Por meio da ratificação, o vício de que se ressente o ato é expurgado,
pois ato anulável é aquele válido no momento em que ele é praticado, mas
pode ser anulado por meio de uma ação judicial anulatória.
A ratificação é ato unilateral de confirmação, não chegando a ser
um contrato. É dar validade definitiva ao ato anulável, tornando-o válido
definitivamente. Por meio da ratificação, há praticamente a renúncia à
faculdade de anulação.
A ratificação poderá ser expressa, quando consta, expressamente, a
vontade de confirmar, através de uma declaração do interessado que estampe a
substância do ato ou tácita a ratificação tácita poderá dar-se de duas maneiras:
1 Quando o devedor, consciente do defeito do ato, tiver cumprido em
parte a obrigação. É o que determina o art. 174 do Código Civil: “É escusada
a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo
devedor, ciente do vício que o inquinava”.
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2 A ação anulatória está sujeita à prescrição, como determina art. 178


do Código Civil). Se o titular da ação não a exercer no prazo determinado
pela lei, opera outra forma de ratificação tácita. É como se quisesse ver o ato
convalidado. É, enfim, uma ratificação presumida.
Como consequência da ratificação, o Código Civil expressa: “Art. 175.
A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio anulável, nos
termos dos arts. 172 a 174 importa a extinção de todas as ações, ou exceções,
de que contra ele dispusesse o devedor.”

4.2.5 Os efeitos da anulabilidade

Sobre os efeitos da anulabilidade, basta citar o art. 182 de nosso Código


Civl vigente, que assim se manifesta: “Art. 182. Anulado o negócio jurídico,
restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo
possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente” (Código Civil).

5 INVALIDADE DAS DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA


5.1 O que é a CUEM

A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM) é uma


forma legal de transferência do direito de moradia das terras públicas para
famílias de baixa renda que não sejam proprietárias ou concessionárias
de outro imóvel com o objetivo de Regularização Fundiária dessas terras.
Essa concessão é um direito garantido tanto pela Constituição Federal de
1988 através do artigo 183 quanto pela MP no2.220/01 que tratam sobre
a regularização das áreas públicas onde residam moradores de baixa renda.
Vale ressaltar que os imóveis públicos são inalienáveis não podendo assim
ser adquiridos por meio do usucapião. Tem-se então, o reconhecimento do
princípio de que o tempo gera direitos, mesmo no caso de imóveis públicos.


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A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM) é


formalizada por um contrato gratuito ou não oneroso entre o ocupante
da área pública e o poder público representado pela União, ou quando for
cabível formalizado por meio de uma sentença judicial. Ressaltando-se que
essa concessão em qualquer um dos casos para garantir sua eficácia deve ser
levada a registro no Cartório de Registro de Imóveis.
O requerimento dessa concessão de uso deve ser feito ao órgão público
que é proprietário do imóvel, que, no caso deste trabalho, é a Superintendência
de Patrimônio da União, assumindo esta a obrigação de dar a concessão a
todos os moradores que atenderem os requisitos básicos anteriormente
citados. Ressaltando-se que o morador terá apenas o direito de usar o bem,
mas que não será o dono deste imóvel uma vez que o título de propriedade
continua em poder da administração pública e que essa concessão é gratuita
e pode ser outorgada tanto a homens quanto a mulheres, ou a ambos,
independentemente do estado civil desde que civilmente sejam considerados
sujeitos capazes. Além disso, para a obtenção dessa concessão é preciso
cumprir alguns requisitos.
Os requisitos necessários e obrigatórios para a obtenção da Concessão
de Uso Especial para Fins de Moradia são: utilizar o terreno apenas para fins
de moradia; o terreno do imóvel ter área de até 250 m2 e o ocupante do imóvel
não ser proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural; somar
cinco anos de posse sobre o terreno público urbano até 30 de junho de 2001,
ou seja, comprovar residência no imóvel anterior a junho de 1996 (art. 1o,
caput, MP no2.220/01). Este último quesito será detalhado e problematizado
no tópico que se segue.

5.2 A função da declaração

Essa declaração é um negócio jurídico que visa garantir a comprovação


de tempo de moradia para a obtenção do Título de CUEM para aqueles que
residem de acordo com o art. 1o, MP no2.220, até 30 de junho de 2001, por


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cinco anos ininterruptamente em terra da União, todavia não tem outro meio
de comprovação desse tempo de moradia. Assim sendo, essa declaração não
apenas relata um fato como também cria um direito, uma vez que, nesses casos
a CUEM só poderia ser destinada a essas pessoas por meio desta declaração.

5.3 O porquê da invalidação das declarações

As declarações emitidas pelas associações de moradores para


comprovação do tempo de moradia dos requerentes devem, a princípio, serem
instrumentos confiáveis para comprovação de fatos. Entretanto, nem sempre
o são seja por vícios possivelmente cometidos acidentalmente ou por vícios
possivelmente provocados conscientemente o que gera a discussão acerca de
se aceitar ou não esses documentos.
As declarações beneficiam uma grande parcela da população que não
tem outro meio de comprovação do tempo de moradia e que efetivamente
residiu nesse imóvel anteriormente a junho do ano de 1996. Todavia, é
necessário que se tenha cuidado e responsabilidade na produção e destinação
desse documento, pois muitas vezes, essas declarações podem estar eivadas
de vícios que podem tornar essa concessão negócio jurídico nulo ou anulável
não garantindo assim a tão objetivada segurança jurídica daquele título que
será conseguido através desse documento, lesando o patrimônio público e os
próprios beneficiários.
Durante a análise dos processos de Concessão de Uso Especial para Fins
de Moradia da Coordenação de Regularização Fundiária da Superintendência
de Patrimônio da União no Pará foram localizadas inúmeras declarações de
tempo de moradia emitidas por associações de moradores possivelmente
eivadas de vícios com graus de gravidade que variavam em tornar o negócio
desde anulável até nulo, colocando em risco a segurança jurídica das
concessões.
Algumas declarações das associações de moradores apresentaram
possíveis vícios que poderiam tornar esta declaração um negócio nulo com a


DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
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nulidade operando de pleno direito ou um negócio anulável. No que concerne


aos vícios de consentimento que são: dolo, erro, coação, estado de perigo e
lesão que podem tornar esta declaração um ato anulável, tem-se, por exemplo,
o caso do possível vício de consentimento erro do requerente XY (Figura 1),
que apresenta uma declaração de tempo de moradia emitida pela associação
de moradores XK que procura comprovar que o requerente XY residia no
imóvel em questão desde 1995, mas apresenta também no processo o recibo
de compra e venda deste mesmo imóvel datado do ano de 2000 (Figura 2) no
qual diz que naquela área não havia nenhum imóvel, apenas um terreno.
Essa declaração então narra fatos de maneira contraditória,
consequentemente, apresenta elementos possivelmente inverossímeis que
podem garantir o direito da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia
(CUEM) àqueles que verdadeiramente não o devem ter, através de declarações
de tempo de moradia que possivelmente não condizem com a realidade, pois
relatam a existência daquele imóvel anterior a junho de 1996 quando se tem
outra forma de comprovação anexada ao processo, que no caso em questão
é o recibo de compra e venda, que relata a não existência naquele local de
nenhuma forma de moradia referente àquela data e sim posterior a junho de
1996, o que não permitiria que fosse concedido o título de CUEM segundo o
art. 1o da MP nº 2.220.
Outro possível vício de consentimento que poderia tornar este um ato
anulável foi verificado no dolo,que é provocado à União através de declarações
de tempo de moradia com elementos inverossímeis, como a declaração de
que o requerente mora em um imóvel quando pode não utilizar este para
fins de moradia, possivelmente utilizando esse documento com objetivo do
enriquecimento sem causa através da obtenção de títulos de CUEM de vários
imóveis os quais utilizará para a locação, venda dos títulos ou outra forma de
enriquecimento às custas da União, assim, enriquecendo.


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Figura 1: Declaração de tempo de moradia do requerente XY

Fonte: SPU, PA. 2013.


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Figura 2: Recibo de compra e venda do requerente XY

Fonte: SPU, PA. 2013.


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Esse possível vício é constantemente encontrado nos bancos de dados


de imóveis e requerentes da Coordenação de Regularização Fundiária Urbana
da SPU/PA quando os próprios requerentes se dirigiam até o órgão para
saber sobre o andamento dos seus processos de titularização.
Ainda no que concerne aos vícios de consentimento por erro ou
ignorância, temos também exemplos como o do requerente WW que apresenta
uma declaração de tempo de moradia que comprova que este residia no imóvel
desde 1992 (Figura 3), entretanto é emitida pela associação de moradores WY,
fundada em 2007, como consta declarado no cabeçalho da própria declaração
apresentando assim possivelmente erro, causado possivelmente por uma
falsa ou inexata noção do objeto. Atos com esses vícios de consentimento tem
prescrição de até 04 anos após a realização do ato negocial o que implica na
fragilidade de qualquer título de CUEM emitido por meio dessa declaração
viciada, uma vez que esta, por ser um ato anulável, não possui segurança
jurídica e lesa o patrimônio público e os próprios beneficiários.
Em relação às declarações de tempo de moradia verificadas com possíveis
erros que poderiam tornar esta um ato nulo, se tem o exemplo do caso do
requerente AK (Figura 4) que é, conforme consta na certidão de nascimento
anexada ao processo de concessão (Figura 5) menor de 16 anos e, portanto
absolutamente incapaz não podendo assim exercer os atos da vida civil tornando
nulas as relações jurídicas das quais for contratante, sem assistência de seu
legítimo representante. Além disso, outro erro verificado é que a declaração
emitida pela associação declara que o requerente residia no imóvel desde 1985
quando na verdade este, como comprova sua certidão de nascimento, nasceu no
ano de 2004. Portanto, já que é absolutamente incapaz não poderia ser o menor
AK requerente do processo de concessão nem requerente da declaração de
tempo de moradia eivando assim de vício esse documento. Erro esse que pode
ser levado por qualquer interessado e em qualquer ocasião ao conhecimento do
juiz com prescrição até 10 anos após a realização desse negócio jurídico, o que
poderia tornar qualquer título obtido por meio dessa declaração sem validade
e por consequência sem segurança jurídica, afinal essa declaração poderia ser
sentenciada como um ato nulo.


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Figura 3: Declaração de tempo de moradia do requerente WW

Fonte: SPU, PA. 2013.

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Figura 4: Declaração de tempo de moradia do menor AK

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Figura 5: Certidão de Nascimento do menor AK

./0134 SPU, PA. 2013.

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Além, desses vícios muitos outros são verificados em menor


quantidade e por isso não serão abordados neste artigo. Os vícios nas
declarações anteriormente explanados, são verificados em diversos processos,
possibilitando invalidações que podem ser declaradas por meio destes, o que
revela a necessidade de se rever a utilização e a emissão desse documento.
Cumpre destacar que apesar de existir a possibilidade de alguns
processos de CUEM e CDRU confeccionados pela SPU/PA serem nulos ou
anuláveis, esta instituição se empenha em fazer um bom trabalho. Como prova
deste fato está o próprio projeto que originou este artigo. Como narrado no
início deste trabalho, a SPU buscou parceria com a UFPA para estabelecer
um projeto de pesquisa e extensão que atuasse no âmbito da regularização
fundiária de bens públicos.
Dessa forma, pode-se ainda argumentar que erros ocorrem em
qualquer local, especialmente naqueles que são intensamente demandados
por uma gigantesca gama de serviços, com baixa estrutura física e humana
disponível para prestação dos mesmos, como é o caso da SPU/PA.
Assim, a Superintendência do Patrimônio da União no Pará trabalha
diariamente com uma grande demanda de pedidos de concessão, mas
infelizmente, para atender a essa gigantesca demanda, conta com uma baixa
estrutura física e reduzido número de funcionários disponível, o que muitas
vezes, como é de práxis na gestão pública brasileira, pode, pelo volume de
trabalho demandado, ocasionar erros. Entretanto, é importante ressaltar
também o bom trabalho que vem sendo executado pela SPU/PA que mesmo
com todos esses percalços vem transformando a Regularização Fundiária
de um sonho para uma realidade na vida de muitos paraenses. Ressalvando-
se, ainda que a CUEM é uma importante forma de Regularização Fundiária
utilizada pela administração pública, como exposto por Cardoso (2010).

556
DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
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CONCLUSÃO
O negócio jurídico trata de uma declaração de vontade que não apenas
constitui um ato livre, mas pela qual o declarante procura uma relação jurídica
entre as várias possibilidades que oferece o universo jurídico.
Esta relação ao apresentar defeitos, fica inválida, podendo ser por
nulidade absoluta ou por anulabilidade que, após ser conhecida pelo juiz, pode
o mesmo declará-la de ofício, desfazendo o negócio, retornando as partes ao
estado anterior.
Após a experiência fática, a revisão bibliográfica e o estudo da
legislação sobre o tema, restou claro o fato que declarações eivadas de vícios
não devem ser utilizadas como comprovação de tempo de moradia, uma vez
que comprometem a segurança jurídica de todo o processo de Concessão
de Uso Especial para Fins de Moradia podendo inclusive tornar inválidos
títulos já concedidos, prejudicando não só o patrimônio público, mas o próprio
beneficiário.
Portanto, após o estudo em questão entende-se que é necessária uma
análise mais rigorosa das declarações de tempo de moradia emitidas pelas
associações de moradores e centros comunitários assim como um estudo
mais aprofundado de cada área a ser concedida pela União para que sejam
ratificadas as informações presentes nessas declarações a fim de se evitar a
invalidação dos títulos de Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia
(CUEM). Nesse sentido, com uma análise mais criteriosa das declarações,
evita-se que o patrimônio público brasileiro seja lesado, assim como se garante
o cumprimento de um negócio jurídico perfeito, respectiva segurança jurídica
dos títulos e o primeiro passo para a plenitude do acesso ao direito à moradia
por uma expressiva gama da população de Belém.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

REFERÊNCIAS
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..Art. 168 do Código Civil. Disponível em: <http://www.jusbrasil.
com.br/topicos/10719625/artigo-168-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-
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DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva,
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DOWER, Nélson Godoy Bassil. Coleção curso moderno de direito civil:
parte geral. 4. ed. São Paulo: Nelpa, 2009.
FERNANDES, Edésio. A Nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In:
FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (coord.). Direito Urbanístico
(Estudos Brasileiros e Internacionais). Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2006.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista
Machado. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

999
DECLARAÇÕES DE TEMPO DE MORADIA NOS PROCESSOS DE CUEM EM TERRENOS
DE MARINHA EM BELÉM PARÁ
Mayara Rayssa da Silva Rolim

OLIVEIRA, J. E. Abreu de. Aforamento e cessão de terrenos de marinha.


[S.l.]: IUC, 1996.
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PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito civil sistematizado. 3. ed. Rio de
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2004.

::;
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES
DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS
DA UNIÃO EM CASO DE TAUS

Juliana Mendes Boulhosa Marques49


Thales Maximiliano Ravena Cañete50

1 INTRODUÇÃO
Este artigo trata da temática da reintegração de posse em áreas da União,
regularizadas através do Termo de Autorização de Uso Sustentável (doravante
TAUS)51, identificando os possíveis autores desta ação. Nesse sentido, tem
como objetivo geral identificar na doutrina e legislação fundiária quem é a
parte legítima para dar entrada com a ação de reintegração de posse no caso de
TAUS, apresentando como problema de pesquisa a seguinte pergunta: Existe
a possibilidade jurídica de entrada de ação de reintegração de posse de bens
imóveis da União no caso de Termos de Autorização de Uso Sustentável?
Dessa forma, para a realização desta pesquisa foram feitos estudos legais,
doutrinários e jurisprudenciais sobre a temática da regularização fundiária e
reintegração de posse, especialmente em áreas públicas. Entrevistas também
foram realizadas junto a funcionários da Superintendência do Patrimônio da
União do Estado do Pará (doravante, SPU/PA).
49
Graduanda em Direito da Faculdade Estácio FAP-PA
50
Cientista Social. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
da UFPA
51
O TAUS será detalhado mais adiante, bastando, por ora, entendê-lo como um instrumento
de regularização fundiária das várzeas da União, ocupadas por populações, povos e
comunidades tradicionais.

<<=
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Durbens Martins Nascimento

Após a pesquisa, foi possível sistematizar os dados coletados nos


seguintes tópicos: Bens Imóveis da União;TAUS: sua origem e atuais usos;
Da Posse e suas respectivas Ações; A possibilidade jurídica e parte legítima
na ação de reintegração de posse em caso de TAUS.
O primeiro tópico constrói uma caracterização dos bens imóveis da
União, por meio da doutrina nacional e da legislação afeta ao tema de bens
imóveis públicos, dando ênfase aos objetos do TAUS. O segundo tópico
descreve o processo de criação do instituto do Termo de Autorização de
Uso Sustentável, seu processo de implementação, assim como sua atual
compreensão. O terceiro e quarto tópico tratam, respectivamente, dos tipos
de ação de reintegração de Posse e da identificação de quem é a parte legítima
para dar entrada com a ação de reintegração de posse nos casos de Termos de
Autorização de Uso sustentável.

2 BENS IMÓVEIS DA UNIÃO

Para compreender o que seriam os Bens Imóveis da União,


primeiramente deve-se entender o que são os Bens Públicos, que de acordo
com Carvalheiro et al. (2013) são os bens de domínio do governo federal,
estadual ou municipal (e do Distrito Federal e possíveis Território Federais).
Conforme Mazza (2011), os Bens Imóveis da União podem ser classificados
em Bens de Uso Comum, que são destinados ao uso coletivo, livre de
qualquer autorização, como ruas, praças, entre outros; Bens de Uso Especial,
que seriam os diretamente afetados a um estabelecimento público, como os
prédios em que estão instaladas secretarias municipais; Bens Dominicais ou
Dominiais, que incluem as terras públicas, que devem ser utilizados para
o bem da sociedade. Cumpre destacar que nenhum destes bens podem ser
regularizados através de Usucapião.
Os Bens Imóveis Públicos, conforme Carvalheiro et al. (2013), são,
entre outros, lagos, rios, ilhas, o mar adentro do território do Brasil, terrenos

>>?
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

de marinha e minas. Os Bens Imóveis Públicos da União são administrados


pelo Governo Federal e são todos os riosque cruzem mais de um Estado,
que se localizem em região de fronteira com outros países e que venham
ou caminhem para outro país, entre tantas outras possibilidades de bens,
elencadas no artigo 20 da Constituição Federal, que assim se manifesta
(BRASIL, 1988):
Art. 20. São bens da União:
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das
fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação
e à preservação ambiental, definidas em lei;
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de
seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites
com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele
provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países;
as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas,
as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas
ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art.
26, II;
V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica
exclusiva;
VI - o mar territorial;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII - os potenciais de energia hidráulica;
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-
históricos;
XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Vale observar que o inciso I do art. acima citado inclui no rol de bens
da União aqueles citados no artigo 1º do Decreto-Lei nº 9760/1946, expostos
a seguir:

@@A
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:


a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;
b) os terrenos marginais dos rios navegáveis, em Territórios Federais,
se, por qualquer título legítimo, não pertencerem a particular;
c) os terrenos marginais de rios e as ilhas nestes situadas na faixa
da fronteira do território nacional e nas zonas onde se faça sentir a
influência das marés;
d) as ilhas situadas nos mares territoriais ou não, se por qualquer título
legítimo não pertencerem aos Estados, Municípios ou particulares;
e) a porção de terras devolutas que for indispensável para a defesa
da fronteira, fortificações, construções militares e estradas de ferro
federais;
f) as terras devolutas situadas nos Territórios Federais;
g) as estradas de ferro, instalações portuárias, telégrafos, telefones,
fábricas oficinas e fazendas nacionais;
h) os terrenos dos extintos aldeamentos de índios e das colônias
militares, que não tenham passado, legalmente, para o domínio dos
Estados, Municípios ou particulares;
i) os arsenais com todo o material de marinha, exército e aviação, as
fortalezas, fortificações e construções militares, bem como os terrenos
adjacentes, reservados por ato imperial;
j) os que foram do domínio da Coroa;
k) os bens perdidos pelo criminoso condenado por sentença proferida
em processo judiciário federal;
l) os que tenham sido a algum título, ou em virtude de lei, incorporados
ao seu patrimônio (BRASIL, 1946).

O órgão do governo federal que é responsável pelas terras da União é a


Secretaria do Patrimônio da União (antiga GRPU). A Secretaria do Patrimônio
da União se divide em superintendências estaduais e, no caso do Pará, os
bens imóveis da União são administrados pela SPU/PA. Nesse sentido, este
órgão governamental é competente pela administração e regularizaçãodos
bens imóveis da União.

BBC
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

Assim, a ação de regularização das áreas da União pode ser feita pela
Secretaria do Patrimônio da União (SPU) por meio de diversos instrumentos,
como a Permissão de Uso, a Concessão de Uso, Concessão de Direito Real
de Uso (CDRU), o Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), entre
outros. Como este trabalho foca especificamente no TAUS, somente este
instrumento será detalhado no decorrer do artigo e, consequentemente, é
tratado somente da regularização fundiária das várzeas, terrenos marginais,
terras de marinha e seus acrescidos, visto que estes são, em regra, os objetos
do TAUS.
Este instrumento tem origem no Termo de Autorização de Uso, que
pode ser dividido em dois tipos: o Termo de Autorização de Uso feita pelo
Governo quepermite a posse provisória e o uso agroextrativista de uma terra
por populações, povos e comunidades tradicionaise ribeirinhas52 (sendo o atual
TAUS uma espécie deste); e a Autorização de Uso feita por um particular
detentor de um título de terra legítimo. Este último caso não é abordado de
maneira aprofundada por este trabalho, na medida em que não se configura
como temática central. Nesse sentido, basta saber que a Autorização de Uso
feita por particular, nos casos das comunidades ribeirinhas, em regra, são
emitidos por meio das associações formadas pelas mesmas. Estas associações,
por sua vez, emitem a Autorização de Uso, no mais das vezes, em virtude de
terem um CDRU coletivo emitido pelo governo para elas (CARVALHEIRO
et al., 2013)53.
52
Entende-se os termos populações, povos e comunidades tradicionais e ribeirinhas como
similares. Extensa é a literatura que trata sobre os referidos termos assim, para este artigo,
deve-se considerar as discussões propostas por Diegues (2008), Lima e Pozzobon (2000)
e o decreto 6.040 (2007). Segundo o art 3º, I, do referido decreto, povos e comunidades
tradicionais seriam: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral
e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição. Agrega-se a este conceito o prisma socioambiental que é empregado a estes
termos por Diegues (2008) e pela lei nº 9.985/2000, caracterizando estes grupos sociais
como intimamente ligados aos recursos naturais que os cercam. Para uma discussão
detalhada sobre estes termos com diversas indicações de leitura, consultar Ravena-Cañete
(2012).
53
Esta situação, na qual é regra as comunidades ribeirinhas terem direitos sobre a terra por

DDE
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Assim, o TAUS configura-se em um instrumento de regularização


fundiária, criado pela União na figura da SPU/PA e atualmente adotado
por outras superintendências estaduais, onde o poder público autoriza o
uso da terra e/ou os seus recursos naturais por parte de populações, povos
e comunidades tradicionais e ribeirinhas. Em outras palavras, o TAUS é
um instrumento que reconhece e garante o direito de uso, às comunidades
tradicionais e ribeirinhas, sobre as áreas públicas da União e seus respectivos
recursos (Portaria SPU n. 089/2010), conforme os diversos instrumentos
administrativos que serão detalhados mais adiante.
O procedimento adotado para sua implementaçãocorresponde ao
estabelecimento de um único ponto georeferenciado, localizado exatamente
na residência do ribeirinho, saindo do mesmo um raio de quinhentos metros,
perfazendo a área do TAUS no formato de um círculo, respeitando os limites
de tradição local.
Para que o TAUS tenha validade, como informa Carvalheiro et al.(2013),
a SPU deve assiná-lo para que as comunidades tradicionais possam fazer uso
legítimo da terra que ocupam há décadas e, em alguns casos, há séculos. Essa
Autorização de Uso poderá depois ser transformada em Concessão de Direito
Real de Uso (CDRU) que também pode ser INDIVIDUAL ou COLETIVA.
Cumpre destacar que o TAUS é emitido gratuitamente e tem como
principais benefícios (SPU, s/ano):
a) O reconhecimento do uso e garantia na segurança da posse;
b) O compromisso de residência oficial;
c) O auxílio ao acesso à aposentadoria;

meio de títulos governamentais precários, configura-se como mais um indicativo da injusta


repartição de terras que impera no Brasil atual. O contrário também é verdadeiro, ou seja,
o fato de latifundiários serem detentores de direitos sobre terras por meio de títulos de
propriedade privada configura-se como outro indicativo da desigual repartição de terras
no Brasil. Vale ainda esclarecer que os pretensos “títulos de terras” governamentais (como
CDRU, TAUS, CUEM, entre outros) dão poderes limitados aos seus titulares, enquanto
que os títulos de propriedade privada, concedem poderes quase ilimitados aos seus titulares,
sendo somente limitados pelas normas de regulação ambiental e pelo princípio da função
social da propriedade.

GHI
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

d) O acesso a linhas de crédito para o financiamento de produção;


e) A inclusão nos programas sociais do Governo Federal54.
Na execução dos projetos, a SPU conta com vários parceiros, como:
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Sistema
de Proteção da Amazônia (SIPAM), Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), Empresa
Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), Advocacia
Geral da União (AGU), Defensoria Pública da União(DPU), Secretaria de
Desenvolvimento Social e Agricultura Familiar (SEDES), prefeituras, colônia
de pescadores, sindicatos e associações comunitárias etc.
Vale destacar que a assinatura do Termo de Autorização de Uso
pode ser intermediada por vários órgãos, inclusive pelo Ministério Público
Federal, pela Justiça Federal e pela Defensoria Pública da União. Portanto,
o termo ajuda também a regularizar (garantir) o uso da terra, e serve como
comprovante de endereço, facilitando a aposentadoria rural e o acesso ao
microcrédito, o que proporciona segurança jurídica às famílias.
Especificado o TAUS em seu prisma jurídico e administrativo, resta
detalhar seu surgimento, papel cumprido pelo próximo tópico.

3 TAUS: SUA ORIGEM E ATUAIS USOS


Este tópico tem por objetivo central construir uma breve reconstituição
da criação do TAUS até seu formato atual. Para tanto foram realizadas

54
Citam-se alguns exemplos: Programa Bolsa Verde, que faz parte do Plano Brasil sem
Miséria (seu nome oficial é Programa de Apoio à Conservação Ambiental, mais detalhes
consultar http://www.mma.gov.br/desenvolvimento-rural/bolsa-verde); o Cadastro
Único (ou CadÚnico), instrumento governamental que identifica e caracteriza as famílias
de baixa renda (mais detalhes: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico);
programa de financiamento habitacional desenvolvido pelo governo federal, denominado
de Minha Casa Minha Vida, em seu âmbito rural (mais detalhes em http://www.caixa.gov.
br/habitacao/mcmv/); Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar,
que financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares
e assentados da reforma agrária (mais detalhes: http://portal.mda.gov.br/portal/saf/
programas/pronaf), entre outros.

JKL
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

entrevistas abertas com funcionários da SPU-PA, precedidas de inúmeras


conversas informais.
Em entrevista realizada com a servidora Soraya Lana, foi exposto que
o TAUS vem sendo idealizado desde 2005, com aprovação da Portaria SPU nº
284, de 14 de outubro de 2005, e era conhecido como Termo de Autorização
de Uso (TAU). Com a criação da Portaria nº 89, de 15 de abril de 2010, passou
a ser Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), especificado no art.
1º da mesma:
Art. 1º. Disciplinar a utilização e o aproveitamento dos imóveis da
União em favor das comunidades tradicionais, com o objetivo de
possibilitar a ordenação do uso racional e sustentável dos recursos
naturais disponíveis na orla marítima e fluvial,voltados à subsistência
dessa população, mediante outorga de Termo de Autorização de Uso
Sustentável – TAUS, a ser conferida em caráter transitório e precário
pelos Superintendentes da União.

O TAUS surgiu como uma ferramenta de regularização do acesso à


terra de famílias ribeirinhas/tradicionais, com o objetivo de dar seguridade
do uso da várzea a essas famílias, reconhecendo o direito adquirido as mesmas
que ocupam as áreas da União há décadas e, em alguns casos, há séculos.
Em entrevista realizada com Orlando Correa Filho55 é narrado que
oTAUS (na época ainda TAU), nos moldes de como é utilizado pela União,
foi adotado a partir de 17/10/2005, data da publicação da Portaria SPU nº
284, de 14 de outubro de 2005, que a concebeu, consubstanciada no Projeto
“NOSSA VÁRZEA”, apresentado pela então Chefia do Serviço de Operações
Negociais (SEONE/PA), de 28/04/2005, e após tal projeto ter sido
amplamente discutido em seminários específicos, com participação pública,
realizados naquele mesmo ano, em Belém e Santarém, no estado do Pará.
O objetivo da criação doTAUS pela SPU foi a exigência feita pelo
IBAMA, nos idos dos anos de 2003/2005, aos produtores de açaí das ilhas do
município de Belém e adjacentes, em relação à comprovação de propriedade
ou posse, das áreas por eles exploradas, como exigência para a concessão, por
55
Coordenador da Coordenação de Destinação Patrimonial (CODEP) da SPU/PA.

MNM
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Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

aquele órgão, de licença aos desbastes, colheita e comercialização dos frutos


dos açaizais.
O coordenador da CODEP ainda observou que o TAUS, quando surgiu,
tinha a intenção de regularizar em ritmo acelerado os usos que eram feitos
pelas populações, povos e comunidades tradicionais das várzeas da União,
possibilitando, dessa forma, a utilização provisória deste espaço e de seus
recursos naturais às comunidades ribeirinhas das ilhas existentes nas cercanias
de Belém. Esta regularização era efetivada sobre as várzeas enquanto leito de
corpos de águas federais, terrenos de marinha e seus acrescidos, pelo tempo
em que se viesse a promover o competente processo discriminatório das
áreas insulares centrais (Interior nacional), para identificar entre essas áreas
aquelas de propriedade da União, possibilitando, então, sua regularização
final através da CDRU.
Esta regularização final seria feita nos moldes do que foi estabelecido
pelo Decreto-lei nº 271, de 28.02.1967. Vale ressaltar que esta regularização
seria feita com algumas adaptações, visto que não se pode conceder concessões
privadas sobre áreas de rios em período de cheias que impossibilite a livre
navegabilidade56.
Um comparativo do que o TAUS era quando surgiu e o que é hoje foi
feito pela servidora Soraya, a qual afirma que tudo no início é um aprendizado
e, com o passar do tempo, o TAUS foi se aprimorando. Como exemplo cita-
se o fato de que o TAUS, logo que surgiu, só era feito no nome de um único
beneficiário, geralmente no nome do marido, sendo que atualmente ele pode
ser feito no nome de ambos os cônjuges, entre outros indivíduos. Atualmente,

56
Infelizmente, até o momento, a regularização final, e necessária de tais ocupações ainda
não se efetivou em virtude de diversos elementos, entre eles a precária estrutura na qual
operam os funcionários da SPU-PA, o baixo número de funcionários da SPU-PA, o fato de
o próprio TAUS ser um instrumento pioneiro, consequentemente, objeto de resistência e
desconhecimento por parte da sociedade em geral e da própria gestão pública. Estes são
alguns dos inúmeros desafios enfrentados no processo de implementação do TAUS e no
processo de regularização fundiária mais amplo dos bens da União, sendo o TAUS, ao
menos por ora, instrumento utilizado somente para regularização de áreas de várzea.

OPP
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

após sofrer vários ajustes, o TAUS está mais completo e em vias de ter um
procedimento de emissão padronizado para todas as unidades da federação,
possuindo um Registro De Imóvel Patrimonial (RIP), característica esta que
dá mais segurança jurídica a este instituto.
Assim, inicialmente o TAUS tinha o objetivo de assegurar o direito ao
uso das terras às famílias, por meio da Portaria SPU nº 284, de 14 de outubro
de 2005. Em seguida sofreu alterações, passando pela Portaria nº 100, de 03
de junho de 2009, e por fim foi complementado pela Portaria nº 89, de 15 de
abril de 2010. Cada portaria que ia sendo criadagerava uma melhoria e mais
benefícios agregados ao título. Para uma melhor visualização dessas portarias
e suas respectivas mudanças no TAUS, segue em anexo as mesmas e abaixo
o Quadro 1, que mostra algumas das mudanças que ocorreram no instituto
jurídico desde sua criação.
Quadro 1: Mudanças no TAUS realizadas pelas portarias
PORTARIA DATA MUDANÇAS
Considerava as necessidades e a potencialidade
dos recursos naturais existentes nas áreas de
várzeas e que o aproveitamento de forma racional
14 de outubro desses recursos, possibilitaria o progresso
No 284
de 2005 socioeconômico. Assim disciplinando a utilização
e aproveitamento dos recursos naturais das
várzeas, estabelecendo a abrangência da área
circunscrita.
Considerava a área circunscrita em caráter
individual e coletivo. Estabelecia que a autorização
03 de junho de possa ser concedida para até duas áreas não
No 100
2009 contíguas em determinadas situações. Permitia
que a TAUS se transformasse em Concessão de
Direito Real de Uso (CDRU).

QRS
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EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

A Portaria outorgava o Termo de Autorização


de Uso Sustentável (TAUS) e considerava
o TAUS das áreas definidas no artigo 2º
seriam outorgados exclusivamente a grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem
como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que utilizam áreas da União
e seus recursos naturais como condição para sua
15 de abril de reprodução cultural, social, econômica, ambiental
No 89
2010 e religiosa utilizando conhecimentos, inovações
e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
A Superintendência do Patrimônio da União
passou a cadastrar o imóvel da União definido
no art. 2º, utilizado pela unidade familiar ou
comunidade tradicional, no Sistema Integrado
de Administração Patrimonial (SIAPA) para a
criação de um Registro de Imóvel Patrimonial
(RIP).
Fonte: Elaboração própria (2014)

Após esclarecimentos históricos e jurídicos sobre o TAUS, segue o


tópico que detalhará o instituto da posse e as respectivas ações que lhe são
possíveis, para então chegar ao objetivo central deste texto, que é identificar
quem é a parte legítima para dar entrada no processo de reintegração de
posse no caso de TAUS.

4 DA POSSE E SUAS RESPECTIVAS AÇÕES

Segundo Rabelo (2011), a posse apresenta distintas correntes


doutrinárias, sucedendo contradições em saber quem realmente é possuidor.
Há correntes que compreendem que o Código Civil conhece a posse somente
dos direitos reais; outras acolhem que ele combine posse tanto aos direitos
reais como aos pessoais. É importante lembrar que pode ser objeto de posse
todas as coisas que possam ser objeto de propriedade.

TUV
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Quanto aos elementos constitutivos da posse, podem ter diversos


sentidos e a propriedade é uma destas, assemelhando-se à condição de
aquisição do domínio. A posse, então, é o poder imediato que tem a pessoa de
dispor fisicamente de um bem com intenção de tê-lo para si e de defendê-lo
contra a agressão de outros indivíduos. Nestes moldes, Von Ihering (2009,
p. 12-13) acrescenta:
[...] a posse é o poder de fato e a propriedade o poder de direito,
sobre a coisa. Ambas podem encontrar-se reunidas no proprietário,
como também estar separadas; e isto ocorre de duas maneiras: ou o
proprietário transfere a outro a posse reservando para si a propriedade
[...] já a propriedade sem posse seria um tesouro sem chave para abri-
lo [...] a utilização econômica da propriedade consiste de acordo com
as diversas características das coisas.

Como dito, a posse é adquirida e indispensável ao proprietário para a


utilização econômica da propriedade e a propriedade implica necessariamente
o direito do proprietário à posse. Percebe-se, então, que em relação à posse
e à propriedade, a posse é o conteúdo ou a objetividade de um direito. Neste
aspecto, Von Ihering (2009, p. 16) acrescenta que: “a propriedade, o direito à
restituição da coisa encontrada em mãos de outrem, a volta da posse aqueles
que têm direito a elas, a invocação do jus possidendi contra aqueles que não o
tem”.
A posse é indispensável para a plena realização dos fins da propriedade
(esta não surge sem a posse, senão na aquisição a título de herança), sendo
efetivamente uma das múltiplas condições das quais depende o nascimento do
Direito. Neste contexto, o Direito Romano oferece uma base para o nascimento
ao direito de propriedade e especialmente à posse, uma vez que nele a posse
recebeu o aspecto e o valor de uma instituição jurídica independente; em
outros aspectos, a posse pode ser vista como consequência de um processo
reivindicatório.Portanto, segundo Diniz (2013), a posse é a exteriorização
do domínio, ou seja, a relação exterior intencional, existente, normalmente,
entre o proprietário e sua coisa.

WXY
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
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No Código de Processo Civil (doravante CPC), os artigosa respeito de


ações possessórias são oito (926-933), que tratam da reintegração e
manutenção de posse e o interdito proibitório que são as chamadas “ações
possessórias típicas”. Vejam-se, como exemplos, os arts. 926 e 927:
Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de
turbação e reintegrado no de esbulho.
Art. 927. Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a
perda da posse, na ação de reintegração (BRASIL, 1973).

As ações possessórias têm como objetivo a proteção da posse, isto é, o


possuidor pode intentar a ação contra o proprietário, mas o objetivo não é o
de discutir propriedade. Desta forma, elas podem ter caráter duplo (dois tipos
de tutela): uma do autor contra o réu e outra do réu contra o autor. Vence,
portanto, quem convence e consegue provar a posse da terra. Esclarecidos os
conceitos de posse e propriedade e suas respectivas diferenciações, seguem
tópicos no sentido de detalhar ainda mais a posse, especialmente as ações que
a protegem e garantem.

4.1 Tipos de ações para proteção e garantia da posse

A reintegração de posse é um tipo de ação possessória emcaso de esbulho


(privação física da coisa por violência, clandestinidade ou precariedade). Em
outras palavras, é ação movida contra posse injusta, prevista no art. 1.200 (do
Código Civil, doravante CC).
CC - Lei no 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

Z[\
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Como foi mostrado no art. 1200 (CC), são requisitos para essa ação a
comprovação da condição de que era realmente o antigo possuidor e o esbulho
propriamente dito, ou seja, a ofensa que determinou a perda da posse.
Ademais da reintegração de posse, o ordenamento jurídico nacional
garante o direito à Manutenção de Posse, conforme o CPC, o art. 926, que
assim se manifesta: “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso
de turbação e reintegrado no de esbulho”. Assim, o esbulho quando ocorrer
de forma parcial assume o nome de turbação.
No art. 1.210 do CC, o possuidor tem direito a ser mantido na posse em
caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente,
se tiver justo receio de ser molestado. Os parágrafos 1º e 2º deste mesmo
artigo mostram que:
§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-
se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa,
ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou
restituição da posse.
§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de
propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.(BRASIL, 2002)

Cumpre destacar que é importante comprovar a data de ocorrência da


perda da posse, conforme as recomendações do art. 927, do CPC:
Art. 927 - Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a
perda da posse, na ação de reintegração.(BRASIL, 2002)

A ação de reintegração também pode ser contestada. Veja-se o art. 931


(CPC):
Concedido ou não o mandado liminar de manutenção ou de reintegração,
o autor promoverá, nos cinco dias subsequentes, a citação do réu para
contestar a ação.

]^_
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Parágrafo único. Quando for ordenada a justificação prévia (art. 928), o


prazo para contestar contar-se-á da intimação do despacho que deferir
ou não a medida liminar. (BRASIL, 2002)

Diante disso, chega-se à conclusão de que o procedimento é ordinário


(art. 924), tendo 15 (quinze) dias como prazo para resposta do réu, cabendo
neste caso também a exceção.
Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de
posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e
dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não
perdendo, contudo, o caráter possessório. (BRASIL, 2002)

Assim, no que se refere ao direito à posse, o CPC e o CC arrolam três


ações: reintegração de posse, manutenção de posse e o interdito proibitório.
Estas três ações estão ligadas ao direito de posse, respectivamente, no que se
refere à sua recuperação (caso de esbulho), sua manutenção (caso de turbação)
e evitar que a mesma seja afetada. Este trabalho, como já exposto mais acima,
focará somente nas ações de reintegração de posse (ou seja, no que se refere
à sua recuperação).

4.2 Ações de reintegração de posse

A ação de reintegração de posse, por ser uma ação sumária, terá sempre
a mesma limitação do campo das defesas permitidas ao demandado. Sendo
assim, podem ter como veículo um procedimento ordinário. Dessa forma, a
ação de reintegração de posse é sumária e, no que se refere ao direito de posse,
é suscetível à execução. Sua condição de ação executiva radica, como em
todas as demais, na pretensão que a ordem jurídica reconhece ao possuidor de
recuperar a posse que haja perdido em virtude do esbulho contra ele cometido.
Trata-se, portanto, de uma ação real, como o são as ações executivas, através
das quais o possuidor desapossado pede a coisa (res) e não o cumprimento de
uma obrigação.

`ab
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Seguem, de maneira detalhada, as exigências para o ingresso da ação


de reintegração de posse.
O autor precisa demonstrar que fora possuidor e que, em virtude do
esbulho possessório cometido pelo demandado, teve como resultado o de
perder a posse. A ação de reintegração de posse pressupõe que o autor haja
sido desapossado da coisa em virtude do esbulho. Cumpre relembrar que, se
o autor, tendo perturbações com a posse, mas está conservando a mesma, em
sua total condição de coisa, sem alterações, a ação competente não será a de
reintegração e sim a de manutenção de posse; e se o possuidor apenas teme a
prática de uma agressão iminente à posse, então a ação cabível passa a ser o
interdito proibitório (arts. 932-933, CPC). A prova da posse obedece em geral
às regras comuns de direito probatório. Sendo a posse uma relação fática de
poder, ou de pertinência, a ligar a coisa ao sujeito dessa relação, prova-se a
posse provando que a pessoa que se diz possuidora exerce sobre o objeto
algum ou alguns dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade, segundo
prescreve o art. 485 do Código Civil.
Juntada a prova da posse pelo autor esbulhado, há necessidade agora de
demonstrar o esbulho e a data em que ocorreu. A data é uma prova importante
porque o direito diferencia a espécie de proteção possessória segundo o
esbulho tenha ocorrido antes de completar-se um ano e um dia da data em que
o possuidor pede a proteção judicial ou, ao contrário, se tenha dado em tempo
superior. Se a perda da posse datar de menos de um ano e dia, o autor gozará
do benefício de reintegração de posse, cuja vantagem reside na possibilidade
de obter o mesmo a reintegração liminar na posse. Ultrapassado esse
prazo, somente restará ao possuidor esbulhado o recurso à ação possessória
ordinária, que, justamente por sê-lo, não permite a reintegração liminar.
Detalhado o instituto da posse e suas ações, especificamente o da
reintegração de posse e, considerando que o caso dos bens públicos objeto do
TAUS, são as várzeas, os terrenos de marinha e a terra firme, todos os bens
públicos de uso comum, surge a dúvida: havendo a possibilidade jurídica de
ação de reintegração de posse no caso de TAUS e, caso exista tal possibilidade,

cde
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

quem seria parte legítima na referida ação? O próximo tópico segue para
explicar estas questões.

5 A POSSIBILIDADE JURÍDICA E PARTE LEGÍTIMA NA AÇÃO DE


REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM CASO DE TAUS

A reintegração de posse poderá ser buscada em juízo, por aquele que,


ainda que não proprietário da área, mas na condição de detentor da mesma,
de alguma forma tenha tido sua ocupação usurpada por terceiros, em áreas
susceptíveis dessa condição. Ocorre que não se pode considerar direito
de posse sobre áreas de uso comum, que são o caso das várzeas, terrenos
marginais e de marinha, objetos do TAUS.
Assim, o direito de posse, no caso de interrupção do uso da várzea e
seus recursos naturais por parte de comunidades ribeirinhas, é concedido à
União, na figura da SPU e de seu representante legal, a AGU, solidariamente
com o usuário prejudicado. Como exemplo prático cita-se o recorrente
caso de ribeirinhos que possuem TAUS, mas que têm o seu direito de uso
violado por grandes latifundiários, buscando, dessa forma, a SPU, pessoa
jurídica que de fato tem a posse da área, ou seja, parte legítima que possui o
direito de ingressar com o pedido de reintegração de posse, por meio da sua
representante legal, a AGU, que assim defende os interesses da União.

6 CONCLUSÃO
Hoje em dia, muito se fala de violação de direitos humanos. Por este
motivo, governos e sociedade civil têm assumido o compromisso de prover o
acesso à terra, à moradia adequada e à segurança na posse. Também há um
consenso crescente de que a segurança da posse deve ser implementada em
benefício da população excluída, no caso as famílias tradicionais do interior

fgh
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

do estado do Pará, e que a implementação de legislações e políticas modernas


são urgentes. No caso em tela, não se garante formalmente a posse, mas o
uso de determinada área da União por parte dos ribeirinhos, garantindo,
em última análise, seu modo de vida, direito que seria garantido da mesma
maneira pela posse.
Conforme a análise da possibilidade jurídica de quem é parte legítima
na ação de reintegração de posse em caso de TAUS, concluímos que o
ribeirinho não é parte legítima para entrar com o pedido de reintegração de
posse, pois o mesmo somente possui autorização para uso agroextrativista
da determinada área. A posse (e propriedade) de fato é da União, esta é quem
deve procurar a AGU, para que seus interesses sejam defendidos.
Conclui-se, portanto, que em relação aos bens imóveis da União, a
reintegração de posse tem por intuito devolver ao possuidor a posse, pois
a ofensa exercida contra ele o impediu de continuar exercendo as suas
prerrogativas e direitos, entre eles, no caso em tela, o direito do ribeirinho
ou famílias tradicionais a explorar de forma sustentável determinada área
para seu sustento e de sua família. Assim, existe a possibilidade jurídica de
entrada de ação de reintegração de posse de bens imóveis da União no caso de
Termos de Autorização de Uso Sustentável, contudo, sendo a parte legítima
a própria União e não o usuário.

REFERÊNCIAS
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Comentário ao código de processo
civil. 2. ed. [S.l.]:Revista dos Tribunais -RT, 2005. v. 1.
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Panfleto. Belém, PA, mar. 2013.
.CGU. Regional Ceará. Relatório de Auditoria Anual de Contas.
Fortaleza, CE: Controladoria Regional da União, 2011. Exercício.

iji
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

. Código Civil. Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Disponível


em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 19 de dez. 2013.
. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm>. Acesso em: 10 dez. 2013.
. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869 de 11 de Janeiro de 1973.
Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 21 dez. 2013.
. Dispõe sôbre os bens imóveis da União e dá outras providências.
Decreto-Lei nº 9.760 de 05 de Setembro de 1946. Disponível em: <www.
planalto.gov.br>. Acesso em: 21 dez. 2013.
CARVALHEIRO, Katia et al. Trilhas da regularização fundiária para
comunidades nas florestas Amazônicas. 1 ed. [S.l.]:[s.n], 2013
DIEGUES, Antonio Carlos S. O mito moderno da natureza intocada. São
Paulo: Editora HUCITEC, 6 edição, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas. 28. ed.
São Paulo: Saraiva, 2013. v. 4.
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 16. ed. atual.
São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3.
IHERING, Rudolf Von. Teoria Simplificada da Posse. Tradução de
Ricardo Rodrigues Gama. 2. ed. Campinas-SP: Russell Editores, 2009.
JURISWAY. Como funciona a reintegração de posse? Disponível em:
<www.jurisway.org.br.>. Acesso em: 21 dez. 2013.
LIMA, D.; POZZOBON, J. Amazônia Socioambiental: sustentabilidade
ecológica e diversidade social. In: REUNIÃO DA ABA, 22, 2000, Brasília,
DF. Anais... Brasília: ABA, 2000.
MAZZA, Alexandre. Direito administrativo. 8.3. ed. São Paulo: Saraiva,
2011.

klm
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

RABELO, Camila Carvalho. A posse, modos aquisitivos e a possível


fundamentação no Direito. 2011. Disponível em: <http://www.jurisway.
org.br>. Acesso em: 18 dez.2013.
RAVENA-CAÑETE, Thales. Direito e populações/povos e comunidades
tradicionais no Brasil: da revisão à crítica de aplicabilidades e definições
acadêmicas\jurídicas\legais. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal
do Pará, Instituto de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em
Direito, Belém, 2012.
SPU – Superintendência do Patrimônio da União. Panfleto institucional
sobre o Termo de Autorização de Uso Sustentável. S/ANO.
SPU – Superintendência do Patrimônio da União.. no. 90. In: MPOG.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Orientações para a
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 54.
ed. São Paulo: Forense, 2013. v. I.

noo
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

ANEXO 1
PORTARIA Nº 284, DE 14 DE OUTUBRO DE 2005.

A SECRETÁRIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO, no uso de suas


atribuições e tendo em vista o disposto no inciso XVII, do art.1º do Regimento
Interno da Secretaria do Patrimônio da União- SPU, aprovado pela Portaria
nº 232, de 03 de agosto de 2005 em consonância como art. 1º da Lei nº 9.636,
de 15 de maio de 1998, e;
1. Considerando a imensa potencialidade dos recursos naturais
existentes nas áreas de várzeas situadas no âmbito da região amazônica,
como fator econômico capaz de contribuir decisivamente para a melhoria das
condições de vida das populações ribeirinhas tradicionais;
2. Considerando que o aproveitamento racional desses recursos
possibilitará, sem dúvida alguma, compatibilizar a integridade do meio
ambiente com o progresso socioeconômico da região;
3. Considerando a urgente necessidade de implementação de medidas
com vistas a disciplinar e possibilitar o aproveitamento dos recursos da flora
e da fauna existentes em áreas ribeirinhas de rios nacionais, na Amazônia,
em favor das populações tradicionais, que nelas residem, utilizando-as, há
décadas, na garantia de obtenção dos recursos mínimos indispensáveis a suas
subsistências;
4. Considerando que a regularização de tais ocupações garante entre
outros, o direito à moradia, a autorização de uso, disciplinada pela presente
portaria, deverá se resolver em posterior concessão de direito real de uso;
5. Considerando a complexidade existente na regularização fundiária,
de tais ocupações, porcessão de uso, na forma estabelecida pelo art. 18 da Lei
nº 9.636 de 15 de maio de 1998, em razão: a - das caracterizações distintas
das áreas que, concomitantemente, a compõem, chegando a inviabilizá-la ou
tornando-a morosa, pelos altos custos a serem despendidos pelo poder público

pqr
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

em procedimentos demarcatórios, com georeferenciamento de no mínimo 3


(três) pontos delimitadores dos lotes individualizados; b - o envolvimento
de outros tipos de caracterização de áreas sobre os lotes ocupados, pela
abrangência de parte de terrenos de marinha, acrescidos ou marginais - com
os custos de determinação, seja da LPM ou LIMEO -; e, c - da obrigatoriedade
do procedimento discriminatório, de valor elevado, nas áreas caracterizadas
como “interior nacional” de ilhas nacionais, em número bastante expressivo
na região Amazônica, com vistas a distingui-las de possíveis áreas de
dominialidade privada por título legítimo de domínio, e;
6. Considerando, ainda, que se torna indispensável a descentralização
do poder decisório, na concessão de Autorização de Uso, na concessão na
forma adotada que venha possibilitar ummais eficiente e dinâmico fluxo
processual; resolve:
Art. 1º Disciplinar a utilização e aproveitamento dos recursos
naturais das várzeas, ribeirinhas de rios, sob domínio da União, em favor das
populações locais tradicionais, através da concessão de AUTORIZAÇÃO DE
USO PARA O DESBASTE DE AÇAIZAIS, COLHEITA DE FRUTOS OU
MANEJO DE OUTRAS ESPÉCIES EXTRATIVISTAS, a ser conferida,
em caráter excepcional, transitório e precário, nas áreas sob domínio da
União, caracterizadas como de várzea, ou presumíveis terrenos de marinha e
acrescidos.

Art. 2º Estabelecer que a AUTORIZAÇÃO DE USO, objeto dessa


Portaria, seja conferida com abrangência de uma área circunscrita a um raio
de 500m, a partir de um ponto geodésico estabelecido no local de moradia
do requerente, até a delimitação presumível dos terrenos de marinha ou
marginais, respeitados os limites de tradição das posses existentes no local e
obedecidos os seguintes ditames:
a - Comprovação da situação de ocupante ribeirinho tradicional, pelo
requerente, sobre a área pretendida;

stu
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

b - Parecer prévio do IBAMA, quanto ao não comprometimento


ambiental na área, pela extração do fruto especificado;
c - Georeferenciamento de pelo menos um ponto geodésico sobre a
unidade habitacional do requerente, que servirá de referência para a área a
ser abrangida pela concessão.
d - Declaração de entidade pública constatando a detenção da posse
mansa e pacífica, pelo requerente, sobre a área objeto da Autorização.
Art. 3º Determinar que a Autorização de Uso represente o início do
processo de Regularização Fundiária;
Art. 4º Delegar poderes especiais aos Gerentes Regionais da SPU,
da região Amazônica, para exame e concessão da Autorização objeto desta
Portaria.
Art. 5º A autorização estabelecida nesta Portaria será cancelada se vier
a ser dada destinação diversa daquela constante no Termo de Autorização.
Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

ALEXANDRA RESCHKE
D.O.U., 17.10.2005

vwx
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

ANEXO 2
PORTARIA Nº 100, DE 3 DE JUNHO DE 2009

A SECRETÁRIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO, no uso de suas


atribuições e tendo em vista o disposto no inciso XVII, do art.1º do Regimento
Interno da Secretaria do Patrimônio da União-SPU, aprovado pela Portaria
nº 232, de 03 de agosto de 2005 em consonância com os arts. 6º e 186 da
Constituição Federal de 1988, com os arts. 1º e 18, §1º, da Lei nº 9.636, de 15
de maio de 1998, e art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967
resolve;

Art. 1º Disciplinar a utilização e o aproveitamento dos imóveis da


União em áreas de várzeas de rios federais na Amazônia Legal em favor
das populações ribeirinhas tradicionais, com o objetivo de possibilitar o
aproveitamento racional e sustentável dos recursos naturais disponíveis em
vista do uso tradicional, voltados à subsistência dessa população, através
da concessão de AUTORIZAÇÃO DE USO, a ser conferida em caráter
excepcional, transitório e precário.
Parágrafo único. A autorização prevista no caput poderá compreender
a área destinada à moradia da população ribeirinha tradicional, seja ou não
contígua à área de exploração.

Art. 2º Estabelecer que a AUTORIZAÇÃO DE USO, objeto dessa


Portaria, seja conferida:
I - Em caráter individual, de área circunscrita, conforme o caso:
a) a um raio de até 500m, a partir de um ponto geodésico georreferenciado
estabelecido no local de moradia do requerente, respeitados os limites de
tradição das posses existentes no local ou;
b) a uma área com dimensão máxima de 1 módulo fiscal, definida em
poligonal fechada por pontos georreferenciados, respeitados os limites de
tradição das posses existentes no local.

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EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

II - Em caráter coletivo, de uma área não superior a 1 módulo fiscal por


família beneficiária, em fração ideal, com dimensão máxima de 15 módulos
fiscais, definidas em poligonal fechada por pontos georreferenciados, para as
associações comunitárias, cooperativas ou grupo identificado de beneficiários,
respeitados os limites de tradição das posses existentes no local.
Parágrafo único. Para a obtenção da AUTORIZAÇÃO DE USO, em
caráter individual ou coletivo, o interessado deverá comprovar sua qualidade
de ocupante ribeirinho tradicional sobre a área pretendida, por qualquer meio
de prova admitida em direito.

Art. 3º. Estabelecer que a autorização poderá ser concedida para até
duas áreas não contíguas, nas seguintes situações:
I - 01 (uma) das áreas destinada à moradia e outra à atividade
extrativista ou;
II - 01 (uma) das áreas destinada à atividade no período de cheia e outra
destinada à atividade no período de vazante.

Art. 4º A AUTORIZAÇÃO DE USO compõe o processo de


regularização fundiária, podendo ser convertida em CONCESSÃO DE
DIREITO REAL DE USO.

Art. 5° Estabelecer que a utilização, para navegação e para prática de


atividades pesqueiras, das áreas sujeitas à AUTORIZAÇÃO DE USO ou
à CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO, nos períodos de cheia, se
mantém sob o uso comum do povo, na forma estabelecida pelo art. 99 do
Código Civil de 2002.
Parágrafo único. A autorização e a concessão de que tratam esta
Portaria não permitem seja o acesso aos bens de uso comum do povo vedado
ou, por qualquer meio, dificultado, seja em período de vazante ou de enchente.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Art. 6º. A CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO fica


condicionada à aprovação do Plano de Manejo pelo Órgão Ambiental.

Art. 7º A CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO referida nesta


Portaria poderá ser cancelada:
I - Se for dada destinação diversa daquela constante no instrumento
de concessão;
II - Quando inobservada a previsão do art. 5º, desta Portaria;
III - Se constatada a ocorrência de infração ambiental;
IV - Outras hipóteses de interesse público.
Parágrafo único. Além das hipóteses previstas no caput, a
AUTORIZAÇÃO DE USO de que trata o art. 1º poderá ser revista,
suspensa ou cancelada a qualquer tempo, segundo critérios de conveniência
e oportunidade.

Art. 8º Revoga-se a Portaria nº 284, de outubro de 2005.

Art. 9º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JORGE ARZABE
Publicada no DOU de 04.06.2009, Seção 1, p. 64

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ANEXO 3
PORTARIA N° 89, DE 15 DE ABRIL DE 2010.
Publicada no D.O.U de 16 de abril de 2010 (fls. 91 e92)

A SECRETÁRIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO, no uso de suas


atribuições e tendo em vista o disposto no inciso XVII, do art.1º do Regimento
Interno da Secretaria do Patrimônio da União - SPU, aprovado pela Portaria
N° 232, de 03 de agosto de 2005 em consonância com os arts. 6º, 20, 182, 186
e 216 da Constituição Federal de 1988, com art. 1 do Decreto-Lei 9760/1946,
com os arts. 1º e 18, §1º, da Lei N° 9.636, de 15 de maio de 1998, e art. 7º
do Decreto-Lei N° 271, de 28 de fevereiro de 1967 c/c Portaria SPU N°
100/2009, resolve:

Art. 1º Disciplinar a utilização e o aproveitamentodos imóveis da


União em favor das comunidades tradicionais, com o objetivo de possibilitar a
ordenação do uso racional e sustentável dos recursos naturais disponíveis na
orla marítima e fluvial, voltados à subsistência dessa população, mediante a
outorga de Termo de Autorização de Uso Sustentável - TAUS, a ser conferida
em caráter transitório e precário pelos Superintendentes do Patrimônio da
União.

Parágrafo único. A autorização prevista no caput poderá compreender


as áreas utilizadas tradicionalmente para fins de moradia e uso sustentável
dos recursos naturais, contíguas ou não.

Art. 2º. O Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS poderá ser


outorgado a comunidades tradicionais que ocupem ou utilizem as seguintes
áreas da União:
I - áreas de várzeas e mangues enquanto leito de corpos de água
federais;
II - mar territorial,

‚ƒ„
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

III - áreas de praia marítima ou fluvial federais;


IV - ilhas situadas em faixa de fronteira;
V - acrescidos de marinha e marginais de rio federais;
VI - terrenos de marinha e marginais presumidos.

§1º. As áreas da União elencadas nos incisos I a V deste artigo são


consideradas indubitavelmente da União, por força constitucional, e sobre
elas qualquer título privado é nulo.
§2º. A Superintendência do Patrimônio da União elaborará Relatório
da Comissão de Demarcação fundamentando o domínio da União no caso
de áreas utilizadas por comunidades tradicionais inteiramente situadas em
terrenos presumidamente de marinha e marginais da União.

Art. 3º. O Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS poderá


ser outorgado conjuntamente, sem a necessidade de identificar os limites
entre as terras de domínio público, quando as comunidades tradicionais
utilizarem áreas de diferentes órgãos federais ou entes federativos.
Parágrafo único. No caso da titulação conjunta mencionada no caput
deste artigo todos os órgãos federais ou entes federativos titulares do
domínio das áreas públicas deverão assinar o Termo de Autorização de Uso
Sustentável - TAUS, sob pena de sua nulidade.

Art. 4º O Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS das


áreas definidas no artigo 2º serão outorgados exclusivamente a grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem
formas próprias de organização social, que utilizam áreas da União e seus
recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
econômica, ambiental e religiosa utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição.

†
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

§1º É vedada a outorga da Autorização de Uso para atividades


extensivas de agricultura, pecuária ou outras formas de exploração ou
ocupação indireta de áreas da União, não caracterizadas como atividades
tradicionais agroextrativistas ou agropastoris de organização familiar ou
comunitária para fins de subsistência e geração de renda.

§2º Para a obtenção da autorização de uso, individual ou coletiva,


o interessado ou sua entidade representativa deverá comprovar a posse
tradicional da área da União e a utilização sustentável dos recursos naturais,
por qualquer meio de prova admitida em direito.

Art. 5º O Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS será


outorgado: Prioritariamente na modalidade coletiva; Quando individual,
prioritariamente em nome da mulher; Respeitando a delimitação de 15m
presumíveis dos terrenos marginais ou de 33m presumíveis dos terrenos de
marinha; Respeitados os limites de tradição das posses existentes no local.

Parágrafo único: O Termo de Autorização de Uso Sustentável -


TAUS é para o uso exclusivo da unidade familiar ou comunidade tradicional,
transferível apenas por sucessão, sendo vedada sua transferência para
terceiros.

Art. 6º A delimitação da área da União para a outorga do Termo


de Autorização de Uso Sustentável - TAUS deverá respeitar os limites de
tradição das posses existentes no local, a ser definido com a participação
das comunidades diretamente beneficiadas, respeitando as peculiaridades
locais dos ciclos naturais e organização comunitária territorial das práticas
produtivas.

Art. 7º. O Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS poderá


ser concedido para áreas da União não contíguas, nas seguintes situações:

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

I - 01 (uma) das áreas destinada à moradia e outra à atividade tradicional


de subsistência;
II - 01 (uma) área utilizada para moradia ou para atividade tradicional
de subsistência no período de cheia e outra no período de vazante.

Art. 8º O Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS poderá


ser outorgado nas seguintes modalidades:
I - Coletiva, em nome de uma coletividade de famílias ou de sua
entidade comunitária representativa: por poligonal fechada com coordenadas
de pontos geodésicos da área utilizada para fins de moradia; por poligonal
fechada com coordenadas de pontos geodésicos da área de uso tradicional
coletivo dos recursos naturais.
II - Individual, de área circunscrita, conforme o caso: a uma área definida
em poligonal fechada por pontos georreferenciados, respeitados os limites de
tradição das posses existentes no local; a um raio de até 500m, a partir de
um ponto geodésico georreferenciado estabelecido no local de moradia do
requerente, respeitados os limites de tradição das posses existentes no local.

Art. 9º A Superintendência do Patrimônio da União cadastrará o imóvel


da União definido no art. 2º, utilizado pela unidade familiar ou comunidade
tradicional, no SIAPA - Sistema Integrado de Administração Patrimonial
para a criação de um RIP - Registro de Imóvel Patrimonial.

§1º O imóvel da União poderá ser declarado de interesse do serviço


público mediante Portaria da Secretária do Patrimônio da União para fins
de regularização fundiária de interesse social das comunidades tradicionais,
ficando esta afetação gravada no RIP do Imóvel.
§2º O RIP - Registro de Imóvel Patrimonial deverá ser incluído no
Termo de Autorização de Uso Sustentável - TAUS.

Art. 10 - A Superintendência do Patrimônio da União lavrará o auto de

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POSSIBILIDADE JURÍDICA DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM ÁREAS DA UNIÃO
EM CASO DE TAUS
Juliana Mendes Boulhosa Marques e Thales Maximiliano Ravena Cañete

demarcação com a descrição do imóvel para abertura de matrícula no Cartório


de Registro de Imóvel competente em nome da União, devendo ser averbado
o uso em favor do(s) beneficiário(s) após a outorga do Termo de Autorização
de Uso Sustentável - TAUS.

Art. 11 - O Termo de Autorização de Uso Sustentável - TAUS inicia


o processo de regularização fundiária, podendo ser convertido em Concessão
de Direito Real de Uso -CDRU.

Parágrafo único: Os instrumentos de regularização citados no caput


deverão conter cláusula expressa de que o corpo d’água, no período de cheia,
das áreas de que trata esta Portaria, se mantém sob o uso comum do povo
para navegação, prática de atividades pesqueiras e acesso público, sendo
vedado restringir ou dificultar seu acesso, por qualquer meio.

Art. 12 - O Termo de Autorização de Uso Sustentável - TAUS e a


Concessão de Direito Real de Uso - CDRU serão cancelados:
I - Se for dada destinação diversa daquela constante no Termo ou
Contrato;
II - Se transferida para terceiro(s);
III - Se dificultado ou restringido o acesso às áreas de uso comum do
povo;
IV - Se constatada a ocorrência de infração ambiental;
V - Se os beneficiários falecerem;
VI - Outras hipóteses de interesse público.

Art. 13 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

ALEXANDRA RESCHKE

ŽŽ
O IMPACTO DA MOROSIDADE DOS CARTÓRIOS
NA DESTINAÇÃO DOS IMÓVEIS DA UNIÃO À
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL,
ESTADUAL E MUNICIPAL

Rafaela Santos Carneiro57

1 INTRODUÇÃO
O Projeto de Caracterização dos imóveis da União em apoio
à Regularização Fundiária possibilitou o contato com a realidade da
Superintendência do Patrimônio da União no Pará (doravante, SPU/PA),
em especial com a Coordenação de Destinação de Imóveis à Administração
Pública Federal (doravante, CODEP/APF) o que possibilitou a realização
deste trabalho, que trata dos tipos de processos que a CODEP/APF é
encarregada de conduzir, bem como a influência que os cartórios de registro
de imóveis exercem sobre tais processos.
A CODEP/APF é responsável por destinar imóveis da União à
administração pública federal, ao estado do Pará, seus municípios e, em
alguns casos, ao campo privado. As entidades que pleiteiam um imóvel da
União necessitam de uma justificativa plausível e que tenham ligação com
ações de melhoramento do bem comum, principalmente, dentro das esferas
econômica, ambiental, cultural ou social. Em outras palavras, as áreas da
União podem ser destinadas a diversos fins desde que os beneficiários desta
destinação tenham por objetivo principal o melhoramento da sociedade, por
meio de projetos sociais, prestação de serviços públicos etc.
57
Graduanda de Ciências Contábeis da UFPA

‘
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Desta forma, exige-se um tempo razoável para o desenrolar dos trâmites


processuais. No entanto, a agilidade das tratativas dos mesmos não depende
exclusivamente da SPU/PA, pois há uma relação de dependência com os
cartórios de imóveis e outros órgãos, variando conforme as necessidades de
cada processo. Assim, é imprescindível que se obtenha respostas satisfatórias
em um espaço de tempo relativamente curto. Por isso, neste trabalho são
evidenciadas as atividades da CODEP/APF bem como a influência dos
cartórios na morosidade dos processos e a sua importância nos trâmites
processuais no setor da SPU/PA em questão.
Para tanto, este artigo organiza-se em seis tópicos, com esta introdução
como primeiro tópico. O segundo refere-se à caracterização e localização da
CODEP e APF dentro da estrutura da SPU/PA. O terceiro e quarto tópico
responsabilizam-se, respectivamente, por identificar os tipos de processos
que são trabalhados na CODEP e por identificar os procedimentos adotados
no tramite processual de destinação patrimonial para então, com o quinto
tópico, demonstrar a importância dos cartórios para o prosseguimento dos
tramites processuais na CODEP. Por fim, no último tópico são construídas
breves conclusões e reflexões sobre as atividades da CODEP e a importância
da resposta dos cartórios para os processos que são constituídos na mesma.
Para elaboração deste trabalho foram realizadas revisões bibliográficas
e de instrumentos jurídicos que versassem sobre a administração pública,
assim como entrevistas junto aos servidores da CODEP.

2 LOCALIZAÇÃO DA CODEP/APF DENTRO DA SPU/PA


A União Federal possui diversidade de imóveis em toda a sua extensão
territorial nacional, muitos deles ainda não identificados. Para que se possa
administrar a sua quantidade de bens, cria-se a Secretaria do Patrimônio da
União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que é dividida
em superintendências estaduais e um Órgão central sediada em Brasília. No
caso do Pará, está representada pela SPU/PA, que tem o aval da União Federal

’“”
O IMPACTO DOS CARTÓRIOS NA MOROSIDADE DOS CARTÓRIOS DA DESTINAÇÃO DOS IMÓVEIS DA
UNIÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL
Rafaela Santos Carneiro

para a administração patrimonial de acordo com art. 1°, Lei n° 9.636/1998


(BRASIL, 1998):
[...] É do Poder Executivo autorizado, por intermédio da Secretaria
do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, a executar ações de identificação, demarcação, cadastramento,
registro e fiscalização dos bens imóveis da União, bem como a
regularização das ocupações nesses imóveis, inclusive de assentamentos
informais de baixa renda, podendo, para tanto, firmar convênios com
os Estados, Distrito Federal e Municípios em cujos territórios se
localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei,
celebrar contratos com a iniciativa privada.

Para facilitar os objetivos dispostos na Lei n° 9.636/1998 art. 1°, a


Superintendência do Patrimônio da União no Pará possui divisões internas,
em especial a subdivisão da CODEP, a APF, que de acordo com o Coordenador
da CODEP/SPU/PA, o servidor Orlando de Almeida, é responsável por
gerir a destinação e regularização dos imóveis da União de natureza dominial
ou dominical e de uso especial (Próprios Nacionais). Esta última é feita para
a Administração Pública direta e indireta em regime de entrega ou cessão de
uso especial, respectivamente, conforme disposto no art. 79 e § 3° do Decreto-
Lei no 9.760/46 (BRASIL, 1946):
Art. 79. A entrega de imóvel para uso da Administração Pública
Federal direta compete privativamente à Secretaria do Patrimônio da
União - SPU.

§ 3o Havendo necessidade de destinar imóvel ao uso de entidade da


Administração Pública Federal indireta, a aplicação se fará sob o
regime da cessão de uso.

A APF atualmente tem sua base de funcionamento regulamentada


na Minuta de Regimento Interno da Secretaria do Patrimônio da União,
datada de 01 de janeiro de 2013. Embora a sua função seja determinada, a
APF, por falta de mão-de-obra qualificada, desempenha atividades relativas
à tramitação de determinados gêneros de processos que não fazem parte de
suas atribuições, detalhados no tópico a seguir.

•–—
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

3 IDENTIFICAÇÃO DOS TIPOS DE PROCESSOS QUE SÃO


TRABALHADOS NA CODEP/APF

Conforme disposto no art. 99 do Código Civil (Lei n° 10.406 de 10 de


janeiro de 2002), os bens públicos se dividem em três espécies: de uso comum
do povo, são aqueles disponíveis à utilização da sociedade sem a necessidade
de autorização de terceiros; de uso especial, destinados às necessidades da
administração pública federal, estadual e municipal; os dominiais ou dominicais,
aqueles que fazem parte do patrimônio das pessoas jurídicas de direito público.
Para efeitos deste tópico, nos concentraremos nos bens imóveis da união de
uso especial e dominial, pois a CODEP/APF trabalha somente com esses
tipos de bens.
No horizonte de facilitar e dar mais produtividade aos processos e
protocolos abertos na SPU/PA, os mesmos são encaminhados à coordenação
específica de acordo com suas necessidades. Dentro da CODEP, é a APF
que é responsável por gerir e destinar imóveis denominados de bens de uso
especial e dominiais ou dominicais. Para a Secretaria do Patrimônio da União
(2006, p. 20), os bens de uso especial “são também submetidos ao regime de
direito público e são, portanto, inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e
insuscetíveis de serem onerados. Como regra geral, não podem ser destinados
para uso de interesse privado”. Embora os bens dominiais ou dominicais
“estejam submetidos ao regime do direito público, algumas normas típicas
do direito privado também podem ser aplicadas. Esse tipo de bem pode ser
alienado (vendido, doado) ao particular”.
Deste modo, a CODEP/APF possui funções determinadas, que são
ilustradas por meio do Fluxograma 1 e, aquelas mais comuns, detalhadas nos
parágrafos seguintes.

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O IMPACTO DOS CARTÓRIOS NA MOROSIDADE DOS CARTÓRIOS DA DESTINAÇÃO DOS IMÓVEIS DA
UNIÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL
Rafaela Santos Carneiro

Fluxograma 1: Destinação de um processo de acordo com a sua exigência e


natureza

žŸ ¡¢£ Elaboração própria (2013), por meio de conversas informais junto a


funcionários da CODEP, SPU/PA.

Nesse sentido, estes processos são gerados em virtude de alguma


alteração que se queira exercer sobre os bens imóveis da União, sendo que estes
bens serão adicionados não somente determinados por força da Lei, como por
exemplo, os terrenos de marinha e seus acrescidos (alínea a, art. 1°, Decreto-
Lei n°9.760/46), mas também podem ser adquiridos/incorporados através
de: extinção de órgãos ou entidades, desde que possuam dispositivos legais
para tal procedimento; compra; permuta; e doação. Esta última ferramenta
tanto pode ser realizada tanto à União quanto desta a terceiros, presando pela
transferência gratuita de um bem imóvel a outrem, podendo ser subdividida
em doação com encargos e doação sem encargos.
Conforme disposto no art. 31, Lei n° 9.636, o imóvel objeto da doação,
quando feita a terceiros, poderá ser repassado (BRASIL, 1998):
I - ao Estado, Distrito Federal e Municípios, fundações públicas e
autarquias públicas federais, estaduais municipais; II - empresas
públicas federais, estaduais e municipais; III – fundos públicos e fundos

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

privados dos quais a União seja cotista, nas transferências destinadas à


realização de programas de provisão habitacional ou de regularização
fundiária de interesse social; IV - sociedades de economia mista voltadas
à execução de programas de provisão habitacional ou de regularização
fundiária de interesse social; ou V - beneficiários, pessoas físicas ou
jurídicas, de programas de provisão habitacional ou de regularização
fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da
administração pública, para cuja execução seja efetivada a doação”.

Outro meio de aquisição de imóveis é através da compra. Este


procedimento ocorre quando, por falta de imóveis aptos para atender as
necessidades da administração publica federal, a União adquire um imóvel
para suprir esta carência (BRASIL, 2010).
A permuta refere-se ao ato de troca simultânea de imóveis, conforme
caput do art. 30 da Lei n° 9.636/98: “Poderá ser autorizada, na forma do art.
23, a permuta de imóveis de qualquer natureza, de propriedade da União, por
imóveis edificados ou não, ou por edificações a construir”.
Trata-se de desmembramento o caso da divisão de um imóvel em
duas ou mais partes, tornando-se distintos entre si, e como tal com matrículas
cartoriais diferentes (Art. 2°, SS 2, Lei n° 6.766/79).
A venda de um imóvel da União é realizada através de um leilão, tais
imóveis não servem o interesse público (BRASIL, 2010, p. 12).
A guarda provisória tem como objetivo a manutenção e a conservação
do imóvel pleiteado (BRASIL, 2001), tendo como beneficiários órgãos da
administração indireta, Estados, Municípios e Distrito Federal (BRASIL,
2010, p. 33).
Como citado anteriormente, no regime de entrega e cessão, os imóveis
da União são destinados à administração pública federal direta e indireta,
respectivamente.

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O IMPACTO DOS CARTÓRIOS NA MOROSIDADE DOS CARTÓRIOS DA DESTINAÇÃO DOS IMÓVEIS DA
UNIÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL
Rafaela Santos Carneiro

4 OS PROCEDIMENTOS ADOTADOS NO TRÂMITE PROCESSUAL


DE DESTINAÇÃO PATRIMONIAL DA APF

A SPU, como órgão governamental que atende o princípio constitucional


da eficiência “que deve ser rápido e oferecido de forma a satisfazer os interesses
dos administrados em particular e da coletividade em geral” (GASPARINI,
2010, p. 76), possui como missão institucional “conhecer, zelar e garantir
que cada imóvel da União cumpra sua função socioambiental em harmonia
com a função arrecadadora, em apoio aos programas estratégicos da Nação”
(BRASIL, 2006, p. 46).
Nesse sentido, os bens imóveis da União precisam cumprir uma função
socioambiental58, que aparece como uma limitação à outorga de uso do bem
imóvel público. Assim, quando uma entidade, seja pública ou particular, almeja
um imóvel de propriedade da União, fazem-se necessários procedimentos que
irão julgar se o imóvel deve ou não ser cedido ou concedido59ao solicitante.
Esses procedimentos deverão obedecer aos princípios da administração
pública e, no caso da SPU, deverão estar em conformidade com sua missão
institucional, especialmente no que diz respeito à função socioambiental da
propriedade estatal.

58
A função socioambiental da propriedade, princípio norteador da gestão do Patrimônio
da União, é recepcionado pela Constituição Federal de 1988 através da combinação dos
dispositivos jurídicos que protegem a propriedade e sua função social, com os dispositivos
jurídicos que protegem o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre os dispositivos
que garantem o direito a propriedade e o pleno exercício de sua função social estão: o art.
5°, incisos XXII e XXIII; art. 170, incisos II e III. Entre os dispositivos que garantem o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estão: art. 170, inciso VI e o art. 225
e todos os seus incisos e parágrafos. Finalmente, cabe ressaltar que o cumprimento da
função social da propriedade se consuma somente quando a mesma atende, dentre outros
requisitos, à preservação do meio ambiente, como está claramente previsto no art. 186,
incisos I e II, que assim se manifestam: “Art. 186. A função social é cumprida quando
a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência
estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II -
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;”.
59
A Cessão é realizada à Administração Pública Federal Direta e Indireta, aos Estados e
Municípios e às Entidades com perfil econômico de interesse social (MPOG, 2001);
Concessão é realizada para fins de moradia (MPOG, 2010).

¦§¨
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Ademais, é necessário que a entidade possua recursos financeiros que


permitam que a mesma realize reparações nas instalações do prédio, caso
necessário, ou até mesmo a sua construção.
Após a cessão do imóvel, é de responsabilidade da SPU realizar
fiscalizações periódicas, com o objetivo de averiguar o cumprimento das
finalidades o qual o imóvel foi destinado. Caso for constatado que o bem em
questão esteja sendo utilizado para outros fins além do que foi acordado, o
imóvel retorna a dominialidade da União sem qualquer reembolso sobre as
obras realizadas no imóvel.

5 A IMPORTÂNCIA DOS CARTÓRIOS PARA O PROSSEGUIMENTO


DOS TRÂMITES PROCESSUAIS NA SPU/PA
O relacionamento entre os cartórios de registro de imóveis com a SPU/
PA se fundamenta na necessidade de regulamentar os imóveis da União. Neste
sentido, o papel dos cartórios baseia-se na lavratura e registro de escrituras
públicas de imóveis, bem como a emissão de documentos solicitados pela
SPU/PA que se fazem necessários para os trâmites processuais. Desde 1998,
“com base na legislação federal sobre administração dos bens imóveis da
União, fica obrigatório o registro destes imóveis no Cartório de Registro de
Imóveis” (BRASIL, 2006, p. 38).
Embora o trabalho em conjunto desses dois entes possa ser
aparentemente simples, há um desacordo entre as bases cadastrais de ambas,
um dos motivos para que isso ocorra é pela insuficiência do “agir comunicativo”,
segundo o coordenador de Destinação Patrimonial da CODEP/SPU/PA, ao
se referir à discordância das bases cadastrais manifesta que “é pela deficiência
de comunicação dos cartórios à SPU/PA após o registro e transferência dos
imóveis da União realizados por eles”. Tal ato encontra-se em desacordo com
o art. 3°-A do Decreto-Lei n° 2.398/87, que diz: (BRASIL, 1979).

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O IMPACTO DOS CARTÓRIOS NA MOROSIDADE DOS CARTÓRIOS DA DESTINAÇÃO DOS IMÓVEIS DA
UNIÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL
Rafaela Santos Carneiro

Os cartórios deverão informar as operações imobiliárias anotadas,


averbadas, lavradas, matriculadas ou registradas nos Cartórios de
Notas ou de Registro de imóveis, Títulos e Documentos que envolvam
terrenos da União sob sua responsabilidade, mediante a apresentação
da Declaração sobre Operações Imobiliárias em Terreno da União
(DOITU) em meio magnético, nos termos estabelecidos pela Secretaria
do Patrimônio da União.

No entanto, ainda de acordo com o servidor Senhor Orlando de


Almeida, a Declaração sobre Operações Imobiliárias em Terreno da União
(DOITU), tratada no artigo anterior, não foi regulamentada pelo órgão
central – Secretaria do Patrimônio da União, o que dificulta a transação de
informações imobiliárias entre os cartórios e a SPU. Além disso, o controle
de registro pelos cartórios é realizado de forma nominal, o que dificulta a
obtenção de informações quando apenas se tem o logradouro do imóvel. Em
outras palavras, existe um índice de busca pelo nome da pessoa, mas não
por logradouro, sendo impossível identificar a propriedade de um logradouro
somente com seu endereço.
Com base no levantamento de documentos pertencentes à CODEP/
APF, constataram-se minutas de ofícios tendo como destinatários cartórios
de registro de imóveis. Tais documentos se referem a ofícios anteriores que
não foram respondidos ou foram considerados como respostas insatisfatórias.
Algumas dessas minutas possuem um ou dois anos de diferença daquela que
é reinterada. Deste modo, é evidente um atraso considerável na resolução
dos processos que estão sob a guarda da SPU/PA. Desta forma, o impasse no
cadastro de registro e transferência dos imóveis da União entre a SPU/PA
e os cartórios de registros de imóveis, bem como a corrente demora desses
em responder a aquele, culminam na morosidade do desfecho processual e no
acúmulo de processos que não possuem solução no arquivo da SPU/PA.

¬­®
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

6 CONCLUSÃO
Esse estudo teve como objetivo evidenciar a influência dos cartórios
de registro de imóveis no trabalho realizado pela SPU/PA, em particular
no setor de destinação de bens e imóveis da União à administração pública,
que, no caso da SPU/PA, é desenvolvida pela CODEP/APF. Assim, neste
trabalho expõe-se a função desta (CODEP/APF) em gerenciar a destinação
e a regularização dos imóveis da União de duas das três espécies de bens
públicos: de natureza dominial ou dominical e de uso especial, conforme
citado nos tópicos “2. Localização da CODEP/APF dentro da SPU/PA” e
“3. Identificação dos tipos de processos que são trabalhados na CODEP/
APF”. Ainda no tópico 3, foi exposto que os bens de natureza dominial ou
dominical podem ser alienados por particular através de doação ou venda,
diferentemente dos bens de uso especial.
No tópico “4. Os procedimentos adotados no tramite processual de
destinação patrimonial da APF”, aponta-se a função dos imóveis da União -
a de um papel socioambiental sem desprezar a função arrecadadora – neste
mesmo tópico, foi citado o princípio da eficiência, que basicamente diz que a
máquina pública deve satisfazer as necessidades comuns dos cidadãos com
eficiência e em um espaço de tempo relativamente curto, o que não condiz
com a realidade de determinados processos sob a responsabilidade da
CODEP/APF, conforme exposto no tópico “5. A importância dos cartórios
para o prosseguimento dos trâmites processuais na SPU/PA”. Ainda neste
tópico, é evidenciado o papel indispensável dos cartórios, outrora citado, nos
procedimentos da regulamentação dos imóveis da União, bem como a falha
na interação entre os cartórios e a SPU/PA.
Desta forma, a função dada aos imóveis da União e, sobretudo a
necessidade dos cidadãos paraenses, são prejudicadas pela morosidade
dos processos. Este quadro se contrapõe ao princípio da eficiência, acima
mencionado. Assim, se faz necessário uma interação harmônica entre as
entidades envolvidas em tais procedimentos em prol da agilidade nos trâmites
dos processos e, consequentemente, em favor do bem comum.

¯°°
O IMPACTO DOS CARTÓRIOS NA MOROSIDADE DOS CARTÓRIOS DA DESTINAÇÃO DOS IMÓVEIS DA
UNIÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL
Rafaela Santos Carneiro

REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria do Patrimônio da União. Orientações para a destinação
do patrimônio da União. Brasília, DF, 2010.
. . Manual de regularização fundiária em terras da União,
Brasília, DF, 2006.

. Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Poder Executivo Brasília,


DF, 11 jan. 2002.
. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Orientação
normativa n° 004 de 29 de novembro de 2001. Norma para Gerenciamento
de Entrega e Cessão de Uso. Brasília, DF, 2001.
. Lei n° 9.636, de 15 de maio de 1998. Poder Executivo Brasília,
DF, 18 maio, 1998.
. Lei n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Poder Executivo
Brasília, DF, 20 dez. 1979.
. Decreto-Lei n° 2.398, de 21 de dezembro de 1987. Poder
Executivo Brasília, DF, 22 dez. 1987.
. Decreto-Lei n° 9.760, de 05 de setembro de 1946. Brasília, DF,
1946.
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 15. ed. Atualizado por
Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 76.

±²³
PROJETO NOSSA VÁRZEA: PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO NATURAL E SALVAGUARDA DAS
COMUNIDADES TRADICIONAIS

Antonio Carlos Santos do Nascimento60

INTRODUÇÃO
Desde tempos imemoriais, o homem tem ordenado a paisagem do
meio em que habita, possivelmente devido ao fato da espécie humana não
ter um nicho restrito na face da Terra, logo, cosmopolita, foi determinante a
necessidade de modificar o meio ambiente segundo as suas necessidades de
sobrevivência. A concepção da natureza e o desenho da paisagem [oriundo
dessas modificações] desenvolvem-se acompanhando a evolução histórica da
humanidade (PICCHIA, 2009).
Considerando o meio ambiente como um “conjunto de condições e
influências naturais que cercam um ser vivo ou uma comunidade, e que agem
sobre eles” (FERREIRA, 2000), e, lembrando que a paisagem é o espaço que
se abrange com um lance de vista, acaba a paisagem materializando o meio
ambiente, seja este natural, seja este modificado pela intervenção antrópica.
Esta relação do homem com o meio ambiente, que resulta na
modificação da paisagem, pode ser vista como a relação do sujeito com o
prático-inerte. O prático-inerte é uma expressão introduzida por Sartre,
para significar as cristalizações da experiência passada, do indivíduo e da
60
Bacharel em Engenheira Civil com ênfase em Hidrovias pela Faculdade Ideal. Especialista
em Ordenamento Territorial pelo Núcleo do Meio Ambiente (NAEA/UFPA). Mestrando
em Engenharia Civil pelo PPGEP/ITEP/UFPA

´µ¶
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

sociedade, corporificadas em formas sociais e, também, em configurações


espaciais e paisagens. Indo além do ensinamento de Sartre, podemos dizer
que o espaço, pelas suas formas geográficas materiais, é a expressão mais
acabada do prático-inerte (SANTOS, 1997).
Ao viver em um espaço explorando seus recursos disponíveis para
conseguir as mínimas condições para sua existência, o homem registra no
meio ambiente a sua ocupação, caracterizando e diferenciando os espaços,
ficando esta interação registrada na paisagem, o que identifica socialmente
o espaço, reconhecendo-se nele um espaço vivido, o que permite a definição
como “espaço de identidade ideológico-cultural”, articulado em função de
interesses específicos, geralmente econômicos, de classes que nele reconhecem
sua base territorial de reprodução.
De acordo com Raffestin (1993), o espaço é a base para a formulação do
território, ou seja, o espaço existe antes do território, ele é a matéria-prima
para a construção deste último. Na realidade, segundo esse autor, em um
espaço, propriamente dito, ainda não se deram relações de poder, relações
em que um ator manifeste a intenção de apoderar-se desse espaço. Em
contrapartida, um território enquanto tal, não exprime mais simplesmente
um espaço, mas um espaço construído pelo ator, apropriado e organizado de
acordo com seus objetivos e interesses. O território é, portanto, produzido
a partir do espaço, por uma série de relações que o indivíduo ou grupos de
indivíduos – os chamados atores – mantêm entre si e com a natureza.
Souza (2001) reconhece o território como espaço de relações de poder,
mas também é palco das ligações afetivas e de identidade entre um grupo social
e seu espaço. Carlos (1996, p.20) ressalta que “o lugar é à base da reprodução
da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar”.
Essa intrínseca relação que o homem desenvolve com a paisagem,
o espaço, o lugar, que ele intervém, ocupa, e é base para sua existência e
reprodução: seu território, deve-se ao fato de que

·¸¹
PROJETO NOSSA VÁRZEA: PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL
E SALVAGUARDA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
Antonio Carlos Santos do Nascimento

nos recônditos da memória residem aspectos que a população de uma


dada localidade reconhece como elementos próprios da sua história, da
tipologia do espaço onde vive, das paisagens naturais ou construídas
(LE GOFF, 1997, p.138-9), isto é, a paisagem tem sua função identitária,
por ser detentora da significação da memória do homem, da sociedade,
em, relação ao espaço, do território que ocupa.

Assim as modificações na paisagem acarretam, além dos óbvios impactos


ambientais, profundos impactos sociais, difíceis de serem mensurados,
à sociedade geral, e principalmente às populações ditas tradicionais. De
modo geral, seu estilo de vida tem uma estreita dependência dos recursos
biológicos, tornando-as mais sensíveis às modificações oriundas de impactos
ambientais, afinal, a reprodução de sua existência está intimamente ligada
com o meio ambiente, o lugar de onde extrai os subsídios para a manutenção
de sua existência, o espaço como seu território materializa sua identidade, e a
depauperação dos recursos naturais traria em seu bojo a sentença de pobreza
capital, condenado ao desaparecimento das práticas culturais históricas
dessas comunidades.
A relação das comunidades tradicionais com a natureza, via de regra,
se dá de forma sustentável, retirando os recursos necessários à reprodução
de sua existência. Todavia, com a expropriação de seus territórios por forças
econômicos, impactos pela exploração dos recursos pelos novos agentes
interventores são rapidamente percebidos no meio ambiente, devido à relação
sinergética destes não comprometida com a preservação do patrimônio
ambiental que exploram.
O Projeto “Nossa Várzea” surge como uma ferramenta de enfrentamento
a essa problemática. Coordenado pela Superintendência de Patrimônio da
União (SPU), e operacionalizado pelas Gerências Regionais do Patrimônio da
União, objetiva a regularização fundiária em favor das populações tradicionais
que ocupam as várzeas de rios federais, o que constitui a salvaguarda dessas
comunidades tradicionais e, por conseguinte, a preservação do patrimônio
ambiental.

º»¼
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

Este trabalho versa sobre estes aspectos: paisagem e suas relações com
o tempo, o espaço e o ser humano. Refere-se também, à cultura, à memória, ao
meio físico e à proteção do patrimônio natural, mas também cultural, de lugares
que foram ocupados, transformados no decorrer do tempo, e hoje, merece ser
preservado, e como o Projeto Nossa Várzea pode ser uma promissora chance
de alcançar este paradigma.

2 O PATRIMÔNIO

O patrimônio pode ser considerado, segundo Cittadin (2010), como o


resultado de uma dialética entre o ser humano e seu meio, entre a comunidade
e seu território. Logo, o patrimônio não é apenas constituído pelos objetos do
passado que são reconhecidos oficialmente. Desta forma, o conceito integrado
de patrimônio engloba tanto o território quanto seus habitantes, com objetivo
final sendo uma qualidade de vida, resultante de uma economia sustentável
e de um crescimento social, alcançado através de uma metodologia que
represente uma administração integrada dos recursos de herança baseados
nas estratégias territoriais.
Estes recursos de herança, segundo De Campos (2007), quando
relacionados a bens culturais, são patrimônio, pois fazem parte da memória de
um povo, podem auxiliar na tarefa do relembrar. Através dele estabelecessem-
se vínculos com o passado, tornando os indivíduos mais seguros da sua
própria existência.
De tal forma, o patrimônio pode ser vislumbrado como um bem coletivo.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 estabeleceu, no artigo 216,
que o patrimônio cultural é proprietário como sujeito de interesses de toda
a sociedade mesmo que estas informações estejam alheias à maioria das
populações, sua relevância está na possibilidade de categoria que abrange
bens de naturezas diversas, que podem se classificar como bens materiais ou
imateriais, móveis ou imóveis, públicos ou privados (BRASIL, 1988).

½¾½
PROJETO NOSSA VÁRZEA: PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL
E SALVAGUARDA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
Antonio Carlos Santos do Nascimento

Segundo definição do dicionário de língua portuguesa Aurélio,


patrimônio é a herança paterna, bens de família, riqueza, patrimônio natural,
moral, cultural, intelectual etc. (FERREIRA, 2000). Ampliando um pouco
mais essa visão, vê-se que é patrimônio cultural e ambiental, o conjunto
dos elementos históricos, arquitetônicos, ambientais, paleontológicos,
arqueológicos, ecológicos e científicos, para os quais se reconhecem valores
que identificam e perpetuam a memória e os referenciais do modo de vida e
identidade social.
Segundo a Legislação Federal do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, em seu art. 1º, constitui o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação
seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da
história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1937), e se divide em:
Bens Imóveis: o acervo arquitetônico, urbanístico e natural protegido,
e outros bens de natureza irremovível; Bens Móveis: os que, criados
para todo tipo de mister, podiam ser transferidos de um a outro local
sem problemas maiores; Bens Integrados: bens que por sua natureza
não se enquadram na categoria de bem móvel nem na de bem imóvel,
participando, todavia de ambas; reúnem todos aqueles que de tal modo
se acham vinculados à superfície construída – interna ou externa – e
que dela não podem ser destacados (SPHAN, 1937, p. 4).

O bem seja um edifício, elemento paisagístico ou urbanístico, é


concebido como marco, como elemento necessariamente diferenciado de seu
contexto, projetado (preservado ou revitalizado) com a necessária função de
distinguir-se. Ante o exposto, persiste um conflito paradoxal entre seu caráter
de imposição e atribuição de valores e de sua significação, entendimento,
aceitação e absorção por diferentes agentes sociais.
Canclini (1994) aponta como possível solução uma maior permeabilidade
social na produção e fruição de tal patrimônio, capaz de absorver e determinar
novos significados e usos ao conjunto de bens patrimoniais estáveis e,
supostamente, neutros. Para tanto caberia estabelecer os mecanismos e
procedimentos políticos necessários para uma apropriação democrática

¿ÀÁ
Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

de tal capital cultural, bem como propor novos instrumentos conceituais e


metodológicos para analisar as interações atuais entre a cultura popular e a
cultura de massa, o tradicional e o moderno, o público e o privado. Deve-se
lembrar, uma vez mais, que uma das principais funções de tal patrimônio é a
de servir como referência na manutenção, na construção ou na reconstrução
de identidades, sejam elas pessoais ou coletivas, utilizando o passado como
base para um possível projeto de futuro.
Esta questão torna-se mais aguda à medida que o próprio momento
histórico atual parece contribuir para que a velha noção de monumento
permaneça, na prática, como principal sinônimo de patrimônio. Onde a
decadência e degradação do espaço público, a fragmentação das identidades
e das grandes narrativas históricas, a determinação dos privilégios de
alguns sobre os direitos de muitos (fruto de uma inversão de valores que
ideologicamente trata de estabelecer “direito” e “privilégio” enquanto
sinônimos), a concentração brutal do capital e do poder por determinados
agentes sociais... é a regra, não a exceção. Todos estes fatores resultam em
um eclipse parcial dos princípios básicos da cidadania, tendo por instrumento
preferencial o discurso totalitário do mercado com a imposição do valor
financeiro como único critério. O que por vezes, acaba obscurecendo o valor
do bem enquanto patrimônio, e tornando-o mero venal.

3 PATRIMÔNIO E PRESERVAÇÃO

Uma das ferramentas para proteção legal do patrimônio cultural no


Brasil é o tombamento. Tombar significa amparar, preservar através de leis
que impedem a destruição, desintegração e/ou descaracterização do bem
preservado. Por muitas vezes os conceitos de preservação e tombamento são
usados como sinônimos, mas se deve distingui-los, já que no mundo jurídico
os seus efeitos se diferem. Sobre tombamento José Celso de Mello Filho
afirma que:

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PROJETO NOSSA VÁRZEA: PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL
E SALVAGUARDA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
Antonio Carlos Santos do Nascimento

É o meio posto à disposição do Poder Público para a efetiva tutela


do patrimônio cultural e natural do País. É por meio do tombamento
que o Poder Público cumpre a obrigação constitucional de proteger
os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico,
os monumentos e paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas
arqueológicas (MELLO FILHO, 1986, p. 538).

Já preservação é um conceito mais genérico que visa proteger de algum


dano futuro, defender, resguardar, conservar. No caso do patrimônio cultural
compreendemos como toda e qualquer ação do Estado com o objetivo de
manter a memória de fatos ou valores culturais de uma nação. A preservação
engloba várias ações como: inventariação, conservação, consolidação,
restauração, tombamento e outras formas de acautelamento.
Segundo o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS)
(CURY, 2004), a conservação é a ação de resguardar do dano, da decadência
e da deterioração, amparando, defendendo e salvaguardando. E Curtis (1982)
apud Cittadin (2010) define que é a atitude permanente de manutenção e
vigilância, sempre mais vantajosa do que as intervenções corretivas. Ainda a
Carta de Burra (CURY, 2004) define os cuidados a serem dispensados a um
bem para preservar suas características que apresentem significação cultural
e implicará ou não a preservação ou na restauração.
Para efeito deste trabalho optou-se por estes conceitos de preservação e
conservação, uma vez que os mesmos referem-se à preservação do patrimônio
cultural e natural de um determinado território. Todavia estes mecanismos
de acautelamento têm demonstrado resultados nem sempre satisfatórios. Seja
por ser um ato que apesar de representar os anseios de uma comunidade, para
preservar um bem que a pertence, mas que por vir “de cima”, acaba não sendo
absorvido, não garantindo deste modo apenas a preservação, como também
sua utilização de forma sustentável.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

3 PAISAGEM NATURAL ENQUANTO PATRIMÔNIO


Os critérios que permitem a classificação de um sítio como patrimônio
natural da humanidade são de acordo com a UNESCO (1972):
i) representar fenômenos naturais ou áreas de beleza natural e
importância estética excepcionais;
ii) constituir exemplo eminentemente representativo de grandes
estágios de evolução da história da terra, compreendendo testemunho
de vida, processos geológicos no desenvolvimento de formas terrestres
ou elementos geomorfológicos ou fisiográficos de grande significado;
iii) constituir exemplo representativo de processos ecológicos e
biológicos na evolução dos ecossistemas e comunidades de plantas e de
animais terrestres, aquáticos, costeiros e marinhos;
iv) conter habitats naturais os mais representativos e mais importantes
para a conservação in situ da diversidade biológica, compreendendo
aqueles onde sobrevivem as espécies ameaçadas, tendo valor universal
excepcional, do ponto de vista da ciência ou da conservação.

Enquanto as paisagens naturais, de modo geral, com frequência


ascendente estão passíveis de serem consideradas sob a ótica da abordagem
do patrimônio natural, um enfoque mais específico, de acordo com Rio (2011),
para as áreas úmidas e os cursos d’água, apenas recentemente começaram a
despertar interesse para a aplicação dessa abordagem. O crescente interesse
direcionado para áreas úmidas é, em grande medida, tributário da evolução na
compreensão da importância desses ecossistemas para assegurar a oferta de
água e as condições de reprodução da vida adaptada às flutuações do regime
fluvial e flúvio-marinho (RIO, 2011).
Existem diversas definições e critérios aplicados às áreas úmidas.
Dentre elas, aquela estabelecida no quadro da Convenção Ramsar (1971)
apud Rio (2010) considera como tais as
extensões de mangues, brejos, turfeiras, de águas naturais ou artificiais,
permanentes ou temporárias, onde a água está estagnada ou corrente,
doce, salobra ou salgada, inclusive nas extensões de águas marinhas
nos locais onde a profundidade na maré baixa não exceda seis metros.

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PROJETO NOSSA VÁRZEA: PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL
E SALVAGUARDA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
Antonio Carlos Santos do Nascimento

A amplitude desta definição permite englobar áreas localizadas na faixa


de transição terra-água. Representando, portanto, os ecossistemas bastante
variados que se formam nas bordas de rios, lagos, açudes, estuários, várzeas e
que implicam em alterações e oscilações no tempo e no espaço de sua própria
extensão. Assim segundo a autora:
Em qualquer uma dessas situações, a água constitui o elemento que
estabelece a particularidade do meio. Nas regiões onde há domínio
desse tipo de ambiente, os pulsos de inundação e/ou movimentos
de maré condicionam o ritmo da reprodução das espécies animais e
vegetais, como também atividades econômicas extensivas que, de um
modo geral, são condicionadas às flutuações diárias e/ou sazonais dos
fluxos de água (RIOS, 2011, p. 99).

As várzeas na Amazônia ilustram a interação desses sistemas terra-


água (Figura 1). Pode-se observar atrás do anhingal (vegetação ciliar
arbustiva ripária) bem preservado, ao fundo, o açaizal.
Figura 1: Região de várzea, às margens do rio Gurupá, localidade de Baixo
Gurupá, no Povoado de Gurupá (Cachoeira do Arari, Marajó-PA)

ÍÎÏÐÑÒ Autoria própria (2012)

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4 PAISAGEM CULTURAL
A primeira ciência humana a se interessar pelo estudo da paisagem foi
a Geografia, e dela surgiram duas correntes teóricas: a Geografia Cultural
Tradicional que analisa a paisagem através de sua morfologia e a Nova
Geografia Cultural que interpreta a paisagem com base em sua simbologia.
Apesar de serem correntes opostas, ambas defendem que a paisagem é fruto
da interação do homem com a natureza.
A ideia de Paisagem Cultural, buscando uma visão integrada entre o
ser humano e a natureza iniciou segundo Ribeiro (2007) na década de 1980,
sendo que em 1992 especialistas se reuniram na França, a convite do ICOMOS
e do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas Para
Educação Ciência e Cultura (UNESCO), para pensar a forma como a ideia
de paisagem cultural poderia ser incluída na lista do Patrimônio Mundial,
visando a valorização da relação entre o ser humano e o meio ambiente, entre
o cultural e o natural. Com isso, de acordo com Ribeiro (2007), a UNESCO
passou a adotar três categorias diferentes de paisagem para serem inscritas
como patrimônio:
a) Paisagem claramente definida: são classificados os parques e jardins.
Pois são as paisagens desenhadas e criadas intencionalmente.
b) Paisagem evoluída organicamente: paisagens que resultam de
um imperativo inicial social, econômico, administrativo e/ou religioso e
desenvolveu sua forma atual através da associação com o seu meio natural
e em resposta ao mesmo. Está subdividida em duas categorias, paisagem
contínua e paisagem relíquia ou fóssil.
b.1) Paisagem contínua segue seu papel social ativo na sociedade
contemporânea, conjuntamente com modo de vida tradicional. Continua
evoluindo, ao mesmo tempo em que exibe a significativa evidencia material
de sua evolução histórica.
b.2) Paisagem fóssil ou estática na qual o processo evolutivo chegou ao
fim. Porém, suas características são visivelmente definidas em suas formas
materiais.

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Antonio Carlos Santos do Nascimento

c) Paisagem cultural associativa: tem seu valor dado em função das


associações que são feitas acerca delas, mesmo que não haja manifestações
materiais da vida humana.
Fowler (2003) explica que o conceito de paisagem cultural pode ser
via para o reconhecimento de estruturas ligadas a sociedades tradicionais,
historicamente marginalizadas na atribuição de valor como patrimônio
mundial.
No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), através da Portaria no 127, de 30 de abril de 2009, estabelece a
chancela da Paisagem Cultural Brasileira como uma porção peculiar do
território nacional, representativa do processo de interação do ser humano
com o meio natural, em que a vida e a ciência humana imprimiram marcas
ou atribuíram valores (BRASIL, 2009). O intuito desta chancela é atender
o interesse público e contribuir para a preservação do patrimônio cultural,
interagindo com os instrumentos de proteção já existentes.
Para Delphim (2004) apud Cittadin (2010), o valor de uma paisagem
cultural resulta da sua função e de sua capacidade para reter marcas e registros
antrópicos, o que compreende suas atividades passadas. O ser humano é
um elemento significativo da paisagem, muitas vezes o principal. Desde a
perspectiva cultural, a leitura e a compreensão da paisagem não se limitam ao
espaço, também é temporal:
Os limites entre a paisagem natural e a paisagem resultante da ação
humana tornam-se cada dia menos evidentes. Paisagens tidas como
produto da natureza, após acurados estudos, revelam-se consequências
de razões antrópicas (DELPHIM, 2004, apud CITTADIN, 2010, p.
56).

Diante das diversas definições de paisagem, para efeito deste trabalho,


considera-se paisagem como o território definido por suas características
naturais e intervenções antrópicas, onde o ser humano habita e se relaciona
com o meio ambiente, e que, além de valores ecológicos e descrições
geográficas, tem significados sociais e culturais, e pode ser vista sob os seus
aspectos estéticos ou cênicos, mas acima de tudo memoráveis.
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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

5 O PROJETO NOSSA VÁRZEA


O Projeto Nossa Várzea consiste na regularização fundiária em áreas de
várzeas desenvolvida pela Superintendência de Patrimônio da União (SPU),
por meio da Gerência Regional do Patrimônio da União do Estado do Pará
(GRPU/PA). Seu principal objetivo é promover a regularização fundiária
de ocupações em terras públicas utilizando o Termo de Autorização de Uso
Sustentável (TAUS), instrumento jurídico do Direito Administrativo que
autoriza a utilização sustentável da várzea pelo posseiro, através da Portaria
no 89, de 15 de abril de 2010, que disciplina a utilização e o aproveitamento
dos imóveis da União em favor das comunidades tradicionais. Ao entregar o
TAUS às famílias de comunidades ribeirinhas, a União reconhece o direito à
ocupação e possibilita a exploração sustentável das áreas de várzeas.
Além disso, o instrumento representa para a família beneficiada um
comprovante oficial de residência garantindo o acesso a uma gama de direitos
até então inacessíveis para essas comunidades, como por exemplo, acesso a
aposentadoria, a recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF) e a outros programas sociais do Governo
Federal. Apenas pelo fato de o TAUS poder ser utilizado como comprovante
de residência, documento fundamental para oportuniza estes direitos.
O trâmite para expedição de um TAUS pelo Projeto Nossa Várzea
dá-se em tempo mais curto, pois o procedimento convencional costuma levar
anos, emperrado na morosidade burocrática característica da gestão pública.
Este é um dos diferenciais do projeto, por meio de uma gestão descentralizada,
e formando parcerias (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), Secretaria Estadual do Meio
Ambiente (SEMA), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
(EMATER), prefeituras municipais e Associação Comunitária dos Ribeirinhos
Agroextrativistas), consegue com agilidade responder uma demanda que
assola as comunidades que é a insegurança da posse das áreas ocupadas. Este
fato contribui para o êxodo rural, a grilagem e o desflorestamento.

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E SALVAGUARDA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
Antonio Carlos Santos do Nascimento

O TAUS poderá ser outorgado a comunidades tradicionais que ocupem


ou utilizem as seguintes áreas da União de acordo com o art. 2o da Portaria
89/2010:
I - áreas de várzeas e mangues enquanto leito de corpos de água
federais;
II - mar territorial,
III - áreas de praia marítima ou fluvial federais;
IV - ilhas situadas em faixa de fronteira;
V - acrescidos de marinha e marginais de rio federais;
VI - terrenos de marinha e marginais presumidos (BRASIL, 2010).

O procedimento para outorga do TAUS consiste, de forma simplificada,


da existência da demanda, caracterização da área – para verificar se trata de
imóvel da União, organização de equipe interinstitucional, registro nas bases
de dados do órgão central (Sistema Integrado de Administração Patrimonial
(SIAPA) e Controle de Processo e Documentos CPROD), instrução jurídica,
e por fim, a entrega do termo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A memória, do ponto de vista de Le Goff (1997, p. 138-9), estabelece um
“vínculo” entre as gerações humanas e o “tempo histórico que as acompanha”.
Tal vínculo, além de constituir um “elo afetivo” que possibilita aos cidadãos
perceberem-se como “sujeitos da história”, plenos de direitos e deveres, os
tornam cônscios dos embates sociais que envolvem a própria paisagem, os
lugares onde vivem, os espaços de produção e cultura.
Como argumenta Le Goff (1997, p. 138) a “identidade cultural de
um país, estado, cidade ou comunidade se faz com a memória individual e
coletiva”. A partir do momento em que a sociedade se dispõe a “preservar
e divulgar os seus bens culturais” dá-se início ao processo denominado pelo
autor como a “construção do ethos cultural e de sua cidadania”.

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Regularização Fundiária em Áreas da União na Amazônia Paraense
Durbens Martins Nascimento

A percepção da herança imaterial do Patrimônio como o conjunto


de bens materiais e/ou imateriais que contam a história de um povo e sua
relação com o meio ambiente, o legado que herdamos do passado e que
transmitimos às gerações futuras, é primaz, pois a sociedade que não valoriza
o patrimônio cultural e natural em toda a sua diversidade corre o risco de
perder a identidade e enfraquecer seus valores mais singulares, inviabilizando
o exercício da sua cidadania.
Para a integração da população com suas próprias condições de
existência no meio ambiente, ou seja, equilibrada relação com a paisagem com
a qual convive, relaciona-se e modifica, torna-se fundamental a percepção dela
como patrimônio, vista como o conjunto de bens materiais e/ou imateriais
que contam a história de um povo e sua relação com o meio ambiente, e o
seu caráter de herança, transmitindo as próximas gerações, consolidando o
sentimento de pertencimento, ligando a população ao seu meio (paisagem)
modificado, ao seu território de existência, como também ao seu meio
ambiente “natural”, do qual ela extrai direta ou indiretamente os subsídios
para sua manutenção.
Reconhece-se que a sociedade é dinâmica, e seus padrões culturais são
mutáveis no decorrer do tempo, entretanto, a configuração deste processo
se dará de diferentes formas e com distintos resultados, dependendo se as
fontes de alteração são de origem endógena ou exógena, haja vista que uma
das formas de subjugar uma comunidade é minando as suas reminiscências,
desconstruindo os valores coletivos, o que degenera os elementos de
representação de sua legitimidade, enfraquecendo deste modo seu sentimento
de pertencimento, o que os torna passíveis de dominação.
No que tange ao patrimônio, seja genético, cultural, ecológico, natural,
industrial, gastronômico e tantas outras qualificações, consiste, nos termos de
Chastel (1986), em uma evolução de concepção, que se traduz pela perturbação
da consciência coletiva diante de ameaças mais ou menos precisas ou mais ou
menos obscuras para a integridade de objetos, recursos, paisagens ou técnicas
específicas, e o TAUS nesse sentido se manifesta como um mecanismo de
defesa do patrimônio.

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PROJETO NOSSA VÁRZEA: PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL
E SALVAGUARDA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
Antonio Carlos Santos do Nascimento

REFERÊNCIAS
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abril de 2010. Brasília, DF, 2010.
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paisagem cultural brasileira. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2009.
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