Eb Trafico Influencia MP
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Ficha Técnica
Nome:
Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Coleção:
Formação Ministério Público
Conceção e organização:
Ângela Maria Batista Monteiro da Mata Pinto Bronze – Procuradora da República, Coordenadora
Regional de Coimbra
Jorge Manuel Vaz Monteiro Dias Duarte – Procurador da República, Coordenador Regional do
Porto
José Paulo Ribeiro Albuquerque – Procurador da República, Coordenador Regional de Lisboa
Olga Maria de Sousa Caleira Coelho – Procuradora da República, Coordenadora Regional de
Évora
Valter Santos Batista – Procurador da República *
Intervenientes:
Norte: Carla Patrícia Marques da Silva (Porto)**
Centro: Vera Mónica da Fonseca Pinto (Viseu)**
Lisboa: Mariana Henriques Martelo (Loures)**
Sul: João Firmino Silveira Araújo Rodrigues (Setúbal)**
Revisão final:
Edgar Taborda Lopes – Juiz Desembargador, Coordenador do Departamento da Formação do
CEJ
Ana Caçapo – Departamento da Formação do CEJ
Lucília do Carmo – Departamento da Formação do CEJ
* Coordenador Regional Adicional da Formação nos Tribunais da zona de Lisboa à data da apresentação dos
trabalhos
** Auditores/as de Justiça do 34.º Curso de Formação de Magistrados – MP à data da apresentação dos
trabalhos
Notas:
Foi respeitada a opção dos autores na utilização ou não do novo Acordo Ortográfico.
Os conteúdos e textos constantes desta obra, bem como as opiniões pessoais aqui expressas, são
da exclusiva responsabilidade dos/as seus/suas Autores/as não vinculando nem necessariamente
correspondendo à posição do Centro de Estudos Judiciários relativamente às temáticas
abordadas.
A reprodução total ou parcial dos seus conteúdos e textos está autorizada sempre que seja
devidamente citada a respetiva origem.
AUTOR(ES) – Título [Em linha]. a ed. Edição. Local de edição: Editor, ano de
edição.
[Consult. Data de consulta]. Disponível na internet: <URL:>. ISBN.
Exemplo:
Direito Bancário [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[Consult. 12 mar. 2015].
Disponível na
internet: <URL: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf.
ISBN 978-972-9122-98-9.
Índice
I. Introdução
II. Objetivos
III. Resumo
1. Enquadramento jurídico
1.1. Evolução Histórica do Tipo Legal
1.2. O bem jurídico
1.3. Lobbying e Tráfico de Influência
1.4. O Tipo Objetivo
1.5. O Tipo Subjetivo
1.6. A Tentativa
1.7. Caso especial de tráfico de influência
2. A prática e gestão do inquérito
2.1. Introdução
2.2. Notícia do crime
2.3. Competência para a realização do inquérito
2.4. Coordenação com Órgãos de Polícia Criminal
2.5. O crime de tráfico de influência como forma de criminalidade organizada
2.6. Proteção das testemunhas
2.7. Segredo de Justiça
2.8. Constituição de assistente
2.9. Regras especiais de obtenção de prova
2.10. Perda de bens e vantagens a favor do Estado
IV. Referências bibliográficas
I. Introdução
O presente texto insere-se no âmbito do 2.º Ciclo da Formação Inicial, do 34.º Curso do Centro
de Estudos Judiciários – Magistratura do Ministério Público. Abordará o crime de tráfico de
influência, sob o ponto de vista substantivo e adjetivo, com enfoque na dinâmica da gestão
processual na fase de inquérito.
Esta temática prende-se com a relação entre a Administração e os Administrados que se deve
pautar pelos princípios de objetividade, imparcialidade e transparência. No respeito destes
primados, no processo decisório impõe-se a ausência de ingerências e pressões de interesses
meramente individualistas, que contrariam o princípio de igualdade e a prossecução do
interesse público pelo Estado-Administração.
Pese embora, o crime de tráfico de influência não estar inserido no Código Penal na secção dos
crimes de corrupção, este é perspetivado e estudado na lógica da praxis corruptiva.
*
Agradecimentos: pela disponibilidade, profissionalismo e simpatia, um especial agradecimento à
equipa do Centro de Documentação do Centro de Estudos Judiciários.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A mesma conclusão se pode retirar quanto às condenações dos arguidos acusados pelo crime
em questão. Neste conspecto, relembra-se o impacto mediático da condenação em pena de
prisão do ex-ministro Armando Vara, em 2019.
Os órgãos de comunicação social noticiaram que Armando Vara foi o primeiro condenado pela
prática do crime de tráfico de influência a entrar numa prisão para cumprimento de pena
efetiva, no âmbito do processo Face Oculta.
Note-se que, no mesmo processo crime, foi também condenado em pena de prisão efetiva
Paulo Penedos, advogado e filho do ex-secretário de Estado José Penedos, por ter usado o
nome do pai para conseguir contratos públicos para Manuel Godinho, um empresário de
sucatas – o principal interveniente no caso.
Ainda no mesmo processo foram condenados por tráfico de influência (em pena de prisão
suspensa na sua execução): Lopes Barreira, ligado à extinta fundação para a Prevenção e
Segurança Rodoviária, criada por Armando Vara; e António Paulo Costa, quadro da GALP.
Na opinião pública (e não apenas na «opinião publicada») este facto traduziu-se no avivar da
confiança no sistema de justiça que pune dirigentes ou antigos dirigentes políticos,
percecionadas pela sociedade civil como os «intocáveis» do sistema.
Vista a «corrupção» num prisma internacional, em 23 de janeiro de 2020 foi publicado o Índice
de Perceção da Corrupção (CPI) pela organização não governamental Transparency
International 2 de 2019.
O país desceu dos 64 pontos em 2018, para 62 em 2019.
Com pequenas variações anuais, Portugal estagnou neste índice nos últimos sete anos o que,
de acordo com a organização, reforça a necessidade de uma verdadeira Estratégia Nacional
contra a Corrupção que inclua, além de meras alterações legislativas, reformas profundas no
desenho e desempenho das instituições.
Uma das medidas de combate à corrupção passa por dotar a Polícia Judiciária com recursos
humanos com conhecimentos técnicos nas mais diversificadas áreas, nomeadamente,
informática, contabilidade, em especial, regras orçamentais e de contratação públicas, e meios
tecnológicos sofisticados que permitam aos órgãos de investigação criminal lutar neste
combate com igualdade de armas com os infratores (porém, estas medidas dependem
exclusivamente da vontade política dos governantes).
1
Relatório síntese Corrupção e Criminalidade Conexa, 1-11-2017 a 31-10-2018, p. 13.
http://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/relatorio_corrupcao_2017_2018.p
df.
2
O Índice de Percepção da Corrupção (CPI) é a mais antiga e abrangente ferramenta de medição da
corrupção no mundo, analisando os níveis de corrupção no setor público de 180 países, pontuando-os
de 0 (percecionado como muito corrupto) a 100 (muito transparente) in
https://transparencia.pt/cpi2019/.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
II. Objetivos
Os objetivos que presidem a este escrito não é uma teorização exaustiva do assunto em
análise, mas sobretudo uma partilha entre uma visão conceptual e pragmática do crime de
tráfico de influência.
Inicialmente, discorre-se sobre a evolução do tipo legal e o bem jurídico que se pretende
tutelar.
Essa análise possibilita também perceber o impacto das convenções internacionais e
instrumentos jurídicos europeus, em especial da União Europeia, que influem de forma
decisiva na incriminação e investigação do crime.
Preocupou-se, ainda, em tocar em várias subtemáticas, nomeadamente:
III. Resumo
3
João Paulo Batalha, Presidente da ONG Transparência e Integridade (Portugal), in
https://transparencia.pt/cpi2019/.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Num primeiro momento, sintetiza-se a evolução histórica da sua incriminação no nosso país,
desde os primórdios até aos nossos dias, evidenciado a norma penal incriminadora e a sua
sistematização no ordenamento jurídico-penal.
1. Enquadramento jurídico
Ordenações Manuelinas
Ordenações Filipinas
Em 1603, as Ordenações Filipinas, além dos «concertos», passaram também a punir a «compra
e venda de desembargos», aplicando ao traficante, que era punido sempre que fizesse o
«concerto», uma pena de degredo para África por dois anos, e, ademais, pagar «anoveado» o
que fora dado ou prometido.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Com o Código Penal de 1852, o artigo 452.º punia o crime de tráfico de influência na vertente
da influência suposta (pretexto de influência), não incriminando a influência real.
Este preceito sem epígrafe inserido nos crimes contra o património, incuta a ideia de que é
crime mercadejar influência, mas com um restrito campo de aplicação, sendo objeto de
críticas.
Margarida Silva Pereira pergunta qual o «(…) interesse em manter um crime contra a
Administração que consiste no comércio de influência a exercer sobre funcionário, quando
essa influência não existe, não a detém o traficante, e, sobretudo apenas no pressuposto de
que não a detenha ou, detendo-a, não tencione exercê-la». 4
O tipo legal aparenta-se ao crime de burla 5, mas tutela (ou deveria tutelar) os interesses da
Administração e, por conseguinte, deveria estar inserido antes do artigo 321.º, relativo ao
crime de corrupção ativa.
4
SILVA PEREIRA, Margarida, Acerca do novo tipo de tráfico de influência, «Jornadas sobre a Revisão do
Código Penal», Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1998, p. 277.
5
FERRÃO, Francisco da Silva, «Theoria do Direito Penal Applicado ao Código Penal Portuguez», Vol. VI,
1856, pp.136-137 [apud, SILVA PEREIRA, Margarida, obra citada (op. cit.), p. 274].
15
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Na verdade, não deixava de ser entendido como uma burla, pois que faz consistir esta numa
determinação astuciosa da vítima à prática de atos prejudicais (a si ou a terceiros), o que
implica que sempre o enganado sofra uma lesão patrimonial. 7
O crime de tráfico de influência ressurgiu volvidos mais de uma década com o Código Penal de
1995, sob a influência dos recentes códigos francês e espanhol.
Sublinhe-se que, enquanto que a maioria das alterações legislativas ao Código Penal de 1982
advieram da proposta de Lei n.º 35/94, de 15 de setembro, que acolheu o projeto da Comissão
Revisora do Código Penal presidida pelo Prof. Figueiredo Dias, o crime de tráfico é resultado de
um acordo dos partidos políticos na Assembleia da República.
6
«Vendida di fumo» (Expressão que tem na sua génese a história de Vetronio Torino, um cidadão
comum que alegava possuir influência na Corte e influía sobre as decisões e negócios da mesma a troco
de dinheiro. Quando o imperador Alexandre Severo teve conhecimento do sucedido, condenou o
impostor à pena de morte não pela chama de uma fogueira, mas asfixiando-o através do fumo que esta
produzia, enquanto iam sendo apregoadas as palavras fumum punitur qui vendit fumum, equiparando a
venda de influência à venda de fumo).
7
SILVA PEREIRA, Margarida, op. cit., p. 279.
16
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Pune-se como tráfico consumado a entrega ou a promessa de benesses e não logo a sua
solicitação; as benesses objeto do negócio tipificado serão só patrimoniais e o acordo de
influência destina-se só à prática de atos ilícitos. 10
«A existência de uma decisão – por exemplo sobre uma adjudicação de uma obra pública –
proferida no âmbito dos parâmetros legais a que estava condicionada, mesmo que tenha sido
obtida através de um processo de abuso de influência por parte de alguém que tenha para isso
recebido qualquer contrapartida, torna esse comportamento não configurável como ilícito
criminal, por mais imoral que seja». 11
Com a alteração legislativa operada pela Lei n.º 65/98, de 2 de novembro o crime passou a ter
a seguinte redação:
Passou a fazer parte do tipo a influência suposta, a obtenção de vantagem não patrimonial e o
agente é punido mesmo que as condutas sejam realizadas por interposta pessoa.
8
Proposta de Lei n.º 92/VI, de 29/06/1994.
9
SILVA PEREIRA, Margarida, op. cit., p. 255.
10
Ao contrário do determinado no ponto 192 da proposta da AR, o Governo exclui do tipo a mera
solicitação, a influência para obtenção de decisões legais, pagamento em bens não patrimoniais, a
influência suposta.
11
MOURAZ LOPES, José, «Sobre o novo crime de tráfico de influência», Revista do Ministério Público,
Ano 16, n.º 64, outubro-dezembro, 1995, p. 64.
17
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Em 2001, com a redação dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro, o legislador
abandonou a numeração exemplificativa e procedeu à distinção entre o tráfico de influência
ativo e passivo, alargando a punição ao comprador dessa influência.
Passou a ser punido não somente o agente ativo que vende a influência, mas também o
agente passivo que a compra, sendo a moldura penal distinta, bem como, quando o propósito
for a obtenção de uma decisão lícita.
12
CAEIRO, Pedro, «Comentário Conimbricense do Código Penal-Parte Especial», Tomo III, Coimbra
Editora, 2001, p. 283.
13
Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 68/2001 e ratificada pelo Decreto do
Presidente da República n.º 56/2001 (D. R. I-A, de 20/10/2001).
14
Artigo 12.º da Convenção Penal contra a Corrupção: Cada Parte adotará as medidas legislativas e
outras que entenda necessárias para classificar como infração penal, nos termos do seu direito interno, o
facto de uma pessoa, intencionalmente, prometer, oferecer ou entregar direta ou indiretamente,
quaisquer vantagens indevidas a título de remuneração a quem afirmar ou confirmar que tem
capacidade para exercer influência sobre a tomada de decisão de qualquer pessoa referida nos artigos
2.º, 4.º a 6.º e 9.º a 11.º, quer essa vantagem se destine a si próprio ou a terceiros, bem como solicitar,
receber ou aceitar a oferta ou a promessa de oferta, a título de remuneração pela referida influência,
quer venha ou não a ser exercida ou a suposta influência conduzir ou não ao resultado pretendido.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Como salienta, Cláudia Cruz Santos, nem todos os países do nosso contexto cultural adotaram
nesta matéria soluções tão punitivas como a portuguesa.
De facto, o artigo 12.º da Convenção do Conselho da Europa foi uma disposição legal a que os
países subscritores da Convenção mais reservas formularam. 15
Em Portugal teve a virtude de potenciar a capacidade incriminadora do preceito legal.
A atual norma incriminadora do crime de tráfico de influência, prevista e punida pelo artigo
335.º do Código Penal 16, estabelece que
15
SANTOS CRUZ, Cláudia, «A Corrupção – Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência)
sobre o seu Regime Jurídico-Criminal em Expansão no Brasil e em Portugal)», Coimbra Editora, 2009, p.
35.
16
Redação dada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril: [...] 1 - ... a) Com pena de prisão de 1 a 5 anos, se
pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer
decisão ilícita favorável; b) Com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe
não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita
favorável.
17
Introduziu alterações ao Código Penal, à lei relativa a crimes da responsabilidade de cargos políticos e
altos cargos públicos (Lei n.º 34/87), à lei respeitante à corrupção no comércio internacional e no sector
privado (Lei n.º 20/2008), à lei respeitante à corrupção na atividade desportiva (Lei n.º 50/2007) e à lei
respeitante à garantia de denunciantes em matéria de corrupção (Lei n.º 19/2008).
18
Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007 e ratificada pelo Decreto do
Presidente da República n.º 97/2007 (D. R., 1.ª Série, de 21/09/2007).
19
Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 32/2000 e ratificada pelo Decreto do
Presidente da República n.º 19/2000 (D. R. I-A, de 31/3/2000).
19
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Como destaca Euclides Dâmaso Simões, não foi dado pleno cumprimento à recomendação da
ONU para que todos os crimes previstos na Convenção de Mérida sejam punidos na sua forma
tentada.
Para o efeito, deveria ter-se consagrado expressamente a punibilidade da tentativa, face ao
disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código Penal e à pena máxima prevista para o tráfico de
influência para ato lícito. Constata-se, por outro lado, que continua por tipificar o crime de
tráfico de influência ativo para ato lícito, propugnado pelo GRECO numa das suas
recomendações. 21
Ao longo da história da tipificação do crime o bem jurídico protegido oscilou entre a proteção
da legalidade e imparcialidade da Administração (mercadejar de uma influência real que
perturba autonomia do decisor e ofende o interesse público) aproximando-se do crime de
corrupção e a proteção do património do comprador da influência (mercadejar de um pretexto
de influência – vendida di fumo – que defrauda o património de terceiro), aproximando-se do
crime de burla.
Como defende Pedro Caeiro 22 a punição do tráfico de influência visa a proteção da autonomia
intencional do Estado tal como sucede com os crimes de corrupção e nessa lógica deveria
estar inserido no Capítulo IV, do Título V (Dos crimes cometidos no exercício de funções
públicas) 23.
20
Recomendação da GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) no quadro do II ciclo de avaliações
mútuas sobre a aplicação da Convenção Penal do Conselho da Europa sobre a corrupção de 1999.
21
DÂMASO SIMÕES, Euclides, «Breves Notas à Lei 30/2015, contra a corrupção», Revista Julgar online,
maio de 2015, disponível in http://julgar.pt/breves-notas-a-lei-n-o-302015-contra-a-corrupcao/.
22
CAEIRO, Pedro, op. cit., pp. 276 e 277.
23
Diversamente, M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, «Código Penal − Parte geral e especial», 3.ª
ed. Almedina, 2018, p. 1332: O bem jurídico protegido é a realização/preservação do estado de direito
constitucionalmente estabelecido e PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, «Comentário do Código de
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
No mesmo sentido, Margarida da Silva Pereira sustenta que não é compreensível a inserção
deste crime na secção II, relativa aos crimes contra a realização do Estado de direito 24
porquanto os crimes previstos nesta Secção contendem com casos de agressão ou de criação
de perigo de agressão material a órgãos de soberania, não existindo uma correspondência
material entre estes e o crime de tráfico de influência. 25
Na verdade, no capítulo Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas, no artigo
374.º, sob a epígrafe Corrupção ativa, a incriminação não exige que o agente exerça funções
públicas. 26
Este crime assemelha-se ao crime de corrupção passiva, visando ambos a proteção do mesmo
bem jurídico (a legalidade administrativa).
Ambos se realizam com um acordo em que uma parte habilitada a praticar certa conduta
assume o compromisso de a levar a efeito perante a contraparte, mediante uma
contrapartida. 27
Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem»,
2.ª Ed., UCP, 2010, p. 896 (O bem jurídico protegido pela incriminação é a preservação do Estado de
Direito tal como ele se encontra estabelecido na CRP, na sua vertente de liberdade de ação das entidades
públicas).
24
Dos crimes contra a realização do Estado de direito: Artigo 325.º − Alteração violenta do Estado de
direito; Artigo 326.º − Incitamento à guerra civil ou à alteração violenta do Estado de direito; Artigo
327.º − Atentado contra o Presidente da República; Artigo 328.º − Ofensa à honra do Presidente da
República; Artigo 329.º − Sabotagem; Artigo 330.º − Incitamento à desobediência coletiva; Artigo 331.º −
Ligações com o estrangeiro; Artigo 332.º − Ultraje de símbolos nacionais e regionais; Artigo 333.º −
Coação contra órgãos constitucionais; Artigo 334.º − Perturbação do funcionamento de órgão
constitucional; Artigo 335.º − Tráfico de influência.
25
SILVA PEREIRA, Margarida, op. cit., pp. 315 e 316.
26
Artigo 374.º (Corrupção ativa) n.º 1 − Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento
ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele,
vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com
pena de prisão de um a cinco anos.
27
Nesse sentido, SILVA PEREIRA, Margarida, op. cit., p. 317.
28
MOURAZ LOPES, José, op. cit., pp. 63 e 64.
21
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O que distingue o lobbying do tráfico de influência é que o primeiro é entendido como sendo
uma prática lícita, o lobista persuade o agente público usando argumentos legítimos na defesa
interesses coletivos. 29
No tráfico o comprador pretende influenciar a decisão do agente público (que contende com
interesses meramente privatísticos do comprador da influência) por meio de uma vantagem
patrimonial ou não patrimonial prometida ou atribuída ao influente.
29
Na Constituição da República Portuguesa estão assegurados vários direitos de participação social
exercidos, nomeadamente, associações sindicais, patronais, ordens profissionais, ambientais, defesa dos
animais, IPSS`s e direito de petição.
22
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Uma das razões que obstam a uma criminalização ampla do crime de tráfico de influência é a
dificuldade de o distinguir com o lobbying, porquanto este último não é punido quando
realizado com o respeito das regras.
O artigo 12.º da Convenção Penal contra a Corrupção do Conselho da Europa impôs aos
Estados Aderentes a criminalização do tráfico de influência. Porém, conforme já mencionado,
tal imposição foi uma das que mereceu uma maior relutância por partes dos Estados. Por
exemplo, a Bélgica apenas criminaliza o tráfico de influência quando os agentes sejam
funcionários ou políticos deixando zonas cinzentas entre esta incriminação e os crimes de
corrupção. 30
30
SANTOS CRUZ, Cláudia, op. cit., p. 35.
31
Lobbying the EU institutions, Library Briefing, Library of the European Parliament, 2013, disponível in
https://www.europarl.europa.eu/RegData/bibliotheque/briefing/2013/130558/LDM_BRI(2013)130558_
REV1_EN.pdf.
32
Acordo entre o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia sobre a criação de um registo de
transparência para organizações e trabalhadores independentes que participem na tomada de decisões
e na execução de políticas da UE.
33
Registo de Transparência, disponível in https://ec.europa.eu/info/about-european-
commission/service-standards-and-principles/transparency/transparency-register_pt].
23
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O Registo de Transparência devia ser obrigatório e haver uma regulamentação clara e precisa
que permita que todos os intervenientes desempenhem as suas funções com transparência e
no respeito do primado do direito e dos valores e princípios da UE.
Apesar que, como alerta Fernanda Palma referindo-se à aprovação de um parecer nesta
matéria pela Comissão Europeia para a Democracia através do Direito («Comissão de
Veneza»), a pressão dos grandes grupos económicos sobre o poder político não se torna
legítima só por estar registada.
A Constituição portuguesa consagra, no artigo 80.º, a subordinação do poder económico ao
poder político democrático, pelo que, os lóbis têm de respeitar a soberania popular, a
igualdade e os direitos fundamentais. 34
Em Portugal, foi aprovado pela Assembleia da República o Decreto n.º 311/XII 35 que aprovou
as regras de transparência aplicáveis a entidades privadas que realizam representação legítima
de interesses junto de entidade públicas e procede à criação de um registo de transparência da
representação de interesses junto da Assembleia da República – Regulamentação do Lobbying.
A redação final resulta do texto de iniciativas legislativas do CDS-PP, PS e PSD.
O artigo 2.º, n.º 1, do referido decreto estipula que «são atividades de representação legítima
de interesses todas aquelas exercidas de forma legal por pessoas singulares ou coletivas, com
o objetivo de influenciar, direta ou indiretamente, a elaboração ou a execução das políticas
públicas, de atos legislativos e regulamentares, de atos administrativos ou de contratos
públicos, bem como processos decisórios das entidades públicas, em nome próprio, de grupos
específicos ou de terceiros».
Todavia, o Presidente da República vetou o diploma suscitando três razões principais 36:
34
PALMA, Fernanda, Sentir o Direito no blogue Cum Granus Salis [Retirado de
http://granosalis.blogspot.com/2013/].
35
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43223
36
Carta do PR ao Presidente AR de 2-07-2019, in
http://www.presidencia.pt/archive/doc/Carta_AR_20190712.pdf.
24
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
– Um segundo motivo foi o facto de não terem sido incluídas, no âmbito de aplicação
da lei, o Presidente da República e as suas Casa Civil e Casa Militar, assim como os
Representantes da República nas Regiões Autónomas.
– Por último, a total omissão da declaração dos proventos recebidos pelo registado,
pelo facto da representação de interesses, ou seja, declaração de origem dos
rendimentos de tal atividade (neste ponto, o Presidente da República salientou que, tal
como na Lei n.º 52/2019, de 31 de julho que aprovou o regime do exercício de funções
por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, que impõe uma declaração da
situação patrimonial dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, assim se
deveria exigir, pelo menos, o mínimo de declaração obrigatória das remunerações
recebidas pelos representantes registados pelo facto da sua atividade, sejam eles
pessoas coletivas, sejam pessoas singulares 37).
Dito de outro modo, através deste crime procurou-se completar a previsão constante dos
artigos 371.º a 374.º, ambos do Código Penal, designadamente este último, abrangendo
situações que violando os mesmos bens jurídicos, não cabiam naquela previsão, como a do
intermediário na corrupção ativa. 39
37
No sobredito documento pode ler-se, ainda: Na verdade, nem sequer, quanto às pessoas coletivas, se
obriga à comunicação das respetivas contas anuais e estrutura acionista, e, às pessoas singulares, se
impõe a comunicação da matéria tributável relacionada com a sua atividade de representação de
interesses.
38
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República e da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª Ed., UCP, 2010, p. 896.
39
DE OLIVEIRA LEAL-HENRIQUES, Manuel e CARRILHO DE SIMAS SANTOS, Manuel José, Código Penal,
Vol. II, 2.ª Ed., Rei dos Livros, Lisboa, 1996, p. 1059.
25
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O agente
O crime de tráfico de influência é um crime comum, não exigindo que o agente tenha uma
certa qualidade típica (extraneus) ao contrário dos crimes próprios que só podem ser
cometidos por pessoas que detenham uma qualidade ou sobre as quais recaia um dever
especial (intraneus). 40
Embora qualquer pessoa pode ser o agente, existe um «círculo natural» 41.
Sendo o decisor uma «entidade pública» usualmente quem detém esta influência são os que
detêm uma qualidade ou relação especial perante a Administração, como os titulares de
cargos políticos e os dirigentes da Administração Pública e administradores de sociedades que
exerceram funções governativas.
[a)] Em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição
de liderança; ou
[b)] Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea a), em virtude de
uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem (artigo 11.º, n.º
2, do Código Penal). 42
A Ação
A influência pode ser real ou suposta (pretexto de influência). Ela pode resultar de qualquer
tipo de ascendente do traficante de influência sobre o decisor, designadamente, de natureza
familiar, profissional ou afetiva. 43
40
O crime de corrupção passiva é um crime próprio. O agente tem que deter a qualidade de funcionário
e pratica ato ou omissão contrários dos deveres do cargo (artigo 373.º Código Penal).
41
CAEIRO, Pedro, op. cit., p. 281.
42
Circular da PGR n.º 4/2011, de 11-10-12, sobre a constituição das pessoas coletivas como arguidas.
43
PINTO DE ALBURQUERQUE, Paulo, op. cit., p. 896.
44
MIGUEZ GARCIA, op. cit., p. 1333.
26
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A solicitação ou aceitação pode ser feita diretamente pelo agente ou por interposta pessoa,
com o consentimento ou autorização do agente.
Não são puníveis as condutas de tráfico de influência sem vantagem (patrimonial ou não
patrimonial), nem promessa de vantagem para o traficante.
A vantagem
Finalidade
A diferença reside na moldura penal, ou seja, se o fim for obter uma decisão ilícita o agente
influente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Se for lícita, é punido com pena até 3 anos ou com pena de multa.
Entidade pública
O abuso é exercido sobre uma entidade pública ou agente público (designação da Convenção
Penal do Conselho da Europa de 1999).
O conceito de entidade-pública engloba qualquer pessoa física ou coletiva que exerça funções
estaduais (políticas, governativas, administrativas, empresariais ou jurisdicionais) 46, incluindo
as funções atribuídas por concessão. 47
O conceito de «entidade pública» utilizado no artigo 335.º com a Lei n.º 30/2015, de 22 de
abril 48 é alargado, passando a compreender o vasto elenco de entidades, quer nacionais quer
estrangeiras (mesmo extra comunitárias).
45
PINTO DE ALBURQUERQUE, Paulo, op. cit., pp. 896 e 981.
46
MIGUEZ GARCIA, op. cit., p. 1332 e PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, op. cit., pp. 897.
47
CAEIRO, Pedro, op. cit., p. 283.
48
Lei n.º 30/2015, de 22 de abril procedeu à Trigésima sexta alteração ao Código Penal (…) no sentido de
dar cumprimento às recomendações dirigidas a Portugal em matéria de corrupção pelo Grupo de
27
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Consumação
O crime de tráfico de influência não provoca imediatamente uma lesão do bem jurídico.
Ademais, não exige que o perigo seja consequência da ação, não fazendo parte do tipo.
Diferentemente, dos crimes de perigo concreto que se exige que o bem jurídico tenha sido
efetivamente posto em perigo.
Estados do Conselho da Europa contra a Corrupção, pelas Nações Unidas e pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico.
49
DÂMASO Simões, Euclides, op. cit., p.13.
50
SILVA PEREIRA, Margarida, op. cit., p. 307.
28
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O crime de tráfico de influência é um crime doloso, que admite todas as modalidades de dolo −
dolo direto, dolo necessário e dolo eventual − para a sua consumação, previstos no artigo 14.º
do Código Penal.
Não há crime de tráfico de influência negligente.
1.6. A Tentativa
O agente que tenta solicitar ou aceitar o tráfico de influência para poder exercer a mesma,
junto de um decisor, com vista a uma decisão ilícita favorável, é punido, atenta a moldura
penal do crime.
Se quando o acordo foi realizado já a entidade pública tinha tomado a decisão, haverá
tentativa impossível. 51
A Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, que aprovou o Regime de Responsabilidade Penal por
Comportamentos Antidesportivos estabeleceu um novo regime de responsabilidade penal por
comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do
seu resultado na atividade desportiva.
51
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, op. cit., p. 897.
52
CAEIRO, Pedro, op. cit., p. 284.
29
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
desportiva, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por
força de outra disposição legal.
2 − Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou
prometer a outra pessoa vantagem patrimonial ou não patrimonial, para o fim referido no
número anterior, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais
grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Trata-se de um crime de perigo abstrato e de mera atividade, que protege os bens jurídicos da
verdade e da lealdade na competição desportiva. 53
2.1. Introdução
Nos termos do artigo 32.º, n.º 5, 1.ª parte 55, 219.º, n.º 1, ambos da Constituição da República
Portuguesa e 4.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto do Ministério Público (EMP), aprovado pela Lei
n.º 68/2019, de 27 de agosto, compete ao Ministério Publico exercer a ação penal orientado
pelo princípio da legalidade.
De acordo com o previsto no Anexo II, regras complementares, ponto 2, n.º 2, alínea d), da
ordem de serviço da PGR n.º 4/2015, sobre o registo de expediente na área criminal, o crime
de tráfico de influência é considerado como «crimes afins de corrupção» e são distribuídos nas
seguintes espécies: CG − Corrupção e afins − Complexos ou graves; CO − Corrupção e afins –
Genéricos ou CP − Corrupção e afins – Presos.
53
Ibid, p. 898.
54
Noção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto.
55
O princípio acusatório é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal.
Essencialmente, ele significa que só pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime
por parte de um órgão distinto do julgador, sendo acusação condição e limite do julgamento (GOMES
CANOTILHO, J. J. e VITAL MOREIRA, «Constituição da República Portuguesa anotada», Vol. I, 4.ª Ed.
Coimbra Editora, 2007, p. 522).
30
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O artigo 241.º do Código de Processo Penal preceitua que o Ministério Público adquire a
notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou
mediante denúncia.
De acordo com o disposto no artigo 242.º do Código de Processo Penal, as forças policiais têm
o dever de denunciar: os crimes públicos que presenciarem ou de que tiverem conhecimento.
Este dever também impende quanto aos crimes semipúblicos e particulares que presenciarem
quando o titular do direito de queixa estiver presente e este declarar que pretende exercer
esse direito e quando são participados pelo ofendido e este declarar que pretende exercer o
direito de queixa. 56
Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial
presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam lavrar auto de
notícia (artigo 243.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) que é obrigatoriamente remetido ao
Ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias (artigo 243.º, n.º 3, do
Código de Processo Penal).
Sendo o decisor público um funcionário na aceção do artigo 386.º, do Código Penal a denúncia
é obrigatória [artigo 241.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal].
O Ministério Público pode, igualmente, conhecer a notícia do crime por conhecimento próprio
em virtude da investigação de outros factos ilícitos criminais ou na sequência de ações de
prevenção, realizadas ao abrigo do disposto no artigo 58.º, n.º 4, do EMP.
56
MAIA COSTA, em anotação ao artigo 242.º Código de Processo Penal, «Código de Processo Penal
Comentado», 2.ª Ed., Almedina, 2016, p. 883.
57
O princípio da legalidade impõe que a notícia de um crime dê sempre lugar à abertura de um
inquérito, ainda que o Ministério Público entenda de imediato que a denúncia não contém indícios da
prática de um crime. Só assim, ou seja, só através da abertura de inquérito, será possível ao denunciante
reagir contra o arquivamento da denúncia (…) Assim não será quanto aos crimes semipúblicos e
particulares, em que só após a queixa o Ministério Público tem legitimidade para a abertura do inquérito
(MAIA COSTA, em anotação ao artigo 262.º Código de Processo Penal, op. cit., p. 906).
31
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Nos termos da Lei de Política Criminal – Biénio de 2017-2019, aprovada pela Lei n.º 96/2017,
de 23 de agosto, que define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o
biénio de 2017-2019, o crime de tráfico de influência foi considerado um crime de prevenção
[artigo 2.º, al. h)] e de investigação prioritárias [artigos 3.º, alínea j)] (o que implica que estes
processos tenham precedência na investigação criminal e na promoção processual sobre os
processos que não sejam considerados prioritários (artigo 4.º, n.º 2)
Dentro das tipologias que integram o fenómeno criminal da corrupção, o crime de tráfico de
influência (entre outros) mereceu caráter de especial prioridade por parte da Diretiva n.º
1/2017, da PGR, de 13-10-2017, que determinou as diretivas e instruções genéricas para
execução da Lei da Política Criminal para o biénio 2017/2019. 58
Atento o disposto no artigo 264.º, n.º 1, do Código de Processo Penal é competente para a
realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver
sido cometido. 59
Enquanto não for conhecido o local em que o crime foi cometido, a competência pertence ao
Ministério Público no local em que primeiro tiver havido a notícia do crime (n.º 2).
58
Sem prejuízo da prioridade de investigação de outras tipologias que integram o fenómeno criminal da
corrupção, será dada especial prioridade à investigação dos crimes de corrupção passiva e ativa, de
corrupção no comércio internacional e na atividade privada, de corrupção associada ao fenómeno
desportivo, de prevaricação, de tráfico de influências e de participação económica em negócio, incluindo
os praticados por titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos.
59
Artigo 7.º do CP «Lugar da prática do facto», n.º 1: O facto considera-se praticado tanto no lugar em
que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente atuou, ou, no caso de
omissão, devia ter atuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no
tipo de crime se tiver produzido.
32
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Quanto ao crime de tráfico de influência, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. h), e verificados
os pressupostos no n.º 2 61, a direção do inquérito e o exercício da ação penal compete ao
DCIAP.
O EMP admite que, por despacho do Procurador-Geral da República, compete ainda ao DCIAP
dirigir o inquérito e exercer a ação penal quando, relativamente a crimes de manifesta
gravidade, a especial complexidade ou dispersão territorial da atividade criminosa justificarem
a direção concentrada da investigação (artigo 58.º, n.º 3).
Por despacho fundamentado, o Procurador-Geral Regional pode atribuir competência aos DIAP
da comarca para dirigir o inquérito e exercer a ação penal relativamente aos crimes previstos
no artigo 58.º, n.º 1, do EMP, nomeadamente em casos de menor complexidade e gravidade
(artigo 71.º, n.º 2, do mencionado diploma).
De acordo com o ponto VI, da circular da PGR n.º 6/02, 11-03-2002: os Magistrados
comunicarão ao DCIAP a instauração dos processos de inquérito relativos a crimes previstos no
n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto, no prazo de 5 dias após a instauração dos processos, fazendo-
se menção desse facto no processo.
Atento o novo EMP, segundo o qual, o crime de tráfico de influência integra o catálogo de
crimes sobre que recai essa comunicação (artigo 58.º, n.º 1).
60
A saber: a) Violações do direito internacional humanitário; b) Organização terrorista e terrorismo; c)
Contra a segurança do Estado, com exceção dos crimes eleitorais; d) Tráfico de pessoas e associação
criminosa para o tráfico; e) Tráfico internacional de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e
precursores de droga e associação criminosa para o tráfico; f) Tráfico internacional de armas e
associação criminosa para o tráfico; g) Branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo; h)
Corrupção, recebimento indevido de vantagem, tráfico de influência, participação económica em
negócio, bem como de prevaricação punível com pena superior a dois anos; i) Administração danosa em
unidade económica do setor público; j) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
k) Infrações económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à
tecnologia informática; l) Infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional;
m) Crimes de mercado de valores mobiliários; n) Crimes previstos na lei do cibercrime.
61
«2 − Compete ao DCIAP dirigir o inquérito e exercer a ação penal relativamente aos crimes indicados
no n.º 1 em casos de especial relevância decorrente da manifesta gravidade ou da especial
complexidade do crime, devido ao número de arguidos ou de ofendidos, ao seu caráter altamente
organizado ou às especiais dificuldades da investigação, desde que este ocorra em comarcas
pertencentes a diferentes procuradorias-gerais regionais. 3 − Precedendo despacho do Procurador-
Geral da República, compete ainda ao DCIAP dirigir o inquérito e exercer a ação penal quando,
relativamente a crimes de manifesta gravidade, a especial complexidade ou dispersão territorial da
atividade criminosa justificarem a direção concentrada da investigação».
33
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O Despacho n.º 57/10, de 11-10-2010, da PGD do Porto prevê a comunicação hierárquica caso
o processo criminal tenha repercussões sociais, efetuada com o preenchimento da ficha
respetiva (Despacho n.º 6/11, de 15-2-2011).
O artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal dispõe que o inquérito compreende o
conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus
agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre
a acusação.
Estatui o artigo 263.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que o Ministério Público dirige o
inquérito assistido pelos órgãos de polícia criminal.
Estes atuam sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional
(artigo 263.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).
O Ministério Público tem o poder-dever de definir a estratégia que considerar mais adequada
para a investigação do crime, determinado as diligências a realizar e o seu curso, para além das
impostas por lei, segundo critérios de legalidade e objetividade (artigos 3.º, n.º 2, do EMP e
53.º Código de Processo Penal).
«Os órgãos de polícia criminal são órgãos auxiliares do Ministério Público, atuando sob a sua
dependência funcional no inquérito, ou seja, no cumprimento de competências delegadas, não
podem delinear estratégias próprias de investigação. Sem embargo de, nos termos do artigo
2.º, n.ºs 5 e 6, da Lei de Organização da Investigação Criminal (doravante LOIC), aprovada pela
Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, gozarem de autonomia técnica («utilização de um conjunto
de conhecimentos e de métodos de agir adequados»), e de autonomia tática («escolha do
tempo, lugar e modo adequados à prática dos atos correspondentes ao exercício das
atribuições legais dos órgãos de polícia criminal. 62
Os dirigentes dos órgãos de polícia criminal, que coadjuvam o Ministério Público no exercício
da ação penal, nos termos do Código de Processo Penal e da LOIC, deverão providenciar pela
afetação dos recursos necessários à prossecução das prioridades e orientações fixadas em
matéria de política criminal (artigo 23.º da citada Lei n.º 38/2009, de 20 de julho) – Ponto IV da
circular n.º 4/2010, da PGR, de 06-12-2010.
A LOIC, no seu artigo 7.º, n.º 2, alínea j), atribuiu competência reservada à Polícia Judiciária
para a investigação do crime de tráfico de influência.
Nas situações de competência reservada da Polícia Judiciária, a transmissão da notícia do
crime far-se-á mediante o envio do original do auto de notícia ou de denúncia a este órgão e
do duplicado ao Ministério Público.
62
MAIA COSTA, em anotação ao artigo 263.º Código de Processo Penal, op. cit., p. 908.
34
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Nos termos do artigo 18.º, n.º 3, alínea b), e 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de
setembro 63, que aprovou a nova estrutura organizacional da Polícia Judiciária, a Unidade
Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) é a unidade central de investigação criminal com
competência em matéria de prevenção, deteção, investigação criminal e a coadjuvação das
autoridades judiciárias relativamente ao crime de tráfico de influência, e ainda, aos crimes de
corrupção, peculato e participação económica em negócio.
Após o decurso do prazo previsto no artigo 278.º do Código de Processo Penal, em caso de
arquivamento do inquérito ou após as notificações previstas no artigo 283.º, n.º 5, do Código
de Processo Penal em caso de acusação, sem prejuízo do disposto na lei sobre segredo de
justiça, os Magistrados do Ministério Público competentes devem comunicar, pelo meio
considerado mais adequado, o teor dos despachos de encerramento dos inquéritos, aos
dirigentes dos departamentos da Polícia Judiciária que tiverem realizado as investigações, nos
casos previstos nos artigos 4.º (competência reservada) e 5.º, n.º 2 (competência deferida), da
Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 305/2002, de 13 de Dezembro
(pontos 1 a 3 da Circular da PGR n.º 4/08, de 06-03-2008).
Conforme anteriormente referido, nos termos do artigo 1.º, alínea m), do Código de Processo
Penal considera-se criminalidade altamente organizada as condutas que integrarem o crime
tráfico de influência.
63
Entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020.
35
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A Lei n.º 93/99, de 14 de julho regula a aplicação de medidas para proteção de testemunhas
em processo penal, nomeadamente, quando a sua vida, integridade física ou psíquica,
liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado sejam postos em perigo
por causa do seu contributo para a prova dos factos que constituem objeto do processo (artigo
1.º, n.º 1).
36
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
m), do Código de Processo Penal, na Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e na Lei n.º 5/2002, de
11 de janeiro, o Ministério Público determinará, no início do inquérito, a sujeição do mesmo a
segredo de justiça, nos termos do artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Sobre a consulta dos autos, o artigo 89.º, n.º 6 dispõe que, findos os prazos previstos no artigo
276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo
que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento
do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três
meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a
que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1.º, e por um prazo objetivamente indispensável à
conclusão da investigação.
O artigo 68.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal estatui que qualquer pessoa pode
constituir-se assistente no processo.
Ademais, o artigo 5.º da Lei n.º 19/2008, de 21 de abril, que aprovou medidas de combate à
corrupção, no seu n.º 1 estipula que a constituição de assistente nos crimes referidos na alínea
e) do n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo Penal das associações sem fins lucrativos cujo
objeto principal seja o combate à corrupção não está sujeita ao pagamento de qualquer taxa
de justiça.
Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do juiz.
A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova direta, ao qual se
associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum.
Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma
ligação racional e lógica. 64
64
SANTOS CABRAL, José, «Prova indiciária e novas formas de criminalidade» - Intervenção no Centro de
Formação Jurídica e Judiciária de Macau em 30 de novembro de 2011, Revista Julgar, n.º 17, Coimbra
Editora, 2012, p. 13 [Retirado de http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/07/01-JULGAR-Prova-
indici%C3%A1ria-e-as-novas-formas-de-criminalida.pdf].
37
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Nesse combate às elevadas cifras negras da corrupção o legislador tem decretado medidas de
cariz adjetivo e também substantivo, como as concernentes aos meios de prova, como
derrogações do sigilo profissional, perda de bens ou normas de proteção das testemunhas,
como a premiação dos denunciantes, funcionando como um estímulo à colaboração. 66
O artigo 2.º, n.º 1, consagra um regime especial de quebra do segredo profissional nas fases de
inquérito, instrução e julgamento. O segredo profissional dos membros dos órgãos sociais das
instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de
moeda eletrónica, dos seus empregados e de pessoas que a elas prestem serviço, bem como o
segredo dos funcionários da administração fiscal, cedem, se houver razões para crer que as
respetivas informações têm interesse para a descoberta da verdade.
A quebra do segredo é mediante despacho fundamentado da autoridade judiciária titular da
direção do processo (n.º 2).
Nos termos do n.º 5.º 3, do referido preceito, quando se trate de informações relativas a
arguido no processo ou a pessoa coletiva, o despacho assume sempre forma genérica.
Em relação ao sigilo bancário, o artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e
Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro consagra as
exceções ao dever de segredo profissional. Com a alteração conferida pela Lei n.º 36/2010, de
65
DÂMASO SIMÕES, Euclides, «Prova Indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em
dez sumários e um apelo permanente), Revista JULGAR, n.º 2, Coimbra Editora, 2007, p. 204. [Retirado
dehttp://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/11-Euclides-Sim%C3%B5es-prova-
indici%C3%A1ria.pdf].
66
V.G. artigo 374.º-B, do Código de Processo Penal; artigo 4.º da Lei n.º 19/2008, de 21 de abril, que
aprova medidas de combate à corrupção; artigo 8.º da Lei 36/94, de 29 de setembro, que consagra
medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira.
67
[Retirado de http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=147&tabela=leis].
38
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Atente-se que nestes casos, e ao contrário do que estipula o n.º 1 do artigo 2.º, não basta o
«interesse para a descoberta da verdade», antes se exigindo que o mesmo se situe num
patamar mais elevado, o que bem se poderá entender, uma vez que o próprio extrato de uma
conta bancária, de alguma forma, espelha também a vida de uma pessoa, podendo, assim, ser
posta em causa a reserva da vida privada. 70
O artigo 6.º prevê a obtenção de prova, mediante prévia autorização do juiz, através do registo
de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado quando esteja em
causa a investigação dos crimes elencados no catálogo do artigo 1.º.
68
Ac. TRL de 14-09-2011 (P.1214/10.0PBSNT-A.L1), relatado por: Fernando Correia Estrela: I. Com a
alteração introduzida pela Lei n.º 36/2010, de 2 de setembro, ao artigo 79.º, n.º 2, al. d), do Regime
Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o legislador pretendeu agilizar o
procedimento relativo à obtenção de informações cobertas pelo segredo bancário, atribuindo, às
autoridades judiciárias, competência para as solicitar. Desse modo, a lei reconheceu que o interesse da
investigação prevalece face ao direito de reserva da vida privada do titular de uma conta bancária e que,
por essa razão, o dever de segredo cai perante a solicitação de uma autoridade judiciária efetuada no
âmbito de um processo penal. II. Face à definição contida no artigo 1.º, al. b), do CPP, encontrando-se o
processo em fase de inquérito cabe necessariamente ao Ministério Público, enquanto autoridade
judiciária e titular da direção do inquérito, solicitar as informações bancárias, revelando-se ilegítima a
recusa da entidade bancária em fornecer os elementos assim solicitados [Retirado de:
http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=4926&codarea=57].
69
«2 - As instituições de crédito, as sociedades financeiras, as instituições de pagamento e as
instituições de moeda eletrónica são obrigadas a fornecer os elementos solicitados, no prazo de: a) 5
dias, quanto a informações disponíveis em suporte informático; b) 30 dias, quanto aos respetivos
documentos de suporte e a informações não disponíveis em suporte informático, prazo que é reduzido
a metade caso existam arguidos detidos ou presos».
70
DIAS DUARTE, Jorge, «Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro – Breve comentário aos novos regimes de
segredo profissional e de perda de bens a favor do Estado», RMP, ano n.º 23, janeiro-março 2002, n.º
89, pp. 144 e 145.
39
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, intitulada «Regime Jurídico das Ações Encobertas para
fins de prevenção e investigação criminal» revogou toda a legislação anterior nesta matéria e
alargou o âmbito de aplicação das ações encobertas até então limitadas ao combate do tráfico
de droga, corrupção e criminalidade económico-financeira.
Este regime foi novamente ampliado pelo artigo 188.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04 de
julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de
estrangeiros do território nacional e pelo artigo 19.º da Lei do Cibercrime, aprovada pela Lei
n.º 109/2009, de 15 de setembro.
A Lei da Cooperação Judiciária Internacional em matéria penal, aprovada pela Lei n.º 144/99,
de 31 de agosto, no artigo 160.º-B, aditado pela Lei n.º 104/2001, de 25 de agosto, prevê a
possibilidade dos funcionários de investigação criminal de outros Estados desenvolverem
ações encobertas em Portugal, com estatuto idêntico ao dos funcionários de investigação
criminal portugueses e nos demais termos da legislação aplicável.
Tal atuação depende de pedido baseado em acordo, tratado ou convenção internacional e da
observância do princípio da reciprocidade (n.º 2) e a autoridade judicial competente para a
autorização é o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, sob proposta do magistrado do
Ministério Público junto do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (n.º 3).
Ao abrigo do disposto no artigo 2.º, alínea n), do Regime Jurídico das Ações Encobertas para
fins de prevenção 71 e investigação criminal (doravante, RJAE), aprovado pela Lei n.º 101/2001,
de 25 de agosto prevê a admissibilidade do recurso a ações encobertas no decurso do
inquérito relativamente ao crime de tráfico de influência.
O artigo 2.º, n.º 2, dá uma noção de «ações encobertas»: aquelas que sejam desenvolvidas por
funcionários de investigação criminal ou por terceiro atuando sob o controlo da Polícia
Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados nesta lei, com ocultação da sua
qualidade e identidade.
O artigo 3.º, n.º 1, consagra o princípio da proporcionalidade, como condição para se lançar
mão das ações encobertas, devendo estas ser adequadas aos fins de prevenção e repressão
criminais identificados em concreto e proporcionais quer àquelas finalidades quer à gravidade
do crime em investigação.
71
No que a este aspeto respeita vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 578/98, o qual veio
admitir a constitucionalidade desse tipo de ações.
40
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
De acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, a realização de uma ação encoberta no âmbito
do inquérito depende de prévia autorização do competente magistrado do Ministério Público,
sendo obrigatoriamente comunicada ao juiz de instrução e considerando-se a mesma validada
se não for proferido despacho de recusa nas setenta e duas horas seguintes.
O agente encoberto pode ser agente da polícia criminal ou um particular sob o controlo da
polícia judiciária 72 que contacta com o(s) suspeito(s) com vista a obter informações e provas
contra ele(s), contribuindo para a descoberta do crime, mas sem o(s) determinar à prática de
infrações. 73
Finalmente, neste conspecto, destaca-se a decisão recente do TEDH que condenou o Estado
português por violação do artigo 6.º, § 1, «Direito a um processo equitativo», por errada
apreciação dos elementos probatórios, errónea decisão quanto à atuação culposa do agente e
falta de imparcialidade do Tribunal de Relação de Lisboa. 76
72
«2 - As ações encobertas desenvolvidas pelo SEF, no âmbito da prevenção e investigação de crimes
relacionados com a imigração ilegal em que estejam envolvidas associações criminosas, seguem os
termos previstos na Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto».
73
Ac. TRL de 22-03-2011 Proc. 182/09.6JELSB.L1-5, relatado por: Nuno Gomes da Silva.
74
Ac. STJ, de 27-06-2012, relatado por Santos Cabral: XXI - O agente provocador convence outrem ao
crime, determina a vontade para o ato ilícito. O agente infiltrado opera no sentido de ganhar a confiança
do suspeito e, na base dessa confiança, mantém-se a par do comportamento daquele, praticando, se
necessário, atos de execução em integração do seu plano, mas não assume o papel de instigador. Deste
modo, como traço distintivo apresenta-se a passividade do agente infiltrado ou encoberto, o que
contrasta com a iniciativa criminosa do agente provocador. XXII - O recurso à figura do agente encoberto
é legalmente possível desde que feito dentro dos limites fixados pela Lei 101/2001, de 25-08. Já o recurso
à figura do agente provocador é veementemente rejeitado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência,
por constituir um meio enganoso de obtenção de prova (artigo 126.º, n.º 2, al. a), do CPP).
75
CASE OF BANNIKOVA v. RUSSIA (Application no. 18757/06), de 04-11-2010, o TEDH considerou que o
agente FSB B. entrou na transação quando ela já estava em curso. Portanto, no que toca ao papel de B,
não há dúvida que ele apenas se juntou aos atos criminosos, em vez de os instigar [Retirado de
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-101589%22]}].
76
AFFAIRE PAIXÃO MOREIRA SÁ FERNANDES c. PORTUGAL (Requête no 78108/14), de 25.02.2020.
Retirado de https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-201434%22]}].
41
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Entendeu o TEDH entre outros fundamentos que o Tribunal da Relação não ponderou a
contribuição do advogado para a condenação do arguido DN, nem o interesse geral da
sociedade no combate à corrupção.
O tribunal deveria ter feito uma análise jurídica do ordenamento jurídico português,
apreciando, as causas de exclusão da ilicitude e da culpa consagradas no Código Penal.
Perscrutada a dimensão criminal nas investigações, passe-se por último a conceder especial
atenção à dimensão patrimonial do crime, ou seja, à remoção das vantagens e recompensas
geradas pela prática de facto ilícito típico.
A Lei n.º 5/2002, de 11 de março consagra a figura da perda alargada, perda do património
incongruente, em que, diversamente, à perda comum, não há conexão direta entre a perda e o
facto ilícito típico.
O artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, consagra que, em caso de condenação pela prática de
crime referido no artigo 1.º e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se
constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido
e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
O património do arguido compreende o conjunto dos bens que estejam na sua titularidade, ou
em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido
ou posteriormente; bem como, os que tenham sido transferidos para terceiros a título gratuito
ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à sua constituição como
arguido; os recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à aludida constituição, ainda que
não se consiga determinar o seu destino; e os juros, lucros e outros benefícios obtidos com
bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º, do Código Penal (artigo 7.º).
77
CONDE CORREIA, «O confisco e a fixação do enriquecimento ilícito», Estudos Projeto ETHOS –
Corrupção e criminalidade económico-financeira, Ministério Público, 2018, p. 262.
42
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O Ministério Público liquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a
favor do Estado (artigo 8.º, n.º 1). Se não for possível nesse momento, a liquidação poderá ser
efetuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de
discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos (n.º 2).
A presunção de proveniência ilícita de bens para perda alargada, prevista no artigo 7.º da Lei
n.º 5/2002, não afronta a presunção de inocência do visado (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição
da República Portuguesa). Nesse sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, v.g.,
acórdãos n.ºs 101/2015, 392/2015 e 476/2015.
O arguido pode provar a origem lícita dos bens, sendo admissível qualquer meio de prova
válido em processo penal. A presunção estabelecida no número 1 do artigo 7.º será elidida se
se provar que os bens: resultam de rendimentos de atividade lícita; estavam na titularidade do
arguido há pelo menos cinco anos no momento da sua constituição como arguido, ou foram
por este adquiridos com rendimentos obtidos naquele período (artigo 9.º, n.º 3).
Se dos autos resultar demonstrado que o arguido possui bens provenientes de ilícitos criminais
praticados há mais de cinco anos, pese embora, não operar a presunção, funcionarão os
mecanismos previsto no Código Penal sobre a perda de bens a favor do Estado. 78
Sobre esta questão pronunciou-se a Procuradoria Distrital (ora, Regional) do Porto e formulou
as seguintes conclusões: O requisito dos fortes indícios já é pressuposto do próprio arresto
independentemente do momento em que é decretado e a existência de fundado receio de
diminuição de garantias patrimoniais, para além de excessivamente garantístico e de
prejudicar a eficácia da medida, é contraditório com o n.º 3 do artigo 10.º, onde se afirma que
«o arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos
78
Nesse sentido, DIAS DUARTE, Jorge, op. cit., pp. 152 e 153 e Trabalho conjunto efetuado por
magistrados do Ministério Público do DIAP Distrital de Coimbra, «Sigilo Bancário e Sigilo Fiscal, no
domínio da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro», Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e
Económico-Financeira, CEJ, Coimbra Editora, 2004, pp. 71 e 72.
43
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
79
Conclusões do Colóquio recuperação de ativos - Diretiva 2014/42/EU, de 8-11-2017 Procuradoria
Distrital do Porto Diretiva [Retirado de https://www.trg.pt/ficheiros/estudos/concluses%20-
%20recuperao%20de%20ativos%20pgd%20porto2.pdf ].
44
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
1. Crime de tráfico de influência: enquadramento jurídico, prática e gestão processual
content/uploads/2014/07/01-JULGAR-Prova-indici%C3%A1ria-e-as-novas-formas-de-
criminalida.pdf].
− SILVA PEREIRA, Margarida, «Acerca do novo tipo de tráfico de influência», Jornadas
sobre a revisão do Código Penal, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa,
1998.
− Trabalho conjunto efetuado por magistrados do Ministério Público do DIAP Distrital de
Coimbra, «Sigilo Bancário e Sigilo Fiscal, no domínio da Lei n.º 5/2002, de 11-1», Medidas
de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira, CEJ, Coimbra Editora,
2004.
45
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
I. Introdução
II. Objectivos
III. Resumo
1. Breve resenha histórica sobre o crime de tráfico de influência
1.1. Das Ordenações Manuelinas aos Códigos Penais oitocentistas
1.2. Breve análise da evolução da incriminação
2. O crime de tráfico de influência no Código Penal
2.1. Do crime de tráfico de influência no Código Penal
2.1.1. Bem jurídico protegido
2.1.2. Do tipo objectivo do artigo 335.º, n.º 1, do Código Penal
2.1.3. Do tipo objectivo previsto no artigo 335.º, n.º 2, do Código Penal
2.1.4. Do tipo subjectivo do artigo 335.º do Código Penal
2.1.5. Do conceito de entidade pública
2.1.6. Do conceito de abuso de influência
2.1.7. Das penas acessórias
2.1.8. Da tentativa
2.1.9. Atenuação especial
2.1.10. Do concurso de normas
3. Da gestão do inquérito
IV. Hiperligações e referências bibliográficas
I. Introdução
Com efeito, ainda que já constante de normas das Ordenações Manuelinas e Filipinas, a sua
função pragmática mostrava-se de âmbito circunscrito e limitado, face a outras normas
incriminadoras, o que cremos fundar-se na menor complexidade a nível administrativo-
organizacional da sociedade, num Estado que se pautava por uma intervenção esparsa,
gerando assim pouca oportunidade para levar a cabo a conduta que ali se incriminava.
Todavia, a evolução da sociedade no Séc. XX, com o aparecimento dos modernos Estados
Sociais e os respectivos modelos de intervenção mais profunda, potenciaram as relações entre
a administração e os cidadãos e consequentemente o incremento de situações integradoras de
tal ilícito.
Assim, sem se descurar a importância história da criação do tipo legal, e respectivo devir, visa-
se com o presente trabalho analisar com acuidade a incriminação vigente, bem como as
repercussões a nível jurídico e social.
49
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
II. Objectivos
O presente estudo tem por escopo perspectivar o crime de tráfico de influência, partindo das
suas raízes histórias até à actualidade.
Tal percurso permitirá aferir e sublinhar as diferenças que os sucessivos legisladores
introduziram no texto legal, as quais se mostraram determinantes para o aperfeiçoamento e
adequação da norma ao fenómeno criminológico vivenciado em cada época.
Por conseguinte, mostra-se indispensável carrear algumas das mais sérias e relevantes críticas
apontadas pela doutrina, como elemento interpretativo fulcral para entender o direito
constituído e o direito a constituir.
Visa-se, sobretudo, alcançar um guia prático, claro e conciso, que forneça uma visão completa,
ainda que naturalmente susceptível de discussão (como todas as posições jurídicas) e, acima
de tudo, abrangente, permitindo a quem não teve ainda qualquer contacto aprofundado com
a realidade jurídico-normativa que a norma perpassa, vislumbrá-la de forma crítica, mas
(espera-se) útil.
Por outro lado, nunca será despiciendo abordar ainda algumas questões subjacentes à
direcção do inquérito e da investigação, tanto mais que este tipo de criminalidade exige
recolha de prova que é, em regra, de muito difícil obtenção e análise, pela subtileza como as
mais das vezes o ilícito é perpetrado, e por se imiscuir em relações humanas eivadas de
subjectivismo, pelo que deverá tal actividade ter como a ponderação como pedra de toque.
III. Resumo
Neste conspecto, o trabalho aqui exposto pretende, ainda que de forma algo incipiente,
perspectivar o crime em causa sob vários pontos de vista, começando por entender o seu
percurso e evolução histórica, passando por uma análise dissecada da sua estrutura interna,
50
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Envidamos esforços no sentido de incluir, também, uma abordagem prática sob o ponto de
vista e necessidades da magistratura a que nos propomos aceder, quer a nível processual
como procedimental.
Não teremos, com efeito, a pretensão de que estas breves considerações configurem um
exame completo e exaustivo no que diz respeito ao crime de tráfico de influência, desde logo,
porque a diversidade e abrangência do tema assim não o permitem (além da exígua
experiência que possuímos neste domínio).
Não obstante, cremos tratar-se de um esboço sobre uma temática assaz pertinente e com
enorme actualidade e interesse, que demanda dos magistrados – com especial acuidade do
Ministério Público, a quem compete, em primeira linha, a investigação criminal – uma cada vez
maior diligência e esforço integrativo, que cumpre alcançar, sempre ao serviço do interesse
público, como é nossa missão.
Alguns comentadores do Séc. XIX apontaram a vinditores fumi do Direito Romano como fonte
primeva da incriminação, a cujos perpetradores chegou a ser 1, inclusive, imposta a pena
capital de asfixia pelo fumo, atenta a gravidade da conduta que visava punir.
Entre nós, a norma de conteúdo incriminador precursora foi estabelecida nas Ordenações
Manuelinas, Livro V, Título LXX, epigrafado de
«Que os Concelhos nom façam concertos com os Senhores, e Fidalguos sobre suas rendas. E
assi que ninhua pessoa se concerte com outra, por lhe fazer despachar em Nossa Corte alguu
neguocio», onde se estatuiu a seguinte norma incriminadora: «§ 1 Defendemos a todos os
Juizes, e Officiaes, e povo das Cidades, e Villas, e Lugares de Noffos Reynos, e Senhorios, em
que alguũs Senhores, e Figalduos de Nós tenham rendas, e dereitos da Coroa, que fobre as
1
Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal aplicada ao Código Penal Portuguez, Vol. VIII, pp. 136 e, de modo
detalhado, Sofia Sobreira Calado, O Crime de Tráfico de Influência – a Questão da Influência Suposta, p.
8.
51
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
ditas rendas, e dereitos, nom façam com os ditos Senhores, nem Fidalguos ninhuũns concertos,
nem conuenças, nem deles aceptem fobre iffo graça, nem quita de cousa algũa; faluo quando
pera ello teuerem Noffo efpecial mandado, e autoridade. E fazendo alguũ partido, conuença,
ou concerto, percam e paguem di em diante a Nós, e aa Coroa de Noffos Reynos, todo o que
polos taees concertos, e conuenças fe obriguaram de dar aos taees Fidalguos, e Senhores, e os
ditos Senhores, e Fidalguos percam pera Nós o que por os taees concertos e conuenças delles
ou ouueffem d’auver».
Posteriormente, as Ordenações Filipinas vieram consagrar duas normas. No Livro IV, Título XIV,
foi consagrada a norma com a descrição «Que ninguém compre, nem venda desembargos»:
«Pessoa alguma, de qualquer sorte, não compre desembargos nossos, nem da Rainha e
do Príncipe, a dinheiro nem a mercadorias, nem a outros alguns partidos, ainda que se possa
dizer, que deu por elles outro tanto, como valiam. E o comprador, que o contrario fizer, perderá
em dobro a quantia do desembargo, que assi comprar, e o vendedor outro tanto, a metade
para a nossa Camera, e a outra para quem o acusar. E se o que comprar os ditos desembargos,
ou os tomar em pagamento de qualquer cousa, que se possa dizer, que se lhe deve for nosso
Contador, Scrivão dos Contos, Thesoureiro, Almoxarife, Recebedor, Scrivão do Thesouro e
Almoxarifado, ou outro algum Official de nossa Fazenda, ou pessoa das que andam e servem
nella na Côrte, ou Corregedor, ou outro algum Official de Justiça ou outro Official nossos, de
qualquer qualidade que seja, perca polo mesmo feito toda a sua fazenda móvel e de raiz, a
metade para o Hospital de todos os Santos da cidade de Lisboa, e a outra para quem o acusar,
e haverá a pena de crime, que houvermos por bem.
§ 1. E porque depois de os desembargos serem comprados, os vendedores fazem
procurações simuladas aos compradores, dizendo, que lhes dão poder, que por elles e em seus
nomes possam receber os taes desembargos por outro tanto dinheiro, que deles tem havido;
mandamos que os taes desembargos, com as ditas procurações sem mais outra nenhuma
prova, sejão havidos por comprados, para incorrerem nas sobreditas penas. Porque, quando
em elles se mette a dita condição, não he senão por serem já os desembargos comprados;
porque não o sendo, a procuração somente se faz, que os recebam pola parte, para lhe
trazerem seu dinheiro, e darem delle conta.
§ 2. E se algum dos sobreditos, que assi comprar, ou vender os desembargos, o descobrir
às nossas Justiças, antes que cada hum delles por isso seja accusado, ou antes de ser per Nós
feita mercê a alguma pessoa, Nós lhe perdoaremos todas as penas desta ordenação, e não
haverá pena alguma; com tanto que prove a compra do desembargo ao tempo, que pela
Justiças para isso lhe fôr assinado, e mais haverá o que o descobrir e provar, a metade de tudo
que a outra parte por esta Ordenação he obrigado pagar. E posto que o não prove, não lhe
prejudicará a confissão, que fez, da compra, ou venda do desembargo».
A segunda norma está no Livro V, Título LXXXIII, denominado «Que nenhuma pessoa se
concerte com outra para lhe fazer despachar algum negócio na Corte»:
«Que nenhuma pessoa se concerte com outra para lhe fazer despachar algum negócio
na Corte», onde se estabeleceu que «porque algumas partes, que vem, ou envião á nossa Côrte
requerer seus negócios e causas, que não são de Justiça, se concertão na Côrte com pessoas,
52
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
que lhos hajão de requerer por certa cousa, e isto por os taes às vezes os desesperarem, e lhes
fazerem seus despachos difficultosos, os quaes se as próprias partes os requeressem, serião
breve e justamente despachados: defendemos, que pessoa alguma não faça os taes concertos,
nem os aceite, postoque lhe sejão requeridos, sob pena de quem o fizer, pagar anoveado 2, o
que pelo dito concerto lhe for dado ou promettido, e per elle aceitado, amelade para quem o
acusar, e a outra para os Captivos, e mais será degradado para África per dous annos».
No Século XVIII, com os movimentos liberais e de codificação impulsionados por uma nova
visão do Direito Criminal, que teve como principal percussor Cesare Beccaria (e na sua obra
“Dos delitos e das penas”) construíram normas mais restritivas e precisas, garantindo regras
processuais e substantivas consagradoras de uma verdadeira “rule of law”.
A mesma formulação foi transposta para o artigo 452.º, § 2.º, do Código Penal de 1886
(Decreto de 16 de Setembro de 1886), que vigorou entre nós até à entrada em vigor do Código
Penal aprovado pelo do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, em 1 de Janeiro de 1983.
A generalidade da doutrina da época criticou esta formulação e a sua inserção sistemática, por
apenas punir a influência suposta e não a influência real.
Na versão que lhe foi conferida pelos Códigos Penais de meados e finais do Século XIX, a pena
do crime que aqui analisamos aparece-nos já menos elevada do que aquela consagrada nas
Ordenações, e ascende, assim, ao máximo de prisão correcional, cumulada com a multa “que
aos juízes parecer” 3.
2
Anoveado tem o significado de nove vezes.
3
A pena de prisão correcional era a pena mais grave das penas correcionais, é executada na cadeia ou
em estabelecimento público com essa finalidade e não pode exceder 3 anos, tendo posteriormente sido
limitada ao máximo de 2 anos pelo Código Penal de 1886 (cf. artigos 30.º, alínea 1.ª, e 38.º do Código
Penal de 1852 e artigos 58.º, alínea 1.ª e 64.º § único, do Código Penal de 1886). Quanto à pena de
multa, esta tem como limite máximo 3 anos de uma quantia proporcional ao rendimento, que não seja
inferior ao montante diário de cem reis nem superior a mil reis, (montante actualizado para $10 e 2$00
53
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Esta pena é, ainda assim, de monta, correspondendo à pena correccional mais elevada em
ambos os Códigos Penais.
Acresce que ambos os Códigos consagravam as seguintes penas especiais para os empregados
públicos, em decréscimo de gravidade:
Silva Ferrão considera a norma do Código Penal de 1852 «justificadíssima, porque previne um
grande abuso, não só possível, mas que desgraçadamente existe com o maior escândalo,
principalmente na côrte ou nos logares centraes da administração pública ou de justiça» 5.
Levy Maria Jordão reputa tal crime de muito grave, por «desacreditar a Autoridade e os e tais
punições empregados públicos», mas concluiu que a punição romana acima referenciada era
revoltante, tendo sido abandonada na maior parte dos foros criminais europeus 6.
O bem jurídico tutelado pela norma não logrou consenso entre os estudiosos da questão.
Na verdade, para alguns a incriminação protegia a ofensa à autoridade pública, e visava evitar
a ocorrência de fraude, furtos e/ou mentiras para quem requeria decisões de entidades
públicas. 7
Pedro Caeiro explica que historicamente o bem jurídico oscilou entre a protecção da
legalidade e da imparcialidade da Administração Pública e a protecção do património e da
confiança do comprador da influência. 8
Tanto assim é, que já vinha dos tempos do império Romana a concepção de que este tipo de
criminalidade se devia inserir no âmbito dos crimes de injúria e de «corrupção contra a
autoridade» 9, entendimento que se prolongou até ao Séc. XX, como veremos adiante.
Para tal contribuiu também a inserção sistemática da norma que, em ambos os Códigos,
consta no Livro Segundo – Dos crimes em especial, Título V – Dos crimes contra a propriedade,
pelo Código de 1886), segundo os artigos 30.º, 4.ª, e 41.º do Código Penal de 1852 e artigos 58.º, alínea
4.ª e 67.º do Código Penal de 1886.
4
Estas penas estão previstas respectivamente nos artigos 31.º, alíneas 1.ª, 2.ª e 3.ª, 43.º, 44.º e 45.º do
Código Penal de 1852 e nos artigos 59.º, alíneas 1.ª, 2.ª e 3.ª, 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal de 1886.
5
Silva Ferrão, em Theoria do Direito Penal aplicada ao Código Penal Portuguez, Vol. VIII, pp. 136,
considera esta ordenação ter como fonte próxima a norma contida no Livro V, Título 70.º, § 1.º das
Ordenações Manuelinas, que se mostrava restrita às pendências que ocorrem na corte e às causas e
negócios não judiciais.
6
Levy Maria Jordão, Comentário ao Código Penal Portuguez, Tomo IV, pp. 313 e 314.
7
Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal aplicada ao Código Penal Portuguez, Vol. VIII, p. 137.
8
Pedro Caeiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, p.
9
Sofia Sobreira Calado, ob. cit., p. 8.
54
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Capítulo II – Das quebras, burlas, e outras defraudações, Secção II – Burlas, permitindo que se
considerasse também como merecedor de tutela o património do comprador da influência.
A própria norma contribuía para tais entendimentos, através do segmento “sem prejuízo da
acção que compete ao empregado público pela injúria”, levando a que o agente comprador de
influência fosse ainda responsabilizado pela injúria que tal proposta fez à honra do
funcionário, e da qual este último não era merecedor.
O crime de que tratamos no presente trabalho foi reintroduzido no ordenamento jurídico pelo
Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
Sistematicamente, foi inserido no Livro II – Dos crimes em especial, Título V – Dos crimes
contra o Estado, Secção II – Dos crimes contra a realização do Estado de Direito.
Passamos a transcrever a versão original e as três alterações sofridas, por ordem cronológica:
Artigo 335.º do Código Penal, com a versão dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de
Março
Tráfico de influência
Quem obtiver, sem que lhe seja devida, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial
ou a sua promessa, para, abusando da sua influência, conseguir de entidade pública
decisão ilegal sobre encomendas, adjudicações, contratos, empregos, subsídios,
10
Sofia Sobreira Calado, ob. cit., pp. 9 e 10.
11
Cavaleiro de Ferreira, Crimes de Corrupção e Concussão, pp. 210-211.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Artigo 335.º do Código Penal, com a versão dada pela Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro
Tráfico de influência
Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação,
solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial,
ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, com o fim de obter
de entidade pública encomendas, adjudicações, contratos, empregos, subsídios,
subvenções, benefícios ou outras decisões ilegais favoráveis, é punido com pena de
prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra
disposição legal.
Artigo 335.º do Código Penal, com a versão dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de
Novembro
Tráfico de influência
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação,
solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial,
ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer
entidade pública, é punido:
a) Com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por
força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita
favorável;
b) Com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, se pena mais
grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma
qualquer decisão lícita favorável.
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der
ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no número
anterior para os fins previstos na alínea a) é punido com pena de prisão até 3 anos ou
com pena de multa.
Artigo 335.º do Código Penal, com a versão dada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril
Tráfico de influência
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação,
solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial,
ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer
entidade pública, é punido:
a) Com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por
força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita
favorável;
b) Com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, se pena mais
grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma
qualquer decisão lícita favorável.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der
ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no número
anterior para os fins previstos na alínea a) é punido com pena de prisão até 3 anos ou
com pena de multa.
Visa-se também perseguir uma conduta cujo desvalor intrínseco está já interiorizado na
comunidade (fala-se, em Portugal, de clientelismo como um fenómeno endémico que se
pretende combater), e cujo resultado de pôr-em-perigo, na formulação de Faria Costa, é
criminalmente relevante, por fender bens jurídicos constitucionais e plenamente merecedores
de tutela penal 16.
12
Referimos a Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa, de 27-01-1999, ratificada em
07-05-2002 e vigência iniciada em 01-09-2002, e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de
31-10-2003, ratificada em 28-09-2007 e com vigência em 28-10-2007.
13
José Mouraz Lopes, Sobre o Novo Crime de Tráfico de Influência, pp. 55-65.
14
Pedro Caeiro, ob. cit., p. 275
15
Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, pp. 909-910.
16
Ver, relativamente ao princípio da ofensividade, Faria Costa, “Noções Fundamentais de Direito Penal,
p. 181.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
A sistematização escolhida foi objecto de várias críticas, mormente por o agente do crime não
ter necessariamente a qualidade de funcionário.
Ainda assim, consideramos que a escolha se justifica porquanto o bem jurídico tutelado é, na
verdade, a protecção do Estado de Direito e do seu funcionamento, sendo este o motivo para
integrar tal crime nos mencionados Título e Capítulo. 18
Por fim, sempre se diga a norma incriminadora passou a prever, após a versão dada pela Lei
n.º 30/2015, de 22 de Abril, dois crimes autónomos, independentes entre si, sancionados com
penas diferentes, e que são:
Um crime de abuso de confiança passivo, que pode ser próprio (para acto ilícito) ou
impróprio (para acto lícito), constante no n.º 1 do preceito, e
Um crime de abuso de confiança activo próprio (somente para acto ilícito), no seu n.º 2.
O bem jurídico é o critério e fundamento de tutela penal, à luz de uma concepção teleológico-
funcional e racional do bem jurídico, assumindo um conteúdo material de corporização de
valores, onde é prioritário e prevalecente o interesse público 19.
17
Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, ob. cit., p. 825.
18
Sofia Sobreiro Calado, ob. cit., p. 22
19
Neste sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-2011, relator Henriques
Gaspar, processo n.º 456/08.3GAMMV, disponível em www.dgsi.pt.
20
Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, p. 114.
21
Na redacção anterior à Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, Pedro Caeiro, ob. cit., p. 276, afasta a
tutela do património do comprador de influência, explicando que este é tutelado pela burla, no
contexto em que a incriminação não previa como crime o acto de comprar/acordar a influência.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Esta perspectiva ficou definitivamente prejudicada, segundo cremos, com a redacção dada
pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, que criminalizou a conduta do traficante-
comprador, impossibilitando assim um juízo favorável à tutela do seu património.
Ao escolher não criminalizar o comprador de influência que busca obter da entidade pública
uma decisão lícita, fica comprometida também a posição que a erigia em bem jurídico tutelado
pela norma 22.
A posição que cremos maioritária na doutrina defende que a norma tutela a autonomia
intencional do Estado 23, porquanto o crime tutelava uma situação de perigo, cujo dano
efectivo seria a existência de decisões ilícitas decorrentes do abuso da influência, sendo
utilizados os poderes funcionais públicos ao serviço de interesses particulares.
Contudo, aderimos aqui à posição de Paulo Pinto de Albuquerque, segundo a qual o bem
jurídico protegido pela norma é a preservação do Estado de Direito, na vertente da liberdade
de actuação das entidades públicas ou que exerçam funções públicas, bem como a integridade
do exercício das funções dos seus funcionários 24.
Passamos agora a transcrever tal preceito legal, de molde a analisá-la com maior acuidade:
Artigo 335.º com a versão dada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril
Tráfico de influência
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação,
22
Referindo-se à Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, Margarida Silva Pereira, ob. cit., pp. 300-301,
afasta a tutela da honra e o prestígio da Administração Pública como bem jurídico tutelado.
23
Margarida Silva Pereira, Acerca do Novo Tipo de Tráfico de Influência, p. 317, Pedro Caeiro, ob. cit.,
pp. 276-277, Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, ob. cit., p. 823 e Almeida Costa, Estudos e
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011, mencionado por Sofia Sobreira Calado, ob.
cit., p. 20.
24
Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 1085, Miguez Garcia e Castela Rio, ob. cit., p. 1332 e Sofia
Sobreira Calado, ob. cit., p. 20.
59
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
A sobredita solicitação pode ser efectuada de forma directa ou de forma indirecta, sendo que
neste último caso utiliza-se outrem (a interposta pessoa).
Quando falamos numa interposta pessoa, incluímos aquela que é previamente encarregue
pelo agente de solicitar, mas não só.
Abrange ainda as situações em que tal interposta pessoa actua de moto próprio e cujo
comportamento vem ulteriormente a ser ratificado pelo agente/traficante de influência.
Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette consideram que engloba as situações em que o
interposto age «no interesse do primeiro e na convicção de que procede de harmonia com a
vontade do mesmo» 26.
O tipo legal de que cuidamos é caracterizado pela doutrina mais avisada como um crime
comum, porquanto pode ser cometido por qualquer pessoa, não se exigindo que o agente
tenha certa qualidade ou que sobre si recaia determinado dever especial. 27
Sem prejuízo, a doutrina tem também apontado existir «um círculo natural de agentes»,
constituído pelas pessoas que se encontram numa posição próxima às entidades decisórias da
pretensão concreta, frequentemente por motivos profissionais 28.
Define-se ainda por constituir um crime de perigo abstracto, porque a conduta criminalizada
apenas coloca em perigo o bem jurídico protegido, por se entender sobrevir, nestes casos,
«uma presunção inilidível de perigo associada à conduta típica» 29.
25
Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, pp. 823-824.
26
Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, ob. cit., p. 823.
27
Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, p. 113.
28
Pedro Caeiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pp. 279 e 281.
29
Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pp. 114 e 1085, Miguez Garcia e Castela Rio, ob. cit., p. 1332.
60
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Quanto ao objecto da acção, trata-se de um crime de mera actividade, que se consuma pela
mera execução de um comportamento humano.
O traficante declara, em troca da mencionada vantagem, utilizar a sua influência sobre uma
entidade pública.
A lei prevê o preenchimento do tipo tanto pelo traficante que tem uma influência efectiva e
real como por aqueloutro que tem uma mera influência suposta, independentemente desta
existir, ter existido ou vir a existir. 30.
Excluem-se das situações típicas aquelas em que não existe acordo, mas o traficante vendedor
recebe uma gratificação espontânea, posteriormente ao acto decisório que lhe tenha sido
favorável de algum modo e que motivou a dita liberalidade 33.
30
Noção que elucidaremos infra.
31
Pedro Caeiro, ob. cit., pp. 281-282, exemplifica com a situação em que o traficante vendedor actua
com reserva mental, sendo esta irrelevante (artigo 244.º do Código Civil)
32
Victor de Sá Pereira/Alexandre Lafayette, ob. cit., p. 825
33
No sentido da atipicidade destas condutas pronunciou-se o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão
de 27-04-2010, relator Maria José Nogueira, proc. 31/08.2TAEVR.E1, disponível em www.dgsi.pt e
Migues Garcia / Castela Rio, ob. cit., p. 1333.
34
Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 1086, considera tratar-se de uma tentativa impossível punível,
verificados os requisitos do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal.
35
Sofia Sobreira Calado, ob. cit., p. 31.
61
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
O artigo prevê duas situações diferentes quanto à pena aplicável, consoante a decisão
“transacionada” seja ilícita ou lícita: nos casos em que a decisão almejada é ilícita, estamos
perante um tráfico de influência próprio; se a decisão que se visa é lícita, o tráfico de influência
diz-se impróprio.
A expressão “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal” consiste
na consagração de uma cláusula de subsidiariedade expressa, que remete o aplicador para as
relações resultantes do concurso de normas.
Assim, a pena do crime de tráfico de influência cede perante pena mais grave, que caiba ao
agente por força de outra disposição legal, desde que «a sua conduta preencha igualmente os
elementos típicos dos respetivos crimes [subsidiários]». 37
No artigo 335.º, n.º 2, do Código Penal o legislador estabeleceu o tipo legal também
denominado como tráfico de influência activo (próprio, pois visa um acto ilegal), que por ora
iremos analisar:
36
Não se confunde esta situação com a defesa do lobbying lícito, como actividade legítima e
merecedora de regulamentação legal, vide Margarida Silva Pereira, ob. cit., p. 313 e nota genérica de
Migues Garcia / Castela Rio, ob. cit., p. 1333.
37
Vide o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 04-06-2013, processo 237/12.0GDSTB.E1, relator
António João Latas, disponível em www.dgsi.pt).
62
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
O acto “traficado” tem de ser, para o preenchimento do crime de tráfico de influência activo,
um acto ilícito, como resulta da remissão do artigo 335.º, n.º 2 para o seu n.º 1, alínea a),
excluindo assim expressamente a alínea b), ou seja, que haja tráfico de influência activo para
acto lícito.
Em síntese, o legislador pune o tráfico de influência activo próprio, que visa um acto ilícito,
mas deixa impune o tráfico de influência activo impróprio, que busca o acto lícito.
38
Afasta-se aqui o conceito do círculo de agentes, já que qualquer interessado numa decisão judicial
ilícita pode ser, em potência, o agente do tráfico de influência activo.
39
Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pp. 114 e 1085, e ainda Miguez Garcia e Castela Rio, ob. cit., p.
1332.
63
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
O tráfico de influência activo consuma-se com a dádiva ou a sua promessa, por parte do
“traficante-comprador”, de forma totalmente independente do exercício concreto de qualquer
tipo de influência abusivo e, como acima já referimos, da existência da mesma. 40
A sanção estatuída para este crime é pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou pena de multa de
10 a 360 dias, nos termos dos artigos 335.º, n.º 2, 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, todos do Código
Penal.
Este crime de tráfico de influência activo próprio (para acto ilícito) é punível com pena inferior
ao tráfico de influência passivo próprio (igualmente visando um acto ilícito), porquanto
sobrevém, no que diz respeito ao agente perpetrador daquele último, ora um dever acrescido
de protecção à entidade pública para a qual exerce funções (no caso de ser funcionário), ora
por se encontrar mais perto daqueles que o são.
Outrossim, também à luz das necessidades de política criminal se afigura que o desvalor da
conduta que acabamos de referir é maior, já que o agente negoceia com as virtualidades
inerentes ao seu cargo, ou com o cargo de alguém que pode influenciar.
Como corolário dos argumentos que expendemos, a lei não consagra aqui a regra da
subsidiariedade expressa, que permitiria a aplicação de pena superior pelo cometimento dos
factos constantes da norma de proibição.
40
Entendimento indisputado na doutrina.
64
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
arguido, de que com a sua conduta sabe que atua contra direito, com consciência da
censurabilidade da conduta» 41.
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, exige-se ainda um elemento subjectivo adicional para o
preenchimento do tipo, que é a «intenção de abusar da sua influência».
Contudo, esta intenção depende de uma «acção depende de uma acção ulterior a praticar pelo
traficante de influência, pelo que estamos perante um crime de acto cortado». 42
Numa palavra, o tipo subjectivo exige que o agente tenha ainda a especial intenção a intenção
de abusar da influência, seja o traficante-vendedor que diz que vai exercer (quer o faça quer o
não faça, como já vimos), seja o traficante-comprador que pretende aproveitar-se desse
exercício por outrem.
As normas incriminadoras ínsitas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 335.º do Código Penal utilizam o
conceito “entidade pública” para classificar o ente junto do qual o agente irá abusar da
influência, seja esta efectivamente detida ou não.
Numa primeira aproximação, poderemos dizer que o n.º 1 do artigo 386.º do Código Penal
consagra o conceito de funcionário para efeitos da lei penal, abrangendo o funcionário civil, o
agente administrativo, os árbitros, jurados e peritos e quem desempenhe função ou participe
na função administrativa, jurisdicional, ou em organismo de utilidade pública.
41
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2018-03-07, relator Orlando Gonçalves, no Processo
n.º 189/14.1PFCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
42
Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 1086.
65
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Por sua vez, o n.º 2 do referido artigo contém uma cláusula, através da qual são equiparados
aos funcionários, os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas
públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital
público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
Por fim, consagra-se uma regra específica para determinados crimes, na qual se inclui
expressamente o crime de tráfico de influência, desde a alteração legislativa levada a cabo
pela Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril.
Assim, por efeitos desta cláusula englobam o conceito de funcionário “os magistrados, de
órgãos nacionais ou estrangeiros (desde que a sua competência seja reconhecida por
Portugal), funcionários, agentes e equiparados de organizações de direito internacional
público, independentemente da nacionalidade e residência e os funcionários nacionais de
outros Estados (no caso da infracção ter sido cometida, pelo menos em parte, em território
Português).
Por conseguinte, abusa quem faz um uso desmedido da influência resultante de uma relação
pessoal, familiar, profissional, religiosa, creditícia ou outra, com o fito de obter uma vantagem,
como se defendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-04-2010. 47/48
43
Nas sucessivas redacções anteriores, tanto a norma incriminadora como a do artigo 386.º do Código
Penal, discutiu-se o respectivo âmbito que, para uns, incluía a magistratura no conceito de funcionário
(vide, Pedro Caeiro, ob. cit., pp. 281 e 282). Em sentido diverso, Margarida Silva Pereira, ob. cit., p. 325.
44
Sofia Sobreira Calado, ob. cit., p. 27
45
Miguez Garcia e Castela Rio, ob. cit., p. 1332, Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 1086 e Sofia
Calado.
46
Margarida Silva Pereira, ob. cit., pp. 258 e 293-294, explicando que o abuso de confiança é um “plus”
relativamente ao mero uso de influência.
66
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Contudo, tal noção não é pacífica na doutrina, pois há quem considere que o abuso apenas
deve decorrer de relações profissionais, considerando as outras formas irrelevantes para este
tipo legal. 49
Para o preenchimento do tipo não se mostra essencial que seja possível identificar quem se
tentou ou logrou influenciar, o que resulta da lei mencionar a expressão “entidade pública” ao
invés da menção de “funcionário”, que implicaria tal individualização.
O artigo 346.º do Código Penal estatui as penas acessórias aplicáveis ao cometimento do crime
de tráfico de influência.
As penas acessórias são aquelas que só podem ser decretadas conjuntamente com uma pena
principal, e têm que estar expressamente previstas na lei para o crime em causa. 50
Para o crime de que aqui tratamos, a lei estatuiu penas acessórias com projecção na
idoneidade cívica do agente, ou seja, na visão da comunidade sobre a probidade e rectidão
que a pessoa ligada a actividades/entidades públicas deve perpassar entre e para os cidadãos,
e que está na base da confiança que lhe foi granjeada ao conceder-lhe funções de tal jaez.
De outra banda, saliente-se que pode concomitantemente ser aplicada tal pena acessória ao
agente que apenas influencia a entidade pública, com qual pode nem ter qualquer tipo de
vínculo.
Também aqui esta conduta se revela merecedora de censura, e portanto, de pena acrescida,
sancionando-se o desrespeito pela eminente função pública, em qualquer das suas vertentes
ou reflexos de tipo de poder.
Assim, a pena acessória visa limitar, pelo menos temporalmente, alguns direitos associados à
vida cívica, como o sejam eleger ser eleito para determinados cargos e ser jurado.
47
Migues Garcia e Castela Rio, ob. cit., p. 1332 e Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 1086.
48
Margarida Silva Pereira, ob. cit., pp. 280-281 exclui, por tipicamente irrelevantes, as relações de
ascendente do pai sobre o filho, a relação com o amigo a quem se deve favores, e do próprio credor
sobre o devedor.
49
Pedro Caeiro, ob. cit., p. 281.
50
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28-02-2018, relator Vasques Osório, processo
211/17.0GAMIR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
67
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
A medida concreta da pena acessória é ponderada à luz do enunciado no artigo 71.º do Código
Penal, fazendo, pois, uso dos mesmos critérios que aquele normativo prevê.
De resto, consideramos ser ainda aplicável a pena acessória nos casos de subsidiariedade
expressa, já acima referenciados, desde logo porque a isso a lei (e o seu espírito) em nada
obstam a tal.
O agente preenche o tipo legal e é punido por essa incriminação, com outra pena que lhe cabe,
também por efeito da própria norma incriminadora pelo que à pena aplicável é sempre
possível fazer acrescer a pena acessória prevista no artigo 346.º do Código Penal. 52
2.1.8. Da tentativa
Prima facie, concluir-se-ia que a punibilidade da tentativa teria quedado arredada, pela letra
da lei, nos casos em que a punição é inferior a 3 anos, ou seja, no tráfico de influência passivo
impróprio (punível com pena até 3 anos, nos termos do artigo 335.º, n.º 1, alínea b), do CP) e
51
Conforme resulta, aliás, do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e do artigo
65.º, n.º 1, do Código Penal.
52
Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, ob. cit., p. 841.
53
Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02-10-2013, relator Cacilda Cena, processo
141/10.6GBPCV.C1, disponível em www.dgsi.pt
68
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
no tráfico de influência activo próprio (punível com pena de prisão até 3 anos, nos termos do
artigo 335.º, n.º 2, do CP).
Restaria apenas o tráfico de influência passivo próprio, passível de punição por via da pena de
1 a 5 anos, resultante do artigo 355.º, n.º 1, alínea a), do CP.
Ainda assim, há autores que consideram o crime de tráfico de influência passivo próprio
permite a existência de tentativa sem, contudo, exemplificarem a situação que estão a
antever. 54
Da nossa parte, parece-nos que a situação concebida pelos autores é aquela em que a
solicitação se extravia, não havendo, portanto, uma solicitação à outra parte, como também
acontece se o traficante-vendedor declara que aceita o que lhe foi oferecido (pelo traficante-
comprador, cujo crime já se consumou) mas que tal declaração nunca chega ao destinatário, já
que se trata de uma declaração receptícia que não foi recebida, nos termos do artigo 224.º, n.º
1, do Código Civil.
Ademais, há situações especiais, que podem justificar a punição da tentativa, como o caso em
que o agente dá ou promete uma vantagem posteriormente ao acto decisório favorável.
Caso desconhecesse que a decisão favorável tinha já sido proferida, o agente pode ser punido
à luz da tentativa impossível punível, desde que não seja manifesta a impossibilidade de haver
abuso de influência para obter uma decisão que já ocorreu (ou seja, a inexistência do objecto
essencial à consumação do crime, nos termos do artigo 23.º, n.º 3, in fine, do CP). 55
Não sendo possível a tentativa, também se afasta o regime geral da desistência da mesma,
previsto nos artigos 24.º e 25.º do Código Penal. Contudo, não deixa a lei de estabelecer uma
regra, em paralelo, que permita de alguma forma atenuar a punição daquele que activamente
se arrepende, como analisamos de seguida.
Pode ler-se em tal norma que «quando um crime previsto neste capítulo supuser a produção de
um perigo, a pena é especialmente atenuada se o agente voluntariamente fizer diminuir por
forma considerável o perigo produzido pela conduta ou o afastar».
54
Miguez Garcia/Castela Rio, ob. cit., p. 1334.
55
Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pp. 1085-1086.
69
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Temos, assim, a regra que espelha o conteúdo do artigo 24.º, com as necessárias adaptações
para permitir a sua aplicação a um crime já consumado, por se tratar de mero
empreendimento.
Logo, não se mostra suficiente o esforço sério para afastar o perigo (que os artigos 24.º e 25.º
aceitam), exigindo-se sim a sua supressão ou efectiva diminuição 56, o que podemos
exemplificar quando o agente desiste do que requereu perante a administração ou entidade
pública, desde que tal torne inútil a decisão que daquela resultaria.
Esta atenuação especial segue os termos gerais, aplicando-se o artigo 73.º do Código Penal.
Se o ilícito for cometido por um agente que seja titular de cargo político, o artigo 335.º do
Código Penal mantém a sua aplicabilidade, acrescendo uma agravação prevista no artigo 5.º da
Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.
Trata-se este de um verdadeiro caso de especialidade, por força da qualidade do agente como
decorre do artigo 2.º da mencionada Lei.
Por seu turno, o artigo 10.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto, prevê o crime de tráfico de
influência no âmbito desportivo (conquanto seja perpetrado por uma das pessoas enunciadas
no seu artigo 2.º). Estamos aqui perante uma outra relação de especialidade, aplicando-se a
norma da Lei n.º 50/2007.
Já quanto ao crime de burla, sobrevém no que ao mesmo diz respeito uma relação de
consunção com o crime de tráfico de influência, na hipótese de o traficante não deter
qualquer tipo de ascendente sobre aquele a quem competia tomar a decisão, tendo ainda
assim iludido o comprador em sentido inverso.
56
Pedro Caeiro, ob. cit., pp. 326-328.
57
Quanto a estes exemplos, vide Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pp. 1085-1086.
70
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
3. Da gestão do inquérito
Vejamos alguns dos procedimentos que se mostram essenciais para uma correcta direcção do
inquérito, relativamente ao crime em questão.
Após concluir que os factos integrantes do inquérito são susceptíveis de serem qualificados
como a prática do crime de tráfico de influência, cabe proceder aos seguintes actos:
Competência territorial
Como o crime em causa é, quanto ao objecto da acção, de mera actividade, consuma-se com a
simples execução do comportamento humano proibido pela norma criminal.
Assim, vigora a regra do artigo 19.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante CPP),
segundo a qual a competência cabe ao Ministério Público do locus delicti ou seja, o local da
pratica do facto.
No caso de crime tentado, apenas é punível o tráfico de influência passivo, já que a moldura
prevê uma pena superior a 3 anos.
Neste caso, é competente o Ministério Público do local da prática do último acto preparatório
(cf. artigos 19.º, n.ºs 1 e 3, e 264.º, n.º 1, do CPP, 23.º, n.º 1, do CP).
Data de prescrição
71
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Cumpre, pois, determinar que o mesmo seja «anotado na capa» do inquérito e inserido no
sistema Citius.
Assim caso os haja, o prazo máximo do inquérito é de 8 meses, nos termos dos artigos 276.º,
n.º 3, alínea a), e 215.º, n.º 2, do CPP).
Se não existirem arguidos presos ou sujeitos àquela obrigação, o prazo máximo de duração do
inquérito é ampliado para 14 meses (artigos 276.º, n.º 2, alínea a), 215.º, n.º 2, do CPP).
Tudo, sem prejuízo da declaração de especial complexidade, prevista no artigo 276.º, n.º 3, do
CPP.
Investigação prioritária
A Lei-Quadro da Política Criminal (Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio) estabelece que definição de
objectivos, prioridades e orientações em matéria de prevenção da criminalidade, investigação
criminal, acção penal é efectuada por Lei, competindo ao Governo apresentar à Assembleia da
República, de 2 em 2 anos, proposta de lei sobre a política criminal para o biénio, nos termos
do seu artigo 7.º, n.º 2.
Encontra-se em vigor a Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto, que procedeu à definição dos
objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019
(normativo que não foi revogado e não se destina a vigorar por um período determinado de
tempo, nos termos do artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, resultando).
Resulta da interpretação conjugada dos artigos 2.º, alínea h), e 3.º, alínea j), que o crime de
tráfico de influência é de investigação prioritária, conforme consta, aliás, do Relatório Síntese
sobre Corrupção e Criminalidade Conexa da Procuradoria-Geral da República.
Nestes termos, cumpre determinar que seja anotado na capa que se trata de um inquérito
relativo a crime de investigação prioritária, consignando tal informação no sistema Citius.
72
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal,
que actual sob a sua orientação e na sua dependência funcional.
Como corolário do que se acabou de afirmar, podem estes ser encarregados de levar a cabo
diligências e investigações que o Ministério Público entenda necessárias (cf. artigos 55.º, n.º 1,
56.º, n.º 1, 262.º, n.º 1, 263.º, e 270.º, n.º 1, todos do CPP).
Destarte, cumprirá ao Ministério Público determinar que a Polícia Judiciária proceda a actos de
investigação deste crime, no âmbito do inquérito, fixando um prazo máximo para a conclusão
dos mesmos.
O artigo 1.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro – diploma criado como forma
legislativa de combate à criminalidade organizada e económico-financeira – abarca, no seu
âmbito de aplicação, o crime de tráfico de influência, pelo impacto que o mesmo tem feito
sentir na estrutura organizacional do nosso país.
Nesse sentido, os artigos 6.º, e 7.º da sobredita Lei consagraram a possibilidade de perda
alargada de bens em caso de condenação pela prática de tal ilícito.
Este regime pretende dirimir a acumulação de património gerado pela prática do crime,
estabelecendo ademais uma presunção iuris tantum 58, cuja ilusão cabe ao Arguido, e que
antevê como vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património
daquele último e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
Ainda na esteira do estatuído pela lei em questão, é ao Ministério Público que compete
liquidar, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado, nos
termos do artigo 8.º.
58
Acórdão da RP, datado de 23-05-2018, proc. n.º 448/16.9T9VFR-T.P1, Relator Alexandra Pelayo.
73
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Por outro lado, o referido diploma prevê concomitantemente o instituto do arresto, como
forma de assegurar a perda do valor do património incongruente (vide, para tal, o preceituado
no artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro).
Assim, para concretizar o supra mencionado, deverá ser notificado o Gabinete de Recuperação
de Activos para que este possa apurar qual o património incongruente, passível de declaração
de perda a favor do Estado.
Comunicações específicas
O despacho final do inquérito por crime de tráfico de influência deve ser comunicado ao
Conselho de Prevenção da Corrupção, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 9.º, n.º 3,
da Lei n.º 54/2008, de 04 de Setembro.
Por se tratar de um crime da competência reservada da Polícia Judiciária, segundo o artigo 7.º,
n.º 2, alínea j), da LOIC, deve ser comunicado o despacho final do inquérito ao Departamento
da Polícia Judiciária que investigou os factos, após o decurso do prazo previsto no artigo 278.º
do CPP, nos termos da Circular da PGR n.º 4/2008.
Hiperligações
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
Referências bibliográficas
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
2. Do Crime de Tráfico de Influência
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
I. Introdução
II. Objectivos
III. Resumo
1. Origem e evolução histórica do tráfico de influência
2. O crime de tráfico de influência em Portugal
3. Passagem do tempo sobre o crime de tráfico de influência
4. Enquadramento jurídico do crime
4.1. Classificação do crime
4.2. Bem jurídico
4.3. Elemento objectivo do tipo
4.4. Entidade pública
4.4.1. O abuso de influência
4.4.2. A Influência Suposta
4.4.3. A Vantagem
4.4.4. A Decisão
4.4.5. O Agente do Crime
4.5. Elemento subjectivo do tipo
4.6. Consumação
4.7. Tentativa
4.8. Comparticipação
4.9. Concurso
5. Tráfico de influência e outros tipos legais
5.1. O tráfico de influência e o crime de burla
5.2. O tráfico de influência e o crime de corrupção
6. Prática e gestão do inquérito
6.1. A notícia do crime e a abertura de inquérito
6.2. Investigação
6.2.1. A competência para a investigação
6.2.2. Investigação Prioritária
6.3. Meios de prova e de obtenção de prova
6.3.1. A Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro
6.4. Segredo de justiça
6.5. Perda de bens a favor do Estado
6.6. Medidas de coacção e de garantia patrimonial
6.7. Comunicações
IV. Hiperligações Referências bibliográficas
I. Introdução
“Quem não tem santos não entra no Paraíso” (provérbio italiano)
A esta circunstância não é alheia a evidente carência de aplicação deste tipo de ilícito nos
tribunais portugueses, resultante da escassa discussão doutrinária e insuficiente formação de
jurisprudência enquanto consequência da sua complexa aplicação, da constante confusão com
outros tipos legais e por ter sido, outrora, objecto de aceitação social.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Por outro lado, levanta diversos problemas ao nível da investigação, desde logo, pela
dificuldade de que se reveste a prova do acordo celebrado entre traficante-vendedor e
comprador e a linha que separa esse acordo do “comportamento socialmente adequado”.
II. Objectivos
O principal desiderato deste trabalho passa pela clarificação da tipificação do crime de tráfico
de influência, que, conforme já aflorámos, reveste-se de alguma complexidade.
Propomo-nos analisar este crime e esbater as confusões com outros tipos legais,
designadamente com o crime de corrupção.
Seguidamente, esclarecer quais as condutas que dele fazem parte e as significativas alterações
de que foi sendo alvo, aflorando qual o bem jurídico protegido pela incriminação, o que terá,
necessariamente, implicações práticas.
Apesar da manifesta escassez de elementos reais, tentaremos fazer uma excursão também
com alguma incidência sobre a gestão processual do crime em análise.
III. Resumo
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Este crime, que punia quem comercializava uma alegada influência, estava incluído entre os
crimes de injúria e corrupção contra a Autoridade e a sua punição destinava-se especialmente
a proteger o prestígio e a reputação dos juízes, que, frequentemente, eram influenciados 1.
Em 1823, PASCOAL DE MELLO FREIRE, no Projeto de Código Criminal, trata do crime de tráfico
de influência, mas integrando-o no crime de Prevaricação.
No Código Penal de 1852, era crime o “mercadejar influência”, previsto no seu artigo 452.º,
que punia apenas a influência suposta.
O Código Penal de 1886 também previa o crime de tráfico de influência, mas CAVALEIRO
FERREIRA teceu-lhe duras críticas, considerando que o crime era muito restritivo e que,
ficando de fora a influência real, apenas se estava perante um crime de burla.
A norma que incrimina o crime de tráfico de influência surgiu em Portugal em 1995, inspirada
pelos Códigos Penais francês e espanhol, que tipificaram estes comportamentos pela
necessidade de punição sentida pela opinião pública.
1
MAYRINK DA COSTA, Álvaro, “Criminalidade na Administração Pública – Peculato, Corrupção, Tráfico
de Influência e Exploração de Prestígio”, in Revista da EMERJ – v. 13 n.º 52 – 2010, n.º 37, disponível
também em http://www.youblisher.com/p/228089-Revista-da/
2
SILVA PEREIRA, Margarida, in “Acerca do novo tipo de tráfico de influência”, Jornadas Sobre a Revisão
do Código Penal – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1998, páginas 271 e 272.
3
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 261.
81
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
MAIA GONÇALVES esclarece que: “A introdução deste crime destinou-se a colmatar eventuais
lacunas na incriminação de condutas manifestamente censuráveis e que, sem ele, poderiam
escapar à punição por impossibilidade de subsunção a tipos afins ou conexos, designadamente
ao de corrupção, de burla, e de abuso de autoridade por funcionário” 4.
Ao contrário da quase totalidade dos preceitos introduzidos na Parte Especial do Código Penal,
que proveio do projecto elaborado pela Comissão Revisora do Código Penal e acolhido pela
proposta de Lei n.º 35/94, de 15 de Setembro, e, depois, pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de
Março, o tráfico de influência nasceu na Assembleia da República, sendo fruto do acordo dos
partidos que aí tinham assento.
O facto de o “político” se impor neste tipo legal, atribui-lhe características muito singulares.
A ideia do legislador foi punir quem acorde ir obter de uma entidade pública qualquer decisão
ilícita que seja do interesse da parte com quem celebrou o acordo, mediante um pagamento
que esta realize ou com o qual se comprometa.
A grande discussão doutrinária em torno deste crime e a sua crescente semelhança ao crime
de burla fizeram com que, no Código Penal de 1982, este desmerecesse consagração legal,
tendo sido eliminada qualquer alusão legislativa a seu respeito.
Desta forma, caiu em relativo esquecimento o crime de tráfico de influência, que só mais de
uma década depois voltaria a ser criminalizado.
A redacção do crime de tráfico de influência que vigora nos dias de hoje surgiu em virtude da
Reforma Penal de 1995, por sugestão dos códigos espanhol e francês, após ter sido
abandonada a sua consagração legal por mais de uma década.
Na sua primeira versão, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, o crime de
tráfico de influência tinha o seguinte recorte:
Artigo 335.º
Tráfico de influência
Quem obtiver, sem que lhe seja devida, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou a
sua promessa, para, abusando da sua influência, conseguir de entidade pública decisão ilegal
4
GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, in “Código Penal Português: Anotado e Comentado, Legislação
complementar”, 18.ª edição, Almedina, página 1030.
82
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Na sequência da reforma penal operada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, passou o crime
em causa a estar previsto nestes termos:
Artigo 335.º
Tráfico de influência
Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou
aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa,
para abusar da sua influência, real ou suposta, com o fim de obter de entidade pública
encomendas, adjudicações, contratos, empregos, subsídios, subvenções, benefícios ou outras
decisões ilegais favoráveis, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais
grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Actualmente, na redacção dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, o crime de tráfico
de influência está previsto da seguinte forma:
Artigo 335.º
Tráfico de influência
1 – Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar
ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua
promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública,
é punido:
a) Com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de
outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita favorável;
b) Com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, se pena mais grave
lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer
decisão lícita favorável.
2 – Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou
prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no número anterior
para os fins previstos na alínea a) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de
multa.
83
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
É bom de ver que, hoje, o tráfico de influência é um crime mais amplo e abrangente do que na
sua redacção inicial, o que também resulta de um esforço de encontro com as convenções
internacionais que hoje vêem na corrupção um verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento das
sociedades actuais.
O crime de tráfico de influência encontra-se previsto no artigo 335.º do Código Penal e está
sistematicamente inserido no Título V (Dos crimes contra o Estado), Capítulo I (Dos crimes
contra a segurança do Estado) e Secção II (Dos crimes contra a realização do Estado de
Direito).
Entende-se a lógica do legislador ao organizar a disposição do Código pelos bens jurídicos que
os crimes pretendem tutelar.
5
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 269.
6
Relatório Síntese do Ministério Público de Corrupção e Criminalidade Conexa
7
Relatório Anual de Segurança Interna de 2018
84
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Não podemos, no entanto, deixar de aludir à desproporção desencadeada pela posição deste
ilícito junto de outros que, apesar de se destinarem a proteger a “realização do Estado de
Direito”, em nada mais se assemelham a este.
Estes outros compreendem, na esmagadora maioria, comportamentos associados a crimes de
violência propriamente dita, manifestados por condutas explícitas de destruição, desordem e
agressão material a órgãos de soberania, visando assim atingir a construção do Estado de
Direito.
Sobre esta questão tendemos a concordar com MARGARIDA SILVA PEREIRA 8, que alerta para
a excessiva amplitude do conceito “atentar contra o Estado de Direito” e apresenta a sua
discordância em relação à posição do artigo no Código.
A autora afirma que o crime se poderia incluir entre os “Crimes Cometidos no Exercício de
Funções Públicas” na Secção I do Capítulo IV do CP, agrupada com outros que lhe são
idênticos, visto constituir o tráfico de influência uma forma de corrupção.
Defende não existir uma “quebra da sua coerência sistemática” com a inserção deste ilícito
num capítulo no qual predominam crimes próprios, visto que também o crime de corrupção
activa, previsto e punido nos termos do artigo 374.º do mesmo Código, prescinde da relação
especial do agente do crime.
Parece-nos inegável afirmar que também o crime de corrupção – quer activa, quer passiva –
atenta contra os princípios de igualdade e imparcialidade inerentes ao exercício de funções
públicas, lesando consequentemente o Estado de Direito democrático, mas tal não constituiu
razão suficiente para lhe dar colocação diversa.
Podemos, assim, concluir que a única razão que levou o legislador a colocar o crime de tráfico
de influência afastado dos crimes que a ele se assemelham foi o facto de o mesmo ser
praticado por um agente que não detém qualidades especiais – um extraneus –, sacrificando a
lógica pela qual se deve pautar o Código, em prol de uma coerência que já havia sido quebrada
(com o crime de corrupção activa).
8
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 317.
9
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 296.
85
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Com efeito, a classificação deste ilícito típico depende do bem jurídico que entendermos que o
mesmo protege, o que adiante analisaremos.
O crime de tráfico de influência será, assim, um crime de dano, para quem entenda serem os
bens jurídicos por ele tutelados a salvaguarda da imagem e prestígio da Administração Pública.
No entanto, não basta que se pratique qualquer acto destinado a exercer a dita influência para
que seja verdadeiramente posto em causa o prestígio da Administração.
Para que tal aconteça deve ser tido em conta um outro critério: a credibilidade do traficante. A
capacidade para ferir a imagem da Administração Pública não se pode bastar com uma simples
proposta de exercício de influência, devendo esta fazer-se acompanhar de um conjunto de
circunstâncias que revelem verdadeiramente a aptidão daquilo a que o autor se propõe – é o
caso da sua posição, cargo ou função que exerce –, caso contrário a sua proposta “não
intimida em princípio, nem desperta a venalidade do decisor” 10.
Quanto ao objeto da acção, o tráfico de influência é um crime de mera actividade, uma vez
que a mera conduta típica se revela suficiente para que se consume o crime.
Não é necessário que a influência venha a ser exercida, nem tão pouco que a mesma venha
sequer a ser acordada entre as partes.
O crime basta-se com a percepção de que o autor tenha controlo sobre as decisões que, à
partida, pertencem unicamente aos órgãos públicos, e que detenha o poder de as usar para
seu interesse particular.
10
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 311.
86
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Por fim, estamos perante um crime comum, na medida em que qualquer pessoa pode ser
agente do tráfico de influência, não se exigindo qualquer qualidade especial.
Para muitos, é a proteção da autonomia intencional do Estado que está na base do crime de
tráfico de influência.
É neste sentido que aponta a maioria da jurisprudência, da qual são exemplos o texto da
decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 28 de Setembro de 2011, bem
como o Acórdão de 27 de Abril de 2010, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora.
Para MARGARIDA SILVA PINTO, o negócio específico do tráfico de influência não é, pelas suas
características, susceptível de provocar uma violação da legalidade administrativa.
A sustentação de qualquer crime de perigo abstracto – como este – cria só um perigo potencial
de que se verifique a violação da legalidade administrativa e do princípio da igualdade dos
administrados – passa pela credibilidade dos meios desencadeadores do perigo em questão 13.
Acompanhando Margarida Silva Pereira, PEDRO CAEIRO 14 considera que a punição do tráfico
de influência se reconduz, tal como sucede com os crimes de corrupção, à protecção da
autonomia intencional do Estado.
Isto porque, ao abusar da sua influência junto de um decisor público, de forma a obter dele
uma decisão ilegal, o agente cria um perigo abstracto de que a influência abusiva venha a ser
exercida e, consequentemente, de que o decisor venha a colocar os seus poderes funcionais
ao serviço de interesses diversos do interesse público.
11
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República
Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3.ª edição, 2015, Universidade Católica
Portuguesa, página 1086.
12
CAEIRO, Pedro, “Comentário ao artigo 335.º do Código Penal”, in Comentário Conimbricense do
Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, página 276.
13
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 307.
14
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., páginas 276 e 277.
87
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Pedro Caeiro afasta assim, como bens jurídicos protegidos pela incriminação, o património do
comprador da influência e o prestígio da Administração Pública.
Actualmente, a actividade da função pública está abrangida pelo artigo 269.º da Constituição
da República Portuguesa.
O seu funcionamento deve pautar-se por parâmetros constitucionais de transparência e as
suas funções devem estar exclusivamente direccionadas para o interesse público,
subordinadas à letra da lei.
Além de afectar a igualdade de oportunidades entre cidadãos, colocando em crise o princípio
da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, este ilícito
também coloca em causa a confiança no exercício imparcial da Administração Pública.
O Estado e a Administração Pública (que inclui os três poderes: legislativo, executivo e judicial)
são os maiores prejudicados com o cometimento deste crime, levando ao descrédito dos
cidadãos no exercício imparcial das funções públicas.
Além de afectar a igualdade de oportunidades entre cidadãos, o crime, quer seja efetivamente
exercida influência quer seja simplesmente alardeada a sua posse, põe em causa a confiança
no exercício imparcial da Administração Pública.
A não ser assim, não ficaria a punição da influência suposta desprovida de qualquer sentido,
uma vez que quem vangloria deter na sua posse uma influência não chega a afectar a
autonomia intencional do Estado com tal insinuação?
Deste modo, é-nos permitido concluir que o crime de tráfico de influência tutela mais do que a
autonomia intencional do Estado.
Se existe uma crescente consciência de que a confiança na Administração Pública reside, em
grande medida, na imparcialidade da sua imagem, tal característica deve ser preservada e
tutelada no ilícito penal.
Neste sentido vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de Março de 2019 15,
onde ficou exarado que: “Com o referenciado tipo de crime está em causa o próprio prestígio
da Administração e, concomitantemente, a transparência da sua actuação na prossecução dos
interesses que lhe estão adstritos e não, propriamente, a salvaguarda da autonomia
intencional do Estado: assim, o bem jurídico que se pretende tutelar está associado à imagem
de transparência e imparcialidade da Administração, em todos os procedimentos de tomada de
decisões, garantindo a igualdade de tratamento de todos os cidadãos e a confiança que se
ambiciona que os mesmos tenham na Administração Pública, nos termos estabelecidos na
Constituição da República”.
15
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de Março de 2019, Proc. 3212/18.7T8BRG.G1,
Relatora Ausenda Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt
88
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
No n.º 1, alguém solicita ou aceita vantagem ou a sua promessa para abusar da sua influência
junto de qualquer entidade pública.
É o chamado traficante-vendedor.
Qualquer pessoa pode ser agente do tráfico de influência, nos termos do n.º 1, razão pela qual
estamos perante um crime comum.
Aliás, para aferir a qualidade do agente basta atentar na referência utilizada na letra de lei
“quem”, visando, pois, abranger qualquer cidadão, alheia a quaisquer especificidades do
mesmo.
Ainda que na normalidade das coisas exista, como refere Pedro Caeiro 16, um “círculo natural
de agentes”, como é o caso dos titulares de cargos políticos e os dirigentes da Administração
Pública e, de um modo geral, aqueles que são portadores de uma qualidade ou relação
especial perante a Administração.
O essencial da conduta típica prevista no n.º 1 pode resumir-se na seguinte fórmula: a norma
pune aquele que negoceia com terceiro a sua influência sobre uma entidade pública para dela
vir a obter uma decisão favorável aos interesses do dito terceiro.
Por sua vez, o n.º 2 prevê a punição do comprador de influência – aquele que (por si ou por
interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação) der ou prometer vantagem
patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no n.º 1, com o fim de obter uma qualquer
decisão ilícita favorável. Este agente não é abrangido pela alínea b) do n.º 1 (decisão lícita).
Ora, parece lógico que quem dá ou promete vantagem seja também punido, mas com uma
moldura penal menor, já que quem vai exercer a influência junto de uma entidade pública é o
traficante, cabendo a este uma pena mais elevada.
16
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 279.
89
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
obtenção de decisão ilícita) quer o tráfico de influência impróprio (para obtenção de decisão
lícita).
Fica também de fora o denominado “lobbying lícito”, referindo MARGARIDA SILVA PEREIRA17
que é no critério da “adequação social” que assenta a exclusão típica de todos os
comportamentos que, apesar de aparentemente análogos, o não são por não exprimirem o
mesmo grau de perigo de lesão dos bens administrativos que aqui se protegem.
O uso do bom nome profissional é socialmente adequado, sendo que só se entrará no âmbito
do tráfico de influência quando o especialista contratado o seja para fazer valer não a sua
perícia técnica, mas relações sociais, políticas e sindicais que lhe confiram posição de
ascendente no processo de influência.
Assim, não há tráfico de influência quando se contrata um especialista em questões de
urbanismo para conseguir que a Administração aceite o projecto que lhe apresentou.
Ou seja, sempre que se detecte o uso de relações pessoais fora da deontologia profissional, o
tráfico de influência existe.
Em suma, através deste ilícito típico visa-se evitar que o agente, contra a promessa ou entrega
de uma vantagem, abuse da sua influência junto de um decisor público, por forma a obter dele
uma decisão, criando, desse modo, o perigo de que a influência abusiva venha a ser exercida e
que, em consequência, o decisor venha a colocar os seus poderes funcionais ao serviço de
interesses diversos do interesse público.
Além da pena principal prevista no artigo 335.º, ao agente deste crime pode, ainda, ser
aplicada a pena acessória prevista no artigo 346.º do Código Penal.
17
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 312.
18
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 300.
90
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O abuso é exercido sobre uma entidade pública, sendo que abusa quem faz um uso desmedido
da influência derivada de uma relação pessoal, familiar, profissional ou outra, com o fito de
obter uma vantagem (havendo quem considere que a influência deve restringir-se a relações
profissionais, como adiante analisaremos) 19.
Por “entidade pública” deve entender-se qualquer pessoa física ou colectiva que exerça
funções estaduais (políticas, governativas, administrativas, empresariais ou jurisdicionais),
incluindo as funções atribuídas por concessão, bem como os funcionários equiparados, nos
termos do artigo 386.º, n.º 3, do Código Penal 20.
Para MARGARIDA SILVA PEREIRA, o que releva será “o exercício da função fundado em
designação que a lei preveja”, referindo que tal conceito remete-nos para o conceito jurídico-
penal de funcionário, razão pela qual entende que a magistratura se encontra excluída do
conceito de entidade pública, uma vez que a exemplificação do tipo não se afeiçoa às decisões
judiciais 21.
Para PEDRO CAEIRO 22, o termo “entidade pública” é uma noção com significado mais difuso,
sendo toda aquela cuja actividade se rege essencialmente pela prossecução do interesse
público, para que as decisões dos seus agentes não possam estar ao serviço de interesses
privados.
Para preenchimento deste tipo legal de crime, basta que o traficante exerça uma influência
real sobre uma entidade pública, sem necessidade de identificar uma concreta pessoa humana
passível de ser influenciada, sendo entidades públicas as entidades servidas pelos agentes que
o artigo 386.º do CP enumera, às quais devem acrescer os órgãos políticos.
Para o autor, não há nenhuma razão para se excluir a magistratura, pois também essas
decisões devem ser exclusivamente subordinadas à prossecução do interesse público.
Quem instiga determina outrem preservando total respeito pelo seu arbítrio, sendo
certamente punido se produzir em terceiro um desígnio criminoso que este concretize. A
persuasão em si mesma não é crime.
19
GARCIA, Miguez, CASTELA RIO, J. M., in “Código Penal – Parte Geral e Especial, com notas e
comentários”, 3.ª edição actualizada, Edições Almedina, 2018, página 1332.
20
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, in ob. cit., página 1086.
21
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 325.
22
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 282.
91
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O “influenciar” está num patamar intermédio: depois da persuasão e dentro da inibição, mas
uma inibição não criminosa em sentido tradicional.
Por outro lado, tipifica-se o acordo para o abuso de influência, quando se omite tipificar a
conspiração para ameaçar ou coagir funcionário ou para praticar corrupção activa como crimes
autónomos. Ou seja, parece que é crime a preparação de uma conduta não criminosa, ao
mesmo tempo que se decide não reconhecer importância típica à preparação de
comportamentos ulteriores tipificados (coacção, ameaça, corrupção) 23.
Para que o traficante receba uma vantagem, tem de abusar da sua influência junto de uma
entidade pública. Abusar da influência significa utilizá-la para além dos limites, de forma
excessiva, fazendo um uso desmedido da mesma.
Existem duas posições diferentes entre as partes, tendo uma delas uma posição de
supremacia, de modo a constranger a outra parte, exercendo grande pressão sobre a entidade
pública e fazendo com que esta viole os deveres do cargo público que exerce.
Não existe uma luta de vontades, mas sim uma adesão por constrangimento.
O decisor demonstra assim venalidade no exercício da sua profissão, deixando-se subornar,
“vendendo” o seu poder, acabando por violar a deontologia do seu cargo 24.
O intraneus (decisor) será motivado em termos menos constrangedores do que uma pessoa
ameaçada ou coagida.
A este propósito é interessante fazer um paralelismo com o assédio sexual, previsto nos
Códigos francês e espanhol, em que o autor do crime não ameaça nem coage, mas é o
constrangimento que provoca no assediado – acenando com a vulnerabilidade do seu
23
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 293.
24
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 295.
92
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
emprego ou com outros malefícios sociais, de natureza académica, por exemplo – que funda a
consideração criminosa.
Ou seja, em ambos os casos a liberdade de agir é tolhida, mas de forma menor do que nos
casos de ameaça ou coacção: no assédio sexual, é a agressão à vontade do assediado, num
domínio tão sensível como a liberdade e autodeterminação sexual; no tráfico de influência, é o
perigo que nocivas determinações de vontade do decisor conduzam a que a função
administrativa se desvirtue.
Uma questão muito discutida é a de saber se a influência que o traficante detém pode resultar
das suas relações pessoais ou se, pelo contrário, requer que essa influência apenas derive de
uma relação profissional com o decisor.
Para PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE 26, a influência pode resultar de qualquer ascendente do
traficante de influência sobre o decisor, seja de origem familiar, afectiva, religiosa, associativa
ou profissional.
Na mesma esteira, para JOSÉ MOURAZ LOPES 27, o abuso de influência poderá consistir no acto
de alguém se fazer prevalecer não apenas através de relações profissionais, como igualmente
familiares ou quaisquer outras, para a obtenção de vantagens que de outro modo não
conseguiriam obter.
Já PEDRO CAEIRO 28 e MARGARIDA SILVA PEREIRA 29 não concordam com tal afirmação,
considerando que a influência deve ser apenas restrita a relações profissionais.
Refere a autora que “O amigo, o pai, o credor, poderão constranger, sim, mas não poderão,
enquanto tais, por causa dessa relação pessoal, instilar venalidade”.
Assim, o constrangimento tem de ter um nexo com a situação profissional do decisor, cedendo
à pressão sobre si exercida, que viole de tal modo a deontologia do cargo.
Será traficante de influências com grandes hipóteses de sucesso quem, estando inserido no
circuito decisório, coloca as relações pessoais que tem, ou o poder de que é detentor, ao
serviço da venda de favores.
25
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 293.
26
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, in ob. cit., página 1086.
27
MOURAZ LOPES, José, “Sobre o Novo Crime de Tráfico de Influência”, in “Revista do Ministério
Público”, n.º 64, Out/Dez 1995, página 65.
28
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 281.
29
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., páginas 297 e 310.
93
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Vende relações pessoais que têm expressão no mundo profissional, que podem condicionar
intranei decisores.
Ele não é uma qualquer pessoa com disponibilidade para ser corrupta.
É uma pessoa que pode ser corrupta de um modo “qualificado”.
Consideramos que não estão em causa apenas relações profissionais. Existe uma verdadeira
influência quando esta é exercida por alguém que detém relações pessoais com o decisor,
atingindo do mesmo modo o bem jurídico protegido pelo tipo, a Administração Pública e
pondo em causa do mesmo modo a autonomia intencional do Estado.
Ora, não se compreende como se podem considerar não abrangidos os familiares, amigos,
parceiros de negócios, credores, entre outros, pois estes têm a mesma capacidade (ou até
maior) de influenciar o decisor, agindo este com a mesma venalidade, cedendo à pressão da
influência exercida.
A relevância penal é a mesma, não podendo as condutas influenciadoras que derivam de
relações pessoais ser ignoradas, até porque o bem jurídico protegido pelo crime de tráfico de
influência está, da mesma forma, a ser lesado.
Faz, pois, todo o sentido abranger os familiares e amigos que, pela proximidade e ocasião, se
apresentam como verdadeiros candidatos a influir nas decisões do intraneus (decisor), de
forma tão ou mais flagrante do que aqueles que estão inseridos no seu seio profissional, ainda
para mais quando essa característica não altera em nada o bem jurídico que o crime pretende
tutelar e da letra da lei nada resulta em sentido contrário.
30
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Setembro de 2011, Relator Belmiro Andrade,
Proc. 169/03.2JACBR.C1, disponível em www.dgsi.pt
31
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 281.
94
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
No Código Penal de 1852, o crime de “mercadejar influência”, previsto no seu artigo 452.º,
punia apenas a influência suposta.
A influência suposta foi introduzida no crime de tráfico de influência em 1998, com a revisão
do Código Penal. Ocorre quando o traficante alardeia possuir uma influência que não detém
sobre um decisor, de modo a negociar com um terceiro a presumida influência a troco de uma
vantagem.
Existe, assim, uma influência suposta quando o traficante, na realização do acordo para abusar
da sua influência, dissimula ou finge que possui influência sobre uma entidade pública. O crime
não exige assim que o agente detenha, efectivamente, essa posição de superioridade sobre
uma entidade pública.
Neste sentido, MARGARIDA SILVA PEREIRA 32 afirma que “O funcionário situado em baixo nível
de hierarquia da Função Pública não é um credível autor de tráfico de influência”.
Vários são aos autores que discordam da incriminação do tráfico de influência quando se trata
apenas de uma influência suposta, afirmando que a mesma é inconstitucional, por violar o
princípio da necessidade da lei penal, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa.
Defendem assim que, não desfrutando o agente de uma real influência no momento do
acordo, não haverá qualquer perigo penalmente relevante para a Administração; logo, não
haverá necessidade de punição da respetiva conduta.
PEDRO CAEIRO 33 considera que “a influência suposta é absolutamente inócua para o bem
jurídico, mesmo que provinda de fonte credível”, sendo que, nos casos de influência suposta,
apenas haverá uma tentativa impossível de tráfico de influência.
32
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 311.
33
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 278.
95
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Na mesma esteira, MARGARIDA SILVA PEREIRA34 considera que a influência suposta “não tem
consistência lesiva com dignidade penal, pois não significa recurso a formas institucionalizadas
de uso constrangedor do poder, e muito menos têm idoneidade para desencadear uma decisão
iníqua da Administração”.
Não cremos que seja assim tão linear, pois, se o discurso do traficante-vendedor se revestir da
determinação necessária para persuadir quem o escuta, levando-o a celebrar negócio consigo,
será idóneo para realizar o crime.
A influência suposta, desamparada de uma aparência que lhe transmita credibilidade, não
preencherá os requisitos necessários para a tipificação do crime de tráfico de influência.
Não comportará, portanto, bastante carácter lesivo sobre o prestígio da Administração, sendo
a sua punição uma medida desproporcionada, incompatível com o princípio da
proporcionalidade.
Com certeza que quem entende que o prestígio e a imagem da Administração não são bens
jurídicos protegidos pela norma, considerará que a influência suposta não poderá ser punida,
pois faltará a exigência constitucional da necessidade de lei penal para proteger um bem
jurídico.
Ou seja, o entendimento da figura da “influência suposta” varia consoante o bem jurídico que
se considera ser o tutelado pelo crime em análise.
Consideramos que, nas situações em que o agente simula influência, apesar de não alcançar
efectivamente o decisor para obter uma decisão favorável, já existe uma solicitação ou
aceitação, ou mesmo um acordo, que são penalmente relevantes, criando um perigo para o
exercício imparcial da Administração.
34
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 311.
96
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Isto porque a compra da influência suposta produz a aparência de que a decisão a tomar é
determinável pelo traficante e, por isso, gera a descrença na honestidade, isenção,
imparcialidade e correcção que devem presidir ao exercício das funções públicas.
A crença da corruptibilidade do Estado provoca, inevitavelmente, o descrédito das instituições
públicas, afectando a credibilidade e confiança dos cidadãos no Estado.
É certo que se o traficante não possuir influência sobre o decisor, a Administração não está a
ser directamente lesada, mas não é necessário que o seja.
Através da negociação da influência já se está a atingir a credibilidade da Administração, que,
com essa actuação privada, cria a desconfiança dos cidadãos num Estado imparcial, abalando
os princípios do Estado de Direito.
A incriminação do tráfico de influência suposta é idónea a proteger o bem jurídico tutelado e o
prestígio e honra da Administração Pública, na medida em que o comprador acredita que a
decisão a tomar vai ser influenciada pelo traficante, gerando a desconfiança da sociedade e
afectando a dignidade do funcionário público.
É também esta a opinião de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE 35, que expressamente afirma
que a figura da influência suposta “não viola os princípios da necessidade e da mínima
intervenção do Direito Penal, afigurando-se como um instrumento fundamental na defesa do
próprio Estado de Direito”, sendo por isso conforme aos artigos 1.º e 18.º da Constituição da
República Portuguesa.
4.4.3. A Vantagem
Trata-se do proveito do negócio, o benefício que se pretende alcançar com a prática do crime
na vertente do traficante e o preço que o comprador da influência paga para a adquirir.
Será a vantagem que move o traficante a praticar a conduta ilícita, de modo que não faria
sentido conceber a figura sem que a vantagem fosse conhecida e acordada previamente à
execução do crime.
35
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, in ob. cit., página 1086.
36
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, in ob. cit., páginas 1085 e 1182.
97
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Quando o legislador se refere a vantagem, pressupõe que esta seja indevida e abarca um
universo que se estende para além de benefícios económicos.
Por fim, é importante atender à teoria da adequação social para delimitar as condutas dignas
de censura das que advêm de um comportamento socialmente adequado, respeitantes a
oferendas insignificantes ou permitidas pela praxe social, para as quais carecerá o crime de
relevância penal.
4.4.4. A Decisão
A influência exercida tem sempre como objectivo o alcance de uma decisão (lícita ou ilícita),
tendo esta que ser obtida ilegitimamente.
A decisão que se visa alcançar tem de ser favorável, ou seja, tem de satisfazer o interesse do
comprador de influência, mesmo que tal interesse se consubstancie num prejuízo de terceiro.
A decisão é, assim, favorável sempre que coincida com os interesses do comprador, mesmo
que tal interesse resida, exclusivamente, num prejuízo de terceiro, sem benefício próprio 37.
Essa decisão pode consistir nos mais variados actos, desde uma nomeação, uma aprovação de
um projecto, uma dispensa de serviço militar, entre muitas outras.
O tráfico de influência é punido quer seja para obter uma decisão ilícita (tráfico de influência
próprio), quer seja para obter uma decisão lícita (tráfico de influência impróprio), apenas
variando a medida da pena para cada uma, à semelhança do crime de corrupção para acto
lícito ou ilícito.
A tomada de uma decisão ilícita impõe que a entidade pública pratique ou omita um acto em
violação aos deveres do seu cargo 38.
A punição do tráfico, quando se trate de decisão lícita, é também adequada a proteger o bem
jurídico, pois o traficante, ao influenciar a entidade pública, faz com que esta tome uma
decisão “viciada”, ou seja, determinada pelo suborno e não de acordo com os critérios legais e
com o interesse público que deveria defender.
A lei não permite o tráfico de influência activo impróprio, ou seja, o comprador de influência
apenas é punido se a decisão a obter for ilícita, justificando-se esta restrição pela legalidade da
actuação do comprador, que está a agir de acordo com os seus interesses.
O comprador de influência pretende que seja tomada uma decisão, decisão essa lícita e que
lhe é favorável.
Ao acordar com um traficante de influência está apenas a usar os meios que possui para fazer
valer os seus direitos, não pretendendo com isso lesar a Administração Pública.
37
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 283.
38
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, in ob. cit., página 1190.
98
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Já quanto ao traficante, este acorda com o comprador com o intuito de obter uma vantagem,
usando a sua influência com a entidade pública, justificando-se a sua punição, uma vez que
lesa directamente o bem jurídico.
Contudo, a incriminação do exercício de influência para obtenção de decisão lícita não é isenta
de dificuldades: esta decisão está abrangida pela discricionariedade administrativa, várias
vezes abrangendo outros intervenientes, e a prova de que houve uma influência de terceiro
torna-se muito difícil, sobretudo pela sujeição ao princípio in dubio pro reo 39.
Com tais dificuldades também se depara a corrupção imprópria: verificar quando é que a
decisão tomada tem como base interesses pessoais do decisor, e não interesses públicos, pode
tornar-se uma tarefa problemática.
Os crimes previstos no nosso ordenamento jurídico podem ser delimitados entre crimes
comuns e crimes próprios, dependendo dos agentes que os praticam.
Os crimes comuns podem ser praticados por qualquer pessoa, aos quais não são exigidas
quaisquer características particulares para consumar o crime.
Já quanto aos crimes próprios, são exigidas qualidades ou deveres que os distinguem dos
demais e que, em virtude de determinadas características, funções ou posição, só podem ser
praticados por estes.
Para cometer o crime de tráfico de influência, o agente não tem de possuir qualquer qualidade
especial ou típica. O traficante de influência, ou seja, quem solicita ou aceita vantagem para
abusar da sua influência, não tem subjacente qualquer especificidade, uma vez que, para
abusar da influência, o agente não tem necessariamente de a ter, bastando para tal a
influência suposta.
Também o comprador de influência, aquele que dá ou promete vantagem, não tem de ter
qualquer qualidade.
Logo, estamos perante um crime comum, no qual quem o exerce não necessita de ter nenhum
cargo específico, nem de exercer funções públicas.
O agente é, assim, um extraneus.
Como critério para aferir a qualidade do agente é feita referência à utilização no Código Penal
Português da palavra “quem”, visando a norma abranger qualquer cidadão,
independentemente de quaisquer especificidades ou características do mesmo.
Concluindo, o detentor da influência tem uma posição ambígua, em razão do seu privilegiado
acesso ao decisor, mas tal, na opinião da doutrina maioritária, não é razão suficiente para o
considerar intraneus. Isto porque não detém qualidades especiais, dependendo de um terceiro
– esse sim, intraneus – para cumprir o objectivo com que se compromete.
39
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 324.
99
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Do ponto de vista subjectivo, o crime de tráfico e influência reveste natureza dolosa, sendo
compatível com qualquer das modalidades do dolo, nos termos previstos pelo artigo 14.º do
Código Penal.
O tipo subjectivo inclui um elemento subjectivo adicional – “para abusar da sua influência” –,
que não faz parte do tipo objectivo mas é provocado por uma acção ulterior a praticar pelo
traficante de influência.
Ou seja, a intenção é elemento subjectivo do tipo, mas o fim prosseguido não faz parte do tipo
e, por isso, basta a intenção para que o crime fique consumado (crime de resultado cortado).
Assim, não obstante se requeira que o sujeito actue com intenção de abusar da sua influência,
a consumação do crime não depende da efectivação dessa influência.
4.6. Consumação
A consumação do crime dá-se pelo acordo entre o traficante e o comprador, não sendo
elemento indispensável à sua verificação o exercício efectivo da influência, pois, tal como
sucede com a corrupção, não é necessário para a consumação do crime que a influência seja
exercida e que seja obtida uma decisão favorável 40.
A “gratificação” outorgada depois do abuso de influência, sem acordo prévio, não é abrangida
pelo tipo 41.
Existe o entendimento segundo o qual o crime fica consumado sem que se necessite do acordo
entre os agentes, sendo o perigo da solicitação ou da dádiva de uma vantagem suficiente para
consumar o crime e para ser já um perigo para o bom funcionamento da Administração.
PEDRO CAEIRO e MARGARIDA SILVA PEREIRA manifestam uma notória insatisfação com este
entendimento de consumação do crime em causa.
40
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Setembro de 2011, Proc. n.º 169/03.2JACBR.C1,
Relator Belmiro Andrade, disponível em www.dgsi.pt
41
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 282.
42
PEREIRA, Maria Margarida Silva in ob. cit., página 323.
100
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Na mesma linha de pensamento, PEDRO CAEIRO alega que incriminar a mera solicitação de
vantagem ou a sua promessa, traduzidas na disponibilidade de celebrar um acordo para
exercer influência, equivale a um alargamento da punibilidade que vai para além do razoável.
Defende o autor que a especificidade do perigo causado pelo tráfico de influência reside no
pactum sceleris (pacto do crime), pois só o seu estabelecimento permite presumir que o
traficante, sentindo-se vinculado por ele, exercerá de facto a influência indesejada 43.
Ambos consideram que a antecipação da tutela penal para um momento anterior ao pactum
sceleris é violadora do princípio da necessidade e da intervenção mínima da lei penal, previsto
nos artigos 1.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.
Assim, punir a título de consumação a simples solicitação de vantagem, quando se aceita que o
próprio pactum sceleris provoca apenas um perigo abstracto para o bem jurídico, significa
estender a punibilidade muito para além daquilo que é consentido pelo mandamento jurídico-
constitucional da necessidade da tutela penal.
E nem se diga que a incriminação da influência suposta atalhará eventuais problemas de prova
(nomeadamente, a prova de que o agente tinha de facto influência real sobre o decisor), que
redundariam, a mais das vezes, na aplicação do princípio in dubio pro reo e consequente
absolvição do agente – esta ratio político-criminal não pode sobrepor-se à exigência
constitucional da necessidade de lei penal para proteger um bem jurídico.
No plano da ofensividade para o bem jurídico, parece muito difícil ver no tráfico de influência
coisa diversa de uma situação análoga à preparação dos crimes de corrupção activa e de
(instigação ao) abuso de poder, porquanto os actos preparatórios destes crimes não são
punidos e, quando cometidos na forma consumada, cabem-lhes molduras penais idênticas ou
inferiores ao tráfico de influência.
43
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 278.
44
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 323.
101
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
PEDRO CAEIRO conclui, assim, que a actual formulação da norma é infeliz, merecendo outro
desenho da factualidade típica e devendo ser cominada com uma moldura penal mais branda,
por comparação com a ofensa (mais grave) provocada pela corrupção activa.
Será que a mera solicitação de uma vantagem para exercer influência é suficiente para
consumar o crime?
A mera solicitação de vantagem já ofende a imagem da Administração e a autonomia
intencional do Estado?
É certo que o traficante tem um papel mais decisivo no êxito da execução do crime, sendo que
a detenção da influência merece uma maior preocupação.
E será que a mera oferta de vantagem – na óptica do comprador – com o objectivo de obter
como contrapartida uma influência será suficiente para que o crime seja consumado?
O mero acto de solicitar influência a um indivíduo alheio ao exercício de funções, apesar de
censurável, não justificará a intervenção da tutela penal.
Será que se justifica um regime mais brando para quem deseja algo e está disposto a obtê-lo
mediante um preço e um regime mais rígido para quem se diz detentor do poder de
influenciar e conseguir a vantagem pretendida?
Será que as condutas das duas figuras autónomas no crime de tráfico de influência – o
traficante e o comprador – correspondem a distintos momentos de consumação, sendo
bastante a punição da mera solicitação de vantagem pela pessoa do traficante e para o
comprador a consumação observa-se na ocasião em que se formula o pacto para exercer a
influência?
4.7. Tentativa
A mera solicitação de vantagem deve ser punida como tentativa de tráfico de influência.
45
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, in ob. cit., página 1086.
102
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O mesmo se diga de todas as diligências e negociações efectuadas até à obtenção, por parte
do traficante, de uma vantagem ou da sua promessa 46.
A tentativa terá lugar quando não chegar a verificar-se a obtenção de vantagem patrimonial
ou a sua promessa, mas tiverem já sido desenvolvidas diligências para que esse negócio
ocorra 47.
Se no momento do negócio sobre o tráfico de influência a decisão já foi tomada, o agente deve
ser punido por uma tentativa impossível.
4.8. Comparticipação
A comparticipação é punida nos termos gerais, isto é, o crime de tráfico de influência pode
conter vários autores, tanto do lado activo como do passivo, cúmplices ou instigadores.
4.9. Concurso
Há uma relação de concurso aparente (consunção) entre o crime de burla e o crime de tráfico
de influência, se o traficante de influência não tinha qualquer influência sobre o decisor e usou
de artifícios para convencer o comprador da influência do contrário.
46
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 284.
47
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 332.
48
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 284.
49
CAEIRO, Pedro, in ob. cit., página 284.
103
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
nas palavras de Margarida Silva Pereira, a corrupção entra em cena após a consumação do
tráfico de influência, e não há como reconduzir todo o comportamento a uma unidade típica.
A autora não coloca de parte a hipótese de estarmos perante um crime continuado, tendo em
consideração que o bem jurídico é o mesmo, pelo que, se a execução for realizada de forma
homogénea, no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua
consideravelmente a culpa, então poderemos estar perante crime continuado 50.
MARGARIDA SILVA PEREIRA defende que o tráfico de influência consome o crime de abuso de
poder, previsto no artigo 382.º do Código Penal 51.
Contudo, esta situação não se colocará em concreto, pois, se o agente for funcionário, o abuso
de poder consubstanciado na celebração do acordo traduz-se num crime de corrupção passiva
para acto lícito, ou seja, nunca seria um abuso de poder, muito embora tal afirmação seja
correcta.
O tipo de ilícito em apreciação tem afinidades com outros, designadamente, com o crime de
burla e de corrupção.
Remonta às origens do crime de tráfico de influência a estreita relação existente entre o seu
conteúdo, nomeadamente na modalidade de influência suposta, e o que dispõe a lei para o
crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217.º do Código Penal.
Quando o traficante se vangloria com uma influência que não possui e celebra com o
interessado a troca desta por uma vantagem, cria com o comprador uma relação que em
muito se assemelha ao crime de burla.
Na verdade, em ambos os crimes, a expectativa de uma parte é frustrada pelo erro que a
outra, maliciosamente, semeou nesta.
No entanto, apesar das semelhanças e da correlação entre as duas figuras, são várias as razões
que nos permitem fazer uma clara e concisa distinção.
50
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 333.
51
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 331.
104
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O crime de burla compõe as situações em que o agente do crime induz a vítima em erro para,
desse modo, obter desse ou de terceiro uma vantagem patrimonial, às custas do prejuízo
causado. Daqui decorre o bem jurídico protegido por este ilícito: o património do lesado,
vítima do crime, que é diferente do bem jurídico protegido pelo crime de tráfico de influência.
Por outro lado, enquanto no crime de burla existe uma vítima, no tráfico de influência
(suposta) o comprador da influência é, também ele, autor do crime, tendo a sua conduta em
vista um fim ilícito.
Acresce que a vantagem no crime de tráfico de influência pode ter as mais variadas formas,
enquanto no crime de burla se limita à vantagem patrimonial.
52
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 290.
105
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Outro elemento comparativo entre estes tipos de crime é a moldura penal a aplicar ao agente.
O crime de corrupção passiva para acto ou omissão contrário aos deveres do cargo prevê a
aplicação da pena mais grave entre os crimes de corrupção, que vai de um a oito anos e, no
caso da corrupção passiva para acto ou omissão não contrário aos deveres do cargo, a pena vai
de um a cinco anos.
No crime de tráfico de influência passivo, a moldura penal a aplicar ao agente depende de o
abuso ter como objectivo a obtenção de uma decisão licita ou ilícita.
Nos termos da alínea a) do n.º 1, a moldura penal a aplicar ao agente atinge no máximo cinco
anos, se o fim for obter decisão ilícita favorável, e, nos termos da alínea b), a moldura penal vai
até três anos, se a decisão a obter for lícita favorável.
O crime de corrupção passiva também admite punição quando a vantagem serve para um acto
ou omissão não contrários aos deveres do cargo – à semelhança da decisão lícita no crime de
tráfico de influência.
Há uma antecipação da tutela penal, pois existe uma punição para o funcionário que actua,
mesmo que licitamente, não através de critérios legais, mas sim subornado, com motivações
externas ao cargo que ocupa.
Conforme refere MARGARIDA SILVA PEREIRA 53, a relação entre corruptor e corrupto não é
hierarquizada, eles são partes iguais num contrato que livremente celebraram.
O mesmo já não sucede no tráfico de influência, em que existe um exercício indevido de
qualquer forma de ascendente em relação ao decisor público, usando o traficante relações
pessoais que lhe conferem um poder sobre aquele.
Não se trata de um contrato para ameaçar ou coagir um decisor público, pois quem influencia
abusivamente não tolhe a liberdade de determinação da entidade influenciada por si.
Contudo, não podemos olvidar o adjectivo “abusiva”.
A conduta típica dos dois ilícitos é semelhante, uma vez que em ambos se admite o
cometimento do crime através da solicitação ou aceitação/dádiva ou promessa de vantagem,
tanto pelo agente como por pessoa interposta, sem que seja necessária a verificação da
transferência desta para a esfera do funcionário.
E essa vantagem poderá ser, tanto na corrupção como no tráfico de influência, patrimonial ou
não patrimonial.
53
SILVA PEREIRA, Margarida, in ob. cit., página 329.
106
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Conforme dispõe o artigo 68.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP), “Podem
constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais
conferirem esse direito: qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como
nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário,
denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio,
abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção”.
Trata-se de um crime em que, a mais das vezes, não há um interesse particular que
directamente seja violado pela infracção.
Recebida a notícia do crime, o Ministério Público, mediante os factos relatados, abre inquérito,
nos termos do artigo 262.º, n.º 2, do CPP, registando o tipo de crime que considera encontrar-
se preenchido.
Sendo o Ministério Público o titular da acção penal, cabe-lhe a direcção do inquérito, sendo
coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal, que actuam sobe a sua directa orientação,
encontrando-se na sua dependência funcional (artigos 263.º, 55.º e 56.º, todos do CPP).
6.2. Investigação
No que diz respeito à competência para a realização do inquérito, resulta do artigo 264.º, n.º
1, do CPP, que é competente para a realização do inquérito o Ministério Público que exercer
funções no local em que o crime tiver sido cometido.
Ou seja, no caso do tráfico de influência o crime é em regra cometido, tendo em consideração
as regras previstas no artigo 7.º do CP, no local onde se dá o acordo de vontades entre
traficante-vendedor e comprador.
Contudo, é importante ter em consideração que, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea h), do
Estatuto do Ministério Público, compete ao Departamento Central de Investigação e Acção
107
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
É ao Ministério Público que cabe dirigir a investigação, conforme dispõe o artigo 2.º, n.ºs 2 e 4,
do aludido diploma legal, podendo delegar competências de investigação nos órgãos de polícia
criminal ou ele próprio proceder à investigação.
Em face do tipo de ilícito em questão, a investigação deverá ser levada a cabo pelo Ministério
Público ou, pelo menos, deverá o mesmo ter uma intervenção vigorosa na mesma, na medida
em que terá melhor preparação técnica para a investigação deste tipo de crime, dadas as suas
especificidades, não obstante a reconhecida preparação técnica da Polícia Judiciária.
Estamos perante um crime de investigação prioritária, nos termos do disposto no artigo 4.º,
n.º 1, alínea e), da Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho, o que deverá ser identificado nos
respectivos processos, de harmonia com o estipulado no Ponto I, 1, da Circular n.º 4/2010, da
PGR.
A investigação de tais inquéritos terá precedência sobre processos não prioritários.
No referido diploma legal, ficou exarado que: “A defesa do Estado de direito democrático
requer, por seu turno, que se mantenha a atribuição de prioridade na prevenção e na
investigação de fenómenos como o tráfico de influência, a corrupção, o branqueamento e
ainda o peculato e a participação económica em negócio – crimes que põem em causa a
relação de confiança entre os cidadãos e o Estado e afectam o bom funcionamento da
economia”.
Preliminarmente, urge referir que estamos diante um ilícito que se reveste de grande
dificuldade probatória.
108
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Por outro lado, atendendo a que também o exercício de influência para obtenção de decisão
lícita é punido, a prova de que houve uma influência de terceiro torna-se ainda mais difícil.
Verificar quando é que a decisão tomada tem como base a influência exercida sobre o decisor
e não interesses públicos pode tornar-se uma tarefa problemática.
Posto isto, para além das normas gerais previstas no CPP referentes aos meios de prova, meios
de obtenção de prova e realização do inquérito, existe também legislação avulsa à qual,
cremos, deverá ser dado particular destaque, atendendo ao concreto crime em análise.
Desde logo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, o segredo profissional dos membros dos órgãos
sociais das instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento e
instituições de moeda electrónica, dos seus empregados e de pessoas que a elas prestem
serviço, e bem assim, o segredo dos funcionários da administração fiscal, cede se houver
razões para crer que as respectivas informações têm interesse para a descoberta da verdade.
No artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, encontra-se também prevista a
admissibilidade, para a investigação do tráfico de influência, do registo, por qualquer meio, de
voz e imagem, sem o consentimento do visado.
Estes registos dependem de prévia autorização ou ordem do juiz e ficam sujeitos, com as
necessárias adaptações, às formalidades previstas no artigo 188.º do CP.
Deve ser ponderada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 86.º, n.º 3, do CPP, a
sujeição do inquérito ao regime do segredo de justiça, atentos os circunstancialismos do crime
de tráfico de influência, mais atreito a influências e pressões que podem afectar a preservação
da prova.
109
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
De acordo com o plasmado no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, o Ministério Público liquida,
na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado.
Não sendo, porém, possível a liquidação aquando da dedução daquele despacho, ela ainda
poderá ser efectuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira
audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos.
O arguido pode, contudo, provar a origem lícita dos bens, ilidindo a presunção que sobre si
recai.
Os prazos máximos da prisão preventiva são os que resultam do artigo 215.º, n.º 2: seis meses,
dez meses, um ano e seis meses e dois anos.
Estes prazos poderão ainda ser alargados nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 215.º,
quando o processo se revelar de excepcional complexidade devido, nomeadamente, ao
número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
Em casos que o justifiquem, deverá ainda ser requerida, como medida de garantia patrimonial,
a prestação de caução económica, nos termos do artigo 227.º do CPP, podendo também ser
requerido o arresto preventivo dos bens do arguido, nos termos do artigo 228.º do mesmo
diploma, havendo fundado receio da perda da garantia patrimonial ou no caso de ter sido
previamente fixada e não prestada a caução económica.
6.7. Comunicações
110
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
3. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
tiverem realizado as investigações nos casos de crimes cuja investigação seja da sua
competência reservada, como sucede com o crime de tráfico de influência.
Por outro lado, a Lei n.º 54/2008, de 4 de Setembro, que criou o Conselho de Prevenção da
Corrupção, determina, no artigo 9.º, n.º 3, a remessa àquele órgão de cópia das decisões de
acusação ou arquivamento respeitantes a crimes de tráfico de influência.
Hiperligações
Referências bibliográficas
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
I. Introdução
II. Objetivos
III. Resumo
1. Enquadramento jurídico
1.1. Evolução do crime de tráfico de influência
1.2. Tráfico de influência nos instrumentos internacionais
1.3. Tráfico de influência no direito comparado
1.4. Crime de tráfico de influência
1.4.1. Apreciação da sua inserção sistemática
1.4.2. O bem jurídico protegido
1.4.3. Generalidades
1.4.4. Tipo objetivo de ilícito
1.4.5. Tipo subjetivo
1.4.6. Pena acessória
1.4.7. Formas especiais de crime
1.4.8. Distinção de figuras afins
1.4.9. Caso especial de tráfico de Influência
2. Prática e gestão processual
2.1. Natureza do crime, notícia do crime e abertura do inquérito
2.2. Direção, Competência, Finalidade e Âmbito do inquérito
2.3. A prova e a sua obtenção
2.4. Medidas de coação e de garantia patrimonial
2.5. A Detenção do arguido pelo Ministério Público
2.6. Segredo de Justiça
2.7. Prazo do inquérito
2.8. Do encerramento do inquérito
2.9. Da prescrição do procedimento criminal
2.10. Alguns dados estatísticos
IV. Hiperligações e referências bibliográficas
I. Introdução
II. Objetivos
115
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
III. Resumo
O trabalho divide-se em duas partes: uma de índole mais teórica e outra de índole prática.
Na primeira parte, aborda-se a evolução do crime de tráfico de influência, incluindo uma breve
referência ao crime nos Instrumentos Internacionais e no Direito Comparado. Procede-se,
ainda, a uma análise do tipo legal de crime no ordenamento jurídico português, clarificando-se
o bem jurídico protegido, o tipo objetivo e subjetivo de ilícito, as formas especiais do crime e
as questões de concurso. Por fim, uma breve referência a um tipo especial de tráfico de
influência (o previsto no artigo 10.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto).
1. Enquadramento jurídico
1
ÁLVARO MAYRINK DA COSTA, «Criminalidade na Administração Pública – Peculato, Corrupção, Tráfico
de Influência e Exploração de Prestígio», in Revista da EMERJ – v. 13 n.º 52 – 2010, n.º 37, disponível em
http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/publicacoes_revista/revista/revista52/Revista52_37.pdf ou em
http://www.youblisher.com/p/228089-Revista-da/
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Quando, no ano de 228 D.C., o Imperador Alexandre Severo, tomou conhecimento que
Vetrônio Turino, que frequentava a corte, recebia dinheiro sob o pretexto de influir em
decisões governamentais, ordenou que Vetrônio fosse colocado numa fogueira de palha
húmida e lenha verde.
Vetrônio acabou por morrer, não pelo fumo, mas sufocado pela fumaça (fumus), enquanto um
funcionário apregoava em alta voz”. Fumo punitur qui fumum vendit (pune-se com a fumaça
aquele que vende a fumaça).
O crime, que punia quem comercializava uma alegada influência, estava incluído entre os
crimes de injúria e corrupção contra a Autoridade e destinava-se a proteger o prestígio e a
reputação dos juízes.
Mais tarde, o Código Penal de 1852, no artigo 452.º, censurava “aquele que, com pretexto de
crédito ou influencia sua ou alheia para com alguma autoridade pública, receber de outrem
alguma coisa ou aceitar promessa pelo despacho de qualquer negocio ou pretensão”.
A norma, que apenas punia a influência suposta, mereceu críticas por diversos autores.
SILVA FERRÃO 3 considerava que o tipo era muito restritivo e que deveria abranger a influência
real, enquanto que LEVY MARIA JORDÃO 4 entendia que era um crime de grande gravidade pois
desacreditava a Autoridade e os empregados públicos.
LUÍS OSÓRIO 5 criticava a aproximação ao crime de burla, por estar inserido num crime contra o
património e por não incluir a influência real.
O Código Penal de 1886 continuava a prever, no artigo 452.º, o crime de tráfico de influência.
CAVALEIRO FERREIRA 6 dirigiu-lhe duras críticas, considerando que o crime era muito restritivo
e que, ficando de fora a influência real, apenas se estava perante um crime de burla.
O Código Penal de 1982, na sua versão originária, não continha qualquer menção ao crime de
tráfico de influência.
2
Cfr. PASCOAL MELLO DE FREIRE, Ensaio do Código Criminal, Lisboa, 1823, 17, no n.º 3 dos Anexos.
3
Cfr. F. DA SILVA FERRÃO, Theoria do Direito Penal Applicado ao Código Penal Portuguez, Vol. VI, 1856,
57, pp. 136-137.
4
Cfr. LEVY MARIA JORDÃO, Comentário ao Código Penal Portuguez, 1853-54, vol. 4.º, p. 314.
5
Cfr. LUÍS OSÓRIO, Notas ao Código Penal Português, 2.ª ed., Vol. IV, p. 202. Este autor considerava que,
ao contrário do Código Italiano, este crime atentava contra a propriedade, havendo apenas defraudação
do descrédito do empregado público.
6
Assim, CAVALEIRO DE FERREIRA in ob. cit., «O tráfico de influência só está previsto, infelizmente, como
burla. Supõe, por isso, um crédito ou influência, pretextados, mas não reais. Fica de fora do âmbito da
repressão penal, uma das formas modernas mais graves e perigosas da venalidade».
117
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O Governo, porém, conferiu-lhe uma redação diferente, que veio a fixar-se em “Quem obtiver,
sem que lhe seja devida, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou a sua promessa,
para, abusando da sua influência, conseguir de entidade pública decisão ilegal sobre
encomendas, adjudicações, contratos, empregos, subsídios, subvenções ou outros benefícios é
punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força
de outra disposição legal”. 8
Por sua vez, LOPES ROCHA 11 atribui a consagração legal deste novo tipo «ao generalizado
clima de suspeição que se instalou em Portugal sobre a lisura de procedimentos por parte de
entidades públicas».
7
Ponto 192 do artigo 3.º da Lei n.º 35/94, de 15 de setembro.
8
Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março.
9
MAIA GONÇALVES, In “Código Penal Português, Anotado e Comentado”, Almedina, p. 1030.
10
In Sobre o novo crime de tráfico de influência”, in RMP, Ano 16, n.º 64, 1995, pp. 56-57.
11
“Soluções de Neocriminalização”, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Lisboa,
CEJ, 1996.
118
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS 12 referem que «a inclusão deste ilícito no Código Penal
obedece a propósitos de moralização do Estado e resulta de situações criadas pela
modernização e globalização da vida em sociedade».
Em 1998 13, o artigo 335.º foi alterado, passando a incluir no tipo a influência suposta, a
interposição de pessoa e a possibilidade de se obter vantagem não patrimonial.
Em 2001, o artigo 335.º foi novamente alterado 14. Abandonou a enumeração das decisões
para cuja obtenção era traficada a influência, contempla a punição do “comprador” de
influência (apenas quando se trata de obter vantagem ilícita) e a venda de influência para
obtenção de uma decisão lícita.
A atual redação do crime de tráfico de influência 15 elevou a moldura penal do crime. Contudo,
não criminalizou o tráfico de influência ativo para ato lícito (conforme recomendação iv do
GRECO dirigida a Portugal no âmbito do III Ciclo de avaliações mútuas sobre a aplicação da
Convenção Penal contra a Corrupção) nem pune a tentativa do n.º 1, alínea b), e do n.º 2
(recomendação da ONU dirigida a Portugal no contexto da aplicação da Convenção contra a
Corrupção, das Nações Unidas).
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção foi negociada entre 21.01.2002 e
1.10.2003 e veio a ser adotada pela Resolução da Nações Unidas n.º 58/4, de 31 de outubro de
2003 e aberta à assinatura na cidade de Mérida (México), em dezembro do mesmo ano.
O crime de tráfico de influência encontra-se previsto no artigo 18.º da Convenção.
A norma citada engloba o tráfico de influência ativo e passivo, podendo ser cometido por
agentes públicos ou qualquer outra pessoa.
A vantagem indevida deve ser concreta e ter uma conexão com a ação de influência que o
agente exerce sobre a autoridade pública.
A Convenção Penal contra a Corrupção foi aprovada pelo Conselho da Europa a 27.01.1999 e
entrou em vigor a 1.07.2002.
Estabelece a incriminação do tráfico de influência no artigo 12.º. Portugal ratificou a
Convenção, pelo que está obrigado a cumprir o que o artigo impõe.
12
“Artigo 335.º”, in Código Penal Anotado, Vol. II, 3.ª Ed., Lisboa, Rei dos Livros, 2000, p. 1471.
13
Redação da Lei n.º 65/98, de 02 de setembro.
14
Redação da Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro.
15
Redação da Lei n.º 30/2015, de 22 de abril.
119
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O artigo 12.º incrimina o tráfico de influência nacional, estrangeiro e internacional, nas formas
ativa e passiva.
Para que este crime se verifique, é necessário que haja alguém que exerça uma influência
imprópria sobre a decisão dos funcionários públicos, que haja uma promessa, direta ou
indireta, de uma vantagem indevida.
O crime engloba a influência real e suposta e também aquela que conduz a resultados não
desejados.
O vendedor de influência tem de usar a influência que deriva da sua posição com uma
intenção corruptiva, para que não existam semelhanças com o lobbying 16.
Em França, o crime de tráfico de influência foi introduzido, em 1989, nos artigos 177.º e 178.º
do Código Penal e punia o tráfico de influência para obtenção de condecorações, medalhas,
distinções e recompensas, lugares, funções e empregos.
No código penal francês em vigor, o crime de tráfico de influência encontra-se previsto nos
artigos 432-11 e 433-1. A lei penal francesa pune o tráfico de influência ativo e passivo,
cometido por funcionários e particulares, prevendo tanto a influência suposta como a real.
Em Espanha, o crime de tráfico de influência foi introduzido pela Lei n.º 90/1991, de 22 de
março, como medida de combate à corrupção que abalava a Europa na década de 90.
No código penal em vigor, o crime de tráfico de influência encontra-se previsto no capítulo VI,
artigos 428.º a 430.º.
A legislação penal espanhola pune unicamente o tráfico de influência ativo, ou seja, a conduta
de quem – particular ou funcionário – influenciar o processo motivador que leva o funcionário
a decidir, prevalecendo-se de qualquer situação derivada da sua situação pessoal e do seu
cargo, obtendo por isso um benefício económico.
16
O crime de tráfico de influência distingue-se do lobbying. Traduz-se, este, na pressão exercida
geralmente por um grupo organizado, para atingir determinados objetivos ou defender certos
interesses. Atividade licita, desde que não seja exercida com intuitos corruptivos.
120
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O crime de tráfico de influência está inserido na Secção II (Dos crimes contra a realização do
Estado de Direito) do Capítulo I (Dos crimes contra a segurança do Estado) do Título V (Dos
crimes contra o Estado) do Livro II do CP.
No mesmo sentido se pronunciou Pedro Caeiro 18, referindo que «o local apropriado para
incluir a presente infracção teria sido o capitulo IV do Titulo V (Dos crimes cometidos no
exercício de funções publicas), onde já se acolhe a corrupção activa, cuja punição não requer
que o agente exerça funções públicas».
Diferentemente, Sofia Sobreira Calado 19, considera que «a sistematização que vigora se
justifica pelo facto de a incriminação pretender proteger o mesmo bem jurídico dos crimes que
integram o Título V do Código: a imagem e o prestígio da própria Administração, a defesa do
correto e justo funcionamento das instituições do Estado; no fundo, e em último reduto, a
realização do Estado de Direito. Todos os crimes que compõem o leque de “crimes contra o
Estado” atentam contra a realização do Estado de Direito».
17
In “Acerca do novo tipo de tráfico de influência” in Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, MARIA
FERNANDA PALMA e TERESA PIZARRO BELEZA (org.), Lisboa, AAFDL, 1998, pp. 315 a 317.
18
In CAEIRO, PEDRO, “Tráfico de influência – artigo 335”, in Comentário Conimbricense do Código Penal,
Parte Especial, tomo III, FIGUEIREDO DIAS (dir.), Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 277.
19
In O Crime de Tráfico de Influência – a Questão da Influência Suposta, Dissertação, 2016, p. 12,
disponível in https://repositorio.ucp.ptIn.
121
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O direito penal tem como função a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na
sociedade (artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).
Como ensina Figueiredo Dias 20, bem jurídico é «a expressão de um interesse, da pessoa ou da
comunidade, na manutenção ou integridade de um certo Estado, objeto ou bem em si mesmo
socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso».
Uma questão que divide a doutrina e a jurisprudência é a de saber qual o bem jurídico
protegido pelo crime de tráfico de influência.
A doutrina tradicional entende que o bem jurídico protegido pelo crime de tráfico de influência
é a autonomia intencional do Estado. Neste sentido, Pedro Caeiro 21 e Margarida Silva
Pereira 22.
20
FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007,
p.114.
21
In ob. cit., p. 277.
22
In ob. cit., pp. 268 e seguintes e 306 e seguintes.
23
In O Crime de Tráfico de Influência – O Problema da influência Suposta, dissertação elaborada no
âmbito de mestrado forense.
122
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Seguindo esse trilho, Carlota Rocha Figueiredo 24 considera que a norma protege vários bens
jurídicos, como sejam «a autonomia intencional do Estado, que se relaciona com a
imparcialidade, a transparência e a legalidade no exercício de funções públicas, protegendo
igualmente a honra e o prestígio da Administração, preservando ainda o princípio da igualdade
dos cidadãos perante a lei». E conclui dizendo que «o bem jurídico protegido é o interesse e
autonomia intencional do Estado, nomeadamente a protecção da imparcialidade, da confiança
e do bom funcionamento no exercício das funções Administrativas, que se esperam realizadas
com idoneidade e justiça».
Paulo Pinto de Albuquerque 25 defende que os bem jurídicos protegidos pela incriminação são
«a preservação do Estado de Direito tal como ele se encontra estabelecido na CRP, na sua
vertente da liberdade de ação das entidades públicas, bem como a integridade do exercício das
funções dos funcionários estrangeiros e dos funcionários de organizações de direito
internacional público».
Sofia Sobreira Calado 26 converge nesta orientação, defendendo que «aquilo que visa proteger-
se com a incriminação é o prestígio, a honra e a imagem da administração. Essa protecção
reside, em último reduto, em preservar a confiança que os cidadãos devem ter na actuação das
instituições, na manutenção da credibilidade e da dignidade das entidades públicas perante a
comunidade. A certeza de cada cidadão que a Administração se regerá, na sua actuação, pelo
princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Na verdade, são bases invioláveis do Estado
de Direito os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. (…) existe
efectivamente um bem jurídico que se pretende tutelar associado à imagem de imparcialidade
da Administração, à transparência que deve imperar durante o procedimento tendente à
tomada de decisões de órgãos públicos, garantindo-se a igualdade de tratamento dos cidadãos
e, consequentemente, a confiança que se deseja que os cidadãos tenham na Administração. No
fundo, a certeza, por parte da comunidade, que a Administração não é maleável a
movimentações de influência, preservando a sua imagem de instituição credível e digna de
confiança».
24
In TRÁFICO DE INFLUÊNCIA: ANÁLISE CRÍTICA DA INCRIMINAÇÃO, dissertação elaborada no âmbito de
mestrado forense, pp. 16 e seguintes.
25
In Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, p. 1085.
26
In ob. cit., p. 21.
123
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
1.4.3. Generalidades
O crime de tráfico de influência é um crime comum ou geral, uma vez que não se requer que o
agente tenha uma certa qualidade.
Na delimitação do círculo de autores, o pronome “quem” indica que qualquer pessoa pode
cometer o crime de tráfico de influência (contrapondo-se, portanto, aos crimes específicos,
apenas suscetíveis de serem cometidos por um conjunto delimitado de sujeitos, como no caso
v.g. de crimes de funcionários – artigos 372.º a 385.º do Código Penal –, onde a ilicitude –
crime especifico próprio – ou grau de ilicitude – crime especifico impróprio – dependem de
certas qualidades ou relações especiais do agente – artigo 28.º Código Penal).
Assim, aquele que solicita ou aceita uma vantagem, patrimonial ou não patrimonial, ou a sua
promessa, para abusar da sua influência e aquele que dá ou promete a vantagem, não tem de
ter qualquer qualidade especial.
O traficante da influência pode ser uma pessoa comum ou um funcionário público, que
vende a sua influência sobre outro funcionário público competente para decidir.
O comprador da influência pode ser qualquer pessoa.
Pedro Caeiro 27 defende que o segmento “para abusar da sua influência” acaba por especificar
um círculo natural de agentes.
O crime de tráfico de influência, em qualquer das suas duas modalidades, é um crime de mera
atividade (quanto ao objeto de ação), na medida em que a consumação do crime se verifica
apenas pela mera execução de um comportamento humano (v.g. a solicitação ou aceitação),
contrapondo-se, assim, aos crimes de resultado, cuja consumação supõe uma alteração do
mundo físico distinta da conduta.
27
In ob. cit., p. 279.
124
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Trata-se de um crime de perigo, uma vez que o bem jurídico é apenas colocado em perigo, não
se exigindo, como acontece nos crimes de dano, que se verifique a lesão do bem jurídico.
É um crime de perigo abstrato, uma vez que o tipo não inclui a colocação em perigo do bem
jurídico, mas o perigo constitui o motivo da incriminação. 29
Ana Canto Noronha 32 considera que o crime de tráfico de influência é um crime de dano,
defendendo que o bem jurídico protegido é a imagem e o prestígio da Administração Pública,
pelo que «com a conduta tipificada o agente lesa de forma imediata esse mesmo bem jurídico,
não configurando, portanto, a sua atuação um perigo abstrato de lesão, isto é, uma
potencialidade de lesão do bem jurídico em causa».
Ana Canto Noronha considera que se trata de um crime complexo, uma vez que tutela mais
que um bem jurídico. 33
O crime de tráfico de influência, em qualquer das suas modalidades, tem natureza pública, o
que significa que a legitimidade para a promoção e prossecução processual cabe ao Ministério
Público independentemente de qualquer manifestação de vontade por parte dos titulares dos
interesses que a norma quis proteger.
Em consequência, iniciado o procedimento criminal e concluídas as diligências de investigação
e recolha de prova, o Ministério Público, por despacho, encerra o inquérito, arquivando-o ou
deduzindo acusação.
“1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou
aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa,
para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, é punido:
a) Com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra
disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita favorável;
28
Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., p. 1085.
29
Nos crimes de perigo concreto, o tipo inclui a colocação em perigo do bem jurídico. O legislador utiliza
as expressões “pondo em perigo”.
30
Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., p. 1085.
31
In ob. cit., p. 278.
32
In ob. cit., pp. 20 e 21.
33
In ob. cit., p. 20.
125
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
b) Com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber
por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita
favorável”.
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou
prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no número anterior
para os fins previstos na alínea a) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de
multa”.
Pune-se quem negoceia com terceiro a sua influência sobre uma entidade pública para dela vir
a obter uma decisão, favorável aos interesses do referido terceiro – tráfico de influência
passivo.
O tipo objetivo do n.º 2 consiste na dádiva ou promessa de dádiva de vantagem patrimonial
ou não patrimonial, pelo comprador de influência ou por interposta pessoa, com o seu
consentimento ou ratificação.
Pune-se aquele que (por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação)
dá ou promete dar vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no n.º 1,
com o fim de obter uma decisão ilícita favorável – tráfico de influência ativo.
a) A vantagem
34
Sobre a vantagem, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição
da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª Edição, Lisboa, Universidade Católica
Editora, 2010, a propósito do crime de corrupção passiva para ato ilícito, anotação 10.
126
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A vantagem pode também consistir numa promessa futura, desde que determinada, concreta.
A vantagem pode ser para o próprio traficante de influência (vantagem direta) ou para um
terceiro, seja uma pessoa física ou coletiva, pública ou privada (vantagem indireta), como por
exemplo, a vantagem para um partido político.
A vantagem solicitada ou aceite ou a sua promessa tem de ser indevida35, ou seja, o agente
apenas recebe a vantagem porque está a exercer a sua influência.
A vantagem ou a sua promessa é dada ou prometida para que o traficante abuse da sua
influência, sobre a entidade pública, para dela obter decisão favorável, licita ou ilícita.
Assim, tem de haver uma conexão entre a ação de influência e a atribuição da vantagem,
sendo uma a contrapartida da outra. Tem de existir um acordo sobre o tráfico de influência.
E este acordo deve preceder a decisão a tomar pela entidade pública.
Deste modo, não preenche o tipo objetivo de ilícito em análise, a conduta daquele que atribui
uma vantagem depois da decisão favorável, sem que tenha havido acordo prévio nesse
sentido 36, ficando igualmente excluídas do tipo as condutas de tráfico de influência sem
vantagem.
A este propósito, Pedro Caeiro 37refere que “A lei proíbe o acordo para abuso de influência: é
imprescindível, portanto, que o acordo preceda os actos constitutivos do dito abuso, pelo que a
gratificação outorgada depois daquele momento, sem acordo prévio, não é abrangida pelo
tipo”.
Face ao princípio jurídico-constitucional da necessidade da lei penal inscrito no artigo 18.º, n.º
2, da CRP, é ainda necessário que a vantagem solicitada ou aceite seja relevante do ponto de
vista penal, não devendo enquadrar-se no socialmente adequado.
b) A influência
A vantagem ou a sua promessa é dada para que o traficante exerça a sua influência.
Abusar da sua influência significa utilizá-la para além dos limites, de forma excessiva, fazendo
um uso desmedido da mesma, sem implicar, contudo, quaisquer ameaças ou coação.
35
Paulo Pinto de Albuquerque in ob. cit., sobre o crime de corrupção passiva para ato ilícito, anotação
12: A vantagem é indevida quando não corresponda a uma prestação devida ao funcionário nos termos
da lei.
36
Neste sentido, cfr. Ac. TRE, 27.4.2010, in CJ, XXXV, 2, 258.
37
In ob. cit., p. 282.
38
Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, p. 722.
127
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Sobre o conceito de abuso de influência, JOSÉ MOURAZ LOPES 39 refere que «Abusar dessa
influência será prevalecer-se desse facto – relação pessoal, familiar, profissional ou outra –
para a obtenção de uma vantagem que, de outro modo, não seria possível obter». Cumpre
referir que este autor admite qualquer tipo de influência, não a restringindo apenas às
relações profissionais, questão discutida de seguida.
Uma questão muito discutida pela doutrina é a de saber se a influência que o traficante detém
pode resultar das suas relações pessoais ou se, pelo contrário, requer que essa influência
apenas derive de uma relação profissional com o decisor.
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE 41 defende que a influência pode resultar de qualquer tipo de
ascendente do traficante de influência sobre o decisor, seja de origem familiar, afetiva,
religiosa, associativa ou profissional. No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora, de 27.04.2010, in CJ, XXXV, 2, 258.
Diferentemente, PEDRO CAEIRO 42 e MARGARIDA SILVA PEREIRA43 consideram que a influência
deve ser apenas restrita a relações profissionais 44.
Sobre este concreto ponto, consideramos que em causa não estão apenas relações
profissionais.
O bem jurídico protegido pelo tipo incriminador é atingido quer a influência do traficante
derive de relações de natureza profissional, quer derive de relações de natureza pessoal.
Com o tipo, pretende-se evitar que a Administração ceda a pressões, causando dessa forma
desconfiança aos cidadãos relativamente ao processo de tomada de decisões.
39
MOURAZ LOPES, in ob. cit., p. 64.
40
In ob. cit., p. 295.
41
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in ob. cit., anotação ao artigo 335.º, p. 810.
42
PEDRO CAEIRO, in ob. cit., p. 281, considera que o constrangimento tem de ter um nexo com a
situação profissional do decisor.
43
Crf. MARGARIDA SILVA PEREIRA, in ob. cit., pp. 297 e 310, “O amigo, o pai, o credor poderão
constranger, sim, mas não poderão enquanto tais, por causa dessa relação pessoal, instilar venalidade”.
A autora exige então um «nexo com a situação profissional do decisor».
44
Também neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra, de 29.09.2011, “Atendendo-se à densidade
específica do perigo prevenido pelo tipo de crime em apreço, impõe-se que o constrangimento
provocado pelo agente tenha um nexo com a situação profissional do decisor”.
128
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Acresce que, da letra da lei, não resulta a intenção de restringir a punição da influência quando
esta derive de relações profissionais. 45
Vários são aos autores que discordam da incriminação do tráfico de influência quando se trata
apenas de uma influência suposta, afirmando que a mesma é inconstitucional.
MARGARIDA SILVA PEREIRA 47 considera que a influência suposta “não tem consistência lesiva
com dignidade penal, pois não significa recurso a formas institucionalizadas de uso
constrangedor do poder, e muito menos tem idoneidade para desencadear uma decisão iníqua
da Administração”.
Também nesse sentido PEDRO CAEIRO 48, argumentando que «a influência suposta é
absolutamente inócua para o bem jurídico, mesmo que provinda de fonte “credível”». Defende
que, não tendo o agente uma real influência no momento do acordo, não haverá qualquer
perigo penalmente relevante para a Administração, logo, não haverá necessidade de punição
da respetiva conduta, tornando-se a norma inconstitucional por violar o princípio da
necessidade da lei penal, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
Assim, parte da norma seria inconstitucional, tendo o agente do crime que ter (pelo menos no
momento do acordo) uma influência efetiva.
Caso contrário, apenas se poderia considerar que, nos casos de influência suposta, apenas
haveria uma tentativa impossível de tráfico de influência.
Consideramos que nas situações em que o agente simula ter uma influência, a solicitação ou
aceitação, ou mesmo o acordo sobre o tráfico de influência, são penalmente relevantes
criando um perigo para o exercício imparcial da Administração.
c) Entidade pública
Paulo Pinto de Albuquerque 49 sustenta que entidade pública é qualquer pessoa física ou
coletiva, que exerça funções estaduais (políticas, legislativas, governativas, administrativas,
empresariais ou jurisdicionais), incluindo as funções atribuídas por concessão, bem como os
funcionários equiparados nos termos do n.º 3 do artigo 386.º do Código Penal. No mesmo
sentido, Pedro Caeiro 50.
45
Neste sentido, Ana Canto Noronha, in ob. cit., p. 33.
46
Neste sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in ob. cit., p. 1086, Ac. TRE de 27.04.2010 in CJ, XXXV,
2, 258 e artigo 18.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
47
In ob. cit., p. 323.
48
In ob. cit., p. 278.
49
In ob. cit., p. 1086.
50
Cfr. Pedro Caeiro, in ob. cit., p. 282.
129
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
d) A decisão
A decisão tem de ser favorável para o comprador. A decisão é favorável sempre que coincida
com os interesses do comprador – mesmo que tal interesse resida, exclusivamente, num
prejuízo de terceiro, sem benefício próprio. 53
A decisão pode consistir nos mais variados atos, desde uma nomeação, uma aprovação de um
projeto, uma dispensa de serviço militar, entre muitas outras 54.
O tráfico de influência é punido quer seja para obter uma decisão lícita (tráfico de influência
impróprio), quer seja para obter uma decisão ilícita (tráfico de influência próprio).
A lei penal apenas diferencia a pena aplicável ao traficante de influência de acordo com a
licitude ou a ilicitude da decisão que se pretende obter, à semelhança do crime de corrupção
para ato lícito ou ilícito.
A tomada de uma decisão ilícita impõe que a entidade pública decisora pratique um ato ou
omita um ato em violação aos deveres do seu cargo.
A punição do tráfico de influência para obter uma decisão licita justifica-se pela proteção do
bem jurídico, uma vez que o traficante ao abusar da sua influência sobre a entidade pública,
faz com que esta tome uma decisão “viciada”, ou seja, que não é determinada pelos critérios
legais e no interesse público, mas antes uma decisão determinada por interesses privados,
ainda que licita.
A lei não pune o tráfico de influência ativo impróprio, ou seja, o comprador de influência
apenas é punido se a decisão a obter for ilícita, justificando-se esta restrição pela legalidade da
atuação do comprador, que está a agir de acordo com os seus interesses.
51
In ob. cit., p. 325.
52
In ob. cit., p.1086.
53
Cfr. Pedro Caeiro, in ob. cit., p. 283.
54
Cfr. Carlota Rocha Figueiredo, in ob. cit., p. 37.
130
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Entendemos que tais atos são socialmente toleráveis e que não existe necessidade para a sua
incriminação, contrariamente à punição no crime de corrupção para ato lícito, no qual já se
lesa o bem jurídico, pois o agente tem a qualidade de funcionário.
O crime de tráfico de influência para obtenção de decisão favorável lícita acarreta dificuldades
acrescidas, sobretudo ao nível da obtenção de prova.
A decisão a tomar está abrangida pela discricionariedade administrativa, abrangendo por
vezes outros intervenientes e a prova de que houve uma influência de terceiro torna-se muito
difícil, sobretudo pela sujeição ao princípio in dubio pro reo.
Com tais dificuldades também se depara a corrupção imprópria.
Verificar quando é que a decisão tomada tem como base interesses pessoais do decisor e não
interesses públicos, pode tornar-se numa tarefa problemática.
Explica-se assim a pouca aplicação do crime de tráfico de influência, dadas as grandes
dificuldades de prova associadas à motivação da decisão tomada.
e) O agente
A solicitação ou a aceitação pode ser feita diretamente pelo agente – traficante da influência –
ou por interposta pessoa, com o consentimento ou ratificação do agente.
O traficante de influência pode ser uma pessoa comum ou um funcionário público, que vende
a sua influência sobre outro funcionário público competente para decidir.
O comprador da influência pode ser qualquer pessoa.
Para PEDRO CAEIRO, como já se referiu, o agente do crime encontra-se num “círculo natural
de agentes”, como é o caso dos dirigentes da Administração Pública.
55
Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., p. 1086.
131
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
a) Tentativa
Sobre a tentativa, o artigo 22.º do Código Penal dispõe que se verifica quando “… o agente
pratica atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este se chegue a
consumar”.
O crime de tráfico de influência previsto no n.º 1 do artigo 335.º do Código Penal consuma-se
com a solicitação ou aceitação da vantagem pelo traficante de influência.
Já o crime de tráfico de influência previsto no n.º 2 do artigo 335.º do Código Penal consuma-
se com a dádiva ou promessa da dádiva da vantagem patrimonial ou não patrimonial pelo
comprador da influência.
O artigo 23.º, n.º 1, do Código Penal preceitua que “Salvo disposição em contrário, a tentativa
só é punível se ao crime consumado respetivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão”.
(negrito nosso)
Se, no momento do negócio sobre o tráfico de influência, a decisão já foi tomada, o agente
deve ser punido por uma tentativa impossível.
b) Comparticipação
O crime de tráfico de influência pode ter vários autores, quer do lado ativo, quer do lado
passivo.
A comparticipação é punível nos termos gerais do artigo 28.º do Código Penal.
c) Questões de concurso
56
Germano Marques da silva, Direito Penal Português, Teoria do Crime, Parte Geral, II, Verbo, p. 255.
132
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Ao agente de um crime de tráfico de influência, além da pena principal, pode ser aplicada a
pena acessória prevista no artigo 346.º do Código Penal 58.
Apesar das semelhanças entre o crime de corrupção (ativa ou passiva) e o crime de tráfico de
influências, sobretudo ao nível da conduta típica que é similar, são manifestas as diferenças
que separam os dois tipos legais, tornando-os figuras distintas.
O crime de tráfico de influência, em qualquer das suas modalidades, é um crime comum, o que
significa que qualquer pessoa pode ser autor do crime.
Diferentemente, o crime de corrupção é um crime específico, o que significa que só pode ser
cometido por uma pessoa com uma certa qualidade ou sobre quem recai um dever especial –
no caso, por quem seja funcionário público.
O bem jurídico protegido pelo crime de corrupção é a integridade do exercício das funções
públicas pelo funcionário 59.
57
In. ob. cit., p. 333.
58
“Quem for condenado por crime previsto no presente capítulo pode, atenta a concreta gravidade do
facto e a sua projecção na idoneidade cívica do agente, ser incapacitado para eleger Presidente da
República, membro de assembleia legislativa ou de autarquia local, para ser eleito como tal ou para ser
jurado, por período de 2 a 10 anos”.
59
In ob. cit., p. 1185.
133
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O crime de tráfico de influência só pode ser cometido por ação. Já o crime de corrupção
passiva pode ser cometido por ação ou por omissão. 60
Se o traficante não tem qualquer influência sobre o decisor e usou de artifícios para convencer
o comprador de influência do contrário, estamos perante uma relação que apresenta
semelhanças com o crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217.º do Código Penal.
Apesar das semelhanças, nestes casos, entre os dois tipos legais, existem diferenças que os
distinguem.
Depois, o crime de burla é, quanto ao bem jurídico, um crime de dano que só se consuma com
a verificação de um prejuízo efetivo no património da vítima ou de terceiro e um crime
material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da
disponibilidade fática da vitima.
Diferentemente, o crime de tráfico de influência é um crime de perigo e de mera atividade.
Um caso especial de tráfico de influência é o previsto no artigo 10.º da Lei n.º 50/2007, de 31
de agosto, sobre a responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a
verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva.
60
DE ALBUQUERQUE, Paulo Pinto in ob. cit., Ponto 8, p. 1186.
61
COSTA, António Manuel de Almeida in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, Parte
Especial, (coord. Jorge Figueiredo Dias), Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 275.
62
Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. II,
Universidade Católica Editora, p. 722.
134
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O crime de tráfico de influência, em qualquer das suas modalidades, tem natureza pública, o
que significa que a legitimidade do Ministério Público, para a promoção e prossecução da ação
penal, não depende de uma manifestação de vontade por parte dos titulares dos interesses
que a lei quis especialmente proteger.
Para que o Ministério Público proceda à abertura do inquérito, basta que adquira a notícia do
crime de tráfico de influência (artigo 48.º do C.P.P.).
Preceitua o artigo 241.º do C.P.P. que “O Ministério Público adquire notícia do crime por
conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia…”.
O Ministério Público pode também adquirir a notícia do crime por conhecimento próprio,
nomeadamente, no âmbito da investigação de outro ilícito criminal, como seja, o crime de
Branqueamento 63.
Quando tal aconteça, cumpre ao Magistrado do Ministério Público titular do inquérito, decidir
se a investigação dos novos factos de que tomou conhecimento, devem ser investigados no
63
Cfr. artigo 368.º-A do Código Penal.
135
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
a) Direção do Inquérito
A direção do inquérito cabe ao Ministério Público (artigo 4.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto do
Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto; artigo 53.º, n.º 2, alínea b),
263.º, n.º 1, ambos do C.P.P. e artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto).
Cumpre referir que, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea h), do EMP, compete ao DCIAP
coordenar a direção da investigação nos crimes de tráfico de influência.
As funções de coordenação do DCIAP compreendem a análise, em colaboração com os demais
órgãos e departamentos do Ministério Público, da natureza e tendências de evolução da
criminalidade bem como dos resultados obtidos na respetiva prevenção, deteção e controlo, a
identificação de metodologias de trabalho e a articulação com outros departamentos e
serviços, com vista ao reforço da simplificação, racionalidade e eficácia dos procedimentos
(artigo 58.º, n.º 5, da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto).
Nos termos do n.º 2 do referido preceito legal, compete ao DCIAP dirigir o inquérito e exercer
a ação penal relativamente ao crime de tráfico de influência em casos de especial relevância
decorrente da manifesta gravidade ou da especial complexidade do crime, devido ao
número de arguidos ou de ofendidos, ao seu caráter altamente organizado ou às especiais
dificuldades da investigação, desde que este ocorra em comarcas pertencentes a diferentes
procuradorias gerais regionais.
136
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
instauração dos processos, fazendo-se menção desse facto no processo (Ponto VI-2 da Circular
6/2002, da Procuradoria-Geral da República).
Nos termos do n.º 1 do artigo 264.º do Código de Processo Penal: “É competente para a
realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver
sido cometido”.
O crime de tráfico de influência previsto no n.º 1 do artigo 335.º do Código Penal consuma-se
quando o agente solicita ou aceita vantagem, patrimonial ou não patrimonial, ou a sua
promessa para abusar da sua influência junto de entidade pública, para dela obter uma
decisão favorável, licita ou ilícita.
Assim, atento o disposto no artigo 264.º, n.º 1, do C.P.P., o Ministério Público competente é
aquele que exerce funções no local onde foi solicitada ou aceite a vantagem, patrimonial ou
não patrimonial, ou a sua promessa.
O Ministério Público dirige o inquérito assistido pelos órgãos de policia criminal, que atuam no
processo sob a sua direta orientação e na sua dependência funcional (263.º, n.º 2, 55.º, n.º 1 e
56.º do C.P.P) e aos quais pode conferir o encargo de procederem a quaisquer diligências e
investigações relativas ao inquérito, com exceção dos atos previstos no artigo 270.º, n.º 2, do
C.P.P. (cfr. artigo 270.º, n.º 1, do C.P.P.).
Nos termos da alínea j) do n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, na sua
redação atual, a investigação do crime de tráfico de influência é da competência reservada
da polícia judiciária, o que significa que a sua investigação não pode ser deferida a outros
órgãos de polícia criminal.
137
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Se a notícia do crime for conhecida por outro órgão de polícia criminal, este deve comunicar o
facto ao Ministério Público competente, no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias,
podendo praticar apenas os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de
prova (artigo 248.º, n.º 1, do C.P.P., artigos 2.º, n.º 3, e 5.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2008, de 27 de
agosto) 64.
d) Investigação Prioritária
O crime de tráfico de influência é um crime de investigação prioritária (artigo 3.º, alínea g), da
Lei n.º 96/2017, 65 de 23 de agosto e Ponto I – i da Diretiva n.º 1/2017, da PGR).
O Ministério Público, na prolação do primeiro despacho, deve consignar que os autos são de
investigação prioritária, devendo tal menção ser anotada na capa do processo/traslado em
local bem visível.
64
Uma vez que a competência para a investigação é da competência reservada da Polícia Judiciária, a
transmissão far-se-á mediante o envio do original do auto de notícia ou de denúncia a este órgão e do
duplicado ao Ministério Público (Cfr. Circular 6/2002, da PGR - Ponto V-2).
65
A Lei n.º 96/2017, de 23 de agosto que definiu os objetivos, prioridades e orientações de política
criminal para o biénio de 2017-2019 já não se encontrar em vigor, atento o disposto no artigo 7.º, n.º 1,
do Código Civil. Contudo, como ainda não foi aprovada nova Lei de política criminal para o biénio
seguinte, têm-se vindo a seguir na prática as orientações definidas pela Lei n.º 96/2017 e pela Diretiva
n.º 1/2017, da PGR, que definiu as diretivas e instruções para execução da referida Lei.
138
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Com exceção do interrogatório do arguido, que é obrigatório, quando corre inquérito contra
pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, a lei não
dispõe quanto aos métodos de investigação nem quanto às diligências a efetuar para
esclarecimento da notícia do crime, nem o poderia fazer, uma vez que as diligências de
investigação variam em função do crime noticiado e das circunstâncias do caso concreto.
Para além dos meios de prova e de obtenção de prova previstos no Código de Processo Penal,
merece especial menção o preceituado na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro e na Lei n.º
101/2001, de 25 de agosto.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra
do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativamente a determinados
crimes, onde se inclui o crime de tráfico de influência (artigo 1.º., n.º 1, alínea d).)
O n.º 1 do artigo 2.º da referida lei preceitua que “Nas fases de inquérito, instrução e
julgamento de processos relativos aos crimes previstos no artigo 1.º, onde se inclui o tráfico de
influência, o segredo profissional dos membros dos órgãos sociais das instituições de crédito,
sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de moeda eletrónica, dos seus
empregados e de pessoas que a elas prestem serviço, bem como o segredo dos funcionários
da administração fiscal, cedem, se houver razões para crer que as respetivas informações
têm interesse para a descoberta da verdade”.
O artigo 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, prevê a admissibilidade, quando necessário,
para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por
qualquer meio, sem consentimento do visado. A produção destes registos depende de prévia
autorização ou ordem do juiz, consoante os casos.
O n.º 3 do artigo 6.º preceitua que são aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias
adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.
Para efeitos de perda de bens a favor do Estado, o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11
de janeiro, preceitua que o Ministério Público liquida, na acusação, o montante apurado como
devendo ser perdido a favor do Estado. Se não for possível a liquidação no momento da
acusação, ela pode ainda ser efetuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a
realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios
autos.
Para efeitos de perda a favor do Estado, o artigo 7.º da citada lei preceitua que “… presume-se
constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido
e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito”, considerando-se “sempre como
vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que
estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal”.
A Lei n.º 101/2001, de 25 de janeiro estabelece o regime das ações encobertas para fins de
prevenção e investigação criminal.
140
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A alínea n) do artigo 2.º da Lei n.º 101/2001, de 25 de janeiro, na sua atual redação,
estabelece a admissibilidade de ações encobertas no âmbito da prevenção e repressão do
crime de tráfico de influências, alargando, assim, as possibilidades de investigação e obtenção
de prova, neste tipo de criminalidade.
A Lei n.º 101/2001, de 25 de janeiro prevê duas modalidades de ações encobertas, as ações
encobertas preventivas e as ações encobertas realizadas no âmbito do inquérito.
Para a realização de uma ação encoberta no âmbito da prevenção criminal é competente para
autorização o juiz de instrução criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal, mediante
proposta do Magistrado do Ministério Público junto do Departamento Central de Investigação
e Ação Penal (cfr. artigo 3.º., n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 101/2001, de 25 de janeiro).
Quanto aos requisitos das ações encobertas, o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 101/2001, de 25 de
janeiro, preceitua que as ações encobertas devem ser adequadas aos fins de prevenção e
repressão criminais identificados em concreto, nomeadamente a descoberta de material
probatório, e proporcionais quer àquelas finalidades quer à gravidade do crime em
investigação.
66
Germano Marques da silva, Direito Pe nal Português, Curso de Processo Penal, II, Verbo, pp. 285 e
286.
141
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A lei processual penal sujeita a aplicação das medidas de coação a um conjunto de princípios:
princípio da legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade, precariedade e
subsidiariedade.
Como medidas de coação, a lei processual penal prevê o termo de identidade e residência, a
caução, a obrigação de apresentação periódica, a suspensão do exercício de profissão, de
função, de atividade e de direito, a proibição e imposição de condutas, a obrigação de
permanência na habitação e a prisão preventiva.
Com exceção da medida de coação termo de identidade e residência, a aplicação das demais
medidas de coação previstas na lei depende do preenchimento dos requisitos gerais previstos
no artigo 204.º do Código de Processo Penal e dos requisitos específicos de cada uma das
medidas de coação previstas na lei.
A prisão preventiva, prevista no artigo 202.º do Código de Processo Penal, é a mais gravosa das
medidas de coação. Para além dos requisitos gerais previstos no artigo 204.º do C.P.P., só pode
ser aplicada se houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de
máximo superior a 5 anos ou, se se mostrar preenchida qualquer outra das alíneas do n.º 1 do
artigo 202.º do Código de Processo Penal.
O crime de tráfico de influência previsto no artigo 335.º, n.º 1, alínea a), do C.P. é punido, em
abstrato, com pena de prisão de 1 a 5 anos, e é considerado como criminalidade altamente
organizada (artigo 1.º., al. m), do C.P.P.), pelo que só ao arguido constituído no âmbito de
processo crime por tráfico de influência, p. e. p., pelo artigo 335.º, n.º 1, alínea a), do Código
Penal pode ser aplicada a medida de coação prisão preventiva (artigo 202.º, n.º 1, alínea c),
do C. P.P).
Assim, é aplicável ao crime de tráfico de influência previsto e punido pelo artigo 335.º, n.º 1,
alínea a), do Código Penal:
– O termo de identidade e residência, que deverá ser prestado logo que qualquer
pessoa seja constituída arguido (artigo 196.º do C.P.P.),
– A caução (artigo 197.º do C.P.P.),
– A obrigação de apresentação periódica (artigo 198.º do C.P.P.),
– A suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos (artigo
199.º do C.P.P.),
– A proibição e imposição de condutas (artigo 200.º do C.P.P.), bem como, se se
considerarem inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas supra referidas,
– A obrigação de permanência na habitação (artigo 201.º do C.P.P.) e
– A prisão preventiva (202.º do C.P.P.).
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Atenta a moldura penal prevista para os crimes de tráfico de influência, previstos e punidos
pela alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 335.º do Código Penal (prisão até 3 anos ou pena de
multa), e estando verificado qualquer um dos perigos enunciados no artigo 204.º do Código de
Processo Penal, apenas poderá ser aplicada ao arguido, a medida de coação:
Como já se aflorou, apenas o crime de tráfico de influência, p. e. p. pelo artigo 335.º, n.º 1,
alínea a), do Código Penal, admite a aplicação da medida de coação prisão preventiva.
O crime de tráfico de influência, p. e p. pelo artigo 335.º., n.º 1, alínea b), e n.º 2, do C.P., não
admite a aplicação da medida de coação mais gravosa – prisão preventiva, pelo que não é
admissível a detenção do arguido fora de flagrante delito, por ordem do Ministério Público
(artigo 257.º do Código de Processo Penal).
O artigo 86.º, n.º 1, do Código de Processo Penal estabelece que o processo penal é,
ressalvadas as exceções previstas na lei, público. No entanto, dispõe o n.º 3 do mesmo
preceito legal que o Ministério Público pode determinar a aplicação ao processo, durante a
fase de inquérito, do segredo de justiça, sempre que entender que os interesses da
investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, ficando essa decisão sujeita
a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.
143
CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
Como ensinava o Prof. Vaz Serra 67“… prazo é um lapso de tempo delimitado, determinado ou
determinável…”.
O prazo conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa
determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido (artigo 276.º, n.º 4, do
C.P.P.).
Os prazos máximos de duração do inquérito previstos na lei são meramente ordenadores 68,
pelo que, atingido o seu limite, o Ministério Público não tem obrigatoriamente de deduzir
acusação ou arquivar o inquérito. Contudo, recai sobre o Magistrado o dever de justificar,
perante o superior hierárquico imediato, o não cumprimento dos prazos previstos no artigo
276.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.P. e indicar o período de tempo que ainda é necessário para concluir o
inquérito (artigo 276.º, n.ºs 6 e 7). Isto não significa, contudo, que não haja limites temporais.
Porque há, e são impostos pela norma constitucional de onde resulta que o arguido deve ser
julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 2, parte
final, da CRP).
67
Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 105, 245.
68
Neste sentido, cfr. Ac. do TRC, de 26.10.2016 (p. 5/13.1IDCTB-B.C1-Jorge França), disponível em
www.dgsi.pt.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
O n.º 1 do artigo 276.º do Código de Processo Penal preceitua que “O Ministério Público
encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, dentro dos prazos legalmente
fixados”.
a) Despacho de arquivamento
Se durante o inquérito tiver sido recolhida prova bastante de se não ter verificado o crime de
tráfico de influência, de que o arguido não o praticou a qualquer título ou de ser legalmente
inadmissível o procedimento (ex. pela prescrição do procedimento criminal), o Magistrado do
Ministério Público procede, por despacho devidamente fundamentado (artigo 97.º, n.ºs 3 e 5,
do C.P.P.), ao arquivamento do Inquérito (artigo 277.º, n.º 1, do C.P.P.).
O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível obter indícios suficientes 69 da
verificação do crime e de quem foi o seu agente (artigo 277.º, n.º 2, do C.P.P.).
b) Despacho de acusação
Findo o inquérito, se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e
de quem foi o seu agente, o Ministério Público, em 10 dias, deduz acusação contra aquele
(artigo 283.º do Código de Processo Penal).
69
Sobre a noção de indícios suficientes, ver artigo 283.º, n.º 2, do C.P.P..
70
A comunicação dos despachos deverá ser efetuada por via eletrónica para o endereço
[email protected], nos termos previstos no Despacho do Sr. Vice-Procurador-Geral da República, de 27
de junho de 2008 (Circular da PGR no 13/2008-DE, de 17/7/2008), ou, diretamente, para a Unidade
Nacional de Combate à Corrupção, através do endereço [email protected].
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
“Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de
ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de
segurança” (artigo 283.º, n.º 2, do C.P.P.).
O crime de tráfico de influência é, como já se referiu, em qualquer uma das suas modalidades,
um crime de natureza pública, pelo que a legitimidade para acusar pertence ao Ministério
Público. Contudo, deduzida acusação e notificada esta ao assistente 71, se o houver, este sujeito
processual pode também acusar pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles
ou por outros que não importem alteração substancial daqueles (artigo 284.º, n.ºs 1 e 2, alínea
b), 1.º, alínea f), e 311.º, n.º 2, alínea b), do C.P.P.).
A acusação deve conter, sob pena de nulidade, tudo o que está especificado nas diversas
alíneas do n.º 3 do artigo 283.º do C.P.P. (artigos 283.º, n.º 3, 118.º, n.º 1, e 120.º do C.P.P.).
O Magistrado do Ministério Público deve ainda comunicar, pelo meio considerado mais
adequado 72, o teor do despacho de acusação aos dirigentes dos departamentos da Polícia
Judiciária que tiverem realizado as investigações – cfr. artigo 7.º, n.º 2, al. j), da LOIC e Ponto
1 da Circular 4/2008, da Procuradoria-Geral da República.
71
Nos crimes de tráfico de influência, qualquer pessoa se pode constituir como assistente (artigo 68.º,
n.º 1, alínea e), do C.P.P.).
72
Ver nota 64.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
A suspensão provisória do processo pode ir até 2 (dois) anos (artigo 282.º, n.º 1, do C.P.P.),
sendo que a prescrição não corre no decurso do prazo da suspensão do processo.
Se o arguido for detido em flagrante delito por qualquer autoridade judiciária ou entidade
policial, o Ministério Público, depois de o interrogar sumariamente, se o julgar conveniente,
apresenta-o, imediatamente ou no mais curto prazo possível, ao Tribunal competente para
julgamento em processo sumário (artigo 381.º, n.º 1, alínea a), e 382.º do C.P.P).
Havendo provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes de se ter verificado o
crime de tráfico de influência e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, em face do
auto de notícia ou após realizar inquérito sumário, se não tiverem decorrido mais de 90 dias da
aquisição da notícia do crime, deduz acusação para julgamento em processo abreviado (artigo
391.º-A, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal).
Tratando-se de crime punível, em qualquer das suas modalidades, com pena de prisão não
superior a 5 anos, o Ministério Público, por iniciativa do arguido ou depois de o ter ouvido e
quando entender que ao caso deve ser concretamente aplicada pena ou medida de segurança
não privativas da liberdade, requer ao Tribunal que a aplicação tenha lugar em processo
sumaríssimo (artigo 392.º, n.º 1, do C.P.P.).
O n.º 4 do artigo 20.º da CRP preceitua que “Todos têm direito a que uma causa em que
intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
Dispondo o n.º 5 do mesmo preceito legal que “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias
pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e
prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações
desses direitos”. 73
73
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos dispõe que “Qualquer
pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável
por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a
determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer
acusação em matéria penal dirigida contra ela”.
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CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL
4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
De forma a garantir que a justiça se desenrola de uma forma célere, garante da tutela efetiva,
o legislador criou prazos para o exercício da ação penal, findos os quais, deixa de ser possível o
procedimento criminal.
Nos termos do artigo 118.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, o procedimento criminal,
extingue-se, por efeito de prescrição, quando decorrem 15 anos sobre a prática do crime de
tráfico de influência.
O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver
consumado (artigo 119.º, n.º 1, do C.P.).
Considerando que o crime de trafico de influência previsto e punido pelo artigo 335.º, n.º 1,
alínea a), do Código Penal se consuma com a solicitação ou aceitação da vantagem para abusar
da sua influencia junto de entidade pública, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em
que ocorreu a solicitação ou aceitação.
74
Neste sentido, Acórdão do RC, de 11/03/2015 (p. 594/11.5T3AVR.P1.C1-ORLANDO GONÇALVES,
disponível em www.dgsi.pt).
75
A prescrição “torna impossível o procedimento criminal e, por essa via, a aplicação de qualquer
sanção” (Figueiredo Dias, 1993, p. 698).
76
Cf. Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1996, pp. 550-551.
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4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
De qualquer forma, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde
o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição
acrescido de metade (cfr. artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal).
Hiperligações
Referências bibliográficas
77
Disponível em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=9f0d7743-7d45-40f3-
8cf2-e448600f3af6, consultado em 27.03.2020.
78
Disponível em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=ad5cfe37-0d52-
412e-83fb-7f098448dba7, consultado em 27.03.2020.
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4. Crime de tráfico de influência. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual
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Título:
Crime de tráfico de influências. Enquadramento jurídico,
prática e gestão processual
ISBN: 978-989-9018-67-9
Largo do Limoeiro
1149-048 Lisboa