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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS POLICIAIS E SEGURANÇA INTERNA

Machado Alfredo Matsimbe


Aspirante a Oficial de Polícia

Trabalho de Projecto do Mestrado Integrado em Ciências Policiais


XXIV Curso de Formação de Oficiais de Polícia

Detenção em flagrante delito e fora de flagrante delito


– Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal –

Orientadora
Mestre Manuela Valadão

Lisboa, 26 de Abril de 2012


INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS POLICIAIS E SEGURANÇA

Machado Alfredo Matsimbe


Aspirante a Oficial de Polícia

Trabalho de Projecto do Mestrado Integrado em Ciências Policiais


XXIV Curso de Formação de Oficiais de Polícia

Detenção em flagrante delito e fora de flagrante delito


– Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal –

Orientadora
Mestre Manuela Valadão

Lisboa, 26 de Abril de 2012


A Deus, nosso criador,
pela orientação espiritual.

À minha mulher Helena


aos meus filhos Machado, Sónia e António,
os pilares fundamentais da minha vida.
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pela força e coragem ao longo desta caminhada, trilhada pela
necessidade do saber.
Aos meus pais, Zaida e Alfredo, os quais me inspiram e lhes rogo todos os dias da
minha vida.
Aos meus irmãos pelo apoio incondicional que me têm prestado.
À minha mulher Helena e aos meus filhos Machado, Sónia e António pelo carinho,
incentivo e amparo que contribuíram para o aprofundamento dos meus conhecimentos e
sucesso.
À professora Manuela Valadão pela paciência na orientação e incentivo que tornaram
possível a conclusão deste trabalho de projecto do Curso de Mestrado Integrado em
Ciências Policiais e Segurança Interna.
Aos docentes do ISCPSI pela transmissão sábia e motivante dos conteúdos
programáticos.
Aos meus colegas e amigos pelo incentivo e pelo apoio constantes.
Ao ISCPSI pelo acolhimento e formação ao longo dos últimos 5 anos.

I
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

LISTA DE SIGLAS

§ – Parágrafo
APC – Autoridade de Polícia Criminal
APIC – Autoridades de Polícia de Investigação Criminal
Art.º – Artigo
CADH – Convenção Americana sobre os Direitos Humanos
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos Humanos
CADHP – Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
CEPDLF – Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades
Fundamentais
CP – Código Penal Português
CPM – Código Penal Moçambicano
CRM – Constituição da República de Moçambique
CRP – Constituição da República Portuguesa
DL – Decreto-Lei
DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem
JIC – Juiz de Instrução Criminal
LMDH – Liga Moçambicana dos Direitos do Homem
MPº – Ministério Público
ONU – Organização das Nações Unidas
OPC – Órgãos de Polícia Criminal
PIC – Polícia de Investigação Criminal
PIDCP – Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
PRM – Polícia da República de Moçambique
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TJP – Tribunal Judicial Provincial
TS – Tribunal Supremo
UC – Unidade de Conta

I
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

RESUMO
Factor motivante do presente trabalho foi a constatação da frequência e elevado
número de detenções efectuadas pela Polícia moçambicana, o que estimulou a pesquisa e
reflexão sobre as razões subjacentes a tal circunstância.
Considerando a importância do bem jurídico liberdade num Estado de direito
democrático, procura-se aprofundar o estudo dos fundamentos, pressupostos e requisitos
legais que podem conduzir à detenção de alguém pela Polícia da República de
Moçambique no território moçambicano, fazendo, ainda, uma análise comparativa com o
regime jurídico em vigor em Portugal.
Pretende-se neste trabalho analisar o conceito de “detenção” e respectiva
operacionalização em ambos os países, atendendo às fortes ligações históricas e ao actual
intercâmbio existentes entre eles. Questiona-se o grau de observância dos direitos humanos
pela polícia moçambicana, tendo em conta o seu carácter paramilitar aliado à necessidade
de actualização dos principais instrumentos normativos com relevância para este tema,
como sejam o Código de Processo Penal e o Código Penal moçambicanos.
Finalmente, conclui-se que os fundamentos, pressupostos e requisitos legais da
detenção, em Moçambique, são passíveis de vulnerabilidade interpretativa, criando-se, na
maior parte dos casos, espaço para o recurso abusivo à medida da detenção.

Palavras-chaves: detenção, flagrante delito, autoridades de polícia de investigação


criminal e habeas corpus.

I
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

ABSTRACT

Motivating factor of this work was the observation of the frequency and high number
of arrests carried out by the Mozambican Police, which has stimulated research and
reflection on the reasons behind such a circumstance.
Considering the importance of the legal value of Freedom in a democratic
constitutional State, seeks to deepen the study of the grounds, legal requirements and
assumptions that can lead to someone's arrest by the police of the Republic of Mozambique
in the Mozambican territory, making a comparative analysis with the Portuguese legal
regime.
It is intended in this work, examine the concept of "detention" and its
operationalization, considering, in both countries, the strong links to historic and current
exchanges between them. We will question the degree of observance of human rights by
the Mozambican police, attending to its paramilitary nature allied to the need of updating
the main legal instruments with relevance to this subject, such as the Code of Criminal
Procedure and the Penal Code of the country.
Finally, it is concluded that the grounds, legal requirements and assumptions of
holding someone, in Mozambique, are prone to interpretative vulnerability, by creating, in
most cases, room for authority abuse in arresting.

Keywords: detention, flagrante delicto, police authorities and criminal investigation,


habeas corpus.

V
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS.................................................................................................II

LISTA DE SIGLAS....................................................................................................III

RESUMO...................................................................................................................IV

ABSTRACT.................................................................................................................V

ÍNDICE.......................................................................................................................VI

INTRODUÇÃO...........................................................................................................1

CAPÍTULO I - A DETENÇÃO E O SEU SIGNIFICADO À LUZ DOS


DIREITOS DE LIBERDADE CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS
...................................................................................................................................... 4

NOÇÃO PREAMBULAR DE DETENÇÃO............................................................................................ 4


1.OS VALORES JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE, DA SEGURANÇA E DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA........................................................................................................... 5

2.OS VALORES JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE, DA SEGURANÇA E DA


PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO REGIME PORTUGUÊS........................................................... 9

3.OS VALORES JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE, DA SEGURANÇA E DA


PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO REGIME MOÇAMBICANO.................................................. 11

Síntese do capítulo I............................................................................................13

CAPÍTULO II - DISTINÇÃO ENTRE DETENÇÃO E PRISÃO PREVENTIVA


.................................................................................................................................... 15

NOÇÕES PREAMBULARES............................................................................................................... 15
1.DISTINÇÃO ENTRE DETENÇÃO E PRISÃO PREVENTIVA NO REGIME JURÍDICO
PORTUGUÊS..................................................................................................................................... 15

2. ADMISSIBILIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA NO REGIME JURÍDICO PORTUGUÊS......17


3. DISTINÇÃO ENTRE DETENÇÃO E PRISÃO PREVENTIVA NO REGIME MOÇAMBICANO

............................................................................................................................. 18
4. ADMISSIBILIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA NO REGIME JURÍDICO MOÇAMBICANO

............................................................................................................................. 22
Síntese do capítulo II..........................................................................................24

V
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

CAPÍTULO III - A DETENÇÃO EM FLAGRANTE DELITO E FORA DE


FLAGRANTE DELITO...........................................................................................26

1. NOÇÃO DE FLAGRANTE DELITO NO REGIME JURÍDICO PORTUGUÊS..............................26


2. NOÇÃO DE FLAGRANTE DELITO NO REGIME JURÍDICO MOÇAMBICANO......................28
3. DETENÇÃO EM FLAGRANTE DELITO NO REGIME PORTUGUÊS........................................ 28
4. FINALIDADES DA DETENÇÃO NO REGIME JURÍDICO PORTUGUÊS..................................29
5. DETENÇÃO EM FLAGRANTE DELITO NO REGIME MOÇAMBICANO................................. 31
6. FINALIDADES DA DETENÇÃO NO REGIME JURÍDICO MOÇAMBICANO...........................34
7. DETENÇÃO FORA DE FLAGRANTE DELITO NO REGIME JURÍDICO PORTUGUÊS..........37
8. FINALIDADE DA DETENÇÃO FORA DE FLAGRANTE DELITO NO REGIME JURÍDICO
PORTUGUÊS..................................................................................................................................... 38

9. “PRISÃO” FORA DE FLAGRANTE DELITO NO REGIME MOÇAMBICANO........................38


10. PRESSUPOSTOS FORMAIS E MATERIAIS PARA A PROSSECUÇÃO DA DETENÇÃO
FORA DE FLAGRANTE DELITO NO REGIME PORTUGUÊS..................................................... 40

11. PRESSUPOSTOS FORMAIS E MATERIAIS PARA A PROSSECUÇÃO DA DETENÇÃO


FORA DE FLAGRANTE DELITO NO REGIME MOÇAMBICANO.............................................. 42

Síntese do capítulo III.........................................................................................44

CAPÍTULO IV - A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS..............................46

NOÇÃO PRELIMINAR......................................................................................................................... 46
1. A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS NO REGIME JURÍDICO PORTUGUÊS....................46
2. A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS NO REGIME JURÍDICO MOÇAMBICANO.............48
Síntese do capítulo IV.........................................................................................53

CONCLUSÕES.........................................................................................................56

BIBLIOGRAFIA......................................................................................................62

SÍTIOS DA INTERNET.............................................................................................64

LEGISLAÇÃO...........................................................................................................65

ANEXOS......................................................................................................................1

ANEXO I – ENTREVISTA CONCEDIDA PELO VICE-PRESIDENTE DA LMDH


..................................................................................................................................... A

V
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

ANEXO II – ENTREVISTA CONCEDIDA PELO CHEFE DO DEPARTAMENTO


DA PIC DA PROVÍNCIA DO MAPUTO..................................................................C

ANEXO III – PRAZOS DE PRISÃO PREVENTIVA NÃO ESTÃO A SER


CUMPRIDOS...............................................................................................................E

ANEXO IV – RECLAMAÇÕES DA LMDH ACERCA DOS DIREITOS DOS


DETIDOS....................................................................................................................G

ANEXO V – SOBRE A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.........I

ANEXO VI – SOBRE A REORGANIZAÇÃO DA PIC............................................K

VI
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

INTRODUÇÃO

A liberdade tem vindo a assumir cada vez mais valor e protecção à medida que as
nações e os Estados têm evoluído para a democracia.
A vida em sociedade obriga à observância de algumas regras de conduta de modo a
tornar possível a perpetuação da espécie humana, pelo que outros valores tais como a
segurança também têm de ser protegidos.
Para evitar uma convivência anárquica, os Estados de direito democrático
empenham-se em criar leis de protecção do Homem contra a prepotência, o arbítrio e a
injustiça protagonizada por outrem ou pelo próprio Estado.
A procura de segurança para o exercício de outros direitos fundamentais justifica
que, em algumas situações, o direito à liberdade ceda em relação à segurança.
A própria Constituição moçambicana ao prever no art.º 43.º que a interpretação e
integração dos preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais se deve fazer
de harmonia com a DUDH, admite a sua limitação por Lei “com vista exclusivamente a
promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de
satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade
democrática”1.
O equilíbrio garantístico dos dois direitos é extremamente difícil de alcançar porque
“a liberdade de cada um é relativizada pela liberdade de todos; é condicionada pela
organização política da sociedade a que se pertence, pelas normas de conduta estabelecidas
e em vigor e pelas pressões sociais decorrentes das tradições, dos costumes e dos padrões
culturais predominantes nas comunidades onde se vive.”2
O direito à liberdade congrega uma vastidão de outros direitos, por isso é susceptível
de limitação, quando bens jurídicos superiores, também, protegidos pela Lei forem postas
em causa pela conduta humana.
Assim, tendo em conta diversos factores que podem condicionar o direito à
liberdade, propomo-nos a fazer um estudo sobre a detenção, visto ser uma medida de
privação de movimentos.

1
Art.º 29.º, n.º 2 da DUDH.
2
Dias, Manuel Domingos Antunes, Liberdade, Cidadania e Segurança, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 7.

1
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

Far-se-á uma análise dos fundamentos, pressupostos e requisitos de circunstâncias


que podem conduzir à detenção de alguém, pela PRM, no âmbito da actividade diária de
segurança interna moçambicana, bem como uma comparação com o regime em vigor em
Portugal.
O estudo desta temática afigura-se pertinente e actual na medida em que a Lei
moçambicana admite, fora de flagrante delito, que a detenção possa, também, ser efectuada
ou ordenada por autoridades diferentes das judiciárias e policiais, o que pode agravar a
inobservância dos pressupostos e requisitos legais. Outro motivo deste estudo prende-se
com as constantes reclamações por parte da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique,
bem como da Amnistia Internacional que alegam a existência de inúmeros casos de
detenções ilegais perpetrados pela PRM.
De harmonia com objecto de estudo, propomo-nos alcançar os objectivos seguintes:
a) Aprofundar o estudo do regime jurídico moçambicano, nomeadamente, os
fundamentos, pressupostos e requisitos da detenção com o intuito de efectuar uma leitura
crítica do modelo e da prática operacional moçambicanos, sensibilizar para a necessidade
de maior clareza legal e maior rigor na prática policial bem como contribuir para a
promoção do reconhecimento e respeito efectivos dos direitos, liberdades e garantias
constitucionalmente consagrados;
b) Apresentar hipóteses de superação de dificuldades e de eventuais lacunas do
regime jurídico moçambicano.
O estudo da detenção, em Moçambique, suscita desde logo o problema de saber por
que razão a actuação da polícia conduz a detenções tão frequentes e em número tão
elevado.
As hipóteses de resposta passarão, primordialmente, pela análise dos seguintes
aspectos: a amplitude dos pressupostos legais da detenção acrescida de dificuldades
interpretativas reveladas na prática e o papel da prisão preventiva em Moçambique,
comparativamente com os do termo de identidade, da apresentação e da caução.
A elaboração deste trabalho terá como suporte a profunda análise de algumas obras
de conteúdo versado para as áreas de direito penal e processual penal moçambicana e
portuguesa, trabalhos de dissertação e teses, revistas científicas, legislação avulsa e
complementar vigente em ambos países, consultas em sítios oficiais da internet, notícias
relevantes e observação participante no período do estágio nas Esquadras da PSP.

2
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

Far-se-ão entrevistas a algumas personalidades moçambicanas que lidam


directamente com situações de detenção, caso de oficiais superiores no comando da Polícia
e da Presidente ou representante da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos.
Para facilitar o estudo, o presente trabalho estará organizado por quatro capítulos.
No capítulo I define-se a detenção e estuda-se o seu significado à luz dos direitos de
liberdade constitucionalmente consagrados. Analisam-se ainda os valores jurídico-
constitucionais da liberdade, da segurança e da presunção de inocência.
No capítulo II distinguem-se os conceitos de detenção e prisão preventiva,
analisando-se, ainda, a admissibilidade constitucional da prisão preventiva e as
circunstâncias da sua aplicação.
No capítulo III aprofundamos o estudo da detenção em flagrante delito e fora de
flagrante delito. Além das finalidades da detenção, abordaremos seus pressupostos formais
e materiais, o que implicará que nos debrucemos com mais detalhe na detenção fora de
flagrante delito.
No capítulo IV analisamos essencialmente as situações em que é possível o recurso à
providência do habeas corpus.

3
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

CAPÍTULO I - A DETENÇÃO E O SEU SIGNIFICADO À LUZ DOS DIREITOS DE


LIBERDADE CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS

“A base de um Estado de direito democrático é a liberdade.”


Aristóteles

Noção preambular de detenção

A promoção dos direitos de liberdade constitui agenda prioritária nos Estados que
primam pela legalidade democrática. O direito à liberdade é um valor socialmente
preservado e garantido como um dos mais importantes direitos fundamentais, razão pela
qual é tutelado pelo Estado.
A limitação do direito de liberdade constitui uma crescente preocupação nos Estados
que se distinguem pela organização social democrática e pelo respeito pelas normas de
direito. A violação deste direito pode fomentar reações e manifestações com o objectivo de
ver reconhecidos alguns direitos fundamentais consagrados em diversos instrumentos
internacionais3. Na maioria dos casos, a luta é pelos seguintes direitos: à vida, à integridade
física, à liberdade e à segurança, à reserva da vida privada e à inviolabilidade do domicílio,
da correspondência, entre outros. A liberdade em causa está normalmente relacionada com
a livre circulação de pessoas dentro e fora de um país, com a liberdade de consciência, de
expressão e de informação.
Apesar de as constituições admitirem a possibilidade de limitação dos direitos de
liberdade, a detenção, no quadro dos direitos de liberdade constitucionalmente
consagrados, afigura-se um desvio à regra de liberdade, pois priva o cidadão de um dos
direitos fundamentais mais importantes, o direito à liberdade de locomoção.
A detenção pode ser vista como um instrumento de reacção ao crime violento,
contudo, deve merecer tratamento constitucional, de modo a excluir eventuais abusos de
poder do Estado contra a restrição dos direitos de liberdade dos cidadãos.

3
As violações dos direitos de liberdade podem ter consequências directas para as forças de segurança, na
medida em que são susceptíveis de deteriorar a manutenção da ordem e segurança públicas.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

Como se depreende, a detenção parece ser um instrumento punitivo porque é


limitativo da liberdade da uma pessoa antes mesmo de se provar se lhe é ou não imputável
o facto criminal ocorrido.
Neste contexto, defendemos a existência de leis cada vez mais rigorosas no
reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Leis que promovam e protejam os
direitos de liberdade, especificando, concretamente, os casos em que a sua restrição é
admitida. Defendemos, ainda, que em nenhuma circunstância o direito a ser sacrificado
poderá ser superior ao direito a salvaguardar.
Assim, a detenção só deverá visar aquele cidadão que, pela sua conduta, ponha em
perigo grave outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

1. Os valores jurídico-constitucionais da liberdade, da segurança e da presunção


de inocência

O direito à liberdade e à segurança constitui o fundamento da existência de qualquer


Estado fundado na democracia, desde a antiguidade até aos nossos dias. Todas as nações
baseadas no pluralismo de expressão, na organização política democrática têm-se engajado
na procura permanente de soluções normativas para respeitar e garantir os direitos e
liberdades fundamentais do Homem, mundialmente reconhecidos.
As constituições modernas incorporam nas ordens internas o direito à liberdade e à
segurança através da resolução do compromisso assumido na adesão às liberdades, direitos
fundamentais do homem e dos povos contidos nas declarações, convenções e outros
instrumentos adaptados no quadro da ONU. Há uma ideia enraizada de que os valores e o
respeito pela dignidade da pessoa humana são princípios fundamentais da estrutura de um
Estado de direito democrático4.
A incorporação nas constituições estaduais das normas referentes aos direitos,
liberdades e garantias fundamentais pode ser feita directamente ou através da remissão
para instrumentos internacionais sobre esta matéria.
A liberdade e a segurança, apesar de direitos fundamentais antagónicos,
complementam-se, porque a realização de um depende da existência do outro.

4
Cfr. O preâmbulo da DUDH

5
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Ao legislador constitucional incumbe, acima de tudo, dar um equilíbrio duradouro a


estes dois direitos fundamentais, de modo a realizar-se a finalidade de cada um deles.
Numa sociedade de Estado de direito democrático, o equilíbrio entre a liberdade e
segurança é dinâmico, e está dependente da legitimidade do Estado perante o seu povo5.
Podemos dizer que a liberdade individual está assente na valorização da dignidade da
pessoa humana, no direito à vida; no direito de não ser detido ou aprisionado ou, ainda,
impedido de se movimentar; na protecção da intimidade e na defesa contra as agressões de
outrem.
Neste sentido, Júlio Pereira afirma que “a liberdade e a segurança são valores de cujo
equilíbrio depende a existência de uma sociedade estável e saudável, com condições para
que os cidadãos se possam plenamente realizar”6.
O direito à liberdade é um direito amplo abarcando outras subcategorias de direitos,
nomeadamente: o direito de não ser detido ou preso pelas autoridades estatais, o direito de
não ser aprisionado ou impedido fisicamente por outra pessoa e o direito de ser protegido
pelo Estado contra a agressão de outrem à própria liberdade7.
Por maioria de razão, o direito à liberdade constitui um limite aos abusos do poder
estatal contra os cidadãos. Neste contexto, a Polícia é o órgão criado pelo Estado para
proteger e promover os direitos, liberdades e garantias individuais tutelados pela ordem
jurídica. O respeito pelos direitos de liberdade legalmente reconhecidos pelas constituições
dos Estados de direito deve caracterizar a base e o limite à actuação policial.
A supremacia da liberdade concretiza-se plenamente quando assente numa garantia
de segurança, isto é, o exercício das liberdades individuais consegue-se depois da criação
de garantia de segurança para quem as realiza.
O conceito de segurança ancestralmente aceite que visava, apenas, a segurança dos
Estados vai-se tornando obsoleto, dando lugar a uma segurança ancorada na centralidade
da pessoa humana e na universalidade, na transnacionalidade e diversidade dos riscos e na
interdependência das diversas componentes de segurança8.

5
Conferência sobre “Liberdade e Segurança”, organizada pelo MAI, pág. 12.
6
Discurso proferido pelo Secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, na
conferência sobre “Liberdade e Segurança” realizada no Centro Cultural de Belém em Lisboa na sala Almada
Negreiros, no dia 11 de Maio de 2009, pág. 39.
7
Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit. por Magistrados do Ministério Público do Distrito do Porto –
Comentários e notas práticas do Código do Processo Penal, 2009, pág. 625.
8
Relatório Sobre o Desenvolvimento Humano de 1994 do programa das Nações Unidas para o
desenvolvimento, págs. 22 e 23.

6
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

O direito à segurança é um dos valores importantíssimos num Estado de direito


democrático e um direito fundamental dos cidadãos garantido pelo Estado através de
normas jurídicas democraticamente instituídas.
Este direito pressupõe que as instituições do Estado sejam o garante do pleno
exercício dos direitos fundamentais do cidadão, livre das ameaças e das agressões externas
e internas. A incumbência desta responsabilidade ao Estado é uma consequência directa do
contrato social como contrapartida da renúncia por parte do cidadão ao exercício da força
privada como regra9. A segurança que temos vindo a referir tanto pode ser colectiva como
individual.
A natureza do direito à segurança é constitucional e, normalmente, comporta duas
dimensões: negativa e positiva. A primeira está estritamente ligada ao direito à liberdade e
visa a defesa do cidadão perante agressões dos poderes públicos. A segunda traduz-se num
direito positivo à protecção do cidadão através dos poderes públicos contra as agressões ou
ameaças de outrem10.
O direito à liberdade não é um direito absoluto porque admite restrições
subordinadas ao Direito e à vida em comunidade, por isso é regulado por regras de
cumprimento obrigatório.
Conforme se dispõe no n.º 2 do art.º 29.º da DUDH chega-se à seguinte conclusão:
que a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade do outro, ou seja, os direitos de
cada um terminam onde começa o exercício dos direitos dos outros11.
Apesar de se preservar a dignidade da pessoa humana e de se proibir a violação do
direito à da vida, casos há em que se admite que outra pessoa possa retirar a vida de
outrem, para anular a agressão actual e ilícita contra a vida do agente ou de terceiro. Esta
lesão da vida é admitida pelo direito em circunstâncias de legítima defesa própria ou de
outra pessoa em perigo iminente.

9
Discurso proferido pelo Secretário de Estado da Administração Interna (Rui Sá Gomes), na conferência
sobre “Liberdade e Segurança”, realizada no Centro Cultural de Belém em Lisboa na sala Almada Negreiros,
no dia 12 de Maio de 2009, pág. 73.
10
Dias, Manuel Domingos Antunes, Liberdade, Cidadania e Segurança, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 77.
11
A DUDH estabelece no art.º 29.º o seguinte: “N.º 1 – O indivíduo tem deveres para com a comunidade,
fora da qual não é possível o livre e o pleno desenvolvimento da sua personalidade. N.º 2 - No exercício
destes direitos e no gozo destas liberdades, ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela Lei
com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a
fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade
democrática. N.º 3 - Em caso algum estes direitos poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos
princípios da Nações Unidas.”

7
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Tendo como base o art.º 29.º da DUDH, pode-se dizer, sem margem de dúvida, que a
expressão “ser livre”, significa que “qualquer cidadão pode fazer todas as vontades
conforme a sua consciência manda, desde que não ponha em causa a liberdade dos outros”.
Como afirma Manuel Domingos Antunes Dias, “a liberdade de cada um é relativizada pela
liberdade de todos; é condicionada pela organização política da sociedade a que se
pertence, pelas normas de conduta estabelecidas e em vigor e pelas pressões sociais
decorrentes das tradições, dos costumes e dos padrões culturais predominantes nas
comunidades onde se vive”12.
Ligado ao direito à liberdade e à segurança está o princípio da presunção de
inocência. A DUDH consagra o direito a presunção de inocência no art.º 11.º, n.º 1,
referindo que “toda pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua
culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas
as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”.
Este direito é consagrado também por outros instrumentos internacionais,
nomeadamente: a CADHP [art.º 7.º, n.º 1, al. b)], CEDH (art.º 6.º, n.º 2), CADH (art.º 8.º,
n.º 2) e o PIDP (art.º 14.º, n.º 2).
Há sempre um conflito entre o direito à liberdade e à segurança na aplicação da
presunção de inocência. Da sua aplicação, em casos concretos, ressaltam-nos duas
situações dignas de apontar:
 A inocência ou a culpabilidade são determinadas por um tribunal em virtude
de um processo-crime no âmbito do qual tenham sido concedidas ao arguido
todas as garantias necessárias para a sua defesa (ver art.º 10.º da DUDH).
 O direito à presunção de inocência, até prova em contrário, é uma garantia
essencial para que se proporcione um julgamento justo ao arguido.
Todas as pessoas acusadas de práticas criminais deverão ser tratadas como inocentes,
quer estejam detidas ou em prisão preventiva quer permaneçam em liberdade, até à
sentença condenatória transitada em julgado.
Deste modo, competirá às constituições e demais leis resolver o conflito existente
entre “a necessidade socialmente sentida de procurar assegurar um justo e correcto
esfriamento das infracções criminais, e a salvaguarda dos interesses e da personalidade dos

12
Dias, Manuel Domingos Antunes, Liberdade, Cidadania e Segurança, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 7.

8
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

acusados”13. É com base nesta garantia que se proíbe a antecipação da pena através da
utilização das medidas restritivas de liberdade.

2. Os valores jurídico-constitucionais da liberdade, da segurança e da presunção


de inocência no regime português

O regime jurídico português para além de consagrar constitucionalmente direitos,


liberdades e garantias, guia-se por instrumentos internacionais, nomeadamente: a DUDH, o
PIDCP e a CEPDLF.
A Constituição portuguesa prevê o direito à liberdade e à segurança no art.º 27.º,
enumerando, taxativamente, no n.º 3 do mesmo preceito, as várias situações de
admissibilidade da restrição a este direito fundamental. Tais excepções à regra são
admitidas pelo tempo e condições previstas na Lei ordinária.
Contudo, a CRP ao restringir os direitos de liberdade prossegue o estrito interesse de
salvaguardar outros direitos fundamentais. Observa-se, então, a tipicidade das medidas
restritivas de liberdade.
O legislador constitucional não ignorou a necessidade de prever algumas excepções a
este direito, sem as quais se frustrariam os objectivos do processo penal, uma vez que se
permitiria que, amiúde, os criminosos se subtraíssem à acção da justiça criminal14.
A sujeição a medidas restritivas de liberdade não previstas na CRP permite a
qualquer cidadão o uso da força própria para repeli-las, sempre que não possa recorrer em
tempo útil à autoridade pública. O direito de resistência, previsto no art.º 21.º da CRP,
compreende duas situações distintas: uma consiste em não cumprir qualquer ordem desde
que ofensiva de um dos direitos, liberdades ou garantias e, a outra consiste em repelir pela
força qualquer agressão quando não é possível recorrer em tempo útil autoridade pública.
A CRP não é bastante esclarecedora quanto às formas e modalidades do exercício
deste direito. Todavia, o seu exercício deve reger-se estritamente pelos princípios do
direito de necessidade através da adequação, exigibilidade e proporcionalidade.

13
Cfr., em Portugal, Vitela, Alexandra, Considerações acerca da presunção de inocência em Direito
Processual Penal, Coimbra Editora, 2000, pág. 19.
14
Sousa, João de Castro e, tramitação do processo penal, Coimbra Editora, 1985, pág. 100.

9
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

O direito de resistência pode ser exercido contra poderes públicos ou contra


particulares, quando está em causa a protecção da vida, da integridade física ou de outro
bem jurídico protegido pela CRP.
Compete à polícia a função de garantir e defender os direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos, através de aplicação, quando necessário, de medidas de polícia. As medidas
de polícia estão previstas na Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto15.
A todo o arguido é garantida a defesa. Todos os interrogatórios de arguido preso são
feitos com assistência de um defensor. O arguido não preso pode, querendo, prescindir,
depois da informação desse direito, de defensor nos interrogatórios processuais – vide art.º
64.º, n.º 1 do CPP.
O art.º 32.º, n.º 2 da CRP postula que, antes da sentença de condenação transitar em
julgado, o arguido presume-se inocente.
Segundo Germano Marques da Silva, o princípio de presunção de inocência “ é,
antes de mais, uma regra política que revela o valor da pessoa humana na organização da
sociedade e que recebeu consagração constitucional como direito subjectivo público,
direito que assume relevância prática no processo penal num duplo tratamento: no
tratamento do arguido no decurso do processo-crime e como princípio de prova” 16.
Germano Marques da Silva ensina que enquanto meio de prova, o direito à presunção
de inocência significa que “toda decisão condenatória deve ser precedida sempre de uma
suficiente actividade probatória, impedindo a condenação sem provas” 17.
Sobre esta matéria, Guedes Valente defende que, “a Polícia na sua intervenção, quer
a priori quer a posteriori, deve partir sempre do pressuposto de que o indivíduo que se
investiga ou sobre qual está a praticar actos ou diligências processuais é inocente até
sentença transitada em julgado, evitando-se a ideia errónea e muitas vezes falível de que
aquele é o culpado e não um culpado”18.
Neste sentido, enquanto decorrer o processo-crime, não se pode culpar ninguém pela
prática do crime em investigação. A culpabilidade só deve ser afirmada depois de
comprovada indiciação criminosa em sentença condenatória transitada em julgado.

15
Ver art.ºs 28.º e 29.º da Lei de Segurança Interna.
16
Curso de Processo Penal cit., vol. I, págs. 302 e 303.
17
Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, 4ª edição, 2008, pág. 122.
18
Valente, Manuel Monteiro Guedes, Teoria Geral do Direito Policial, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009,
pág. 191.

1
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

3. Os valores jurídico-constitucionais da liberdade, da segurança e da presunção


de inocência no regime moçambicano

A CRM estabelece, no art.º 43.º, que a interpretação e integração dos preceitos


constitucionais relativos aos direitos fundamentais deve ser feita de harmonia com a
DUDH e a CADHP19.
Assim, o entendimento dos direitos fundamentais em Moçambique encontra
inspiração na DUDH e na CADHP. Mas a promoção e o reconhecimento de tais direitos
compete ao Estado moçambicano, através da respectiva consagração constitucional.
O direito à liberdade e à segurança tem assento constitucional no art.º 59.º que
postula o seguinte: “ n.º 1) Na República de Moçambique, todos têm direito à liberdade e à
segurança, e ninguém pode ser preso e submetido a julgamento senão nos termos da Lei;
n.º 2) Os arguidos gozam da presunção de inocência até decisão judicial definitiva; n.º 3)
Nenhum cidadão pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, nem
ser punido com pena não prevista na Lei ou com pena mais grave do que a estabelecida no
momento da prática da infracção criminal”.
No que se refere à presunção de inocência oferece-nos dizer que ela está prevista no
mesmo artigo que prevê o direito à liberdade e à segurança. A junção das três figuras no
mesmo artigo não é por mera coincidência. Resulta da necessidade de assegurar de forma
ponderada a garantia dos direitos fundamentais das pessoas acusadas da prática de
qualquer acto criminal contra a possível discricionariedade do poder público.
É com base na necessidade de garantir a inviolabilidade do direito à liberdade que
Moçambique criou a PRM20. Incumbe à PRM, em colaboração com outras instituições
públicas, garantir a ordem, a segurança e tranquilidade públicas, o respeito pelo Estado de
Direito, a observância estrita dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos
cidadãos21.
A actuação policial deve pautar-se pela observância da Lei, não devendo usar os
meios de que dispõe de forma indiscriminada e ofensiva dos direitos e interesses

19
Segundo o art.º 43.º, da CRM “os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos”.
20
Lei n.º 19/92 de 31 de Dezembro – Cria a Polícia da República de Moçambique.
21
Cfr. art.º 254.º, n.º 1 da CRM.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

constitucionalmente protegidos22. A polícia só pode recorrer à força quando tal for


estritamente necessário e apenas na medida indispensável para o desempenho do seu dever.
Nesta óptica, afirmamos categoricamente que a actividade policial deve caracterizar-
se por políticas e práticas legais, humanas e deontologicamente correctas, observando, tal
como acontece com os outros órgãos do sistema da administração da justiça penal, o
princípio da presunção de inocência. A presunção de inocência funciona como um
instrumento limitador do poder público de punir os presumíveis autores de crimes,
afastando medidas punitivas antes de uma decisão judicial definitiva.
A violação do direito à liberdade pode conduzir à prática dos tipos legais de crimes
de cativeiro, coacção física, cárcere privado, entre outros, previstos e punidos pelos art.º
328.º e seguintes do CPM.
A Lei fundamental moçambicana previne a limitação da liberdade através de
detenções ilegais ao consagrar, no art.º 80.º, o direito de resistência dos cidadãos “de não
acatar ordens ilegais ou que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias” 23. Outro
factor limitador das detenções ilegais é a sua punibilidade criminal e disciplinar. Este tipo
de detenções faz incorrer o Estado ou o responsável na obrigação de indemnizar o lesado.
A CRM consagra outros direitos e liberdades, aplicáveis a todos os cidadãos,
nomeadamente: o direito à vida e à integridade física, o princípio da igualdade, a liberdade
de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de associação e o direito de propriedade.
O direito à vida é um dos direitos fundamentais que mereceu especial atenção na
CRM, pois é condição de todos os outros direitos das pessoas e, por isso, fundamento da
consagração constitucional do direito à liberdade. Deste modo, o legislador constitucional
reconhece valor máximo à vida humana, através da proibição da sua violação a todo o
cidadão, independentemente de ser ou não arguido24.
Em Moçambique não há penas de morte ou perpétua, mesmo para os crimes mais
hediondos.

22
O n.º 3 do art.º 254.º da CRM prevê que “no exercício das suas funções a Polícia obedece à Lei e serve
com isenção e imparcialidade os cidadãos e as instituições privadas”.
23
A CRM dá possibilidade a qualquer cidadão de não obedecer a ordens ilegais, desde que violem os direitos
de liberdade constitucionalmente consagrados.
24
Art.º 40.º da CRM, “N.º 1- Todo o cidadão tem direito à vida e à integridade física e moral e não pode ser
sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos. N.º 2 – Na República de Moçambique não há pena de
morte”.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

A CRM prevê que em determinadas situações, a liberdade pessoal pode ser coartada
– art.º 72.º e 287.º25. Essa restrição tem em vista garantir, essencialmente, o exercício de
outros direitos constitucionalmente consagrados.
A própria CRM enumera, no art.º 287.º26, as excepções que podem limitar
temporariamente as liberdades e garantias individuais em virtude de declaração do estado
de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência27.

Síntese do capítulo I

A segurança constitui, inequivocamente, uma garantia essencial para a efectivação de


outros direitos fundamentais, tais como o direito à vida, à integridade física, bem como a
própria liberdade, por isso é compreensível que, em certas circunstâncias, o direito à
liberdade possa ceder em relação à segurança.
Da análise dos dois regimes sobre os valores jurídico-constitucionais da liberdade, da
segurança e da presunção de inocência concluímos o seguinte: que as duas constituições
respeitam e integram na ordem interna o ideal comum da DUDH, que consiste no
reconhecimento da dignidade da pessoa humana através do respeito e da promoção dos
direitos e liberdades fundamentais.
Ambas consagram o direito à liberdade e à segurança e a presunção de inocência
como valores supremos para a realização humana. A CRP especifica, taxativamente, as
excepções ao direito à liberdade no art.º 27.º, n.º 3. A CRM não é clara no que concerne as
restrições ao direito à liberdade28. Não especifica as situações em que este direito pode ser
limitado, referindo-se somente às restrições das liberdades individuais ao abrigo do estado
de sítio ou de emergência, nos art.ºs 72.º e 287.º.

25
Em casos de declaração do estado de sítio ou de emergência podem ser tomadas as seguintes medidas
restritivas da liberdade das pessoas: a) obrigação de permanência em local determinado; detenção; detenção
em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns.
26
Quanto às restrições das liberdades individuais, o art.º 287.º de CRM determina que podem ser tomadas as
seguintes medidas restritivas da liberdade das pessoas: obrigação de permanência em local determinado;
detenção; detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; restrições
relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à
liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão; busca e apreensão em domicílio; suspensão de liberdade de
reunião e manifestação e requisição de bens e serviços.
27
Vide também o art.º 72.º da CRM.
28
O art.º 56.º, n.º 3 da CRM, remete para a Lei a criação de excepções ao direito à liberdade.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

Apesar de as duas constituições consagrarem o direito de resistência, constata-se na


CRM uma mitigação do alcance do conteúdo deste direito relativamente ao regime jurídico
português. O regime jurídico moçambicano não faz nenhuma referência à possibilidade do
cidadão repelir pela própria força qualquer agressão que ofenda os seus direitos, liberdades
e garantias, quando não seja possível recorrer à autoridade competente29.
É evidente a protecção da vida humana nas duas constituições, porque o legislador
constitucional anteviu que a efectivação dos direitos de liberdade depende,
prioritariamente, da defesa da lesão da vida.
Tanto em Portugal como em Moçambique vigora o princípio constitucional da
presunção de inocência. Todo o cidadão sobre o qual recai forte suspeita de imputação
criminal, considera-se inocente até à sentença condenatória transitada em julgado.

29
Segundo o art.º 80.º da CRM, “o cidadão tem o direito de não acatar ordens ilegais ou que ofendam os seus
direitos, liberdades e garantias”.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

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CAPÍTULO II - DISTINÇÃO ENTRE DETENÇÃO E PRISÃO PREVENTIVA

Noções preambulares

A detenção e a prisão preventiva são ambas medidas privativas de liberdade pessoal,


por um lapso de tempo.
A detenção é uma medida privativa da liberdade de carácter precário e condicionado
que pode ser executada tanto pelas autoridades judiciárias, como pelos órgãos de polícia
criminal ou, em certas circunstâncias, por qualquer cidadão.
A prisão preventiva é, também, uma medida privativa da liberdade de carácter
excepcional, provisório e subsidiário.
As duas medidas podem distinguir-se quanto à sua natureza, finalidade, duração,
competência para as ordenar e à qualidade processual dos visados.

1. Distinção entre detenção e prisão preventiva no regime jurídico português

A detenção é uma medida cautelar disciplinada pelo código do processo penal no


livro VI, dedicado às fases preliminares do processo. A prisão preventiva é uma medida de
coacção processual disciplinada no livro IV, referente às medidas de coacção e de garantia
patrimonial.
As duas figuras constituem restrições ao direito à liberdade, consagrado
constitucionalmente no art.º 27.º, e contam-se entre as excepções ressalvadas de forma
típica neste mesmo preceito, nos n.ºs 2 e 3. Neste âmbito, em observância ao princípio da
tipicidade constitucional das medidas privativas ou restritivas da liberdade, a CRP não
admite a criação de outras por Lei.
O facto de a detenção ser uma medida cautelar, que visa fazer cessar ou impedir o
cometimento de um crime não obriga à existência de um processo, contrariamente ao que
acontece na prisão preventiva.
As finalidades da detenção são distintas das da prisão preventiva. O art.º 254.º do
CPP define duas finalidades para a detenção e são as seguintes: “para, no prazo máximo de
quarenta e oito horas, o detido ser submetido a julgamento sob forma sumária ou ser
presente ao juiz competente para o primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

execução de uma medida de coacção; ou para assegurar a presença imediata ou, não sendo
possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido
perante a autoridade judiciária em acto processual”.
A primeira finalidade abarca a detenção em flagrante delito, na situação em que o
detido deve ser submetido a julgamento em processo sumário ou para ser presente ao JIC
para o primeiro interrogatório judicial e, caso seja admissível, para aplicação de uma
medida de coação e também a detenção fora de flagrante delito, nas situações em que a
autoridade judiciária aplica ou executa uma medida de coacção.
A segunda finalidade visa disciplinar o andamento do processo, pelo asseguramento
da presença do detido em acto processual.
As finalidades da prisão preventiva retiram-se do art.º 204.º do CPP e têm em vista o
impedimento de fuga ou perigo de fuga; do perigo de perturbação do decurso do inquérito
ou da instrução do processo; ou do perigo de continuação da actividade criminosa ou da
perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas.
Quanto aos prazos da duração máxima da detenção, constata-se da leitura do
preceituado no art.º 254.º do CPP que não podem exceder quarenta e oito horas sem que o
detido seja presente a um juiz. Situação diferente ocorre para os prazos de duração máxima
da prisão preventiva.
Os prazos de duração máxima da prisão preventiva fixam-se entre quatro meses e
três anos e dez meses, podendo, também, elevar-se para metade da pena que tiver sido
fixada, quando a sentença condenatória a pena de prisão do arguido em primeira instância,
tiver sido confirmada em sede de recurso ordinário – vide, art.º 215.º do CPP. Correndo
vários processos contra o arguido por crimes praticados antes de lhe ter sido aplicada
prisão preventiva não é admissível exceder os prazos previstos no art.º 215.º do CPP.
Esgotados os prazos de duração máxima da prisão preventiva, o arguido é posto em
liberdade com ou sem algumas das medidas previstas nos art.ºs 197.º a 200.º, salvo se a
prisão se mantiver em virtude de outro processo – art.º 217.º do CPP.
No que concerne às competências para proceder ou ordenar a detenção e a prisão
preventiva oferece-nos dizer o seguinte: a detenção não pressupõe emissão de mandado,
razão pela qual qualquer autoridade judiciária, qualquer entidade policial ou qualquer
cidadão procede à detenção em flagrante delito (art.º 255.º do CPP); a aplicação da prisão

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

preventiva exige emissão de um mandado, sendo competente para tal, apenas, o juiz (art.º
202.º do CPP).
A detenção pode recair tanto no arguido como em todas as pessoas que, regularmente
convocadas para qualquer diligência processual, faltem injustificadamente, ou perturbem a
ordem dos actos processuais, dificultando o decurso normal do processo – art.ºs 85.º, n.º 2
e 116.º, n.º 2, todos do CPP. A detenção é ordenada pelo juiz e, tratando-se de arguido,
pode ser aplicada a prisão preventiva, se esta for legalmente admissível – art.º 116.º, n.º 2
do CPP.

2. Admissibilidade da prisão preventiva no regime jurídico português

O art.º 27.º da CRP admite a prisão preventiva depois de garantir o princípio do


direito à liberdade. A imposição de limitações à liberdade só pode ser admitida na medida
da sua estrita necessidade para a realização dos fins do processo.
A aplicação da prisão preventiva durante o decurso do processo-crime não deve, em
qualquer circunstância, pretender significar punição do arguido.
A CRP é omissa acerca da competência para efectuar ou determinar a prisão
preventiva, remetendo essa definição à Lei.
Em conformidade com o art.º 202.º30 do CPP, a aplicação da prisão preventiva deve
ser ponderada pelo juiz. A sua imposição ao arguido deve resultar, apenas, da inadequação
ou insuficiência das outras medidas de coacção previstas do art.º 196.º a art.º 201.º do CPP.
Consequentemente, a sujeição de uma pessoa a prisão preventiva depende, sem dúvida,
dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, competindo
exclusivamente ao juiz a sua imposição, nas situações seguintes:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão
de máximo superior a cinco anos,
b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo,
criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão
de máximo superior a 3 anos,
c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade
física qualificada, furto qualificado, burla informática e nas comunicações,

30
De acordo com a nova redacção dada pela Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto – 19ª Alteração ao CPP.

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Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança


de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3
anos,
d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de detenção de arma
proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em
locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico
das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior
a 3 anos,
e) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em
território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição.
A prisão preventiva em Portugal visa três finalidades e são as seguintes:
a) Evitar que o arguido se furte à justiça,
b) Evitar a perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo,
através do perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e,
c) Evitar que o arguido cometa novos crimes ou perturbe a ordem e a
tranquilidade públicas.
De três em três meses, o juiz é obrigado a fazer o reexame dos pressupostos que
determinaram a decisão de aplicação da prisão preventiva com vista a mantê-la ou
substituí-la por outra menos gravosa ou simplesmente revogá-la31.
A duração de imposição da prisão preventiva infligida ao arguido é descontada por
inteiro na sentença condenatória, nos termos do art.º 80.º do CP.

3. Distinção entre detenção e prisão preventiva no regime moçambicano

No regime jurídico moçambicano, a detenção não se autonomiza da prisão


preventiva. Os termos detenção, prisão e prisão preventiva são usados como se fossem
sinónimos32.
O CPPM usa a designação “prisão ou prisão preventiva” e prevê a existência da
“prisão em flagrante delito” e da “prisão preventiva fora de flagrante delito”.

31
Cfr. Art.º 213.º do CPP – reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na
habitação.
32
Conforme o art.º 291.º do CP, a prisão pode ser entendida como correspondendo a qualquer detenção ou
custódia.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
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O nosso entendimento sobre esta categorização é no sentido de considerarmos a


prisão em flagrante delito como detenção em flagrante delito e a prisão preventiva fora de
flagrante delito como detenção fora de flagrante delito.
A prisão preventiva é disciplinada pelo código do processo penal no capítulo
destinado à prisão.
No contexto moçambicano, a prisão preventiva corresponde a uma medida cautelar
privativa da liberdade, tem carácter temporário e provisório, ou seja, não se traduz no
cumprimento de uma pena e nem assenta em qualquer concepção retributiva.
A prisão preventiva fora de flagrante delito é infligida aos arguidos, razão pela qual o
CPPM exige para a sua aplicação, pressupostos muito apertados33.
Os prazos de duração da prisão preventiva estão previstos no art.º 308.º do CPPM.
Estes prazos contam-se desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou do
pedido de instrução contraditória pelo MPº, não podendo exceder:
 Vinte dias, por crimes dolosos a que caiba pena correcional de prisão superior
a um ano34;
 Quarenta dias, por crimes a que caiba pena de prisão maior35;
 Noventa dias, por crimes cuja instrução preparatória seja da competência
exclusiva da PIC ou a ela deferida.
Desde a notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória
pelo MPº até ao despacho de pronúncia em 1ª instância, os prazos da prisão preventiva não
devem exceder:
 Três meses, se à infracção couber pena a que corresponda processo
correcional.
 Quatro meses, se ao crime couber pena a que corresponda processo de
querela.
Depois de formada a culpa, a prisão preventiva mantém-se até à decisão final, salvo
se em qualquer recurso o arguido for despronunciado ou absolvido36.

33
O art.º 251.º do CPPM define como arguido “aquele sobre quem recai forte suspeita de ter perpetrado uma
infracção, cuja existência esteja suficientemente comprovada”.
34
Conforme o art.º 56.º do CPM, são penas correcionais, as seguintes: a pena de prisão de 3 dias a 2 anos, a
de suspensão temporária dos direitos políticos, a de multa e a de repreensão.
35
O CPM estabelece no art.º 55.º, que são penas maiores, as penas de prisão seguintes: 2 a 8 anos, 8 a 12
anos, 12 a 16 anos, 16 a 20 anos, 20 a 24 anos e a pena de suspensão dos direitos políticos por tempo de
quinze ou de vinte anos. O CPM, também, prevê penas especiais para empregados públicos. São penas
especiais para os empregados públicos, as seguintes: a pena de demissão, a de suspensão e a de censura.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Quanto à manutenção da prisão preventiva depois da culpa formada até decisão final,
cremos que constitui uma violação grave do princípio da presunção de inocência.
Relativamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, a Lei processual
penal não estipula nenhum prazo. Contudo, esgotados os prazos de duração máxima da
prisão preventiva sem culpa formada, o arguido deve ser posto em liberdade provisória
mediante caução e sujeito a alguma ou algumas das obrigações previstas no § 2.º do art.º
270.º do CPPM. Se a liberdade provisória mediante caução for inadmissível, o juiz pode,
ouvido o MPº e o defensor do arguido, em despacho fundamentado, determinar os dias
para diligências indispensáveis para conclusão da instrução preparatória do processo e
prorrogar a prisão preventiva por um período nunca superior a 60 dias – art.º 309.º do
CPPM.
A liberdade provisória é sempre inadmissível nos crimes puníveis com as penas
maiores de 20 a 24 anos, 16 a 20 anos, 12 a 16 anos e 8 a 12 anos e nos crimes dolosos
puníveis com pena de prisão superior a 1 ano cometidos por reincidentes – art.º 291.º, § 2.º,
al) a) e b) do CPPM.
Nos termos do disposto no art.º 273.º do CPPM, a prisão preventiva sem culpa
formada é passível de revogação, ordenando-se a soltura do arguido, sempre que os
fundamentos que a determinaram não subsistirem, podendo ser novamente ordenada se
sobrevierem razões que legalmente o justifiquem.
A prisão preventiva pode ser ordenada por juízes dos tribunais judiciais ou
equivalentes, procuradores do MPº, directores, inspectores e subinspectores da PIC,
oficiais da PRM com funções de comando e administradores distritais, chefes dos postos
administrativos ou presidentes dos conselhos municipais, onde não existam oficiais da
PRM37.
A atribuição por Lei da competência para ordenar a prisão preventiva, fora dos casos
de flagrante delito, às entidades não judiciais extravasa do art.º 64.º, n.º 4 do texto
constitucional, quando estatui que “a decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida
de privação da liberdade deve ser comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido,
por este indicado”38.

36
Cfr. art.ºs 273.º e 308.º, § 3.º do CPPM.
37
Art.º 293.º do CPPM – Requisitos formais da prisão fora de flagrante delito.
38
Antes da formação da culpa, entendemos que deveria ser competente para ordenar a prisão preventiva,
somente o juiz de instrução criminal, em conformidade com a redacção constitucional.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Entendemos que num Estado de direito democrático como Moçambique o é, a


limitação da liberdade das pessoas, especialmente a prisão preventiva, devia ser reservada
exclusivamente às autoridades judiciais, porque, segundo nos parece, a actual situação
pode potenciar detenções sem observância rigorosa dos requisitos legais39. Defendemos
que o art.º 293.º, § único do CPPM deve merecer uma reapreciação legislativa com vista a
uma rápida reformulação, pois, tem-se caracterizado como uma verdadeira afronta à
liberdade dos cidadãos.
Todo o cidadão sob prisão preventiva deve ser apresentado ao juiz dentro de quarenta
e oito horas após a detenção, conforme estabelece o art.º 311.º do CPPM. Sempre que o
mandado de detenção não tenha sido exarado pelo juiz, o prazo de quarenta e oito horas
para a apresentação do custodiado pode ser prorrogado até cinco dias, quando o procurador
reconhecer necessária maior dilação.
Apesar de concordarmos com este alargamento excepcional do tempo para a
apresentação do detido ao juiz para o primeiro interrogatório em certas situações extremas,
antevemos o risco que se torne numa regra.
Relativamente ao cumprimento dos prazos de apresentação dos detidos ao juiz de
instrução criminal é de referir que a Polícia moçambicana não tem cumprido na maioria
das situações de detenções, a apresentação dos detidos nos prazos fixados por Lei 40. O
incumprimento dos prazos pode ser devido à falta de quadros qualificados e de meios
materiais e financeiros que possibilitem a celeridade processual ou, eventualmente, devido
a excessiva burocratização processual41.
Sobre esta matéria do incumprimento dos prazos de apresentação do detido ao juiz de
instrução criminal, a Lei não é clara quanto aos procedimentos a seguir, razão pela qual, a
polícia tem mantido a detenção até este ser presente ao juiz.
É importante realçar que a prisão é imposta para:

39
O art.º 3.º da CRM estatui que “a República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no
pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades
fundamentais do Homem”.
40
Conforme afirmado pelo Procurador-geral da República de Moçambique, os prazos processuais,
nomeadamente os de prisão preventiva, de apresentação do detido ao juiz para o primeiro interrogatório e os
prazos de instrução preparatória não estão a ser observados (anexo III).
41
Esta afirmação resulta da experiência profissional do ora candidato na Polícia de Investigação Criminal,
que, embora naturalmente limitada, ainda assim, permite o presente apontamento. Vide, também, o
pronunciamento do Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (anexo VI) e o teor da entrevista
do anexo II.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

 Julgamento em processo sumário no prazo máximo de oito dias 42. Logo após
a detenção é obrigatória a comunicação do acto ao MPº. As APIC devem
entregar o detido em acto seguido à detenção ou no mais curto espaço de
tempo às autoridades judiciárias para o julgamento – art.º 290.º do CPPM.
 Apresentação a juiz para o primeiro interrogatório judicial no prazo de
quarenta e oito horas ou no prazo máximo de 5 dias, quando a mandado de
captura não tenha sido emitido pelo juiz e o MPº entender necessária maior
dilação, após a detenção, nos termos do art.º 311.º do CPPM.
 Aplicação da prisão preventiva quando o arguido quebra a caução43.
 Garantir a presença em acto processual no prazo máximo de 24 horas, sem
contudo o arguido recolher à cadeia44.
 Para cumprimento da pena de prisão, decretada por uma sentença judicial
transitada em julgado, na cadeia da região onde foi detido.
Apesar do regime jurídico moçambicano não distinguir formalmente a prisão
preventiva da detenção, se compararmos com o regime português, chega-se à seguinte
conclusão:
a) A prisão preventiva em flagrante delito é uma mera detenção e,
b) Fora de flagrante delito, a prisão preventiva é uma prisão num verdadeiro
sentido de encarceramento. Essa destrinça pode-se retirar do pedido da
providência do habeas corpus, tema que será desenvolvido, a seguir, em
capítulo próprio.

4. Admissibilidade da prisão preventiva no regime jurídico moçambicano

A liberdade consagrada na CRM é uma liberdade no sentido amplo, razão pela qual é
imprescindível a sua restrição para salvaguarda de outros interesses legalmente protegidos
quando são postos em causa por certas condutas humanas. Há, certamente, alguns
comportamentos humanos em face dos quais se justifica plenamente que o direito à
liberdade ceda em relação à ordem e segurança públicas.

42
Art.º 558.º, § 2.º do CPPM – O julgamento pode ser adiado até ao prazo máximo de oito dias.
43
Cfr. art.º 283.º do CPPM – Quebra e execução da caução.
44
Art.º 269.º, § 5.º do CPPM – Se houver suspeita de o arguido se eximir a receber a notificação ou se não
comparecer depois de notificado, deverá ser ordenada a sua comparência sob custódia para acto processual.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
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Assim, nos termos do art.º 64.º da constituição moçambicana é admissível a


submissão de alguma pessoa a prisão preventiva quando estiverem reunidos os
pressupostos previstos na Lei. A decisão que determinar a sujeição de uma pessoa à prisão
preventiva carece de fundamentos bastantes, devendo orientar-se pelos princípios da
legalidade, da proporcionalidade, da adequação e necessidade, de harmonia com os art.ºs
270.º e 291.º do CPPM.
A CRM é omissa no que concerne à autoridade ou autoridades competentes para
efectuar ou ordenar a prisão preventiva.
O CPPM, embora não distinguindo formalmente a mera detenção da prisão enumera,
no art.º 286.º, as situações em que a prisão preventiva pode ser autorizada. E são as
seguintes:
a) Em flagrante delito, quando ao crime couber pena de prisão, em conformidade
com o postulado nos artigos 286.º e 287.º do CPPM.
b) Fora de flagrante delito, por crime doloso a que caiba pena superior a um ano,
sendo obrigatória a verificação cumulativa de forte suspeita da sua prática pelo arguido e
inadmissibilidade da liberdade provisória ou insuficiência desta para realização dos fins
pretendidos – art.º 291.º do CPPM.
No nosso entender, haverá forte suspeita da prática do crime pelo arguido quando os
indícios levarem à existência do crime e fortes suspeitas da sua imputação ao arguido.
Nos termos do disposto no art.º 291.º, § 3.º do CPPM, a prisão preventiva pode ter
uma tríplice finalidade: a primeira destina-se a impedir a fuga do arguido, fazendo com que
esteja, sempre que for necessário, presente nos actos processuais e consequentemente
garantir a execução da decisão judicial.
A segunda destina-se evitar o perigo de perturbação da instrução preparatória do
processo com o arguido em liberdade, através da destruição das provas indiciárias.
Por último, pode destinar-se evitar que o arguido pratique novos crimes ou perturbe a
ordem e tranquilidade públicas, tendo como base a natureza e circunstâncias do crime e a
personalidade do arguido.
Havendo fundadas razões de que a aplicação das medidas de liberdade provisória ao
arguido influenciará negativamente o decurso normal da investigação do crime, o juiz de
instrução criminal pode decretar a prisão preventiva, caso contrário, pode substituí-la por
reacções penais que não impliquem detenção. O JIC pode sujeitar o arguido a liberdade

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
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provisória mediante termo de identidade ou mediante caução (art.º 270.º, § 1.º e 2.º do
CPPM).
Pode-se distinguir, no CPPM, duas modalidades de prestação da caução: carcerária e
económica. A carcerária visa assegurar eficazmente a comparência do arguido aos actos
processuais em que seja necessário (art.º 274.º do CPPM). A caução económica tem por
finalidade garantir o pagamento de multas, impostos de justiça e indemnizações (art.º
274.º, § 1.º do CPPM). A económica é imposta somente nos casos em que se reconhece a
solvibilidade económica do arguido.
É obrigatória a substituição da caução por apresentação ao tribunal ou à autoridade
por ele designada, sempre que o arguido, por razões de impossibilidade, grande dificuldade
ou inconveniência não possa prestá-la (art.º 272.º do CPPM).
No que toca ao desconto na duração das penas e medidas de segurança privativas da
liberdade, o art.º 117.º do CPM determina que a sentença condenatória levará em conta por
inteiro: a prisão preventiva, a partir da captura; o tempo cumprido em execução de
condenação por tribunal estrangeiro, desde que se reporte ao mesmo crime; o tempo de
internamento hospitalar que suspenda a execução da pena, salvo se tiver havido simulação;
o tempo da prisão preventiva sofrida pela imputação de crime diferente do crime por que
vier a ser condenado, desde que este último tenha sido praticado antes do termo da prisão
anterior; um dia de pena de multa, no caso de condenação em multa, por um dia de prisão
preventiva.

Síntese do capítulo II

Quanto à distinção entre a detenção e prisão preventiva pode-se concluir que o


regime jurídico português distingue claramente as duas figuras. Em Moçambique as duas
figuras não se autonomizam, razão pela qual existe no CPPM a figura de prisão preventiva
fora de flagrante delito, em complemento do n.º1 do art.º 286.º do CPPM que prevê a
figura de prisão preventiva em flagrante delito.
A prisão preventiva em Portugal é uma medida de coacção. Em Moçambique
funciona como uma verdadeira medida cautelar.
No que concerne ao tempo sofrido durante a prisão preventiva, ambos os regimes o
descontam por inteiro na duração da pena de prisão.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

Contrariamente ao regime português, que obriga o reexame dos pressupostos da


prisão preventiva de três em três meses, a contar da data da sua aplicação ou reexame, o
regime jurídico moçambicano não estipula prazos para tal, mas prevê, no art.º 273.º do
CPPM, que a prisão preventiva sem culpa formada pode ser revogada a qualquer altura,
bastando, para tal, não subsistirem os requisitos que a ocasionaram. Depois da culpa
formada, a prisão preventiva só pode ser revogada mediante recurso interposto do
despacho de pronúncia, do despacho que a tiver ordenado posteriormente ou da decisão
final, quando do teor da decisão deva resultar nova apreciação da legalidade da prisão.
No regime português, a prisão preventiva é exclusivamente ordenada por um juiz, ao
passo que em Moçambique pode ser ordenada por várias entidades: o juiz; o procurador;
directores, inspectores e subinspectores da PIC; oficiais da PRM, desde que tenham
funções de comando, administradores distritais, chefes de postos administrativos ou
presidentes dos conselhos municipais.
A Lei portuguesa é muito mais restritiva na aplicação desta figura, pois exige que ao
crime em causa possa ser aplicada a pena de prisão de máximo superior a 5 anos e em
alguns crimes de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada a pena de
prisão de máximo superior a 3 anos. Na legislação moçambicana basta, para se concretizar
a aplicação da prisão preventiva, que ao crime corresponda pena de prisão, na situação de
flagrante delito e pena de prisão superior a um ano, fora de flagrante delito.
Quanto aos prazos de apresentação do preso ou detido ao juiz constatámos que o
mesmo é de quarenta e oito horas em ambos os regimes, contudo, a legislação
moçambicana admite a prorrogação deste prazo até cinco dias, desde que o MPº consinta e
a captura não tenha sido ordenada pelo juiz.
Comparativamente ao sistema de administração da justiça português, o moçambicano
debate-se com uma enorme falta de recursos humanos qualificados, de meios tecnológicos
e financeiros. O processo penal é excessivamente burocrático, propiciando falhas no
cumprimento dos prazos de apresentação dos arguidos ao poder judicial.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

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CAPÍTULO III - A DETENÇÃO EM FLAGRANTE DELITO E FORA DE FLAGRANTE


DELITO

Sequência:
Neste capítulo estudaremos, apenas, a detenção. Este tema tem suscitado
controvérsias nos últimos anos na República de Moçambique, acusando-se o Sistema de
Administração de Justiça Criminal de proceder, muitas vezes, a detenções feridas de
ilegalidade. A PRM é considerada como o órgão do Estado que mais viola o direito da
liberdade45.
A detenção colide, necessariamente, com os direitos e interesses dos cidadãos, por
isso propomo-nos fazer uma análise dos fundamentos, pressupostos e requisitos de
situações que podem conduzir à detenção de alguém, pela PRM, no âmbito da segurança
interna moçambicana, bem como uma comparação com o regime em vigor em Portugal.

1. Noção de flagrante delito no regime jurídico português

O regime jurídico português estabelece, no art.º 256.º do CPP, que é flagrante delito
todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer. Equipara ao flagrante delito,
também, o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou
encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou
nele participar.
Da análise desta definição legal podem-se distinguir, à partida, três situações: o
flagrante delito propriamente dito, o quase flagrante delito e a presunção de flagrante
delito.
No flagrante delito propriamente dito (“…todo o crime que se está cometendo
ou…”), o agente é surpreendido a executar o facto criminal. Verifica-se a actualidade da
acção criminosa.

45
A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos tem vindo, sistematicamente, acusar a PRM de submeter
os detidos a "tratamento desumano", ignorando os direitos humanos elementares, para além de
protagonizar detenções ilegais e/ou arbitrárias, por motivos fúteis ou infundados, bem como violação dos
prazos de prisão preventiva (ver anexos IV e I).

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

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No quase flagrante delito (“…se acabou de cometer.”), o agente não é surpreendido a


cometer o crime, mas é encontrado no local do crime depois de este ter cessado. Nesta
situação valoriza-se o facto de o agente ter sido surpreendido no local do crime, no qual
evidencia a existência do crime, bem como do seu autor.
Presume-se flagrante delito o caso em que o agente não é surpreendido durante a
execução ou depois da execução do facto criminal mas é, logo depois da cessação do
crime, perseguido por qualquer pessoa (cidadão comum, OPC ou autoridades judiciárias)
ou é encontrado a seguir à prática do crime com objectos ou sinais que mostrem ter
acabado de o praticar.
O estado de flagrante delito, em caso de crime permanente, persiste enquanto
durarem os sinais que mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está
nele a participar, nos termos do n.º 3 do art.º 256.º do CPP.
O flagrante delito constitui uma circunstância incontestável de recolha de prova do
crime. Sobre esta matéria, Germano Marques da Silva afirma que “nesta noção de flagrante
valoriza-se a circunstância de o agente ser surpreendido na prática do crime ou com sinais
que evidenciam a sua participação nele, o que facilita a prova e explica a permissão de
detenção imediata por qualquer autoridade, entidade policial ou qualquer do povo e a
submissão do agente a processo sumário, quando se verifiquem os demais pressupostos
para adopção desta forma de processo especial; há uma relação de simultaneidade entre a
actualidade da execução do crime e a sua constatação por terceiro” 46.
Acrescenta, ainda, este académico que “a actualidade e a presença de testemunhas na
execução do crime é que caracterizam o flagrante delito. Por isso que se o crime foi
presenciado, mas o agente não foi imediatamente detido, não pode sê-lo ulteriormente com
fundamento em flagrante delito”47.
Apesar do n.º 2 do art.º 256.º do CPP usar a expressão “logo após”, entendemos que
há presunção de flagrante delito sempre que haja continuidade temporal que permita
estabelecer, de forma directa, a ligação entre o facto constatado e o agente executor.

46
Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal II, 4ª edição, Verbo, Lisboa, Revista actualizada,
2008, pág. 266.
47
Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal II, 4ª edição, Verbo, Lisboa, Revista actualizada,
2008, pág. 266.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

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2. Noção de flagrante delito no regime jurídico moçambicano

A noção de flagrante delito está plasmada no art.º 288.º de CPPM, que estabelece que
“é flagrante delito todo o facto punível que se está cometendo ou que se acabou de
cometer. Reputa-se, também, flagrante delito o caso em que o agente é, logo após a
infracção criminal, perseguido por qualquer pessoa, ou foi encontrado a seguir a prática da
infracção com objectos ou sinais que mostrem claramente que a cometeu ou nela
participou”.
O conteúdo da definição legal de flagrante delito permite-nos, tal como sucede no
regime português, distinguir o flagrante delito, o quase flagrante delito e a presunção de
flagrante delito.
A Lei moçambicana não faz nenhuma referência relativamente ao flagrante delito
nos casos de crimes permanentes, mas é nosso entendimento que o estado de flagrante
delito, nestes, perdura enquanto existirem sinais claros da actualidade da execução da
acção criminal.

3. Detenção em flagrante delito no regime português

Em flagrante delito, e tratando-se de crimes públicos ou semipúblicos 48 puníveis com


pena de prisão, o presumível autor deve ser detido por qualquer autoridade judiciária ou
entidade policial presente e pode ser detido por qualquer pessoa, desde que não seja
possível o chamamento das entidades competentes em tempo útil – art.º 255.º, n.º 1 do
CPP.

48
Nos crimes públicos, o MPº depois de tomar conhecimento da notícia do crime, promove, obrigatória e
oficiosamente o processo-crime, iniciando destarte a fase do inquérito, art.ºs 48.º e 262.º, n.º 2 do CPP. O
MPº colabora com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as
intervenções a critérios de estrita objectividade e legalidade (cfr. art.ºs 53.º, n.º 1 do CPP e 219.º, n.º 1 da
CRP). Nos crimes semipúblicos a promoção do processo-crime por parte do MPº está dependente do
exercício do direito de queixa do ofendido ou de outras pessoas a quem a Lei confere esse direito (art.ºs 49.º,
n.º1 do CPP e 113.º do CP). Os crimes semipúblicos são a primeira restrição ao caráter oficioso e obrigatório
da promoção do processo-crime pelo MPº (art.º 48.º). Após a apresentação da queixa, o MPº dá início ao
processo-crime, fase de inquérito, desenvolvendo toda a tramitação processual como de crime público fosse.
Os crimes particulares são aqueles cujo procedimento exige obrigatoriamente: apresentação de queixa pelo
ofendido ou outras pessoas a quem a Lei confere esse direito, constituição de assistente e dedução da
acusação particular (Cfr. art.ºs 50.º, n.º 1 do CPP e 113.º do CP). Os crimes particulares são a segunda
restrição ao preceituado art.º 48.º do CPP que estipula a oficialidade e obrigatoriedade da promoção penal
pelo MPº.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Nos crimes semipúblicos a detenção só se mantém quando, em acto a ela seguido, o


titular do direito de queixa o exercer – art.º 255.º, n.º 3 do CPP.
A Lei não prevê o tempo máximo a que se pode sujeitar o detido a permanecer numa
esquadra ou posto policial até ao exercício daquele direito, o que se traduz numa lacuna
grave que dá lugar a uma indefinição que se projecta na actividade diária dos OPC.
Nos crimes semipúblicos, entendemos que o detido não deve permanecer às ordens
da entidade detentora por mais de seis horas, em analogia ao previsto no n.º 6 do art.º 250.º
do CPP49. Se o detentor não conseguir contactar o lesado ou este não apresentar a queixa
no período até seis horas contáveis desde a detenção, somos de opinião de que o detido
deve ser posto em liberdade, sob pena de se cometer o crime de sequestro, previsto e
punido pelo art.º 158.º do CP.
Não é admissível a detenção do presumível autor nos crimes particulares – art.º
255.º, n.º 4 do CPP. Nestes casos, apenas, se deve identificar o agente. Todavia, se este
recusar a identificação deve ser detido por desobediência, nos termos do art.º 348.º do CP.
Qualquer detenção em flagrante delito efectuada pela entidade policial deve ser
comunicada de imediato ao MPº50.
A entidade policial que tiver procedido à detenção, deve libertar imediatamente o
detido logo que se torne manifesto que a mesma foi efectuada por erro sobre a pessoa ou
fora dos casos em que era legalmente admissível ou que a medida se tornou desnecessária
(art.º 261.º do CPP)51.

4. Finalidades da detenção no regime jurídico português

O regime jurídico português prevê duas finalidades para a detenção, a saber: “para,
no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser submetido a julgamento sob forma
sumária ou ser presente ao juiz competente para o primeiro interrogatório judicial ou para
aplicação ou execução de uma medida de coacção; ou para assegurar a presença imediata

49
Art.º 250.º do CPP – Identificação de suspeitos e pedido de informações.
50
Cfr. art.ºs 248.º e 259.º, al. b), do CPP.
51
Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal II, 4ª edição, Verbo, Lisboa, Revista actualizada,
2008, pág. 268.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
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ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas,
do detido perante a autoridade judiciária em acto processual” 52.
A primeira finalidade reporta-se à detenção em flagrante delito, na situação em que o
detido deve ser submetido a julgamento em processo sumário ou para ser presente ao juiz
de instrução criminal para o primeiro interrogatório judicial e, caso seja admissível, para
aplicação de uma medida de coação e também à detenção fora de flagrante delito, nas
situações em que a autoridade judiciária aplica ou executa uma medida de coação.
A segunda finalidade visa disciplinar o andamento do processo, designadamente
assegurando a presença do detido em acto processual. Esta medida tem como pano de
fundo evitar-se a perturbação dos trabalhos de investigação e faltas sucessivas em acto
processual. Pode ser aplicada tanto ao arguido como a todas pessoas regularmente
convocadas para qualquer diligência processual – artigos 85.º, n.º 2 e 116.º, n.º 2, todos do
CPP.
A detenção é ordenada pelo juiz e, tratando-se de arguido, pode ser aplicada a prisão
preventiva, se esta for legalmente admissível – art.º 116.º, n.º 2 do CPP.
Aos arguidos são reconhecidos direitos e deveres.
Importa referir que o arguido detido em qualquer estabelecimento policial das forças
de segurança tem direito de comunicar, oralmente ou por escrito, com o seu defensor. Para
a prossecução deste direito, a polícia deve facilitar ao detido o uso do telefone do
estabelecimento policial, quando não haja telefone público nas instalações policiais 53. Para
além deste direito, uma vastidão de outros lhe são reconhecidos pelo CPP, conforme se
pode depreender nos art.ºs 61.º, 89.º, 140.º, n.º 1, 174.º, n.º 5, 176.º, n.º 1, 220.º, 225.º,
272.º, 287.º, 325.º, 332.º, n.º 7, 334.º, n.º 2, 357.º, n.º 1 e 361º.
O art.º 61.º do CPP é uma reafirmação de alguns direitos do arguido, estabelecidos
no art.º 32º da CRP.
De acordo com o estipulado no art.º 61.º n.º 3, os arguidos detidos tem obrigação: de
responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade e sobre os antecedentes
criminais, quando a Lei exigir, sob pena de cometer os crimes de desobediência ou de
falsidade de depoimento ou declarações previstos e punidos pelos art.ºs 348.º e 359.º n.º 2,

52
Cfr. art.º 254.º do CPP – Finalidades da detenção.
53
Cfr. Despacho n.º 10717/2000 de 25 de Maio.

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todos do CP; de prestar TIR, indicando a sua residência, local de trabalho ou outro
domicílio à sua escolha e de sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção.

5. Detenção em flagrante delito no regime moçambicano

Tratando-se de crime público ou semipúblico 54 a que corresponda pena de prisão, a


detenção do agente do crime, em flagrante delito, constitui um dever para as autoridades ou
agentes de autoridade e uma mera faculdade para qualquer pessoa do povo, nos termos do
art.º 287.º do CPPM.
A privação da liberdade por crime a que não couber pena de prisão é admitida por
Lei quando a autoridade ou agente de autoridade não apure no local do crime o nome e
residência do agente, ou quando se trate de arguido em liberdade provisória ou condenado
em liberdade condicional que tenha violado as obrigações a que está sujeito, – cfr. § único
do art.º 287.º do CPPM.
Da análise deste preceito legal, afigura-se-nos indubitavelmente duas situações, a
nosso ver, dignas de registo:
Quanto a qualquer pessoa do povo – não se vislumbra nenhuma obrigatoriedade de
que esta proceda à detenção do agente do crime quando presencie a prática de um crime
público ou semipúblico a que corresponda pena de prisão. Se optar por deter, então, a
detenção só pode ser efectuada se houver impossibilidade de chamamento, em tempo útil,
das autoridades ou agentes de autoridade.
A impossibilidade de chamamento das entidades competentes em tempo útil deve ser
avaliada em termos de razoabilidade, sob pena de se deixar impune o agente do crime,
tendo em conta que, em flagrante delito, existem provas bastantes para imputar a infracção
criminal ao agente.
É vedada, a qualquer pessoa, a possibilidade de deter o agente do crime quando à
infracção não corresponder pena de prisão.
O cidadão comum, que proceder à detenção de alguém em flagrante delito, deve
entregar imediatamente o detido à polícia, sob pena de cometer o crime de sequestro.

54
No Código Penal vigente em Moçambique os crimes podem ser classificados em públicos, quando
dispensam a denúncia ou queixa para ter lugar o procedimento criminal, ou semipúblicos, quando a Lei exige
a queixa da pessoa ofendido ou dos seus legítimos representantes e isto acontece, particularmente nos casos
de crimes sexuais. Há, também, os chamados crimes particulares, aqueles para cujo procedimento criminal a
Lei exige além da queixa ou denúncia a acusação particular.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Apesar do art.º 290.º do CPPM não estabelecer os procedimentos a serem seguidos


no acto de entrega do detido a uma entidade policial, defendemos que esta deve elaborar
um auto de notícia por detenção, no qual conste: a hora da detenção por qualquer pessoa do
povo; a hora de entrega à polícia; a identificação do detentor; a identificação do detido e os
fundamentos da detenção, e, posteriormente, remeter o detido para apresentação ao JIC.
A entrega do detido ao poder judicial deve ser feita em acto seguido à detenção ou no
mais curto espaço de tempo possível, ou seja, no prazo de 48 horas ou até ao máximo de 5
dias, em casos excepcionais.
Contrariamente à ideia generalizada da maioria dos elementos policiais
moçambicanos, que pensa que os prazos de apresentação do detido ao JIC contam-se a
partir do momento de entrega do detido à esquadra ou posto policial, os prazos contam-se
desde a altura em que qualquer pessoa do povo procede à detenção.
Quanto às autoridades e agentes de autoridade – constitui um dever para as
autoridades e agentes de autoridade a detenção do agente do crime em flagrante delito por
crimes públicos a que corresponda pena de prisão. Esse dever é extensível aos casos em
que ao crime cometido não caiba pena de prisão, desde que não se consiga, no local da
ocorrência, saber o nome e a residência do agente por este não ser portador de qualquer
documento de identidade ou por ausência de pessoas idóneas que possam atestar sua
identidade, ou quando este não cumpre obrigações impostas pela autoridade judicial55.
Por maioria de razão, a autoridade ou agente de autoridade que proceder à detenção
deve elaborar auto de notícia por detenção que submeterá, juntamente com o detido, ao
poder judicial – art.º 290.º do CPPM.
A Lei não admite recurso à detenção sempre que haja fundamento suficiente para
crer que o facto cometido pelo arguido resultou de circunstâncias que dirimam a sua
responsabilidade criminal, devendo o arguido aguardar, caso o processo for avante, o
desfecho deste, em liberdade provisória com ou sem caução, consoante a gravidade do
crime56.
Não havendo impossibilidade de identificação do agente no local do crime, as
autoridades ou agentes de autoridade não devem proceder à detenção, em flagrante delito,

55
Cfr. art.º 269.º, §1.º e § único do art.º 287.º, todos do CPPM.
56
Cfr. art.º 292.º do CPPM – Casos em que não deve ser efectuada a prisão.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
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quando o procedimento criminal depender da queixa ou participação do ofendido ou de


certas pessoas a quem a Lei confere essa faculdade – art.º 292.º do CPPM.
Defendemos que a detenção do agente infractor, nos crimes semipúblicos, deve ser
seguida do contacto com o titular do direito de queixa, para que, caso deseje procedimento
criminal contra aquele, a detenção seja mantida pelas autoridades policiais ou, caso
contrário, se proceda à libertação imediata do detido.
Para que se mantenha a detenção, em flagrante delito, nos crimes a que corresponda
pena de prisão quando o procedimento criminal depender de acusação particular ou de
participação do ofendido, é necessário que, em acto a ela seguido, o titular do direito de
acusação ou participação declare à autoridade ou agente de autoridade que pretende
exercê-lo57.
Face ao exposto até aqui, somos de opinião de que, não havendo por parte da
vítima/ofendido declaração de exercício do direito da acusação ou de participação, o
agente que não tenha, no local da infracção criminal, documento de identificação, pode ser
conduzido à Esquadra policial com vista à concretização da sua identificação, finda a qual
deverá ser posto em liberdade.
Cabe referir, ainda, que a autoridade ou agente de autoridade pode, se necessário,
usar da força para compelir o agente a deslocar-se a Esquadra policial para o acto
identificativo. Havendo uma indefinição da Lei sobre o período de tempo a que se pode
sujeitar o detido a permanecer na esquadra ou posto policial, apelamos que seja o
estritamente necessário para a identificação. Neste caso, defendemos qua a polícia deveria
elaborar um auto de identificação do agente. A razão de ser deste acto, prende-se com a
necessidade de dotar as autoridades ou agentes de autoridade de instrumentos legais para a
identificação futura, quando os titulares do direito de queixa ou de acusação particular
exercerem esse direito.
A detenção em flagrante delito pode ocorrer “tanto na casa ou no lugar onde o facto
se está cometendo, ainda que não seja acessível ao público, como naquele em que o agente
se acolheu, independentemente de qualquer formalidade”, durante o dia58.

57
O § único do art.º 292.º do CPPM prevê que “quando a acção penal depender de acusação particular ou de
participação de certas pessoas, a prisão em flagrante delito só pode ter lugar quando o titular do direito de
acusação ou participação em juízo declare à autoridade ou agente da autoridade que pretende exercer aquele
direito”.
58
Cfr. art.º 289.º do CPPM –. Lugar da captura em flagrante delito.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Se o infractor iniciar uma fuga ao se aperceber da existência de testemunhas no


momento da execução da infracção pode ser perseguido e detido em qualquer lugar onde
for encontrado, desde que não se percam os pressupostos de flagrante delito.
Durante a noite, a detenção do agente em casa habitada ou suas dependências
fechadas só terá lugar se os moradores consentirem - art.º 301.º do CPPM. A restrição da
entrada no domicílio59 durante a noite está constitucionalmente consagrada no art.º 68.º, n.º
3.
Para nós, o consentimento a que se refere este preceito deve ser dado por todos os
moradores. Se faltar consentimento de um habitante da casa visada ou suas dependências
fechadas, então, considerar-se-á que a entrada foi negada, caso em que a detenção não
pode ter lugar.
Se o consentimento for negado pelos moradores, as autoridades ou agentes de
autoridade deverão tomar todas as precauções que possam para evitar a fuga do agente até
o sol nascer, contudo, nos locais sujeitos a fiscalização especial de polícia não pode ser
negada a entrada desta, seja qual for a hora do dia ou da noite60.

6. Finalidades da detenção no regime jurídico moçambicano

No território moçambicano, a detenção é executada:


a) Para julgamento em processo sumário no prazo máximo de oito dias 61. Logo
após a detenção é obrigatória a comunicação do acto ao MPº. Incumbe às
APIC a obrigação de entregar o detido, em acto seguido à detenção ou no
mais curto espaço de tempo, ao poder judicial para o julgamento62.
b) Para apresentação a juiz para o primeiro interrogatório judicial no prazo de
quarenta e oito horas ou no prazo máximo até 5 dias, quando o mandado de
captura não tenha sido emitido pelo juiz e o MPº entender necessária maior
dilação – art.º 290.º e 311.º, todos do CPPM.

59
A CRM garante a inviolabilidade do domicílio ao estabelecer que “ninguém pode entrar durante a noite no
domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento”.
60
Cfr. § único do art.º 301.º do CPPM – Prisão de noite, em casa habitada.
61
Art.º 558.º, § 2.º do CPPM – O julgamento pode ser adiado até ao prazo máximo de oito dias.
62
Art.º 290.º do CPPM – Entrega de

3
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

c) Para aplicação de uma medida de prisão preventiva quando o arguido quebra


a caução63.
d) Para garantir a presença em acto processual no prazo máximo de 24 horas,
sem contudo o arguido recolher à cadeia64.
e) Para cumprimento da pena de prisão decretada por uma sentença judicial
transitada em julgado, na cadeia da região onde foi detido.
Relativamente ao cumprimento dos prazos da detenção caberá referir que a Polícia
moçambicana não tem cumprido, na maioria das situações, a apresentação dos detidos nos
prazos fixados por Lei. O não cumprimento dos prazos pode estar ligado, não só à falta de
recursos humanos qualificados65, financeiros e tecnológicos, mas também à excessiva
burocratização processual66.
O § 1.º do art.º 311.º do CPPM estabelece que “os presos não poderão comunicar
com pessoa alguma antes do primeiro interrogatório”.
Somos de opinião da inaplicabilidade67 desta regra, sob pena de
inconstitucionalidade material. Por força do art.º 62.º, n.º 1 da CRM conjugado com a al. c)
do n.º 1 do art.º 7.º da CADHP, o processo criminal deve assegurar o direito à defesa a toda
a pessoa privada de liberdade. A CRM consagra, no n.º 2 do mesmo artigo, o direito do
arguido à assistência de defensor “em todos os actos do processo, devendo ao arguido que
por razões económicas não possa constituir advogado ser assegurada a adequada
assistência jurídica e patrocínio judicial”. Estatui, ainda, o texto constitucional que “o
advogado tem direito de comunicar pessoal e reservadamente com o seu patrocinado,
mesmo quando este se encontre preso ou detido em estabelecimento civil ou militar”68.
A inobservância do direito à defesa levaria o Sistema de Administração de Justiça
Criminal moçambicano ao incumprimento dos desígnios do dever de assegurar a promoção

63
Cfr. art.º 283.º do CPPM – Quebra e execução da caução.
64
Art.º 269.º, § 5.º do CPPM – Se houver suspeita de o arguido se eximir a receber a notificação ou se não
comparecer depois de notificado, deverá ser ordenada a sua comparência sob custódia para acto processual.
65
Para o ingresso na carreira da PRM são exigidas as habilitações literárias mínimas de 10ª classe (art.º 21.º
do Decreto-Lei n.º 28/99, de 24 de Maio), contudo continua a existir muitos elementos policiais com
habilitações literárias inferiores aos actualmente em vigor devido à integração dos militares nas fileiras
policiais após o Acordo Geral de Paz, assinado entre o Governo da Frelimo e o Partido Renamo no dia 4 de
Outubro de 1992. Este acordo pôs fim a guerra civil que devastou Moçambique durante 16 anos
consecutivos.
66
Informação sustentada pelo preâmbulo do Decreto-Lei n.º 28/75, de 1 de Março.
67
O CPPM em vigor em Moçambique data de 15 de Fevereiro de 1929. A última reforma foi dada pelo
Decreto-Lei n.º 185/72, de 31 de Maio.
68
Art.º n.º 63.º, n.º 4 da

3
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

e a protecção dos direitos e liberdades do Homem e dos Povos convencionados na CADHP


por todos Estados africanos69.
O n.º 3 do art.º 64.º da CRM obriga a que o detido seja informado, imediatamente e
de forma compreensível das razões da sua detenção ou prisão e dos seus direitos. Impende
sobre o juiz a obrigatoriedade de mandar informar o detido, antes de prestar declarações
perante qualquer autoridade, dos factos que lhe são imputados, com intuito de se evitar
interrogatórios inquisitórios e autoincriminações.
Do disposto no art.º 253.º do CPPM conclui-se que o arguido detido ou preso podem
ser assistidos pelo seu advogado, durante o primeiro e subsequentes interrogatórios
judiciais. Se o detido não tiver advogado por razões económicas, sendo este
imprescindível, o tribunal é obrigado a assegurar a adequada assistência jurídica e
patrocínio judicial70.
Ao advogado do arguido detido não lhe é admissível a interferência de qualquer
forma no processo, durante o primeiro interrogatório judicial.
Compulsados os preceitos acima referenciados, constata-se que o arguido detido
pode comunicar com o seu advogado antes do primeiro interrogatório e mesmo depois
deste quando seja decidida a continuação da incomunicabilidade. Após o primeiro
interrogatório, no decorrer da instrução preparatória o juiz ou o MPº pode requerer a
continuação da incomunicabilidade, contudo, esta não pode exceder 48 horas 71. O
advogado do arguido detido pode assistir ao primeiro interrogatório; todavia, não pode
interferir, sob pena de ser substituído por um defensor ad hoc, ou por uma testemunha, que
deverá declarar na acta, conjuntamente com o escrivão, ter assistido a todo o
interrogatório72.
A CRM, em consonância com a DUDH e a CADHP, consagra direitos à pessoa
privada de liberdade. Destacamos alguns dos mais importantes direitos do detido73:
 Ser informado das razões da detenção e dos seus direitos,
 Escolher livremente o seu defensor para o assistir em todos os actos do
processo,

69
A LMDH refere que a polícia tem violado o direito de o detido ser ouvido na presença de um advogado,
com o argumento de que este é apenas essencial no tribunal, ver anexos I e V.
70
N.º 2 do art.º 62.º da CRM.
71
Cfr. art.º 311.º, § 1.º do CPPM – Apresentação ao juiz e incomunicabilidade antes do primeiro
interrogatório.
73
Cfr. art.º 56.º a 72.º da CRM – Direitos, liberdades e garantias

3
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
72
§ Único do art.º 253.º do CPPM.

73
Cfr. art.º 56.º a 72.º da CRM – Direitos, liberdades e garantias

3
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

 Ser apresentado no mais curto prazo perante um juiz para o primeiro


interrogatório judicial,
 Ser considerado inocente até decisão judicial definitiva,
 Ser julgado por um tribunal independente, num prazo aceitável, ou libertado
 Interpor recurso perante um tribunal, a fim de que este decida sem demora da
legalidade da detenção e,
 Ser indemnizado em caso de detenção ou prisão ilegal.

7. Detenção fora de flagrante delito no regime jurídico português

A detenção fora de flagrante delito só pode ter lugar por mandado das autoridades
judiciárias ou ordem das autoridades de polícia criminal.
A CRP consagra a detenção fora de flagrante delito no art.º 27.º, n.º 3. Esta é,
também, disciplinada no CPP, nos art.ºs 257.º74 e 258.º75.
O MPº só pode ordenar a detenção fora de flagrante delito nos crimes que admitem
prisão preventiva quando:
a) Houver fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria
voluntariamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado,
b) Houver, em concreto, uma das situações do art.º 204.º do CPP, ou
c) For imprescindível para a protecção da vítima.
As autoridades policiais podem ordenar a detenção do infractor, por iniciativa
própria, fora de flagrante delito, quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes
requisitos (art.º 257.º, n.º 2 do CPP):
 Se se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva,
 Existirem elementos que tornem fundados o receio de fuga ou de continuação
da actividade criminosa,
 Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar
pela intervenção da autoridade judiciária.

74
Detenção fora de flagrante delito.
75
Mandados de detenção.

3
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Segundo o art.º 1.º do CPP, considera-se “Autoridade de Polícia Criminal” (APC) os


directores, oficiais, inspectores e subinspectores de polícia e todos os funcionários policiais
a quem as leis respectivas reconhecerem aquela qualificação.

8. Finalidade da detenção fora de flagrante delito no regime jurídico português

A detenção fora de flagrante delito visa:


a) Apresentação do detido ao juiz para aplicação de uma medida de coacção –
art.º 254.º, al. a) do CPP,
b) Assegurar a presença imediata do detido ao juiz ou ao MPº para cumprimento
de um acto processual – art.º 254.º, al. b) e n.º 141.º, todos do CPP,
c) O cumprimento da pena de prisão na cadeia.
Na primeira situação, o detido deve ser presente à autoridade judiciária para a
validação da detenção no prazo máximo nunca superior a 48h00, sob pena de detenção
ilegal.
Na segunda situação, o detido é presente ao juiz ou ao MPº no prazo máximo de
24horas.
No último caso, o arguido é entregue ao estabelecimento prisional para o
cumprimento da pena decretada pela sentença de condenação já transitada em julgado.

9. “Prisão” fora de flagrante delito no regime moçambicano

Os art.ºs 286.º, n.º 2 e 291.º do CPPM permitem a prisão preventiva 76 fora de


flagrante delito quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: existência
de um crime doloso punível com pena de prisão superior a um ano; existência de forte
suspeita da prática do crime pelo arguido e inadmissibilidade da liberdade provisória ou
insuficiência desta para a realização dos seus fins.
Do exposto neste preceito podem extrair-se as seguintes ilações: que nenhum cidadão
poderá ser detido fora de flagrante delito se o crime por ele praticado corresponder a pena
de prisão inferior ou igual a um ano.

76
O CPPM utiliza, sem nenhuma distinção, os termos: prisão preventiva, prisão e detenção.

3
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

A CRM estatui, no art.º 64.º, n.º 2 que o cidadão detido fora de flagrante delito deve
ser apresentado no prazo fixado na Lei à autoridade judicial, por ser a única competente
para decidir sobre a validação e a manutenção da detenção. A CRM não determina quem
tem competência de deter fora de flagrante delito. Contudo, da leitura da Lei Fundamental
moçambicana, conjugada com a da legislação processual penal, em vigor no país, conclui-
se que a competência para ordenar a detenção fora de flagrante delito pode estender-se a
outras entidades para além das autoridades judiciais.
A Lei n.º 2/93 de 24 de Junho introduziu uma nova redacção ao art.º 293.º do CPPM,
atribuindo a competência para deter às seguintes entidades: autoridades judiciárias e
demais APIC.
O § único do art.º 293.º define como autoridades de polícia de investigação criminal
o MPº, os directores, inspectores, subinspectores da PIC, os oficiais da PRM com funções
de comando, os administradores de distrito, chefes de posto administrativo e presidentes do
conselho executivo, onde não haja oficiais da PRM com funções de comando.
Analisando detalhadamente o art.º 293.º do CPPM chega-se à conclusão de que
somente as entidades que nele constam são competentes para ordenar qualquer detenção
fora de flagrante delito. Qualquer entidade diferente das mencionadas neste preceito é
incompetente para ordenar uma detenção fora de flagrante delito, pelo que se o fizer, a
detenção considerar-se-á ilegal.
Os agentes de autoridade, por maioria de razão, não podem ordenar nem efectuar a
detenção fora de flagrante delito por iniciativa própria, mas podem intervir na detenção
como simples executores, após ordem por escrito de qualquer uma das autoridades
referidas no art.º 293.º do CPPM.
A realidade moçambicana permite, na maioria das situações, que a ordem de
detenção fora de flagrante delito seja dada pelo comandante de Esquadra devido à
exiguidade de magistrados judiciários em muitos aglomerados populacionais.
A falta de definição clara dos pressupostos materiais para a detenção fora de
flagrante delito, no art.º 291.º do CPPM, tem conduzido a uma interpretação pouco cuidada
da Lei, por parte das autoridades policiais, ocasionando, algumas vezes, uma actuação
policial à margem das normas legais.
Continuamos a não concordar com a competência atribuída aos administradores de
distrito e chefes dos postos administrativos ou presidentes dos conselhos executivos para

3
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

ordenar a detenção fora de flagrante delito, uma vez convencidos de que somente as
autoridades judiciárias e policiais é que estão em melhores condições para garantir maior
protecção os direitos dos detidos.
Sempre que for necessário entrar em casa habitada ou suas dependências fechadas
para prender o agente, a autoridade ou agente de autoridade é obrigada a exibir o mandado
ou a ordem de captura, sempre que para tal seja solicitado pelo alvo77.
Se, depois de exibido o mandado ou a ordem de captura, for negada a entrada em
casa habitada ou suas dependências, a autoridade ou agente de autoridade podem usar da
força para tornar exequível a detenção, nos casos que a Lei o permita – art.º 302.º do
CPPM.

10. Pressupostos formais e materiais para a prossecução da detenção fora de


flagrante delito no regime português

A detenção fora de flagrante delito sujeita-se a pressupostos formais e materiais.


Os pressupostos formais são preenchidos pelo mandado das autoridades judiciárias e
das autoridades de polícia criminal, conforme o art.º 258.º do CPP.
A designação “mandados de detenção” aplica-se aos mandados emitidos quer pelo
juiz quer pelo MPº ou pelos OPC.
Os pressupostos materiais dos mandados de detenção diferem consoante a entidade
que os emite.
Os pressupostos materiais relativamente aos mandados de detenção do MPº e das
APC estão plasmados no art.º 257.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, respectivamente.
Os pressupostos materiais do mandado de detenção emitido pelo juiz resultam da
interpretação conjugada do art.º 27.º da CRP e das finalidades da detenção positivadas no
art.º 254.º do CPP. Da leitura do art.º 254.º conclui-se que as finalidades do mandado de
detenção exarado pelo juiz são:
 Aplicação ou execução de uma medida de coacção;
 Assegurar a presença imediata do detido perante a autoridade judiciária em
acto processual.

77
Cfr. art.º 302.º do CPPM – Necessidade de ordem de captura para a prisão dentro de casa.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Os mandados de detenção são passados em triplicado e devem conter, sob pena de


nulidade78:
a) A data da emissão e a assinatura da autoridade judiciária ou de polícia
criminal competentes,
b) A identificação da pessoa a deter,
c) A indicação do facto que motivou a detenção e das circunstâncias que
legalmente a fundamentam.
Dos três exemplares do mandado de detenção, um é entregue ao detido, no momento
da execução da detenção, de modo a ajuizar do facto e das circunstâncias legais, o segundo
é entregue ao estabelecimento prisional para onde o detido é encaminhado e o terceiro é
junto ao processo-crime.
Relativamente à indicação da pessoa a deter deve compreender, no mínimo “o nome,
residência e sinais característicos que o possam identificar e facilitar a sua detenção” 79.
Quanto à indicação do facto que motivou a detenção e das circunstâncias que
legalmente a fundamentam seguimos o entendimento de Germano Marques da Silva
quando afirma que “a simples indicação das disposições legais não permite ajuizar a
legalidade da detenção, nos seus pressupostos materiais”80.
Assim, a exigência da indicação do facto motivador da detenção e das circunstâncias
que legalmente a fundamentam tem como objectivo dotar o detido de conhecimentos que
possibilitem a organização da sua defesa para o primeiro interrogatório judicial. A
compreensão do facto e das circunstâncias da detenção possibilita ao arguido, constatada a
ilegalidade da detenção, o exercício do direito de resistência.
O cumprimento do mandado de detenção pode ser feito pelo funcionário da justiça
ou por qualquer órgão de polícia criminal.
Defendemos, apesar do art.º 258.º do CPP não determinar, que no momento da
execução do mandado de detenção, a entidade que o cumpre deve lavrar uma certidão de
detenção em que constem, pelo menos, o dia, a hora e o local onde foi levada a cabo.
Finalizada a detenção, o funcionário ou o agente policial imediatamente notifica o defensor

78
Cfr. art.º 258.º do CPP – Mandados de detenção.
79
Art.º 141.º, n.º 3 do CPP; Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal II, pág. 274.
80
Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal II, pág. 277.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

da situação actual do detido e, sempre que este o pretenda, informa parente ou pessoa da
sua confiança81.
Importa referir que, em caso de urgência e de perigo na demora é admissível a
requisição da detenção por qualquer meio de telecomunicação, seguindo-se-lhe
imediatamente confirmação por mandado82.
A detenção não pode ter lugar quando houver motivos para crer na existência de
causas de isenção de responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal83.
A execução do mandado de detenção sem observância do preceituado no art.º 258.º,
n.º 1 do CPP, consubstancia uma detenção ilegal “por a pessoa a deter não poder
comprovar a legitimidade de quem o assinou, se lhe é dirigido ou se se verificam os
pressupostos materiais que a permitem” 84. Constatando-se que a detenção ofende os
direitos de liberdade por abuso de poder da entidade que emitiu ou executou o mandado de
detenção, o arguido pode recorrer à providência do habeas corpus em virtude de detenção
ilegal. Sobre o habeas corpus falaremos com mais detalhe no próximo capítulo.

11. Pressupostos formais e materiais para a prossecução da detenção fora de


flagrante delito no regime moçambicano

A detenção fora deflagrante delito está sujeita a pressupostos formais e materiais.


Os pressupostos formais correspondem ao mandado de captura emitido pelo juiz ou
às ordens de captura emitidas pelo MPº ou pelas demais APIC, conforme se pode retirar do
estabelecido nos art.ºs 295.º e 298.º do CPPM85.
Os pressupostos materiais relativamente ao mandado do juiz e às ordens do MPº ou
das demais APIC estão estabelecidos no art.º 291.º do CPPM.
Os mandados ou ordens de captura são sempre passados em triplicado e assinados
pela autoridade da qual são provenientes. Sempre que necessário, quer o juiz quer o MPº
ou as APIC podem passar exemplares do mandado ou ordem de captura em número
conveniente, devendo as cópias ser autenticadas e assinadas pela entidade qua as exara.
Dos mandados ou ordens de captura devem constar, sob pena de nulidade:
81
Cfr. art.ºs 260.º e 194.º, n.º 8, ambos do CPP.
82
Art.º 258.º, n.º 2 do CPP.
83
Cfr. art.ºs 260.º e 192.º, n.º 2, ambos do CPP.
84
Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal II, pág. 274.
85
O art.º 295.º refere-se aos requisitos dos mandados de captura e o art.º 298.º às ordens de captura.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

a) A identificação da pessoa a deter que deverá compreender, no mínimo o seu nome


e, se possível, a residência e outros sinais característicos que possam identificar e facilitar a
captura – art.º 295.º, 1.º do CPPM.
b) A indicação dos factos que motivaram a detenção, das incriminações que lhes
correspondem ou das circunstâncias que, nos termos do artigo 291.º do CPPM, legalmente
a fundamentam – art.º 295.º, 2.º do CPPM.
c) A declaração de admissibilidade ou não a liberdade provisória, de modo que o
detido tome conhecimento, na cópia do mandado ou da ordem de captura que recebe do
executor da detenção, da situação da sua liberdade pessoal – art.º 295.º, 3.º do CPPM.
d) A autorização, quando tenha sido dada, para o captor entrar durante o dia em casa
da pessoa procurada ou na das pessoas onde esteja acolhido, para a deter – art.º 295.º, 4.º
do CPPM.
Quando a pessoa a deter for um condenado, exige-se que constem dos mandados ou
ordens de captura os elementos dos n.ºs 1.º e 4.º do art.º 295.º do CPPM, a infracção
cometida, a pena aplicada e a indicação da sentença que a decretou e se a detenção for
resultado da conversão da multa, deve também constar do mandado o montante em dívida.
O art.º 295.º do CPPM, apesar de ser uma reafirmação do conteúdo do preceito
constitucional contido no n.º 3 do art.º 64.º86 da CRM, peca por não prever o prazo de
validade dos mandados ou das ordens de captura. Esta falta de definição é, para nós,
deveras preocupante na medida em que se verifica, frequentemente, a sua manutenção por
vários meses ou até anos87.
De referir que os mandados ou ordens de captura têm o seguinte destino: o original,
que é certificado pelo captor, é remetido para o juiz; o duplicado é entregue ao detido; e o
triplicado vai para o estabelecimento prisional onde o detido é entregue. O mandado ou
ordem de captura deve ser imediatamente entregue ao detido, isto é, durante a detenção ou
logo após a sua execução. No entanto, a Lei admite que, em caso de urgência, a detenção
seja requisitada por qualquer outro meio de telecomunicação à disposição do captor,
seguindo-se-lhe a confirmação por mandado exarado no mesmo dia – art.º 296.º do CPPM.

86
O art.º 64.º, n.º 3 da CRM estabelece que “toda pessoa privada de liberdade deve ser informada
imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou de detenção e dos seus direitos”.
87
O ora candidato a oficial de polícia pertence aos quadros da Polícia da República de Moçambique e
vivenciou algumas situações.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Os mandados ou as ordens de captura são exequíveis em todo território nacional,


devendo a sua execução ser imediata88.
Se o oficial de diligências não puder cumprir os mandados, certificará das razões da
impossibilidade. Depois dos mandados estarem certificados de forma negativa são
remetidos ao MPº que, por sua vez, determina sobre a entrega dos mandados a qualquer
autoridade ou agente de autoridade ou da força pública, para o seu cumprimento.

Síntese do capítulo III

O conceito de flagrante delito coincide nos regimes jurídicos português e


moçambicano. Contrariamente ao regime português, o moçambicano não faz nenhuma
referência ao estado de flagrante delito nos crimes permanentes.
Em flagrante delito, a detenção do agente do crime é obrigatória para as autoridades
judiciárias ou entidades policiais e facultativa para qualquer pessoa, em ambos os regimes.
A comunicação da detenção ao MPº é imediata.
Os crimes são classificados em públicos, semipúblicos e particulares. Nos crimes
semipúblicos, a detenção do agente só se mantém quando, em acto a ela seguido, o titular
do direito da queixa o exercer, nos regimes em referência.
A Lei não é explícita quanto ao tempo máximo que o detido pode permanecer num
posto ou Esquadra policial até à manifestação do exercício do direito de queixa, por parte
do ofendido. Por analogia com o art.º 250.º, n.º 6 do CPP português, o agente pode
permanecer na Esquadra policial pelo tempo estritamente indispensável, nunca superior a 6
horas desde a detenção e a libertação, para a polícia o identificar e contactar o ofendido.
No caso moçambicano, a situação é dramática na medida em que, depois da comunicação
da detenção ao MPº, a polícia moçambicana não é competente para decidir sobre a
libertação do detido89.
A duração máxima do prazo de apresentação do detido a um juiz é de 48 horas, tanto
em Portugal como em Moçambique, porém, por decisão do MPº, este prazo pode ser
dilatado até 5 dias no regime jurídico moçambicano.

88
Cfr. art.º 296.º do CPPM – exequibilidade dos mandados de captura.
89
A decisão sobre as medidas privativas de liberdade cabe ao poder judicial, Lei n.º 2/93, de 24 de Junho e
art.º 290.º do CPPM.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

A consagração dos direitos do arguido no art.º 61.º do CPP e tantos outros dispersos
pelo mesmo instrumento constitui uma reafirmação do conteúdo do art.º 32º da CRP. Em
Moçambique, os direitos do detido são menos explícitos, embora se possam inferir de
diversos instrumentos, desde a Constituição da República 90 e de instrumentos
internacionais.
Fora de flagrante delito, a detenção pode ter lugar por mandado do juiz, do MPº ou
da APC, em Portugal. Em Moçambique, a detenção pode ser executada através do
mandado do juiz ou da ordem de captura do MPº, da autoridade policial, do administrador
distrital, do chefe do posto administrativo e do presidente do conselho executivo de
localidade.
Os pressupostos materiais para a emissão do mandado de detenção, em Portugal,
diferem de cada uma das entidades, conquanto, em Moçambique, os pressupostos materiais
para emissão dos mandados de detenção são idênticos para todas as entidades com
competência para tal.
Durante a detenção o detido recebe uma cópia do mandado de detenção em que
constam, para além da identificação do detido e da assinatura da entidade que o emitiu, do
facto que motivou a detenção e das circunstâncias que legalmente a fundamentam. Nos
dois regimes jurídicos, os mandados de detenção não tem data de validade.
Contrariamente ao mandado de detenção português, o mandado ou a ordem de
captura moçambicano exige, ainda, a declaração da admissibilidade ou não da liberdade
provisória.
Nos dois países, os mandados de detenção são exequíveis em todo território nacional,
devendo, sempre que possível, ser imediatamente cumpridos. Durante a noite, a execução
do mandado de detenção em casa habitada e suas dependências depende do consentimento
dos moradores ou do despacho do juiz.

90
O CPPM está em vigor desde o período colonial (15 de Fevereiro de 1929); a CRM é de 16 de Novembro
de 2004.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

CAPÍTULO IV - A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS

Noção preliminar
O habeas corpus91 é um instrumento de reacção célere contra qualquer privação de
liberdade sem fundamento legal.
As sociedades democraticamente organizadas adoptam o habeas corpus como uma
garantia individual usada quando se verifica um exercício ilegítimo ou abusivo de poderes
públicos92.
O habeas corpus surge como um mecanismo rápido de reposição da legalidade
coartada pela intromissão abusiva da autoridade pública contra o direito de liberdade
individual. A consciência democrática projectada na protecção constitucional dos direitos
fundamentais obriga a que a gestão desta providência seja confiada ao poder judicial, por
ser imparcial e independente.

1. A providência de habeas corpus no regime jurídico português

No regime português, o habeas corpus é uma garantia constitucionalmente


consagrada, exercida quando a liberdade de um cidadão é posta em causa por uma
autoridade pública sem qualquer justificação legal, que possa legitimar a referida situação
restritiva.
O art.º 31.º, n.º 1 da CRP estabelece que “haverá habeas corpus contra o abuso de
poder, por virtude de prisão ou de detenção ilegal, a requerer perante o tribunal
competente”.
Nesta ordem de ideias, pode-se considerar ilegal a detenção ou prisão que não se
enquadre nos casos enumerados no art.º 27.º da CRP.
A providência de habeas corpus em virtude de detenção ou prisão ilegal é regulada
pelo CPP nos art.ºs 220.º a 224.º. Contudo, ela não aproveita a quem se encontra em
cumprimento de pena.

91
O habeas corpus é uma instituição de origem britânica e tinha como objectivo reagir aos abusos de poder
do absolutismo monárquico.
92
António Alfredo Mendes, op. cit., pág.14.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Para se evocar a providência de habeas corpus em virtude de detenção ilegal é


necessário, para além da actualidade da detenção, que haja algum dos seguintes
fundamentos:
 Estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial93;
 Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos94;
 Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
 Ser a detenção motivada por facto pelo qual a Lei a não permite.
Nos termos estabelecidos no n.º 2 do art.º 220.º do CPP, são competentes para
requerer a providência de habeas corpus em virtude de detenção ilegal, o detido ou
qualquer pessoa no gozo dos seus direitos políticos.
O requerimento é dirigido ao juiz de instrução da área onde o detido se encontra, por
este ser a autoridade competente para decidir sobre a pretensão. Quando o requerimento
não é manifestamente infundado, o juiz de instrução manda apresentar o detido
imediatamente, juntamente com a autoridade detentora para prestar esclarecimentos95.
Como aprofundamento do reforço das ideias da importância e celeridade deste
procedimento, por imposição constitucional, o juiz decide o pedido no prazo de 8 dias 96,
ouvidos o MPº e o defensor do detido.
Atendendo ao prazo de decisão do pedido, Germano Marques da Silva ensina que “o
habeas corpus há-de ser de utilização simples, isto é, sem grandes formalismos, rápido na
actuação, pois a violação do direito de liberdade não se compadece com demoras
escusadas, abranger todos os casos de privação da liberdade e sem excepções em atenção
ao agente ou à vítima. Estas características são em geral reconhecidas em todas as
legislações que acolhem o habeas corpus” 97.
Se o juiz recusar o requerimento por manifestamente infundado, condena o
requerente ao pagamento de uma soma entre 6 a 20 unidades de conta (UC)98.
Quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, o CPP no art.º 222.º, n.º 1
estabelece que “a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o STJ concede, sob
petição, a providência de habeas corpus”.

93
Sobre os prazos de entrega do detido ao poder judicial, cfr. art.º 254.º do CPP.
94
Os locais onde a detenção é legalmente permitida estão previstos nos Decretos-Lei n.ºs 265/79, de 1 de
Agosto e 49/80, de 22 de Março.
95
Vide, art.º 221.º do CPP.
96
Vide, art.º 31.º, n.º 3 da CRP.
97
Silva, Germano Marques, Curso de Processo Penal II, 4ª edição, pág. 357.
98
1 UC equivale a 102 euros.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

A aplicação desta providência exige que a prisão sob a qual aquela versa seja
efectiva, actual, e ilegal em resultado de:
 Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
 Ser motivada por facto pelo qual a Lei a não permite; ou
 Manter-se para além dos prazos fixados pela Lei ou por decisão judicial.
O pedido do habeas corpus pode ser formulado pelo preso ou por qualquer cidadão
no gozo dos seus direitos políticos. O requerimento, em duplicado, é dirigido ao presidente
do STJ, mas remetido à autoridade à ordem da qual se mantenha o preso. Recebido o
requerimento, a autoridade à ordem da qual se mantenha ao preso envia-o imediatamente
ao presidente do STJ, com esclarecimentos sobre as condições em que foi efectuada ou se
mantém a prisão.
Se a prisão se mantiver, o STJ delibera dentro dos oitos dias subsequentes. A
deliberação pode, em alternativa:
 Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante;
 Mandar colocar imediatamente o preso à ordem do STJ e no local por este
indicado, nomeando um juiz para proceder a averiguações, dentro do prazo
que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da prisão;
 Mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte e
quatro horas, sob pena de desobediência qualificada; ou
 Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata.
 Se a decisão do STJ julgar o requerimento de habeas corpus manifestamente
infundado, condena o peticionário ao pagamento de uma soma entre 6 UC a
30 UC.

2. A providência de habeas corpus no regime jurídico moçambicano

A providência extraordinária de habeas corpus é um procedimento que a Lei


moçambicana faculta aos cidadãos detidos ilegalmente para remover a restrição de
liberdade individual imposta pelas APIC sem nenhum fundamento que o justifique.

4
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Considera-se detenção ilegal a restrição do direito de liberdade de qualquer cidadão


por uma autoridade pública sem poderes para tal, ou que os exerça fora dos critérios
estabelecidos pela Constituição99.
Na CRM, o habeas corpus encontra-se regulado no art.º 66.º. Relativamente à sua
utilização, a Constituição estabelece que, “em caso de prisão ou detenção ilegal, o cidadão
tem direito a recorrer à providência de habeas corpus a interpor perante um tribunal que
sobre ela decide no prazo máximo de 8 dias”.
A providência de habeas corpus está regulamentada do art.º 315.º a 325.º do CPPM.
A concessão da providência extraordinária de habeas corpus depende de dois
pressupostos:
a) Tratar-se de uma prisão efectiva e actual,
b) Não ser da competência dos tribunais judiciais de província conhecer dos
motivos da detenção, ou por ter esta sido ordenada por autoridade cuja
competência territorial exceda a área da província ou por ter sido efectuada
ou ordenada por ordem de autoridade judicial insusceptível de recurso.
O primeiro pressuposto abarca toda e qualquer restrição de liberdade individual,
independentemente de ser uma mera detenção, uma prisão preventiva, ou uma prisão que
resulte de uma condenação.
O segundo pressuposto visa garantir ao detido uma reapreciação jurisdicional da
prisão100.
O § único do art.º 315.º do CPPM exige, para aplicação do habeas corpus, a
verificação de um dos seguintes fundamentos:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por quem para tanto não tenha competência
legal,
b) Ser motivada por facto pelo qual a Lei não autorize a prisão,
c) Manter-se para além dos prazos legais para a apresentação em juízo e para a
formação de culpa,

99
Em Moçambique, todos têm direito à segurança e ninguém pode ser preso e submetido a julgamento senão
nos termos da Lei (art.º 59.º, n.º 1 da CRM). As liberdades e garantias individuais só podem ser suspensas ou
limitadas temporariamente em virtude de declaração de estado de guerra, do estado de sítio ou do estado de
emergência nos termos estabelecidos na Constituição (art.º 72.º da CRM).
100
O detido pode requerer a validação judicial da prisão nos termos do art.º 312.º do CPP ou requerer ao juiz
a sua restituição à liberdade ou recorrer à providência extraordinária do habeas corpus nos termos do art.º
315.º do CPP.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

d) Prolongar-se para além do tempo fixado por decisão judicial para a duração
da pena ou medida de segurança ou sua prorrogação.
O pedido de habeas corpus poderá ser formulado pelo preso, ou por seu cônjuge,
ascendente ou descendente com capacidade para tal, através do requerimento assinado por
advogado, dirigido ao presidente do TS, com sede na cidade de Maputo – art.º 316.º do
CPPM.
O requerimento é entregue em duplicado ao presidente do Tribunal Judicial da
Cidade de Maputo ou ao juiz presidente do TJP do lugar onde a ordem de prisão tiver sido
dada, com os fundamentos da ilegalidade da prisão. Do requerimento devem constar a
identificação do preso, a entidade que o prendeu ou mandou prender, a data de captura, o
local da prisão, os motivos desta e os fundamentos da sua ilegalidade – § 1.º do art.º 316.º
do CPPM.
O juiz presidente do TJP remete o duplicado do requerimento do pedido da
providência extraordinária de habeas corpus à entidade responsável pela prisão, a qual
deverá responder com informação sobre as condições em que esta foi efectuada ou mantida
dentro do mais breve prazo possível101.
Se, da informação dada pela entidade responsável pela prisão constar que o preso foi
restituído à liberdade, o juiz presidente do TJP ordena o arquivamento do processo de
reclamação por falta do requisito de actualidade, ficando abertos ao peticionário os meios
normais para o pedido de indemnização pelos danos sofridos – art.º 317.º, § 1.º do
CPPM102.
Se, da informação dada pela referida entidade, constar que a prisão se mantém, o juiz
presidente do TJP remete a informação, juntamente com o pedido da providência de
habeas corpus, ao presidente do TS. O mesmo acontece quando a entidade responsável
pela prisão não forneça resposta dentro do prazo que se julgue suficiente, remetendo-se o
pedido da providência com essa informação - § 3.º do art.º 317.º CPPM.

101
Cfr. art.º 317.º do CPPM – Resposta e audiência da entidade responsável pela prisão.
102
O Estado moçambicano reconhece o direito à indemnização pelos actos lesivos aos direitos de liberdade,
quando estabelece no art.º 58.º da CRM que “ a todos é reconhecido o direito de exigir, nos termos da Lei,
indemnização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais. O Estado é
responsável pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem o
prejuízo do direito de regresso nos termos da Lei”.

5
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

O requerimento e a resposta da entidade responsável pela prisão são apresentados e


analisados na primeira sessão ordinária da secção criminal do TS, salvo quando o
presidente considerar urgente a deliberação sobre o caso.
Em caso de urgência, o presidente convoca uma sessão extraordinária da secção
criminal que delibera com o mínimo de três juízes em exercício. O MPº assiste a esta
deliberação – art.º 318.º do CPPM.
A resolução sobre o pedido de habeas corpus é tomada por maioria dos juizes no
prazo máximo de 8 dias desde a apresentação do pedido. A decisão pode resumir-se no
seguinte103:
a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante,
b) Mandar colocar imediatamente o preso à ordem do TS na cadeia por este
indicada e nomear um magistrado judicial para proceder a inquérito, no prazo
que for fixado, sobre as condições de legitimidade da prisão,
c) Mandar apresentar o preso, no mais breve prazo, ao tribunal competente para
o julgar,
d) Declarar ilegal a prisão e ordenar a imediata libertação do recluso.
Quando o TS julgar a petição de habeas corpus manifestamente infundada, condena,
solidariamente, o requerente e o seu defensor ao pagamento de uma indemnização
pecuniária para o cofre geral dos Tribunais – art.º 324.º do CPPM. Se a petição da
providência resultar da intenção de demorar ou prejudicar investigações em curso sobre o
preso, este é condenado a uma pena de prisão por injúrias ao tribunal. Por seu turno, o
advogado que tenha ou deva ter conhecimento da falta de fundamento legal da petição é
condenado pelo TS a uma pena de suspensão do exercício da advocacia pelo período de
três meses a um ano.
O incumprimento da decisão do TS sobre o pedido de habeas corpus, relativa ao
destino a dar ao preso, é punível com as penas previstas no art.º 291.º do CPM104.
O TS é incompetente para decretar a providência extraordinária de habeas corpus
relativamente aos militares uma vez sujeitos ao foro especial.
Estamos convictos que, apesar de incumprimentos dos prazos para a entrega do
detido ao poder judicial ou da manutenção da detenção fora dos locais para o efeito, a

Cfr. art.º 319.º do CPPM e art.º 66.º, n.º 2 da CRM.


103

Este artigo prevê e pune a prisão ilegal efectuada por qualquer empregado público, com as penas de três
104

meses a dois anos, podendo as mesmas ser agravadas com pena de multa.

5
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

providência extraordinária de habeas corpus tem uma aplicação reduzida devido às


consequências que podem ser impostas tanto ao reclamante como ao advogado que
subscreve o pedido quando o TS o considere manifestamente infundado. Lembre-se a
obrigatoriedade da intervenção do advogado no pedido desta providência extraordinária.
É importante referir que, para além da providência de habeas corpus, a Lei faculta
ainda aos detidos ilegalmente outro meio de reacção à privação de liberdade pela ordem
das APIC. Trata-se do requerimento para apresentação judicial previsto no art.º 312.º do
CPPM105. Este preceito faz depender a concessão desta providência de dois pressupostos:
a) Ter sido a detenção ordenada por autoridades cuja competência territorial não exceda a
área de província,
b) Ter sido a detenção executada por motivos que sejam da competência dos tribunais de
província.
A providência visa a apresentação imediata do detido. Embora não esteja explícito no
referido preceito, é manifesto que é, ainda, necessário que a detenção seja efectiva e actual.
Com efeito, pode ser requerida com qualquer dos seguintes motivos:
 Estar excedido o prazo para a entrega ao poder judicial106,
 Manter-se a detenção fora dos locais para este efeito autorizados por Lei ou pelo
governo107,
 Ter sido efectuado o internamento em estabelecimento de detenção por ordem de
autoridade incompetente e,
 Ser a detenção motivada por facto pelo qual a Lei não a permita.
O pedido desta providência é subscrito por advogado e, conjuntamente, pelo detido
ou por seu cônjuge, ascendente ou descendente capaz. Tal como, no caso da providência
extraordinária de habeas corpus para a formalização desta garantia de defesa contra a
detenção ilegal é imprescindível a existência do advogado.
Recebido o requerimento, o juiz notifica imediatamente a entidade que tiver o detido
à guarda para remeter ao tribunal cópia da ordem de detenção e a informação que
fundamenta a legalidade da detenção. Após notificação, o detido não pode ser transferido
para qualquer outro local de detenção sem o conhecimento do juiz108.

105
O art.º 312.º do CPPM refere-se a uma mera detenção.
106
Os prazos de apresentação do detido ao poder judicial estão previstos no art.º 311.º do CPPM.
107
Os locais de detenção legalmente autorizados estão regulados pelo Decreto-Lei n.º 26643.
108
Cfr. art.º 313.º do CPPM – Notificação da entidade que tem o detido à sua guarda.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

A entidade notificada tem o prazo de 24 horas ou, no máximo, de 3 dias, conforme a


detenção tiver sido na sede provincial ou noutro local.
Face às informações remetidas pela entidade notificada, o juiz, ouvido o MPº, decide
favoravelmente se existir um dos fundamentos do art.º 312.º do CPPM, ordenando que o
detido lhe seja presente no prazo de 24 horas, sob pena de desobediência qualificada109.
Sempre que o MPº entender que o juiz não é competente para decidir do pedido, o
processo é remetido para o Tribunal Supremo, seguindo-se a sequência da providência
extraordinária de habeas corpus110.
Se o requerimento para apresentação judicial for considerado manifestamente
infundado, o juiz condena, solidariamente, o reclamante e o advogado numa indemnização
pecuniária para o cofre geral dos tribunais.
Esta providência encontra uma aplicação acentuada, em comparação com o habeas
corpus propriamente dito, a nível de todo país porque, em nenhuma circunstância, as
consequências do indeferimento do pedido podem implicar a suspensão de exercício de
advocacia ao advogado que o subscrever.

Síntese do capítulo IV

A CRP e a CRM estabelecem a possibilidade do habeas corpus para afastar uma


detenção ou prisão ilegal. A providência do habeas corpus é interposta perante um tribunal
que, sobre ela, decide no prazo máximo de 8 dias.
O habeas corpus em virtude de uma detenção ilegal, previsto no art.º 220.º do CPP, é
equivalente ao requerimento para apresentação judicial, previsto no art.º 312.º do CPPM.
No entanto:
a) Para o caso do art.º 220.º do CPP, o requerimento do habeas corpus pode ser
formulado pelo detido ou por qualquer cidadão, no gozo dos seus direitos políticos, e
dirigido ao juiz de instrução da área onde o detido se encontre. Se o pedido for aceite, o
juiz ordena a apresentação imediata do detido, caso contrário, condena o requerente no
pagamento de uma soma entre 6 a 20 UC.

109
É considerada desobediência qualificada a que for feita na qualidade de jurado, testemunha, perito,
intérprete, tutor ou vogal do conselho de família – art.º 189.º do CPM.
110
Cfr. art.º 314.º, § 3.º do CPPM.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
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b) Segundo o art.º 312.º do CPPM, o requerimento para apresentação judicial é


subscrito por advogado e, conjuntamente, pelo detido ou por seu cônjuge, ascendente ou
descendente capaz e dirigido ao presidente do TJP da província onde a detenção se
mantenha. Se o pedido for aceite, o juiz presidente ordena que o detido seja presente a um
juiz no prazo máximo de 24 horas, caso contrário, condena, solidariamente, o reclamante e
o advogado ao pagamento de uma indemnização para o cofre geral dos tribunais.
O habeas corpus em virtude de prisão ilegal previsto no art.º 222.º do CPP é
equivalente ao habeas corpus no caso de prisão ilegal, previsto no art.º 315.º do CPPM.
Contudo:
a) Para a situação do art.º 222.º do CPP, o requerimento pode ser formulado pelo
preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos e dirigido, em duplicado,
ao presidente do STJ, apresentado à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso,
com o fundamento da ilegalidade da prisão ser proveniente de:
 Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
 Ser motivada por facto pelo qual a Lei a não permite,
 Manter-se para além dos prazos fixados pela Lei ou por decisão judicial.
O STJ delibera no prazo máximo de 8 dias. Se a decisão declarar ilegal a prisão,
ordena-se a libertação imediata do preso. No caso de declarar o pedido manifestamente
infundado, condena o peticionário ao pagamento de 6 a 30 UC.
b) A petição do habeas corpus, no caso de prisão ilegal (art.º 315.º do CPPM), pode
ser formulada pelo preso ou por seu cônjuge, ascendente ou descendente capaz, por meio
de um requerimento assinado por um advogado.
O requerimento, em duplicado, é dirigido ao TS e remetido ao juiz presidente da
província onde o preso se mantenha. O TS delibera no prazo de 8 dias, libertando
imediatamente o preso no caso de considerar a prisão ilegal ou condenando,
solidariamente, o peticionário e o advogado ao pagamento de uma indemnização que
reverte para o cofre geral dos tribunais.
Se o TS concluir que o pedido teve por base a intenção de atrasar ou prejudicar as
investigações em curso sobre o preso, condena o requerente a uma pena de prisão por
injúrias ao tribunal e o advogado a uma pena de suspensão do exercício de advocacia pelo
período de 3 meses a 1 ano.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

O regime moçambicano é mais restritivo e exigente quanto à formulação de um


pedido de habeas corpus. Desde logo, não só relativamente ao universo de pessoas que
podem formular o pedido, mas também quanto à exigência de advogado. Apesar de
existirem violações dos prazos de apresentação do detido ao juiz para o primeiro
interrogatório judicial, ou da prisão preventiva, os condicionalismos que envolvem o
instituto do habeas corpus em muito reduzem a sua aplicação prática. Em Portugal, o
instituto tem formalismos simplificados, uma vez que pode ser requerido por qualquer
cidadão no gozo dos seus direitos políticos, incluindo, como não deixaria de ser, pela
própria pessoa privada de liberdade, não havendo obrigatoriedade de ser subscrito pelo
advogado.

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Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

CONCLUSÕES

A detenção em flagrante delito ou fora de flagrante delito coarta o direito de


locomoção dos cidadãos, pelo que, se tal medida não for regulada de forma clara e precisa,
poderá tornar-se estigmatizante, maléfica e atentatória da dignidade da pessoa humana,
mesmo quando é respeitado o princípio da presunção de inocência.
1. O estudo efectuado permitiu extrair as seguintes conclusões:
a) A liberdade é um direito que as Constituições de Portugal e Moçambique
consagram e reconhecem como digno de protecção, sendo limitado, apenas, quando outros
valores protegidos pela Constituição, tal como a segurança, devam ser salvaguardados.
b) A CRP enumera, taxativamente, no art.º 27.º, n.º 3, as excepções ao direito á
liberdade, ao passo que, a CRM não as distingue, o que pode ocasionar um recurso abusivo
à aplicação de medidas privativas de liberdade.
c) As duas leis fundamentais consagram o princípio de inocência, o que significa que
todo o cidadão se considera inocente até, porventura, ser condenado por sentença transitada
em julgado.
d) A detenção, no quadro dos direitos de liberdade constitucionalmente consagrados,
afigura-se um desvio à regra da liberdade.
e) O regime jurídico português distingue, claramente, as duas figuras: a detenção é
uma medida cautelar e a prisão preventiva constitui medida de coacção. No regime jurídico
moçambicano, a detenção não se autonomiza da prisão preventiva, sendo os termos usados
como sinónimos.
f) No regime jurídico português, a prisão preventiva é:
a. Ordenada, exclusivamente, por mandado do juiz – art.º 202.º do CPP.
b. Aplicada quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível
com prisão de máximo superior a 5 anos ou de crime doloso de terrorismo,
criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão
de máximo superior a 3 anos.
c. É aplicada quando as outras medidas de coacção (termo de identidade e
residência, caução, obrigação de apresentação periódica, proibição do
exercício de funções, de profissão e de direitos, proibição de permanência, de

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

ausência e de contactos, obrigação de permanência na habitação) forem


insuficientes.
Os pressupostos da prisão preventiva são reexaminados de 3 em 3 meses – art.º 213.º
do CPP.
No entanto, em Moçambique, a prisão preventiva:
a. Pode ser ordenada pelas autoridades judiciárias, policiais, administradores
distritais, chefes dos postos administrativos e dos presidentes dos conselhos
executivos – art.º 293.º CPPM.
b. Pode aplicar-se em flagrante delito, quando ao crime couber a pena de prisão
ou fora de flagrante delito, para os crimes a que caiba pena de prisão superior
a 1 ano – art.º 291.º do CPPM.
c. É obrigatória para os crimes puníveis com as penas maiores de 20 a 24 anos,
16 a 20 anos, 12 a 16 anos e 8 a 12 anos e para os crimes dolosos puníveis
com pena de prisão superior a 1ano cometidos por reincidentes – art.º 291.º,
§ 2.º, al. a) e b) do CPPM.
d. Pode ser substituída por termo de identidade ou caução.
Não há prazo estipulado para o reexame dos pressupostos que a determinaram,
contudo, antes da formação de culpa pode ser revogada sempre que os pressupostos que a
fundamentam não subsistirem. Depois da formação de culpa, mantém-se até decisão final,
salvo se o arguido for despronunciado ou absolvido por interposição de um recurso – art.ºs
273.º e 308.º, § 3.º, do CPPM.
g) O texto constitucional moçambicano, no seu art.º 64.º, não foi suficientemente
claro no tratamento da prisão preventiva por não ter previsto as autoridades competentes
para a ordenar. Por isso, o CPPM atribui competências para a detenção às autoridades
judiciais e não judiciais.
h) Em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão, a detenção do
agente do crime é obrigatória para as autoridades judiciárias ou entidades policiais e
facultativa para qualquer pessoa, em ambos os regimes. Contudo, a falta de previsão, pela
Lei, do tempo máximo a que se pode sujeitar o detido a permanecer numa esquadra ou
posto policial até à manifestação do exercício do direito de queixa, nos crimes
semipúblicos, constitui uma lacuna grave que se projecta na actividade diária da polícia
moçambicana.

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Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

i) Em Moçambique, o prazo de apresentação do detido ao JIC é, tal como sucede em


Portugal, de 48 horas, porém, o regime jurídico admite a prorrogação do mesmo até ao
máximo de 5 dias.
j) Fora de flagrante delito, no regime português a detenção pode ser ordenada por
mandado das autoridades judiciárias ou das APC “quando houver fundadas razões para
considerar que o visado se não apresentaria voluntariamente, perante autoridade judiciária,
no prazo que lhe for fixado ou se tal se mostrar imprescindível para a protecção da vítima”
– art.º 257.º do CPP. Enquanto que em Moçambique pode ser ordenada por mandado do
juiz ou por ordem de captura das APIC, quando se verifiquem, cumulativamente, os
seguintes requisitos:
 Perpetração de crime doloso punível com pena de prisão superior a um ano,
 Forte suspeita da prática do crime pelo arguido e inadmissibilidade da
liberdade provisória ou insuficiência desta para a realização dos seus fins
(art.º 291.º do CPPM).
k) Apesar de a CRM consagrar, no art.º 62.º, n.º1, o direito à assistência de um
defensor ao detido, em todos os actos do processo, o art.º 311.º, § 1.º do CPPM prevê a
incomunicabilidade absoluta dos detidos antes do primeiro interrogatório e, no n.º 2, do
mesmo preceito, a incomunicabilidade relativa durante a instrução preparatória. O § 1.º do
art.º 311.º do CPPM viola os art.ºs 62.º e 63.º, n.º 4 de Lei fundamental moçambicana,
razão pela qual o consideramos inaplicável, sob pena de inconstitucionalidade.
l) Além dos requisitos da indicação da data da emissão e assinatura da autoridade
judiciária ou de polícia criminal competentes, a identificação da pessoa a deter e da
indicação do facto que motivou a detenção e das circunstâncias que, legalmente, a
fundamentam nos mandados de detenção no regime jurídico português, os mandados e as
ordens de captura, no regime jurídico moçambicano, exigem, ainda, a declaração da
admissibilidade ou não da liberdade provisória.
Comparativamente com o regime jurídico português, esta última exigência, no
regime moçambicano, afigura-se benéfica na medida em que possibilita ao detido ajuizar,
no momento em que é privado da liberdade individual, a projecção futura dessa situação.
m) Tanto na Lei portuguesa como na moçambicana, não há previsão do prazo de
validade dos mandados de detenção. Destarte, em Moçambique, o prazo de validade do

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Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

mandado ou ordem de captura mantém-se enquanto não se detiver o visado ou prescrever o


procedimento criminal.
n) A CRP e a CRM preveem a providência de habeas corpus como uma garantia
excepcional a recorrer em casos de prisão ou detenção ilegal. É requerida junto do tribunal
que decide no prazo máximo de 8 dias. No entanto, o regime moçambicano é mais
restritivo e exigente quanto à formulação de um pedido de habeas corpus, desde logo, não
só relativamente ao universo de pessoas que podem formular o pedido, mas também
quanto à exigência de advogado.
o) Diferentemente do regime jurídico português, o moçambicano define duas
modalidades para o uso da providência do habeas corpus: o requerimento para
apresentação judicial e o habeas corpus propriamente dito, conforme os art.ºs 312.º e 315.º
do CPPM, respectivamente.
 O requerimento para apresentação judicial pode ser formulado quando se
reúnam os seguintes pressupostos:
a. Detenção ordenada por autoridade cuja competência territorial não exceda a
área da província e,
b. Tiver sido efectuada por motivo que seja da competência dos tribunais de
província. Após a recepção do pedido, pelo tribunal, a apresentação do detido
ao juiz ocorre entre, normalmente, passados 24 ou 72 horas, conforme o acto
de detenção tenha ou não ocorrido na capital de província.
Se o tribunal considerar o requerimento manifestamente infundado, condena,
solidariamente, o requerente e o seu defensor ao pagamento de uma indemnização, que
reverte para o cofre geral dos tribunais – art.º 314.º do CPPM.
 A providência do habeas corpus propriamente dito é requerida ao juiz
presidente do TS sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a. Existência de uma prisão efectiva e actual e,
b. Inexistência de competência dos tribunais de província para conhecer
os motivos ou tiver sido ordenada por autoridade com competências
que exceda a área de província ou por ter sido efectuada e mantida
por ordem de autoridade judicial insusceptível de recurso – art.º 315.º
do CPPM.

5
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante
Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e Portugal

Caso o tribunal decida indeferir o pedido do habeas corpus por ser manifestamente
infundado, condena, solidariamente o requerente e o defensor no pagamento de uma
indemnização que reverte para o cofre geral dos tribunais, podendo, ainda, aplicar uma
pena de prisão por injúrias ao tribunal, ao preso e a pena de suspensão do exercício da
advocacia, ao advogado, pelo período de 3 meses a 1ano, sempre que o pedido tiver como
intenção prejudicar ou demorar o curso normal da investigação.
Apesar de existirem violações dos prazos de apresentação do detido ao juiz para o
primeiro interrogatório judicial e da prisão preventiva em Moçambique, os
condicionalismos que envolvem o instituto do habeas corpus reduzem, em muito, a sua
aplicação prática.
p) A ocorrência frequente de detenções e em número elevado, em Moçambique,
deve-se, essencialmente, à vulnerabilidade dos respectivos pressupostos materiais e das
dificuldades interpretativas da CRM, por um lado, e das demais leis, por outro.
O facto de a Lei admitir tanto a emissão das ordens de captura para os crimes a que
caiba pena de prisão superior a 1 ano, fora de flagrante delito como a aplicação da medida
de prisão preventiva, pode dar origem à excessiva frequência e elevado número de
detenções. Acrescem a este problema, dificuldades interpretativas da Lei decorrentes de
lacunas legislativas e da inaplicabilidade de vários artigos do CPPM, instrumento de
trabalho diário da polícia, tais como os seguintes:
 Art.º 291.º,§ 2.º al. a), que obriga as autoridades policiais a efectuar a
detenção do arguido em todos os crimes cuja pena de prisão seja igual ou
superior a 8 anos,
 Art.º 293.º que atribui à polícia a competência de ordenar a prisão preventiva
por crimes cuja pena de prisão seja superior a 1 ano,
 Art.º 311.º,§ 1.º, que obriga as autoridades policiais a impedir a comunicação
dos detidos ou presos com os seus defensores, até ao primeiro interrogatório
judicial, em violação do direito do arguido à assistência de defensor em todos
actos do processo – art.º 62.º da CRM;
q) Deverá questionar-se a constitucionalidade dos art.ºs 291.º, § 2.º al. a), 293.º,
308.º, § 3.º, e 311.º, todos do CPPM.

6
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

r) Deverá equacionar-se uma reforma efectiva e urgente dos CPPM e CPM com vista
à sua modernização em conformidade com o regime democrático em vigor e a sua
harmonização com a Lei fundamental.

2. Para além das conclusões enunciadas, supra, há outras vertentes que, a nosso ver,
deveriam ser equacionadas e trabalhadas, com vista à melhoria do desempenho da Polícia
moçambicana nos processos de detenção, tais como: reforço da intervenção do Ministério
do Interior, no que diz respeito, às inspecções ordinárias e extraordinárias aos Comandos,
esquadras e postos policiais; recrutamento de quadros com formação académica adequada;
promoção de cursos contínuos sobre os direitos humanos aos elementos policiais;
elaboração de manuais de procedimentos por forma a uma mais clara interpretação e
precisão dos normativos, contendo, além do mais, por razões pedagógicas, mecanismos de
responsabilização dos elementos policiais que actuem abusivamente ou desrespeitem as
normas legais; aquisição de viaturas vocacionadas para o transporte de detidos.

Lisboa e ISCPSI, 26 de Abril de 2012

Machado Alfredo Matsimbe, n.º 800026/ 36M


Aspirante a Oficial de Polícia

6
Detenção em flagrante delito e fora de flagrante

Comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e

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Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948.

6
Anexos
ANEXO I – ENTREVISTA CONCEDIDA PELO VICE-PRESIDENTE DA LMDH

Conteúdo da entrevista realizada em Maputo – Moçambique, em Dezembro de


2011, dirigida ao Vice- presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, Dr.
Amílcar Andela. A presente entrevista destina-se à sustentação do trabalho de mestrado
integrado em Ciências Policiais e Segurança Interna, desenvolvido por Machado Alfredo
Matsimbe, Aspirante a Oficial de Polícia do Instituto Superior de Ciências Policiais e
Segurança Interna de Portugal, com o tema “Detenção em flagrante delito e fora de
flagrante delito – comparação dos regimes jurídicos vigentes em Moçambique e
Portugal”.

1. O verdadeiro Estado de direito democrático é aquele que prima pela


protecção e respeito dos Direitos Fundamentais. Qual é a percepção da LDH no que
concerne à protecção e respeito dos Direitos Fundamentais pelo Sistema de Justiça
Criminal Nacional?
Não nos parece efectiva na medida em que continuam a acontecer graves situações
de violação de direitos da população prisional, desde a superlotação das cadeias até
situações de detidos com prazos de prisão preventiva largamente expirados bem como
detenções arbitrárias. Continua a imperar o princípio de prender para investigar em clara
violação do princípio da presunção de inocência.
2. A detenção em flagrante delito ou fora de flagrante delito em Moçambique
ocorre com estrita observância dos seus requisitos e pressupostos. O que é que a LDH
tem refletido acerca dos requisitos e pressupostos da detenção. São ou não
potenciadoras da maioria das situações de privação da liberdade?
Evidentemente que sim, mas neste caso talvez não sejam só os princípios, é verdade
que os princípios de forma clara conduzem a situação da prisão como regra e a liberdade
como excepção mas é, sobretudo, porque permitem uma interpretação pouco cuidada da
Lei, o que permite uma margem de manobra muito grande aos agentes da polícia. Não se
pode pôr de lado também a mentalidade de que qualquer suspeito deve ser detido, mesmo
que, estando em liberdade, não constitua perigo para a sociedade e, muito menos, haja
risco de fuga.
3. A prisão preventiva é uma medida de coacção que devia ser aplicada em
casos extremos de gravidade criminal. Será que, na opinião da LDH, os pressupostos

A
da prisão preventiva são, efectivamente, os adequados para o tipo do Sistema de
Justiça Criminal Nacional actual.
Não pelas razões já apontadas anteriormente, acrescendo que só aumentam o volume
processual e a população em reclusão. Dão azo à violação do princípio da presunção da
inocência, o que é uma violação grave dos Direitos Humanos.
4. A PRM é uma das partes da unidade do Sistema de Justiça Criminal de
Moçambique. Quais os avanços ou retrocessos que a LDH poderia apontar quanto à
actuação policial na defesa, protecção e respeito dos Direitos Humanos.
Avanços apenas a formação de agentes com melhor qualificação académica e o
apetrechamento de algumas esquadras. Retrocessos são muitos. Ainda há detenções
arbitrárias, a violação do direito à manifestação, a corrupção já é endémica, há uma
sistemática intimidação aos desmobilizados para não se manifestarem a exigir os seus
direitos, continua a ser violado o direito ao detido a ser ouvido na presença de um
advogado, sempre com o argumento de que o advogado só tem trabalho no tribunal e não
nas esquadras.
5. Fora de flagrante delito, a detenção pode ser ordenada pelas autoridades
judiciárias e pelas demais autoridades de polícia de investigação criminal, conforme o
artigo 293.º do código do processo penal. Esta prerrogativa legal não será motivadora
de elevado número de detenções arbitrárias ou ilegais a nível nacional?
Sim, pelas razões apontadas anteriormente e sobretudo por ter um leque muito
alargado de entidades que não têm profundo conhecimento do direito mas têm o poder de
mandar deter.
6. Quais são, na opinião da LDH, os aspectos da actuação policial moçambicana
que podiam ser melhorados para uma efectiva defesa, protecção e respeito pelos
Direitos Fundamentais dos cidadãos?
Conhecimento dos direitos dos cidadãos, recrutar pessoas com melhores
qualificações, haver mecanismos eficazes de sancionamento de práticas de abuso de
autoridade e de corrupção; atribuir melhores condições materiais à polícia e purificar as
mentalidades.
7. Será que em Moçambique há abundância ou ausência das liberdades?
Liberdades estão todas consagradas na Lei, existe é dificuldade de concretizar tais
liberdades.

B
ANEXO II – ENTREVISTA CONCEDIDA PELO CHEFE DO DEPARTAMENTO DA
PIC DA PROVÍNCIA DO MAPUTO

Conteúdo da entrevista realizada em Maputo no dia 27 de Dezembro de 2011,


ao Dr. Meque Machava - Chefe do Departamento Provincial de Instrução Criminal
de Maputo.
1. A polícia da República de Moçambique faz parte de todo um Sistema de
Justiça Criminal Nacional. Quando é que é admissível a detenção por ordem desta em
flagrante delito ou fora de flagrante delito.
Fora de flagrante delito, a prisão preventiva é efectuada mediante ordem escrita do
juiz de instrução criminal (encontrando-se o processo na fase de instrução preparatória), do
Ministério Público, dos directores, inspectores e subinspectores da Polícia de Investigação
Criminal (PIC), dos oficiais da PRM (Comandantes de Esquadra na sua maioria e o que é
prático), isto é, oficiais com funções de comando e as autoridades administrativas de
acordo com o artigo 6.º, § único da Lei n.º 2/ 93, de 24 de Junho e art.º 293.º do CPP.
Portanto, a prisão de alguém fora de flagrante delito deve ser efectuada mediante ordem
escrita de uma das autoridades acima indicadas. O mandado de captura é passado em
triplicado, onde um exemplar é entregue ao visado, o outro anexado ao processo e o
terceiro entregue ao estabelecimento prisional que acolhe o detido. Na prática, o triplicado
do mandado de captura é entregue à secção de estatística juntamente com o mandado de
condução que por sua vez canaliza ao estabelecimento prisional.
Em flagrante delito, a prisão do infractor constitui um dever para os agentes da
PRM, enquanto que para o cidadão comum é uma faculdade. O agente que efectuar a
detenção em flagrante delito ao chegar à subunidade policial deve elaborar o auto de
notícia por detenção.
Quer neste ou noutro caso, os autos e a detenção são dados a conhecer ao MPº que,
via de regra, manda apresentar o capturado ao juiz de instrução criminal para a validação
ou não da captura.
2. Qual é a finalidade da prisão preventiva?
A prisão preventiva tem tripla finalidade: a) Impedir que o arguido se subtraia à
acção da justiça (fuga), garantindo, desta feita, a sua presença nos autos processuais tais
como, os exames, audições, etc; b) Evitar perturbações na fase da instrução preparatória,
bem como garantir a segurança das provas: não permite que o arguido possa lançar

C
ameaças contra as testemunhas, às vítimas, peritos, destruição de provas que não tenham
sido recolhidas. Facilita a captura de outros agentes infractores; c) Evitar que o arguido
cometa outros crimes.
3. Em que circunstâncias a polícia pode ordenar a libertação de um detido, seja
por erro sobre a pessoa ou por não se justificar a situação da detenção?
Logo que se verifique que a detenção ocorreu por erro sob a pessoa ou foi
injustificada, mediante despacho fundamentado, o inspector ou subinspector da PIC pode
ordenar a libertação do detido, desde que não tenha sido dado conhecimento ao digno
agente do MPº e/ou ao JIC. Uma vez apresentado ao MPª ou ao JIC, só estas figuras o
podem fazer.
O inspector que dirige a investigação fundamenta previamente e faz subir os autos
para o digno representante do MPº a fim de se pronunciar a cerca dos fundamentos
apresentados relativamente à restituição à liberdade do detido.
4. O nosso Sistema de Justiça Criminal não define a detenção nem a prisão.
Qual é o entendimento desta Polícia quanto à destrinça entre os dois conceitos?
Para mim, a detenção corresponde a prisão preventiva.
5. Qual é o tempo de validade de um mandado ou ordem de detenção?
A prescrição é relativa aos casos que não tenha sido levantada a acção penal. Uma
vez levantada e havendo ordem ou mandado de captura este mantém-se válido até o seu
cumprimento/execução. Importante é periodicamente dar a conhecer a quem de direito.
6. Nas localidades têm-se verificado exiguidade de meios circulantes para o
serviço policial. Qual deve ser o tratamento dos detidos quando há razões para crer
que os mesmos nunca poderão ser apresentados no período inferior a 48 horas a uma
autoridade judiciária?
Nem na sede (Direcção Provincial da PIC) conseguimos apresentar os arguidos
dentro de quarenta e oito horas devido à falta de quadros e de meios.

D
ANEXO III – PRAZOS DE PRISÃO PREVENTIVA NÃO ESTÃO A SER CUMPRIDOS

“Prazos de prisão preventiva não estão a ser observados - constata Augusto


Paulino em Cabo Delgado
Maputo, Sexta-Feira, 9 de Março de 2012: Notícias
PERSISTEM atrasos no cumprimento dos prazos de instrução preparatória, de prisão
preventiva e do primeiro interrogatório do arguido na província de Cabo Delgado, segundo
constatou Augusto Paulino, Procurador-Geral da República.
De visita àquela região do país, especificamente ao distrito de Ancuabe, o PGR
verificou que se torna necessário e urgente reflectir sobre a aplicação das medidas
alternativas à prisão, sobretudo tendo em conta o movimento processual ali existente, o
tipo de crime praticado e a idade dos infractores que, em alguns casos, são menores. Neste
distrito, constatou ainda a existência de muitos processos autuados como criminais em
matérias de natureza cível e outros com prazos expirados. Já no Centro Prisional de Mieze,
o magistrado verificou existirem problemas sérios ligados à superlotação da cadeia e à
fraca informação sobre a real situação em que os reclusos se encontram. Augusto Paulino
constatou, ainda, a permanência de detidos aguardando julgamento durante muito tempo,
outros sem informação dos processos em recurso e aqueles que, tendo cumprido metade da
pena, não beneficiaram da liberdade condicional, pois o processo se encontra em recurso
nos Tribunais Superiores de Recurso.
O PGR deixou, entre outras recomendações, a necessidade de haver maior rigor na
observância dos prazos processuais, nomeadamente os de prisão preventiva, de
apresentação do detido ao juiz para o primeiro interrogatório e os prazos de instrução
preparatória; necessidade de se informar os arguidos dos seus direitos e da sua situação
processual; necessidade de imprimir maior celeridade processual na Secção de Instrução
Criminal, uma vez que se registam muitos processos em instrução.
Igualmente, Augusto Paulino recomendou para a necessidade da realização de acções
de disseminação de informação às comunidades, no sentido de se evitar que menores
pratiquem crimes; a observância de maior colaboração entre o Ministério Público e a
Medicina Legal, no âmbito da realização de exames médico-legais, nos processos de
violação sexual; realização de julgamentos em campanha no Centro Prisional de Mieze.
Para ele, há ainda a necessidade de haver maior celeridade processual e maior
intervenção do Ministério Público nos processos; celeridade nos processos em que há

E
pedido de liberdade condicional; necessidade de formação e capacitação de magistrados e
oficias de justiça colocados nos distritos; construir e apetrechar as novas procuradorias
distritais e preparar a província para os desafios que o seu desenvolvimento coloca.
De um modo geral, o PGR constatou existirem melhorias na intervenção do
Ministério Público nos processos, na assistência aos reclusos e na tramitação processual.
Saudou os quadros da província, pela construção de três procuradorias nos distritos de
Ancuabe, Chiúre e Palma.
A visita de Augusto Paulino a Cabo Delgado teve como objectivo, entre vários
outros, a monitoria, assistência técnica e metodológica e avaliação das actividades
desenvolvidas pelas procuradorias provincial e distritais, o controlo da legalidade, a
capacidade de acção e desempenho institucional e a aferição do nível de intervenção do
Ministério Público nos processos, com particular destaque para a direcção da instrução
preparatória dos processos-crime.”

F
ANEXO IV – RECLAMAÇÕES DA LMDH ACERCA DOS DIREITOS DOS DETIDOS

“Liga dos Direitos Humanos acusa polícia de "tratamento desumano" dos


presos (05 de Março de 2012, 18:19).
Maputo, 05 fev (Lusa) - A Liga dos Direitos Humanos de Moçambique (LDH)
acusou hoje a polícia moçambicana de submeter os detidos a "tratamento desumano",
ignorando os direitos humanos elementares.
A LDH criticou a polícia moçambicana durante um debate em Maputo sobre o tema
"Acabar com a impunidade e proteger os direitos humanos: Uma justiça próxima do
Cidadão", promovido por ocasião da abertura do Ano Judicial, que teve lugar na sexta-
feira.
"Os abusos dos direitos dos prisioneiros foram transferidos das cadeias para as celas
das esquadras e da Polícia de Investigação Criminal. Os tratamentos desumanos aos presos
agora estão na polícia", disse Amílcar Andela, vice-presidente da LDH.
Superlotação de celas, detenções ilegais, por motivos fúteis ou infundados, bem
como violação dos prazos de prisão preventiva são algumas das práticas protagonizadas
pelas autoridades policiais moçambicanas, acusou Amílcar Andela.
O vice-presidente da LDH também imputou culpas ao Ministério Público
moçambicano pela sua alegada inércia no combate aos atropelos e reposição da legalidade.
"A inércia e morosidade do Ministério Público moçambicano têm contribuído para a
impunidade com que os autores dos abusos dos direitos humanos continuam a atuar",
frisou Amílcar Andela.
Por seu turno, Baltazar Faela, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP),
que apresentou o tema "Combate à impunidade e respeito pelo Estado de Direito no
Judiciário", qualificou como "ineficaz" o combate à corrupção nas instituições do Estado
moçambicano, devido ao estado obsoleto da legislação.
"Não estão a ser produzidas medidas sérias contra a corrupção. A legislação anti-
corrupção é obsoleta e vamos assistindo a manobras dilatórias para impedir a sua
atualização", sublinhou Baltazar Faela.
O vice-ministro da Justiça moçambicano, Alberto Nkutumula, apontou na ocasião as
organizações da sociedade civil como um parceiro fundamental do Estado na promoção
dos direitos humanos em Moçambique.

G
"O Estado, por mais aperfeiçoadas que estejam as suas instituições, não pode tudo.
As organizações da sociedade civil são parceiros imprescindíveis na promoção da justiça.
Elas têm de ser parte da solução", enfatizou Alberto Nkutumula. PMA – Lusa/Fim”

H
ANEXO V – SOBRE A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

“Reforma da legislação penal: Sociedade civil inicia recolha de assinaturas


A SOCIEDADE civil iniciou ontem um processo de recolha de duas mil assinaturas
de cidadãos, com base nas quais irá solicitar ao Conselho Constitucional a declaração de
inconstitucionalidade e a consequente inaplicabilidade de quatro artigos do actual Código
do Processo Penal.
Maputo, Terça-Feira, 6 de Março de 2012:: Notícias
O acto teve lugar na cidade do Maputo, num evento paralelo à abertura do ano
judicial realizado com vista a debater sobre o tema “Acabar com a impunidade e proteger
os direitos humanos: Uma justiça próxima do Cidadão”.
O encontro juntou dezenas de activistas dos direitos humanos numa mesa em que
esteve presente o Vice-ministro da Justiça, Alberto Nkutumula.
Falando à Imprensa, Salvador Nkamate, advogado na Liga Moçambicana dos
Direitos Humanos afirmou que a vigência dos visados quatro dispositivos legais traz danos
graves aos direitos humanos.
São eles o parágrafo segundo da alínea a) do artigo 291; o artigo 293 na redacção
dada pela Lei 2/93 de 24 de Julho; o parágrafo terceiro do artigo 308 e o primeiro
parágrafo do artigo 311, todos do Código do Processo Penal aprovado em 1929.
A título de exemplo, Nkamate disse que o preceituado no 293 confere poderes à
Polícia, aos administradores distritais, chefes de posto administrativo e outros agentes para
fazerem detenções para efeitos de prisão preventiva fora de flagrante delito e de forma
banalizada, chocando com o previsto no artigo 64 da Constituição da República.
Ademais, a prisão preventiva tem sido feita fora da letra e do espírito do legislador
constituinte. Em muitos casos, cidadãos têm sido detidas e obrigadas a permanecer nas
celas em períodos indeterminados, o que é uma afronta à liberdade do Homem.
Para já, parte dos quatro artigos já foram apreciados e declarados inconstitucionais
pelo Tribunal Supremo. Todavia, por força legal, tem de ser o Conselho Constitucional a
produzir um acórdão que declare inconstitucionais aos quatro dispositivos legais.
“O Tribunal Supremo já se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da alínea a) do
artigo 291 e do primeiro parágrafo do artigo 311 do Código Penal. Por isso pensamos que
estamos certos com a nossa acção e com maiores possibilidades de sermos positivamente
acolhidos pelo Conselho Constitucional”, frisou Nkamate.

I
Assim sendo, apelou à sociedade civil a tomar parte das assinaturas para que, neste
semestre, o documento seja submetido ao Conselho Constitucional.
Com efeito, Alberto Nkutumula encorajou a sociedade civil no seu trabalho, pois é
tarefa de todos lutar pela protecção dos direitos humanos. Aliás, no seu entender, as
organizações da sociedade civil são parceiras do Governo na luta contra as violações dos
direitos dos homens e não só.”

J
ANEXO VI – SOBRE A REORGANIZAÇÃO DA PIC

“Reforma do sector judiciário: Reorganização da PIC é prioridade de momento


- considera o Bastonário da Ordem dos Advogados
A REORGANIZAÇÃO da Polícia de Investigação Criminal (PIC) é a etapa mais
importante e urgente que actualmente se impõe, no âmbito da reforma do sector judiciário
em Moçambique, segundo tese do Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique.
Maputo, Terça-Feira, 6 de Março de 2012:: Notícias
Para Gilberto Correia, a introdução de reformas na PIC assume-se como um
imperativo para que esta possa desempenhar, com rigor, a sua missão no combate ao
crime.
“Não haverá, nem pode haver resultados palpáveis no combate à criminalidade sem
uma reforma profunda e determinada da PIC. Não adianta introduzir melhorias a nível do
Ministério Público, dos Tribunais, do Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ)
e da advocacia sem que se melhore, e muito, o funcionamento da PIC”, disse Gilberto
Correia.
O bastonário, que intervinha semana passada, na capital do país, na cerimónia de
abertura do Ano Judicial 2012 disse, à semelhança do que fez em pelo menos duas outras
ocasiões do género, que o país tem uma investigação criminal ineficiente, ineficaz e
fragilizada por problemas internos e externos de diversa índole.
Ligados à falta de recursos humanos, financeiros e tecnológicos, bem como à
estruturação incorrecta desta Polícia, tais problemas, segundo Gilberto Correia, estão a
distanciar cada vez mais aquela instituição dos resultados que a sociedade civil espera dela
enquanto elementos do sistema da administração da justiça.
Segundo tese defendida pelo orador, a reforma deve começar na formação
especializada dos seus agentes, passando pela correcta atribuição de meios materiais,
tecnológicos e financeiros e terminando numa visão conceptual que leve à transformação
desta Polícia, de um mero departamento da Polícia da República de Moçambique (PRM),
para um verdadeiro órgão moderno e especializado de investigação criminal e que se
assuma como parte integrante do subsistema de administração da justiça penal.
“A realidade nesta e noutras paragens demonstra que não haverá investigação
criminal eficiente com a manutenção de uma cadeia de comando com subordinação
política. O Director Nacional da PIC subordina-se ao Comandante-Geral da Polícia, ao

K
Vice-Ministro do Interior e ao respectivo ministro. Nas províncias, os directores da PIC
subordinam-se aos governadores provinciais e ainda à restante estrutura do Ministério do
Interior atrás apontada”, frisou Correia.
Segundo ele, este tipo de subordinação pode constituir, em alguns casos, uma porta
entreaberta ao tráfico de influências no âmbito da investigação criminal, com todos os
efeitos perniciosos nos seus resultados.
Como proposta, a Ordem dos Advogados reitera a necessidade de a PIC passar a
subordinar-se ao Ministério Público e que o seu director seja um magistrado judicial ou do
Ministério Público, em comissão de serviço.”

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