Direito e Processo Penal_ - Prova; - Lei Das Armas

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A política editorial do Centro de Estudos Judiciários passa pelo cumprimento de dois

objectivos: maior aproveitamento das acções realizadas; maior utilidade dada às


temáticas abordadas.

O presente e-book – que reúne textos de intervenções realizadas no âmbito de


formações da Jurisdição Penal e Processual Penal (oito), desde 2014 e que não tinham
ainda sido publicadas – dá corpo a esses objectivos.

Assim, aqui se reúnem treze apresentações e respectivos vídeos que agora podem ser
por todos/as usufruídos/as.

As matérias vão das declarações do arguido e depoimento das testemunhas (depois da


revisão de 2013 do CPP), aos actos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao
julgamento, ao direito ao silêncio corporal, à recusa de colaboração do arguido em se
sujeitar a diligências de prova, ao Nemo Tenetur e a transmissibilidade da prova entre
procedimentos, às técnicas de inquirição e interrogatório, à valoração da prova
(incluindo a indiciária), à fundamentação da decisão penal, à fixação dos factos na
decisão penal e, por fim, às perplexidades e dúvidas suscitadas pela Lei das Armas.

O e-book de que os cultores do Direito Penal e do Direito Processual Penal não poderão
deixar de utilizar como ferramenta de trabalho.

(ETL)
Ficha Técnica

Nome:
Direito e Processo Penal: ‒ Prova; ‒ Lei das armas

Jurisdição Penal e Processual Penal:


Helena Susano – Juíza de Direito, Docente do CEJ e Coordenadora da Jurisdição
José Quaresma – Juiz de Direito e Docente do CEJ
Alexandre Au-Yong de Oliveira – Juiz de Direito e Docente do CEJ
Rui Cardoso – Procurador da República e Docente do CEJ
Susana Figueiredo – Procuradora da República e Docente do CEJ
Patrícia Naré Agostinho – Procuradora da República e Docente do CEJ
Miguel Rodrigues – Procurador da República e Docente do CEJ 1
Catarina Fernandes (Procuradora-Adjunta, Docente do CEJ)∗
Francisco Mota Ribeiro (Juiz de Direito, Docente do CEJ)*
João Aibéo (Procurador-Geral Adjunto, Docente do CEJ)*
Sérgio Pena (Procurador-Adjunto, Docente do CEJ)*

Coleção:
Formação Contínua

Plano de Formação 2017-2018:


“Direito probatório, substantivo e processual penal” − Lisboa, 19 de janeiro de 2018 (programa)

Plano de Formação 2016-2017:


“Direito probatório, substantivo e processual penal” − Lisboa, 25 de novembro de 2016
(programa)

Plano de Formação 2015-2016:


“Tráfico de seres humanos” − Lisboa, 4 de dezembro de 2015 (programa)
“Temas de direito penal e processual penal” − Lisboa, 5, 12, 19 e 26 de fevereiro de 2016
(programa)

Plano de Formação Contínua 2014-2015:


“Produção, apreciação e valoração da prova em julgamento no processo penal” ‒ Lisboa, 13 de
março de 2015 (programa)
“Técnicas de inquirição e interrogatório em processo penal”‒ Lisboa, 16 de janeiro de 2015
(programa)

Plano de Formação Contínua 2013-2014:


“As alterações ao Código de Processo Penal”‒ Lisboa, 10 de abril de 2014 (programa)
“Direção da Audiência de Julgamento e Produção, Apreciação e Valoração da Prova em Processo
Penal”‒ Lisboa, 21 de março de 2014 (programa)

1
Até agosto de 2018.
*À data da ação de formação.
Conceção e organização:
Jurisdição Penal

Intervenientes:
Alberto Ruço – Juiz Desembargador no Tribunal da Relação do Porto
António Pires Henriques da Graça – Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça
António João Latas – Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Évora
Carla Costa – Inspetora da Polícia Judiciária, Adjunta no Gabinete do Ministro da Saúde
João Gouveia de Caires – Mestre em Direito, Assistente na Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa
Jorge dos Reis Bravo – Procurador da República
José Mouraz Lopes – Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas
Maria Teresa de Teixeira de Simões Morais – Procuradora da República
Patrícia Naré Agostinho – Procuradora da República e Docente do CEJ
Paulo Dá Mesquita – Procurador-Geral Adjunto, Vogal do Conselho Consultivo da Procuradoria-
Geral da República
Paulo de Sousa Mendes – Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Sandra Oliveira e Silva – Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Revisão final:
Edgar Taborda Lopes – Juiz Desembargador, Coordenador do Departamento da Formação do
CEJ
Ana Caçapo – Departamento da Formação do CEJ
Notas:

Para a visualização correta dos e-books recomenda-se o seu descarregamento e a utilização do


programa Adobe Acrobat Reader.

Foi respeitada a opção dos autores na utilização ou não do novo Acordo Ortográfico.

Os conteúdos e textos constantes desta obra, bem como as opiniões pessoais aqui expressas, são
da exclusiva responsabilidade dos/as seus/suas Autores/as não vinculando nem necessariamente
correspondendo à posição do Centro de Estudos Judiciários relativamente às temáticas
abordadas.

A reprodução total ou parcial dos seus conteúdos e textos está autorizada sempre que seja
devidamente citada a respetiva origem.

Forma de citação de um livro eletrónico (NP405‐4):

AUTOR(ES) – Título [Em linha]. a ed. Edição. Local de edição: Editor, ano de
edição.
[Consult. Data de consulta]. Disponível na internet: <URL:>. ISBN.

Exemplo:
Direito Bancário [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[Consult. 12 mar. 2015].
Disponível na
internet: <URL: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf.
ISBN 978-972-9122-98-9.

Registo das revisões efetuadas ao e-book

Identificação da versão Data de atualização


1.ª edição –21/12/2018
Direito e Processo Penal
‒ Prova
‒ Lei das armas

Índice

1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas 11


António Pires Henriques da Graça

2. Processo Penal Português - Questões de Prova 45


António Pires Henriques da Graça

3. As declarações do arguido e o depoimento das testemunhas, em especial 69


face à revisão de 2013 do CPP
João Gouveia de Caires

4. A fixação dos factos na decisão penal 79


António João Latas

5. A fundamentação da decisão penal 91


José Mouraz Lopes

6. Prova indiciária 101


Alberto Ruço

7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento 131


Paulo Dá Mesquita

8. Direito ao silêncio corporal? Ingerências corporais probatórias: a identificação 149


genético-criminal
Jorge dos Reis Bravo

9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova 177


Patrícia Naré Agostinho

10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos 199


Paulo de Sousa Mendes

11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo 233


tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional
Sandra Oliveira e Silva

12. Técnicas de inquirição e interrogatório - em especial na criminalidade 249


económico-financeira
Carla Costa

13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões) 305
Maria Teresa de Teixeira de Simões Morais
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

1. A VALORAÇÃO DA PROVA NO CRIME DE TRÁFICO DE PESSOAS 1

António Pires Henriques da Graça ∗

1. Considerações gerais
1.1. Globalização e criminalidade organizada
1.2. O crime de tráfico de pessoas
1.2.1. A nível internacional
1.2.2. A nível nacional
2. A valoração da prova
2.1. Produção e valoração da prova nos processos relativos ao crime organizado
Bibliografia
Vídeo da apresentação

1. Considerações gerais

1.1. Globalização e criminalidade organizada

O denominador funcional da sociedade contemporânea, a sociedade pós-moderna, ou da era


digital, vem sendo caracterizado de globalização, em que apesar da evolução tecnológica na
procura insatisfeita do bem-estar material, na melhoria da qualidade de vida e da fluidez social
nos seus diversos quadrantes – político, económico, social e cultural ‒ da interação pluralista e
pluricontinental, geram-se também novas formas de comportamentos desviantes,
comportamentos criminais, contra a salubridade da harmonia social e da ordem e segurança
públicas, pondo em causa o normal funcionamento do Estado-de-Direito, que vai suscitar
deste e das suas competentes autoridades modos de eficácia de prevenção e repressão do
crime organizado.

“Com a globalização, a análise da delinquência muda de foco: os delitos do paradigma clássico


do processo de criminalização perdem espaço para os delitos classificados criminologicamente
como crimes of the powerful”. 2

“Estes crimes caracterizam-se pelo portentoso grau de ofensividade à paz pública, merecendo
pois um tratamento penal e processual penal diferenciado do dispensado à criminalidade
comum. Mesmo porque, a criminalidade organizada escarnece dos instrumentos processuais
tradicionais utilizados para a apuração [apuramento] da delinquência individualizada, que se
mostram desfasados ante o seu caráter multiforme. E de outro modo não poderia ser, já que é
ilógico tentar combater coisas distintas valendo-se de um único método, ou seja, é irracional a
aplicação de um mesmo aparato para a contenção de criminalidades abissalmente diversas.” 3

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Tráfico de seres humanos”, no Auditório do Montepio
(Lisboa), a 4 de dezembro de 2015.
* Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.
2
FABIANA GREGHI,A Delação Premiada no Combate ao Crime Organizado.
3
Idem, ibidem.

13
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

A Agência das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) – United Nations Office on Drugs
and Crime - tem-se empenhado na cooperação com governos, organizações internacionais e
da chamada sociedade civil com vista a fortalecer o Estado de Direito no combate à
criminalidade organizada, nomeadamente pela tipificação, nas legislações nacionais, de
infrações penais relacionadas com crime organizado. 4

1.2. O crime de tráfico de pessoas

“O tráfico de seres humanos é, em todo o mundo, o terceiro negócio ilícito mais rendível, logo
depois da droga e das armas. Tendo como causa principal a pobreza e as grandes
desigualdades sociais, este tráfico não exclui nenhum país, seja ele de origem, de trânsito ou
de destino. Mulheres, crianças e adolescentes continuam a ser as principais vítimas.

O número exato das vítimas de tráfico de seres humanos é difícil de avaliar, mas pode
ascender a vários milhões em todo o mundo, 2,5 milhões, de acordo com as estimativas da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). E, apesar da consciência atual sobre o que são os
direitos humanos, não cessa de aumentar, alimentando um negócio ilícito que a mesma OIT
avalia em mais de 30 000 milhões de dólares por ano.

Por tráfico de pessoas «entende-se o recrutamento, transporte, acolhimento ou receção de


pessoas recorrendo ao uso da força ou outras formas de coação, rapto, fraude, engano, abuso
de poder ou de uma situação de vulnerabilidade, ou a concessão de pagamentos ou benefícios
para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de
exploração», segundo a definição que consta do Protocolo para a Prevenção, Repressão e
Punição do Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças.

Na sua definição, este Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional, de Novembro de 2000, acrescenta ainda que «essa exploração
incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição alheia ou outras formas de exploração
sexual, os trabalhos ou serviços forçados, a escravatura ou práticas análogas à escravatura, a
servidão ou a extração de órgãos».” 5

4
Como se assinala no “Escritório de Ligação e Parceria no Brasil da UNODC”, que vale a pena transcrever:
UNODC mantém, desde março de 1999, o Programa contra o Tráfico de Seres Humanos, em colaboração com o
Instituto das Nações Unidas de Pesquisa sobre Justiça e Crime Interregional (UNICRI). O programa coopera com os
Estados-Membros em seus esforços de combater o tráfico de seres humanos, ressaltando o envolvimento do crime
organizado nesta atividade e promovendo medidas eficazes para reprimir ações criminosas. A adoção, em 2000, do
Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças e do
Protocolo contra o Crime Organizado Transnacional, Relativo ao Combate ao Contrabando de Migrantes por via
Terrestre, Marítima e Aérea, que complementam a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, representa um marco fundamental nos esforços internacionais para enfrentar o tráfico de seres
humanos, considerado uma forma moderna de escravidão.
5
ANA GLÓRIA LUCAS, Jornalista, Tráfico de seres humanos: A escravatura do século XXI, ALÉM-MAR, julho de 2012.

14
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

1.2.1. A nível internacional

O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada


Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em
especial de Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo de 2000, em vigor desde 25-12-2003)
completou a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional 6,
deverá ser interpretado em conjunto com a Convenção. 7

Teve como objeto prevenir e combater o tráfico de pessoas, prestando uma especial atenção
às mulheres e às crianças; Proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente
os seus direitos humanos; e promover a cooperação entre os Estados Partes de forma a atingir
estes objetivos, sendo que de harmonia e para efeitos do referido Protocolo:

a) Por “tráfico de pessoas” entende-se o recrutamento, o transporte, a transferência, o


alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou
a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou
de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios
para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins
de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição
de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos;

b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer


tipo de exploração descrito na alínea a) do presente artigo, deverá ser considerado
irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de


uma criança para fins de exploração deverão ser considerados “tráfico de pessoas”
mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos na alínea a) do presente
artigo;

d) Por “criança” entende-se qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos. 8

De igual forma, a Convenção do Conselho da Europa Relativa à Luta contra o Tráfico de Seres
Humanos, aberta à assinatura em Varsóvia, em 16 de maio de 2005, aprovada pela Resolução
n.º 1/2008, de 14 de janeiro considerou no art.º 4:

a) «Tráfico de seres humanos» designa o recrutamento, o transporte, a transferência,


o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força
ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade
ou de uma situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento de uma pessoa com autoridade sobre outra,

6
Foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 32/2004, de 02.04.2004.
7
Art.º 1.º, n.º 1, do Protocolo.
8 s
Art.º 2 º e 3.º do Protocolo.

15
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da


prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços
forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de
órgãos;

b) O consentimento dado pela vítima de «tráfico de seres humanos» à exploração


referida na alínea a) do presente artigo será considerado irrelevante se tiver sido
utilizado qualquer um dos meios indicados na alínea a) do presente artigo;

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de


uma criança para fins de exploração deverão ser considerados «tráfico de seres
humanos» mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos na alínea a) do
presente artigo;

d) «Criança» designa qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos;

e) «Vítima» designa qualquer pessoa física sujeita a tráfico de seres humanos


conforme definido no presente artigo.

Estabeleceu-se no art.º 3.º o princípio da não discriminação, no sentido de que a aplicação da


presente Convenção pelas Partes, em particular das medidas que visam proteger e promover
os direitos das vítimas, deverá ser assegurada sem qualquer discriminação com base no sexo,
na raça, na cor, na língua, na religião, nas opiniões políticas ou outras, na origem nacional ou
social, na pertença a uma minoria nacional, na riqueza, no nascimento ou em qualquer outra
situação.

Elementos do Tráfico de Pessoas são o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou


o acolhimento de pessoas, feito com os seguintes meios: Ameaça ou uso da força, coerção,
abdução, fraude, engano, abuso de poder ou de vulnerabilidade, ou pagamentos ou benefícios
em troca do controle da vida da vítima.

Objetivos do crime de tráfico de pessoas são “fins de exploração, que inclui prostituição,
exploração sexual, trabalhos forçados, escravidão, remoção de órgãos e práticas semelhantes.
Para verificar se uma circunstância particular constitui tráfico de pessoas, há que considerar a
definição de tráfico no protocolo sobre tráfico de pessoas e os elementos constitutivos do
delito, conforme definido pela legislação nacional pertinente.”

Diferente do tráfico de pessoas é o contrabando de migrantes.

“O Contrabando de Migrantes é um crime que envolve a obtenção de benefício financeiro ou


material pela entrada ilegal de uma pessoa num Estado no qual essa pessoa não seja natural
ou residente. O contrabando de migrantes afeta quase todos os países do mundo. Ele mina a
integridade dos países e comunidades e custa milhares de vidas a cada ano. O UNODC, como
guardião da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC)

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

e seus Protocolos, assiste os Estados em seus esforços para implementar o Protocolo contra o
Contrabando de Migrantes por via Terrestre, Marítima e Aérea (Protocolo dos Migrantes).

Consentimento
O contrabando de migrantes, mesmo em condições perigosas e degradantes, envolve o
conhecimento e o consentimento da pessoa contrabandeada sobre o ato criminoso. No tráfico
de pessoas, o consentimento da vítima de tráfico é irrelevante para que a ação seja
caracterizada como tráfico ou exploração de seres humanos, uma vez que ele é, geralmente,
obtido sob malogro.

Exploração
O contrabando termina com a chegada do migrante em seu destino, enquanto o tráfico de
pessoas envolve, após a chegada, a exploração da vítima pelos traficantes, para obtenção de
algum benefício ou lucro, por meio da exploração. De um ponto de vista prático, as vítimas do
tráfico humano tendem a ser afetadas mais severamente e necessitam de uma proteção
maior.

Caráter Transnacional
Contrabando de migrantes é sempre transnacional, enquanto o tráfico de pessoas pode
ocorrer tanto internacionalmente quanto dentro do próprio país.” 9

1.2.2. A nível nacional

O crime de tráfico de pessoas vem previsto no art.º 160.º do Código Penal, integra-se no
capítulo IV (Dos crimes contra a liberdade pessoal) do Título I (Dos crimes contra as pessoas)
do Livro II (Parte especial), do Código Penal.

As condutas que o integram constituem “criminalidade altamente organizada”, nos termos do


art.º 1.º, al. m), do CPP.

Explicita o art.º 160.º do CPP,

Tráfico de pessoas

1 ‒ Quem oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa
para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a
mendicidade, a escravidão, a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades
criminosas:
a) Por meio de violência, rapto ou ameaça grave;
b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica,
económica, de trabalho ou familiar;

9
UNODC – Escritório de Ligação e Parceria com o Brasil.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial


vulnerabilidade da vítima; ou
e) Mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a
vítima;
f) É punido com pena de prisão de três a dez anos.

2 ‒ A mesma pena é aplicada a quem, por qualquer meio, recrutar, aliciar, transportar,
proceder ao alojamento ou acolhimento de menor, ou o entregar, oferecer ou aceitar, para
fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a
escravidão, a extração de órgãos, a adoção ou a exploração de outras atividades criminosas.

3 ‒ No caso previsto no número anterior, se o agente utilizar qualquer dos meios previstos nas
alíneas do n.º 1 ou atuar profissionalmente ou com intenção lucrativa, é punido com pena de
prisão de três a doze anos.

4 ‒ As penas previstas nos números anteriores são agravadas de um terço, nos seus limites
mínimo e máximo, se a conduta neles referida:

a) Tiver colocado em perigo a vida da vítima;


b) Tiver sido cometida com especial violência ou tenha causado à vítima danos
particularmente graves;
c) Tiver sido cometida por um funcionário no exercício das suas funções;
d) Tiver sido cometida no quadro de uma associação criminosa; ou
e) Tiver como resultado o suicídio da vítima.

5 ‒ Quem, mediante pagamento ou outra contrapartida, oferecer, entregar, solicitar ou aceitar


menor, ou obtiver ou prestar consentimento na sua adoção, é punido com pena de prisão de
um a cinco anos.

6 ‒ Quem, tendo conhecimento da prática de crime previsto nos n.ºs 1 e 2, utilizar os serviços
ou órgãos da vítima é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe
não couber por força de outra disposição legal.

7 ‒ Quem retiver, ocultar, danificar ou destruir documentos de identificação ou de viagem de


pessoa vítima de crime previsto nos n.ºs 1 e 2 é punido com pena de prisão até três anos, se
pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

8 ‒ O consentimento da vítima dos crimes previstos nos números anteriores não exclui em
caso algum a ilicitude do facto.

Não se confunde com o crime de escravidão, p. e p. no art.º 159.º do CP, porque os “fins de
exploração sexual, exploração de trabalho ou extração de órgãos” são conseguidos pelos
meios previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 160.ºdo CP, e no crime de escravidão a
pessoa é reduzida ao estado ou condição de escravo, há alienação, cedência, aquisição ou
apossamento de uma pessoa com a intenção de a manter no estado ou condição de escravo.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Por sua vez, ainda que o crime de tráfico de pessoas possa ser praticado por meio de rapto,
não exclui a autonomia deste último, por os fins serem diferentes e este ser um dos meios de
prática daquele.

Porque traduzido na violação de bens jurídicos diferentes, embora ambos decorrentes da


privação da liberdade da pessoa vítima, sempre haveria concurso real.

Também quanto ao crime de tomada de reféns, em que o sequestro ou rapto de pessoa é


motivado pela intenção de realização de “finalidades políticas, ideológicas, filosóficas ou
confessionais”, com vista a constrangimento de terceiro, a uma ação ou omissão ou a suportar
uma atividade – v. art.º 162.º do CP.

Por outro lado, quando o crime de tráfico de pessoas é praticado para fins de exploração
sexual”, não se confunde com a autonomia dos concretos crimes praticados contra a liberdade
sexual ou contra a autodeterminação sexual da pessoa traficada. 10

Mesmo no crime de lenocínio – genericamente p e p. no art.º 169.º do CP ‒ que possa ser


potenciado pelo crime de tráfico de outra pessoa, não fica inviabilizado o concurso real de
ambos, atentos os respetivos pressupostos, bens jurídicos abrangidos, e a autonomia real das
condutas delituosas.

Note-se ainda os crimes previstos na Lei n.º 23/2007, de 04 de julho 11, referente à entrada,
permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, a saber: 12

‒ Artigo 181.º: Entrada, permanência e trânsito ilegais;


‒ Artigo 182.º Responsabilidade criminal e civil das pessoas coletivas e equiparadas;
‒ Artigo 183.º Auxílio à imigração ilegal;
‒ Artigo 185.º Angariação de mão-de-obra ilegal, pode resultar do crime de tráfico
mas são autónomos.

Note-se também, a nível do mandado de detenção europeu, que:

Será concedida a entrega da pessoa procurada com base num mandado de detenção europeu,
sem controlo da dupla incriminação do facto, sempre que os factos, de acordo com a
legislação do Estado membro de emissão, constituam as seguintes infrações, puníveis no
Estado membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de
duração máxima não inferior a três anos.

a) […]
b) […]
c) Tráfico de seres humanos;

10
V. Secção I e Secção II do capítulo V do título I do Código Penal.
11
Atualizada pela Lei n.º 29/2012 de 9 de agosto.
12
Atualizada por diplomas posteriores, sendo o último a Lei n.º 63/2015, de 30/06.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

2. A valoração da prova

Falar-se em valoração da prova no crime de tráfico de seres humanos, pode coincidir


tecnicamente com a valoração da prova obtida e produzida, maxime em julgamento, como se
pode incluir na sua abrangência a valoração do que se entende como útil ao thema
probandum, perante a perceção de factos relevantes e obtenção da prova pelos competentes
meios legítimos para o efeito.

A especificidade do crime em causa, perante o crime organizado, face às suas caraterísticas, e


modo de apresentação, crime inovador perante a dogmática do direito penal clássico, poderia
sugerir que os novos métodos delituosos, também poderiam reclamar a necessidade de novos
métodos de obtenção de prova.

Hassemer questiona que os modernos problemas da criminalidade deixam o Direito Penal


incapacitado, levantando a questão de se refletir sobre este problema, visando solucioná-lo,
com algo mais eficaz. No entanto, adverte que o Direito Penal tem uma tradição normativa de
proteção jurídica. 13

A função de garantia dos tipos penais convocaria uma metodologia própria de verificação da
conduta proibida, quanto mais os tipos legais fossem de alguma imprecisão, como que normas
penais em branco, limitados apenas pela reserva de lei na sua criação.

Em tal construção, o princípio da proporcionalidade estabeleceria o equilíbrio entre a


obrigatoriedade da não desautorização dos direitos fundamentais e das necessidades da
repressão criminal.

Todavia, o processo penal, como direito constitucional aplicado, na expressão de Henkel, não
poderá afastar ou subverter a dignidade da pessoa humana, o que significa que não pode
realizar-se a custo de qualquer prova, mas somente as que não desprezam aquela dignidade.

Como escreve Figueiredo Dias, “em processo penal está em causa não a ‘verdade formal’, mas
a ‘verdade material’, que há de ser tomada em duplo sentido: no sentido de uma verdade
subtraída à influência que, através do seu comportamento processual, a acusação e a defesa
queiram exercer sobre ela; mas também no sentido de uma verdade, que não sendo ‘absoluta’
ou ‘ontológica’, há de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma
verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida.” 14

E, como explicita o mesmo Insigne Professor ”Já em relação aos métodos proibidos de prova
(art.º 126.º) – pensados a partir da necessária proteção dos direitos fundamentais das pessoas
– nenhuma transação é possível já que em causa está a proteção da dignidade humana. Daí

13
ROBERTO SCHULTZE, O Crime Organizado no Direito Penal Brasileiro: por uma análise do tratamento distinto da
criminalidade organizada no plano processual.
HASSEMER, Winfried. Perspectiva de uma Moderna Política Criminal. Revista Brasileira de Ciência Criminal.
FIGUEIREDO DIAS; Direito Processual Penal, (Lições coligidas por Maria João Antunes) Secção de textos da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1088-9, § 71, p. 131.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

que, as provas obtidas através de tais métodos não possam ser valoradas ainda que dessa
forma contribuíssem para a descoberta da verdade material.” 15

Aliás, uma das dimensões do princípio da publicidade da audiência de julgamento, está


precisamente em dar a conhecer de forma pública as provas produzidas e a sua legalidade.

Tudo isto, sem prejuízo, porém, do valor da segurança – tão premente nos dias de hoje e,
constitucionalmente afirmado no art.º 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa –,
que como causa prévia à Justiça, garante ao Estado de Direito a sua subsistência para poder
agir com eficácia de forma justa: “ o Estado de Direito não exige apenas a tutela dos interesses
das pessoas e o reconhecimento dos limites inultrapassáveis, dali decorrentes, à prossecução
do interesse dos criminosos. Ele exige também a proteção das suas instituições e a viabilização
de uma eficaz administração da justiça penal, já que pretende ir ao encontro da verdade
material. Assim, e vendo as coisas sob um outro prisma, em certas circunstâncias, para que os
interesses se concretizem, necessário se torna por em causa os direitos fundamentais das
pessoas.” 16

E, sem prejuízo, acrescentamos, da salvaguarda da dignidade humana, na sua integridade


psíquica e física – inviolável.

Em suma: “A evolução da criminalidade individual para a criminalidade especialmente


organizada, que se serve de meios logísticos modernos e está fechada ao ambiente exterior,
em certa medida imune aos meios tradicionais de investigação (observações, interrogatórios,
estudos dos vestígios deixados), determinou a busca de novos métodos de investigação da
polícia […]”.

A idoneidade, a necessidade, intervenção mínima, alternativa menos gravosa ou


subsidiariedade devem ser analisadas pelo legislador e o magistrado, diante de um caso
concreto, todas as outras formas admitidas por lei como meio de obtenção de resultado
satisfatório, aplicando imposição de medidas restritivas de direitos apenas em casos de real
necessidade. De acordo com o subprincípio da Proporcionalidade, o legislador, assim como o
juiz, deve analisar se o interesse estatal é proporcional à violação dos direitos individuais
constitucionalmente garantidos, que deve ser aplicada em casos excecionais. A fim de se evitar
a inconstitucionalidade das medidas impostas, os operadores do direito devem atender aos
critérios de consequência jurídica; importância da causa; grau de imputação e êxito previsível
da medida. 17

15
Idem, ibidem, p. 26, nota 38.
16
Idem, ibidem, p. 23.
17
Roberto Schultze.

21
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Caraterísticas específicas das análises de cenas do crime relacionadas com o tráfico de


pessoas

1.3.1. Produção e valoração da prova nos processos relativos ao crime organizado

Nas investigações de tráfico de pessoas, as cenas do crime apresentam inúmeros desafios aos
investigadores.
Os investigadores terão experiência na utilização das análises de cenas do crime para apoiar
investigações criminais; isto demonstra algumas das diferenças entre a análise de provas
materiais e de cenas do crime tradicionais e os casos de tráfico de pessoas.

Cooperação inicial entre o investigador e os profissionais forenses


Esta cooperação é sempre importante, mas particularmente em investigações de tráfico de
pessoas, devido às questões referidas abaixo.

Relatos de vítimas/testemunhas e outras informações


Inicialmente, e ao decidir uma estratégia forense em casos de tráfico de pessoas, as
informações disponíveis poderão ser mais confusas do que na generalidade dos crimes. As
razões para tal incluem a reação das vítimas à vitimização (depoimentos inconsistentes ou
incompletos), barreiras linguísticas, identificação de suspeitos apenas através de alcunhas e
detalhes vagos ou imprecisos dos locais.

Falta de conhecimentos sobre o tráfico de pessoas


Os crimes de tráfico de pessoas, as suas consequências e os vestígios que deixam poderão não
estar enquadrados na experiência anterior do investigador ou do pessoal forense. Os
profissionais forenses deverão receber informações por parte de um investigador experiente
em casos de tráfico de pessoas acerca dos processos de tráfico.

Múltiplos locais
Em muitos crimes, é provável que o cenário se subdivida em múltiplos locais: por exemplo, o
carro onde a violação ocorreu ou o banco onde ocorreu o roubo, etc. Em casos de tráfico de
pessoas, existe uma probabilidade maior de haver um número elevado de locais de interesse
para o investigador. Estes poderão exigir uma gestão simultânea.

Poderão existir locais relacionados na origem, trânsito e destino num caso de tráfico. É
provável que existam provas forenses das vítimas e dos traficantes em todos estes locais. De
igual forma, poderão existir provas que liguem uma pessoa ao transporte utilizado em todos
os locais ou a um veículo que tenha passado por todos. A publicidade, os documentos
financeiros e equipamentos de comunicações podem representar eventuais oportunidades
para uma análise forense.

Deverá sempre considerar quais os locais que poderão estar relacionados entre si e onde
estarão localizados os mesmos. Explorar as oportunidades para os analisar ou pedir a
realização de uma perícia. Isto poderá não ser prático em todos os casos, mas os vários locais
poderão ter ligações muito particulares entre si que não deverão ser ignoradas. Mesmo

22
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

quando um local do crime pertencer a outra jurisdição, poderão ser partilhados resultados de
eventuais exames já realizados.

Estabelecer uma ligação entre diferentes locais poderá permitir a identificação de mais vítimas
ou suspeitos, gerar informações e apresentar um caso mais consistente e abrangente em
tribunal.

Os profissionais deverão evitar contactar com mais do que uma cena do crime, suspeito, ou
vítima, de modo a acautelar a contaminação cruzada.

Pessoas presentes nos locais


Por definição, é provável que existam pessoas em locais relacionados com o tráfico de pessoas,
o que apresenta uma série de dificuldades. As próprias pessoas poderão ser consideradas
«cenas» (como vítimas ou suspeitos), tal como o local. Identificar quem é suspeito ou potencial
vítima será difícil e poderão existir muitas possibilidades de contaminação cruzada.

Nos locais onde as pessoas vivem ou trabalham, os vestígios transferidos podem ou não
resultar do contacto fortuito ou constituir prova de exploração.

Gestão de provas: garantir a cadeia de custódia


A principal diferença entre os casos de tráfico de pessoas e os restantes casos criminais reside
no facto de existir um elevado número de itens que precisam de ser recolhidos como provas.

Tudo isto torna a abordagem estruturada particularmente importante.

A «cadeia de custódia» num caso de tráfico de pessoas poderá ser longa e complexa, dado que
poderá existir uma necessidade de transferir provas entre jurisdições. Qualquer transferência
desse tipo deverá ser sempre feita de forma a respeitar a legislação dos Estados envolvidos na
mesma, uma vez que o sistema de uma jurisdição pode não se aplicar a outras jurisdições.

Duração do período de exploração


Um grande número de casos criminais é constituído por um evento isolado que foi vivido
durante um curto período de tempo. Nos casos de tráfico de pessoas, é provável que o crime
consista numa série de eventos que envolvem exploração durante um longo período de tempo
ou de forma continuada no tempo, tornando difícil isolar eventos individuais. É ainda provável
que os casos de tráfico de pessoas envolvam um grande número de suspeitos.

Tal significa que estes casos incluem cenários (pessoas, locais, etc.) suscetíveis de
apresentarem muitos vestígios forenses. Alguns desses vestígios podem ser relevantes, muitos
poderão não o ser e algumas provas poderão ter-se deteriorado a ponto de não poder ser
valoradas.

«Processo comercial»
O tráfico de pessoas é um processo comercial. O objetivo de qualquer investigação criminal
não deverá ser apenas condenar os autores do crime, mas também desmantelar redes. Uma

23
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

estratégia forense num caso de tráfico de pessoas deverá considerar a forma como os exames
forenses podem ser ligadas aos cinco processos [modos] do tráfico de pessoas — publicidade,
instalações, transporte, comunicações e registos financeiros. 18

Como se sintetiza no Acórdão do Supremo de 28-06-2007, Proc. n.º 1409/07 - 5.ª Secção: «Na
aplicação da regra processual da “livre apreciação da prova” (art.º 127.º do CPP), não haverá
que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional
presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indireta»] não conduzir,
depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, “à
subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou
inexistência do facto” (cf. Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997).

O princípio da legalidade da prova perfilhado pelo art.º 125.º do CPP considera “admissíveis as
provas que não forem proibidas por lei”. Incluindo-se nelas as presunções judiciais (ou seja,
«as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»:
art.º 349.º do CC).

“A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade”: «no


trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de
algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente
situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é
reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais
uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which
reasons can be given). Pois que «nos atos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não
militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a atuação seria,
por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões
morais». Enfim, «a dúvida que há de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida
positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma
dúvida que impeça a convicção do tribunal». 19

Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova direta» não contraria o
princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer
que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a livre
convicção do tribunal (art.º 127.º do CPP). Não está, por isso, vedado, ante factos conhecidos,
a extração – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».

Em processo penal não existe um verdadeiro ónus da prova em sentido formal; nele vigora o
princípio da aquisição da prova ligado ao princípio da investigação, donde resulta que são boas

18
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - Manual contra o tráfico de pessoas para profissionais do sistema de
justiça penal.
Módulo 7:Análise de provas materiais e da cena do crime nas investigações de tráfico de pessoas
Nova Iorque, 2009.
19
Acórdão do Supremo de 10-01-2008, proc. n.º 07P4198, www.dgsi.pt
CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997.

24
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

as provas validamente trazidas ao processo, sem importar a sua origem, devendo o tribunal,
em último caso, investigar e esclarecer os factos na procura da verdade material. 20

Perante as provas legalmente admissíveis, é dos princípios gerais da produção da prova que o
tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova
cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa
– v. art.º 340.º, n.º 1, do CPP – sem prejuízo do contraditório (v. n.º 2 do preceito). 21

“Os meios de prova admissíveis são aqueles cujo conhecimento se afigure necessário para a
descoberta da verdade e boa decisão da causa (n.º 1). É afloramento do princípio da
necessidade.” 22

Necessidade essa subordinada ao princípio da legalidade.

O Processo Penal fundamenta-se e é conduzido de harmonia com as exigências legais da


produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de
infração, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.

Assim também quanto ao tráfico de pessoas:

Engloba “revistas e buscas; declarações para memória futura; interceção de comunicações;


gravação de imagem e de som; interceção e apreensão de ativos bancários; de móveis e
imóveis; operacionalização de ações encobertas para fins de prevenção e investigação
criminal; aplicação dos mecanismos de proteção de testemunhas e das vítimas de crime de
tráfico de pessoas; aplicação do regime especial de concessão de autorização de residência
com dispensa da verificação, no caso concreto, da necessidade da sua permanência em
território nacional no interesse das investigações e dos procedimentos judiciais. Imprescindível
é também a articulação e o trabalho multidisciplinar com todas as demais entidades e
instituições que estão no terreno. 23

A atividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente


possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de
concreta e determinada situação de facto.

20
Acórdão do STJ, de 23 de julho de 1999, proc. n.º 650/98, 3ª Secção, in SASTJ, n.º 32, p. 87.
21
Conforme art.º 340.º do CPP, que versa sobre o princípio da investigação, ou da verdade material:
1. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento
se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2. Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou
da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da
ata.”
22
MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição – 2009, p. 781:
23
MARIA HELENA FAZENDA, Da fiscalização, do controlo, da proteção à vítima. A Coordenação da investigação do
crime de Tráfico de Pessoas.

25
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Há três patamares de recolha de prova:

A voluntariamente cedida à entidade investigatória, que respeitando à mera investigação


policial cautelar e urgente, nos termos do art.º 249.º do CPP, não é proibida;

A resultante de conversas informais, havendo já inquérito instaurado, que é proibida, por


constituir uma maneira indireta ou capciosa de obtenção de prova através de confissão,
prejudicando o eventual direito ao silêncio do arguido que nunca o pode desfavorecer;

A validamente obtida de harmonia e nos termos do Código de Processo Penal, havendo


inquérito instaurado, que é sempre permitida.

Como se disse, no sistema processual penal português, vigora a regra da livre apreciação da
prova, em que conforme art.º 127.º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a
prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade
competente.

O artigo 127.º do CPP estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com
caraterísticas e natureza completamente diferente: uma avaliação da prova inteiramente
objetiva quando a lei assim o determinar (o caso dos documentos autênticos), outra, também
objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência, finalmente uma outra,
eminentemente subjetiva, que resulta da livre convicção do julgador.

Porém não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo e


valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser
nunca puramente subjetiva ou emotiva, e, por isso, há de ser fundamentada, racionalmente
objetivada e logicamente motivada, de forma a suscetibilizar controlo.

A livre apreciação da prova liberta do rígido sistema da prova tarifada, ou prova legal, realiza-
se obedecendo a critérios lógicos e objetivos, determinando uma convicção racional e, por isso
objetivável e explicável. 24

As regras da experiência não exigem certezas científicas, não são perícias, nem exames donde
resultem aquelas certezas, mas informações reais que a vida ensina na verificação empírica de
resultados produzidos, valendo a máxima de Cícero de que a experiência é a mestra da vida.

“Ao analisar as declarações incriminadoras do coarguido, deve-se observar que o acusado não
presta o compromisso de falar a verdade em seu interrogatório e está em situação de
beneficiário processual, podendo figurar como beneficiário penal. Em consonância com o
acatado, o magistrado deverá considerar os seguintes elementos para a valoração desse meio
de prova: a verdade da confissão, a inexistência de ódio em qualquer das manifestações, a
homogeneidade e coerência de suas declarações, a inexistência da finalidade de atenuar ou

24
V., v.g., Acórdãos do STJ, de 4 de novembro de 1998, 21 de janeiro de 1999 e 18 de janeiro de 2001,
respetivamente na “CJ, Acórdãos do STJ VI”, Tomo 3, p. 201; “SAASTJ”, n.º 27, p. 38; e n.º 47, p. 88.

26
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

mesmo eliminar a própria responsabilidade penal e a confirmação da delação por outras


provas.

Deve, ainda, o juiz considerar, na valoração do depoimento prestado por pessoa protegida, as
seguintes presunções:

a) Se os sentidos não enganaram a testemunha;


b) Se a testemunha não quer enganar o juízo.

Em relação à perceção e à transmissão do percebido, devem ser analisados o desenvolvimento


e a qualidade das faculdades mentais da testemunha, o funcionamento dos sentidos das
testemunhas, as condições em que se produziu a perceção, sob o plano físico e psíquico, as
caraterísticas do objeto percebido, as perceções do tempo, da distância e do volume, além das
condições de transmissão do percebido. No tocante à sinceridade do depoimento, é preciso
observar a presença ou não de algum interesse que possa exercer influência consciente ou
inconsciente sobre a vontade do depoente, a existência de relatos dúbios e a consideração
individual de cada testemunho. A valoração de depoimento policial, por sua vez, deve atender
a dois elementos: a inexistência de interesse em afastar eventual ilicitude em suas diligências e
a comprovação de seu depoimento por outros meios de prova, salvo impossibilidade de fazê-
lo. Tais requisitos devem ser observados devido à possibilidade do temor presente nas
investigações influenciar a imparcialidade das palavras dos policiais envolvidos. Ressalve-se
que, nos últimos anos, nos processos instaurados para apuração dos crimes organizados, nota-
se uma acentuada tendência quanto à valoração da prova indiciária. O primeiro dos requisitos
a ser considerado pelo juiz é a certeza de existência do facto indiciante. Já o segundo, trata da
exclusão de hipótese de azar, pois existindo a possibilidade de falsa conexão entre o indício e o
facto apurado, o juiz não deverá fundamentar seu convencimento. Ainda, tem-se a hipótese
de falsificação do facto indicador. Também é preciso atentar-se à análise da inexistência de
contraindícios. Por fim, o juiz deverá considerar a existência de relação de causalidade entre o
facto indicador e o indicado, a pluralidade de indícios e a convergência ou concordância
destes”. 25

O Código de Processo Penal não enumera taxativamente as provas proibidas, mas aponta
limites à produção de provas e à sua valoração.

Assim, considera métodos proibidos de prova os indicados no art.º 126.º considerando “nulas,
não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa
da integridade física ou moral das pessoas.” (n.º 1), descrevendo as que “são ofensivas da
integridade física ou moral das pessoas, mesmo que com consentimento delas” (n.º2) e,
ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas as
provas obtidas nos termos do n.º 3 do mesmo preceito.

25
ALLINE GONÇALVES GONÇALEZ, ANNA PAOLA BONAGURA, BEATRIZ ANTONIETTI GARCIA, LEANDRO LOPES DE
ALMEIDA, LUCIANA LIE KUGUIMIYA e PAULO M. de AQUINO LOPES, “O crime organizado”.
A delação, própria do regime jurídico-penal brasileiro, corresponde grosso modo à figura do arrependido.

27
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1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

As provas não proibidas serão todas as que não vão contra a dignidade da pessoa humana e
seus direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, sendo porém certo que se
houver colisão de direitos fundamentais no binómio liberdade/segurança, gerando por isso
uma situação de conflito, há que ponderar a definição e imposição de limites
constitucionalmente consagrados ou imanentes para que seja possível a coexistência.

Sirva de exemplo o Artigo 34.º da Constituição da República sobre a Inviolabilidade do


domicílio e da correspondência:

1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação


privada são invioláveis.
2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada
pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei.
3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu
consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial
em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo
o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos
previstos na lei.
4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas
telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei
em matéria de processo criminal.

Quanto á proibição de valoração de provas, como resulta do art.º 355.º do CPP, não valem em
julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer
provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvando-se apenas
as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência
sejam permitidas,

A propósito de documentos, não são inconstitucionais os normativos do art.º 355.º do CPP,


interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura
obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados,
desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida. 26

Basta a existência dos mesmos e a possibilidade de relativamente a eles poder exercer-se o


contraditório. 27

Quanto à prova por reconhecimento, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de


“Julgar inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no n.º 1
do artigo 32.º da Constituição, a norma constante do artigo 127.º do Código de Processo
Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova
permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a

26
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 87/99, de 10 de fevereiro, proc. n.º 444/98, in DR II Série, de 1 de julho de
1999.
27
Acórdão do STJ, de 27 de janeiro de 1999, proc. n.º 350/98, 3ª Secção, SASTJ, n.º 27, p. 83.

28
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147.º do Código de Processo
Penal.” 28

As regras de reconhecimento pessoal prescritas pelo art.º 147.º do CPP não se aplicam em
julgamento, mas antes à fase de inquérito e de instrução. O reconhecimento feito em
audiência integra-se num conjunto probatório que lhe retira não só autonomia como meio de
prova especificamente previsto no art.º 147.º, como lhe dá sobretudo um cariz de
instrumento, entre outros, para avaliar a credibilidade de determinado depoimento, inserindo-
se assim numa estrutura de verificação do discurso produzido pela testemunha. Nesta
perspetiva, tal reconhecimento feito em audiência, a avaliar segundo as regras próprias do
art.º 127.º do CPP, não carece, para ser válido, de ser precedido do reconhecimento
propriamente dito – realizado na fase de investigação – o inquérito e a instrução. 29

Quanto a depoimentos indiretos:

Como se sabe, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento direto e
que constituam objeto da prova. – artº 128.º do CPP.

Porém, conforme artigo 129.º do CPP:

1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode


chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela
parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for
possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem
encontradas.
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da
leitura de documento da autoria de pessoa diversa da testemunha
3. Não pode em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem
recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através dos quais
tomou conhecimento dos factos.

Por sua vez, do artigo 343.º, n.º 1, do CPP, resulta que o arguido “tem direito a prestar
declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objeto do
processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-
lo.”

O Tribunal Constitucional já decidiu que o artigo 129.º, n.º 1, (conjugado com o art.º 128.º, n.º
1, do CPP), interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos
indiretos de testemunhas que relatem conversas tidas com um coarguido que, chamado a
depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma
intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido.

28
Acórdão n.º 137/2001, de 28 de março.
29
Acórdão do STJ, de 16 de junho de 2005, proc. n.º 553/05- 5ª Secção, “SASTJ”, n.º 92, p- 114.

29
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal
forma não é inconstitucional. 30

A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente


pelo arguido é passível de livre apreciação pelo tribunal quando o arguido se encontre
presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar, ou seja, de se
defender.

Como referiu o Supremo Tribunal, de acordo com o disposto no art.º 129.°, n.º 1, do CPP,
quando o depoimento indireto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-
se-á considerar válido e, portanto, valorável, quando depõe perante o tribunal aquele a quem
a testemunha ouviu dizer. 31

Não há prejuízo para o direito de defesa do arguido que, presente, poderá contraditar a
informação, ou remeter-se ao silêncio, sem que este o possa desfavorecer.

O facto de o arguido nada dizer, significa que não podem extrair-se ilações sobre o seu
silêncio.

Mas, não significa, que não possam valorar-se depoimentos, nas respetivas condições legais,
por não constituírem provas proibidas por lei, ficando sujeitas à valoração constante do artigo
355.º do CPP, e à livre apreciação nos termos do artigo 127.º do CPP, sendo que por outro
lado, inclui-se nos poderes de cognição do tribunal, balizado pelos princípios da necessidade,
legalidade, adequação e obtenibilidade das provas, pois que como supra se referiu, deve haver
lugar à produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à
descoberta da verdade e à boa decisão da causa. – art.º 340.º do CPP.

Como resulta do Acórdão do STJ, de 19-02-2015 32, “[…] do elenco constante do artigo 126.º
(métodos proibidos de prova), não fazem parte as declarações dos coarguidos.

Não há qualquer impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos coarguidos
sejam valoradas como meio de prova. Os arguidos podem prestar declarações no exercício do
direito que lhes assiste de o fazerem em qualquer altura do processo, podendo as declarações
ser prestadas sobre factos de que possuam conhecimento direto e que constituam objeto de
prova, sejam eles factos que só digam diretamente respeito ao declarante sejam eles factos
que respeitem a outros coarguidos.

Não há, pois, qualquer impedimento do coarguido a, nessa qualidade, prestar declarações
contra os coarguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita
por um coarguido contra os seus coarguidos.

Com uma limitação, porém.

30
Ac. do Tribunal Constitucional n.º 440/99, de 8 de julho, proc. n.º 268/99, DR, II Série, de 9 de novembro de 1999.
31
Ac. do STJ, de 25-01-2006, Proc. n.º 184/06, 3ª Secção.
32
Proc., 617/11.8JABRG.G2.S1.

30
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Nos termos do n.º 4 do artigo 345.º do CPP, não podem valer como meio de prova as
declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando, a instâncias deste outro
coarguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio. Do que se
trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório.

Como refere o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, de 14 de abril,


[…]“seguramente que, submetidas a estas exigências de exame crítico e fundamentação
acrescidas, as declarações de coarguido são meio de prova idóneo de um processo penal de
uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria
comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem
com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um
dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio
particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à
realidade.

Não deixando de acentuar que é decisivo que o arguido contra quem tais declarações sejam
feitas não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório.

A proibição que decorre alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º do CPP nada tem a ver com a
validade das declarações do arguido como meio de prova.

Na verdade, o âmbito daquele n.º 1 restringe-se à proibição de audição de arguidos como


testemunhas.

Estatui o artigo 133.º do CPP, na matéria de impedimentos de depor como testemunhas, que:

«1. Estão impedidos de depor como testemunhas:

«a) O arguido e os coarguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto


mantiverem aquela qualidade;
«(…)».

O impedimento de o arguido depor como testemunha radica na ideia de proteção do próprio


arguido constituindo expressão do privilégio contra a autoincriminação.

Tal como decorre da norma transcrita, o impedimento não se traduz apenas na limitação ao
testemunho contra si próprio por parte do arguido [princípio nemo tenetur] na medida em que
o seu direito a não responder abrange todas as perguntas que lhe sejam feitas,
independentemente do conteúdo intrínseco da resposta. O alargamento do direito do arguido
ao silêncio ao próprio coarguido, isto é, a não ser obrigado a prestar depoimento, precedido
de juramento, e a não ser punido por falsas declarações, emerge desta matriz da garantia
contra a autoincriminação, enquanto expressão privilegiada do direito de defesa, entendida
neste contexto como a exigência de assegurar ao coarguido o direito a defender-se […].

31
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Contudo, nos termos do n.º 2 do artigo 133.º, em caso de conexão (artigo 24.º CPP), mas
tendo havido separação de processos (artigo 30.º do CPP), o arguido, já julgado no processo
inicial, tem capacidade para ser testemunha no julgamento do arguido, no processo separado,
podendo o seu depoimento ser usado como meio de prova na formação da convicção do
tribunal.”

Relativamente a depoimentos de agentes policiais, o n.º 7 do art.º 356.º do CPP, apenas


proíbe que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for
permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua
recolha possam ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.

Concorda-se pois com Maia Gonçalves, quando refere: “o n.º 7 proíbe apenas a reprodução
daquelas declarações cuja leitura não é permitida, como aí claramente se expressa e resulta do
pensamento legislativo. Consideramos assim, manifestamente errada a interpretação que por
vezes se tem dado a esse dispositivo de que os órgãos de polícia criminal não podem ser
testemunhas no processo.” 33

Como se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal Justiça, de 04-01-2007, proc. n.º


3111/06 ‒ 3ª Secção.

Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio nemo


tenetur, a lei portuguesa impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal,
perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou
advertência sobre os direitos decorrentes daquele princípio (cf., v.g., arts.º 58.º, n.º 2, 61.º, n.º
1, al. g), 141.º, n.º 4, e 343.º, n.º 1, todos do CPP, normas cuja eficácia é, por seu turno,
contrafacticamente assegurada através da drástica sanção da proibição da valoração – art.º
58.º, n.º 3, do mesmo diploma).

«Não há conversas informais, com validade probatória à margem do processo, sejam quais
forem as formas que assumam, desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha
admitidos por lei e por ela sancionados... (as diligências são reduzidas a auto – art.º 275.º, n.º
1, do CPP. Haveria fraude à lei se se permitisse o uso de conversas informais não
documentadas e fora de qualquer controlo» (cf. Ac. do STJ de 11-07-2001).

Qualquer arguido goza do direito ao silêncio e à assistência de defensor no ato do seu


interrogatório, e sem que o silêncio o possa desfavorecer.

Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se


adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos
por eles detetados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são
irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos
agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias
que a lei processual impõe.

33
Código de Processo Penal, anotado, 16ª edição, 2007, p. 741, nota 7.

32
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito
do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da
“confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.

Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição


de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos
estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras
provas recolhidas informalmente.

De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma
infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os atos
necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações
das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art.º 249.º do CPP).

Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em
concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são
necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de
eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual,
precisamente porque não há ainda processo.

Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já


durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio,
mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a
“confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem
dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.

O que o art.º 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do
arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências
de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art.º
249.º do CPP. (v. Ac. do STJ de 15-02-2007, Proc. n.º 4593/06 - 5.ª Secção)

Na verdade, se qualquer suspeito, de sua livre vontade e iniciativa fornece dicas ou


informações relevantes para a investigação policial, à autoridade que investiga e que utiliza
tais informações na investigação, não se pode dizer que a prova da investigação assenta em
conversas informais, mas sim nas diligências e atuações da entidade policial que devem
decorrer de harmonia com o princípio da legalidade das provas quer no conteúdo quer na
forma, não ficando por isso, inibida a autoridade investigatória de explicar os termos da sua
investigação e das bases em que assentou.

Os depoimentos dos agentes policiais constituiriam meio de prova proibido se na sua


investigação policial se fundassem em declarações dos arguidos, obtidas, de forma
fraudulenta, sob coação, ou com meios enganosos, violando o direito deles, á sua livre
autodeterminação no exercício do direito de expressão e colaboração, ou, se se substituíssem
às exigências legais ou proibições processuais de produção de prova, desprezando-as ou
aniquilando-as.

33
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

O art.º 356.º, n.º 7 do CPP, pretende abarcar a credibilidade e validade da prova, delimitada
em atos processuais mas já não exclui a colaboração voluntária e livre de motu proprio, de
quem quer que seja, no apuramento dos factos em sede de investigação meramente policial.

Se um dos fins do processo penal é a busca da verdade material obtida, não a tudo o custo,
mas de forma legalmente válida através de prova não proibida e de meios de prova válidos na
sua obtenção, não há contudo, nem podia haver, uma proibição de colaboração ou de ajuda
(mesmo que provenha dos arguidos, voluntariamente, a quem incumbe o dever de investigar
matéria criminal; a busca da justiça interessa a todos ‒ a justiça é para toda a gente; a vontade
de ajudar de forma livre e espontânea, na procura da verdade com vista à justiça, ainda que
não integre um dever de colaboração é uma manifestação sã de cidadania.

O depoimento dos agentes policiais apenas tem por objeto a investigação desenvolvida mas já
não as declarações dos arguidos, só naquela medida é prova válida.

Sobre a prova indiciária

A prova nem sempre é direta, de perceção imediata, muitas vezes é baseada em indícios.

Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio
lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a
indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indireta, tem a mesma força
que a testemunhal, a documental ou outra.

A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença


constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem
completamente demonstrados por prova direta (requisito de ordem material), os quais devem
ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e,
sendo vários, estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência

O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a
lógica da experiência e da vida; dos factos-base há de derivar o elemento que se pretende
provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência. 34

A avaliação dos indícios pelo juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos
que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes, pois que a sua comparação
é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas.

Tal como perante os indícios, também para o funcionamento dos contraindícios é imperioso o
recurso às regras da experiência e a afirmação de um processo lógico e linear que, sem
qualquer dúvida, permita estabelecer uma relação de causa e efeito perante o facto contra
indiciante infirmando a conclusão que se tinha extraído do facto indício. Dito por outras
palavras, o funcionamento do contraindício, ou do indício de teor negativo, tem como

34
Acórdão do STJ, de 11 de julho de 2007.

34
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um


determinado facto, a afirmação de que está debilitada a conclusão que se extraiu dos indícios
de teor positivo.

Os factos indiciadores devem ser objeto de análise crítica dirigida à sua verificação, precisão e
avaliação:

Facto indiciário – convergência ou concordância indiciária – presunção entre o facto indiciante


e o facto probando. Salvo se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário
ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.

O processo de inferência supõe factos concludentes de indícios comprovados e não


descredibilizados por outros indícios e não excludentes de conclusão razoável de harmonia
com a lógica da experiência comum no discernimento humano. 35

Esclarece Santos Cabral: “a prova indiciária é uma prova de probabilidades e é a soma das
probabilidades que se verifica em relação a cada facto indiciado que determinará a certeza.
Todavia, a transposição da soma de probabilidades que dá a convergência dos factos
indiciados para a certeza sobre o facto, ou factos probandos, que consubstanciam a
responsabilidade criminal do agente é uma operação em que a lógica se interliga com o
domínio da livre convicção do juiz. Convicção sustentada, e motivada

[…] Na verdade, a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior
parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência
permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a
afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma
outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um
idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico
não com plena certeza mas, como afirma Tonini, como uma possibilidade mais ou menos
ampla.

A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos,
consequentemente origina um juízo de probabilidade e não de certeza.

[…]
É grave o indício que resiste às objeções e que tem uma elevada carga de persuasividade como
ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um
amplo grau de probabilidade. Por seu turno é preciso o indício quando não é suscetível de
outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado ou,
como refere Tonini, corre-se o risco de construir um castelo de argumentação lógica que não
está sustentado em bases sólidas.

35
Acórdão do STJ, de 2 de abril de 2011.

35
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Por fim, os indícios devem ser concordantes, convergindo na direção da mesma conclusão
facto indiciante. Porém, uma perplexidade assalta o analista destas áridas matérias na
enumeração dos requisitos deste tipo de prova, pelo menos em face da lógica. É que
ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indício, o
certo é que, quando existe aquela pluralidade, coloca-se a questão do objeto em função dos
quais se deve avaliar os requisitos enunciados.” 36

Como refere Euclides Dâmaso Simões: 37

“1. A prova indiciária, circunstancial ou indireta é suficiente para determinar a participação no


facto punível sempre que se reúnam os requisitos seguintes:

1.1. De carácter formal:


a) Que na sentença se expressem os factos — base ou indícios que se considerem
plenamente comprovados, os quais vão servir de fundamento à dedução ou inferência;
b) Que na sentença se explicite o raciocínio através do qual, partindo dos indícios, se
chegou à convicção da verificação do facto punível e da participação do acusado no
mesmo. Essa explicitação, que pode ser sucinta ou enxuta, é imprescindível no caso de
prova indiciária, precisamente para possibilitar o controlo, em sede de recurso, da
racionalidade da inferência.

1.2. De carácter material:


a) Os indícios devem estar plenamente comprovados, através de prova direta;
b) Devem ser de natureza inequivocamente acusatória;
c) Devem ser plurais ou, sendo único, deve possuir especial força probatória;
d) Devem ser contemporâneos do facto que se pretenda provar;
e) Sendo vários devem estar interrelacionados, de modo a que se reforcem
mutuamente.

2. Requisitos do juízo de inferência:


a) Que seja razoável, isto é, que não seja arbitrário, absurdo ou infundado e que
responda às regras da lógica e da experiência;
b) Que dos factos–base comprovados flua, como conclusão natural, o elemento que se
pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso e direto, segundo as regras
do critério humano.”

De outra banda, as escutas telefónicas, agentes infiltrados, quebra do sigilo fiscal, bancário e
financeiro, intercetação ambiental, com registo de imagem e som, colaboração das vítimas,
são importantes meios de obtenção de prova com credibilidade para sua valoração.

Segundo informa Resende Salgado: ”As intercetações telefónicas foram um importante


método de investigação. Antes, os casos de tráfico de seres humanos eram investigados a

36
JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade.
37
EUCLIDES DÂMASO SIMÕES, Prova Indiciária (Contributos Para o Seu Estudo e Desenvolvimento em dez sumários
e Um Apelo Premente), JULGAR - N.º 2 – 2007.

36
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

partir da prisão em flagrante de supostos traficantes e declarações das indigitadas vítimas, só


se alcançando, nestes casos, uma pequena ponta dos grupos criminosos. Com as intercetações
telefónicas, somadas ao acompanhamento policial no embarque das vítimas (com gravação
audiovisual e fotografias – cotejando-as com os audios gravados), apreensão de passagens ou
comprovantes de embarques e pedidos de emissão de passagens aéreas, além de
comprovantes de pagamentos e quebras bancárias, conseguimos intensificar o ajuizamento de
ações penais e melhor alicerçar as condenações.” 38

Valorar a prova, entre nós, maxime em audiência de discussão e julgamento, é, afinal de


contas, ponderar de forma fundamentada e objetiva – o exame crítico referido no n.º 2 do artº
374.º do CPP -, as realidades circunstanciais validamente obtidas relativas ao objeto do
processo.

A Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional


estabelece:

Artigo 24.º
Proteção das testemunhas
1. Cada Estado Parte, dentro das suas possibilidades, adotará medidas apropriadas para
assegurar uma proteção eficaz contra eventuais atos de represália ou de intimidação das
testemunhas que, no âmbito de processos penais, deponham sobre infrações previstas na
presente Convenção e, quando necessário, aos seus familiares ou outras pessoas que lhes
sejam próximas.
2. Sem prejuízo dos direitos do arguido, incluindo o direito a um julgamento regular, as
medidas referidas no n.º 1 do presente artigo poderão incluir, entre outras:
a) Desenvolver, para a proteção física destas pessoas, procedimentos destinados a,
consoante as necessidades e na medida do possível fornecer-lhes um novo domicílio e,
se necessário, impedir ou restringir a divulgação de informações relativas à sua
identidade e paradeiro;
b) Estabelecer normas em matéria de prova que permitam às testemunhas depor em
segurança, nomeadamente autorizando-as a depor com recurso a meios técnicos de
comunicação, como ligações de vídeo ou outros meios adequados.
3. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos com outros Estados para
facultar um novo domicílio às pessoas referidas no n.º 1 do presente artigo.
4. As disposições do presente artigo aplicam-se igualmente às vítimas, quando forem
testemunhas.

Artigo 25.º
Assistência e proteção às vítimas
1. Cada Estado Parte adotará, segundo as suas possibilidades, medidas apropriadas para
prestar assistência e assegurar a proteção às vítimas de infrações previstas na presente
Convenção, especialmente em caso de ameaça de represálias ou de intimidação.

38
DANIEL DE RESENDE SALGADO, Enfrentamento ao tráfico internacional de seres humanos.

37
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

2. Cada Estado Parte estabelecerá procedimentos adequados para que as vítimas de infrações
previstas na presente Convenção possam obter reparação.
3. Cada Estado Parte, sem prejuízo do seu direito interno, assegurará que as opiniões e
preocupações das vítimas sejam apresentadas e tomadas em consideração nas fases
adequadas do processo penal instaurado contra os autores de infrações, por forma que não
prejudique os direitos da defesa.

O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada


Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em
especial de Mulheres e Crianças, consagra de forma mais pormenorizada:
II. Proteção das vítimas de tráfico de pessoas

Artigo 6.º
Assistência e proteção às vítimas de tráfico de pessoas
1. Nos casos em que se considere apropriado e na medida em que o permita o seu direito
interno, cada Estado Parte deverá proteger a privacidade e a identidade das vítimas de tráfico
de pessoas, nomeadamente estabelecendo a confidencialidade dos processos judiciais
relativos a esse tráfico.
2. Cada Estado Parte deverá assegurar que o seu sistema jurídico ou administrativo contenha
medidas que forneçam às vítimas de tráfico de pessoas, quando necessário:
a) Informação sobre os processos judiciais e administrativos aplicáveis;
b) Assistência para permitir que as suas opiniões e preocupações sejam apresentadas e
tomadas em conta nas fases adequadas do processo penal instaurado contra os
autores das infrações, sem prejuízo dos direitos de defesa.
3. Cada Estado Parte deverá considerar a possibilidade de aplicar medidas que permitam a
recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas, nomeadamente, se
for caso disso, em cooperação com organizações não-governamentais, outras organizações
competentes e outros sectores da sociedade civil e, em especial, facultar:
a) Alojamento adequado;
b) Aconselhamento e informação, em particular, quanto aos direitos que a lei lhes
reconhece, numa língua que compreendam;
c) Assistência médica, psicológica e material; e
d) Oportunidades de emprego, de educação e de formação.
4. Cada Estado Parte deverá ter em conta, ao aplicar as disposições do presente artigo, a
idade, o sexo e as necessidades especiais das vítimas de tráfico de pessoas, em particular as
necessidades especiais das crianças, nomeadamente o alojamento, a educação e os cuidados
adequados.
5. Cada Estado Parte deverá esforçar-se por garantir a segurança física das vítimas de tráfico
de pessoas enquanto estas se encontrarem no seu território.
6. Cada Estado Parte deverá assegurar que o seu sistema jurídico preveja medidas que
ofereçam às vítimas de tráfico de pessoas a possibilidade de obterem indemnização pelos
danos sofridos.

38
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Artigo 7.º
Estatuto das vítimas de tráfico de pessoas nos Estados de acolhimento
1. Além de adotar as medidas previstas no artigo 6.º do presente Protocolo, cada Estado Parte
deverá considerar a possibilidade de adotar medidas legislativas ou outras medidas adequadas
que permitam às vítimas de tráfico de pessoas permanecerem no seu território, se for caso
disso, temporária ou permanentemente.
2. Ao aplicar o disposto no n.º 1 do presente artigo, cada Estado Parte deverá ter devidamente
em conta fatores humanitários e compassivos.

Artigo 8.º
Repatriamento das vítimas de tráfico de pessoas
1. O Estado Parte do qual a vítima de tráfico de pessoas é nacional ou no qual esta tinha direito
de residência permanente no momento da sua entrada no território do Estado Parte de
acolhimento, deverá facilitar e aceitar, tendo devidamente em conta a segurança dessa
pessoa, o seu regresso sem demora indevida ou injustificada.
2. Quando um Estado Parte repatria uma vítima de tráfico de pessoas para um Estado Parte do
qual essa pessoa é nacional ou no qual esta tinha direito de residência permanente, no
momento da sua entrada no território do Estado Parte de acolhimento, deverá assegurar que
esse repatriamento tenha devidamente em conta a segurança da pessoa, bem como o estado
de qualquer processo judicial relacionado com o facto de ela ser uma vítima de tráfico, e que
seja, de preferência, voluntário.
3. A pedido do Estado Parte de acolhimento, qualquer Estado Parte requerido deverá verificar,
sem demora indevida ou injustificada, se uma vítima de tráfico de pessoas é sua nacional ou
tinha direito de residência permanente no seu território no momento da sua entrada no
território do Estado Parte de acolhimento.
4. De forma a facilitar o repatriamento de uma vítima de tráfico de pessoas que não possua os
documentos devidos, o Estado Parte do qual essa pessoa é nacional ou no qual esta tinha
direito de residência permanente no momento da sua entrada no território do Estado Parte de
acolhimento, deverá aceitar emitir, a pedido do Estado Parte de acolhimento, os documentos
de viagem ou qualquer outro tipo de autorização necessária que permitam à pessoa viajar e
voltar a entrar no seu território.
5. O presente artigo não prejudica os direitos reconhecidos às vítimas de tráfico de pessoas
por força de qualquer disposição do direito interno do Estado Parte de acolhimento.
6. O presente artigo não prejudica qualquer acordo bilateral ou multilateral aplicável que
regule, no todo ou em parte, o repatriamento das vítimas de tráfico de pessoas.

A Convenção do Conselho da Europa Relativa à Luta contra o Tráfico de Seres Humanos


estabelece:

Artigo 28.º
Proteção das vítimas, testemunhas e pessoas que colaborem com as autoridades judiciárias
1. Cada uma das Partes adotará as medidas legislativas ou outras necessárias para garantir
uma proteção efetiva e adequada face às possíveis represálias ou ações de intimidação, em
particular durante ou após a conclusão de investigações e procedimentos criminais contra os
autores de infrações, a favor:

39
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

a) Das vítimas;
b) Se apropriado, das pessoas que prestem informação acerca da prática de infrações
penais previstas no artigo 18.º da presente Convenção ou que colaborem, por
qualquer outra forma, com as autoridades encarregadas de proceder às investigações
e de instaurar procedimentos criminais;
c) Das testemunhas cujos depoimentos digam respeito a infrações criminais previstas
no artigo 18.º da presente Convenção;
d) Se necessário, dos familiares das pessoas referidas nas alíneas a) e c).
2. Cada uma das Partes adotará as medidas legislativas ou outras necessárias para garantir e
oferecer diversas formas de proteção. Tais medidas poderão incluir a proteção física, a
atribuição de um novo local de residência, a alteração de identidade e a ajuda na obtenção de
emprego.
3. As crianças beneficiarão de medidas de proteção especiais tendo em consideração o seu
superior interesse.
4. Cada uma das Partes adotará as medidas legislativas ou outras necessárias para garantir, se
necessário, uma proteção apropriada aos membros dos grupos, das fundações, das
associações ou das organizações não governamentais que exerçam uma ou várias das
atividades referidas no n.º 3 do artigo 27.º, face às possíveis represálias ou ações de
intimidação, em particular durante ou após a conclusão de investigações e procedimentos
criminais contra os autores de infrações.
5. Cada uma das Parte procurará concluir acordos ou convénios com outros Estados com o
objetivo de implementar o disposto no presente artigo.

Por sua vez, as Diretrizes e Princípios Recomendados sobre Direitos Humanos e Tráfico de
Pessoas, apresentados ao Conselho Económico e Social das Nações Unidas em anexo a
relatório da Alta Comissária para os Direitos Humanos (documento E/2002/68/Add.1).
Sobre Proteção e assistência:

7. As pessoas vítimas de tráfico não deverão ser detidas, acusadas ou perseguidas


judicialmente em virtude da sua entrada ou residência ilegal nos países de trânsito e de
destino, ou do seu envolvimento em atividades ilegais, na medida em que tal envolvimento
seja consequência direta da sua situação de vítimas de tráfico.
8. Os Estados deverão garantir a proteção das vítimas de tráfico contra novas explorações e
malefícios e o seu acesso a cuidados físicos e psicológicos adequados. Essa proteção e esses
cuidados não deverão ser condicionados pela capacidade ou disponibilidade da vítima para
cooperar nos processos judiciais.
9. As vítimas de tráfico deverão beneficiar de assistência jurídica ou outra ao longo de todos os
processos penais, civis ou de outra natureza instaurados contra os presumíveis traficantes. Os
Estados deverão conceder proteção e autorizações de residência temporárias às vítimas e
testemunhas no decorrer dos processos judiciais.
10. As crianças vítimas de tráfico serão identificadas como tal. O seu interesse superior terá a
consideração primacial em todos os momentos. As crianças vítimas de tráfico beneficiarão de
uma assistência e proteção adequadas. Serão plenamente tidas em conta as suas
vulnerabilidades, direitos e necessidades especiais.

40
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

11. Tanto o Estado de acolhimento como o Estado de origem deverão garantir o regresso
seguro (e, na medida do possível, voluntário) das pessoas vítimas de tráfico. Às vítimas de
tráfico deverão ser oferecidas alternativas legais ao repatriamento caso seja razoável supor
que este coloca graves riscos à sua segurança e/ou à segurança das suas famílias.

Entre nós consta:

Proteção às vítimas de crimes

Lei n.º 61/91, de 13 de agosto – garante proteção adequada às mulheres vítimas de violência.

Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro – aprova o regime de concessão de indemnização às


vítimas de crimes violentos e de violência doméstica.

Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro – estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da


violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas.

Alterado por:

Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro (altera os artigos 35.º e 36.º).

Regulado por:

Portaria n.º 220-A/2010, de 16 de abril ‒ estabelece as condições de utilização inicial dos


meios técnicos de teleassistência, previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 20.º, e dos meios técnicos
de controlo à distância previstos no artigo 35.º, ambos da Lei n.º 112/2009, de 16 de
setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à
proteção e à assistência das suas vítimas.

Portaria n.º 229-A/2010, de 23 de abril ‒ aprova os modelos de documentos comprovativos da


atribuição do estatuto de vítima.

Decreto Regulamentar n.º 1/2006, de 25 de janeiro – regula as condições de organização,


funcionamento e fiscalização das casas de abrigo.

Decreto-Lei n.º 201/2007, de 24 de maio ‒ (…) isentando as vítimas de violência doméstica do


pagamento de taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde.

Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro – aprova o regime de concessão de indemnização às


vítimas de crimes violentos. 39

Lei n.º 93/99, de 14 de julho – LEI DE PROTEÇÃO DE TESTEMUNHAS em processo penal, (com
as alterações das Leis n.º- Lei n.º 42/2010, de 03/09, e Lei n.º 29/2008, de 04/07).

39
Referido no site da DGPJ – Direcção-Geral de Política de Justiça.

41
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro, aprova o ESTATUTO DA VÍTIMA, transpondo a Diretiva


2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece
normas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que
substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de março de 2001.

Bibliografia

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Além-Mar, julho de 2012 Tráfico de seres humanos: A escravatura do século XXI
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Módulo 7:
Análise de provas materiais e da cena do crime nas investigações de tráfico de pessoas
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respetivamente na “CJ, Acórdãos do STJ”, VI, Tomo 3, p. 201; “SAASTJ” n.º 27, p. 38; e n.º 47,
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Alline Gonçalves Gonçalez, Anna Paola Bonagura, Beatriz Antonietti Garcia, Leandro Lopes de
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Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 87/99, de 10 de fevereiro, proc. n.º 444/98, in DR II
Série, de 1 de julho de 1999

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
1. A valoração da prova no crime de tráfico de pessoas

Acórdão do STJ, de 27 de janeiro de 1999, proc. n.º 350/98, 3ª Secção, “SASTJ”, n.º 27, p. 83
Acórdão do STJ, de 16 de junho de 2005, proc. n.º 553/05-5ª Secção, “SASTJ”, n.º 92, p. 114
Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 440/99, de 8 de julho, proc. n.º 268/99, DR, II Série, de
9 de novembro de 1999
Acórdão do STJ de 25-01-2006, Proc. n.º 184/06, 3ª Secção
Acórdão do STJ, de 11 de julho de 2007
Acórdão do STJ, de 2 de abril de 2011
Código de Processo Penal, Anotado, 16ª edição, 2007, p. 741, nota 7
José António Henriques dos Santos Cabral, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade
Euclides Dâmaso Simões, PROVA INDICIÁRIA (CONTRIBUTOS PARA O SEU ESTUDO E
DESENVOLVIMENTO EM DEZ SUMÁRIOS E UM APELO PREMENTE), JULGAR - N.º 2 - 2007
Daniel de Resende Salgado, Enfrentamento ao tráfico internacional de seres humanos
Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada
Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em
especial de Mulheres e Crianças

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/1ib0v4kzbb/flash.html?locale=pt

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

2. PROCESSO PENAL PORTUGUÊS - QUESTÕES DE PROVA 1

António Pires Henriques da Graça ∗

Vídeo da apresentação

O processo penal fundamenta-se e é conduzido de harmonia com as exigências legais da


produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de
infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.

A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente


possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de
concreta e determinada situação de facto.

«No trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investiga pode, de algum
modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como outro, irremediavelmente situados num
qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível».
Donde que “não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução
favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can
be given). Pois que «nos actos humanos nunca se dá um a certeza contra a qual não militem
alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por
conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões
morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida
positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, um a
dúvida que impeça a convicção do tribunal» (Cristina Líban o Monteiro, «ln Dubio Pro Reo»,
Coimbra, 1997).

No sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, conforme art.º 127.º
do CPP, em que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as
regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

O art.º 127.º indica-nos, assim, um limite à discricionariedade do julgador: as regras da


experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

Por força do art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República: As decisões dos tribunais que não
sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores
democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em
matéria de direito, sejam fundamentadas.

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Produção, apreciação e valoração da prova em
julgamento no processo penal”, no Auditório do Edifício-Sede da Polícia Judiciária (Lisboa), a 13 de março de 2015.
* Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em
razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques
Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230)

Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do


duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença,
se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida
não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum
(Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos
princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em
condições melhores para fazer um adequado uso do princípio da livre apreciação da prova (Ac.
do STJ de 17-05-2007, Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).

Determina o art.º 347.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sobre os requisitos da sentença,
que: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e
não provado s, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que
concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e
exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição,


tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que
fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a
decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para
formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da
experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a
convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada
forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc.
n.º 1387/07 - 5.ª Secção).

O exame crítico das provas imposto pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, tem como finalidade
impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou
menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão
de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. (Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209).

Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido
com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê
da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (Ac. do
STJ de 12 de Abri l de 2000, proc. n.º 141/2000-3.ª; SASTJ, n.º 40. 48.).
Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de
suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a
decisão.

Como se decidiu por ex., no Ac. do STJ, de 3-10-07, proc. 07Pl779, 3.ª Secção, a
fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das
provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada


opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos
depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da
convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica,
exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica
do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

A integração das noções de "exame crítico" e de "fundamentação" de facto envolve a


implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e
decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu
são compatíveis com as regras da experiência da v ida e das coisas, e com a razoabilidade das
congruências dos factos e dos comportamentos.

Em processo penal não existe um verdadeiro ónus da prova em sentido formal; nele vigora o
princípio da aquisição da prova ligado ao princípio da investigação, donde resulta que são
boas as provas validamente trazidas ao processo, sem importar a sua origem, devendo o
tribunal, em último caso, investigar e esclarecer os factos na procura da verdade material (v. já
por ex. o acórdão do STJ, de 23 de Julho de 1999, proc. n.º 650/98, 3.ª secção, (in SASTJ, n.º
32, 87).

Perante as provas admissíveis, é dos princípios gerais da produção da prova que o tribunal
ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo
conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade; e à boa decisão da causa ‒ v.
art.º 340.º, n.º 1 do CPP- sem prejuízo do contraditório (v. n.º 2 do preceito).

Há três patamares de recolha de prova:

‒ A voluntariamente cedida à entidade investigatória, que respeitando à mera investigação


policial cautelar e urgente, nos termos do art.º 249.º CPP, não é proibida;

‒ A resultante de conversas informais, havendo já inquérito instaurado, que é proibida, por


constituir uma maneira indirecta ou capciosa de obtenção de prova através de confissão,
prejudicando o eventual direito ao silêncio do arguido que nunca o pode desfavorecer;

‒ A validamente obtida de harmonia e nos termos do Código de Processo Penal, havendo


inquérito instaurado, que é sempre permitida.

O artigo 127.º do CPP estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com
características e natureza completamente diferente: uma avaliação da prova inteiramente
objectiva quando a lei assim o determinar (o caso dos documentos autênticos), outra, também
objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência, finalmente uma outra,
eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador.

Porém não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo e


valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

nunca puramente subjectiva ou emotiva, e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente
objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo.

A livre apreciação da prova liberta do rígido sistema da prova tarifada, ou prova legal, realiza-
se obedecendo a critérios lógicos e objectivos, determinando uma convicção racional e, por
isso, objectivável e explicável. (v. v.g. acs do STJ de: 4 de Novembro de 1998, 21 de Janeiro de
1999 e 18 de Janeiro de 2001, respectivamente na CJ, Acs do STJ VI, tomo 3, 20 1; SAASTJ n.º
27, 38; e n.º 47, 88).

Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema
probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos
(instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência,
extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do
julgador.

O princípio da legalidade da prova perfilhado pelo art.º 125.º do CPP considera "admissíveis
as provas que não forem proibidas por lei."

O Código de Processo Penal não enumera taxativamente as provas proibidas, mas aponta
limites à produção de provas e à sua valoração.

Assim, considera métodos proibidos de prova os indicados no art.º 126.º, considerando


"nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral,
ofensa da integridade física ou moral das pessoas", n.º 1, descrevendo as que são ofensivas da
integridade física ou moral das pessoas, mesmo que com consentimento delas" (n.º 2) e,
ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas as
provas obtidas nos termos do n.º 3 do mesmo preceito.

Acentua Costa Andrade (invocando Gossel, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal,
págs. 85 e ss.) que as proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos
que constituem objecto do processo». Mais do que a modalidade do seu enunciado, o que
define proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. Normalmente
formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de um a
imposição e, mesmo, de uma permissão.

Diferentemente, as regras de produção da prova ‒ cf., v.g., o art.º 341.º do CPP ‒ visam
apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus
meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da
proibição de valoração. As regras de produção da prova configuram, na caracterização de
Figueiredo Dias, «meras prescrições ordenativas de produção da prova, cuja violação não
poderia acarretar a proibição de valorar como prova (...) mas unicamente a eventual
responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor». Umas vezes pré-ordenadas à
maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica
do meio de prova em causa), as regras de produção da prova podem igualmente ser ditadas
para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

Resumidamente, e dito com Peters, as regras de produção da prova são «ordenações do


processo que devem possibilitar e assegurar a realização da prova. Elas visam dirigir o curso da
obtenção da prova sem excluir a prova. As regras de produção da prova têm assim a tendência
oposta à das proibições de prova. Do que aqui se trata não é de estabelecer limites à prova
com o sucede com as proibições prova, mas apenas de disciplinar os processo s e modos como
a prova deve ser regularmente levada a cabo».

Quanto à proibição de valoração de provas, como resulta do art.º 355.º, do CPP, não valem
em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer
provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvando-se apenas
as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência
sejam permitidas.

Como se sabe, não são inconstitucionais os normativos do art.º 355.º, do CPP, interpretados
no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência
de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso
em que a leitura não seja proibida. (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 87/99, de 10 de
Fevereiro, proc. n.º 444/98 in DR II série, de 1 de Julho de 1999.)

Por outro lado, como já salientava o Acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 1999, proc. 350/98,
3.ª Secção, (in SASTJ, n.º 27, 83), a observância do disposto no art.º 355.º, n.º 1, do CPP, não
exige a leitura em audiência dos documentos constantes dos autos, bastando a existência dos
mesmos e a possibilidade de relativamente a eles poder exercer-se o contraditório.

O Tribunal Constitucional por seu acórdão n.º 137/200 1 de 28 de Março, considerou que "é
claramente lesivo do direito defesa do arguido, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da
Constituição, interpretar o artigo 127.º do Código de Processo Penal no sentido de que o
princípio da livre apreciação da prova permite valorar, em julgamento, um acto de
reconhecimento realizado sem a observância de nenhuma das regras previstas no artigo 147.º
do mesmo diploma." Tendo assim, decidido "Julgar inconstitucional, por violação das garantias
de defesa do arguido, consagradas no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, a norma constante
do artigo127.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o
princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um
reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas
pelo artigo 147.º do Código de Processo Penal”.

Quanto a depoimentos indirectos:

Como se sabe, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e
que constituam objecto da prova.‒ art.° 128.º do CPP.

Porém, conforme artigo 129.º do CPP:

1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode


chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for
possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem
encontradas.

2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da


leitura de documento da autoria de pessoa diversa da testemunha.

3. Não pode em caso algum, servir com o meio de prova o depoimento de quem
recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através dos quais
tomou conhecimento dos factos.

O Tribunal Constitucional j á decidiu ‒ Ac. n.º 440/99, de 8 de Julho, proc. n.º 268/99 DR, II
série, de 9 de Novembro de 1999, que o artigo 129°, n.º 1 (conjugado com o art.º 128.º, n.º 1,
do CPP), interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos
indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a
depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma
intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva , o direito de defesa do arguido.
Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal
forma não é inconstitucional.

A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente


pelo arguido é passível de livre apreciação pelo tribunal quando o arguido se encontre
presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar, ou seja, de se
defender.

Como referiu o STJ, Ac. de 25-01-2006, Proc. n.º 184/06, de acordo com o disposto no art.
129.º, n.º 1 do CPP, quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas
determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável, quando depõe perante o
tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer.

Não há prejuízo para o direito de defesa do arguido que, presente, poderá contraditar a
informação, ou remeter-se ao silêncio, sem que este o possa desfavorecer.

Na verdade, do art.º 343.º, n.º 1, do CPP, resulta que o arguido "tem direito a prestar
declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do
processo, sem que no entanto, a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-
lo."

O facto de o arguido nada dizer, significa que não podem extrair-se ilações sobre o seu
silêncio.

Mas, não significa que, não possam valorar-se depoimentos, nas respectivas condições legais
por não constituírem provas proibidas por lei, ficando sujeitas à valoração constante do artigo
355.º do CPP, e à livre apreciação nos termos do artigo 127.º do CPP, sendo que por outro
lado, inclui-se nos poderes de cognição do tribunal, balizado pelos princípios da necessidade,

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

legalidade, adequação e obtenibilidade das provas, a produção de todos os meios de prova


cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. ‒
art.º 340.º do CPP.

Como salienta Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina:

"O depoimento indirecto refere-se a um meio de prova, e não aos factos objecto de prova,
pois que o que está em causa não é o que a testemunha percepcionou, mas sim o que lhe foi
transmitido por quem percepcionou os factos, Assim, o depoimento indirecto não incide sobre
os factos que constituem objecto de prova, mas sim sobre algo diferente, ou seja, sobre um
depoimento que se ouviu." [pág. 486]

"O depoimento indirecto será objecto de valoração quando a testemunha referenciada


comparecer, existindo então, a necessidade de, com observância do princípio da livre
apreciação da prova, conjugar e cotejar o depoimento indirecto e o depoimento directo,
esclarecendo, e concluindo, sobre eventuais contradições ou convergências.

A mesma testemunha, referenciada no depoimento indirecto, pode não comparecer ou,


comparecendo, recusar-se, de forma ilegal, as prestar depoimento. Em qualquer uma dessas
hipóteses, assegurado que está o princípio de imediação com a valoração da credibilidade e
fiabilidade dos depoimentos, ou do próprio comportamento pessoal processual da
testemunha, os depoimentos directo, e indirecto, deverão ser livremente valorados." ‒ pág.
487.

Relativamente a depoimentos de agentes policiais, o n.º 7, do art.º 356.º, do CPP, apenas


proíbe que os órgãos de polícia crimina l que tiverem recebido declarações cuja leitura não for
permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua
recolha possam ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.

Concorda-se pois com Maia Gonçalves, (Código de Processo Penal, Anotado, 16.º edição, 2007,
p. 741, nota 7), quando refere: "o n.º 7 proíbe apenas a reprodução daquelas declarações cuja
leitura não é permitida, como aí claramente se expressa e resulta do pensamento legislativo.
Consideramos assim, manifestamente errada a interpretação que por vezes se tem dado a
esse dispositivo de que os órgãos de polícia criminal não podem ser testemunhas no
processo".

Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio nemo


tenetur, a lei portuguesa impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal,
perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou
advertência sobre os direitos decorrentes daquele princípio (cf., v.g., arts. 58.º, n.º 2, 61.º, n.º
1, al. g), 141.º, n.º 4 e 343.º, n.º 1, todos do CPP, normas cuja eficácia é, por seu turno,
contrafacticamente assegurada através da drástica sanção da proibição da valoração ‒ art.
58.º, n.º 3, do mesmo diploma ‒ v. Ac. do STJ, de 04-01-2007, Proc. n.º 3111/06, 3ª Secção.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

«Não há conversas informais, com validade probatória à margem do processo, sejam quais
forem as formas que assumam, desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha
admitidos por lei e por ela sancionados... (as diligências são reduzidas a auto ‒ art. 275.º, n.º 1,
do CPP. Haveria fraude à lei se se permitisse o uso de conversas informais não documentadas
e fora de qualquer controlo» (cf. Ac. do STJ de 11- 07-2001).

Qualquer arguido goza do direito ao silêncio e à assistência de defensor no acto do seu


interrogatório, e sem que o silêncio o possa desfavorecer.

Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de "ouvir dizer'', pode considerar-se


adquirido, por um lado, que os agentes policiai s não estão impedidos de depor sobre factos
por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são
irrelevantes as provas extraídas de "conversas informais" mantidas entre esses mesmos
agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias
que a lei processual impõe.

Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas "conversas'', que se frustre o direito
do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria "colmatado" ilegitimamente através da
"confissão por ouvir dizer" relatada pelas testemunhas.

Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição


de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos
estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras
provas recolhidas informalmente.

De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de um


a infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar "os actos
necessários e urgentes para assegurar os meios de prova '', entre os quais, "colher informações
das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime" (art.0 249.º do CPP).

Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em
concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são
necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de
eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual,
precisamente porque não há ainda processo.

Completamente diferente é o que se passa com as ditas "conversas informais" ocorridas já


durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende "suprir" o seu silêncio,
mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a
"confissão" informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem
dos formal ismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.

O que o art.º 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do
arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências
de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art.º

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

249.º do CPP. (v. Ac. do STJ de 15-02-2007, Proc. n.º 4593/06 - 5.ª Secção e Santos Cabral, [et
al.], Código de Processo Penal Comentado,2014, Almedina , p. 493).

Na verdade, se qualquer suspeito, de sua livre vontade e iniciativa, fornece dicas ou


informações relevantes para a investigação policial, à autoridade que investiga e que utiliza
tais informações na investigação, não se pode dizer que a prova da investigação assenta em
conversas informais, mas sim nas diligências e actuações da entidade policial que devem
decorrer de harmonia com o princípio da legalidade das provas quer no conteúdo quer na
forma, não ficando por isso, inibida a autoridade investigatória de explicar os termos da sua
investigação e das bases em que assentou.

Os depoimentos dos agentes policiais constituiriam meio de prova proibido se na sua


investigação policial se fundassem em declarações dos arguidos, obtidas, de forma
fraudulenta, sob coacção, ou com meios enganosos, violando o direito deles, à sua livre
autodeterminação no exercício do direito de expressão e colaboração, ou, se se substituíssem
às exigências legais ou proibições processuais de produção de prova, desprezando-as ou
aniquilando-as.

O art.º 356.º, n.º 7do CPP, pretende abarcar a credibilidade e validade da prova, delimitada em
actos processuais mas já não exclui a colaboração voluntária e livre de motu próprio, de quem
quer que seja, no apuramento dos factos em sede de investigação meramente policial.

Se um dos fins do processo penal é a busca da verdade material obtida, não a tudo o custo,
mas de forma legalmente vá lida através de prova não proibida e de meios de prova válidos na
sua obtenção, não há contudo, nem podia haver, uma proibição de colaboração ou de ajuda
(mesmo que provenha dos arguidos, voluntariamente), a quem incumbe o dever de investigar
matéria criminal; a busca da justiça interessa a todos - a justiça é para toda a gente; a vontade
de ajudar de forma livre e espontânea, na procura da verdade com vista à justiça, ainda que
não integre um dever de colaboração é um a manifestação sã de cidadania.

Nas provas admissíveis são incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o
julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»: art.º 349.º do CC).
Daí que a circunstância de a presunção judicia l não constituir «prova directa» não contraria o
princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova»
(qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a
livre convicção do tribunal (art.º 127.º do CPP). Não está, por isso, vedado às instâncias, ante
factos conhecidos, a extracção ‒ por presunção judicial ‒ de ilações capazes de «firmar um
facto desconhecido».

Quanto ao princípio in dubio pro reo,

A violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto é um princípio
fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ
dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida
em termos análogos aos dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, e só se verifica quando

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à


conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou
quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão
contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas
irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

Como se sintetiza no Ac. do STJ de 28-06-2007, Proc. n.º 1409/07 - 5.ª Secção: «Na aplicação
da regra processual da "livre apreciação da prova"(art.º 127.º do CPP), não haverá que lançar
mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de
inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»] não conduzir, depois de
avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, "à
subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou
inexistência do facto" (cf. Cristina Líbano Monteiro, ln Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997).

Parafraseando o Ac. do STJ de 10-01-2008, proc. n.º 07P41l98, www.dgsi.pt.

Não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art.º 127.º do
CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional
presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as
regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir «à subsistência no
espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do
facto». O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir
uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do
julgador» (Cristina Líbano Monteiro, «ln Dubio Pro Reo», Coimbra 1997). Até porque «a prova,
mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, pág. 17): «O
juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o
próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarram (idem, pág. 13)». E, por isso, é que, «nos
casos em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova
convencerem da verdade da acusação, não há lugar à intervenção da «contraface (de que a
«face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da
racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia
a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua
concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).

Para efeitos de sindicância da alegada violação do princípio in dubio pro reo, não há que
comparar a decisão do tribunal a quo com a decisão do tribunal ad quem.

Há apenas que conhecer e julgar a decisão recorrida, e decisão recorrida é aquela que é
remetida para apreciação e decisão ao tribunal de recurso.
Em termos de decisão que julga o recurso, não há uma relação de conhecimento de todas as
decisões, mas apenas da última decisão, já que é dela que se recorre.

Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do


arguido, fica afastado o princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência,
nomeadamente quando tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das
provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º, n.º 1, do CPP,
subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art.º 355.º, n.º 1, da Constituição da
República.

Discordância na valoração da prova

Em recurso para o STJ, se a discordância for apenas quanto à forma como o tribunal valorou a
prova e decidiu a matéria de facto, traduzida em impugnação de matéria de facto apurada,
constitui matéria especificamente questionada, que se integra em objecto de recurso em
matéria de facto, e que o recorrente somente pode exercer em recurso interposto para a
Relação, e por isso não pode repristinar, ainda que em crítica ao acórdão recorrido ‒ o da
Relação ‒ por extravasar os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que sem
prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410.º efectua exclusivamente o reexame da matéria
de direito ‒ art.º 434.º) do CPP.

Sobre os vícios contemplados nas alíneas do n.º 2 do art.º 410° do CPP

Embora o n.º 1 do art.º 410.º do CPP, refira: "Sempre que a lei não restringir a cognição do
tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões
de que pudesse conhecer a decisão recorrida", vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal
de Justiça, que os vícios constantes do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, apenas podem ser
conhecidos oficiosamente e não quando suscitados pelos recorrentes.

Trata-se, na realidade, de vícios ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma
decisão jurídico-factualmente correcta e, por isso, configuram vícios da própria decisão e não
do julgamento, mas não se trata de vícios de lógica jurídica.

A lógica jurídica é matéria de consonância de argumentação juridicamente relevante, que não


apuramento de matéria de facto.
E certo que dispõe o n.º 2 do artigo 410.º.

Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito,
o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida,
por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

É certo também que o art.º 434.º do CPP determina que o recurso interposto para o Supremo
Tribunal de Justiça exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto
no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3 ‒ art.º 434.º do CPP.

Mas, isto significa que sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece
dos vícios aludidos no artigo 410.º, n.º 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando
tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais.

Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios
do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que,
para o efe1 o, sempre terá de se dirigir à Relação.

Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma
de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art.º 432.º; fazendo- lhe
acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de
direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Suprem o Tribunal, sob
pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de
revista que é (v. Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n.º 4056/06 ‒ 5.ª
Secção).

Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de
operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de
serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria
de facto.

Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de
facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do
conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de
facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso,
sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais,
se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado.

Como se decidiu por ex. no Acórdão de 8-11-2006, do Supremo Tribuna l, Proc. n.º 3102/06 ‒
3ª Secção: Os vícios elencados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, pertinem à matéria de facto. São
anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto,
apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela
estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.

Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito, recorre para a
Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para o STJ,
no condicionalismo restritivo vertido nos art.ºs 432.º e 434.º do CPP, pois que este tribunal,
salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de


facto ‒ arts. 427.º e 428.º do CPP.

A reforma do Código de Processo Penal operada quer pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto,
quer pela Lei n.º 28/2010, de 30 de Agosto, não alterou esse entendimento.

O artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa não confere a obrigatoriedade de um


terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais
admitidos pela lei ordinária.

Inexiste uma terceira instância do facto ou duplo grau de recurso em matéria de facto, pelo
que a valoração de prova s legalmente permitidas não integra a função do Supremo Tribunal.

Ao Supremo, como tribunal de revista, e, na inexistência de vícios constantes do art.º 410.º,


n.º 2, do CPP apenas incumbe sindicar eventuais nulidades, se a convicção do tribunal do
julgamento se fundamentou em meios de prova, e provas, proibidos por lei, atentos do
princípio da legalidade das provas e os métodos proibidos de prova ‒ art.ºs 125.º e 126.º do
CPP ‒ já que quanto ao aspecto substancial ou modo de valoração de provas e ao modo de
exercício do direito de defesa são questões fácticas, do âmbito do recurso em matéria de
facto, estranhas à competência do Supremo Tribunal, que reexamina exclusivamente a
questão de direito, sem prejuízo do disposto nos artigo 410.º, n.º 2 e 3, do CPP ‒ v. art.º 434.º
deste diploma.

A impugnação da matéria de facto perante o Tribunal da Relação

A impugnação da decisão em matéria de facto - factos provados e não provados e respectiva


motivação da convicção do Tribunal, é feita através do recurso em matéria de facto nos termos
do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.

De harmonia com o n.º 3 do art.º 412.º, do CPP:

Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

E, segundo o n.º 4 do mesmo preceito: Quando as provas tenham sido gravadas, as


especificações previstas nas alíneas b) e c) d) número anterior fazem-se por referência ao
consignado na acta, nos termos no disposto no n.º 2 do art.º 364.º, devendo o recorrente
indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª
instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que
lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não
indiscriminadamente a todas as provas produzidas em audiência.

Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou
in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior.

Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido
possuía.

Aplicada aos tribunais de recurso, contudo, a norma do art.º 374.º, n.º 2, do CPP, não tem
porém, aplicação em toda a sua extensão, pois que, nomeadamente não faz sentido a
aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a
livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal
da Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista.

Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é


suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que,
analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o
decidido (v. Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, n.º 65, 60).

Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência
comum, perante as provas produzidas que motivaram essa convicção, deve acolher-se a opção
do julgador da 1.ª instância, em caso de concordância pelo Tribunal da Relação, até porque o
mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova, e traduz a dimensão
soberana da independência judicial na administração da justiça.

Na verdade, como se elucida no Ac. do STJ, de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 ‒ 5.ª Secção, se a
Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso
em matéria d e facto nas provas examinadas no processo , acolhendo, justificando-o na parte
respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como
detalhada , então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo
que a alegada discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou
não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.

Na verdade, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode


ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art.º 127.º do CPP, ou seja,
assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras
da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª
instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de
valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de
hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento
que é impossível reproduzir.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

Mas, sem prejuízo de que, a Relação, ao julgar o recurso em matéria de facto, e atenta a
existência de um efectivo recurso em matéria de facto, pode em sua convicção devidamente
fundamentada, não perfilhar o entendimento da 1.ª instância, no âmbito dos seus poderes de
cognição da matéria de facto, perante as mesmas provas produzidas e examinadas em 1.ª
instância, sendo que como supra se aludiu, a Relação conhece de facto e de direito.

Em síntese e, parafraseando o Acórdão do STJ de 03-04-2008, Proc. n.º 28 11/06 - 5.ª Secção:

No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova
produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão. O
recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos
deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova
que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art.º 412.º do
CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios
do n.º 2 do art.º 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida,
por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a
relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2
do art.º 410.º, como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (al.
a) e b) do n.º 2 do art.º 410.º).

Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do
recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida e, outra, ter por objecto do
recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que
foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca
antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a
partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação
da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades
concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo.

É certo que o mesmo art.º 379.º determina que é nula a sentença quando o tribunal deixe de
pronunciar -se sobre queres que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia
tomar conhecimento (n.º 1, al. c).

As questões impostas à apreciação do julgador são as suscitadas pelos sujeitos processuais, ou


as de conhecimento oficioso, juridicamente relevantes, no âmbito dos poderes de cognição do
tribunal de recurso.

Mas a discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante


dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia nem ilegal idade de procedimento
ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre o modo e consequência da valoração
dessas mesmas provas, efectuada pelo tribunal competente para apreciá-las, pelo que não
integra qualquer nulidade, desde que o tribunal se orienta na valoração das provas legalmente
permitidas, de harmonia com os critérios legais.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

Nos poderes de cognição de tribunal de revista apenas a sindicância sobre eventual


admissibilidade de prova proibida e privação de efectivo exercício do direito defesa, geradoras
de nulidade poderão ser equacionada s, já que quanto ao aspecto substancial ou modo de
valoração de provas e ao modo de exercício do direito de defesa são questões fácticas, do
âmbito do recurso em matéria de facto, estranhas à competência do Supremo Tribunal que
reexamina exclusivamente a questão de direito, sem prejuízo do disposto nos artigo 410.º, n.º
2 e 3, do CPP ‒ v. art.º 434.º deste diploma.

O caso do concurso de crimes:

A segunda parte do n.º 1 do art.º 77.º do CP determina que "na medida da pena são
considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".

O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de
factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro
lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo
cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode
ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas
com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais
grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos
singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o
limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se
pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também
e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos,
mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do
agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os
factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal
Português ‒ As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos
factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se


ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de
qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação
entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das
penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada
aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que
permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem
como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Ac. deste
Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07.

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo
decisiva para a sua ava liação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

se verifique. Na avaliação da personalidade ‒ unitária ‒ do agente relevará, sobretudo, a


questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente
m esmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a um a pluriocasionalidade que não radica na
personalidade: só no primeiro caso, não j á no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de
crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também
a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de
prevenção especial de socialização) ‒ Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As
Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, Acs. de 11-10-2006 e de
15-11-2006 da 3.ª Secção do Supremo, in Proc. n .º 1795/06, e Proc. n .º 3268/04.

Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial
fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso, só assim se
evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo ‒ da «arte»
do juiz ‒ ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de
fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art.º 71.º.

Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo,
da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.

Note-se que o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal determina que na sentença são
expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 71.º, nem
por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal,
quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado n.º
2 podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso (Figueiredo
Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias,
1993, p. 291).

Não é necessário nem útil que a decisão que efectue o cúmulo de penas constante de
condenações já transitadas em julgado, enumere os factos provados que integraram a decisão
onde foram aplicadas as penas parcelares, mas já é necessário que a decisão que efectue o
cúmulo, descreva ou resuma todos os factos pertinentes de forma a habilitar os destinatários
da decisão e o tribunal superior, a conhecer a realidade concreta dos crimes anteriormente
cometidos, bem como os factos anteriormente provados que demonstrem qual a
personalidade, modo de vida e inserção social do agente, com vista a poder compreender-se o
processo lógico, o raciocínio da ponderação conjunta dos factos e personalidade do mesmo
que conduziu o tribunal à fixação da pena única (v. Ac. do Supremo Tribuna l de Justiça de 27
de Março de 2003, in proc. n.º 4408/02, da 5.ª secção).

A determinação da pena do cúmulo, exige pois um exame crítico de ponderação conjunta


sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder
valorar-se o ilícito global perpetrado, nos termos expostos.

63
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

Aliás, salienta Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e Comenta, 18.ª ed., pág.
295,nota 5), "na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a
personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença.

Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas,
carácter unitário".

Qualquer decisão cumulatória que descreva factos conotados com o modo de inserção familiar
do agente, e, que na motivação remeta para a fundamentação das certidões juntas aos autos e
no relatório social junto aos autos, não descreve a síntese dos factos integrantes dos crimes:
não os reproduz nem os sintetiza, nem os equaciona em breve resumo, sendo certo que nos
termos do art.º 472.º, n.º 1, do CPP, o tribunal ordena, “oficiosamente ou a requerimento, as
diligências que se lhe afigurem necessárias para a decisão".

A decisão de cúmulo que apenas se refira à identificação das decisões condenatórias havidas,
indicando os crimes e respectivas datas de ocorrência bem como as penas aplicadas, é
legalmente insuficiente, atento o disposto nos art.ºs 77.º, n.º 1, do CP e 374.º, n.º 2, do CPP.

Quanto à personalidade do arguido é necessário que se encontrem descritos factos, ainda que
em síntese, que definam as características da sua personalidade, nomeadamente ao tempo da
prática dos mesmos, que possibilitem o conhecimento da motivação da sua actuação
delituosa.

A decisão de cúmulo tem de efectuar uma ponderação em conjunto, interligada, quer da


apreciação dos factos, nos termos necessários, de forma a poder avaliar-se globalmente da
gravidade destes e da (in)existência de conexão entre eles, quer da personalidade neles
manifestada, de forma a poder concluir-se sobre a sua motivação subjacente (se oriunda de
tendência para delinguir ou de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade).

A ausência de factos concretizados de forma sucinta e sintética, para essa demonstração


traduz falta de fundamentação e, impossibilita pois, a valoração do ilícito global perpetrado, na
ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido.

A decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas não se pode reconduzir à invocação de
fórmulas genéricas ou conclusivas sem apoio factual de significação concreta.

Tem, antes, de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a
aplicar e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade.

Por outro lado, essa decisão deve efectuar o correlato com as exigências de prevenção
especial, ou seja, sobre os efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do
condenado, poer serem exigências de socialização que estão em causa.

Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero


enunciar matem ático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer
no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção,
quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado
conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos
factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido,
sendo certo que assume significado profundam ente diferente a violação repetida de bens
jurídicos ligados à dimensão pessoal e em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa
determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos
praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a
actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo,
pela dependência de vida em relação àquela actividade.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de


inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade,
que deve ser ponderado (v. Ac. do STJ, 3ª Secção, de 09-01-2008, in Proc. n.º 3177/07)

Se omitir esta avaliação o tribunal omite pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e
decidir, o que determina a nulidade da respectiva decisão (art.º 379.º do CPP ‒ Ac. do
Supremo Tribunal de 22-11-2006, Proc. n.º 3126/96 ‒ 3.ª Secção).

Na verdade, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão


do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa
sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas
aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art.º
660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva
conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida,
quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

E, em bom rigor, viola o disposto no art.º 32, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa,
pois que este normativo contempla as garantias de processo criminal, que na óptica de um
processo justo, "assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso'', e a
fundamentação aduzida na decisão recorrida, não habilita o condenado a poder defender­ se
cabalmente da decisão que o afecta na discussão da pena aplicada, por a mesma decisão não
dar a conhecer as necessárias razões de facto e de direito, que justificaram, em exame crítico
de ponderação conjunta dos factos e personalidade do agente, a conclusão pela pena
concretamente aplicada.

65
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça

Acórdão n.º 1/2015, in DR 18 SÉRIE I de 2015-01-27


«A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos
que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da
factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o
sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao
mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.»

Acórdão n.º 11/2013, in DR 138 SÉRIE I de2013-07-19


«A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos
constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova,
de harmonia com o disposto no art.º 358º n.ºs 1 e 3 do CPP».

Acórdão n.º 3/2012, in DR 77 SÉRIE 1de2012-04-18


Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da
prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a
referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do
recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de
consignação na acta do início e termo das declarações.

Acórdão n.º 7/2008, in DR 146 SÉRIE I de 2008-07-30


«Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo
em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas,
não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis,
do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição
de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.os 1 e 3 do
artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí
resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo
379.º deste último diploma legal.»

Acórdão n.0 1112008, in DR 239 SÉRIE 1de2008-12-11


«Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de
julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com
sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da
existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma.

66
DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
2. Processo Penal Português - Questões de Prova

Vídeo da apresentação

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67
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
3. As declarações do arguido e o depoimento das testemunhas, em especial face à revisão de 2013 do CPP

3. AS DECLARAÇÕES DO ARGUIDO E O DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS, EM ESPECIAL FACE


À REVISÃO DE 2013 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 1

João Gouveia de Caires ∗

Apresentação Power Point


Vídeo da apresentação

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “As alterações ao Código de Processo Penal”, no
Auditório do CEJ (Lisboa), a 10 de abril de 2014.
* Mestre em Direito, Assistente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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3. As declarações do arguido e o depoimento das testemunhas, em especial face à revisão de 2013 do CPP

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3. As declarações do arguido e o depoimento das testemunhas, em especial face à revisão de 2013 do CPP

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3. As declarações do arguido e o depoimento das testemunhas, em especial face à revisão de 2013 do CPP

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3. As declarações do arguido e o depoimento das testemunhas, em especial face à revisão de 2013 do CPP

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3. As declarações do arguido e o depoimento das testemunhas, em especial face à revisão de 2013 do CPP

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3. As declarações do arguido e o depoimento das testemunhas, em especial face à revisão de 2013 do CPP

Vídeo da apresentação

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
4. A fixação dos factos na decisão penal

4. A FIXAÇÃO DOS FACTOS NA DECISÃO PENAL 1

António João Latas ∗

Apresentação Power Point


Vídeo da apresentação

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Temas de direito penal e processual penal”, no Auditório
do CEJ (Lisboa), nos dias 5, 12, 19 e 26 de fevereiro de 2016.
* Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Évora.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
4. A fixação dos factos na decisão penal

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4. A fixação dos factos na decisão penal

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4. A fixação dos factos na decisão penal

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4. A fixação dos factos na decisão penal

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4. A fixação dos factos na decisão penal

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4. A fixação dos factos na decisão penal

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4. A fixação dos factos na decisão penal

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4. A fixação dos factos na decisão penal

Vídeo da apresentação

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89
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
5. A fundamentação da decisão penal

5. A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO PENAL 1

José Mouraz Lopes ∗

Apresentação Power Point


Vídeo da apresentação

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Temas de direito penal e processual penal”, no Auditório
do CEJ (Lisboa), nos dias 5, 12, 19 e 26 de fevereiro de 2016.
* Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas.

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5. A fundamentação da decisão penal

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5. A fundamentação da decisão penal

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5. A fundamentação da decisão penal

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5. A fundamentação da decisão penal

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5. A fundamentação da decisão penal

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5. A fundamentação da decisão penal

Vídeo da apresentação

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99
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

6. PROVA INDICIÁRIA 1
Alberto Ruço ∗

Apresentação Power Point


Vídeo da apresentação

Os factos que o juiz declarará provados ou não provados na sentença penal respeitam a
acontecimentos passados, a factos históricos, situados no tempo (hora, dia, mês e ano) e num
certo espaço geográfico.

Como poderá o juiz convencer-se que tais factos afirmados na acusação ou na contestação
ocorreram?

Responder-se-á que o convencimento resultará das provas apresentadas.

Mas o que são as provas, isto é, por que razão nos convencemos que A é uma prova de B?
Deixarei a resposta, para já, em suspenso.

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Direção da Audiência de Julgamento e Produção,
Apreciação e Valoração da Prova em Processo Penal”, no Auditório do CEJ (Lisboa), a 21 de março de 2014.
* Juiz Desembargador no Tribunal da Relação do Porto.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Os factos que são descritos nas acusações ou nas contestações podem ser agrupados em dois
tipos: factos regidos pelas leis causais da natureza e factos que são acções humanas, não
submetidas àquelas leis causais.

A ciência não tem conhecimento, até ao momento, de algum facto que tenha surgido do nada.

O julgador pode estar certo que os factos, caso tenham existido historicamente, não
surgiram (misteriosamente) do nada.

Sendo assim, se os factos afirmados existiram e se estes não surgiram do nada, então temos
de concluir que resultaram de um estado de coisas prévio.

Resultaram, por conseguinte, de um fundo ou contexto factual onde foram gerados.

104
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Por outro lado, além dos factos não terem resultado do nada, mas de um estado de coisas
prévio, também é certo que esse estado de coisas prévio não se identifica com o caos.

Com efeito, o mundo não é caótico.

Antes pelo contrário, os cientistas estão convencidos que existe uma estrutura nomológica
(governada por leis) da realidade que eles investigam continuamente.

E tanto é assim que a estrutura nomológica da realidade não é refutável.

Na verdade, se se descobre um facto que contraria a concepção vigente acerca da


realidade, mudamos esta concepção, mas não mudamos a realidade, como é óbvio.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

E no que respeita às acções humanas, não existindo uma estrutura nomológica semelhante
à da realidade física, existe todavia uma comunidade de crenças e comportamentos que
dotam as acções dos outros de significado e compreensíveis para os demais, por forma a todos
viverem em sociedade sem que esta seja um caos permanente.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Sendo o mundo um contínuo devir, formado por um passado e um presente, e por futuros que
em breve se convertem em passados, então, devido à estrutura nomológica da realidade, os
factos são ao mesmo tempo causas e efeitos de estados de coisas que se sucedem no tempo,
digamos, linearmente, uns a seguir aos outros.

107
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Por outro lado, como os factos não existem isolados, mas partilham um fundo factual
repleto de muitos outros factos, integrados em processos causais, como se fossem peças
multifacetadas de um gigantesco puzzle vivo, em contínua mudança, dada a estrutura
nomológica da realidade, todos os factos têm aptidão para se reflectirem e deixarem marcas
nos restantes factos que os rodeiam e se situam lateralmente em relação aos processos causais
lineares.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Reflexibilidade.

109
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Esquema gráfico simples do fundo factual onde surgem os factos.

Ora, se os factos que existem são, como se afigura indubitável, um resultado de um estado de
coisas prévio, então esse estado de coisas prévio contém em si a razão pela qual um facto
existe, isto é, o estado de coisas prévio explica o facto posterior surgido no seu seio.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Se a existência de um facto for controvertida ou incerta, mas verificarmos que existe um


estado de coisas que, segundo as leis conhecidas, o produz com necessidade ou com
probabilidade prática próxima da certeza, então convencemo-nos que o facto controvertido
existiu.

Sendo assim, podemos concluir que a convicção passa pela explicação dos factos ou, dito de
outra forma, a explicação gera a convicção.

Vejamos em que consiste a explicação dos factos.

Já se disse que os factos ou pertencem ao mundo da natureza ou são acções humanas


governadas pela mente.

Se pertencem ao mundo natural, a explicação que lhes convém é a explicação causal, se se


trata de uma acção humana a explicação adequada é de natureza teleológica.

111
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Quanto à explicação causal, Karl Popper deu este exemplo de explicação causal, que aqui
simplifico:

Premissa 1 – Leis (regras da experiência)


(1) Para cada fio com uma certa estrutura E (determinada com base no material de que é
feito, na sua espessura, etc.) existe um peso característico P a partir do qual o fio se partirá se
for pendurado nele um peso superior.
(2) Para fios com a estrutura E1, o peso característico P é igual a um quilo.

Premissa 2 – Condições iniciais singulares (factos históricos)


(1) Este fio tem uma estrutura E1.
(2) O peso pendurado neste fio foi de dois quilos.

Conclusão
O fio partiu.

112
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

A explicação tem a forma de um silogismo em que a premissa maior é composta por leis
(regras de experiência), a premissa menor por factos históricos e a conclusão resulta
logicamente das premissas e, por isso, se designa este tipo de explicação como nomológico-
dedutiva.

Para a acção humana a explicação apropriada é a explicação teleológica que conecta


necessidades/motivos/razões/crenças → finalidades → intenções → acções e pode também
adquirir a forma de um silogismo.

Premissa 1 – Leis (regras da experiência)


As cartas colocadas no marco dos correios são levadas pelo respectivo serviço e entregues
na morada do destinatário.

Premissa 2 – Condições iniciais singulares (factos históricos)


Crença – José conhece a lei acabada de enunciar.
Motivo/finalidade – José tem o desejo e a intenção de remeter uma carta à sua mãe (que faz
anos) e quer no momento T enviá-la.

Conclusão
José colocará a carta no marco dos correios, caso lhe seja possível, no momento T.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Dada a apontada estrutura nomológica da realidade, os factos-efeito são provas dos factos
prévios, causais e esta afirmação torna-se mais clara se explicitarmos o mecanismo da
explicação mostrando que é o mesmo mecanismo da previsão.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Que há uma simetria entre a previsão e a explicação. Vejamos o exemplo do fio.

Se conhecemos o resultado, isto é, o estado do fio partido, então explicamos o facto de ter
partido usando a explicação causal antes referida.

Se não conhecemos o facto, porque, por exemplo, ainda não ocorreu, podemos prevê-lo, ou
seja, se colocarmos a hipótese de suspender um peso de dois quilos num fio que só possui
resistência até um quilo, prevemos que o fio se partirá se for suspenso nele um peso de dois
quilos.

115
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Esquema gráfico da simetria entre a previsão e a explicação.

Disse anteriormente e todos sabemos que assim é, que o juiz se convencia da existência dos
factos através das provas.

Ora, se os factos a provar, no pressuposto de que existiram, resultaram de estados factuais


anteriores, então os factos que compõem tal estado de coisas prévio são provas do facto
subsequente.

E como este facto subsequente forma/faz parte também de um estado de coisas em


relação a outros factos futuros que são seus efeitos, situados a jusante do facto a provar,
então estes factos-efeito também são provas do facto cronologicamente anterior que funcionou
como causa.
Já se poderá responder agora à pergunta sobre as provas. As provas são factos.

São provas os factos causais que explicam o facto a provar. São provas os factos que são efeitos
do facto a provar.

E são provas os factos laterais que se reflectiram nos factos a provar ou sofreram os
reflexos dos factos a provar.

116
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Já se poderá responder agora à pergunta sobre as provas. As provas são factos.

São provas os factos causais que explicam o facto a provar. São provas os factos que são efeitos
do facto a provar.

E são provas os factos laterais que se reflectiram nos factos a provar ou sofreram os
reflexos dos factos a provar.

Estes factos que adquirem o estatuto de provas de outros factos são justamente os factos
probatórios indiciários.

A valoração de um facto como indiciário exige uma certa forma de raciocínio, isto é, aquele
raciocínio que ficou indicado relativamente à explicação causal e à explicação teleológica da
acção humana.

É esse raciocínio que nos mostra que um facto é indício de outro facto.

117
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Vejamos mais um exemplo conhecido de todos.

Sabemos desde os bancos da escola que os metais dilatam com o calor.

Sendo possuidores deste conhecimento, se verificarmos que um pedaço de ferro é


aquecido por uma chama durante alguns minutos – facto conhecido –, concluiremos
que esse objecto aumentou de volume – facto desconhecido –, ainda que não o
tenhamos medido.

Ou, ao invés, dada a simetria entre explicação e previsão, se verificarmos que certo
pedaço de ferro aumentou de volume – facto conhecido –, argumentaremos que o
ferro esteve anteriormente em contacto com uma fonte de calor – facto desconhecido.

Verifica-se, pois, que a ponte entre o facto conhecido e o facto desconhecido se fez
através de uma regra pré-existente, com carácter geral, como é típico das leis, a qual
pode ser esquematizada, fazendo agora sobressair essa ponte, numa inferência como
esta:

Facto conhecido (provado): o pedaço de ferro A foi aquecido a uma temperatura de


100º célsius.

Regra (ponte): todos os metais dilatam com o calor.


Facto desconhecido (objecto de prova): o pedaço de ferro A dilatou.

118
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

É a existência da regra ou lei geral que nos permite estabelecer a relação entre o facto
conhecido submissão do pedaço de ferro ao calor e o facto desconhecido não observado,
o seu aumento de volume.

119
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

O valor de certeza da conclusão depende, logicamente, do valor de certeza que a regra nos
oferece, sabendo-se que uma regra é tanto mais certa, quanto menos excepções admitir.

As provas indiciárias são por isso provas indirectas, carecem da intervenção de uma regra que
faça a ponte entre o facto conhecido e o facto desconhecido.

120
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

As provas directas são aquelas que não carecem da intervenção de uma regra da
experiência, como ocorre na prova testemunhal.

A testemunha está em contacto directo com o facto a provar e o facto a provar reflectiu-
se no sistema sensorial e mental da testemunha e criou uma sua representação na memória
da testemunha, diremos, por analogia, como se fosse uma fotografia.

Quando a testemunha descreve por palavras a representação do facto que guarda na sua
memória, não intervém qualquer regra de experiência, nem se procede a qualquer explicação.

Tendo deixado uma ideia da natureza ou modo de ser da prova indiciária, passo à aplicação
prática das ideias mencionadas, descrevendo dois casos simples retirados da prática
judiciária.

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6. Prova indiciária

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6. Prova indiciária

I. Queda para a cave

1. Em certa acção de responsabilidade civil não havia dúvidas que a autora, cliente de um
estabelecimento comercial de utilidades domésticas, tinha caído para a respectiva cave
através da abertura que existia no pavimento do estabelecimento, a qual respeitava a um
sistema de monta-cargas que servia para descer as mercadorias que eram armazenadas nessa
cave.

Na altura da queda a plataforma do monta-cargas estava a ser utilizada e, por essa razão,
estava assente no piso da cave, deixando descoberta a respectiva abertura.

Não houve testemunhas da queda da autora, mas a queda era um facto certo, pois a autora foi
retirada da cave.

A testemunha A, empregado da ré, pessoa que procedia às descargas,referiu que, na altura da


queda tinha ido à rua buscar um novo carregamento, mas tinha colocado, na posição
horizontal, a corrente metálica destinada a vedar o acesso de pessoas à abertura do monta-
cargas.

A autora, ouvida em declarações, referiu que ia a olhar para os objectos colocados nas
prateleiras e de repente «faltou-lhe o chão debaixo dos pés» e caiu para a cave, não admitindo
que a corrente estivesse colocada, pois não tinha tocado em nada.

Foram ouvidas como testemunhas diversos funcionários do estabelecimento comercial, que


sustentaram a tese da corrente se encontrar colocada horizontalmente, presa nos respectivos
pilares.

A colocação da corrente na posição horizontal, que assim vedaria e impediria a passagem de


clientes, tornava-se importante na medida em que poderia imputar à vítima alguma quota de
responsabilidade na própria queda.

Não se atribuiu relevo ao depoimento da testemunha A com base na circunstância de ser


empregado da ré e ser o eventual responsável pela não colocação da corrente a impedir a
passagem.

Considerou-se que o emprego garante a sobrevivência das pessoas e que a falta ou perda de
emprego é altamente prejudicial, pelo que, em regra, o empregado não terá, e não se sentirá,
com a necessária liberdade para declarar o que viu, se porventura a verdade desfavorecer a
sua entidade patronal.

Na análise acerca do que terá ocorrido, ponderou-se também a possibilidade de alguém ter
colocado a corrente na posição horizontal antes de terem chegado ao local as testemunhas
que afirmavam tê-la visto colocada nessa posição.

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6. Prova indiciária

Tal colocação podia ter sido levada a cabo pela testemunha A, com o fim de apagar os vestígios
da negligência havida, ou por alguém que instintivamente a tivesse colocado nessa posição
com o fim de salvaguardar outras quedas, prevendo a afluência de pessoas ao local.

Quanto ao depoimento da autora, considerou-se que o mesmo não tinha, só por si, capacidade
para formar a convicção no sentido de que os factos ocorreram como ela declarava terem
ocorrido, pois era pessoa interessada, na medida em que era parte e, por outro lado, porque
poderia ser objecto de alguma censura se admitisse que a corrente estava colocada
horizontalmente, pois tal facto poderia levar a considerar-se que ela devia ter visto e não viu a
referida corrente, sendo-lhe imputável, no mínimo, parte da culpa quanto à queda.

Apurou-se que esta corrente metálica se apoiava em dois suportes fixos; ficava a cerca de 70
centímetros de altura e a uns 20 centímetros da abertura do monta-cargas.

Como resulta do exposto, a questão que se colocava consistia em saber se a corrente estava
ou não estava colocada horizontalmente, presa a ambos os suportes, quando ocorreu a queda.

2. O tribunal acolheu a versão da autora, mas não com base nas suas declarações.

Logicamente não atribuiu valor persuasivo ao teor dos depoimentos das testemunhas que
afirmaram terem constatado a corrente colocada na posição horizontal, desde logo porque a
corrente podia ter sido colocada nessa posição depois da queda.

A convicção do juiz baseou-se em dois tipos de indícios.

Com efeito, quando uma hipótese de facto ocorreu mesmo apresenta sintomas de verdade
porque há identidade entre ela e a realidade e, sendo assim, tal hipótese, por ser real, obtém,
em regra, confirmações variadas da sua existência nessa mesma realidade e esta não a refuta.

Isto é, a realidade acolhe-a no seu seio ao invés de a rejeitar, pois, tendo existido aí, nessa
realidade, a hipótese real resulta do fundo factual onde ocorreu (foi fabricada aí), pelo que se
reflectiu nele e recebeu dele influências variadas, tudo isto de acordo com a estrutura
nomológica que existe no mundo natural e da lógica motivo-crença-intenção-finalidade que
governa as acções humanas.

No caso havia dois tipos de indícios com aptidão para desfazer dúvidas quanto a saber se a
corrente estava ou não colocada no momento da queda.

Primeiro conjunto de indícios – Considerou-se na motivação relativa à decisão da matéria de


facto que acaso a corrente estivesse colocada na horizontal, amarrada aos respectivos
suportes, então a autora teria chocado com a corrente antes de cair, como não podia deixar de
ser.

Apurou-se no decurso da audiência que a autora media de altura 1,53 metros.

Nestas condições, a corrente ficaria sensivelmente a meio da altura da autora.

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6. Prova indiciária

Por outro lado, se a corrente estivesse colocada, a autora, ao andar em direcção à corrente e
ao embater nela, sensivelmente a meio do seu corpo, caso não parasse logo ao sentir o
contacto e forçasse a corrente em direcção à abertura do monta-cargas, então a corrente teria
impedido que o corpo da autora chegasse à abertura do monta-cargas, pois esta estava
localizada ainda a cerca de 20 centímetros.

Nestas condições, a hipótese da autora ter caído, estando a corrente colocada


horizontalmente, revelava-se improvável.

Segundo conjunto de indícios – Muito embora a autora não tivesse alertado para tal matéria,
havia indícios que, aliados aos anteriores, apontavam com clareza para a hipótese da corrente
não se encontrar colocada horizontalmente.

Com efeito, continuando a considerar a hipótese da corrente estar colocada horizontalmente,


como a autora caiu para o interior da abertura do monta- cargas, este facto implicava que a
autora tivesse passado por cima da corrente e implicava também que tivesse caído, digamos,
de «cabeça para baixo», como quem mergulha, ou, pelo menos, numa posição «enrolada»,
mas nunca numa posição corporal vertical em relação ao piso da cave, pois a posição
horizontal da corrente impedia uma queda com essas características.

Ora, verificava-se pelo teor do relatório do Instituto de Medicina Legal, onde se encontravam
descritas as lesões sofridas pela autora em consequência da queda, que esta tinha sofrido
fracturas no pé esquerdo e na vértebra D12 – trata-se da vértebra que faz a transição entre as
vértebras dorsais e as lombares.

Estas lesões, e não havia outras, eram compatíveis com a hipótese da queda da autora numa
posição corporal vertical, «de pé», posição em que todo o peso e pressão do corpo se
concentra, ao embater no pavimento da cave, nos pés, pernas e coluna vertebral, ou seja,
precisamente onde se registaram as lesões.

Estas lesões constituíam factos gerados pela queda, ou seja, indícios localizados causal e
cronologicamente após os factos sob prova – colocação da corrente/queda para a abertura – e
apenas se conciliavam com a hipótese da corrente não estar colocada.

Com efeito, se a corrente estivesse colocada horizontalmente, o corpo da autora como já se


disse, tinha sido obrigado a passar por cima da corrente, mas como a corrente ficava
sensivelmente a meio do seu corpo, isso significava o desequilíbrio e queda da autora em
direcção à abertura, passando primeiramente sobre a corrente e entrando na abertura em
primeiro lugar, a parte superior do corpo, ou seja, cabeça, braços e tronco, e só depois a parte
inferior, isto é, pernas e pés.

Por conseguinte, era altamente improvável que a autora tivesse fracturado o pé esquerdo e a
vértebra D12, se a corrente estivesse colocada, e era apropriado que tivesse sofrido tais lesões
se tivesse caído numa posição corporal vertical a qual, por sua vez, era incompatível com a
existência da corrente colocada em posição horizontal.

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6. Prova indiciária

Nestas circunstâncias, a convicção não podia deixar de se formar no sentido da corrente não
estar colocada 2.

II. Abuso sexual

1. Em certa comarca foi julgado um homem, com cerca de setenta anos, acusado de abuso
sexual, tendo por vítima uma menina de dez anos de idade, sua vizinha.

Os actos consistiram em a menor se ter despido à frente do arguido, por diversas vezes, na
casa deste, a troco de pequenas quantias de dinheiro e mais tarde também sob a ameaça, feita
pelo arguido, de narrar o já sucedido a terceiros.

Face a renovadas e contínuas exigências do arguido, a menor acabou por contar o que se
estava a passar com ela a uma colega da mesma idade, informação que acabou por chegar aos
pais da menor.

O arguido negou peremptoriamente os factos, no que foi acompanhado por testemunhas que
em audiência o consideraram incapaz de cometer acções como as que lhe eram imputadas
pela menor e que constavam da acusação do Ministério Público.

As provas disponíveis consistiam essencialmente nas declarações da menor, no depoimento da


colega com quem a menor tinha desabafado e dos pais, pessoas que não tinham, claro está,
presenciado os factos.

Colocou-se a hipótese da menor estar a narrar factos inexistentes.

Porém, uma das testemunhas indicadas na acusação, professora de ginástica da menor,


quando interrogada sobre o comportamento quotidiano da menor na escola declarou, entre
outros factos, que a dada altura notou na menor uma alteração inexplicável no seu
comportamento e que foi esta: subitamente, a menor passou a evitar despir-se à frente das
colegas nos balneários da escola, e passou a recusar-se a tomar banho juntamente com as
outras raparigas, apesar da insistência da testemunha, quando é certo que, anteriormente,
este tipo de comportamento era inexistente.

2. Este facto foi valorado pelo tribunal como facto indiciário do abuso sexual.

Com efeito, verificou-se que este comportamento da menor coincidia com o período de abuso
sexual referido na acusação.

Este comportamento da menor não constava dos factos descritos na acusação, muito embora
constasse das declarações que a professora de ginástica tinha já prestado durante o inquérito
e que reproduziu espontaneamente em audiência 3.

2
Dir-se-á, e é o caso, que se chegava a esta conclusão sem ouvir testemunhas, apenas com base nas lesões da
autora descritas no relatório pericial, no conhecimento da altura da corrente quando colocada na posição horizontal
e na distância desta à abertura do monta- cargas, factos estes que não eram objecto de controvérsia.

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6. Prova indiciária

A alteração radical de um comportamento não pode deixar de surpreender e intrigar, por ser
sabido que nada surge do nada, quer dizer, há-de ter existido algo que determinou este
comportamento da menor que antes era inexistente, pelo que, mesmo desconhecendo de
todo a possível causa, atribuímos-lhe uma causa genérica.

Pensamos desta forma, por esta razão: se algo não agir sobre uma coisa, essa coisa
permanecerá a mesma; se essa coisa sofre uma alteração, então algo intrínseco ou extrínseco
agiu sobre ela.

Por analogia aplicamos esta lei a situações que envolvem o comportamento das pessoas.

Se se verificar uma alteração abrupta no comportamento de alguém, sentimo-nos legitimados


a inferir que algo terá ocorrido certamente e causado essa mudança.

No caso, a professora de ginástica, desconhecedora da situação de abuso sexual, ficou


surpreendida com a alteração do comportamento da menor, que não compreendeu, mas
nenhuma razão tinha, na altura, para colocar a hipótese de abuso sexual.

Mas, colocando-se esta hipótese, seja com base num qualquer indício, seja porque a menor
denunciou o abuso sexual, então dada a simetria entre a explicação e a previsão atrás
assinalada, a professora, ou qualquer outra pessoa, podia partir do efeito – a mencionada
alteração do comportamento – para a sua causa explicativa.

Poderia inferir que um tal efeito podia ter como causa, entre outras causas adequadas,
possíveis e concorrentes, uma situação de abuso sexual 4.

Em sede de audiência de julgamento, este facto relativo ao comportamento da menor em


relação ao banho, no contexto dos factos descritos na acusação, não podia ser considerado
como fruto do acaso ou de uma causa irrelevante e, por isso, destituído de valor probatório.

Com efeito, uma possível causa para aquela alteração específica do comportamento da menor
podia consistir, precisamente, no facto da menor ter sido ou estar a ser vítima de abuso sexual.

Efectivamente, é habitual que uma criança vítima de abuso sexual experimente um sentimento
de vergonha que se pode reflectir no relacionamento interpessoal, evitando as situações de
intimidade 5.

3
Em situação de audiência de julgamento, a factualidade relativa à modificação do comportamento da menor
constituiria um caso de alteração não substancial dos factos da acusação – al. f), do artigo 1.º, do Código de
Processo Penal, a contrario –, podendo e devendo, se fosse o caso, ser introduzida na matéria factual atinente à
acusação, nos termos previstos no artigo 358.º, n.º 1, do mesmo Código, com o fim de ser submetida a
contraditório e a decisão por parte do tribunal.
4
Perante um facto surpreendente, procurar-se-á enquadrar o mesmo numa hipótese explicativa, a qual, se
porventura se revelar verdadeira, mostrará que, afinal, o facto era algo de natural. Este tipo de raciocínio é
denominado de abdução – Cfr. António Zilhão. Pensar com Risco, 25 Lições de Lógica Indutiva, 1.ª edição. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010, pág. 45.
5
CHRISTIANE SANDERSON aludindo a esta problemática referiu que a criança «… também pode evitar situações em
que o seu corpo se torne o foco da atenção, como nos esportes, na natação ou em actividades físicas que envolvam
despir-se ou trocar-se na frente dos outros» – Abuso Sexual em Crianças. São Paulo: M. Books do Brasil Editora,
Lda., 2005, pág. 207.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Neste caso, o comportamento da menor que fica relatado, aparecia como um efeito adequado
e gerado pelas acções de abuso sexual.

No caso concreto em apreço este comportamento constituía, sem dúvida, um indício dos
factos integradores do tipo legal de crime pelo qual o arguido vinha acusado, por se tratar de
factos explicáveis tendo como causa geradora os concretos factos imputados ao arguido.

Também aqui, por virtude da simetria entre explicação e previsão, partimos de factos
conhecidos – recusa da menor em despir-se e tomar banho à frente das colegas – para outros
factos, desconhecidos situados a montante, os abusos sexuais imputados ao arguido.

Mas fazemos este percurso no âmbito de uma explicação 6, na qual as alterações de


comportamento ocupam o lugar do efeito, pelo que regredimos e inferimos a causa a partir
dos efeitos.

3. Claro está que esta inferência não é acompanhada da certeza que encontramos numa
explicação em que intervenham leis causais.

No domínio da acção humana, por não existir uniformidade no que respeita à reacção da cada
pessoa a uma dada situação factual, uma situação factual em tudo idêntica a outra pode
produzir ou não, num caso concreto, o mesmo tipo de reacção, pelo que esta inferência em
regra carece de apoio, de confirmação, proveniente de outras provas.
Porém, verifica-se que este indício corrobora as declarações da menor e vice-versa e confere
um alto grau de probabilidade à hipótese de facto constante da acusação, caso não se
encontre uma explicação alternativa aos abusos sexuais, capaz de explicar a existência do
mencionado comportamento da menor na escola.

Nestas condições, conjugando o depoimento da menor com este indício e com a ausência de
explicação alternativa para a indicada alteração do comportamento da menor, bem como a
ausência de quaisquer outros indícios com valor oposto à hipótese de facto constante da
acusação, a convicção do juiz formar-se-á no sentido dos indicados abusos terem ocorrido.

4. Neste caso, o facto indiciário, o comportamento anómalo e reiterado da menor após a aula
de ginástica, é um facto situado a jusante dos factos relativos ao abuso sexual submetidos ao
veredicto do tribunal.

Tal comportamento é já uma consequência, um efeito, dos factos submetidos a prova,


funcionando estes últimos como causa (lato sensu) de tal comportamento.

FRANCISCO ALEEN GOMES e TEREZA COELHO enumeram diversas alterações do comportamento de menores
registadas na sequência de abusos sexuais – A Sexualidade Traída (Abuso sexual infantil e pedofilia). Porto: Âmbar,
2003, pág. 52.
6
Afigura-se que a explicação será, neste caso, de natureza quase-causal, na medida em que não existirão aqui leis
causais a conectar os abusos sexuais e o comportamento da menor, mas sim motivações da menor que a levaram a
agir/reagir dessa forma; se intervierem leis causais, o que é potenciado pelo facto do comportamento em causa se
inserir num padrão de comportamento, então a explicação revestirá, neste aspecto, natureza causal.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
6. Prova indiciária

Por conseguinte, este indício não é directamente explicativo do abuso sexual, pois a explicação
para ele reside nos motivos libidinosos específicos do agente.

Os actos de abuso sexual é que integram a explicação daquele comportamento da menor por
ocasião da aula de ginástica.

Mas quer os actos de abuso sexual, quer as motivações prévias do agente, quer o mencionado
comportamento da menor, todos eles se inserem na mesma linha ou cadeia explicativa e é por
isso que tal comportamento constitui um indício dos actos de abuso sexual, por surgir como
um efeito típico destes.

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/3mxyeb105/flash.html?locale=pt

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DIREITO E PROCESSO PENAL: - PROVA; - LEI DAS ARMAS
7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento

7. ATOS DE FALA DE TESTEMUNHAS E ARGUIDOS ANTERIORES AO JULGAMENTO 1

Paulo Dá Mesquita ∗

Apresentação Power Point


Vídeo da apresentação

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Direito probatório, substantivo e processual penal”, no
Auditório do CEJ (Lisboa), no dia 25 de novembro 2016.
* Procurador-Geral Adjunto, Vogal do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

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7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento

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7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento

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7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento

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7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento

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7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento

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7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento

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7. Atos de fala de testemunhas e arguidos anteriores ao julgamento

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/1bolmqj2rm/flash.html?locale=pt

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8. Direito ao silêncio corporal? Ingerências corporais probatórias: a identificação genético-criminal

8. DIREITO AO SILÊNCIO CORPORAL? INGERÊNCIAS CORPORAIS PROBATÓRIAS: A


IDENTIFICAÇÃO GENÉTICO-CRIMINAL 1

Jorge dos Reis Bravo ∗

Apresentação Power Point


Vídeo da apresentação

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Direito probatório, substantivo e processual penal”, no
Auditório do CEJ (Lisboa), no dia 19 de janeiro 2018.
* Procurador da República.

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8. Direito ao silêncio corporal? Ingerências corporais probatórias: a identificação genético-criminal

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8. Direito ao silêncio corporal? Ingerências corporais probatórias: a identificação genético-criminal

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8. Direito ao silêncio corporal? Ingerências corporais probatórias: a identificação genético-criminal

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/1bolmqj2rm/flash.html?locale=pt

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

9. A RECUSA DE COLABORAÇÃO DO ARGUIDO EM SE SUJEITAR A DILIGÊNCIAS DE PROVA 1

Patrícia Naré Agostinho ∗

I. Delimitação do objecto da apresentação


II. A prerrogativa contra a auto-incriminação
III. Onde é que as questões surgiram?
IV. Direito Positivo
V. O arguido como meio de prova
Apresentação Power Point
Vídeo da apresentação

I. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DA APRESENTAÇÃO

Pela negativa

1) Não se irá tratar sobre as declarações do arguido ou de diligências em que o contributo do


arguido se processe através da palavra falada ou escrita ou através da encenação de
reconstituição de actos (ficam assim de fora as problemáticas atinentes, por exemplo, à
reconstituição do facto);

2) Não iremos igualmente debruçar-nos sobre a imposição do dever de colaboração no âmbito


de processos não penais e a transmissibilidade das provas assim obtidas para um concreto
processo penal, em curso ou futuro (esse é o tema das oradoras da tarde);

3) Não iremos debruçar-nos sobre as constelações que se prendam com o desconhecimento


do arguido de que poderá estar a contribuir para a sua incriminação, designadamente, as
hipóteses de agentes encobertos e escutas telefónicas;

4) E, por fim, não nos debruçaremos sobre aquelas situações em que o arguido ou futuro
arguido não se opôs expressamente à realização da diligência e vem - a posteriori - colocar em
crise a prova assim obtida, directa ou indirectamente, por contender com a prerrogativa
contra a auto-incriminação.

Assim, e pela positiva, iremos unicamente debruçar-nos sobre as situações em que o arguido
expressamente se recuse a realizar um determinado comportamento no âmbito de uma
diligência que tem por objectivo a recolha de provas.

Em termos metodológicos optou-se por:

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Direito probatório, substantivo e processual penal”, no
Auditório do CEJ (Lisboa), no dia 19 de janeiro 2018.
* Procuradora da República e Docente do CEJ.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

– Se iniciar por uma breve alusão ao panorama actual da discussão em torno da prerrogativa
contra a auto-incriminação;

– Uma incipente tomada de posição;

– Um elenco de onde as questões têm surgido a nível jurisprudencial e qual o seu tratamento;

– Uma abordagem sobre o direito positivo;

– Conclusão para quem, como nós, entende que estas diligências não estão a coberto da tutela
da prerrogativa contra a auto-incriminação que o problema não reside nesta mas sim na
dignidade da pessoa humana – via que, embora aparentemente sob a égide da auto-
incriminação – tem sido seguida pelo legislador processual penal.

II. A PRERROGATIVA CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO

A realização de diligências de prova que têm como objecto o arguido contende com duas
constelações que convocam a prerrogativa contra a auto-incriminação: a obtenção de fontes
de prova do próprio arguido e a coerção.

Existe um amplo consenso quanto à sua vigência, porém, a prerrogativa contra a auto-
incriminação continua envolta em controvérsia, desde logo, quanto ao seu âmbito objectivo.

Duas teses:

1. Abrange só as declarações verbais


2. Abrange qualquer colaboração coercivamente imposta

Nos Estados Unidos da América, a formulação literal da V Emenda proíbe apenas que alguém s
eja obrigado a declarar contra si mesmo («tobe awitness against him self »), sugerindo que o
alcance da prerrogativa está limitado à extracção coactiva de «comunicações» – interpretação
que tem sido seguida sem hesitações pelos tribunais superiores desde Holt v. USA (1910).
Partindo desta ideia, a construção largamente dominante no contexto jurídico norte-
americano assenta na dicotomia entre «testimonial» e «real or physical evidence»,
circunscrevendo-se aos elementos probatórios da primeira espécie a operatividade
do privilege against self-incrimination.

Alemanha
Ao contrário do que é o entendimento do Supreme Court, o direito à não auto-incriminação no
direito germânico é compreendido como abrangendo quer a liberdade de declaração, quer o
recurso ao corpo do arguido como meio de prova.

Quanto a meios de prova distintos das declarações do arguido, isto é, quanto ao recurso ao
seu corpo como meio de prova e sua colisão com o direito à não auto-incriminação, a tese que

180
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

tem feito vencimento na Alemanha, funda-se na distinção entre uma actividade positiva ou o
mero tolerar passivo.

Em face deste critério se ao arguido se impõe a colaboração mediante uma conduta activa tal
é susceptível de ferir o direito à não auto-incriminação; se, ao invés, se lhe impõe meramente
que tolere uma determinada actividade não há qualquer colisão com o direito à não auto-
incriminação que lhe assiste.

Assim, nesta acepção não é possível - porque atentatório do princípio da passividade - obrigar
alguém a soprar para submissão a um teste de álcool. No entanto, já é possível a sua
submissão a uma colheita de sangue para atingir tal desiderato, porque ao visado se exige
unicamente que tolere a sua realização.

III. ONDE É QUE AS QUESTÕES SURGIRAM?

Em caso de recusa expressa:

1. Submissão a recolha de autógrafos – AUJ 14/2014: pode-se cominar com a prática de um


crime de desobediência;

2. Amostras biológicas – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155/2007;

3. Extracção de produto estupefaciente do interior do corpo – Acórdão do TRC de 30 de


Março de 2011( não foi fundamento do recurso a violação da prerrogativa contra a auto-
incriminação, tendo-se, ao invés, a discussão centrado na categoria em que se deveria inserir a
diligência efectuada: se nas revistas, perícias ou exames).

Amostras biológicas:

No Acórdão n.º 155/2007 uma das questões de constitucionalidade suscitadas prendia-se com
a recolha não consentida de vestígios biológicos (mais concretamente saliva), contra a vontade
expressa do arguido, mas sem que tivesse existido utilização de força física, embora com
advertência de recurso à mesma, na medida do necessário para salvaguardar a integridade
física de quem iria realizar a colheita e sua compatibilidade com o direito à não auto-
incriminação. O Tribunal Constitucional, louvando-se na jurisprudência Saunders, restringe o
direito à não auto-incriminação “ao respeito pela vontade do arguido em não prestar
declarações”, pelo que que no caso da colheita de saliva para efeitos de realização de análises
de ADN entendeu que tal não contendia com o direito à não auto-incriminação (porquanto
“essa colheita não constitui nenhuma declaração”).

Dir-se-ia que esta questão, face à actual redacção do artigo 154º do Código de Processo Penal
e do artigo 8º da Lei da Base de Dados de ADN, se encontra resolvida de acordo com aquele
que foi o entendimento do Tribunal Constitucional.

181
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

O entendimento do STJ foi o de que a recolha de autógrafos em causa colidia com a


prerrogativa contra a auto-incriminação afirmando, porém, o seu carácter relativo que, assim,
admite compressões.

Quanto a nós, desde já se adianta que perfilhamos o entendimento de que a prerrogativa


contra a auto-incriminação se circunscreve à palavra.

Antes, porém, de centrarmos a questão do tratamento da recusa de colaboração do arguido


em se sujeitar a diligências de prova vejamos o direito positivo – advertindo desde já que não
é na configuração concreta das normas legais e nas suas aplicações práticas que se vai buscar
os elementos determinantes de um critério definidor do conteúdo do nemo tenetur.

IV. DIREITO POSITIVO

Artigo 154º do Código de Processo Penal

1 – A perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade


judiciária, contendo a indicação do objeto da perícia e os quesitos a que os peritos devem
responder, bem como a indicação da instituição, laboratório ou o nome dos peritos que
realizarão a perícia.
(...)
3 – Quando se tratar de perícia sobre características físicas ou psíquicas de pessoa que não
haja prestado consentimento, o despacho previsto no número anterior é da competência do
juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade
pessoal e à reserva da intimidade do visado.

Artigo 172º do Código de Processo Penal

1 – Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que
deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente.
2 – É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 do artigo 154.º e 6 e 7 do artigo
156.º

Artigo 52.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro

Perícia médico-legal
1 – Logo que, no decurso do inquérito ou da instrução, haja notícia de que o arguido era
toxicodependente à data dos factos que lhe são imputados, é ordenada a realização urgente
de perícia adequada à determinação do seu estado.
2 – Na medida do possível, o perito deve pronunciar-se sobre a natureza dos produtos
consumidos pelo arguido, o seu estado no momento da realização da perícia e os eventuais

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

reflexos do consumo na capacidade de avaliar a ilicitude dos seus actos ou de se determinar de


acordo com a avaliação feita.
3 – Pode ser ordenada, quando tal se revele necessário, a realização das análises a que se
refere o n.º 4 do artigo 43º. (4 - O examinando pode ser sujeito a análise de sangue ou de urina
ou outra que se mostre necessária.)

Artigo 53.º

Revista e perícia
1 – Quando houver indícios de que alguém oculta ou transporta no seu corpo estupefacientes
ou substâncias psicotrópicas, é ordenada revista e, se necessário, procede-se a perícia.
2 – O visado pode ser conduzido a unidade hospitalar ou a outro estabelecimento adequado e
aí permanecer pelo tempo estritamente necessário à realização da perícia.
3 – Na falta de consentimento do visado, mas sem prejuízo do que se refere no n.º 1 do artigo
anterior, a realização da revista ou perícia depende de prévia autorização da autoridade
judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 – Quem, depois de devidamente advertido das consequências penais do seu acto, se recusar
a ser submetido a revista ou a perícia autorizada nos termos do número anterior é punido com
pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Artigo 8º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro

1 – A recolha de amostra em arguido em processo criminal pendente, com vista à


interconexão a que se refere o n.º 2 do artigo 19.º-A, é realizada a pedido ou com
consentimento do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento escrito, por
despacho do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à
integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado.
(...)
4 – Em caso de recusa do arguido na recolha de amostra que lhe tenha sido ordenada nos
termos dos números anteriores, o juiz competente pode ordenar a sujeição à diligência nos
termos do disposto no artigo 172.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 78/87, de 17 de fevereiro.

Artigo 14º da Lei do Cibercrime – Injunção para apresentação ou concessão do acesso a


dados

5 – A injunção prevista no presente artigo não pode ser dirigida a suspeito ou arguido nesse
processo.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

Recolha de
amostras
Perícias Exames Revistas Determinação Estado biológicas para
Revista e Perícia
(art. 154º (art. 171º (art. 174º Toxicodependência determinação
(art. 53º DL 15/93)
CPP) CPP) CPP) (art. 52º DL 15/93) perfil genético
(artigo 8º Lei
5/2008)
Qualquer Qualquer Qualquer
Sujeito Passivo Arguido toxicodependente Suspeito Arguido
pessoa pessoa pessoa
“Haja notícia de que o arguido
era toxicodependente” “Indícios de que
Tem que haver confirmação alguém oculta ou
Grau de suspeita
das notícias através da transporta no seu
realização de diligências (artigo corpo”
5º Portaria 94/96)
Autoridade
competente com MP MP MP MP MP Juiz
consentimento
Autoridade
competente sem
Juiz Juiz MP MP MP Juiz
consentimento
Qualquer Qualquer Qualquer Tráfico de
Catálogo de Crimes Qualquer crime Qualquer crime
crime crime crime estupefacientes
Artigo 8º, n.º 4: Em
caso de recusa do
arguido na recolha
de amostra que lhe
tenha sido
Falta de “Pode ser Desobediência ordenada (...), o
consentimento compelido” qualificada juiz competente
pode ordenar a
sujeição à
diligência nos
termos do disposto
no artigo 172.º do
CPP.

Em suma:

 Todas estas medidas dependem em primeira linha do consentimento e só quando este não
seja dado é que pode ser determinada a sua execução por ordem da autoridade judiciária
competente.

 No entanto, os regimes legais são díspares ou evasivos quanto às consequências da sua


ausência.

Assim,
 Quanto às perícias não se prevê a consequência no caso de o visado recusar.

Negando a possibilidade de execução coerciva de uma perícia PINTO DE ALBUQUERQUE


(Comentário do Código de Processo Penal; p. 431) que afirma que “O CPP é omisso sobre o
procedimento a adoptar no caso de o visado recusar obedecer à ordem da autoridade

184
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

judiciária e, designadamente, não permite que o visado possa ser compelido, como se prevê
no artigo 171º, n.° 1. (…) Portanto, a recusa de obediência só pode dar lugar à incriminação do
artigo 348.°, n.° 1, al. b), do CP, caso ela tenha sido cominada com a ordem dada.” Neste
sentido v. também HELENA MONIZ, “Os Problemas Jurídico-Penais da Criação de uma Base de
Dados (...)”, p. 256; SÓNIA FIDALGO, “Determinação do perfil genético como meio de prova em
processo penal”, p. 139; MARIA DO CARMO SILVA DIAS, “Particularidades da Prova em Processo
Penal. (...)”, p. 203.

 O artigo 172º ao prever que “se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame
devido (...) pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”, tem
suscitado divisões quanto à previsão de execução coerciva de exames.

 O artigo 52º do DL 15/93 é omisso quanto às consequências da recusa.

 O artigo 53º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro prevê dois momentos:

a) Num primeiro – a de falta de consentimento – a realização da revista ou perícia depende de


prévia autorização da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível,
presidir à diligência;

b) Num segundo, se o visado persitir na recusa de "ser submetido a revista ou a perícia


autorizada nos termos do número anterior é punido com pena de prisão até 2 anos ou com
pena de multa até 240 dias”.

 Idêntica partição faz o artigo 8º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro na sua actual
redacção:

a) N.º 1 – falta de consentimento – A recolha de amostra em arguido é realizada por despacho


do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade
pessoal e à reserva da intimidade do visado.

b) N.º 4 – no caso de recusa - o juiz competente pode ordenar a sujeição à diligência nos
termos do disposto no artigo 172.º do Código de Processo Penal.

 Já a lei do Cibercrime no seu artigo 14º, n.º 5, nem sequer admite que a injunção prevista
no artigo 14º seja dirigida a arguido ou suspeito.

V. O ARGUIDO COMO MEIO DE PROVA

Artigo 61º do Código de Processo Penal

3 – Recaem em especial sobre o arguido os deveres de:


(...)

d) Sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial


especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

Num processo de estrutura acusatória o arguido, de mero objecto do processo, passa a assumir
a veste de verdadeiro sujeito processual ao qual são concedidos direitos e deveres e,
consequentemente, a capacidade de conformar a decisão final, designadamente através da
possibilidade de oferecer provas e requerer as diligências necessárias à descoberta da
verdade. No entanto, a elevação ao estatuto de sujeito processual não é incompatível com a
configuração do arguido também como meio de prova, seja quando através das suas
declarações introduz no processo elementos relevantes para a descoberta da verdade (meio
de prova em sentido material), mas também quando se torna necessário recorrer ao seu
corpo, estado corporal e suas qualidades ou características (meio de prova em sentido formal).

Desta forma a partir da constituição de arguido, além de lhe serem assegurados um conjunto
de direitos que visam em primeira linha a concretização do seu direito de defesa, são-lhe
impostos deveres processuais incluindo o dever de se sujeitar a diligências de prova, nos
termos do artigo 61º, n.º 3, alínea d), do CPP.

E é nesta veste do arguido como meio de prova em sentido formal enquanto sujeito a um
meio de coacção processual que cabe precisar em que termos e sob que condições se pode
impor ao arguido a submissão a diligências probatórias.

Tal análise passa necessariamente por indagar da legitimidade constitucional face ao potencial
de lesão de direitos fundamentais que estas diligências probatórias possam encerrar, como a
autonomia pessoal, a integridade corporal e a reserva da intimidade da vida privada daquele
que constitui o seu alvo. Chamado a pronunciar-se sobre algumas das constelações do arguido
como meio de prova, o Tribunal Constitucional tem admitido a restrição dos direitos
fundamentais assinalados quando esteja em causa a averiguação de crimes e dos seus autores.

O problema, quanto a nós, agudiza-se não nos casos de falta de consentimento, mas sim nos
casos de recusa expressa e de oposição veemente do arguido na execução da diligência.
Partição que, como vimos o artigo 53º do DL 15/93 e o artigo 8º da Lei 5/2008, efectuam.
Ou seja, e dito por outras palavras, os casos em que seja necessário para executar a diligência
a utilização da força.

Como primeira linha de argumentação deve ser tido em consideração que o recurso à força
não está excluído do processo penal sendo, por vezes, imprescindível para a prossecução dos
seus objectivos.

Deve ainda ter-se em consideração que nem todos os meios de prova que consubstanciem um
ilícito penal são feridos com a proibição de prova - é aliás neste horizonte que se parece
inscrever o preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 126º que só considera ofensiva da
integridade física e moral a provas obtida mediante a utilização da força, fora dos casos e dos
limites permitidos pela lei.

Como pistas de resolução das hipóteses de coerção podemos apontar então:

1. O recurso à força deve estar expressamente previsto na lei;

186
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

2. O uso da força em processo penal tem de obedecer aos princípios da adequação,


necessidade e proporcionalidade;

3. Deve-se aferir da modalidade, intensidade e indispensabilidade da medida 2, necessidade do


meio e justificação teleológica (para defesa do próprio ou de terceiros ou para vencer a
resistência à execução de determinada medida);

4. Tem de se ter em consideração a criminalidade em causa.

Em casos de impossibilidade de dar o consentimento ou com o desconhecimento do arguido:

1. Colheita de amostra de sangue, para exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo


álcool quando o estado de saúde do condutor não permita a realização do exame para
pesquisa de álcool no ar expirado (Ac. TRE de 21/04/2015) – com voto de vencido por
entender que a colheita, apesar de não violadora da auto-incriminação, era coerciva e
inadmissível no caso por falta de habilitação legal para uso da força e de deslealdade
probatória (v. também Acórdão da RP de 9 de Dezembro de 2009; no sentido do voto de
vencido v. Acórdão do TRC de 10 de Novembro de 2010).

Arguido não está impossibilitado de dar o seu consentimento e a posteriori coloca em crise a
prova assim obtida:

2. Colheita de amostra de sangue, para exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo


álcool em condutor consciente - Acórdão do TRE de 15 de Novembro de 2011: "entendemos
que o direito à não auto-incriminação se refere ao respeito pela vontade do arguido em não
prestar declarações, não abrangendo o uso, em processo penal, de elementos que se tenham
obtido do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da
vontade do sujeito, como é o caso, por exemplo e para o que agora nos importa considerar, da
recolha de material biológico no sangue para efeitos de análise do grau de alcoolemia";

“(...) temos para nós que tal comportamento deverá e poderá ser valorado como indício sobre
a culpabilidade do arguido (...).”

(Tiago Caiado Milheiro, “Prova por ADN e o papel do Juiz de Instrução Criminal”, p. 30).

2
Quer na perspectiva da sua subsidiariedade quer do seu potencial probatório.

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9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

Apresentação Power Point

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9. A recusa de colaboração do arguido em se sujeitar a diligências de prova

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Vídeo da apresentação

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

10. NEMO TENETUR E A TRANSMISSIBILIDADE DA PROVA ENTRE PROCEDIMENTOS 1

Paulo de Sousa Mendes ∗

Apresentação Power Point


Jurisprudência
Vídeo da apresentação

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Temas de Direito Penal e Processual Penal”, no Auditório
do CEJ (Lisboa), nos dias 5, 12, 19 e 26 de fevereiro de 2016.
* Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

229
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10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
10. Nemo Tenetur e a Transmissibilidade da Prova Entre Procedimentos

Jurisprudência

Ficheiro I
Ficheiro II
Ficheiro III

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/1a4e00770f/flash.html?locale=pt

232
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

11. A TRANSMISSIBILIDADE DE DOCUMENTOS ENTRE O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO


TRIBUTÁRIO E O PROCESSO SANCIONATÓRIO PENAL OU CONTRAORDENACIONAL 1

Sandra Oliveira e Silva ∗

Apresentação Power Point


Vídeo da apresentação

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Direito probatório, substantivo e processual penal”, no
Auditório do CEJ (Lisboa), no dia 19 de janeiro 2018.
* Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

235
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

236
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

237
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

238
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

239
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

240
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

241
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

242
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

243
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒LEI DAS ARMAS
11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

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11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

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11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

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11. A transmissibilidade de documentos entre o procedimento administrativo
tributário e o processo sancionatório penal ou contraordenacional

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/22ku4kodc5/flash.html?locale=pt

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12. Técnicas de inquirição e interrogatório - em especial na criminalidade económico-financeira

12. TÉCNICAS DE INQUIRIÇÃO E INTERROGATÓRIO - EM ESPECIAL NA CRIMINALIDADE


ECONÓMICO-FINANCEIRA 1

Carla Costa ∗

Apresentação Power Point

Apresentação Power Point

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Técnicas de inquirição e interrogatório em processo
penal”, no Auditório do Montepio (Lisboa), no dia 16 de janeiro 2015.
* Inspetora da Polícia Judiciária, Adjunta no Gabinete do Ministro da Saúde.

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

13. LEI DAS ARMAS (PERPLEXIDADES, DÚVIDAS E ALGUMAS OUTRAS QUESTÕES) 1

Maria Teresa de Teixeira de Simões Morais ∗

Vídeo da apresentação

A Lei das Armas, aprovada pela Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, nas suas sucessivas
alterações faz lembrar – desde logo – uma pequena história de um livro de filosofia 2:

Um indivíduo de uma tribo responde prontamente a um antropólogo que: 2 + 2 é igual a 5. E


passa a explicar:

Primeiro, dou dois nós numa corda.

De seguida, dou dois nós noutra corda. E, quando as uno, fico com 5 nós.

E é perante esta série de nós, que me proponho partilhar algumas dúvidas:

Estamos aqui no âmbito dos crimes de perigo comum em que a censurabilidade jurídico-
criminal se situa a montante de um possível resultado desvalioso que se pretende prevenir e
evitar.

Ou, como melhor diz Maia Gonçalves:

«Os crimes de perigo comum constituem a consagração de uma linha de pensamento da


política criminal que acha necessária a intromissão do direito penal para salvaguardar certos
bens jurídicos que a nossa sociedade tecnológica põe em perigo.»... «O ponto crucial destes
crimes... reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se
repercutem, amiúde, num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos.»
(Código Penal Português, 13.ª ed., pág. 805).

Dentro deste grupo, estamos perante um sub-grupo:

‒ De crimes de perigo abstracto;

‒ Por contraposição aos crimes de perigo concreto (de que é exemplo típico a condução
perigosa de veículo rodoviário).

Aqui, é necessário que se verifique a iminência de um ataque a determinados bens jurídicos:


como vida, integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado.

1
Apresentação decorrida no âmbito da ação de formação “Temas de Direito Penal e Processual Penal”, no Auditório
do CEJ (Lisboa), nos dias 5, 12, 19 e 26 de fevereiro de 2016.
* Procuradora da República.
2
«Platão e um Ornitorrinco entram num bar…» Thomas Cathcart e Daniel Klein, Publicações Dom Quixote

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Já nos crimes de perigo abstracto – como é o caso da Lei das Armas – basta que a conduta do
autor se enquadre numa das previsões normativas.

Ou seja:

O perigo foi considerado antes (pelo próprio legislador) para a tipificação criminal da conduta,
mas não é elemento do tipo.

Numa segunda ordem de considerações: relembra-se que, à excepção do art.º 88.º, em todos
os outros casos estamos perante crimes dolosos (ou seja, decorrentes de uma conduta
voluntária do respectivo autor).

Assim o determina/aconselha a Convenção das Nações Unidas, de 2003, contra o Fabrico e o


Tráfico Ilícitos de armas de fogo.

Em contraposição, no regime de mera ordenação social (as contra-ordenações), o art.º 104.º


da Lei das Armas prevê a punição, generalizada, por tentativa e por negligência.

Mas se a punição a título de negligência tem de estar expressamente consagrada (sendo-o


para as contra-ordenações, mas não para a generalidade dos crimes).

Já a punição por tentativa está legalmente prevista nos arts. 22.º e 23.º do Código Penal, ou
seja para todos crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão.

E então, desde 2009, passou a ser sancionada também a tentativa de detenção de armas da
Classe E, armas brancas, munições etc., ou seja, a previsão da al. d) do n.º 1 do art.º 86.º, que
agravou a pena de 3 para 4 anos.

Feito este intróito, abstemo-nos, por ora, de qualquer consideração sobre as definições e
classificações desta Lei e – usando a linguagem bélica – passamos já, de rajada, para os tipos
legais de crime.

Desfolhando este Diploma, desde logo nos deparamos com dois tipos de crime cuja respectiva
sistematização não nos parece louvável, porque algo escondidos por entre «normas de
homologação» e «normas de conduta»:

Referimo-nos:

- Ao n.º 4 do art.º 29.º que pune, como desobediência qualificada, o facto de o respectivo
autor não depositar a arma e respectivos documentos na PSP quando não lhe é
autorizada ou renovada a licença de uso e porte;
e
- Ao art.º 45.º que, em conjugação com o art.º 88.º, nos causa a primeira grande
perplexidade.

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Assim:

O portador de uma arma pode ser obrigado a submeter-se a exame para detecção de
influência de álcool ou de outras substâncias psicotrópicas, sendo a recusa punida como crime
de desobediência qualificada (348.º Código Penal) e, portanto, com uma pena até 2 anos de
prisão.

Incompreensivelmente:

O uso e porte de arma com uma taxa (de álcool) igual ou superior a 1,2 g/litro é punido com
pena até 1 (um) ano de prisão.

Por outro lado, não se percebe a discrepância entre esta norma do art.º 88.º da Lei das Armas
com o art.º 29.º da Lei da Caça que – em nosso entender deveria prever uma moldura penal
semelhante (senão, mesmo, agravada) – mas onde se estabelece, para o exercício da caça sob
influência do álcool, uma pena de multa até 120 dias (sendo que, na Lei das Armas, a multa
ascende aos 360 dias).

Mas as incongruências não se ficam por aqui:

Recorrendo às definições legais do art.º 2.º, temos:

- Detenção de arma: ter em seu poder ou disponível para uso imediato (uma arma);

- Porte de arma: o acto de trazer consigo uma arma branca, ou municiada, ou


carregada, ou em condições de o ser para uso imediato;

- Uso de arma: o acto de empunhar, apontar ou disparar uma arma.

Constata-se assim que o legislador veio agora restringir a definição de «detenção» de arma –
que, na versão anterior, não pressupunha o requisito «uso imediato» – criando, quanto a nós,
confusão ou sobreposição dos conceitos entre «detenção» e «porte».

Só que:

E depois destas definições, o legislador vem dizer que, para os efeitos do referido art.º 45.º -
nomeadamente, para o autor ser obrigado ao referido exame (de detecção de álcool, ou
substâncias estupefacientes ou psicotrópicas) – a «detenção» só é relevante quando a arma
estiver na esfera de disponibilidade imediata do detentor, montada, municiada e apta a
disparar.

Ou seja, em nosso entender, bastava cortar – no n.º 1 desse art.º 45.º – a expressão
«detenção», ficando apenas as situações de uso e porte, para estarem cobertas as situações
que se queriam previstas, sem que houvesse necessidade de uma outra definição (dentro da
mesma lei) sobre o que se entende por detenção.

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Mas retomando ainda o art.º 88.º, a leitura deste artigo faz-nos concluir que:

‒ A punição da detenção (aqui nos termos definidos pelo no art.º 2º) e de transporte, reporta-
se às situações de desrespeito pelas normas de segurança do art.º 41º;

Pelo que:

‒ A influência do álcool, ou substâncias estupefacientes só tem relevância criminal quanto ao


uso e porte de arma.

Mas porquê misturar estas duas situações distintas?

Ou seja, separando em cerca de 43 artigos a responsabilização criminal pela recusa de teste e


pelo uso e porte sob efeito de álcool …

O legislador juntou, a cada uma destas situações, outros casos perfeitamente diferenciáveis,
ou seja, a detenção, uso e porte e transporte fora das condições de segurança (ligadas,
sobretudo, às próprias armas e seu acondicionamento e, não, ao «agente» em si).

Ainda e no que concerne ao detentor, portador ou transportador de uma arma, a lei prevê a
respectiva punição se o mesmo se encontrar sob influência (para além de substâncias
psicotrópicas) de produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física mental ou
psicológica, mas já não perante a recusa a teste para detecção deste tipo de substâncias.

E há testes? Que tipo de testes?

Ainda neste aspecto – de produtos perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica –


estamos perante conceitos tão abertos (absolutamente indefensáveis nas leis penais), que há
que apelar à sensatez do aplicador.

De outro modo, um portador de arma que tenha tomado, por ex. um anti-histamínico poderia
ser criminalmente responsabilizado por este ilícito.

Feitas estas considerações, entro agora em terreno minado:

Ou seja, no art.º 86.º da Lei das Armas.

Esta norma divide-se em duas partes distintas, conforme sugere a sua própria epígrafe.

Uma – de detenção de arma proibida.

Outra – de crime cometido com arma (mesmo que autorizada ou dentro das condições legais
ou prescrições da autoridade competente).

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E assim, estas diferentes situações (porque tão estruturalmente autónomas) levam-nos a


perguntar se não seria mais defensável a respectiva separação normativa.

É que, além do mais, o n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do referido artigo reportam-se a situações não
directamente ligadas ou dependentes dos números anteriores, mas a uma certa ideia de
«Parte Geral» como existe no Código Penal.

Dito isto:

Os Magistrados do Ministério Público dividiam-se quanto à responsabilização criminal dos


detentores de armas que não renovavam atempadamente as respectivas licenças.

Uns, defendiam que se tratava de uma conduta negligente e, portanto, não punível.

Outros optavam pela não punição por falta de consciência da ilicitude.

E, por fim, outros propendiam para a responsabilização criminal do detentor.

O grande mérito da versão de 2011 foi o de clarificar tal questão jurídica ou – dito de outra
forma – de descriminalizar a detenção de arma sem renovação da respectiva licença no prazo
de 180 (cento e oitenta dias) a contar da data da caducidade, relegando esta situação para um
ilícito de mera ordenação social (nos termos do art.º 99.º-A n.º 1, n.º 2 e n.º 3 – consoante a
classe das armas).

Mas criou-se, neste contexto, um novo crime:

«A notificação do auto de notícia relativa à contra-ordenação» reportada a todas as armas


(com excepção das da classe F) «será complementada com a advertência de que o arguido
deve proceder à renovação da licença ou solicitar a sua titularidade ao abrigo de outra licença
aplicável, no prazo de 15 dias, sob pena de, findo esse prazo, a detenção de arma passar a ser
considerada detenção fora das condições legais, para os efeitos do n.º 1 do art.º 86.º».

Ainda no que concerne ao n.º 1 do citado art.º 86.º, a sua leitura – desde a versão inicial –
acarretou uma espécie de desilusão por expectativas goradas.

Eu explico-me:

Ao ler o art.º 3.º deparamo-nos com uma exaustiva classificação das armas em sentido
descendente de perigosidade (julgava eu).

Mas este critério de classificação não tem qualquer correspondência da graduação do grau de
ilicitude estabelecida pelas várias alíneas do citado n.º 1 do art.º 86.º.

E assim, por exemplo, podemos ver armas da classe A enquadráveis na previsão da al. d), ou
seja, na menos gravosa de todas.

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Já no que diz respeito ao regime geral previsto por este art.º 86º.

Estabelece o n.º 3 que as penas aplicáveis aos crimes cometidos com arma são agravadas de
1/3 nos seus limites mínimo e máximo, excepto se:

‒ O porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime;

ou

‒ A lei já previr agravação mais elevada para o crime em função do uso e porte de arma.

De imediato, a pergunta que surge é se tal agravação se aplica a todo e qualquer crime?

Qual a lógica ou fundamento desta agravação, por exemplo, nos crimes contra a honra?

Ou, em termos mais gerais, nos crimes em que não existe «confronto» directo entre o autor e
a vítima, ou nos crimes em que, de todo, não existe vítima?

E este n.º 3 encontra-se intimamente interligado (numa relação de dependência recíproca)


com o n.º 4, onde se refere «mesmo» que o autor se encontre autorizado ou dentro das
condições legais ou prescrições da autoridade competente».

Voltamos então a perguntar, por exemplo: se um caçador cometer um crime contra a


preservação da fauna e das espécies cinegéticas (caçador esse que se pressupõe armado), vê a
sua responsabilidade criminal agravada por dispor, como é natural, de uma arma?

Importa, pois, também aqui não accionar o gatilho de imediato.

Apelando ao entendimento de Faria Costa, em anotações ao crime de furto qualificado (e


passo a citar):

«Se a arma não teve qualquer interferência, mormente de ordem subjectiva por parte do
agente da infracção (isto é: o agente levava a arma, nem sequer se recordava de que consigo a
trazia, e furta uma garrafa de whisky no supermercado), não há lugar à qualificação...»

E o mesmo autor inclina-se a «acompanhar todos aqueles que centram a característica


essencial da noção de arma» (digo eu, nestes casos) «na capacidade de provocar nas pessoas
ofendidas ou nos circunstantes medo justo ou receio de poderem vir a ser lesadas no corpo ou
na vida através do seu emprego».

A esta «doutrina da impressão», atrevo-me a somar um outro critério, agora ligado ao próprio
autor do crime. Ou seja, agravação dos factos poderá funcionar também, quando o mesmo se
sente favorecido/«superiorizado» pela posse da arma.

E, deste modo, chegamos à problemática da comparticipação.

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Parece-nos aqui que o legislador deu um tiro no pé!

Diz o n.º 4 que «o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no
momento do crime, arma aparente ou oculta».

E quando falamos em comparticipação, estamos a abranger os casos de autoria imediata,


autoria mediata e, também, de cumplicidade.

Estas definições são de extrema importância na abordagem desta norma.

Vamos supor que alguém determina ou instiga outrem à prática de uma agressão. Assim, só
assim!

Este autor moral pode, muito bem, perder o domínio do facto quanto ao modo de execução,
que é deixada ao arbítrio do autor imediato.

Ou melhor ainda, e se este executante extravasa o âmbito da resolução criminosa do autor


moral ou do instigador e, por sua iniciativa, se mune com uma arma?

Arma essa, que pode muito bem, nem sequer, ser usada ou manter-se sempre oculta!

E assim:

Porquê, ou com que fundamento, se agrava a punição do primeiro?

Mais problemática é, ainda, o caso da cumplicidade. Este comparticipante, não tem qualquer
domínio sobre o facto principal, limitando-se a prestar auxílio (material ou moral) ao autor,
facilitando, pois, o cometimento de um ilícito que – mesmo sem ele – poderia ser consumado.

Por outro lado:

Numa primeira abordagem seriamos levados a pensar que estamos (apenas) no âmbito da
problemática da ilicitude, ou mais concretamente, do grau de ilicitude.

Só que a doutrina e jurisprudência têm defendido que as agravantes, por exemplo nos casos
dos crimes de furto e roubo (e, portanto, nomeadamente, pela posse de arma aparente ou
oculta) não são de aplicação automática e prendem-se com um juízo de especial
censurabilidade do respectivo autor.

E então, entramos aqui no domínio da culpa.

Da pessoalíssima culpa do art.º 29.º do Código Penal, onde se refere que «cada
comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de
culpa dos outros comparticipantes.».

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

É que se a culpa é pressuposto da punição, é também – concomitantemente – limite para a


própria punição.

Noutra linha de pensamento, e por uma questão de coerência sistemática, entendemos que
deveria ter sido efectuada uma ligação do n.º 1 do art.º 42.º com a referida espécie de parte
geral (ou seja, n.º 3, 4 e 5 do art.º 86.º).

Estabelece-se aqui o que se considera «uso excepcional de arma de fogo», ou seja, o


respectivo uso «como último meio de defesa, para fazer cessar ou repelir uma agressão actual
e ilícita ….» etc.

Deste modo é inevitável associar este regime ao das causas de exclusão da ilicitude previstas
no Código Penal e, mais concretamente, à legítima defesa.

Sejamos claros:

Esta redacção restringe, em vários requisitos, o conceito geral de legítima defesa.

Ao ser assim, deveria então – o legislador – esclarecer expressamente esta sua opção, não
remetendo este regime excepcional para o Capítulo das «normas de conduta».

Intitulando-se, sem mais, estas situações como de «uso de armas de fogo», não prevendo
expressamente estas situações como causas de exclusão da ilicitude e, não sendo feita
qualquer referência ao regime da legítima de defesa (que se quis restringido), em que
ficamos?

E mais:

As restantes causas de exclusão da ilicitude (nomeadamente o direito de necessidade) são aqui


aplicáveis?

Por outro lado, chegamos a louvar a opção prevista no art.º 89.º desta Lei, ou seja, a punição
de quem (não estando especificamente autorizado por motivo de serviço ou por autoridade)
transportar, detiver, usar, distribuir ou for portador de quaisquer armas, munições, engenhos,
etc., em:

‒ Recintos desportivos;

‒ Recintos religiosos;

‒ Zonas de exclusão;

‒ Estabelecimentos ou locais onde decorra manifestação cívica ou política; -


estabelecimentos ou locais de diversão; e

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

‒ Feiras ou mercados.

E, se na alteração legislativa de 2013 se acrescentou (finalmente!):

‒ Os estabelecimentos de ensino.

Ficaram ainda de fora os estabelecimentos hospitalares, locais afectos à administração da


justiça ou, mesmo, outros locais da administração pública, de interesse público ou de
prestação de serviços públicos (nomeadamente, de transportes 3).

Daí que, considerando o princípio da tipicidade do direito penal (e decorrente impossibilidade


da aplicação analógica), se questione da verdadeira necessidade desta norma que, porque de
cariz taxativo, deixa de fora (quase inevitavelmente) situações cuja ilicitude poderá justificar
uma maior punição.

Ora, atenta a amplitude das molduras penais previstas em cada tipo legal de crime (e, no caso,
da detenção de arma), é ao aplicador do direito que caberá aferir, em cada caso em concreto,
do respectivo grau de ilicitude.

E assim, evitar-se-iam também, e numa outra ordem de ideias, perversões que esta norma
pode gerar (recorrendo-se aqui ao que já ficou dito sobre o n.º 3 do art.º 86º).

A este propósito e em jeito de parênteses, refira-se também a eventual incoerência do sistema


jurídico considerado como um todo, por omissão – na Lei de Política Criminal – dos crimes
previstos na Lei das Armas, fazendo-se apenas referência expressa ao crime de tráfico de
armas.

Ainda e a talhe de foice, não se descortinam os motivos para não integrar este último crime –
de tráfico de armas – no Regime Jurídico das Acções Encobertas, nomeadamente, pelo
carácter continuado e, muitas vezes, transfronteiriço deste tipo de condutas.

Também a título de nota, importa salientar que – não obstante a preocupação do legislador
em proceder (no art.º 2.º) a definições exaustivas, por comparação às simples 6 (seis)
definições do Protocolo Adicional à referida Convenção das Nações Unidas, não se encontra na
Lei em apreço a definição do conceito de tráfico de armas, pelo que qualquer conduta descrita
no art.º 87.º poderá ser considerada como tal.

E isto, também por contraposição ao Protocolo da Convenção das Nações Unidas, que
restringe tal conceito (dito aqui em termos gerais e imprecisos) a qualquer tipo de passagem
de armas de um Estado para outro Estado.

Acresce ainda dizer que esta Lei acaba por disparar em todos os sentidos, estendendo-se a
outras áreas de tutela penal, onde cria mais problemas que soluções.

3
Anote-se da existência de uma alteração legislativa em Abril de 2011, após os atentados de Madrid (Atocha) a 11
de Março do mesmo ano.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Olhemos, por exemplo, para o art.º 107.º, ou seja, para o regime de apreensão das armas:

«O Agente ou autoridade policial proceda à apreensão das armas de fogo/munições/licenças e


manifestos quando:

‒ Quem as detiver, portar ou transportar se encontrar sob influência de álcool,


estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos de efeito análogo (o que quer que isto
seja!).

Mas também:

– Houver indícios da prática pelo suspeito de crime de maus tratos a cônjuge, a quem com ele
viva em condições análogas, a progenitor de descendente comum em 1.º grau, a pessoa
menor ou particularmente indefesa, etc., etc.

Abstendo-nos de comentar a infelicidade ou desactualização terminológica desta norma – que,


segundo nos parece, pretende abranger os crimes de violência doméstica e de maus tratos –
impõem-se ainda aqui várias perguntas:

Ou seja:

– Quando é que se verifica a «probabilidade da sua utilização»?

E, por outro lado:

– É à entidade policial que cabe aferir a existência de indícios destes crimes?

É que, de acordo com a respectiva redacção – que refere «perante queixa, denúncia ou
constatação de flagrante» – a resposta parece ser em sentido afirmativo.

Suspeita nossa que vem confirmada no n.º 3, quando refere a transmissão da notícia do crime
ao MP e a comunicação da apreensão.

E pareciam assim, com o que foi dito, arrumadas as questões jurídico-penais sobre as armas,
neste Diploma que se quis tão exaustivo que já conta com cinco alterações.

Esquecendo esta lei que o Código Penal, «diploma base», resolve na sua parte geral muitas das
questões que este Diploma veio complicar, nomeadamente ao nível da ilicitude, da
responsabilização e do grau de culpa.

Mas há também que não esquecer outros Diplomas que se interligam ou, como é o caso da Lei
da Caça, até conflituam com este.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

E, para além da referida Lei, do Regime sobre o Recurso a Arma de Fogo em Acção Policial,
estamos em crer que se mantém em vigor o art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março,
que reza assim:

«Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que
de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado
para tal fim».

Ou seja, para enquadramento no tipo ou nas agravantes de um qualquer ilícito previsto neste
Código, esqueçamos a exaustiva (mas também redutora) tipificação da Lei das Armas,
podendo dar relevância uma faca de mato, faca de cozinha, a uma pedra, etc., etc.

Mas também aqui há um «mas»: de que falamos quando recorremos ao conceito «que possa
ser utilizado para tal fim»?

Ou seja, e segundo o Sr. Conselheiro J. Souto de Moura: «O princípio da materialidade do facto


implica que o crime seja sempre um comportamento exteriormente observável. Na verdade,
tem-se entendido que só assim se evitam duas enormes perversões dos regimes totalitários:
um direito penal da disposição interior ou de mera intenção e um direito penal só ao serviço
da perigosidade, que punisse sine, ante ou praeter declictum.» (Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, Ano I, n.º 4, pag. 579).

Só que este Diploma ainda nos levanta uma outra série de perplexidades face à previsibilidade
estabelecida no n.º 1 do art.º 86º.

Daí que recorra ao exemplo de um processo investigado com a equipa do Departamento de


Armas e Explosivos da Polícia de Segurança Pública.

No âmbito do mesmo, foi encontrado num compartimento de arrumos abafado existente na


garagem da habitação (sim, onde o arguido accionava o motor da sua viatura!) e mesmo por
baixo do quarto de dormir:

– 150 metros de rastilho;


– 17,5 kg. de pólvora negra;
– 66 velas «Riodin»; e
– 150 detonadores.

Enfim, tudo o que é preciso para uma «boa» explosão!

E aqui relembro, para quem conhece a cidade do Porto, que na implosão de uma das Torres do
Bairro do Aleixo ‒ edifício de «13 pisos acima da cota de soleira e um abaixo desta», cada um
daqueles «composto por 5 habitações independentes») – foram utilizados 157 Kgs. de produtos
explosivos, tendo-se estabelecido um perímetro de segurança de cerca de 150 metros, com
completa evacuação de todos os habitantes das torres habitacionais anexas.

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É que, para «apenas» 25 Kgs. de explosivos é obrigatória uma distância de segurança de 35


(trinta e cinco) metros em relação a uma via de comunicação e de 58 (cinquenta e oito) metros
em relação a uma habitação (nos termos do Decreto Lei n.º 139/2002, de 17 de Maio, que
estabelece diversos tipos de segurança de distância, nomeadamente, de vias de comunicação,
edifícios habitados ou a linhas aéreas de distribuição de energia eléctrica).

Retomando, então, o referido processo e este ponto de comparação (a referida torre


habitacional), permitam-me resumir uma conversa telefónica interceptada entre um vendedor
e um comprador:

O comprador pede: «250 metros de cordão, uma caixa de detonadores, 25 kgs, dinamite e um
rolo de rastilho», sendo que a respectiva entrega aconteceu num Posto de Abastecimento de
Combustível e todo este material foi guardado num veículo estacionado no parque
do restaurante (aberto ao público) de que o comprador era proprietário!

E o caso ganha outra figura!

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Porque os acidentes acontecem!

Mas neste mesmo processo: muitos outros compradores também eram vendedores.

E se no diagrama dos intervenientes, conseguimos identificar uma parte dos mesmos;


consoante os explosivos vão sendo disseminados, vamos ficando apenas com números pré-
pagos ou mesmo sem números de telefone.

Apenas, num qualquer comprador sem rosto!

E, portanto:

No indivíduo que quer deitar um muro abaixo (sem as condições de segurança necessários)?

Num assaltante de máquinas multibanco? Num delinquente violento?

Numa associação criminosa organizada? Ou num qualquer potencial terrorista?

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

E deixem-me anotar aqui que, em pesquisas efectuadas, fiquei a saber que um terrorista
suicida carrega à cintura cerca de 9 (nove) quilogramas de explosivos (com os resultados que já
todos pudemos ver).

No caso em concreto, importava era vender 4!

Vender a quem quer que quisesse!

4
Outras escutas no mesmo processo: Cerca das 13:21 horas do dia 26 de Abril de 2013, o X combinou com o Y que
não seria ele próprio a deslocar-se a casa deste, mas que mandou, «pelo rapaz», a quantia de € 220,00 (duzentos e
vinte euros) para que o primeiro lhe arranjasse duas coisas de € 20,00 e uma da pedra de € 180,00 (ou seja, duas
bobines de rastilho e uma caixa de 25 Kg. de pólvora).
Cerca das 17:09 horas do dia 18 de Março de 2013, o Y ligou para o (mesmo) X combinando a entrega de 3 caixas de
velas/explosivos, 2 caixas de pólvora, 200 detonadores pirotécnicos n.º 8 e 400 metros de rastilho, pelo preço global
de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
Exemplo de apreensão após aquisição ilegal do X ao Y:
«… Fez-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca «Renault», de cor cinza e com a
matrícula xx-xx-xx, onde havia acondicionado, sem qualquer cumprimento de qualquer regra de segurança:
‒ 50 (cinquenta) quilogramas de pólvora negra bombardeira, em estado sólido e comprimida num cilindro com 25
mm. de diâmetro e 45 mm. de altura (consubstanciando-se, assim, um explosivo deflagrante de queima de cerca de
750 metros por segundo);
‒ 200 (duzentos) detonadores com revestimento metálico e com carga ignidora, carga iniciadora e carga base, esta
com velocidade de detonação de 5.000 a 9.000 metros por segundo (consubstanciando-se num material sensível a
choques, chispas e fogo e susceptível – caso transportado ou armazenado sem cumprimento das regras de
segurança – a causar risco para a vida ou a causar lesões graves ou relevantes danos materiais);
‒ 400 (quatrocentos) metros de rastilho, com pólvora negra no seu interior (consubstanciando-se num explosivo
deflagrante, com velocidade de queima de 120 segundos por metro e susceptível de causar queimaduras graves);
‒ 25 (vinte e cinco) quilogramas de RIODIN (Goma 2ECO) que se consubstancia num explosivo gelatinoso à base de
nitrato de amónio, nitroglicol e absorventes orgânicos, fracturante e com velocidade de detonação – de «extrema
violência» – de 3.500 a 5.000 metros por segundo e susceptível de provocar graves danos materiais ou pôr em risco
a vida e integridade física das pessoas;
‒ 50 (cinquenta) quilogramas de Riogel Troner Plus, que se consubstancia num explosivo de hidrogel, fracturante e
com velocidade de detonação – de «extrema violência» – de 3.500 a 5.000 metros por segundo e susceptível de
provocar graves danos materiais ou pôr em risco a vida e integridade física das pessoas;
‒2,5 (dois quilos e quinhentos gramas) de pólvora negra, em estado sólido e comprimida num cilindro com 25 mm.
de diâmetro e 45 mm. de altura (consubstanciando-se, assim, um explosivo deflagrante de queima violenta e em
cerca de 750 segundo por metro).»

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
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Vender a quantidade máxima possível para obter o máximo lucro!

Indiferentes ao destino final de tal tipo de produtos, que o legislador – na respectiva previsão
normativa sobre a mera detenção – os igualizou a armas químicas ou biológicas, a meios
militares e a material de guerra!

E é aqui, apenas aqui que, em todo o diploma, o legislador especificou os explosivos.~

Mas, afinal, o que são explosivos?

A par de tanta explicitação quanto a armas de fogo e armas brancas, a Lei das Armas diz-nos
(no n.º 5 do art.º 2 e, portanto, relegando para as «outras definições») que «explosivo civil»
são:

Todas as «substâncias ou produtos explosivos»!!! «Cujo fabrico, comércio, transferência,


importação ou utilização estejam sujeitos a autorização concedida por entidade competente».
Ou seja, um explosivo é um explosivo!

Daí que pensamos recorrer ao já citado Decreto-Lei 139/2002 (que regula a segurança no
fabrico e armazenagem de produtos explosivos), mas que também apenas estabelece que –
«para efeitos do presente Regulamento, entende-se por produtos explosivos as matérias e os
objectos da Classe 1 que figuram no «Regulamento Nacional de Transporte de Matérias
Perigosas por Estrada».

E lá fomos, com expectativas, para o tal Regulamento de Transporte, que nos diz: «Classe 1:
«matérias e objectos explosivos».

Uma vez mais, a certeza de que um explosivo é um explosivo!

E se cada um destes Diplomas se restringe ao seu concreto âmbito de aplicação, supusemos


ser defeito nosso não saber do que verdadeiramente se trata quando falamos de explosivos.

E assim fomos encontrar no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (da Academia de


Ciências de Lisboa) o significado de explosivo como qualquer coisa «que é susceptível de
rebentar, explodir ou provocar explosão».

Uma vez mais o significante como significado!

Deste modo, recorremos ao Regulamento sobre o Licenciamento dos Estabelecimentos de


Fabrico e Armazenagem de Explosivos, previsto pelo Dec. Lei n.º 376/84 de 30 de Novembro,
onde no Anexo I inclui no que se consideram «Substâncias explosivas, pólvoras (física e
química), propergóis» (ou seja, propulsores) e… uma vez mais «explosivos (simples e
compostos)».

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Daí que, mas com a advertência que o referido Dec. Lei restringe os conceitos aos casos de
fabrico e armazenagem, ficamos, então, com a ideia ali traduzida que matérias explosivas
«compreendem» «matérias sólidas ou líquidas (ou misturas de matérias) susceptíveis, por
reacção química, libertar gases a uma temperatura, a uma pressão e a uma velocidade tais que
podem causar danos nas imediações».

Ou, dito de uma forma mais esclarecedora – encontrada num Manual do Operador de
Produtos Explosivos 5 – «os produtos explosivos são compostos químicos ou misturas, que
quando activados por uma fonte de energia térmica (calor), mecânica (choque ou fricção), se
podem decompor bruscamente libertando um grande volume de gases a alta pressão e
temperatura».

Tal definição assume importância fundamental também para o preenchimento do crime


previsto pelo art.º 272.º do Código Penal, bem como para o conceito subjacente de «engenho
explosivo ou incendiário improvisado», previsto na Lei das Armas.

E quanto ao primeiro dos artigos referidos (o do Código Penal), importa referir que o mesmo
pressupõe a criação de um perigo concreto: provocar explosão por qualquer forma,
nomeadamente mediante utilização de explosivos» criando «deste modo perigo para a vida ou
para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado».

E os actos preparatórios deste crime, que depende sempre da susceptibilidade de criar tais
perigos, podem consubstanciar-se no fabrico, importação, dissimulação, aquisição, cedência
ou detenção e são punidos com prisão até 3 anos ou com pena de multa.

E este regime, com uma perigosidade concreta prevista, prevê uma pena mais ténue que a
«simples» detenção prevista na Leis das Armas.

Mas será que um explosivo, seja ele qual for, é uma arma nos termos da Lei n.º 5/2006?

Em todo este diploma, encontramos a sua referência apenas em dois artigos:

‒ Uma, no já falado art.º 86º, ou seja no tipo legal de crime de detenção de arma proibida e
crime cometido com arma;

‒ Outra, no art.º 2º que, sob a epígrafe de «definições legais», prevê no n.º 1 os «tipos de
armas»; no n.º 2 «partes das armas de fogo»; no n.º 3 «munições das armas de fogo e seus
componentes»; no n.º 4 «funcionamento das armas de fogo» e, finalmente, o n.º 5 que
estabelece a «outras definições» e que, nas alíneas seguintes aos «estabelecimentos e locais
de diversão», se refere a «explosivo civil», «engenho explosivo civil» e a «engenho explosivo
ou incendiário improvisado».

5
Associação Portuguesa de Estudos e Engenharia de Explosivos Associação Nacional da Indústria Extractiva e
Transformadora.

322
DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

E a fundamentar esta questão, temos que o artigo 3º, que efectua a classificação das armas,
munições e outros acessórios, não discrimina, em lado algum, os explosivos.

A menos que sejam enquadráveis na indicação de «quaisquer engenhos ou instrumentos


construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão», o que –
de todo – não parece poder ser o caso.

E isto, quer pela técnica legislativa (se nos outros casos se fala expressamente em explosivos e
aqui não), quer – ainda – em termos de hermenêutica jurídica, pelo resultado legal que tal
norma poderia acarretar.

Se o pressuposto é o da construção (fabrico para fins ilícitos), cairia então por terra o caso de
fabrico legal e licenciado de um explosivo que, a determinado momento e com outro agente,
poderia ser desviado ou utilizado como instrumento de agressão ou como instrumento bem
mais gravoso.

E aí acrescia a perfeita incompatibilidade com o art.º 86º que, como crime de perigo abstracto,
visa a protecção social ex ante de um qualquer resultado altamente desvalioso.

Daí que a previsão do art.º 86.º da Lei das Armas 6, com todos os problemas de harmonização
com a legislação avulsa que contempla as actividades económicas relacionadas com o
emprego de explosivos, venha – em sobreposição valorativa e, portanto, normativa –
considerar/tipificar como crime as condutas (entre outras) de detenção, transporte e uso de
explosivos fora das condições legais (ainda que de legislação administrativa) ou em contrário
das prescrições das autoridades competentes.

Voltamos, assim e desta forma, aos crimes de perigo!

E, na visão de um qualquer potencial arguido:

… O preço de aquisição da encomenda que descrevi acima era de 510 euros por, pólvora,
velas, detonadores e rastilho.

Invocando agora um outro processo para encontrar o preço de uma arma de defesa pessoal
(pistola 6,35 mm.): € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).

6
Considerando o que já foi dito, será que a ideia inicial desta Lei, cujo âmbito de aplicação (em sentido positivo) se
encontra explanado no n.º 1 do art. 1.º, tinha em vista, nomeadamente, os explosivos … quando se refere, apenas,
a «armas, seus componentes e munições»?
Em cumprimento (nesse artigo) da Lei de Autorização Legislativa (Lei n.º 24/2004 de 25 de Junho, cujo prazo já se
encontrava ultrapassado), que refere: «É concedida ao cedida ao Governo autorização para legislar sobre a criação
do regime jurídico aplicável ao fabrico, montagem, reparação, importação, exportação, transferência,
armazenamento, circulação, comércio, cedência, detenção, manifesto, guarda, segurança, uso e porte de armas e
suas munições, bem como do regime punitivo criminal e contra-ordenacional relativo a comportamentos ilícitos
associados àquelas actividades, com o objectivo de salvaguardar a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas.»

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Assim, e ainda na visão desse potencial arguido, que mede a facilidade, custos e resultado da
conduta que pretende desvaliosa: que opção fazer entre uma arma de fogo ou uma
«reduzida», mas altamente destrutiva, quantidade de explosivos?

A par disto, e de regresso ao processo que fui relatando, anote-se a compra documentada (e
saliento, documentada ou, melhor ainda, autorizada), de explosivos por parte de um dos
arguidos/vendedor ilegal e durante cerca de 1 ano:

‒ 2.707 Kg (duas toneladas setecentos e sete quilogramas) de produto explosivo;


‒ 7.079 (sete mil e setenta e nove) detonadores pirotécnicos n.º 8;
‒ 15.675 (quinze mil seiscentos e setenta e cinco) metros de cordão detonante;
‒ 11.127 (onze mil cento e vinte e sete) metros de rastilho; e
‒ 3.394 kg (três toneladas e trezentos e noventa e quatro quilogramas) de pólvora.

E se esta era a aquisição documentada, ficou a saber-se de muita outra mercadoria adquirida
de forma ilegal, para venda ilegal!

E é este, no que concerne a armas, o crime de perigo comum com maior desvalor de acção,
porque potencialmente com (e repito-me na expressão) inimagináveis resultados desvaliosos.

E tais substâncias não foram devidamente consideradas, nesta sua concreta dimensão (quer na
Lei das Armas, quer no Código Penal), restando vários diplomas avulsos que versam,
sobretudo, sobre as tais «normas de conduta», nomeadamente sobre as condições de
segurança no seu fabrico, armazenagem e transporte.

E estes, no pressuposto de uma actividade económica lícita!

E assim, algo – nesta lei – me faz recordar uma outra história do mesmo livro de filosofia:
Todas as manhãs, uma senhora abre a porta de sua casa e grita: vão-se embora, tigres!

Um dia, alguém lhe pergunta porque faz isso, se não há tigres num raio de 3 mil quilómetros.

Ao que ela responde prontamente: Estão a ver, dá resultado!

Mas coloco a mira, agora, as Operações Especiais de Prevenção Criminal:

Tratam-se aqui de acções de prevenção reforçadas pela Lei n.º 72/2015 de 20 de Julho que
estabelece os Objectivos, Prioridades e Orientações de Política Criminal para o Biénio
2015/2017 e que, no art.º 10º refere: «As forças de segurança promovem, com a periodicidade
adequada, a realização das operações especiais de prevenção criminal previstas no regime
jurídico das armas e suas munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Acrescentando agora, no n.º 2, que «O Ministério Público acompanha, sempre que necessário,
as operações especiais de prevenção referidas no número anterior.»

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Mas não se trata aqui de uma verdadeira novidade, pois que a própria Lei das Armas já previa
tal possibilidade «sem prejuízo da autonomia técnica e táctica das forças de segurança» (art.º
110.º n.º 3)

E já no âmbito desta Lei, o art.º 109º especifica que as operações especiais pressupõem:

1 – Áreas geográficas limitadas;

2 ‒ Finalidades concretas: ou seja, de controlar, detectar, localizar e prevenir a


introdução de armas, de assegurar a remoção de armas, de verificar a regularidade da
situação de armas;

3 – Para cumprimento de um objectivo de política criminal: de reduzir o risco de


infracções à Lei das armas ou infracções conexas, ou

‒ Sem esse objectivo, mas quando haja suspeita que algum desses crimes possa ter
sido cometido como forma de levar a cabo ou encobrir outros.

Quanto às áreas geográficas, estabelece o art.º 109.º n.º 2 (em termos gerais e no que é mais
relevante), a possibilidade de serem estabelecidos pontos de controlo de acesso a locais em
que constituiu crime a detenção de armas, ou seja, aos locais previstos pelo art.º 89.º (recintos
desportivos, religiosos, zonas de exclusão, estabelecimentos ou locais onde decorra
manifestação cívica ou política, locais de diversão, feiras e mercados);

Ou:

Incidindo em vias públicas ou outros locais públicos e respectivos acessos, frequentados por
pessoas que em razão de acções de vigilância, patrulhamento ou informação policial seja de
admitir que se dediquem à prática de infracções previstas no n.º 1, ou seja, previstas pelo art.º
86.º e ss. ou outras infracções associadas ou instrumentais a estas.

Assim:

Neste último aspecto, designadamente, quanto às vias públicas ou outros locais públicos e
respectivos acessos, estamos – de facto – perante todo e qualquer lugar cujo acesso não
pressupõe mandado de busca.

E se, à primeira vista, parece terem sido introduzidos factores limitativos ou requisitos para as
acções de prevenção, eles redundam numa falácia.

Ou seja, têm de existir acções de vigilância, patrulhamento ou informações policiais prévias


que levem a admitir que as pessoas que frequentam esses locais se dediquem à prática das
referidas infracções.

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DIREITO E PROCESSO PENAL: ‒ PROVA; ‒ LEI DAS ARMAS
13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

Mas vejamos:

Por um lado, a largueza do conceito: «infracções previstas neste capítulo», que prevê crimes e
contra-ordenações.

Por outro lado, o conceito «seja de admitir» afigura-se-nos como um critério demasiadamente
vazio.

Acresce ainda que, uma qualquer «informação policial» serve de suporte para tal juízo de
admissibilidade.

Mas não estaremos aqui – e face a estes conceitos tão abstractos – a ultrapassar o equilíbrio
(sempre periclitante, mas fundamental) entre a segurança e a restrição de direitos
fundamentais?

Acresce que as operações especiais têm de ser previamente comunicadas ao Ministério


Público. Mas trata-se meramente de uma comunicação e apenas com as referências à
delimitação geográfica e temporal.

Não se prevê, portanto, qualquer possibilidade de o Ministério Público poder obstar ou dar
parecer negativo à realização de determinada operação, nem sequer se prevê qualquer tipo de
controlo sobre os pressupostos das referidas operações.

E, depois disto tudo, ainda nos deparamos com o n.º 4 do art.º 110.º, que admite a extensão
das operações especiais para além dos espaços geográfico e temporal determinados (e,
portanto, comunicados) se os actos a levar a cabo forem decorrentes de outros iniciados no
âmbito da delimitação inicial.

Como se não chegasse, o n.º 4 do art.º 109º ainda prevê um regime de excepção à abertura de
eventual correspondência (porque de correspondência se pode tratar), que – nos termos do
Código de Processo Penal - é da exclusiva competência do Juiz de Instrução.

Mas a artilharia pesada, neste capítulo, reporta-se às buscas domiciliárias:

A Lei das Armas limita-se a referir «quando no âmbito de uma operação especial se prevenção
se torne necessário levar a cabo buscas domiciliárias…», não estabelecendo, portanto,
qualquer regime especial sobre os seus fundamentos, requisitos e modo de realização, pelo
que os mesmos deverão ser os que se encontram inscritos no Código de Processo Penal
(nomeadamente, quanto ao horário possível!).

E tudo isto, sem a figura de um «suspeito» e sem instauração prévia de um processo de


natureza criminal!

A somar ao exposto – ou seja, a esta discricionariedade concedida às forças de segurança que


pode actuar perante uma mera informação policial, que pode ultrapassar os espaços

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13. Lei das Armas (perplexidades, dúvidas e algumas outras questões)

geográficos e temporais determinados, que pode efectuar revistas e buscas não domiciliárias
«em função da necessidade» (!) e que, também por sua iniciativa, pode abrir correspondência
– regressamos ao n.º 1 do art.º 109.º que se reporta a «armas, seus componentes ou munições
ou substâncias ou produtos a que se refere a presente lei» …

Não aqui estaremos numa das mais absolutas, mas silenciadas (por um securitarismo de
eficácia duvidosa), violações dos princípios básicos das leis penais?

Por fim, agradeço a paciência de me ouvirem a dar tiros no escuro, ciente da importância
desta Lei e de que se trata aqui apenas da tentativa de um contributo no sentido de a
pensarmos melhor.

É que, recorrendo a Aristóteles: «Haverá flagelo mais terrível do que a injustiça de armas na
mão?»

Ou, uma segunda citação, que reza assim:

«O número de mortes causadas por armas ligeiras é muito superior ao de qualquer outro tipo
de armas – e, em alguns anos, ultrapassa o número de vítimas das bombas atómicas que
devastaram Hiroxima e Nagasáqui. Em termos de carnificina que causa, poderia muito bem
dizer-se que as armas ligeiras são “armas de destruição maciça”».

É de Kofi Annam!

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/2la4awhlba/flash.html?locale=pt

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Título:
Direito e Processo Penal: - Prova; - Lei das armas

Ano de Publicação: 2018

ISBN: 978-989-8908-18-6

Série: Formação Contínua

Edição: Centro de Estudos Judiciários

Largo do Limoeiro

1149-048 Lisboa

[email protected]

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