Um Banho de Linguagem Leitura Com Bebes
Um Banho de Linguagem Leitura Com Bebes
Um Banho de Linguagem Leitura Com Bebes
Diretora-presidente
Tereza Perez
Diretoria executiva
Patrícia Diaz
Ricardo Vilela
Roberta Panico
Comunicação
Carolina Glycerio
Emily Stephano
Autoria
Heloísa de Almeida Pacheco
Sandra Murakami Medrano
Revisão
Cristiane Tavares
Hires Héglan
Projeto Gráfico
Luana Haddad
As imagens foram gentilmente cedidas por Educação SM, Editora L’école des
loisirs e Somos Sistemas de Ensino S.A.
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Agradecimentos
Agradecimentos ao Instituto Vera Cruz, onde as autoras desenvolveram a primeira versão
desse trabalho e instituição com a qual CE CEDAC cultiva uma intensa troca de saberes; a
Carlos Pires e Bel Santos Mayer pela apreciação criteriosa durante a banca examinadora
e pelo incentivo para a publicação desse trabalho; às editoras Fundação SM, L’école des
loisirs, Somos Educação Sistemas de Ensino e aos autores das obras citadas neste artigo
(Fernando Vilela, Frédéric Stehr, Josias Marinho e Stela Barbieri), e a todos os envolvidos
no projeto Infâncias em Foco: à Secretaria Municipal de São Paulo, às Diretorias Regionais
de Ensino e a todas e todos coordenadoras(es) pedagógicas e diretoras(es) com quem em
2019 e 2020 a equipe da CE CEDAC pôde desenvolver esse belo e fundamental trabalho pelos
direitos da infância.
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“Os livros e o acesso a eles nos comprometem com os fundamentos
de nossa ontogênese e de nossa constituição como sujeito e, se os bebês
se interessam tão facilmente pelos livros, não é em absoluto por simples
imitação do adulto.”
Bernard Golse
Prefácio
A escolha de livros para a primeira infância é mais que uma brincadeira
1. Educadora social, coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário – IBEAC, cogestora da Rede
LiteraSampa, formadora de jovens mediadores de leitura, docente da pós-graduação Literatura para Crianças e Jovens do
Instituto Vera Cruz. Licenciada em Ciências/Matemática e Bacharel em Turismo, tem especialização em Pedagogia Social. É
mestranda do Programa de Pós-Graduação em Turismo (EACH/USP), pesquisando a contribuição das bibliotecas comunitárias
para o estudo das mobilidades. Prêmios recebidos: Retratos da Leitura no Brasil-2018; Estado de São Paulo para as Artes-2019;
67° Prêmio APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes na categoria “Difusão de Literatura Brasileira”.
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nos lembram de que desde muito pequenos(as), eles(as) leem o mundo a partir do
que veem e do que lhes é narrado. São as narrativas que os(as) levam às palavras
e não o contrário. Essa reflexão nos remete a um dos pensamentos de Paulo Freire
sobre a alfabetização: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”.
Devo confessar que esse trio de livros tem presença garantida na estante da
minha casa, na sacola de formação e na lista de presentes para sobrinhas e filhos(as)
de amigos(as). Depois de conhecer os critérios utilizados pelas autoras para selecioná-
los, em diálogo com um consistente referencial teórico, indico-os com maior convicção
e posso imaginar que ao final da leitura desse artigo você faça o mesmo.
Eu disse que Heloísa e Sandra nos pegam pelas mãos e caminham conosco.
A cada conhecimento consolidado problematizam, criam uma tensão, provocam
deslocamentos, seduzem-nos à leitura de mais um trecho e nos fazem perceber
melhor as implicações do que acabaram de dizer. Um exemplo é quando citam López
(2016) sobre a importância de narrar o cotidiano para as crianças; logo em seguida
observam: “Cuidado! A literatura para bebês e crianças não se restringe à narração
de experiências corriqueiras, marcadas por frases breves, proibições ou permissões”
(BONNAFÉ, 2008). Um pouco mais adiante, arrematam dizendo que a criança precisa
encontrar-se com novas palavras, histórias e situações que puxem outras. E assim, por
todo o texto, vamos lendo e assentindo com a cabeça.
Voltamos aos três livros com olhos atentos e percebemos que há brincadeira,
suspense e subjetividades que envolvem os bebês e crianças pequenas. Reconhecemos
que são narrativas que não subestimam a infância e tampouco os(as) leitores(as) que
as apresentam, sugerindo-nos observar, interagir e aprender.
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UM BANHO DE LINGUAGEM
leitura com bebês e crianças de 0 a 3 anos
Os estudos e as reflexões aqui trazidos vêm de muito longe na trajetória das
autoras deste livro, que teve entre seus marcos desencadeadores um dos projetos
desenvolvidos pela Comunidade Educativa CEDAC, em parceria com a Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo, denominado “Infâncias em Foco”.
Iniciado em 2019, esse projeto teve como objetivo atuar na formação das
coordenadoras pedagógicas e diretoras dos CEIs (Centros de Educação Infantil)
parceiros da rede municipal para o aprimoramento do atendimento às crianças de 0
a 3 anos. Heloísa Pacheco foi uma das 15 formadoras e atuou junto aos CEIs parceiros
da Diretoria Regional de Educação da Penha.
Foi nesse contexto que indagações de muitos anos foram ressaltadas, concepções
sobre o livro e a leitura para a primeira infância se fortaleceram e o desejo de colaborar
para uma reflexão mais ampla, que pudesse se constituir como um conhecimento a
ser compartilhado e apropriado por mais educadores, foi se concretizando.
Assim, este texto aborda a importância de ler livros narrativos ilustrados com as
crianças pequenas de 0 a 3 anos, que constroem suas próprias linguagens inseridas
na cultura em que vivem. E, ao lerem os livros literários, interagem com palavras e
imagens, relacionando-se simbolicamente com a vida, criando significados. As análises
dos livros Benedito, Quero Colo! e Zim Tam Tum buscaram destacar referências para
balizar critérios para a escolha de livros pois trazem, em suas narrativas verbal e visual,
a musicalidade do texto, a possibilidade de construção da identidade e a aproximação
com as vivências das crianças – critérios importantes na escolha das publicações.
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Com o desejo de colaborar com as reflexões e com a certeza da necessária
reafirmação do direito inalienável à literatura, desde a concepção de todo ser
humano e da relevância em sua constituição, nos propusemos a publicar este material
inicialmente elaborado no contexto da conclusão de curso de pós-graduação, mas
revisado e adaptado a fim de alcançar um número maior de educadores que buscam
se implicar no direito de acesso à leitura desde os primórdios da vida.
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A prática de leitura literária
Ao trabalhar com formação de professores, coordenadores pedagógicos e
diretores de creches, é comum ouvir que livros para crianças pequenas precisam ter
texturas, sons e muitas cores. Essas referências parecem indicar que se pensa em
determinados tipos de livros: livro-brinquedo, de plástico, para o banho, naqueles
em que os materiais e as estruturas são os protagonistas. É claro que podemos
apresentar esses tipos de livro aos pequenos leitores, mas não podemos ficar somente
com eles. O que pode estar por trás da escolha que prioriza livros com texturas,
sons e muitas cores? Os diferentes tipos de brinquedos já ofertados às crianças, nas
diversas materialidades, ou os elementos da natureza não trariam a possibilidade de
explorarem e desenvolverem seus sentidos e seus conhecimentos em relação a esse
universo?
Assim, o que destacamos para a leitura com as crianças são os livros que
possibilitam explorarem a narrativa, observarem personagens, acontecimentos,
problemas, soluções e desfechos. Um bom livro propicia, também, brincar com a
linguagem escrita e visual, com as imagens, com o reconhecimento dos sentimentos
e daquilo que vivem no cotidiano.
Quando são lidos livros considerados narrativos literários com os bebês ou com
as crianças pequenas, apresenta-se a composição num todo, incluindo o ritmo da
história narrada, a tensão temporal da virada das páginas, as relações entre a leitura da
imagem e do texto, as possibilidades de conversa em torno do lido. Tudo isso imprime
um ritmo para a experiência e está ligado ao tempo de interesse do bebê, ao tempo
de atenção, de afeto e de vínculo. Isso contribui para a construção da identidade do
bebê, da psique, para a capacidade de lidar simbolicamente com a vida. Segundo
Bonnafé (2008, p.21): “A narrativa aparece hoje como um ponto de encontro possível
entre a teoria psicanalítica e as teorias do desenvolvimento inicial da criança”.
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A experiência leitora na primeira infância
Ao pensar nos livros a serem lidos para os pequenos, pode ser interessante
destacar o papel que cumpre a leitura de livros literários. Bartolomeu Campos de
Queirós, na apresentação do livro O direito de ler e escrever, de Castrillón (2011, p. 9),
afirma que: “Pela leitura criamos laços e nos aproximamos. Ler é somar-se ao outro, é
confrontar-se com a experiência que o outro nos certifica”.
Com as crianças pequenas há dois laços, um é com o leitor que compartilha o livro
que lê com a criança; esse é um vínculo que se fortalece, que embalado pelo livro deixa
marcas de cumplicidade e alimenta o desenvolvimento emocional e cognitivo. O outro
laço que cria é com as histórias, com os personagens, com os quais vai descobrindo o
mundo e a si próprio, reconhecendo suas próprias vivências e sentimentos.
Isso não significa que a linguagem factual seja incorreta ou inadequada, só marca
a sua diferença com a linguagem narrativa. Esta segunda, pode estar ligada à narração
de um fato do passado, do presente, do futuro, real ou imaginário. É o lugar das
histórias vividas, das memórias de família, das narrativas literárias.
López, neste documento, reitera ainda como as narrativas são fundantes para a
constituição das crianças, pois possibilitam que construam significados para o que
vivem; e que é necessário não restringir as experiências com a linguagem apenas às
falas do cotidiano.
A pesquisadora Marie Bonnafé (2008, p. 47) reforça essa ideia de que é preciso ir
além das falas cotidianas, pois, na maioria das vezes, na linguagem factual, são usadas
consignas breves, proibições ou permissões; portanto, é preciso propiciar às crianças
a oportunidade de vivenciarem “a linguagem da narração que expressa a viagem ao
passado, ao futuro ou a lugares distintos do que encenam a vida cotidiana. A língua
do relato abre a porta do imaginário”.
Quando se retorna ao mesmo livro, “o que volta não é apenas uma história
interessante, é também a continuidade da experiência, que é a continuidade do ser
e as vozes amadas, o regaço poético”. (LÓPEZ, 2018, p. 78). É a volta à experiência
simbólica, é o reencontro com os personagens, com a experiência estética, é a
lembrança do já vivido.
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Apreciação do livro Quero Colo!
Há livros literários para crianças em que as palavras estão organizadas de maneira
a provocar sentimentos, a tocar o leitor de forma sensível, e nos quais as imagens
também cumprem papel de contribuir para esse êxito, podemos afirmar que isso
acontece com o livro Quero Colo!, de Stela Barbieri e Fernando Vilela, em que o
próprio título já é um convite para as crianças remeterem às suas lembranças de colos
e de pessoas próximas e queridas.
Fonte: BARBIERI, Stela; VILELA, Fernando. Quero Colo! São Paulo: SM, 2016.
Os diferentes colos, nas diversas culturas, nas mais variadas situações e horas do
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dia, remetem tanto ao ritmo do cotidiano, em que as crianças bem pequenas estão
se apropriando, como também levam a pensar nas diversas famílias e nas formas de
dar colo. Isso aponta para a diversidade cultural, assim como para a representação
de pessoas de variados fenótipos com as quais é possível haver identificação,
espelhamento e empatia. Há, também, uma ampliação do conceito de família, que vai
além dos humanos, apresentando os colos de animais.
O colo traz a memória de alguém querido, e ver os diferentes colos, conversar sobre
eles, possibilita às crianças criar novos significados para afetos como o acolhimento.
Significados e memória contribuem na construção da subjetividade do sujeito e do
pensamento.
Ao ver o colo do jacaré na ilustração do livro, a criança tanto pode se lembrar das
brincadeiras que faz com o corpo dos adultos, de se deitar sobre as pernas dobradas
ou sobre a barriga e dar as mãos, como também estranhar os pássaros que estão na
boca do animal. Esse estranhamento possibilita a investigação e o diálogo sobre algo
diferente do que vive.
Fonte: BARBIERI, Stela; VILELA, Fernando. Quero Colo! São Paulo: SM, 2016.
O texto, em frases curtas, remete à imagem e a amplia, pois traz mais informações
para a ilustração; isso é recíproco em relação às duas linguagens, como podemos ver:
“um colinho é maravilhoso pra perambular por aí” dialoga com a imagem de uma
criança no ombro do pai, no contexto de uma cidade cheia de prédios ao fundo. O
tipo de colo e cenário vemos pela imagem, enquanto o texto é que dá a dimensão do
que fazem.
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Figura 3 - Criança no ombro do pai
Fonte: BARBIERI, Stela; VILELA, Fernando. Quero Colo! São Paulo: SM, 2016.
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O olhar do bebê e da criança pequena para o
livro
Não sabemos ao certo o que pensam os bebês e as crianças bem pequenas
e quais são seus sentimentos. Mas com olhar atento e sensibilidade, conseguimos
observar quando algo lhes interessa.
Patrícia Pereira Leite (2014), especialista em leitura para bebês e crianças bem
pequenas, em seu artigo “Ler histórias para bebês?”, apresenta um registro de leitura
que realizou em um abrigo de São Paulo, onde trabalhava como psicóloga.
Há livros que conjugam vários pontos atraentes para os bebês; esse é o caso do
próximo livro analisado.
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Apreciação do livro Zim Tam Tum
A maioria dos livros para as crianças contêm imagens e muitos exploram a
musicalidade do texto, pois se sabe que os bebês, desde os quatro meses de gestação,
são sensíveis aos sons, percebem o timbre, o ritmo e ao longo do crescimento, depois
do nascimento, vão construindo significado para as palavras, frases, diálogos. Como
nos informa a especialista colombiana, Reyes (2010, p. 23): “A construção de sentido
que precede o momento em que uma criança pronuncia pela primeira vez uma
palavra remonta a uma longa história, cujos antecedentes mais rudimentares podem
ser rastreados desde a vida intrauterina”.
O autor Frédéric Stehr, em seu livro Zim Tam Tum, explora a musicalidade do
texto utilizando onomatopeias que representam os sons que os personagens extraem
dos instrumentos improvisados.
Fonte: STEHR, Frédéric. Zim Tam Tum. São Paulo: SM, 2018.
Os elementos que constituem o ritmo desse livro são os sons, a entrada das
personagens na trama, a repetição acumulativa das falas. É o ritmo externo, da
narração que dialoga com a construção do ritmo da vida dos bebês, da existência,
das mamadas, do sono, das trocas de fraldas, do banho, da brincadeira.
Teresa Colomer, pesquisadora espanhola, destaca que a maioria dos livros para
as crianças potencializa a “leitura identificativa”. Segundo ela, “os livros adotam um
conjunto de elementos idênticos (formatos, desenhos etc.) e criam uma sensação de
ordem, em uma etapa da vida em que a regularidade é muito necessária” (2007, p.
56).
ESPEREM AÍ.
JÁ VOLTO!
Fonte: STEHR, Frédéric. Zim Tam Tum. São Paulo: SM, 2018.
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Figura 6 - O olhar para os potes coloridos
SIM, MAS
E O QUE A GENTE PINTURA? COM O QUÊ?
VAI FAZER AGORA?
Fonte: STEHR, Frédéric. Zim Tam Tum. São Paulo: SM, 2018.
O autor cria esse delicado livro que dialoga tanto com a musicalidade e com as
pesquisas sensoriais das crianças, em especial as experiências com os objetos que
produzem sons. Ele também utiliza como recurso o fundo branco, com poucos traços
que situam onde a história acontece, sem tirar o foco das personagens, muito pelo
contrário, explora o contraste do branco com as cores dos pequenos pássaros.
A escolha dos pássaros para serem as personagens também cria uma empatia
com os pequenos leitores, que se afeiçoam a esses animais miúdos.
Apesar de ter todas essas portas de ligação com o leitor, é importante ficar atento
e observar especificamente o que atrai a criança, o que lhe chama atenção e o que
quer explorar. Embora seja uma publicação com poucas páginas e com textos curtos
a cada página, não é necessário se preocupar em chegar ao fim do livro, é importante
criar uma cumplicidade entre adulto e bebê ou criança, durante a leitura. Com o
passar do tempo, conforme as experiências leitoras aconteçam, serão os pequenos
que desejarão ler o livro inteiro.
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Apreciação do livro Benedito
No livro Zim Tam Tum, a diversidade é representada na caracterização das
personagens pássaros, já no livro Benedito, de Josias Marinho, pode se pensar na
questão da representatividade, pois o protagonista da história é uma criança negra,
de cabelo crespo, que aos poucos vai reafirmando sua cultura e negritude, construindo
uma identidade. Poderia dizer que este livro propicia o que indica Reyes (2010, p.
25): uma “amarradura entre a história particular e a história humana escrita”, já que
a narrativa se constrói a partir de elementos de uma manifestação cultural afro-
brasileira, a congada.
A leitura é uma atividade muito mais ampla que ler livros: é se sentir
desconcertado diante do mundo, procurar signos e construir sentidos.
Winnicott dizia que a criança tenta ler o rosto de quem cuida “do mesmo modo
quando olhamos o céu para ver se vai chover”. Por sua vez, essa dedicação
e esse esmero que a criança tem em ler o rosto da mãe para sobreviver são
uma construção intimamente ligada à leitura dos livros, à atenção sobre uma
imagem, um gesto das mãos ou algum tom, na série de significantes que fazem
a metáfora. (BRASIL, 2016, p. 21)
Essa leitura que a criança faz do mundo, por meio das percepções sensíveis
em que extrai significados de gestos, movimentos, olhares, sons, cheiros, alimenta a
construção do psiquismo, quando o bebê começa a compreender o que o rodeia e se
expressa pelas várias linguagens, criando um canal de diálogo, por meio do qual vai
desenvolvendo seu pensamento, construindo a representação sobre si e o mundo que
o cerca.
Embora haja uma crescente produção de livros que trazem protagonistas negros
e negras, ainda são necessários movimentos afirmativos para que essas obras estejam
mais presentes nas salas de aula, sendo lidos pelas crianças, pois ainda há atitudes
que tentam invisibilizar as culturas indígenas e africanas, em prol de uma cultura
europeia centrada nos indivíduos brancos.
Além disso tudo, vale destacar o valor estético do livro Benedito que já na capa
atrai o leitor, com seu fundo vermelho, com a personagem representada em preto
e branco, agachado, observando o tambor colorido. Ambos ocupam semelhante
tamanho de espaço na capa, quase que colocando o tambor como outra personagem.
3. Pesquisa divulgada na revista Cult, em 5 de fevereiro de 2018, sobre autoria e personagens no romance brasileiro, realizada
pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília, sob a coordenação da professora
Regina Dalcastagnè, em que analisam livros lançados entre 2005 e 2014 pelas editoras Record, Companhia das Letras e Rocco,
revela que de 197 autores, 192 são brancos e 5 não brancos. De 412 romances lançados, 256 tem protagonistas que são homens
brancos, 136 mulheres brancas, 16 homens negros, 6 mulheres negras. Em relação a 151 narradores desses romances, 103 são
homens brancos, 44 mulheres brancas, 2 homens negros e 2 mulheres negras. Isso demonstra a falta de presença de autores
negros/negras na literatura brasileira e de ter a representação da diversidade fenotípica existente no Brasil, afinal somos uma
população de maioria não branca. Há uma clara tentativa de apagamento do negro, de sua cultura na literatura, quando olhamos
para os dados dessa pesquisa.
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Figura 8 – Capa do livro: Benedito
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Figura 9 – A exploração sonora de Benedito
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Considerações para escolha de livros
Ao ler livros com narrativas literárias com bebês e crianças de 0 a 3 anos, é
possível explorar as histórias em que elas podem reconhecer suas vivências, ampliá-
las e criar significados, tanto em relação ao que está representado, como expandir a
compreensão do que vivem e sentem, do universo que as cercam e que se apropriam
no dia a dia.
Ao escolher os livros é importante levar em conta que, nessa fase, as crianças estão
muito voltadas para a musicalidade da língua, constroem significados em relação à
linguagem à medida que podem interagir com ela e com os adultos próximos. É nessa
imersão na linguagem, que constroem a abstração, a imaginação, o pensamento, a
psique.
Logo que o bebê se apropria do livro e faz dele seu objeto, começa a procurar,
além deste contato físico, sensorial e estético, compreender: o começo, o final,
a ordem das páginas, o direito e o avesso, as ilustrações e os personagens
representados, as letras, suas organizações e repetições… O bebê rapidamente
entende que as palavras do livro “contam o mundo” (Leite, 2014).
Dessa forma, esses livros retratam o mundo e contam também sobre o que vivem
e sentem as crianças.
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Referências bibliográficas
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BONNAFÉ, Marie. Los libros, eso es bueno para los bebés. Barcelona: Océano
Travessia, 2008.
CARVALHO, Ana Carolina; BAROUKH, Josca Ailine. Ler antes de saber ler: oito mitos
escolares sobre a leitura literária. São Paulo: Panda Books, 2018.
CASTRILLÓN, Silvia. O direito de ler e de escrever. São Paulo: Pulo do Gato, 2011.
COOKE, Trish; Oxenbury, Helen. Tanto, tanto! São Paulo: Ática, 1994.
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Disponível em: https://revistaemilia.com.br/ler-historias-para-os-bebes-2/. Acesso
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LIMA, Heloisa Pires. Caçadas de Pedrinho e decisões judiciais na rede. Portal Geledés,
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LÓPEZ, Maria Emília. Um mundo aberto. Cultura e primeira infância. São Paulo:
Instituto Emília, 2018.
MAYER, Bel Santos; GOMES, Luciana. Abrindo veredas para ver e ler além dos espelhos:
um estudo sobre a recepção da mitologia dos orixás afro-brasileiros por crianças. In:
TAVARES, Cristiane; WEISZ, Telma (org.). Literatura e educação. Porto Alegre: Zouk,
2021.
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REYES, Yolanda. A casa imaginária. Leitura e literatura na primeira infância. São Paulo:
Global, 2010.
REYES, Yolanda. Ler e brincar, tecer e cantar. Literatura, escrita e educação. São
Paulo: Pulo do Gato, 2012.
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Pinheiros 05422-050
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