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ENSINO DE MORFOSSINTAXE: UMA PROPOSTA DE ATIVIDADE A

PARTIR DO GÊNERO FÁBULA

Cristiane de Souza Castro1


Jordânia da Costa Pereira 2

RESUMO
O ensino de Morfossintaxe ainda é um grande desafio para muitos docentes e vários são os entraves
para a realização de um trabalho produtivo em sala de aula, o que pode comprometer a aprendizagem
de aspectos importantes sobre o funcionamento da língua. Possivelmente, a concepção que os
professores têm sobre a língua, quando ainda atrelada a práticas tradicionais, pode prejudicar a
realização de atividades produtivas, com o objetivo de apresentar os aspectos morfossintáticos da
língua de maneira prática e funcional. Por outro lado, consideramos que a compreensão interacionista
da língua, assim como a busca por novas metodologias de ensino e o trabalho da análise linguística, a
partir de gêneros textuais, são algumas atitudes que podem contribuir para o sucesso do ensino e da
aprendizagem da Morfossintaxe. Nesse sentido, a atual pesquisa teve como objetivo central refletir
sobre o ensino e a aprendizagem da Morfossintaxe, assim como apresentar uma proposta de atividade
para trabalhar essa parte da gramática. Partimos de uma pesquisa documental, através da qual foram
consultadas orientações de documento oficiai relativas ao ensino de análise linguística e, em seguida,
fizemos uma pesquisa bibliográfica. Como resultados, foi possível compreender que, a partir da
organização do trabalho docente, com base em atividades reflexivas, tendo como ferramenta o gênero
fábula, o ensino de Morfossintaxe pode ser desenvolvido de maneira eficaz e exitosa. Como aporte
teórico, recorremos a autores, como Antunes (2003, 2007), Koch e Elias (2009), Perini (2019), assim
como a documentos oficiais, como os PCN (BRASIL, 1998).

Palavras-chave: Língua portuguesa, Ensino de Morfossintaxe, Gênero textual fábula.

INTRODUÇÃO

Ensinar gramática de uma língua, para muitos docentes, ainda é um grande desafio.
Isso porque demanda compreender que a concepção de língua e de ensino de gramática que
esse docente assume influencia, diretamente, em sua prática pedagógica e no sucesso, ou não,
de seu trabalho.

O ensino da gramática, não de hoje, é visto por muitos estudantes como algo
enfadonho, isso porque algumas práticas docentes insistem em apresentar as regras
gramaticais de maneira isolada, sem muita funcionalidade na vida cotidiana desses alunos. Tal

1
Professora efetiva do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB,
[email protected].
2
Professora efetiva da prefeitura de Picuí-PB, [email protected]
constatação implica reconhecer que, um ensino meramente prescritivo, pouco contribui para o
uso consciente da língua nas mais variadas situações de uso.

Nessa direção, propomos aqui refletir acerca do ensino da Morfossintaxe da língua


portuguesa no sentido de compreender a relevância dessa parte da gramática para o
aprendizado da língua. Assim, nosso objetivo central é, além de apresentar essa reflexão,
propor uma atividade para trabalhar essa parte da gramática a partir de gêneros textuais, em
caso específico, o gênero fábula, e consideramos que essa nossa proposta seja relevante para
contribuir para o desenvolvimento de metodologias eficientes com o objetivo de promover um
ensino produtivo da Morfossintaxe.

METODOLOGIA

Esta pesquisa objetiva apresentar uma possibilidade de trabalhar a Morfossintaxe com


turmas do oitavo ano do ensino fundamental a partir de gêneros textuais, em especial, o
gênero fábula. Assim, optou-se por uma pesquisa documental, através da qual foram
consultadas orientações de documentos oficiais relativas ao ensino de análise linguística e, em
seguida, foi realizada uma pesquisa bibliográfica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No processo de ensino de uma língua, o ensino de gramática precisa ser algo que faça
com que o estudante compreenda as regras gramaticais em contextos de uso para que o
aprendizado seja significativo. A gramática de uma língua pode ser concebida como o
elemento estruturante dessa língua, que atua na construção de sentido das palavras dentro da
frase ou do contexto interativo, contexto este fundamental para compreendermos que não
utilizamos palavras soltas ou aleatórias em uma frase, já que cada palavra ocupa um espaço e
uma função dentro da frase e internalizamos isso a partir do momento que começamos a
interagir com os falantes da língua.

No que se refere ao ensino de língua, é preciso que se ressalte que o aluno não precisa
dominar todas regras gramaticais de sua língua – como se isso fosse uma prerrogativa para
dominar um idioma - e esse aluno precisa, também, compreender que gramática e língua não
são a mesma coisa, mas que ambas se relacionam. Sobre essa questão, Antunes (2007, p. 39)
explicita que:
A concepção de língua e gramática são uma coisa só deriva do fato de,
ingenuamente se acreditar que a língua e constituída de um único componente:
A gramática. Por essa ótica saber uma língua equivale, a saber, sua gramática;
ou, por outro lado saber a gramática de uma língua equivale a dominar
totalmente essa língua. É o que se revela, por exemplo, na fala das pessoas
quando dizem que “alguém não sabe falar”. Na verdade essas pessoas estão
querendo dizer que esse alguém “não sabe falar de acordo com a gramática da
suposta norma culta”.

Ainda nessa direção, Geraldi (2011, p. 37) defende que:

... uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua
em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados
adequados aos diversos contextos, percebendo as dificuldades entre uma
forma de expressão e outra. Outra coisa é saber analisar a língua, dominando
conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua, se
apresentam suas características estruturais e de uso.

Com isso, percebemos que dominar a língua vai muito além de saber o conjunto de
regras gramaticais de uma língua. Saber a língua implica não apenas saber usá-la em
diferentes situações de interação, adequando-a a esses contextos, mas também saber seus
conceitos e metalinguagens, bem como suas características estruturais e de uso.

O ensino da gramática realizado de maneira descontextualizada, sem uma reflexão


mais profunda acerca do uso dessa gramática em situações reais de comunicação,
provavelmente, não contribui para o desenvolvimento do aluno quanto à proficiência no uso
da língua e, possivelmente, poderá comprometer sua aprendizagem e limitar as possibilidades
de desenvolvimento pessoal, social e profissional. Daí a importância de buscar novas
concepções de ensino da língua e a necessidade de os professores repensarem práticas
pedagógicas, principalmente, no que diz respeito à forma como conduzem o ensino de
gramática.

Para Antunes (2003, p.15), embora não se possa generalizar:

... a escola não estimula a formação de leitores, não deixa os alunos capazes
de ler e entender manuais, relatórios, códigos, instruções, poemas, crônicas,
resumos, gráficos, tabelas, artigos, editoriais e muitos outros materiais
escritos. Também não deixa os alunos capazes de produzir por escrito esses
materiais. Ou seja, tem "uma pedra no meio do caminho" da aula de
português. E a trajetória não se faz (...).

Provavelmente, alguns professores têm dificuldades em assimilar as novas teorias


sobre o ensino da língua e, talvez, por falta de formação continuada ou de tempo, reproduzem,
em suas aulas, as metodologias com as quais foram ensinados na educação básica, em que era
priorizado o ensino puramente prescritivo da língua e os alunos deveriam “decorar” regras e
mais regras para solucionarem exercícios e avaliações, “demonstrando”, assim, que tinham se
apropriado dessas regras. Os conteúdos eram repassados, cabendo ao aluno apenas assimilá-
los.

Entendemos que a reprodução dessa metodologia não permite uma reflexão


linguística, e, sim, o ensino ou aprendizagem de regras gramaticais soltas,
descontextualizadas, submetendo os alunos à realização de exercícios, avaliações apenas para
verificar se conseguiram aprender ou não determinadas regras, o que acaba por,
possivelmente, desestimulá-los, já que muitos não conseguem compreender os usos das tantas
regras que precisam estudar.

Nesse sentido:

... a gramática transforma-se em “algo” nocivo à aprendizagem, característica


que é confirmada na prática cotidiana em sala de aula, onde o objetivo do
ensino da Língua Portuguesa tem se restringido ao ensino das estruturas e
regras gramaticais da língua, ignorando seu principal objeto de estudo: a
linguagem em suas várias formas de comunicação e interação humana.
(WAAL, 2009, p. 5).

Conteúdos são separados e divididos e, às vezes, a própria disciplina de língua


portuguesa é, em alguns sistemas de ensino, também dividida, criando-se uma subdivisão em
gramática, leitura e produção textual. O resultado disso pode ser muito prejudicial para a
compreensão de língua que o estudante pode ter e essa divisão gera “... uma fragmentação no
ensino onde as aulas de gramática não se relacionam com as aulas de leitura e produção
textual” (WAAL, 2009, p. 2).

Com esse contexto, chamamos a atenção para as metodologias de ensino da


Morfossintaxe da língua portuguesa no sentido de refletir sobre a efetividade das práticas que
são utilizadas nas aulas. Como já exposto acima, ensinar e aprender a gramática de uma
língua, de modo exitoso, é uma atividade desafiadora que exige que se realizem práticas
efetivas com um trabalho contextualizado e não seria diferente do que se espera do trabalho
com a Morfossintaxe.

Sendo Morfossintaxe a relação de interdependência entre as palavras ou vocábulos e


seu efeito comunicativo no enunciado, o trabalho, em uma perspectiva de seu ensino
produtivo, prima por analisar as estruturas da língua, levando em consideração o contexto de
produção, assim como trabalhar essa parte da gramática a partir de gêneros textuais. Desse
modo, o trabalho produtivo com a Morfossintaxe precisa garantir que os alunos alcancem essa
compreensão sobre o caráter integral e social da língua.

A Morfossintaxe não apenas une a Morfologia e à Sintaxe, duas partes da gramática


essenciais para a compreensão da língua, ela propõe que ambas sejam estudadas, de forma
simultânea, na frase. Enquanto a primeira trata da estrutura, formação e classificação de
palavras, a segunda, por sua vez, trata da organização das palavras e a relação entre elas em
unidades maiores, os sintagmas.

O ensino integrado dessas duas partes, a Morfossintaxe, apresenta-se como uma


abordagem importante para o ensino de língua, já que ela propõe o estudo da relação entre os
elementos constitutivos de um enunciado (as classes de palavras) e os sintagmas
(agrupamento de palavras que assumem determinadas funções). A importância dos estudos da
Morfossintaxe se dá primordialmente na percepção e na reflexão de que certas palavras,
pertencendo a uma determinada classe, não podem ser colocadas em qualquer lugar na frase,
o que poderia gerar a agramaticalidade.

Quanto à colocação de palavras em um enunciado, acredita-se que o falante de uma


língua já o sabe, uma vez que ele já apresenta sua gramática internalizada, mas é preciso que
haja uma reflexão sobre as possibilidades de organização de uma frase e a escola - as aulas de
língua portuguesa em especial – tem essa função. Podemos citar, por exemplo, o caso do
artigo, que sempre ocupa o lugar de anterioridade ao substantivo, apresentando uma definição
ou indefinição (na perspectiva morfológica) e assumindo a função sintática de adjunto
adnominal.

Reconhecer as particularidades do ensino de Morfossintaxe é fundamental para o


estudante perceber que as palavras não agem, nem se realizam sozinhas no discurso, elas
precisam estar relacionadas entre si. Quanto a isso, reconhecemos que cabe à escola
aprimorar esses conhecimentos através do estudo dos termos gramaticais dentro de textos
adequados a cada série, promovendo uma reflexão sobre o texto e, não apenas, utilizar frases
soltas ou textos como ponto de partida para ensinar conceitos, nomenclaturas ou
classificações gramaticais.

Assim, a atividade docente voltada para a análise de aspectos gramaticais precisa ser
planejada com o objetivo de propiciar um trabalho produtivo e significativo, no sentido de
promover a aprendizagem dos conteúdos gramaticais em contextos de usos da língua. Com o
ensino de Morfossintaxe, não seria diferente e muitas são as possibilidades de desenvolver
metodologias de ensino interessantes e produtivas.

Como ressaltado, anteriormente, a Morfossintaxe se refere ao estudo das classes de


palavras enquanto constituintes de um sintagma, observando seus papéis na constituição de
uma determinada sentença. Nesse sentido, entendemos que o trabalho com a gramática, para
que seja significativo para o estudante, precisa ir além das nomenclaturas e acreditamos que
deva ser evitada uma metodologia em que seu ensino seja fragmentado, descontextualizado.
Daí a necessidade de abordar a Morfossintaxe a partir de textos em gêneros adequados a cada
série e promovendo uma ampla reflexão do texto, este não sendo apenas um “pretexto” para
atividades pontuais de assuntos relacionados à gramática da língua.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do ensino fundamental


(BRASIL, 1998), ensinar e aprender a língua portuguesa parte da consideração da articulação
de três variáveis, a saber: a) o aluno; b) os conhecimentos com os quais se opera nas práticas
da linguagem; c) a mediação do professor. Nessa perspectiva,

O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento


linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas
sociais mediadas pela linguagem. (BRASIL, 1998, p. 22).

Para que o estudante tenha condições para assimilar conhecimentos linguísticos e


discursivos de sua língua, é necessário que o professor proponha atividades cujo objetivo
primaz seja o de refletir os usos da língua nos textos, estes materializados em gêneros. Dessa
forma, a aula de língua cumprirá seu propósito de contribuir para o desenvolvimento da
competência discursiva e linguística do estudante, o que é cobrado, substancialmente, pelas
diversas práticas sociais da linguagem, e a escola precisa instrumentalizar o estudante para
que ele esteja apto a se adequar a essa realidade, o que faz com que ela, a escola, realize uma
revisão dos procedimentos de ensino para a constituição de práticas com o objetivo de
propiciar a esse aluno a sua competência comunicativa (BRASIL, 1998).
Nesse sentido, propomos, aqui, uma atividade de análise de aspectos morfossintáticos
a partir do gênero textual fábula, a qual será apresentada a uma turma do oitavo ano do ensino
fundamental. A escolha pela fábula se dá pelo fato de ser um gênero adequado e pertinente
para ser trabalhado com uma turma desse estágio de aprendizagem, além de promover uma
importante reflexão de temas relacionados às normas de convivência social.
No que se refere ao gênero textual fábula, trata-se de uma narrativa breve, em prosa ou
em versos, cujos personagens são representados, muitas vezes, por animais personificados.
Esse gênero “... aponta sempre para uma conclusão ético-moral (...), de grande projeção
pragmática por seu claro objetivo moralizador” (COSTA, 2020, p. 124) e, assim, acreditamos
ser esse um gênero relevante não só para a formação intelectual, mas também para a formação
cidadã do estudante na fase de escolaridade básica.

A proposta da atividade seria organizada em etapas, cada uma delas com seus
propósitos claramente definidos para a promoção do desenvolvimento do trabalho com a
turma. Inicialmente, seria apresentada aos alunos uma breve reflexão acerca de que é a
Morfossintaxe e por que seria relevante conhecer essa parte da gramática da língua
portuguesa.

Em seguida, seria necessário discutir o fato de que se aprende a usar a língua de modo
proficiente, observando-a em uso real, através de textos produzidos em diversos gêneros
textuais dos diversos domínios discursivos. Nesse momento, seria interessante apresentar ao
aluno que a língua se realiza na prática, na interação entre os seus usuários, que se comunicam
com propósitos definidos de comunicação, em determinados contextos.

A partir daí, seriam introduzidas algumas informações teóricas a respeito do gênero


fábula, suas especificidades, sua funcionalidade. Esse seria o momento em que a turma teria a
oportunidade de compreender, então, a estrutura composicional, o estilo que é próprio do
gênero, os recursos linguísticos e estilísticos utilizados, o sentido que se constrói desde o
título até a moral desenvolvida para o enredo da história, a caracterização dos personagens.

Após essa explanação, seria o momento de apresentar um exemplar desse gênero para
reflexão com a turma. Na proposta aqui colocada, trabalharemos com o texto “O cão e a
lebre”, de Esopo, em sua versão traduzida para o português por Guilherme Figueredo (2005).
É interessante que, antes de ler o texto, o professor apresente algumas informações relativas
ao autor, ao seu contexto histórico para situar a sua obra e estimular a curiosidade dos
estudantes.
Consideramos relevante observar a leitura como uma atividade realizada em etapas,
cada uma assumindo uma função determinada com o objetivo de propiciar a compreensão
leitora de maneira proficiente. Dessa forma, iniciaríamos com uma pré-leitura da fábula
(desenvolvendo tarefas com o objetivo de motivar o leitor a conhecer o conteúdo do texto,
identificar os seus objetivos para a realização da leitura), passando para a leitura propriamente
dita (concebendo-a como a construção da compreensão, dos sentidos do texto, assim,
observando o estilo da fábula, a seleção vocabular, os efeitos de sentido da disposição do
léxico no exemplar da fábula analisada), até a realização de atividades no momento da pós-
leitura (momento em que a turma seria estimulada a continuar aprendendo e compreendendo,
com a realização de um breve debate acerca da compreensão do texto e solicitação de
produção de resumo da leitura realizada) (SOLÉ, 1998).
Na etapa que compreende a fase da leitura propriamente dita, procederíamos a uma
leitura reflexiva, evidenciando para a turma o fato de que a leitura é um ato individual de
construção de sentidos num contexto de interação entre o autor, o texto e o leitor, sendo uma
atividade distinta para cada leitor, dependendo de seus interesses e objetivos do momento
(ANTUNES, 2003). Com a leitura da fábula escolhida para a turma, seria uma oportunidade
de conversar com todos e todas sobre as estratégias que podemos utilizar para a realização da
compreensão, apresentando métodos que possam contribuir com a construção de sentidos,
partindo da ativação dos conhecimentos prévios do leitor, seja o linguístico, o interacional, de
textos e o enciclopédico (KOCH; ELIAS, 2009).
Após o momento de leitura e da compreensão do texto, o professor poderá fazer uma
breve reflexão sobre o texto lido com o objetivo de identificar, junto com a turma, os aspectos
que o caracteriza como fábula, assim como poderiam discutir sobre a possibilidade de
associar o seu conteúdo com a realidade da turma, de suas experiências sociais. Em seguida, o
professor procederia à análise morfossintática a partir do texto, este considerado como um
objeto de ensino de língua, com o objetivo de refletir a organização da estrutura do texto, a
forma se organizam os sintagmas, os possíveis sentidos das palavras, no texto, verificando as
possibilidades, ou não, de inversões das palavras, se isso implica alguma alteração de sentido
ou não.

Vejamos o texto sugerido para o trabalho com a turma:

O cão e a lebre – Esopo

Um cão caçador viu uma lebre escondida numa moita. Quis logo caçá-la, mas
a lebre disparou a correr e desapareceu. Por ali passava um pastor que viu como o cão
perdeu a lebre e disse:
- você se julga um caçador? A lebre é dez vezes menor do que você e mesmo
assim você a perdeu!
- você se esquece, pastor – respondeu o cão -, que eu estava só procurando o
que comer, enquanto a lebre estava procurando salvar a vida dela!

Moral da História: O medo torna as pessoas mais espertas.

Partindo do texto de Esopo, muitas são as possibilidades de se apresentar um ensino


produtivo da Morfossintaxe e podemos iniciar ressaltando os diversos sentidos que uma
palavra pode assumir em um enunciado. Ao observar, por exemplo, a frase “Um cão caçador
viu uma lebre escondida numa moita”, o professor pode iniciar seus questionamentos,
refletindo os sentidos, as classificações morfológicas e as funções sintáticas que as palavras
“cão” e “caçador” podem assumir em vários contextos.

No caso da palavra “caçador”, um dos possíveis sentidos é o de substantivo, a classe


de palavras que denomina seres, objetos, sensações, sentimentos, como em “o caçador atirou
para o alto”, mas, em determinadas situações, pode assumir, também, valor adjetivo,
permitindo, então, a caracterização de um substantivo, como em “cão caçador”, presente na
fábula em análise.

Ainda com esse exemplo, seria uma excelente oportunidade para refletir que sentidos
poderiam ser extraídos com a inversão da ordem em que a expressão “cão caçador” se
apresenta, na perspectiva dos possíveis sentidos da palavra “cão”. Desse modo, poderia
realizar alguns questionamentos: o que poderia ser compreendido com a construção “caçador
cão”? Alteraria a compreensão da ideia que o texto pretende aludir? Apresentando-se após a
palavra “caçador”, que sentido poderia ser atribuído à palavra “cão”? Em que outras
situações podemos usar “cão” como adjetivo? Esses questionamentos são bastante produtivos
no sentido de ampliar as possibilidades de sentidos e de classificações morfossintáticas de
uma determinada palavra.

Além desse exemplo de reflexão, outro nos parece pertinente: quais as possibilidades
de distribuição das palavras dentro de um sintagma? Nesse ponto, seria trabalhado com a
turma a concepção de que essas palavras formam constituintes de uma sentença e que há
condições para a sua disposição numa oração, ressaltando que esses constituintes se trata de
“... partes da sentença que recebem significado coerente, e que podem às vezes aparecer em
outras posições na sentença (...)” (PERINI, 2019, p. 30).
Nessa perspectiva de análise, é importante enfatizar que “... um constituinte (...) tem
propriedades formais e também semânticas” (PERINI, 2019, p. 31) e isso deve ser levado em
consideração na ocasião da análise da sentença. Tendo como base a fábula de Esopo,
poderemos propor à turma a observação do período “Um cão caçador viu uma lebre escondida
numa moita” e, a seguir, questionar se é possível alterar a posição das palavras de forma
aleatória, como em “caçador viu um uma escondida lebre cão moita numa”. Possivelmente, o
aluno irá perceber que a inversão sem critérios, sem observar as relações que uma palavra
apresenta com as demais, provoca uma construção agramatical, como o agrupamento de
palavras, mas poderá perceber que outras inversões não causam prejuízos à compreensão,
como em “respondeu o cão / o cão respondeu”, em que verbo e seu sujeito podem ter sua
posição alterada, mantendo a coerência.

Outra possibilidade de reflexão aparece quando focamos na questão de classe de


palavra e função sintática que uma determinada palavra pode assumir no período. Nesse
ponto, ressalta-se que “... a classe a que pertence uma palavra se define por seu potencial
funcional, ou seja, pelo conjunto de funções (sintáticas e semânticas) que ela pode
desempenhar na língua” (PERINI, 2019, p. 53). Significa dizer que cada palavra tem um
potencial funcional, como o fato de atribuir valor sintático de sujeito e de complementos
verbais a uma palavra classificada morfologicamente como substantivo, e, não a um artigo
definido, por exemplo.

Nesse ponto, poderiam ser apresentados questionamentos no sentido de identificar que


determinadas classes de palavras podem assumir determinadas funções sintáticas num
contexto e perceber isso em períodos, como “o cão perdeu a lebre / a lebre disparou a correr”.
Nessas duas possibilidades, retiradas da fábula em análise, percebe-se que há duas ocorrências
da palavra “lebre”, classificada morfologicamente como substantivo, que assume,
respectivamente, as funções de complemento verbal direto e de sujeito, funções sintáticas que
podem ser assumidas pelo substantivo.

Igual relevância vemos na reflexão sobre o uso dos artigos e os sentidos que eles
podem suscitar no texto. É o caso das construções “Um cão caçador viu uma lebre escondida
numa moita” e “(...) o cão perdeu a lebre e disse (...)”. Essa abordagem contribui para a
compreensão, não só do valor morfossintático dos artigos (artigos definidos e indefinidos,
assumindo função sintática de adjuntos adnominais), como uma reflexão contextual,
propiciando ao aluno a oportunidade de perceber os sentidos de indefinição seguida da
atribuição da definição dos termos substantivos.
Como podemos perceber, várias são as possibilidades de análise morfossintática que
podem ser realizadas nas aulas de língua portuguesa em turmas de oitavo ano do ensino
fundamental, a partir de um ensino produtivo, significativo e contextualizado de aspectos
gramaticais. Assim, é importante ressaltar que, quando o docente organiza um trabalho com a
Morfossintaxe a partir de textos em gêneros adequados à etapa de escolarização do estudante
e isso se dá com ênfase em um ensino de gramática contextualizado, o processo de ensino e
de aprendizagem se configura como uma atividade relevante para o estudante, que tem a
oportunidade de analisar os fenômenos da língua em uso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se que língua e gramática são dois pontos que se apresentam


relacionados, porém é fundamental que se perceba a distinção entre eles e, nesse sentido,
entendemos que o ensino de língua portuguesa não pode se constituir apenas em lições de
gramática, de abordagem de regras gramaticais de maneira prescritiva e isolada sem levar em
consideração os contextos em que a língua é usada. Desse modo, é fundamental que, para que
haja um trabalho significativo com a gramática, faz-se necessário que as práticas de ensino
envolvam a leitura, a compreensão, assim como a análise linguística, por meio de diversos
textos, produzidos em variados gêneros.

Nesse contexto, o ensino de Morfossintaxe precisa ser desenvolvido de maneira que o


estudante perceba sua funcionalidade, compreenda as possibilidades de arranjos dos
constituintes dos sintagmas presentes nos enunciados que elabora. Tal perspectiva de ensino
pode contribuir para o desenvolvimento linguístico e social do aluno, o que pode representar o
fato de fazer com que esse aluno seja um usuário competente de sua língua.

REFERÊNCIAS
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2003.

________. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho.
Belo Horizonte: Ed. Parábola, 2007.

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fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,
1998.
COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte; Autêntica Editora,
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FIGUEREDO, Guilherme. Fábulas de Esopo. São Paulo: Ediouro, 2005.

GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In GERALDI,


João Wanderley (Org.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2011.p. 33-38.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção
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PERINI, Mário A. Sintaxe. São Paulo: Parábola, 2019.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. 6. ed. – Porto Alegre: Penso, 1998.


WAAL. Daiane Van. Gramática e o ensino da Língua Portuguesa. IX Congresso Nacional
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Acesso em: 05 mai. 2021.

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