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RETÓRICA E SILOGISMO

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SUMÁRIO

Disciplina: Retórica e Silogismo ...................................................................................... 3

Introdução ......................................................................................................................... 3

Preâmbulo histórico .......................................................................................................... 3

2. A definição de retórica ................................................................................................. 5

3. A retórica antiga ........................................................................................................... 7

3.1. A natureza da retórica ................................................................................................ 7

3.2. Definição aristotélica de retórica ............................................................................... 8

3.3. Géneros de discurso retórico ..................................................................................... 9

3.4. Tipos de provas ........................................................................................................ 10

3.5. Partes da retórica ..................................................................................................... 14

4. A nova retórica ........................................................................................................... 18

4.1. Demonstração e argumentação ................................................................................ 18

4.2. A lógica do preferível .............................................................................................. 20

4.3. Os pontos de partida da argumentação .................................................................... 23

4.4. O auditório ............................................................................................................... 25

4.5. As técnicas argumentativas ..................................................................................... 26

4.6. A eficácia da argumentação ..................................................................................... 28

4.7. Retórica e filosofia................................................................................................... 29

Bibliografia ..................................................................................................................... 31

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FACULESTE

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Disciplina: Retórica e Silogismo

Álvaro Nunes

Introdução

A lógica formal e a lógica informal têm como objetivo distinguir os argumentos


válidos dos argumentos inválidos e os argumentos bons dos argumentos maus. Quer no
caso da lógica formal quer no caso da lógica informal, trata-se de estabelecer critérios
objetivos que permitam saber, com o maior rigor possível, quando a conclusão de um
argumento é verdadeira ou provável, caso as premissas também o sejam. Contudo, a
lógica formal e a lógica informal não são as únicas disciplinas que estudam os
argumentos. Para além delas há também outra disciplina que estuda os argumentos. A
esta disciplina dá-se o nome de retórica e é vulgarmente caracterizada como a arte da
persuasão, isto é, a arte que estuda os procedimentos que permitem a um orador fazer um
auditório aderir aos pontos de vista que defende. Assim, apesar de, tal como a lógica
formal e informal, a retórica também estudar os argumentos, a finalidade desse estudo é
completamente diferente da daquelas disciplinas, uma vez que o seu objetivo não é
descobrir e estabelecer as condições que permitem saber que determinadas proposições
são verdadeiras ou plausíveis, mas tentar compreender e usar a capacidade persuasiva da
argumentação na comunicação.

Preâmbulo histórico

Desde o tempo de Homero (século IX ou VIII a.C.) que a capacidade de persuadir


do discurso fascinou os gregos, mas o seu interesse por essa capacidade só se desenvolveu
a partir do momento em que a democracia substituiu os regimes monárquicos e
oligárquicos nalgumas das principais cidades da Grécia. Segundo uma tradição que
remonta a Aristóteles, a retórica teria sido inventada por Empédocles de Agrigento,
filósofo pré-socrático do século V a.C. de quem Górgias, um dos mais reputados
professores de retórica, teria sido discípulo. Outra tradição atribui a origem da retórica a
Córax e Tísias, que, após a queda dos tiranos e a instauração da democracia em várias
cidades da Sicília em meados do século V a.C., teriam sido os primeiros a escrever um
tratado de retórica para responder às necessidades dos litigantes numa questão de disputa
de terras.
Qualquer que seja a tradição que esteja correta, com a democracia, a persuasão
passou a estar no centro da ação política e social e o seu domínio a ser fundamental nos

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tribunais, para convencer os juízes, e nas assembleias, para persuadir o povo. Isso fez
surgir, um pouco por toda a Grécia, uma classe de professores itinerantes, “sofistas” e
“mestres de retórica”, os mais famosos dos quais foram Protágoras e Górgias, que, ao
mesmo tempo que ensinavam aos jovens ricos que pretendiam fazer carreira política a
arte do discurso, procuravam compreender o poder persuasivo do mesmo. As ideias
relativistas de Protágoras e Górgias, pondo em causa a existência de verdades e valores
objetivos e fazendo da verdade uma construção do momento que depende da
persuasividade do orador, fornece a justificação teórica do uso generalizado que os gregos
irão daqui em diante fazer da retórica. Ao mesmo tempo, os sofistas e os retores
investigaram alguns dos aspectos centrais do discurso e da língua, como a erística (arte
da discussão com o objetivo de vencer uma contenda verbal) e a gramática, fazendo desse
estudo uma disciplina teórica e uma técnica que engloba, além do ensino, teorias sobre a
persuasão e sobre o discurso e pesquisas sobre técnicas de argumentação.
Esta atividade simultaneamente de investigação e ensino produziu oradores e
retores ilustres como Lísias (c. 445-380 a.C.), Isócrates (436-338 a.C.) e Demóstenes
(384-322 a.C.), que continuaram a cultivar e a desenvolver as técnicas retóricas dos seus
mestres. Contudo, foi apenas com Aristóteles (384-322 a.C.), que curiosamente não era
sofista nem retor, mas filósofo, que a retórica grega clássica atingiu o ponto máximo de
sofisticação e sistematização com que entrou no mundo helenístico e romano.
Durante o período helenístico, a retórica, com autores como Teofrasto (370-285
a.C.), que foi discípulo de Aristóteles, e Hermágoras de Temnos (século II a.C.),
continuou a desenvolver-se no sentido de um sistema global, aprofundando as antigas
técnicas e integrando novas, articulando conhecimentos, introduzindo inovações no
estilo, na argumentação e na ação oratória. Mas é com Cícero (106-43 a.C.), em plena
República romana, que a retórica volta a encontrar um orador do nível dos principais
oradores gregos e, ao mesmo tempo, um teórico, historiador, professor e filósofo da
retórica de grande estatura. Cícero procurou também superar o conflito entre filosofia e
retórica, entre filósofos e oradores, o que faz dele, o antecessor mais ilustre na antiguidade
daqueles que, atualmente, embora em moldes diferentes, procuram fazer o mesmo.
Fossem nos tribunais, no senado ou nas assembleias, os discursos tinham uma
enorme importância na política romana e, por isso, quer durante a república quer durante
o império, a retórica ocupou um lugar de primeira ordem na educação e na vida pública.
Como outrora em Atenas, mas de forma mais sofisticada e sistemática devido à
multiplicação de tratados e manuais, os membros das classes superiores recebiam desde

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pequenos uma educação retórica que visava prepará-los para o exercício de cargos
públicos, que, previsivelmente, viriam a desempenhar em adultos.
Com o advento do cristianismo, a retórica foi usada, não sem relutância, por
autores como Tertuliano (c. 155-225 d. C.), para divulgar e espalhar a nova religião. A
partir do momento em que a religião cristã se tornou a religião oficial, a retórica grega e
romana cedeu o lugar à “verdade revelada” e à retórica cristã (por exemplo, de Santo
Agostinho), para, com o fim do império romano e do mundo antigo, ser completamente
absorvida e integrada nela.
Este ofuscamento rápido, se tivermos em conta a importância que tinha na vida
pública tanto do mundo romano como grego, da retórica antiga pela retórica cristã vai
manter-se durante toda a idade média. É só com o renascimento e a redescoberta pelo
mundo cristão dos autores antigos que o interesse pela retórica aumenta. Esse interesse,
no entanto, deu origem, no contexto mais geral dos conflitos políticos e religiosos da
época (reforma e contra-reforma), sobretudo a uma retórica literária, a uma querela entre
partidários de uma retórica do ethos e partidários de uma retórica do pathos e, com Pedro
Ramus (1515-1572), que separa as componentes lógicas da retórica das estéticas, a uma
cisão, que na opinião de autores contemporâneos como Perelman, esteve na origem do
declínio da retórica.
A partir do século XVII, a retórica vai ser posta ao serviço do poder pontifício e
das monarquias. A aristocracia fará dela um instrumento de distinção social, o que, em
conjunto com a ascensão do método científico e a relevância dada às provas e à verdade,
leva ao seu declínio, que se manterá no século XIX, com a sua condenação pelos
românticos em nome de um ideal de sinceridade, e em grande parte do século XX. Na
segunda metade deste século, primeiro com Chaïm Perelman (1912-1984) e Stephen
Toulmin (n. 1922), e depois com Hans-Georg Gadamer (1900-2002) e o Grupo µ, assiste-
se a um recrudescimento do interesse pela retórica e a uma tentativa de, embora noutros
moldes, a reabilitar.

2. A definição de retórica

A palavra “retórica” deriva da palavra grega rhêtorikê, que significa “arte da


palavra”. Mas o que é a retórica e como podemos defini-la?
Ao dissertar sobre a natureza da retórica, Quintiliano reflecte sobre as várias
definições desta, e deixa-nos perceber as seguintes quatro como as mais representativas
das convenções retóricas clássicas:

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 A definição atribuída a Córax e Tísias, Górgias e Platão: geradora de persuasão;
 A definição de Aristóteles: a retórica parece ser capaz de descobrir os meios de
persuasão relativos a um dado assunto;
 Uma das definições atribuídas a Hermágoras: a faculdade de falar bem no que
concerne aos assuntos públicos;
 A definição de Quintiliano, na linha dos retóricos estóicos: a ciência de falar bem.
Manuel Alexandre Júnior, in Aristóteles, Retórica, p. 15 (adaptado).
Como se pode ver, esta não é uma questão de fácil resposta e, mesmo na
antiguidade, aqueles que estudaram o assunto discordavam acerca do que é a retórica.
Contudo, ao lê-lo com atenção é possível verificar que as duas primeiras definições dão
ênfase à persuasão, enquanto as duas últimas dão mais relevo ao falar bem. Claro que
quem fala bem, em geral, persuade e quem persuade, em geral, fala bem. Porém, isso não
significa que se trate apenas de uma distinção subtil e sem importância, porque aqueles
que davam mais relevo à persuasão tendiam a dar mais importância às relações da retórica
com a argumentação, enquanto aqueles que davam ênfase ao falar bem tendiam a dar mais
importância às figuras do discurso, à eloquência e a outros aspectos da comunicação,
como o tom de voz e a posição das mãos. No entanto, a definição mais comum e mais
aceite é a da retórica como arte da persuasão, entendendo-se o termo “arte”, não no
sentido moderno, que o aproxima das belas-artes, mas no sentido antigo de
uma técnica ou de um sistema de regras práticas que possibilitam ao orador obter o
assentimento do auditório por intermédio do discurso. A persuasão é usada em domínios
da vida pública em que é possível deliberar, quando se trata dos interesses da sociedade
e dos cidadãos, e em assembleias públicas e tribunais, embora, também possa ser usada
em diálogos e em conversas privadas. Em resumo, a retórica é uma técnica ou um sistema
de regras de comunicação que visam a persuasão e tem por base um conhecimento prático
ou, na opinião de alguns, empírico. Tanto esta técnica ou sistema de comunicação como
o conhecimento que está na sua base podem ser ensinados.
Esta caracterização da retórica é a mais comum e, de certa forma, clássica.
Contudo, o interesse que a retórica despertou nos últimos anos voltou a chamar a atenção
para o problema da sua definição. Como seria de esperar, surgiram outras definições, que,
em geral, procuram realçar um ou outro aspecto da retórica que já se encontra na definição
clássica. É o caso de Chaïm Perelman, que pretende desenvolver a definição de
Aristóteles e pensa que a retórica é o estudo das técnicas discursivas que visam provocar
ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que lhes são apresentadas, e do Grupo µ, que

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faz da retórica o estudo do estilo e das figuras e a vê como aquilo que faz com que um
texto seja literário.

3. A retórica antiga

A retórica antiga corresponde, como vimos, a um período que vai de Empédocles


ou Córax e Tísias até ao fim da antiguidade. Durante estes cerca de mil anos, foram muitos
os oradores, retores e até filósofos que escreveram sobre a retórica. Assim, em rigor, não
há uma retórica clássica, isto é, um sistema de retórica único e uniforme, mas tantos
sistemas quanto o número daqueles que na antiguidade a estudaram com alguma atenção.
Apesar disso, há um conjunto de características principais que a maior parte dos autores
antigos concorda em atribuir à retórica. Grande parte dessas características foram pela
primeira vez investigadas de forma sistemática por Aristóteles. Por esse motivo, o nosso
trabalho consistirá em larga medida no estudo do que Aristóteles escreve na
obra Retórica, tendo em conta, quando isso se justificar, o contributo dos autores gregos
e latinos posteriores.
Pode parecer que a Retórica de Aristóteles tem o inconveniente de ser
historicamente próxima da época em que a retórica surgiu e que, devido a isso, lhe
escapam todos os desenvolvimentos que se seguiram. Mas não só, por um lado, depois
dele as inovações teóricas não foram em grande número, como, por outro, a sua retórica
representa o ponto culminante da retórica antiga. Além disso, a importância de Aristóteles
para a retórica, antiga ou contemporânea, é tal que, se tivéssemos de identificar a retórica
com o sistema de um autor, esse sistema seria, sem qualquer dúvida, o seu.

3.1. A natureza da retórica

Para Aristóteles, a retórica é uma arte que trata de questões que são do domínio
do conhecimento comum e para as quais não existe arte específica, isto é, questões que
não têm resposta científica e que podem ser objeto de deliberação por parte de um
auditório. Este auditório é normalmente constituído por pessoas simples, facilmente
influenciáveis, e incapazes de ver muitas coisas ao mesmo tempo ou de seguir longas
cadeias de raciocínio. Por conseguinte, é a natureza das questões e do auditório, que
tornam a retórica necessária. Ao contrário de filósofos seus contemporâneos tão
importantes como Platão, Aristóteles considera a retórica útil porque:
 A verdade e a justiça não devem ser vencidas;
 Há alguns auditórios que nem mesmo a ciência mais exacta consegue persuadir;

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 É preciso ser capaz de argumentar sobre coisas contrárias, para dominar o tema e
para, sempre que alguém argumente contra a justiça, ser possível refutar os seus
argumentos;
 Devemos ser capazes de nos defender verbalmente.
Apesar desta utilidade, a retórica também pode ser usada de forma injusta e causar
grandes danos. É, por conseguinte, um instrumento que tanto pode ser usado para o bem
como para o mal. No entanto, não é apenas com a retórica que isto acontece. Ela encontra-
se na mesma situação que a maioria dos outros bens e em particular que os bens mais
úteis, como a força, a saúde, a riqueza e o talento militar, que, se forem usados de forma
justa, podem ser muito úteis, mas, se forem usados de forma injusta, poderão causar
muitos prejuízos.

3.2. Definição aristotélica de retórica

Aristóteles trata a retórica e o discurso persuasivo como um domínio da realidade


sobre o qual é necessário fazer uma investigação que permita a constituição de um saber.
Consequentemente, define a retórica, não como a arte da persuasão, mas como a arte
que permite determinar quais são os meios de persuasão mais adequados a cada caso.
Entendamos por retórica a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso
com o fim de persuadir. Esta não é seguramente a função de outra arte; pois cada uma das
outras é apenas instrutiva e persuasiva nas áreas da sua competência; como, por exemplo,
a medicina sobre a saúde e a doença, a geometria sobre as variações que afetam as
grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas as outras
artes e ciências. Mas a retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os
meios de persuasão sobre qualquer questão dada. E por isso afirmamos que, como arte,
as regras se não aplicam a qualquer género específico de coisas.
Aristóteles, Retórica, I, 2.
A retórica é, portanto, a arte que estuda os meios de persuasão. Contudo, isso não
significa que o seu objetivo seja apenas teórico. Aquele que os conhece é também aquele
que está em melhores condições para aplicá-los e, por consequência, para ser persuasivo.
Por isso, a retórica não é apenas uma arte que visa compreender o discurso persuasivo. É
também uma técnica que permite ser persuasivo.

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3.3. Géneros de discurso retórico

Existem, segundo Aristóteles, três géneros de discurso retórico: o deliberativo,


o judicial e o epidíctico. Cada um destes géneros tem características específicas que
ajudam a caracterizá-los e, ao mesmo tempo, a distingui-los uns dos outros. O quadro
abaixo apresenta as características principais de cada um deles.

Discurso Discurso
Discurso deliberativo
judicial epidíctico

Membros da Espectadores no
Auditório Juízes
assembleia conselho

Tempo Futuro Passado Presente

Intenção Aconselhar/dissuadir Acusar/defender Elogiar/censurar

Conveniente/prejudicia Virtude/vício
Objeto Justo/injusto
l Belo/feio

Método Exemplo Entimema Amplificação

O discurso deliberativo tem por auditório os membros da assembleia, a quem


procura aconselhar ou dissuadir, mostrando por meio do exemplo que uma qualquer ação
possível futura (uma vez que só podemos deliberar sobre o que ainda não aconteceu)
é conveniente ou prejudicial. Esta é a forma por excelência do discurso político.
O discurso judicial é o usado pelos oradores nos tribunais. Tem por auditório
os juízes e como intenção acusar ou defender, mostrando por meio do entimema que uma
determinada ação ocorrida no passado (uma vez que só podemos julgar o que já
aconteceu) é justa ou injusta.
O discurso epidíctico tem por auditório os espectadores no conselho e a sua
intenção é elogiar ou censurar, mostrando por meio da amplificação que alguém, devido
às ações que praticou, é virtuoso ou vicioso, belo ou feio.
De notar, no entanto, que algumas das características que aparecem no quadro
relacionadas com um género de discurso (como o entimema ou o passado com o género

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judicial) não são exclusivas desse género. O entimema, por exemplo, também pode ser
usado no discurso deliberativo, embora não constitua aí o meio principal de prova; e o
discurso epidíctico, embora incida sobretudo sobre ações do presente, também pode
incidir sobre ações já ocorridas.

3.4. Tipos de provas

Para persuadir, o orador pode recorrer a dois tipos de provas: as provas não-
técnicas e as provas técnicas. As provas não-técnicas, que são específicas da retórica
judicial, são aquelas que já existem e que o orador só tem de usar no seu discurso. São
provas não-técnicas as leis, os testemunhos, os contratos, as confissões sob tortura e os
juramentos.
As provas técnicas são aquelas que podem ser preparadas pelo orador. Estas são
de três espécies:
 As que residem no carácter moral do orador (ethos);
 As que se encontram no modo como se dispõe o auditório ( pathos);
 As que residem no próprio discurso, pelo que este demonstra ou parece
demonstrar (logos).
No primeiro caso, a persuasão é obtida quando o discurso é proferido de maneira
a deixar no auditório a impressão de que o carácter do orador o torna digno de fé. No
segundo, a persuasão é obtida quando o auditório é levado pelo discurso a sentir emoções.
E, no terceiro, quando se mostra pelo discurso a verdade ou o que parece ser verdade.
Neste último caso, os meios de persuasão são:
 O exemplo (que é uma espécie de indução);
 O entimema (que é uma espécie de silogismo);
O logos
Embora existam outras formas de persuadir um auditório, para Aristóteles, o
método apropriado é a argumentação retórica, que, como já vimos, é constituída por
entimemas e exemplos.
O entimema é uma forma de argumento dedutivo que permite no domínio dos
discursos públicos demonstrar ou provar uma proposição a partir de premissas que são
sempre ou quase sempre prováveis. Como todos os argumentos, o entimema tem
premissas e conclusão. Mas distingue-se dos outros argumentos e, em particular, dos
outros argumentos dedutivos, pelo seguinte:
 É usado em domínios em que as coisas podem ser de forma diferente;

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 É formado a partir de poucas premissas (para poder ser acompanhado por um
auditório que não está habituado a seguir longas cadeias de inferências);
 Tem premissas que, embora sejam aceites pelo auditório, são apenas prováveis.
Normalmente, um entimema é constituído pela proposição que se quer provar e
por uma outra que fornece a razão ou justificação da primeira, como neste exemplo: “Ela
deu à luz, uma vez que tem leite.”.
Os entimemas têm origem em dois tipos de dados: probabilidades e sinais. A
probabilidade é o que geralmente acontece, mas não o que acontece sempre e, por isso,
os entimemas que têm premissas prováveis têm também conclusões prováveis. Os sinais
estabelecem uma relação entre dois factos em que, a partir da existência de um, se
estabelece a existência do outro. Se esta relação é necessária, o sinal chama-
se tekmérion(prova, indício) e dá origem a um argumento irrefutável; se não é necessária,
a conclusão é apenas provável. São exemplos de sinais:
 Sócrates ser justo é sinal de que os sábios são justos;
 Ter febre é sinal de estar doente.
Em qualquer dos casos, as premissas têm de ser opiniões aceites pelo auditório do
orador. No caso das probabilidades, o auditório deve aceitar que é provável que algo
ocorra e, no caso dos sinais, deve acreditar que existem e aceitar que indicam a existência
de outra coisa.
Há duas espécies de entimemas: os demonstrativos e os refutativos. Os primeiros
são aqueles que demonstram que algo é ou não é, enquanto os segundos são aqueles que
refutam que algo seja ou não seja. Tanto no entimema demonstrativo como no refutativo,
a conclusão é obtida a partir de premissas com as quais quer o orador quer o seu adversário
estão de acordo, mas o entimema refutativo conduz a conclusões com que o adversário
está em desacordo.
Além dos entimemas, que são argumentos válidos, há também os entimemas
aparentes. Estes entimemas são os que parecem e pretendem ser formas válidas de
dedução, mas que na verdade não são. Fazem parte desta categoria algumas das falácias
estudadas na lógica informal.
A outra forma de prova admitida por Aristóteles é o exemplo. O exemplo é
semelhante à indução do particular para o particular e pode basear-se em factos passados
ou em histórias inventadas pelo próprio orador. Neste último caso, os exemplos podem
ser parábolas ou fábulas. Eis como Aristóteles ilustra o uso do exemplo:

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Quando os dois termos são do mesmo género, mas um é mais conhecido do que o
outro, então há um exemplo; como quando se afirma que Dionísio tenta a tirania porque
pede uma guarda; pois também antes Pisístrato, ao intentá-la, pediu uma guarda e se
converteu em tirano mal a conseguiu, e Teágenes fez o mesmo em Mégara; estes e outros
que se conhecem, todos eles servem de exemplo para Dionísio, de quem ainda se não sabe
se é essa a razão por que a pede.
Aristóteles, Retórica, I, 2.
Aos entimemas e aos exemplos Aristóteles junta ainda as máximas. As máximas
são afirmações gerais que podem ser aceites ou rejeitadas e que se referem a ações. No
entanto, diz Aristóteles, se à máxima se juntar a causa e o porquê, transforma-se num
entimema. Assim, a máxima é uma espécie de entimema truncado, isto é, uma afirmação
cuja justificação é omitida. Por exemplo:
“Não há homem que seja inteiramente feliz” e “Não há homem que seja livre” são
máximas, mas passam a entimemas, se lhe acrescentarmos “Porque o homem é escravo
da riqueza ou da fortuna”.
Aristóteles, Retórica, II, 21.
Aristóteles considera que as máximas são muito úteis porque, por um lado, os
juízes, devido a terem um espírito rude e serem incultos, sentem-se satisfeitos por ouvir
alguém, falando em geral, ir ao encontro das suas opiniões pessoais e porque, por outro,
as máximas conferem ao discurso um carácter ético, isto é, se forem honestas farão com
que o carácter do orador pareça honesto.
O ethos
O segundo tipo de prova técnica é a que depende do carácter do orador.
Aristóteles, como vimos, privilegia o primeiro tipo, mas o facto de o auditório se deixar
muitas vezes persuadir mais pela imagem que faz do orador, por aquilo que pensa ser o
seu carácter, do que pelos seus argumentos faz do ethos um elemento que o orador não
pode desprezar se quiser ter a garantia de que é persuasivo. O orador persuade por
intermédio do carácter moral, do ethos, quando é visto pelo auditório como alguém que
inspira confiança. Para isso, é preciso que o discurso, mesmo na ausência de provas
pelo logos, crie no auditório uma imagem do orador como pessoa prudente, virtuosa e
benevolente. Esta imagem tem de ser, segundo Aristóteles, a consequência do discurso
do orador e não de aspectos anteriores e exteriores a esse discurso. É por este motivo que
o ethos é uma prova técnica.

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Três são as causas que tornam persuasivos os oradores e a sua importância é tal
que por elas nos persuadimos, sem necessidade de demonstrações. São elas a prudência,
a virtude e a benevolência. Quando os oradores recorrem à mentira nas coisas que dizem
ou sobre aquelas que dão conselhos, fazem-no por todas essas causas ou por algumas
delas. Ou é por falta de prudência que emitem opiniões erradas ou então, embora dando
uma opinião correta, não dizem o que pensam por maldade; ou sendo prudentes e honestos
não são benevolentes; por isso, é admissível que embora sabendo eles o que é melhor,
não o aconselhem. Além destas não há outra causa. Forçoso é, pois, que aquele que
aparenta ter todas estas qualidades inspire confiança nos que o ouvem.
Aristóteles, Retórica, II, 1.
O pathos
O terceiro tipo de prova é o que se relaciona com o auditório. Se quer ser
persuasivo, o orador deve procurar suscitar sentimentos e emoções no auditório que o
predisponha de forma favorável para a tese que defende. Embora critique os que o
antecederam no estudo da retórica por terem dado mais importância a esta prova e por
terem descurado o logos, que, segundo ele, é a prova retórica por excelência, Aristóteles
reconhece a importância de emoções como a ira, a compaixão e o medo para a persuasão
do auditório.
O discurso será emocional se, relativamente a uma ofensa, o estilo for o de um
indivíduo encolerizado; se relativo a assuntos ímpios e vergonhosos, for o de um homem
indignado e reverente; se sobre algo que deve ser louvado, o for de forma a suscitar
admiração; com humildade, se sobre coisas que suscitam compaixão. E de forma
semelhante nos restantes casos. O estilo apropriado torna o assunto convincente, pois, por
paralogismo, o espírito do ouvinte é levado a pensar que aquele que está a falar diz a
verdade. Com efeito, neste tipo de circunstâncias, os ouvintes estão em tal estado que
pensam que as coisas são assim, mesmo que não sejam como o orador diz; e o ouvinte
compartilha sempre as mesmas emoções que o orador, mesmo que ele não fale. É por esta
razão que muitos impressionam os ouvintes com altos brados.
Aristóteles, Retórica, III, 7.
Existe uma relação estreita entre o logos, o ethos e o pathos, uma vez que as
emoções (pathos) que o discurso (logos) do orador suscita no auditório têm um papel
importante na construção da imagem que este faz do carácter (ethos) do orador e, desse
modo, da sua capacidade de persuasão.

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3.5. Partes da retórica

A retórica pode ser dividida em cinco partes que correspondem às fases pelas
quais passa quem constrói um discurso. Embora muitos elementos desta divisão já
estejam presentes na obra de Aristóteles, é só na Retórica a Herénio, um tratado latino de
autor desconhecido do século I a.C., que aparece pela primeira vez de forma clara. As
cinco partes são a invenção, a disposição, a elocução, a memória e a ação.
A invenção
Nesta parte, o orador procura descobrir e conceber os argumentos mais
apropriados à tese que pretende defender. Para isso, deve ter em conta o tema que vai
abordar, o género (deliberativo, judicial e epidíctico) a que este tema pertence e qual, dos
três tipos de provas retóricas (a prova pelo logos, pelo ethos e pelo pathos), é o mais
persuasivo no caso em questão. A invenção está relacionada com as noções de lugar e
de estado da causa.
Um lugar (topos em grego) é um tipo de argumento provável, um esquema ou
quadro argumentativo que pode assumir os mais diversos conteúdos e de onde, de acordo
com o tema a tratar pelo discurso, é possível fazer derivar argumentos retóricos. Por
exemplo, o lugar do mais e do menos permite fazer argumentos como o seguinte:
Se nem os deuses sabem tudo, menos ainda os homens.
Aristóteles, Retórica, II, 23.
Existem dois tipos de lugares, os lugares comuns e os lugares específicos.
Os lugares comuns são os que podem ser usados nos três géneros de discurso
retórico (deliberativo, judicial e epidíctico). Os argumentos fundados em relações de
causa e efeito, em relações temporais, em definições e em analogias são tipos de
argumentos utilizados nos três géneros de retórica.
Os lugares específicos são aqueles que tratam de temas que são próprios de um
determinado género retórico. Assim, o género deliberativo utiliza argumentos que se
fundam na noção de utilidade, o género judicial argumentos que se fundam na noção de
justiça e o género epidíctico argumentos que fazem apelo a qualidades morais (virtude e
vício) ou estéticas (belo e feio). Segundo Aristóteles, os lugares específicos são aqueles
de que é possível derivar mais entimemas.
A teoria dos estados da causa aplica-se sobretudo ao discurso judicial. Foi
elaborada por Hermágoras de Temnos no século II a.C. e tem por fim determinar com

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exatidão o ponto a debater de modo a permitir que o orador escolha a sua linha de
argumentação. Normalmente distinguem-se quatro estados da causa principais:
1. O estado de conjectura: trata-se de saber se o facto em questão ocorreu
efetivamente; por exemplo, se uma pessoa que é encontrada ao lado de um cadáver
matou;
2. O estado de definição: trata-se de, uma vez estabelecido o facto, saber como
designar esse facto do ponto de vista jurídico; por exemplo, se a pessoa matou,
tratou-se de um homicídio voluntário ou involuntário?
3. O estado de qualidade: trata-se de saber como caracterizar esse facto e de
apreciar as circunstâncias, o resultado e a responsabilidade; por exemplo, a morte
é útil, justa, oportuna ou há circunstâncias atenuantes?
4. O estado de transferência: trata-se de saber se o tribunal é competente para julgar
um caso ou se esse caso deve ser transferido para outra instância.
A disposição
Nesta parte, o orador determina a forma como os argumentos devem estar
ordenados no discurso, isto é, elabora o plano do discurso. Ao longo dos tempos foram
propostos diversos planos, mas o mais comum tinha cinco partes: o exórdio ou proémio,
a narração, a confirmação ou prova, a refutação e a peroração ou epílogo.
 O exórdio é a parte introdutória do discurso e tem por objetivo principal captar o
favor e a atenção do auditório. Para isso, o orador faz geralmente uma breve
exposição da questão que vai tratar ou da tese que vai defender, desculpa-se das
suas insuficiências, louva o talento do adversário e adula o auditório.
 A narração consiste na exposição dos factos e, para ser eficaz, deve ser clara,
breve e credível.
 A confirmação serve para o orador provar a tese que defende apresentando os
argumentos que a sustentam; e a refutação para destruir os argumentos contrários
a essa posição. Estas duas partes são frequentemente agrupadas servindo para
apresentar e encadear os argumentos.
 A peroração ou epílogo é a conclusão do discurso e nela o orador visa
normalmente três objetivos: recapitular a argumentação, realçar os argumentos
principais e comover o auditório, suscitando piedade ou indignação.
A elocução
Esta parte da retórica trata da redação e do estilo do discurso. A elaboração do
discurso centra-se em duas questões essenciais: a clareza de expressão e o ornamento. O

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ornamento não tem apenas uma finalidade estética. A sua finalidade é também fazer do
discurso uma arma eficaz, capaz de vencer no debate. Para isso, com base na noção
de conveniência, os retores latinos formularam a teoria dos três estilos. O princípio da
conveniência (decorum) estabelece que o discurso deve variar segundo as circunstâncias,
o que, na prática, consiste numa adaptação em função do seguinte:
 O género do discurso: as qualidades da elocução devem variar consoante o
discurso pertença ao género judicial, deliberativo ou epidíctico;
 O assunto tratado: no género judicial, por exemplo, um processo por morte não
fará apelo aos mesmos efeitos oratórios que um processo por roubo;
 A confirmação serve para o orador provar a tese que defende apresentando os
argumentos que a sustentam; e a refutação para destruir os argumentos contrários
a essa posição. Estas duas partes são frequentemente agrupadas servindo para
apresentar e encadear os argumentos.
 Da parte da disposição a que respeita o discurso: a prova pelo pathos, por
exemplo, é mais adequada à peroração, enquanto a prova pelo ethos ao exórdio.
A teoria dos três estilos aparece pela primeira vez na Retórica a Herénio e
distingue:
 Um estilo baixo ou simples, claro e próximo da linguagem corrente;
 Um estilo médio ou agradável, mais trabalhado e metafórico;
 Um estilo elevado ou nobre, muito trabalhado e adornado.
O quadro seguinte mostra a relação do estilo com outros aspectos fundamentais
do discurso retórico.

Estilo Finalidade Prova Parte do discurso

Simples Explicar Logos Narração, confirmação e peroração

Médio Agradar Ethos Exórdio

Elevado Comover Pathos Peroração

O orador deve adoptar o estilo que melhor lhe permite atingir o objetivo que tem
em vista: o elevado para comover, sobretudo na peroração; o simples para informar e
explicar, sobretudo na narração e na confirmação; o médio para agradar, sobretudo no

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exórdio. Os retores antigos deram uma tradução geográfica a esta divisão, definindo
igualmente três estilos regionais, muito semelhantes aos três níveis que acabámos de ver:
 O estilo ático (da região de Atenas): breve e simples, próximo do estilo simples;
 O estilo rodiano (da cidade de Rhodes): moderadamente ornamentado, próximo
do estilo médio;
 O estilo asiático (da Ásia menor): abundante e muito ornamentado, próximo do
estilo elevado.
As figuras de estilo são a principal forma de embelezar e de dar vivacidade ao
discurso. Os oradores antigos viam as figuras como um meio de impressionar, de seduzir
e de emocionar, isto é, de persuadir. Por isso, a função das figuras não é meramente
decorativa. Pelo contrário, contribuem para que o discurso seja uma arma eficaz no debate
oratório. As figuras são muito numerosas e não há uma classificação que seja
universalmente aceite. Cícero distingue as figuras de pensamento, como a ironia e a
alegoria, e as figuras de palavras, como o trocadilho e a metáfora. De uma maneira geral,
os retóricos latinos insistiram na capacidade que as figuras têm de provocar a convicção
do auditório metendo-lhe “pelos olhos dentro”, com força e de imediato, o que está em
questão.
A memória
Os oradores da antiguidade tinham de pronunciar com frequência longos discursos
sem o auxílio de notas escritas. Isso levou a que dessem grande atenção à memorização.
Alguns autores latinos, como Cícero, viam a memória apenas como uma aptidão natural
e não como uma técnica, pelo que não a consideravam uma parte da retórica. Mas outros,
como Quintiliano, consideravam-na também uma técnica que pode ser aprendida. Um
dos processos que Quintiliano indicava para memorizar um discurso é o da mnemotecnia,
que consiste em decompor o discurso em partes, que são aprendidas de cor, às quais são
associados sinais mentais que facilitem a sua recordação na altura certa. Mas, segundo
ele, a memória depende também do estado físico do orador (é necessário ter dormido bem
e estar de boa saúde) e da estrutura do discurso (isto é, da sua maior ou menor coerência).
A ação
A ação designa a pronunciação efetiva do discurso. Trata-se de um fator essencial
da persuasão retórica, na medida em que a imagem do orador e, portanto, a sua
credibilidade, dependem, além do ethos, da sua presença física face ao auditório. Por esta
razão, a teoria da ação interessa-se pelos diferentes elementos da presença física do

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orador: por exemplo, a respiração, a colocação e o tom de voz, a mímica da face, a atitude
do corpo e os gestos.
A pronunciação assenta na voz, ou seja, na forma como é necessário empregá-la
de acordo com cada emoção (por vezes forte, por vezes débil ou média) e como devem
ser empregues os tons, ora agudos, ora graves ou médios, e também quais os ritmos de
acordo com cada circunstância.
Aristóteles, Retórica, III, 1.

4. A nova retórica

No final dos anos 50 e princípios dos anos 60 do século XX, o interesse pela
retórica renovou-se com o surgimento do que ficou conhecido como a nova retórica. Não
se tratava de um movimento homogéneo, mas de várias correntes que partilhavam entre
si um interesse muito diverso pela retórica. Uma dessas correntes incluía o Grupo μ e
Roland Barthes e reduzia a retórica ao conhecimento dos procedimentos da linguagem
que são característicos da literatura, isto é, às figuras de estilo.
A esta corrente de tendência literária opunha-se, no entanto, a de Chaïm Perelman,
cuja obra principal, escrita com Lucie Olbrechts-Tyteca, é o Tratado de
Argumentação publicado em 1958. Na tradição de Aristóteles, Perelman vê na retórica a
teoria do discurso persuasivo. O seu ponto de partida é o problema da justificação dos
juízos de valor — e, por extensão, da moral, do direito e da política — e procura uma
lógica paralela à lógica demonstrativa, uma lógica dos juízos de valor que irá identificar
com a retórica. A obra de Perelman é responsável pelo ressurgimento do interesse e pela
renovação da retórica no século XX. É essa obra que vamos agora estudar.

4.1. Demonstração e argumentação

Nas suas obras sobre a lógica, normalmente agrupadas com o título de Organon,
Aristóteles distingue dois tipos de raciocínios: aqueles a que chama analíticos e aqueles
a que chama dialéticos. Os raciocínios analíticos são os que constituem formas de
inferência válida, isto é, que têm uma forma tal que sempre que as suas premissas são
verdadeiras a conclusão é também verdadeira. Devido a esta propriedade, Aristóteles
chamava a estes raciocínios silogismos científicos. Os silogismos científicos são
demonstrativos e impessoais, porque, devido à sua forma, sendo as premissas verdadeiras,
provam a conclusão, que é independente da opinião humana. Quer queiramos quer não, a
conclusão de um silogismo analítico com premissas verdadeiras só pode ser verdadeira e

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a sua recusa implicaria necessariamente uma contradição. Os silogismos dialéticos, pelo
contrário, são aqueles cujas premissas são apenas prováveis, ou geralmente aceites, seja
por todos os seres humanos seja pela maioria ou apenas por alguns. Para Perelman, isso
significa que, ao contrário do que acontece com os silogismos científicos, os silogismos
dialéticos têm por fim persuadir ou convencer. Não constituem inferências formais,
válidas e constringentes, mas apenas argumentos que procuram fazer admitir teses, que
podem ser ou não controversas e que, consoante os casos, são mais ou menos verosímeis,
mais ou menos fortes e convincentes. Por este motivo, os argumentos dialéticos não são
nem demonstrativos nem impessoais. São raciocínios persuasivos, que incidem sobre a
opinião e que, por isso, devem ser distinguidos dos analíticos, que incidem sobre a
verdade.
Esta distinção aristotélica que, embora desse a primazia ao conhecimento
científico, concedia um lugar importante à dialética foi posta em causa por Descartes.
Com Descartes a lógica passou a identificar-se apenas com a lógica formal, isto é, com
os raciocínios analíticos de Aristóteles. Ao tomar como modelo “o método dos
geómetras”, ao usar como critério de verdade a prova e ao ter como objetivo a descoberta
da verdade em todas as coisas, Descartes baniu do domínio do conhecimento qualquer
saber que, como o que deriva da dialética, se apresente como meramente verosímil ou
provável. As regras do método cartesiano são em larga medida a consequência da
aplicação desta ideia.
Se Descartes se tivesse limitado a aplicar o método ao discurso matemático, não
haveria problema. Porém, Descartes foi mais longe e fez das suas regras universalmente
válidas, isto é, regras que podem ser aplicadas em todo e qualquer domínio do
conhecimento humano, tanto teórico como prático. Para Perelman, este procedimento é
incorreto, uma vez que raciocinar não consiste apenas em fazer cálculos nem em passar
dos axiomas e das regras de um sistema formal para os teoremas que daí podem ser
derivados. As consequências danosas desta perspectiva da racionalidade são, segundo
Perelman, agravadas pelo facto de a lógica moderna, tal como se desenvolveu desde
meados do século XIX, se ter identificado, devido à influência de Kant e dos lógicos
matemáticos, com a lógica formal e ter negligenciado completamente os raciocínios
dialéticos. Uma consequência desta identificação da lógica com a lógica formal foi a
desvalorização da retórica, que passou a ser vista como tendo por fim agradar ou, na
melhor das hipóteses, fazer aceitar verdades estabelecidas por intermédio de métodos que
tinham por base a lógica formal. Mas, a consequência principal é que os processos pelos

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quais confrontamos argumentos a favor ou contra uma tese com o objetivo de persuadir
ou convencer um auditório da sua razoabilidade, com que tentamos mostrar a
conformidade das nossas ações com as nossas convicções e procuramos justificar as
nossas convicções, ficam sem justificação racional, uma vez que escapam à lógica formal
e à demonstração matemática. Na opinião de Perelman, a desvalorização da dialética e da
retórica — primeiro com Pedro Ramus, depois com Descartes e, por fim, com os lógicos
de formação matemática do século XIX — teve como consequência a negação da razão
prática e a impossibilidade da constituição de uma filosofia moral, de uma filosofia
política e de uma filosofia do direito. Por outras palavras, Perelman pensa que a redução
da verdade à prova, que caracterizou o pensamento ocidental nos últimos séculos, ao
recusar aquilo a que chama uma lógica própria da persuasão — que é a da dialética e da
retórica —, teve como consequências a exclusão da ética, do direito e da política do
domínio da racionalidade e o abandono a fatores irracionais e arbitrários, à força e à
violência, a solução dos conflitos de carácter prático.
Foi com esta dificuldade que Perelman se viu confrontado quando, de um ponto
de vista positivista, procurou raciocinar sobre os valores. Os positivistas — os últimos e
mais extremos representantes da corrente de pensamento que reduz a lógica à lógica
formal e limita a sua aplicação às ciências positivas —, para quem os juízos de valor são
apenas a expressão de emoções irracionais sem qualquer valor cognitivo, pensavam ser
impossível a constituição de uma filosofia prática que, ao mesmo tempo, guie
racionalmente a ação humana e justifique a moral, o direito e a política. Este cepticismo,
que, segundo Perelman, é uma consequência do pensamento cartesiano e conduz à mais
completa arbitrariedade no domínio da prática é inaceitável. Foi esta conclusão que o
levou a procurar constituir uma lógica dos juízos de valor.

4.2. A lógica do preferível

Para sua surpresa, Perelman descobriu que não existe uma lógica dos juízos de
valor e que a lógica que procurava nada mais era do que a antiga retórica greco-latina.
Quando se trata de valores, a questão já não é, como nas matemáticas e nas ciências
positivas, descobrir a verdade, mas estabelecer o que é preferível e, para o fazer, o método
não consiste em deduções e induções corretas, mas em todo o género de argumentos, por
intermédio dos quais se visa provocar e ganhar a adesão do auditório às teses que lhe são
apresentadas. Ora, é precisamente nisto que consiste a retórica tal como foi desenvolvida
na antiguidade: um conjunto de técnicas de discurso, de processos argumentativos que

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visam provocar a adesão dos espíritos através da persuasão. Por este motivo, Perelman
considerou ser necessário alargar a noção de razão e, a fim de conciliar o pensamento e a
ação, a razão teórica e a razão prática, juntar ao estudo da lógica formal o estudo dos
raciocínios cujo fim é persuadir ou convencer. É a esta tarefa que, prolongando e
amplificando a retórica de Aristóteles, se dedica a nova retórica.
A nova retórica é, no entanto, diferente da antiga. A retórica antiga, como vimos,
diz respeito às técnicas usadas para persuadir um auditório que tem como características
principais ser composto por pessoas simples e incapazes de seguir longas cadeias de
argumentos. A nova retórica, pelo contrário, dirige-se a toda e qualquer espécie de
auditório, quer se trate de toda a humanidade, da opinião pública nacional ou
internacional, de uma multidão, de um conjunto de especialistas, de um indivíduo ou de
nós próprios quando intimamente deliberamos sobre um dado assunto. Numa palavra, a
nova retórica abrange e ultrapassa os domínios que Aristóteles tinha repartido pela
dialética e pela retórica e, por isso, tem como objeto de estudo o discurso não
demonstrativo, os raciocínios que não são inferências formalmente corretas, isto é, todo
o discurso que tenha por fim convencer ou persuadir todo e qualquer auditório sobre o
que quer que seja. É por isso que Perelman diz que a retórica tem como objeto
[...] o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a
adesão dos espíritos às teses que são apresentadas ao seu assentimento.
Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, Traité de l’argumentation, p. 5.
Além disso, Perelman pensa não existirem razões para limitar a retórica ao estudo
das técnicas do discurso falado e que, dado o papel moderno da imprensa, a nova retórica,
ao contrário da antiga, deve estudar sobretudo os textos impressos que, como qualquer
outro texto, se dirigem sempre também a um dado auditório, mesmo que o escritor não
tenha disso consciência.
Por outro lado, a retórica estuda apenas os meios discursivos de obter a adesão
dos espíritos. Embora existam outros métodos — muitas vezes mais eficazes — de
persuasão (como a carícia ou a bofetada), só a persuasão pela linguagem é do domínio da
retórica.
Esta lógica do preferível, a teoria da argumentação, distingue-se da demonstração
de várias maneiras:

Demonstração Argumentação

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Os signos usados não são
Os signos são frequentemente ambíguos e
ambíguos, mas cuidadosamente
confusos;
definidos;

Utiliza regras explicitadas em As regras não dependem de sistemas


sistemas formalizados; formais;

Os axiomas, os princípios de
Os princípios podem ou não ser aceites
que parte, não estão sujeitos a
pelo auditório;
discussão;

Os argumentos são Os argumentos têm mais ou menos força,


constringentes e necessários; são mais ou menos plausíveis;

A opinião que o auditório


A opinião que o auditório tem do orador é
forma do orador não é
importante para a avaliação das teses que
importante para a avaliação das
apresenta;
suas teses;

A sua finalidade é deduzir


Tem como finalidade provocar a adesão do
consequências de certas
auditório;
premissas;

A verdade é apenas um dos motivos de


As consequências são adesão; uma tese pode ser aceite ou
necessariamente verdadeiras. recusada também por outros motivos: ser
ou não oportuna, justa, útil, etc.

A adesão do auditório é, para Perelman, de grande importância porque pressupõe


um contato entre o orador e o auditório. E como esse contato tem por finalidade, da parte
do orador, agir sobre o auditório, modificar as suas convicções por meio do discurso,
provocar a sua adesão, incitá-lo à ação, a credibilidade do orador junto do auditório,
o ethos de que falava Aristóteles, é um aspecto que nenhum orador pode negligenciar.
Outro aspecto que o orador deve ter em conta é a utilização de métodos apropriados tanto
ao objeto do discurso, aquilo de que fala, como, sobretudo, ao tipo de auditório a que se
dirige. Assim, o orador tem de escolher o estilo da sua argumentação e o tipo de

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argumentos que vai utilizar em função do assunto e do auditório a que se dirige. O orador
deve sempre adaptar-se ao seu auditório. Um argumento que, por exemplo, não esteja
adaptado ao auditório pode originar objecções ou parecer fraco e isso, ao pôr em causa
o ethos do orador, ao fazê-lo parecer de má-fé ou indigno de confiança, transmitir-se à
totalidade do discurso. A força de um argumento depende, segundo Perelman, das
premissas e da pertinência da argumentação, das objecções que lhe podem ser feitas e de
como podem ser refutadas e tudo isto depende das convicções, das tradições e dos
métodos de raciocínio do auditório.

4.3. Os pontos de partida da argumentação

O objetivo do orador quando argumenta é provocar a adesão do auditório às teses


que defende. Para o conseguir, o orador tem de mostrar que essas teses se seguem de
premissas aceites por aqueles a quem o orador se dirige. Por este motivo, Perelman afirma
que o orador tem de usar como ponto de partida dos seus argumentos apenas teses
aceites pelo auditório. Estas teses podem incidir sobre o real, e
serem factos, verdades e presunções ou sobre o preferível e
serem valores, hierarquias e lugares do preferível.
Factos, verdades, presunções, valores e lugares
Os fatos e as verdades são, por princípio, objetivos e impõem-se a todos. No
entanto, podem ser contestados. Se isso acontecer, o orador já não os pode usar na
argumentação, a não ser que mostre que a contestação de que são alvo não tem razão de
ser. De qualquer modo, os factos e as verdades podem ser postos em causa e não têm um
estatuto definitivo. A verdade não é absoluta nem subjetiva. É um fenómeno social que
resulta de um acordo do auditório universal.
As presunções não constituem pontos de partida tão seguros quanto os factos e as
verdades, mas apesar disso permitem fundar uma convicção razoável. As presunções têm
por base o que normalmente ocorre e o que é razoável pressupor, mas podem, no entanto,
ser postas em causa pelos factos. São exemplos de presunções que “a qualidade de um
ato manifesta o carácter da pessoa que o pratica” ou que “aquilo que nos é dito é por
norma verdadeiro”.
Os valores permitem estabelecer uma ruptura da indiferença ou da igualdade
entre as coisas, colocando uma delas acima ou julgando-a superior a outra, enquanto
as hierarquias expressam os valores hierarquizados. Eis alguns exemplos deste tipo de
valores:

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 os valores positivos e negativos (como bom, belo, verdadeiro, mau, feio, falso,
etc.), que afirmam uma atitude favorável ou desfavorável a respeito de algo;
 os valores abstratos (como beleza e justiça);
 os valores concretos (como Portugal ou ONU), que estão ligados a um ser, um
grupo ou uma instituição, valorizando a sua unicidade.
As hierarquias podem ser concretas ou abstratas, homogêneas ou
heterogêneas.
As hierarquias heterogêneas estabelecem uma relação de preferência entre valores
diferentes, sejam eles concretos ou abstratos (por exemplo, os homens são superiores aos
animais; a justiça é superior ao útil); enquanto as homogéneas dão preferência a uma
maior quantidade de um valor positivo ou a uma menor quantidade de um valor negativo,
quer estes valores sejam concretos ou abstratos.
Os lugares do preferível têm um papel idêntico ao das presunções e podem ser
divididos, como fez Aristóteles, em lugares comuns, que estabelecem o que vale mais em
todo e qualquer domínio, e em lugares específicos, que determinam o que é preferível em
domínios particulares. Os lugares da quantidade (por exemplo, “é superior o que é mais
útil ao maior número”) e da qualidade (por exemplo, “é superior o que é único,
incomparável, raro ou difícil”) que apontam um critério quantitativo e qualitativo para a
preferência de algo são os mais comuns, mas há outros lugares como os da ordem (que
afirma a superioridade da causa sobre o efeito), do existente (que justifica a preferência
por aquilo que é sobre o que é apenas possível), de essência (que confere superioridade
àquilo que representa melhor a essência) ou da pessoa (que exprime a superioridade do
que lhe está ligado sobre aquilo que diz respeito às coisas ou aos outros seres).
Figuras retóricas
Os factos, verdades, presunções, valores e lugares que servem de ponto de partida
ao orador são selecionados de um conjunto muito alargado de dados disponíveis. Uma
vez esta seleção efetuada, o orador procurará mostrar a sua importância por intermédio
de diversas técnicas de apresentação. O objetivo é conferir-lhes presença, isto é, colocá-
los no primeiro plano da consciência dos auditores. As figuras da retórica contribuem de
forma decisiva para a obtenção desse efeito. As principais figuras da retórica são as
seguintes:
 Amplificação — que consiste no desenvolvimento oratório de um assunto;
 Congérie — que é a amplificação por enumeração das partes de um conjunto;
 Pseudodiscurso — pelo qual se atribui ficticiamente palavras a alguém;

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 Hipotipose — que consiste em descrever um acontecimento como se se
desenrolasse diante de nós;
 Enálage do tempo — que consiste na substituição de um tempo verbal por outro
contrariando as regras da gramática (“se falas, estás morto”).
Desde o século XVI, devido à influência de Pedro Ramus, as figuras retóricas
foram vistas como figuras de estilo, tendo uma função meramente ornamental. No
entanto, Perelman pensa que as figuras têm também uma função persuasiva e que, por
este motivo, devem ser consideradas figuras retóricas ou de estilo, consoante a função
que tenham no discurso.

4.4. O auditório

Quem constitui o auditório a que o orador se dirige? Por vezes a resposta é fácil:
o auditório é constituído por todos aqueles a quem o orador se dirige diretamente. É isso
que normalmente faz um advogado no tribunal ou, para usar um exemplo que nos é muito
familiar, o professor numa aula. Mas nem sempre o auditório é constituído por aqueles a
quem o orador se dirige diretamente. Por exemplo, um político que discurse no
parlamento dirige-se apenas a quem o ouve presencialmente ou também àqueles que o
possam estar a ver pela televisão, dirige-se a todos os que o podem ouvir ou apenas a uma
parte?
Auditório particular e auditório universal
Para Perelman, o auditório é constituído pelo “conjunto daqueles que o orador
quer influenciar pela sua argumentação” (Chaïm Perelman, O Império Retórico, p. 33).
Este conjunto pode ir do o orador, numa deliberação íntima, à totalidade da humanidade
e, por isso, pode ser de dois tipos:
 auditório particular, cuja variedade é infinita e tanto pode ser constituído por
um único indivíduo como por qualquer grupo restrito de pessoas;
 auditório universal, que é constituído por todos aqueles que são capazes de
seguir uma argumentação, competentes e razoáveis, e cujo acordo determina o
que é verdade objetiva.
Discurso persuasivo e discurso convincente
A distinção entre auditório universal e auditório particular está na base da
distinção entre discurso persuasivo e discurso convincente:
 O discurso persuasivo é aquele que visa persuadir os auditórios particulares por
intermédio de argumentos que lhes são adequados.

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 O discurso convincente é o que se dirige ao auditório universal e cujas premissas
e argumentos são universalizáveis, isto é, podem ser aceites por todos os membros
do auditório universal, tendo assim este auditório o papel de decidir do carácter
convincente da argumentação.

4.5. As técnicas argumentativas

Os argumentos usados pelo orador para intensificar a adesão do auditório a certas


teses constituem, segundo Perelman, meios de prova. Estes meios de prova são, no
entanto, diferentes dos meios usados pela lógica tradicional. Para a lógica tradicional, a
prova deve ser objetiva, necessária e universal. Este tipo de prova, contudo, não tem
qualquer utilidade quando se trata de deliberar, de decidir ou de persuadir. Por isso,
paralelamente à lógica tradicional, que usa como meios de prova argumentos dedutivos e
argumentos indutivos, é necessário também admitir os argumentos dialéticos ou retóricos,
que visam a eficácia persuasiva e a adesão do auditório. Para Perelman, estes argumentos
dialéticos e retóricos podem ser de três tipos:
 argumentos quase lógicos;
 argumentos fundados na estrutura do real;
 argumentos que fundam a estrutura do real.
Argumentos quase lógicos
Há várias categorias de argumentos quase lógicos. Em todos os casos, no entanto,
trata-se de argumentos que revelam semelhanças com os raciocínios formais, de natureza
lógica ou matemática, mas que se distinguem destes por pressuporem a adesão a teses de
natureza não-formal e por haver neles aspectos que são controversos e os tornam não-
constringentes. São argumentos quase lógicos:
 a incompatibilidade — que lembra o princípio da contradição;
 a identificação total ou parcial — que lembra o princípio da identidade formal e
resulta da definição ou da análise;
 a regra de justiça;
 a reciprocidade;
 a transitividade — que lembra uma transitividade formal;
 a inclusão, a divisão, a comparação e a probabilidade não calculável.
Um exemplo de argumento quase lógico é o de incompatibilidade: mostra-se a
uma pessoa que espera nunca ter de matar um ser vivo que o tratamento de um abcesso
vai provocar a morte de uma multidão de micróbios.

26
Argumentos fundados na estrutura do real
Os argumentos fundados na estrutura do real baseiam-se em ligações entre
elementos do real que podem ser de vários tipos:
 ligações de sucessão, que unem coisas da mesma natureza, como a relação de
causa a efeito;
 ligações de coexistência, que estabelecem relações entre realidades de níveis
diferentes, das quais uma é tomada como a expressão ou a manifestação da outra,
como a relação que existe entre a pessoa e os seus atos, juízos ou obras;
 ligações simbólicas, que se caracterizam por uma relação de participação entre os
símbolos e aquilo que eles evocam, aquilo que é por eles simbolizado.
Argumentos que fundam a estrutura do real
Os argumentos que fundam a estrutura do real são argumentos que criam ou
completam esta estrutura tornando visíveis ligações que tinham estado até aí invisíveis.
São argumentos que a partir de um caso conhecido permitem estabelecer um precedente,
um modelo ou uma regra geral. São argumentos deste tipo:
 o exemplo, que permite a partir de um caso particular fundar uma previsão ou
uma regra;
 a ilustração, que permite tornar presente à consciência uma regra já estabelecida;
 o modelo, que apresenta um caso particular como algo a imitar, permitindo fundar
o que deve ser;
 a analogia, que estabelece uma semelhança e assimila duas relações com o
objetivo de esclarecer, fundar ou avaliar por meio de uma relação conhecida, a
que se chama foro, uma relação menos conhecida, a que se chama tema;
 a metáfora, que é uma analogia condensada, como o mostra o caso de “a velhice
está para a vida assim como a noite para o dia”, de que derivam as metáforas “a
velhice do dia” ou “o anoitecer da vida”. A metáfora tem um papel fundamental
nas artes, nas ciências e na filosofia.
Dissociação de noções
Além destes três tipos de argumentos, Perelman introduz também a dissociação
de noções, que, segundo ele, é particularmente importante no pensamento filosófico. A
dissociação é usada pelos filósofos para ultrapassar as incompatibilidades de pensamento
com que deparam. A estratégia consiste em estabelecer pares hierarquizados e resolver as
dificuldades dando a preferência a um dos pares. Foi o que fez Kant quando tentou superar
a dificuldade que resulta do facto de a ciência pressupor o determinismo e a moral

27
pressupor a liberdade. Dissociou a noção de realidade em realidade fenoménica, sujeita
ao determinismo, e realidade numénica, onde existe liberdade.
Todo o pensamento filosófico pode ser apresentado mediante um encadeamento
de pares deste tipo. O par principal que resulta da dissociação de noções é o
par aparência/realidade, do qual derivam pares
como opinião/verdade, nome/coisa, sujeito/objecto, meio/fim, relativo/absoluto, acident
e/essência, individual/universal, teoria/prática. A introdução de alguns destes pares está
diretamente relacionada com a influência do pensamento de um dado filósofo. Platão, por
exemplo, está na origem de pares
como aparência/realidade, opinião/ciência, corpo/alma, devir/imutabilidade; e
Espinoza é responsável pela introdução de pares
como imaginação/entendimento, universal/individual, abstracto/concreto,contingência/
necessidade.

4.6. A eficácia da argumentação

A eficácia da argumentação não depende apenas do efeito de argumentos isolados,


mas também da totalidade do discurso, da interação entre os argumentos e até dos
argumentos que ocorrem espontaneamente no espírito de quem ouve o discurso. Um
aspecto que determina a eficácia do discurso é a ideia que o auditório tem do orador,
o ethos do orador, como lhe chamava Aristóteles, que, por sua vez, é ela própria
influenciada pela qualidade do discurso, uma vez que o orador é por ele responsável.
Para que a argumentação seja eficaz, diz Perelman, é necessário que seja ouvida
com interesse e benevolência. Para o conseguirem, os oradores recorrem, como já tinha
dito Aristóteles, ao exórdio, que pode, por vezes, ser substituído por uma apresentação do
orador feita pelo presidente da sessão em que o orador discursa. Quer o exórdio quer a
apresentação tornam-se desnecessários quando o orador goza de grande reputação e
simpatia junto do auditório.
O orador organiza a sua argumentação dispondo o conjunto dos argumentos que
constituem o discurso segundo uma determinada ordem. Qual deve ser essa ordem? A
tradição consagrou três ordens diferentes, consoante a posição dos argumentos mais fortes
e mais fracos no discurso: ordem de força crescente, ordem de força decrescente e
a ordem nestoriana. Qualquer uma destas ordens tem inconvenientes. A ordem crescente,
como começa pelos argumentos mais fracos, pode indispor o auditório, afetar o ethos do
orador e esmorecer o prestígio e a atenção que lhe são concedidos. A ordem decrescente,

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ao terminar o discurso com os argumentos mais fracos, corre o risco de deixar nos
auditores uma má impressão. Por último, a ordem nestoriana tem o inconveniente de
pressupor que a força dos argumentos é imutável, independente da ordem pela qual os
argumentos são apresentados, quando, de facto, ela depende da maneira como são
recebidos. Isto leva Perelman a dizer que o critério que deve ser adoptado na organização
do discurso é o da eficácia. Como a argumentação tem por finalidade persuadir o
auditório, a ordem deve ser adaptada a esta finalidade: cada argumento deve aparecer no
discurso no momento em que exerce maior efeito, isto é, quando o auditório estiver mais
disposto a acolhê-lo. É impossível formular regras gerais com base neste critério, embora
em certas matérias e perante certos auditórios exista uma ordem que é esperada pelo
auditório e da qual não convém que o orador se afaste sem uma forte razão.
Todas estas considerações permitem distinguir a argumentação da demonstração
que, como já dissemos, não precisa ter em conta as relações entre orador e auditório.

4.7. Retórica e filosofia

Qual a relevância da nova retórica para a filosofia? A filosofia está


tradicionalmente ligada à noção de verdade e a retórica à de persuasão e, aparentemente,
nada pode afastar mais as duas disciplinas. Como vimos, segundo Perelman, o ideal
cartesiano de um saber fundado na prova e na demonstração permitiu nos últimos séculos
o florescimento dos sistemas lógicos e matemáticos formalizados e das ciências da
natureza, que forneceram um modelo ao pensamento filosófico que exclui a retórica e a
dialética por serem do domínio do verosímil. Contudo, toda a atividade intelectual, como
é o caso da filosofia, que não pertence nem ao domínio do necessário nem ao domínio do
que é completamente arbitrário, isto é, cujas teses são controversas e podem ser
sustentadas com argumentos, depende da retórica e da dialética. A filosofia é, para
Perelman, o estudo sistemático das noções confusas, isto é, dos conceitos acerca dos quais
é praticamente impossível haver acordo. Nestas circunstâncias, o filósofo apresenta
perspectivas que não se impõem a todos e, por isso, tem de as suportar com argumentos,
metáforas e analogias, com que pretende mostrar a sua adequação e, desse modo,
conquistar a adesão do auditório. Este processo faz com que a filosofia, como qualquer
outro domínio em que é preciso deliberar e decidir, se encontre numa relação necessária
com o auditório, relação essa que a coloca na dependência da teoria da argumentação.
Ora, é esta impossibilidade de negligenciar o auditório a que sempre se dirige que
faz com que a argumentação filosófica seja, inevitavelmente, tributária duma teoria da

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argumentação ou duma teoria do discurso persuasivo de que é, sustenta Perelman, uma
aplicação particular. Enunciada com toda a clareza, a tese [...] é a de que “a prova
filosófica é de natureza retórica e, na medida em que o raciocínio filosófico se apoia em
premissas que lhe são próprias, liga-se a teses comumente admitidas, que são os princípios
comuns, as noções comuns e os lugares comuns”.
Rui A. Grácio, Racionalidade Argumentativa, p. 88.
Para Perelman há, portanto, uma relação estreita entre filosofia e retórica. Claro
que a teoria da argumentação não encontra aplicação apenas na filosofia. O que distingue
a argumentação filosófica das outras formas de argumentação retórica é o facto de esta
ter como seu auditório específico o auditório universal.

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Bibliografia

Aristóteles, Retórica (Lisboa: IN-CM, 1998).

Chaïm Perelman, “Argumentação”, in Enciclopédia Einaudi, vol. 11 (Lisboa: INCM,


1987, pp. 234-265).

Chaïm Perelman, O Império Retórico (Porto: Asa, 1993).

David Ross, Aristóteles (Lisboa: Dom Quixote, 1987, pp. 275-281).

Michel Meyer, Manuel M. Carrilho, Benoît Timmermans, História da Retórica (Lisboa:


Temas e Debates, 2002, pp. 43-57, 239-246).

Rui Alexandre Grácio, Racionalidade Argumentativa (Porto: Asa, 1993).

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