Carlos Goncalves Terra

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O Experimentado e o Imaginado: os registros 

culturais manifestados na paisagem 


 
Carlos Gonçalves Terra​​, Escola de Belas Artes/UFRJ 
 
 
 
Em  geral,  a  paisagem,  enquanto  espaço  urbano,  não  frequenta  os  “rituais  da 
historiografia canônica”, fica mais agregada à historiografia da arquitetura, expurgando 
a  questão  artística,  que  nela  possa  estar  presente.  Ao  analisarmos  e  estudarmos  a 
paisagem  é  necessário  ter  em  mente  que  a  cada  dia  ela  se  torna  mais  complexa 
devido  aos  diversos  sentidos  que  a  ela  atribuímos.  As  transformações  da  paisagem 
que  ocorreram  no  Rio  de  Janeiro no início do século XX, de certa forma, se repetem no 
início  do  século  XXI.  O  ​Boulevard  Olímpico  que  vai  da  Praça  XV  de  Novembro,  passa 
pela  Praça  Mauá  e  continua  pelo  cais  do  Porto  integrou  novas  possibilidades  para  as 
artes.  O  que  nos  resta  refletir  é até quando essas obras permanecerão ali já que esses 
registros  tendem  a  desparecer  e  ficar  somente  na  nossa  memória. Assim, “o imaterial 
que  está  sendo  encarnado”  no  novo  espaço  do  centro,  passando  a  ideia  de  que  o  Rio 
de  Janeiro  consegue  unir  a  sua  beleza  natural,  com  uma  concepção  de  cidade  feita 
para flanar e, ao mesmo tempo, antenada com a arte contemporânea. 
 
Palavras-chave:​​ Paisagem; ​Boulevard​ Olímpico; Rio de Janeiro 
 

 
In  general,  the  landscape,  as  an  urban  space,  does  not  attend  the  "rituals  of  canonical 
historiography",  stay  more  aggregated  to  the  historiography  of  architecture, 
expurgating the artistic question that may be present in it. When analyzing and studying 
the  landscape  it  is  necessary  to  keep  in  mind  that  each  day  it becomes more complex 
because  to  the  different  senses  that  we  attribute  to  it.  The  transformations  of  the 
landscape  that  occurred  in  Rio  de  Janeiro  in  the  early  of  the  20th  century,  to  a  certain 
extent,  are  repeated at the beginning of the 21st century. The Olympic Boulevard, which 
goes  from  Praça  XV  de  Novembro,  passes  through  Praça  Mauá  and  continues  along 
the  docks,  integrating  new  possibilities  for the arts. What we should reflect is how long 
these  works  will  remain  in  there,  as  these records tend to disappear and remain only in 
our  memory.  Thus,  the  "immaterial  being  incarnated"  in  the  new  downtown  area, 
passing  the  idea  that  Rio  de  Janeiro  manages  to  unite  its  natural  beauty,  with  a 
conception  of  city made to “flanar” and at the same time, integrated with contemporary 
art. 
 
Keywords: ​Landscape; Olimpic Boulevard; Rio de Janeiro 
 
 
 
   

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Carlos Terra ​O Experimentado e o Imaginado

O  conceito  de  paisagem  a  cada  dia  se  torna  mais  complexo  devido  aos  diversos 
sentidos  que  a  ela  atribuímos.  Diferentes  campos de investigação como a geografia, a 
história  da  arte,  a  história  da  cultura,  a  literatura,  a  ecologia,  entre  muitos  outros,  se 
servem  da  paisagem  com  conceitos  próprios,  cada  um  mantendo  a  raiz  de  sua 
estrutura. Autores como Alain Roger (1997) trabalharam bastante bem com a distinção 
léxica  em  relação  à  palavra  e  suas  relações  com  a pintura, já que a sua representação 
teve uma longa duração.  

Javier  Maderuelo  nos  lembra  de  que  o  vocábulo  paisagem  é  um  termo  moderno,  um 
conceito  que  começa  a  se  estruturar  na  Europa  a  partir  do  século  XVI,  antes  desta 
época  não  existia  esta  expressão.  Cabe  ressaltar  que  ela  não  é  um  objeto  físico,  mas 
uma  construção  mental.  Como  diz  Maximiano  “a noção de paisagem está presente na 
memória  do  ser  humano  antes mesmo da elaboração do conceito. A ideia embrionária 
já  existia  baseada  na  observação  do  meio” e ainda Milton Santos nos faz recordar que 
a  paisagem  é  tudo  o  que  nós  vemos,  o  que  nossa  visão  alcança  e  que  é  formada  por 
volumes,  cores,  movimentos,  odores,  sons  etc.  Assim,  no  Egito  os  jardins  foram 
pintados nas paredes dos túmulos, registrando uma vegetação diversificada e utilizada 
naqueles  espaços.  Mais  tarde  o  Império  Romano  também  criou  em  suas  residências 
paisagens  decorativas,  onde  a  natureza  era  representada  com  uma  exuberância 
extraordinária. 

Para  Augustin  Berque  a  noção  do  vocábulo  é  uma  elaboração  cultural  “não  existe 
sempre  e  em  todo  lugar”,  “houve  civilizações  não  paisagísticas  –  civilizações  em  que 
não  se  sabia  o  que  é  a  paisagem”.  O  autor  formula  quatro  critérios  para  identificar  se 
uma  civilização  é  (ou  não)  paisagística:  a)  uso  de  diversas  palavras  para  defini-la;  b) 
uma  literatura  (oral  ou  escrita)  que  a  descreva  ou  cante  sua  beleza;  c)  ter 
representações  artísticas  de  suas  paisagens  e;  d)  possuir  jardins  para  fruir  e 
deleitar-se com suas belezas. 

Para  Daniels  &  Cosgrove  (1988)  uma  paisagem  é  uma  imagem  cultural,  uma  maneira 
pictural  de  representação,  estruturando  ou  simbolizando  arredores.  Ela  pode  ser 
representada  em  uma  variedade  de  materiais  e  em  muitas  superfícies  –  pintada  em 
telas, escrita em papel ou elaborada com terra, pedra, água e vegetação sobre o solo.  

Sua  representação  manifesta-se,  mais  efetivamente,  na  pintura  executada  pelos 


artistas  flamengos  do  século  XV  e  pelos  pintores  italianos  como  Fra Angélico, Sandro 
Botticelli,  Leonardo  da  Vinci  e  muitos  outros.  Na  maioria  das vezes servia de fundo ao 
tema  desenvolvido  pelo  artista.  No  Renascimento  a  palavra  surge  com a finalidade de 
indicar  uma  nova  relação  entre  os  seres  humanos  e  o  seu  ambiente.  E  assim  foi  no 
decorrer dos séculos. 

Em  geral,  a  paisagem,  enquanto  espaço  urbano,  não  frequenta  os  “rituais  da 
historiografia canônica”, fica mais agregada à historiografia da arquitetura, expurgando 
a questão artística, que nela possa estar presente.  

As  transformações  que  ocorreram  no  Rio  de  Janeiro  no  início  do  século  XX,  de  certa 
forma,  se  repetem  no  início  do  século  XXI.  Se  naquele  momento  o  Prefeito  Pereira 
Passos  colocou  a  cidade  dentro  de  uma  nova  era,  agora  o  Prefeito  Eduardo  Paz  fez 

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inúmeras  alterações  para  receber  as  Olimpíadas  de  2016.  Criando  uma paisagem que 
mexe  com  a  percepção  dos  seus  habitantes,  bem  como  naqueles  que  para  cá  se 
deslocaram.  Dentre  as  muitas  transformações  em  diferentes  pontos,  destacamos  as 
da  área  central  que  criam  uma  paisagem  que  contém  poucas  árvores,  mas  que 
possibilita  uma  diversidade  de  olhares  pelas  obras  de  arte  que  são  expostas  e 
distribuídas  ao  longo  de  seu  percurso.  O  ​Boulevard  Olímpico  que  vai  da  Praça  XV  de 
Novembro,  chega  a  Praça  Mauá  e  continua  pelo  cais  do  Porto  integrou  novas 
possibilidades para as artes. 

Com  um  olhar  mais  aguçado  percebemos  que  a  Igreja da Candelária agora recebe um 


destaque  maior  já  que  sua  fachada  principal  abre-se  para o mar. Nela colocou-se uma 
cópia  da  pira  olímpica,  sendo  o  artista  norte-americano  Anthony  Howe  o  responsável 
pelo  seu  design.  A  escultura  se  move  pela  ação  do  vento  criando  uma  fascinação 
pelas  suas  formas  onduladas  ocasionadas  por  seu  movimento.  Howe  declara  que  “a 
escultura  cinética  fica  na  interseção  da  inspiração  artística  e  a  complexidade 
mecânica”  e que “a realização de uma de minhas peças apoia-se na expressão criativa, 
na  fabricação  do  metal  e  em  um  processo  lento  de  design  em  partes  iguais” 
(http://www.howeart.net/about-us.html).  Sua  obra  nos  hipnotiza  nos  transporta  ao 
infinito, nos leva a um mundo mágico.  

Cópia  da  pira  olímpica  em  frente  a  Igreja  da  Candelária,  Rio  de  Janeiro,  RJ.  FONTE:  Fotografia 
de Carlos Terra, 2016. 

Logo  a  nossa  frente  o  Museu  do  Amanhã  se  mostra  radiante.  Projeto  do  arquiteto 
espanhol  Santiago  Calatrava  foi  erguido  no  Pier  Mauá  e  inaugurado  em  2015. 
Propositalmente  se  integra  a  essa  nova  paisagem  permitindo  que  a  cada  passo  em 
sua  direção  nossa  percepção  descubra  formas,  significados  e  encantamentos,  já  que 
sua  estrutura  metálica  se  mistura  aos  seus  reflexos nos espelhos d´água ao seu redor 

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ou  ao  mar  que  o  cerca,  parecendo,  em  certos  momentos,  que  ele  está  flutuando. 
Apresenta-nos formas irregulares, futuristas, um projeto de vanguarda. 

O  seu  acervo  é  outro  ponto  que  mexe  com  nossa  imaginação...  aí  podemos  falar  do 
palpável,  visível  e  o  dizível.  Nessa  paisagem  transformada  o  olhar  também  se  depara 
com as obras de diversos artistas que ali deixaram suas marcas.  

 O  Museu  de  Arte  do  Rio  inaugurado  em  2013,  com  seu  prédio tombado e eclético – o 
palacete  D.  João VI e o modernista que antigamente era uma estação de ônibus, agora 
interligados  também  se  destacam  no  urbanismo  da  região,  principalmente  por  sua 
cobertura  em  forma  de  ondas,  criando  um  movimento ondulatório que faz com que se 
integre ao ​Boulevard Oímpico​.  

Aumentada  em  seis  vezes  do  seu  tamanho  original, a Praça Mauá, que é um marco na 


história  da  cidade,  possui  agora  25.000  m​2​.  Totalmente  direcionada  aos  pedestres,  é 
coberta  por  uma  variedade  imensa  de  granitos, possui iluminação a LED e um sistema 
de  drenagem  com  canaletas  embutidas.  Os  bancos  distribuídos  em  sua  área  são 
poucos  e  a  vegetação  também  nos  parece  insuficiente.  As  58  árvores  da  praça  não 
dão  e  nem  darão  conta  de  um  local,  onde  na  maior  parte  do  tempo,  sua  temperatura 
beira  aos  40  graus.  Talvez  exigência  para  não  esconder  os  monumentos  ali 
construídos,  talvez  para  uma  melhor  manutenção  do  espaço,  talvez  para  uma  melhor 
ideia  de  limpeza.  Seja  como  for  isso  deve  ser  pensado,  pois  não  é  aceitável  ficar  em 
pleno  sol,  numa  cidade  quente como o Rio de Janeiro, em certos momentos por horas, 
para ter acesso a um museu. 

Museu do Amanhã e Praça Mauá, Rio de Janeiro, RJ. FONTE: Fotografia de Carlos Terra, 2016. 

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Os  antigos  pavilhões  do  porto  também  foram revitalizados e neles exposições de arte, 


mostras, congressos, encontros estão sendo realizados. 

Nessa  paisagem  transformada  o  olhar  também  se  depara  com  as  obras  de  diversos 
artistas  que  ali deixaram suas marcas. Um deles é o Mural Etnias, considerado o maior 
grafite  do  mundo.  Um  painel  com  2.500  m​2  assinado  por  Eduardo  Kobra. 
Representando  os  cinco continentes, Kobra realiza um trabalho excepcional com cores 
vibrantes,  onde  o  rosto  de  pessoas  aos  poucos  foi  surgindo  no  muro  que  não  tinha 
nenhum  significado.  Com  traços  firmes  e  fortes  o  autor  espelha  a  grandeza  do 
encontro  de  nações  em  comemorações  esportivas.  Ali  os  cinco  continentes  estão 
representados.  

Mural Etnias, Rio de Janeiro, RJ. FONTE: Fotografia de Carlos Terra, 2016. 

Outra  obra  de  destaque  é  da  artista  Panmela  Castro  com  suas  cores  fortes,  traços 
movimentados  produz  um  painel  que  reveste  a  fachada  de  um  prédio  integrando 
janelas, portas e portões. Surge um rosto com um olhar penetrante e o cabelo cobrindo 
parte,  linhas  finas  fazem  às  vezes  de  cílios  longo,  cabelos  emaranhados  se  associam 
aos  olhos  verdes  e  chamativos  de  sua  obra.  Hoje  a  obra  já  começa  dar  sinais  de 
desgaste.  Janela  alterada,  cores  desbotadas,  aos poucos a obra de arte vai adquirindo 
outras  características.  No  lado  esquerdo  uma  fachada  revestida  de  cartazes  com 
fotografias hoje praticamente já não existem mais.  

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Painel  de  Panmela  Castro  e  casa  com  cartazes  à  esquerda,  Rio  de  Janeiro,  RJ.  FONTE: 
Fotografia de Carlos Terra, 2016 

Saudade é amor, Rita Wainer, Rio de Janeiro, RJ. FONTE: Fotografia de Carlos Terra, 2017. 

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Logo  uma  cabeça  com  cabelos  negros  e  esvoaçantes  levados  pelo  vento  se 
materializa  na  obra  de  Rita  Wainer.  Uma  jovem  que  leva  na  cabeça  um  coração 
vermelho  e  que  faz  par  com  a  boca  também  vermelha.  Sua  blusa  listrada  em  azul  e a 
cor  da  parede,  se  completa  com  a  frase  ≈  saudade  é  Amor  ≈  te  sigo  esperando  ≈, 
inserida  numa  fita  abaixo  do  desenho.  A obra se unifica com o suporte, a parede, onde 
os  furos  das  supostas  janelas  parecem  fazer parte da sua composição. Apesar de seu 
olhar  melancólico  e  apaixonado  a obra é atual, mas o novo ​boulevar ​é isso... “o Rio dos 
apaixonados”. 

Trabalhos  artísticos  que  se  adequam  ao  espaço  –  o  jardim,  os trilhos, os edifícios – o 


novo  com  o  antigo,  unidos  como  num  único  ​corpus​,  nos  fazendo  refletir  o  quanto 
ganhamos num espaço antes praticamente abandonado.  

O  chamado  Porto  Maravilha  foi  o  ponto  de  encontro  de  todas  as  “tribos”  durante  os 
jogos  olímpicos  do  Rio  2016.  E  continua  sendo  um  local  de  atração,  pois  se  conecta 
com  áreas importantes da cidade através do novo Veículo Leve sobre Trilho (VLT) com 
seus 28 quilômetros de extensão e 31 paradas.  

Morros,  montanhas,  vegetação,  mar,  edificações,  pessoas,  todos  unidos  e  separados, 


mas  que  no  olhar  do  visitante,  do  morador,  do  apaixonado pela cidade se integram, se 
comunicam, comungam, nos absorvem...  

O  que  nos  resta  refletir  é  até  quando  essas  obras  permanecerão  ali  já  que  esses 
registros  tendem  a  desaparecer  e ficar somente na nossa memória. Assim o “imaterial 
que  está  sendo  encarnado” no novo espaço do centro é a ideia de que o Rio de Janeiro 
consegue  unir  a  sua  beleza  natural,  com  uma  concepção  de  cidade feita para flanar e, 
ao  mesmo  tempo,  antenada  com  a  arte  contemporânea.  "Os  artistas  e  agentes  no 
circuito  da  arte"  estão incisivamente presentes ali, inclusive nas questões dos museus, 
da  arte  urbana  e  das  feiras  de  arte,  realizados  nos  antigos  armazéns  do  Porto. 
Desejamos  que  as  cores  não  se  percam,  as  obras  não  sejam pichadas, o trabalho dos 
artistas  não  seja abandonado começando a ser substituído por outros meios artísticos 
– cartazes, panfletos, colagens, outras pinturas... O ​boulevard​ é de todos! 

 
 
Referências bibliográficas 
 
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1988. 
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BENCHIMOL,  Jaime  L.  Pereira  Passos:  um  Haussmann  tropical.  Rio  de  Janeiro: 
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BRENNA,  Giovanna  Rosso  del.  O  Rio  de  Janeiro  de  Pereira  Passos:  uma  cidade  em 
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Carlos Terra ​O Experimentado e o Imaginado

CHIAVARI,  Maria  Pace.  As  transformações  urbanas  do século XIX. In: O Rio de Janeiro 


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