Carlos Goncalves Terra
Carlos Goncalves Terra
Carlos Goncalves Terra
O conceito de paisagem a cada dia se torna mais complexo devido aos diversos
sentidos que a ela atribuímos. Diferentes campos de investigação como a geografia, a
história da arte, a história da cultura, a literatura, a ecologia, entre muitos outros, se
servem da paisagem com conceitos próprios, cada um mantendo a raiz de sua
estrutura. Autores como Alain Roger (1997) trabalharam bastante bem com a distinção
léxica em relação à palavra e suas relações com a pintura, já que a sua representação
teve uma longa duração.
Javier Maderuelo nos lembra de que o vocábulo paisagem é um termo moderno, um
conceito que começa a se estruturar na Europa a partir do século XVI, antes desta
época não existia esta expressão. Cabe ressaltar que ela não é um objeto físico, mas
uma construção mental. Como diz Maximiano “a noção de paisagem está presente na
memória do ser humano antes mesmo da elaboração do conceito. A ideia embrionária
já existia baseada na observação do meio” e ainda Milton Santos nos faz recordar que
a paisagem é tudo o que nós vemos, o que nossa visão alcança e que é formada por
volumes, cores, movimentos, odores, sons etc. Assim, no Egito os jardins foram
pintados nas paredes dos túmulos, registrando uma vegetação diversificada e utilizada
naqueles espaços. Mais tarde o Império Romano também criou em suas residências
paisagens decorativas, onde a natureza era representada com uma exuberância
extraordinária.
Para Augustin Berque a noção do vocábulo é uma elaboração cultural “não existe
sempre e em todo lugar”, “houve civilizações não paisagísticas – civilizações em que
não se sabia o que é a paisagem”. O autor formula quatro critérios para identificar se
uma civilização é (ou não) paisagística: a) uso de diversas palavras para defini-la; b)
uma literatura (oral ou escrita) que a descreva ou cante sua beleza; c) ter
representações artísticas de suas paisagens e; d) possuir jardins para fruir e
deleitar-se com suas belezas.
Para Daniels & Cosgrove (1988) uma paisagem é uma imagem cultural, uma maneira
pictural de representação, estruturando ou simbolizando arredores. Ela pode ser
representada em uma variedade de materiais e em muitas superfícies – pintada em
telas, escrita em papel ou elaborada com terra, pedra, água e vegetação sobre o solo.
Em geral, a paisagem, enquanto espaço urbano, não frequenta os “rituais da
historiografia canônica”, fica mais agregada à historiografia da arquitetura, expurgando
a questão artística, que nela possa estar presente.
As transformações que ocorreram no Rio de Janeiro no início do século XX, de certa
forma, se repetem no início do século XXI. Se naquele momento o Prefeito Pereira
Passos colocou a cidade dentro de uma nova era, agora o Prefeito Eduardo Paz fez
inúmeras alterações para receber as Olimpíadas de 2016. Criando uma paisagem que
mexe com a percepção dos seus habitantes, bem como naqueles que para cá se
deslocaram. Dentre as muitas transformações em diferentes pontos, destacamos as
da área central que criam uma paisagem que contém poucas árvores, mas que
possibilita uma diversidade de olhares pelas obras de arte que são expostas e
distribuídas ao longo de seu percurso. O Boulevard Olímpico que vai da Praça XV de
Novembro, chega a Praça Mauá e continua pelo cais do Porto integrou novas
possibilidades para as artes.
Cópia da pira olímpica em frente a Igreja da Candelária, Rio de Janeiro, RJ. FONTE: Fotografia
de Carlos Terra, 2016.
Logo a nossa frente o Museu do Amanhã se mostra radiante. Projeto do arquiteto
espanhol Santiago Calatrava foi erguido no Pier Mauá e inaugurado em 2015.
Propositalmente se integra a essa nova paisagem permitindo que a cada passo em
sua direção nossa percepção descubra formas, significados e encantamentos, já que
sua estrutura metálica se mistura aos seus reflexos nos espelhos d´água ao seu redor
ou ao mar que o cerca, parecendo, em certos momentos, que ele está flutuando.
Apresenta-nos formas irregulares, futuristas, um projeto de vanguarda.
O seu acervo é outro ponto que mexe com nossa imaginação... aí podemos falar do
palpável, visível e o dizível. Nessa paisagem transformada o olhar também se depara
com as obras de diversos artistas que ali deixaram suas marcas.
O Museu de Arte do Rio inaugurado em 2013, com seu prédio tombado e eclético – o
palacete D. João VI e o modernista que antigamente era uma estação de ônibus, agora
interligados também se destacam no urbanismo da região, principalmente por sua
cobertura em forma de ondas, criando um movimento ondulatório que faz com que se
integre ao Boulevard Oímpico.
Museu do Amanhã e Praça Mauá, Rio de Janeiro, RJ. FONTE: Fotografia de Carlos Terra, 2016.
Nessa paisagem transformada o olhar também se depara com as obras de diversos
artistas que ali deixaram suas marcas. Um deles é o Mural Etnias, considerado o maior
grafite do mundo. Um painel com 2.500 m2 assinado por Eduardo Kobra.
Representando os cinco continentes, Kobra realiza um trabalho excepcional com cores
vibrantes, onde o rosto de pessoas aos poucos foi surgindo no muro que não tinha
nenhum significado. Com traços firmes e fortes o autor espelha a grandeza do
encontro de nações em comemorações esportivas. Ali os cinco continentes estão
representados.
Mural Etnias, Rio de Janeiro, RJ. FONTE: Fotografia de Carlos Terra, 2016.
Outra obra de destaque é da artista Panmela Castro com suas cores fortes, traços
movimentados produz um painel que reveste a fachada de um prédio integrando
janelas, portas e portões. Surge um rosto com um olhar penetrante e o cabelo cobrindo
parte, linhas finas fazem às vezes de cílios longo, cabelos emaranhados se associam
aos olhos verdes e chamativos de sua obra. Hoje a obra já começa dar sinais de
desgaste. Janela alterada, cores desbotadas, aos poucos a obra de arte vai adquirindo
outras características. No lado esquerdo uma fachada revestida de cartazes com
fotografias hoje praticamente já não existem mais.
Painel de Panmela Castro e casa com cartazes à esquerda, Rio de Janeiro, RJ. FONTE:
Fotografia de Carlos Terra, 2016
Saudade é amor, Rita Wainer, Rio de Janeiro, RJ. FONTE: Fotografia de Carlos Terra, 2017.
Logo uma cabeça com cabelos negros e esvoaçantes levados pelo vento se
materializa na obra de Rita Wainer. Uma jovem que leva na cabeça um coração
vermelho e que faz par com a boca também vermelha. Sua blusa listrada em azul e a
cor da parede, se completa com a frase ≈ saudade é Amor ≈ te sigo esperando ≈,
inserida numa fita abaixo do desenho. A obra se unifica com o suporte, a parede, onde
os furos das supostas janelas parecem fazer parte da sua composição. Apesar de seu
olhar melancólico e apaixonado a obra é atual, mas o novo boulevar é isso... “o Rio dos
apaixonados”.
O chamado Porto Maravilha foi o ponto de encontro de todas as “tribos” durante os
jogos olímpicos do Rio 2016. E continua sendo um local de atração, pois se conecta
com áreas importantes da cidade através do novo Veículo Leve sobre Trilho (VLT) com
seus 28 quilômetros de extensão e 31 paradas.
O que nos resta refletir é até quando essas obras permanecerão ali já que esses
registros tendem a desaparecer e ficar somente na nossa memória. Assim o “imaterial
que está sendo encarnado” no novo espaço do centro é a ideia de que o Rio de Janeiro
consegue unir a sua beleza natural, com uma concepção de cidade feita para flanar e,
ao mesmo tempo, antenada com a arte contemporânea. "Os artistas e agentes no
circuito da arte" estão incisivamente presentes ali, inclusive nas questões dos museus,
da arte urbana e das feiras de arte, realizados nos antigos armazéns do Porto.
Desejamos que as cores não se percam, as obras não sejam pichadas, o trabalho dos
artistas não seja abandonado começando a ser substituído por outros meios artísticos
– cartazes, panfletos, colagens, outras pinturas... O boulevard é de todos!
Referências bibliográficas
ABREU, Maurício de A. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO,
1988.
BERQUE, Augustin (Org.). Cinq propositions pour une théorie du paysage. Seyssel:
Champ Vallon, 1994.
BENCHIMOL, Jaime L. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro:
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1990.
BERQUE, Augustin. En el origen del paisaje. Revista de Occidente, n. 189, fev., 1997.
BRENNA, Giovanna Rosso del. O Rio de Janeiro de Pereira Passos: uma cidade em
questão II. Rio de Janeiro: Index, 1985.