Sistema Jurídico Africano
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83 | 2008
Artigos
Sara Araújo
p. 121-139
https://doi.org/10.4000/rccs.468
Resumo | Índice | Mapa | Texto | Bibliografia | Notas | Citação | Citado por | Autor
RESUMOS
PORTUGUÊSENGLISHFRANÇAIS
Se é hoje consensual que o pluralismo jurídico tende a estar presente em todas as sociedades,
especificidades várias conferem contornos próprios à discussão desta temática no contexto africano.
Num continente fortemente marcado pela experiência de dominação colonial, uma leitura que concebe
os direitos costumeiros não como ordens normativas que sobreviveram paralelamente ao direito
colonial, mas como mais uma imposição do colonialismo, com vista ao controlo e à exploração da
população, tem vindo a alimentar um intenso debate sobre a qualidade do pluralismo jurídico
contemporâneo. Neste texto, discuto se o pluralismo jurídico na África pós colonial é uma ficção jurídica,
alheia aos cidadãos, inventada como parte da ideologia colonial do governo indirecto, ou se é uma
realidade legítima, que tende a contribuir para a promoção do acesso à justiça.
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ENTRADAS NO ÍNDICE
Palavras-chave: pluralismo jurídico, invenção da tradição, acesso à justiça, colonialismo, África, pós-
colonialismo
Keywords: legal pluralism, invention of tradition, access to justice, colonialism, Africa, post-colonialism
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MAPA
1. Introdução
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TEXTO INTEGRAL
1. Introdução
1 As reflexões apresentadas neste texto começaram a surgir a partir de um projecto de investigação (...)
1Os primeiros estudos que reconheceram a presença de direito fora do Estado situaram-se nas
sociedades africanas, onde era fácil identificar a presença de diferentes ordens jurídicas: de um lado, o
direito europeu; do outro, os direitos costumeiros dos povos nativos (Santos, 2003). Hoje, admite-se que
a pluralidade jurídica existe virtualmente em todas as sociedades, mas reconhecem-se especificidades a
vários níveis. A história de África, bem como o contexto em que foram elaboradas as primeiras
etnografias, está fortemente presente na discussão contemporânea sobre a pluralidade jurídica deste
continente.
2Se a história não começa com o colonialismo, é também verdade que o continente africano é
fortemente marcado por essa experiência de dominação. Uma leitura que concebe os direitos
costumeiros não como ordens normativas que sobreviveram paralelamente ao direito colonial, mas
como mais uma imposição do colonialismo, com vista ao controlo e à exploração da população, tem
vindo a alimentar um intenso debate sobre a qualidade do pluralismo jurídico contemporâneo. Neste
texto, discuto se a pluralidade de direitos e de instâncias de resolução de conflitos encontrada em África
é um vestígio do pesadelo colonial, uma ficção jurídica criada pelo governo indirecto e alheia aos
cidadãos africanos, ou se estes sempre encontraram espaços de resistência e, de forma mais ou menos
manifesta, ocuparam um lugar na criação e recriação de complexas redes de resolução de conflitos,
usufruindo, hoje, de uma pluralidade de justiças comunitárias próximas e legítimas.
3A discussão está dividida em quatro pontos. O primeiro constitui uma breve introdução histórica, em
que analiso as formas que o Estado colonial tomou, centrando-me particularmente naquela que acabou
por ser dominante no continente: o governo indirecto. No segundo ponto, discuto se o processo de
invenção da tradição e de apropriação das estruturas tradicionais por parte dos governos coloniais, que
constituiu parte da ideologia do governo indirecto, foi um movimento imposto unicamente de cima para
baixo ou se os africanos, ainda que numa posição de subalternidade, tiveram um papel na
reconfiguração da tradição. No terceiro ponto, centrando-me no período pós-colonial, abordo a riqueza
e a diversidade do pluralismo jurídico em África e discuto a legitimidade das instâncias comunitárias de
resolução de conflitos contemporâneas. No último ponto, para concluir, levanto directamente a questão
de saber se o pluralismo jurídico pode ou não ser emancipatório.
5O governo directo pressupõe a existência de uma única ordem jurídica, assente nas leis da Europa, não
reconhecendo qualquer instituição africana. Os “nativos” obedeciam às leis europeias, ainda que apenas
os “civilizados” acedessem aos direitos europeus. A sociedade civil era concebida como a sociedade
civilizada, de onde eram excluídos os incivilizados (Mamdani, 1996: 16, 17).
6O colonialismo francês adoptou, pelo menos em teoria, a doutrina da assimilação que se insere nesta
forma de governo directo. O seu primeiro e mais importante defensor foi Louis Faidherbe, governador
do Senegal em 1854. Coerente com as teorias evolucionistas, o assimilacionismo partia de um
pressuposto de superioridade da cultura e da civilização francesas, concebendo a colonização não só
como legítima, mas como um dever da França, que tinha uma missão civilizadora. O domínio
concretizava-se num sistema colonial centralizado e hierárquico e na sujeição da maioria da população
ao regime do indigenato (indigénat). Este estabelecia o cumprimento de obrigações específicas e dava
aos administradores distritais o poder de imporem sanções penais sem obrigação de constituir tribunal,
sanções das quais não havia possibilidade de recurso. Permaneceu sempre reduzido o número de
indivíduos que cumpriam os requisitos necessários para obterem o estatuto de assimilados e, assim,
acederem a um conjunto de direitos dos cidadãos. As autoridades tradicionais não eram reconhecidas.
O controlo da população, seguindo a lógica de “dividir para reinar”, passou pela fragmentação dos
sistemas políticos centralizados, pela destituição dos chefes e pela criação de divisões territoriais e
administrativas totalmente artificiais. Existiram muitas divergências entre os princípios da colonização e
os seus modos de aplicação, pelo que estes quase nunca coincidiram (Roberts e Mann, 1991: 16, 17;
Gentili, 1999: 197, 198).
7O governo indirecto parte de uma concepção oposta à universalista, assentando na diferenciação. Foi
no início do século XX, na Nigéria e no Norte do Uganda, que Frederik Lugard experimentou esta forma
de governo, que, após a I Guerra Mundial iria difundir-se pela África Ocidental, Oriental e Austral. O
governo indirecto assumia a demarcação entre não nativos e nativos, que separava cuidadosamente
pelas distintas ordens normativas a que os sujeitava (direito civil e direito costumeiro); e entre governo
colonial, que se ocupava dos problemas gerais de gestão de recursos, e governo indígena, que assentava
na construção de administrações nativas e dependia da ligação com os chefes tradicionais
(selectivamente reconstituídos ou criados à medida das necessidades do poder colonial) (Roberts e
Mann, 1991; Mamdani, 1996; Gentili, 1999). Tratava-se, como afirma Boaventura de Sousa Santos
(2003: 64), de um regime assente na disjunção entre controlo político e controle administrativo, o
primeiro altamente concentrado, o segundo muito selectivo e descentralizado.
8Cada grupo étnico era forçado a ter o seu próprio direito costumeiro que, administrado pelo chefe,
regulava as relações nas questões de terra, família e trabalho. Se a Europa tinha nações, a África era
concebida como tendo as suas tribos. Se cada nação europeia tinha o seu próprio Estado e o seu direito
civil, a cada tribo africana correspondiam uma autoridade nativa e um direito costumeiro (Mamdani,
1996: 111). Embora, como afirma Gentili (1999: 212), não se considerasse possível ou desejável que as
civilizações indígenas evoluíssem para formas de modernização análogas às que caracterizavam os
Estados-nação europeus, isto não implicava que os governos coloniais se abstraíssem de interferir.
Fizeram-no com a criação de tribunais e a (re)criação dos direitos costumeiros, aproximando o sistema
nativo de concepções mais modernas de justiça. Reportando-se aos tribunais nativos, Sally Falk Moore
refere duas linhas de acção por parte do poder colonial: uma de manutenção dos costumes, outra de
mudança e modernização (Moore, 1992: 14).
9Para preservarem a autoridade, os chefes africanos viam-se obrigados a aceitar a cooptação no interior
do quadro territorial e normativo imposto pelos governos coloniais. Dessa forma, conseguiam “manter
parte das prerrogativas do seu estatuto e, assim, obter privilégios na distribuição de terras, trabalho,
financiamento, acesso aos mercados, em economias que estavam a mudar” (Gentili, 1999: 290). Alguns
chefes aliaram-se ao poder colonial, outros foram substituídos. Mas, se estes podiam ser reconstituídos
selectivamente na criação das administrações nativas, de acordo com Gentili, o governo colonial
procurava colaborar com chefes legítimos, optando por outros apenas quando tal não fosse possível
(1999: 213, 114).
10A novidade não estava, de acordo com Mamdani (1996), na interpretação ou recriação do costume
por parte dos que controlavam as instituições tradicionais, mas sim no privilégio da instituição das várias
chefias tradicionais como única autoridade costumeira. A África pré-colonial não tinha apenas uma
autoridade costumeira, mas várias. A maioria dos africanos movia-se entre múltiplas identidades,
definindo-se em determinado momento como súbditos do chefe, noutro, enquanto membros de um
culto, noutro ainda, como parte de um clã, ou de um grupo (Ranger, 1992: 248; Mamdani, 2001: 655). A
novidade estava, ainda, no fim das formas de controlo popular a que os chefes tradicionalmente
estavam sujeitos. De acordo com T. W. Bennett (1998), esperava-se que os chefes tradicionais
governassem o seu povo de forma sensata e julgassem as disputas de forma justa. Os chefes tinham
rivais que os desafiavam e, caso governassem de forma tirana, sabiam que teriam de enfrentar a revolta
ou a sucessão. Nenhum chefe sensato tomava as grandes decisões sem consultar os conselheiros, que
representavam a voz das opiniões correntes. Segundo Bennett, o governo indirecto, ao cooptar os
chefes para o governo colonial, pôs fim a este equilíbrio. Para Mamdani, na medida em que as decisões
deixam de ser negociadas, tende a ser a força e não a tradição que torna inteligível os poderes dos
chefes sobre os camponeses. Não era no nível central que o Estado colonial localizava a violência, mas
sim no nível local, através dos tribunais que garantiam o cumprimento das decisões. Ainda que o uso da
força fosse proibido em todas as colónias britânicas depois da I Guerra Mundial, a proibição não era
aplicada às autoridades nativas. Tudo o que fosse considerado costumeiro era legítimo (Mamdani, 1996:
286, 287). Oomen lembra, no entanto, que, apesar da nova realidade, os chefes nunca puderam
negligenciar totalmente as opiniões dos seus súbditos. Se não queriam ser assassinados, apedrejados,
queimados nas suas casas ou afastados, tinham que manter alguma forma de legitimidade local
(Oomen, 2005: 20).
11A distinção entre Estados de colonialismo directo e indirecto deixa de fazer sentido na fase tardia do
colonialismo. A assimilação francesa passou a andar a par da “associação”, designação que os franceses
atribuíram às formas de governo indirecto. De acordo com Mamdani, com o Scramble for Africa, ficou
completa a viragem de um colonialismo de missão civilizadora para uma administração assente na lei e
na ordem, do progresso para o poder. Isto não significa que o governo directo fosse totalmente
colocado de lado. Os dois princípios de dominação tornaram-se meios complementares de controlo. O
governo directo era a forma de poder urbano, o governo indirecto era a forma de poder rural. Para
Mamdani, este dois tipos de governo são variantes do despotismo. O primeiro assenta num despotismo
centralizado; o segundo, num despotismo descentralizado. O Estado era a face de Janus, bifurcado, duas
formas de poder sob uma única autoridade hegemónica. Se o poder urbano falava a linguagem da
sociedade civil e dos direitos civis, o poder rural falava a da comunidade e da cultura; se o poder civil
afirmava defender os direitos, o poder costumeiro prometia fazer cumprir a tradição (Mamdani, 1996).
12O domínio colonial marcou a história de África não só ao transformar a realidade, mas também ao
contá-la à sua maneira. Um provérbio africano, divulgado por Chinua Achebe, expressa precisamente
essa ideia: “até que os leões possuam os seus próprios historiadores, a história da caça glorificará para
sempre o caçador” (Gentili, 1999: 7). Esta máxima remete-nos para duas reflexões fundamentais na
análise da realidade africana: a primeira é que a história foi e continua a ser, muitas vezes, a mensagem
que o colonizador quis divulgar; a segunda é que o poder não circula apenas numa direcção, isto é, a
história do colonizado fez-se também de resistências e tem que ser analisada à luz das mesmas.
13Assim, na análise do direito costumeiro africano configuram-se, desde logo, duas observações. A ideia
da tradição como conjunto de regras, normas, práticas e valores de antiguidade imemorial que foram
preservados durante anos pelas sociedades africanas e que regulam as interacções dos membros dessas
sociedades (Chanda, 2006: 49) é a versão dos colonizadores e ainda não deixou de ser contada. A
concepção de uma sociedade profundamente conservadora funcionou como instrumento de
reprodução de um continente atrasado, relutante à modernização, permitindo assim uma exploração
capitalista que beneficiava apenas os europeus (Ranger, 1992). A ideia da não privatização da terra,
concebida como parte do direito costumeiro, é um dos principais exemplos. Não só tendia a impedir a
entrada dos africanos no mundo capitalista, como os mantinha em estreita dependência dos chefes, a
quem cabia, sob garantia de lealdade para com o governo, a distribuição das terras (Chanock, 1991). No
entanto, aquele provérbio também nos remete para a imagem de resistência dos subordinados, isto é,
para o seu papel na construção da história e, portanto, no processo de criação e recriação dessa tradição
inventada. As próximas páginas analisam a dialéctica da construção da tradição a partir de alguns
trabalhos e reflexões que têm vindo a ser desenvolvidos.
14Ainda que, como foi referido, os europeus, ao chegarem a África, concebessem a tradição como
imutável, não existia um corpo fixo de normas tradicionais, mas, antes, várias tradições e normas
conflituantes apoiadas por diferentes vozes. Quando começaram a demarcar tribos e a cristalizar
normas, o contexto era precisamente de profundas mudanças, que iam desde a sucessão de Estados
conquistados, ao fim da escravatura e ao despontar do trabalho migratório. Assim, não só o
colonialismo veio a transformar o costumeiro, como o período pré-colonial não podia rever-se num
mundo tradicional onde reinava o consenso, a paz e o costume (Mamdani, 1996: 118, 119; Chanock,
1998: 9, 10).
17Nos anos 60, com Max Gluckman (1955), começou a perceber-se que o estudo do direito costumeiro
tinha que ir além das conversas com grupos de anciãos e partir para a análise dos processos de
adjudicação e do contexto de ocorrência dos mesmos. Com a evolução da disciplina, a valorização da
contextualização histórica das análises e as abordagens crescentemente dinâmicas do direito e do
pluralismo jurídico, foi ficando clara a ideia de que não existe, nem nunca existiu um corpo fixo de
direito costumeiro. Começaram, então, a usar-se expressões como “invenção da tradição”, “invenção da
etnia”, “mito do direito costumeiro” (Roberts e Mann, 1991; Hobsbawm e Ranger, 1992; Mamdani,
1996; Gentili: 1999; Wilson, 2000; Oomen, 2005). Terence Ranger, na clássica obra The Invention of
Tradition, que organiza com Eric Hobsbawm, argumenta que a realidade não passou tanto pela mudança
das tradições para se adaptarem a novas circunstâncias, mas pela sua solidificação, isto é, pelo fim da
sua capacidade de adaptabilidade. Assim, afirma em determinado ponto, o que foi designado por direito
costumeiro, direitos de terra costumeiros, estrutura política comunitária, foi, na verdade, inventado pela
codificação colonial (Ranger, 1992: 247-251).
19Também Mahmood Mamdani reconhece que o direito costumeiro não foi construído a partir do nada,
admitindo que o costume não era sempre imposto de cima, inventado ou construído, mas o resultado
de uma luta entre várias forças. Coloca, no entanto, a tónica no contexto institucional em que se trava a
luta e este é marcado pelo enviesamento a favor das autoridades nomeadas pelo Estado, que, em
última análise, estabelecia os limites sob a forma de uma “cláusula de repugnância”. Tratava-se de um
jogo em que os dados estavam viciados. Mamdani recusa qualquer ideia de opção, argumentando que
não havia nada de voluntário sobre o costume no período colonial. Para ele “mais do que reproduzido
através da sanção social, o costume colonial era imposto com um chicote por uma constelação de
autoridades costumeiras – e, se necessário, com o cano de uma arma pelas forças do Estado central”
(Mamdani, 1996).
20Mamdani e Santos representam dois tipos de leitura da história que, centrando o olhar em aspectos
diferentes do processo de construção dos direitos costumeiros, conduzem a posições divergentes, mais
ou menos optimistas, quanto ao significado e ao potencial democratizador das justiças tradicionais e
comunitárias nos dias de hoje. Privilegio uma abordagem crítica e complementar das várias leituras. Só
esta conduzirá a uma apreciação mais rica da história, concretamente, da construção da realidade
jurídica nos períodos colonial e pós-colonial. A divisão entre autores “centralistas jurídicos”, para quem
o pluralismo jurídico é mera ficção jurídica, e “pluralistas jurídicos”, que apresenta Richard Wilson
(2000: 77, 78), poderá ser válida como mais um instrumento analítico, mas não tem que conduzir-nos a
abordagens dicotómicas. Entre os primeiros, Wilson destaca Martin Chanock e, entre os segundos, Sally
Falk Moore. Em boa verdade, ambos dispensam a utilização do conceito “pluralismo jurídico”, não
estando, qualquer deles, no meu entender, vinculado a uma concepção centralista e proporcionando
ambos um trabalho importante para compreender a interlegalidade no contexto africano. Do mesmo
modo, Boaventura de Sousa Santos e Mahmood Mamdani, segundo a leitura de Wilson, o primeiro
pluralista e o segundo centralista, não apresentam abordagens necessariamente excludentes.
21Nas análises de qualquer um destes teóricos está presente a ideia de que não existia nos momentos
das várias independências um direito tradicional africano puro, aceite igualmente por todos, libertador,
que se opunha ao direito estatal, estrangeiro, imposto. Aquilo que os Europeus definiram como direito
costumeiro foi uma construção, concebida através de uma série de confrontações entre europeus e
africanos, africanos e africanos, europeus e europeus, homens e mulheres, jovens e velhos, governantes
e governados (Starr e Collier, 1989; Roberts e Mann, 1991; Moore, 1992; Chanock, 1998; Mamdani,
1996, 2001; Nina e Schärf, 2001; Santos, 2003).
22Podemos lembrar, como fazem Mamdani ou Chanock, o desequilíbrio de relações de poder em que
tais conflitos ocorreram e a capacidade que o Estado teve de limitar o costumeiro sob a forma de
“cláusula de repugnância”. Podemos, por outro lado, evocar o conceito de “campo social semi -
autónomo”, que nos remete para a ideia de que os campos sociais têm capacidade de gerar
internamente normas e meios de induzir o seu cumprimento, estão inseridos numa matriz social mais
alargada que os afecta e invade, os influencia normativamente, mas não os determina (Moore, 2000).
Os conceitos de “direito vivo”, o direito que regula a vida, ainda que não tenha sido colocado em
proposições jurídicas (Ehrlich, 1926), e o de “direito costumeiro vivo” (Niekerk, 1998; Curran e Bonthuys,
2004), bem como o conceito de interlegalidade, segundo o qual as ordens normativas, longe de serem
estáticas, cruzam-se, influenciam-se e transformam-se (Santos, 2000, 2003), devem também ser trazidos
à discussão. Estes instrumentos analíticos remetem-nos para as margens de liberdade dos actores
sociais e para a ideia de que a regulação não se limita ao direito codificado ou imposto, mas resulta do
cruzamento dos direitos vários que vivem e se interligam na sociedade. Ou seja, há mais direito do que o
que Estado conhece, independentemente do número de ordens jurídicas que este reconheça.
23Alguns autores recusam o conceito de pluralismo jurídico, argumentando não existirem vários direitos
(europeu, costumeiro, islâmico, indígena), mas um único sistema jurídico colonial, que os integra no seu
ordenamento (Roberts e Mann, 1991). Evocam o conceito que John Griffiths cunhou de “pluralismo
jurídico fraco”. Este resulta do reconhecimento e da incorporação do direito costumeiro por parte do
Estado, não sendo incompatível com a concepção de centralismo jurídico (Griffiths, 1986). Estas leituras
estão próximas da imagem de Estado bifurcado, que assenta na ideia de coexistência de um sistema de
primeira e outro de segunda classe, ambos definidos pelo Estado, em vez de um sistema genuinamente
plural (Mamdani, 1996).
24No entanto, como aponta Woodman (1998), o reconhecimento estatal de vários direitos não é
incompatível com a existência de uma pluralidade jurídica para lá daquela que o Estado estabelece. Na
linguagem deste autor, o “pluralismo jurídico estatal” não é incongruente com o “pluralismo jurídico
profundo”, ainda que seja necessário diferenciá-los. Boaventura de Sousa Santos distingue o pluralismo
jurídico em sentido amplo do pluralismo jurídico interno. O primeiro diz respeito aos vários direitos que
circulam na sociedade e se interligam; o segundo diz respeito ao pluralismo interno ao Estado e deriva
da condição heterogénea do mesmo. O conceito de Estado heterogéneo “requer a coexistência de
diferentes lógicas de regulação executadas por diferentes instituições do Estado com muito pouca
comunicação entre si”. A definição de pluralismo jurídico interno remete-nos, assim, para a imagem de
um Estado cuja actuação vai além do que o próprio define e controla (Santos, 2003: 57).
25Sally Falk Moore (1992), a partir do trabalho de campo que desenvolveu em Kilimanjaro, mostra
como, ao lado das imposições violentas do colonialismo, se desenvolveram estratégias de resposta,
embora variáveis no espaço e no tempo. Ainda que a população de Kilimanjaro não tivesse como rejeitar
as estruturas institucionais impostas, nomeadamente os tribunais locais, uma vez que grande parte da
gestão diária era deixada nas mãos dos africanos, a prática tendia a ser adaptada aos fins políticos dos
actores locais. Estes mantinham uma margem de manobra no interior do espaço semi-autónomo, à
parte do qual eram expostos à lógica dos governantes estrangeiros. Se o controlo colonial dos tribunais
nativos deveria ser construído com base nos registos escritos, a deturpação dos mesmos era gerida de
forma a condicionar a informação que chegava às autoridades coloniais. Assim, a rule of law era
continuamente frustrada por irregularidades. Se estas, por vezes, resultavam de ineficiência ou de
ausência de competências, eram também usadas como estratégias de conservação do poder local e de
criação de obstáculos no caminho das autoridades. No entanto, uma vez que a má fé deliberada
envolvia implicações políticas desconfortáveis, as autoridades preferiam atribuir a situação à
incompetência, à ineficiência e à ignorância. Como afirma a autora, “pode constituir algum conforto
enfatizar competências superiores quando se está a perder o jogo”. Esta frase vai precisamente no
sentido do provérbio acima mencionado: se são os caçadores quem conta a história, teremos apenas a
sua versão vitoriosa.
26Se o direito costumeiro definido pelo Estado pode ser influenciado pelo direito vivo da comunidade, é
evidente que este se manteve relevante na gestão das relações quotidianas, sendo administrado no seio
da família ou de outras instâncias que funcionavam à revelia do Estado. É nesse sentido que aponta
Gardiol van Niekerk (2001: 15) quando, reportando-se ao contexto sul-africano, afirma que raramente
os indígenas suportavam o direito imposto. Ou lhe obedeciam por receito da punição ou o ignoravam,
mantendo sob forma não oficial as suas leis e instituições indígenas. Veja-se o testemunho ilustrativo de
um magistrado sul-africano, que estudou e exerceu como juiz durante o período do Apartheid:
Foi só umas semanas mais tarde que o Prof. Van den Heever veio ensinar-nos o direito bantu, como
parte do direito privado […]. Embora ele tivesse dito que estava a ensinar o direito costumeiro aplicável
na África do Sul, o modo como sublinhou o poder dos homens e o perpétuo estatuto inferior das
mulheres convenceu-me de que não estaria a falar sobre os costumes dos povos africanos, aos quais eu
pertencia, até ele nos ter revelado que estava a referir-se às cláusulas do Acto Administrativo Nativo e
aos julgamentos do Tribunal de Recurso Nativo, que se fundamentavam naquele Acto. […]
Não parecia, de modo nenhum, que estávamos a discutir os nossos próprios costumes, em que a
tomada de decisão era exercida no espírito da solidariedade colectiva baseado no parentesco. O chefe
de família era individualizado como um monstro poderoso que quase vendia as irmãs e as filhas em
troca dos pagamentos do lobolo. (Ndima, 2004: 7)
27Na viragem pós-colonial, não podia haver um direito tradicional puro africano, aceite por todos.
Nunca existiu. Isto não significa que, no momento da independência dos países africanos, a opção tenha
sido sempre desmantelar a estrutura do costumeiro. Mamdani divide os Estados em duas categorias
principais: os estados conservadores e os estados radicais. Os primeiros defendiam a ideia do
costumeiro como a autêntica tradição africana e vieram a reproduzir o legado dual do colonialismo. A
hierarquia do Estado local, dos chefes tradicionais às autoridades nativas, manteve-se tal como no
período colonial. O direito costumeiro continuou a funcionar como parte da tradição e o chefe
permaneceu a autoridade que impunha tal direito. A alternativa ao poder costumeiro foi tentada pelos
regimes de partido único, nos Estados radicais, através do desmantelamento da autoridade costumeira.
A ideia era a mudança e não a continuidade. Em alguns casos, a constelação de direitos costumeiros
definidos etnicamente foi substituída por um único direito costumeiro, que transcendia as fronteiras
étnicas (Mamdani, 1996, 1998).
29Foram essas capacidades que permitiram que as autoridades tradicionais e o direito costumeiro não
fossem necessariamente rejeitados pela população findo o regime que os instrumentalizou. Martin
Chanock (1998) afirma que o facto de o direito costumeiro ter sido continuadamente inventado não
significa que seja ilegítimo. Sally Falk Moore, ainda que admita que os tribunais costumeiros foram um
elo na cadeia de organização do Estado colonial, o vínculo a uma concepção de governo não africana
que os tornou diferentes de tribunais puramente ‘locais’, defende que muitos africanos vieram a
conceber estes tribunais locais coloniais e os seus sucessores pós--coloniais como instituições africanas.
Por isso, mesmo que outras razões não houvesse, eles são-no de facto.
30São vários os autores que partilham desta opinião. T. W. Bennett (1998: 15), por exemplo, defende
que, na África do Sul, os chefes tradicionais continuam a atrair um poder popular considerável,
argumentando que proporcionam uma forma de governo local adaptável, mais próxima do sentimento
da comunidade do que o Estado central. Vários estudos levados a cabo pelo Ministério da Administração
Estatal moçambicano concluíram que, apesar das diferenças de região para região, as autoridades
tradicionais estão presentes ao longo do território nacional e continuam a trabalhar com as
comunidades (Alfane, 1996; Cuahela, 2007). Reportando-se ao mesmo país, Meneses et al. concluem, a
partir do amplo estudo empírico que levaram a cabo, que “as autoridades tradicionais manipulam
alguns aspectos ‘tradicionais’, enquanto marcas legitimadoras’ da sua autoridade, ao mesmo tempo que
utilizam elementos ‘modernos’ – como os partidos políticos – para sedimentar o seu poder” (2003: 417).
31Barbara Oomen (2002), centrando-se no contexto sul-africano, critica a concepção simplista das duas
posições recorrentes: uma que assenta na ideia das comunidades africanas e na legitimidade cultural,
crendo que as pessoas continuam a dever fidelidade às autoridades tradicionais; outra que crê na perda
total da legitimidade dos chefes tradicionais devido ao seu envolvimento com o governo do Apartheid.
Oomen conduziu um estudo em Sekhukhune, na África do Sul e verificou que 80% da população assume
apoiar um líder tradicional. O apoio não é estático, incondicional, mas dinâmico, resultado de um
permanente diálogo entre governantes e governados. O apoio e o recurso à instituição dependem dos
benefícios que os indivíduos lhes reconhecem. As motivações são, em grande medida, individuais: a
mulher que sente que o chefe a pode proteger das ofensas do marido, o trabalhador migrante para
quem ele significa o lar. Assim, se a ideia romântica da idílica sociedade tradicional não é real, também
está longe de ser claro que os chefes tradicionais e o direito que aplicam não sejam reconhecidos como
legítimos (Oomen, 2002). Como afirma R. van Niuwaal, o chefe tem que se actualizar, traduzir as
expectativas correntes, nomeadamente na forma de resolução de conflitos, harmonizando-a com as
mudanças sociais. Enquanto líder tradicional e administrador da justiça, esta questão é de extrema
importância. Se actuar de outra forma, não cumprirá o seu papel e cometerá uma espécie de suicídio
político (R. van Nieuwaal, 1996: 64).
32Do estudo mencionado de Barbara Oomen, resultou ainda que a expressão sul-africana “não pode
haver dois touros no mesmo estábulo”, usada para caracterizar a relação entre as autoridades
tradicionais e os governos locais eleitos, não descreve a realidade. À população não incomoda o
pluralismo institucional. A pluralidade das instâncias de resolução de conflitos permite que os litigantes
façam uma utilização selectiva das mesmas, usufruindo daquilo que vem sendo designado por forum-
shopping. No que diz respeito às funções de resolução de conflitos dos líderes tradicionais, podemos
esperar que tribunais judiciais ou outros tribunais criados pelo Estado possam conviver, em situações de
maior ou menor rivalidade, com os líderes tradicionais.
33Não será apenas entre si que Estado e chefes tradicionais partilham o papel de resolução de conflitos.
Como afirma Der Waal (2006: 248), “ainda que a atenção dos estudos sobre direito costumeiro recaia
normalmente sobre os mecanismos formais, existe um conjunto de mecanismos informais de resolução
de litígios que devem ser tidos em conta se se pretende obter uma imagem global de uma realidade
fluida e complexa”. Paula Meneses (2005), referindo-se ao contexto moçambicano, afirma que muitos
estudos tendem a enfatizar o papel das autoridades tradicionais, esquecendo o vasto leque de
autoridades legítimas nas comunidades, como é o caso dos médicos tradicionais. Um trabalho de
investigação sobre as várias justiças que actuam em Moçambique deu conta de uma multiplicidade de
instâncias variadas que, em meios urbanos e rurais, resolvem conflitos (Santos e Trindade, 2003).
Reportando-se à África do Sul, Nierkerk (1998) faz referência à aplicação do “direito vivo indígena”, quer
por instituições oficiais, quer por instituições não oficiais, que têm vindo a surgir nas áreas
metropolitanas. Efectivamente, a maior ou menor legitimidade auferida pelas autoridades tradicionais
não impede a criação, a partir da comunidade, de outras formas de resolução de litígios, que assumem
configurações diversas e resolvem conflitos com base num “direito vivo”, negociado e em constante
mutação.
34A grande crítica apontada aos defensores do pluralismo jurídico em África é a de romantizarem o
passado, ignorando que este foi marcado pela deturpação e a cristalização das normas por parte dos
colonizadores e que o pluralismo jurídico criou e continua a criar duas formas de cidadania: uma de
primeira classe, outra de segunda classe (Mamdani, 1996). No entanto, a pluralidade jurídica africana é
mais do que uma ficção inventada pelo Estado colonial. Como sugere Boaventura de Sousa Santos
(2006), é necessário olhar o subalterno dentro e fora da sua posição de subalternidade. Analisar as
instâncias comunitárias de resolução de justiça apenas a partir do que o colonialismo reconheceu, criou
e subordinou, negando toda a pluralidade jurídica e a interlegalidade que estão para além disso, reflecte
uma posição eurocêntrica.
35Como argumenta Joanna Stevens (2001: 5), talvez devêssemos preocupar-nos menos com a
romantização do passado africano, que afinal foi reconfigurado pelos colonizadores, do que com a
romantização das instituições jurídicas que hoje são importadas do Ocidente. Issa Shivji argumenta que
as noções de direito costumeiro envolvidas numa imagem de consenso e harmonia social idílica, embora
exageradas, podem estar ainda próximas da verdade. Para o autor, isso é certamente verdade quando
contrastadas com as noções de direito e justiça ocidentais (2000). Na pluralidade, podemos encontrar
modelos alternativos à justiça e ao direito de inspiração neoliberal que se mostrem não só mais
adequados a determinados contextos culturais, mas também permitam uma referência à criação de
modelos mais democráticos de justiça em todo o mundo.
37Der Waal (2006) aduz um argumento fundamental. Segundo o autor, o direito costumeiro e os
tribunais que o administram não assentam tanto em normas e tradições, mas, antes de mais, em formas
de adjudicação comunitárias. Os tribunais costumeiros, afirma, mais do que impor normas, procuram
soluções. O direito costumeiro e as suas instituições podem albergar contradições e fluidez. A
pluralidade do direito costumeiro não é apenas uma questão de diferentes sistemas, mas também de
pluralidade no interior dos sistemas. Assim, conclui, o direito costumeiro é um sistema não dispendioso,
de adjudicação e arbitragem socialmente sensíveis, dirigido às populações pobres e rurais, que vem
envolvido num discurso sobre a tradição e o patriarcado. Para ser entendido, é necessário analisar a
forma como actua, isto é, o direito em acção.
38Apesar das vantagens, as justiças tradicionais e as restantes justiças comunitárias têm sido
confrontadas com críticas, que tendem a dar voz ao argumento de constituírem uma justiça de segunda.
Wilfried Schärf (2003) chama a atenção para a necessidade de não se pintar em tons demasiado rosa o
quadro das justiças comunitárias, referindo-se às justiças tradicionais como uma realidade dura, que
proporciona uma justiça dura. Grande parte das críticas prende-se com os direitos das mulheres.
Muitos/as académicos/as e activistas acusam os direitos tradicionais africanos de serem patriarcais e
tenderem a reproduzir a posição subalterna das mulheres. Este é, sem dúvida, um debate complexo,
cuja resposta passa por encontrar o complicado equilíbrio entre o direito à igualdade e o direito à
diferença. Existem diferentes estudos sobre a questão. Alguns apresentam conclusões optimistas e
acreditam na capacidade de transformação das instâncias comunitárias e no poder de negociação da
mulher no interior das mesmas (Griffiths, 1997; Hirsch, 1998), outros são menos confiantes no papel das
instâncias comunitárias estudadas (Khadiagala, 2001).
39Como defendem Pedroso et al. ao referirem-se à justiça informal ou alternativa dos países do Norte,
as críticas não são suficientes para desacreditar formas de justiça diferenciadas, mas devem manter-nos
vigilantes (Pedroso et al., 2002: 38-49). E a vigilância só pode ser feita recorrendo ao conhecimento das
formas de actuação locais e não a generalizações, isto é, contribuindo para o conhecimento da
diversidade e não para o desconhecimento e a desvalorização de outras práticas que não as
hegemónicas. Avançar nesta discussão passa pela elaboração de estudos contextualizados, e não
meramente teóricos, que analisem o caminho traçado pelos homens e pelas mulheres na matriz das
conjugações normativas e das várias instâncias comunitárias de resolução de conflitos que têm ao seu
dispor, e passa também por perceber se na pluralidade jurídica e na interlegalidade encontramos pelo
menos parte da resposta a um dos grandes desafios dos países democráticos: a promoção do acesso à
justiça de todos e de todas. Se, como afirma Boaventura de Sousa Santos, “não há nada de
intrinsecamente bom, progressista e emancipatório no pluralismo jurídico” (2002: 89), o pluralismo
jurídico é um campo de estudo privilegiado para a sociologia das ausências e das emergências que o
autor propõe contra o desperdício da experiência. Esta proposta parte da ideia que “o que não existe é,
na verdade, activamente produzido como não existente, isto é, como uma alternativa não credível ao
que existe” e visa conhecer e credibilizar a diversidade das práticas sociais existentes no mundo, frente
às práticas hegemónicas concebidas como únicas ou como únicas credíveis (Santos, 2006).
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NOTAS
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Sara Araújo, «Pluralismo jurídico em África: Ficção ou realidade?», Revista Crítica de Ciências Sociais, 83
| 2008, 121-139.
Referência eletrónica
Sara Araújo, «Pluralismo jurídico em África: Ficção ou realidade?», Revista Crítica de Ciências Sociais
[Online], 83 | 2008, publicado a 01 dezembro 2012, consultado a 08 maio 2022. URL:
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Invisibilities in War and Peace: Violence against women in Guinea-Bissau, Mozambique and Angola
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