Direito Africano

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Índice

Introdução.......................................................................................................................................................................2
Justificativa.....................................................................................................................................................................2
Delimitação do tema.......................................................................................................................................................2
Objectivos.......................................................................................................................................................................2
Objectivo Geral...............................................................................................................................................................2
Objectivos específicos.....................................................................................................................................................2
Metodologia Usada.........................................................................................................................................................2
1. Contextualização.....................................................................................................................................................3
2. Sistema Jurídico Africano.......................................................................................................................................3
3. Formação dos Sistemas Jurídicos Africanos...........................................................................................................4
4. Pluralismo Jurídico Africano..................................................................................................................................8
4.1. As formas de coexistência dos sistemas legais..................................................................................................11
Conclusão.............................................................................................................................................................13
Referencias Bibliográficas..................................................................................................................................15
Introdução
O presente trabalho tem como tema “ Sistema Jurídico de Matriz Africana” que visa estudar e
compreender o sistema jurídico africano, trazendo a sua essência, características gerais e o
pluralismo jurídico que existem na comunidade africana. A relevância deste estudo assenta-se na
ideia de busca de uma sociedade democrática em África, que valorize os direitos fundamentais
dos cidadãos e do Estado de Direito.

Justificativa
Justifica-se o estudo deste tema porque ajuda a compreender a composição do sistema jurídico
africano numa diversidade de ordens normativas existente no continente africano e serve de fonte
para estudo posteriores referentes ao tema.

Delimitação do tema
Sistema Jurídico é uma conjuntura de normas de normas jurídica que compõem a estrutura

Objectivos

Objectivo Geral
Abordar sobre o Sistema Jurídico de Matriz Africana

Objectivos específicos
 Contextualização;
 Sistema Jurídico Africano;
 Formação dos sistemas jurídicos africanos;
 Pluralismo Jurídico Africano;
 As formas de coexistência de sistemas legais.

Metodologia Usada
Para a realização do presente trabalho recorre a análise da bibliografia relevante realizando uma
pesquisa bibliográfica que consistiu na recolha de materiais e informações em livros e manuais
referente ao tema.
1. Contextualização
O direito africano, da mesma forma que ocorreu com o direito internacional, não foi aceito
inicialmente como direito. E tal como este, tratava-se de um direito cujas fontes era
predominantemente de origem costumeira. Uma visão extremamente legalista e positivista não
podia, de facto, admitir um direito cuja a fonte não fosse estatal, predominantemente escrita, e
materializada sob a forma de leis.
Comentando sobre as opiniões de Pritchard e Timachef, ambos negadores da possibilidade de um
direito africano, Gonidec1 explica que os ocidentais tem uma tendência natural de aplicar seus
próprios conceitos as sociedades africanas, conceitos esses formados a partir de estruturas
socioeconómicas e experiencias inteiramente diversas das dos africanos. E recordando a
recomendação de Gurvitch, de se evitar qualquer tomada de posição filosófica e dogmatizada de
uma situação particular do direito (considerado como facto social), explicava o erro ou equivoco
daqueles autores como decorrente da ligação da noção de direito (sempre) a ideia de Estado
soberano, dado que, no seu parecer, o Estado não seria mais do que uma entre tantas outras
formas de sociedade política, uma das mais integradas, mas de qualquer forma uma a mais, o que
o reduziria a uma (mera) espécie dentro de um género.

2. Sistema Jurídico Africano


Africa é um continente africano de pluralismo jurídico. Nele coexistem diferentes normas
consuetudinárias com o direito estatal2. Este direito nem sempre é importante na gestão de
conflitos.
De uma maneira geral, o cidadão comum que corresponde a maior parte da população africana,
recorre a mecanismos tradicionais (tribunais comunitários, autoridades tradicionais, líderes
religiosos, régulos etc.) de resolução de litígios, isso deve-se, por um lado, a natureza
fragmentada por varias etnias e culturas dos países africanos, a distância cultural dos sistemas
judiciais impostos pela colonização europeia e os cidadãos e a grande diversidade linguística da
população. Por outro lado, o mundo contemporâneo vive a crise do Direito dogmático, havendo
insuficiência e a inércia estatal que transformam em ficção a pretensão de monopólio das normas
jurídicas do Estado.
1
GONIDEC, P. F. Les droits africains. Evolution et sources. Paris : Librairie General de Droit et Jurisprudence,
1976, p. 6. Sobre PRITCHARD e TIMACHEF, as obras que citou foram, respectivamente, The Nuer (Londres,
OUP, 1940, p. 162) e Indroduction a la sociologie juridique (Pedone, 1939).
2
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão da Alice: O Social e o Político – Pós Modernidade 9 Edição, São Paulo:
Cortez, 2003, pág. 175.
O Estado se sente impossibilitado de monopolizar a feitura das normas jurídicas e não consegue
fazer prevalecer as suas fontes. Pelo contrário, diversas outras fontes e até sistemas étnicos se
apresentam evadindo a esfera estatal, e as vezes, se sobrepondo a ela, criando conflitos não
previsto no ordenamento estatal. Consequentemente, aparecem novas esferas normativas,
paralelas ao direito do Estado, dando origem ao chamado pluralismo jurídico.
A plurietnicidade esta na base da constituição de ordenamentos jurídicos plurissignificativos em
quase todos Estados Africanos.
É preciso reconhecer que o Direito não se limita mais a dizer como funciona as relações
jurídicas, ao contrário, inclui, um vasto número de possibilidades para os próprios sujeitos
sociais dizerem qual será o Direito ou os direitos a regular as relações jurídicas.
O Direito pós moderno já não se pode mais evitar a reintegração da dimensão social, pois os
grupos sociais estão direccionados seus empenhos da construção norma ou, pelo menos,
assegurando a sua aplicação. Este desenvolvimento, que coloca em crise a ideia de um Direito
Uniforme Universal comum a todos homens, corresponde a base filosófica da ideia pós moderna,
a qual favorece e protege mais as pessoas nas suas manifestações externas, isto é, no âmbito da
sociedade.
É assim que o pluralismo jurídico hoje esta a ser introduzido paulatinamente nos sistemas
jurídicos novos Estados Africanos. A importância da discussão sobre o pluralismo jurídico como
paradigma normativo do direito moçambicano é plenamente justificada, porquanto o modelo
jurídico estatal vigente no pais nunca desempenhou a sua função primordial, qual seja de
recuperar os conflitos do sistema institucionalmente, dando-lhe respostas que lhe restaurem a
estabilidade da ordem estabelecida, na medida em que o modelo instituído se apresenta
insuficiente e inadequado para dar conta das suas funções. Pelo contrário, os mecanismos
extrajudiciais e informais de resolução de conflitos, mas concretamente os Tribunais
comunitários, autoridades tradicionais, líderes religiosos, liga dos direitos humanos tem
desempenhado um papel relevante na gestão de conflitos no nível das comunidades, quer da zona
rural, quer na zona urbana.

3. Formação dos Sistemas Jurídicos Africanos


Por ser o berço da humanidade, África conheceu primeiros sistemas jurídicos autóctones, de
fonte consuetudinária e tradição oral, que ainda se fazem presentes nos dias de hoje. As regras
que integram os Direito africanos, são uma componente significativa de atuais Direitos africanos,
coexistindo com outras ordens normativas. Estão presentes principalmente nas comunidades
rurais, por conseguinte, são entidades produtoras de normas jurídicas pré ou extraestaduais. Têm
como principal fonte o costume. Para estes povos o costume, está ligado com ordem míticas, e
aquele que se atrever a desrespeitar sofrerá punição através de forças naturais ou sobrenaturais.
Têm grande temor pelas forças sobrenaturais, tornando um mecanismo suficiente para impor
observância dos modos tradicionais de vida. O Direito muçulmano Com a ocupação do Norte de
África pelos povos árabes, nos séculos VII e VII, o Direito muçulmano passou a fazer parte das
comunidades convertidas ao Islão, principalmente, no Magrebe, em que as tribos berberes
mantiveram grande parte dos seus costumes. Tendo como consequência, a expansão para o Sul
de África, como por exemplo, no Senegal, na Guiné, na Nigéria (onde está concentrada a maior
parte da comunidade muçulmana africana), no Sudão, no Quénia. Contudo, o Direito
muçulmano, vigora em dezenas de países africanos, embora com diferentes graus de
implementação, conjugando elementos de outras famílias jurídicas e de Direito tradicional de
fonte costumeira. Os sistemas jurídicos coloniais, a colonização europeia dos territórios
africanos, veio interferir com os Direitos tradicionais e ao Direito muçulmano, a partir do século
XVII, nomeadamente as potências coloniais com os sistemas jurídico francês, português, inglês e
romano-holandês. A França, os Países-Baixos e Portugal, optaram pelo princípio de assimilação
das populações africanas, que consistia em tornar o africano em europeu, defendendo os
princípios de histórias das nações colonizadoras, significando, que teria de existir uma
transformação no Direito consuetudinário, assim como, nas culturas locais.
Destas transferências culturais, houve a repartição da África subsariana por três grupos: •
 Os de matriz romano-germânica, nos quais se incluem os Direitos dos Países lusófonos e
francófonos;
 Os de Common Law, que correspondem grosso modo aos Direitos das antigas possessões
inglesas;
 Os sistemas híbridos, entre os quais sobressai o da África do Sul, em que se conjugam o
Direito Romano-Holandês e o Common Law inglês.
O direito tradicional não deixou de vigorar, se manteve aplicável durante o período
colonial O Direito posterior às independências nacionais Apesar de algumas colónias
obterem a independência nos anos 50, 60 e 70, o Direito das potências colonizadoras não
foram erradicados, foram acompanhadas de uma recepção material desse Direito, no
estado em que se encontrava ao tempo daqueles eventos e na medida em que não fosse
contrário às Constituições e às restantes leis dos novos países.
Assim aconteceu, em Angola, de acordo com o art.º 165 da Lei Constitucional de 1992;
em Cabo Verde, de acordo com o art. 288 da Constituição, na Guiné-Bissau, de acordo
com o art.º1 da Lei nº 1/73, de 27 de Setembro de 1973; em Moçambique, em virtude do
art.º 305 da Constituição. Esse Direito mantém-se em vigor em boa parte destes países,
como por exemplo o Código Civil português de 1966, é hoje o Código civil desses países,
com algumas alterações como, as disposições relativas ao Direito da Família, substituídas
por legislação local.
Por outro lado, formou-se, nos novos países africanos Direito autónomo de fonte
legislativa, com importância na introdução das reformas políticas, económicas e sociais.
Tendências unificadoras em África registam-se várias iniciativas tendo em vista a
harmonização e a unificação das legislações nacionais no quadro de organizações de
integração regional.
Sobressaem entre elas, o impacto que têm no Direito Privado dos respectivos Estados
membros, as que foram promovidas pela Organização para a Harmonização do Direito
dos Negócios em África (OHADA) constituída pelo Tratado celebrado em Port- Louis
(Maurícias), a 17 de Outubro de 1993 e revisto no Quebeque em 17 de Outubro de 2008.
Embora na Europa e na América tenham, tendências africanas, tais iniciativas não deixam
se suscitar complexas questões num continente cujas populações apresentam uma
diversidade étnica e cultural muito acentuada e cujos sistemas jurídicos relevam de
tradições fortemente diferenciadas.
A Diversidade dos Sistemas Jurídicos Africanos em África, na idade média, surgiram
grandes impérios que contribuíram no crescimento das suas civilizações. Apesar das
inúmeras batalhas com o objectivo de dominar certos territórios, Não deixaram de ter um
impacto significativo para o seu desenvolvimento. São eles, o Império do Egipto, do
Gana, de Monomotapa, da Etiópia e do Mali.
O continente africano sempre se diferenciou dos demais pela sua multiplicidade de etnias,
culturas, línguas e até mesmo de religiões.
Após a retirada das potências coloniais, verificou-se uma grande desintegração política
no que respeita a partilha do território, isto é, a distribuição geográfica das populações,
foram estipulados pelos colonizadores e separaram os povos da mesma característica
histórico-cultural e agruparam etnias rivais.
Em 1945, existiam apenas 3 países independentes, que eram o Egipto, a Libéria e a
Etiópia, e o continente esta actualmente fragmentado em 53 países independentes. Após
as independências dos Estados, surgiu um movimento que carrega uma nova ideologia
denominada Pan-africanismo, que tem o objectivo de unificar os países africanos na luta
contra o preconceito racial e os problemas sociopolíticos. Nesta senda, foi então que em
1963 criou- se uma Organização de Unidade Africana a fim de elaborar-se uma a
estruturação social do continente por meio de uma mudança étnica na África.
Simultaneamente, em 2002 ocorreu a União Africana que vai de encontro com a mesma
visão.
Existe muita diversidade nos sistemas jurídicos africanos actuais, entre as quais, constata-
se uma pluralidade de influências externas que se fizeram sentir nos mesmos. No que
concerne  diversidade religiosa, o islamismo entrou no continente a partir da África do
Norte, como no Egipto e na Líbia, que contribuíram significativamente para o surgimento
dos grandes reinos na África Ocidental. O Direito muçulmano vigora também nos países
do Magrebe, na região Oriental e Ocidental. Pese embora nesses países vigorar o Direito
muçulmano, as suas interpretações são diferentes.
No Magrebe, este direito dominante a escola maliquita, a xafita precede na África
Ocidental. O que diferencia o Direito muçulmano nestes países são as fontes do Corão. A
África do Sul, diferencia-se destas devido ao seu sistema jurídico híbrido, por efeito das
tradições jurídicas romano-holandesa e simultaneamente a inglesa. Já as regras do Direito
Francês e o Common Law vigoram nas Ilhas Maurícia e nos Camarões, apresentam
também os sistemas híbridos.
Existem em África, também vigente o Direito Inglês, o Direito Francês e o Direito
Português. Destaca-se a Libéria por apresentar um sistema jurídico baseado no Direito
norte-americano, oriundo de antigos escravos dos Estados Unidos. Com base nesta
diversidade, observa-se ainda a variedade das fontes de Direito.
Constata-se uma base consuetudinária já existente muito antes do domínio externo, as
quais encontramos nas sociedades tradicionais. Verifica-se também o Direito Islâmico
que é acolhido pelas comunidades religiosas.
O direito legislado foi também adoptado pelos povos que j viviam a sua autonomia e
independência. Claramente o Direito inglês e sistemas jurídicos híbridos, vinculam por
fora do princípio Stare Decisis. Podemos observar também um Direito uniforme ou
Harmonizado proveniente de organizações supranacionais.
Verifica-se também em vigência no ponto de vista dualista, o Direito estadual (aplica-se as
comunidades urbanas) e o Direito tradicional (aplica-se as comunidades tradicionais). O que as
diferencia uma da outra, que a primeira é uma expressão escrita.

4. Pluralismo Jurídico Africano


Uma segunda ordem de razões para preferir a interdisciplinaridade no que ao estudo dos Direitos
africanos diz respeito, prende-se com um dos traços dos pluralismos jurídicos e jurisdicionais
que acabei de por em evidencia.
Segundo o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, o pluralismo jurídico, acontece sempre que
“no mesmo espaço geológico, vigora (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica. Esta
pluralidade normativa pode ter uma fundamentação económica, rácica, profissional ou outra,
pode corresponder a um período de ruptura social, por exemplo, um período de transformação
revolucionaria ou, ainda resultar da confirmação específica de conflitos de classe numa área
determinada da reprodução social.
Para o professor Boaventura de Sousa Santos o surgimento do pluralismo jurídico reside em duas
situações concretas, com seus possíveis desdobramentos históricos: a) Origem colonial e b)
Origem não colonial.
No primeiro caso, o pluralismo se desenvolve em países que foram dominados económica e
politicamente, sendo obrigados a obedecer padrões jurídicos da metrópoles (colonialismo inglês,
português, entre outros). Com isso, impõem forçosamente uma unificação a administração da
colónia, possibilitando a coexistência, no mesmo espaço, do direito do Estado colonizador e dos
direitos tradicionais autónomas.
A viragem pós-colonial, não podia haver um direito tradicional puro africano, aceite por todos.
Nunca existiu. Isto não significa que, no momento da independência dos países africanos, a
opção tenha sido sempre desmantelar a estrutura do costumeiro. Mamdani divide os Estados em
duas categorias principais: os estados conservadores e os estados radicais. Os primeiros
defendiam a ideia do costumeiro como a autêntica tradição africana e vieram a reproduzir o
legado dual do colonialismo. A hierarquia do Estado local, dos chefes tradicionais às autoridades
nativas, manteve-se tal como no período colonial. O direito costumeiro continuou a funcionar
como parte da tradição e o chefe permaneceu a autoridade que impunha tal direito. A alternativa
ao poder costumeiro foi tentada pelos regimes de partido único, nos Estados radicais, através do
desmantelamento da autoridade costumeira. A ideia era a mudança e não a continuidade. Em
alguns casos, a constelação de direitos costumeiros definidos etnicamente foi substituída por um
único direito costumeiro, que transcendia as fronteiras étnicas (Mamdani, 1996, 1998).
Mesmo em países que, no pós-independência, rejeitaram as autoridades tradicionais, os recentes
processos de democratização e construção de economias neoliberais têm sido acompanhados por
processos de descentralização, apoiados pelo Banco Mundial, no âmbito dos quais ressurge a
discussão do papel a atribuir às autoridades tradicionais como intermediárias entre o Estado e o
cidadão. Se, à primeira vista, o padrão de transferência de poder associado à chefia tradicional
aparenta ser um anacronismo, a verdade é que os chefes tradicionais têm vindo a identificar
novos espaços nos actuais cenários políticos e desempenham, no campo da resolução de
conflitos, um papel importante (R. van Nieuwaal, 1996: 40). As autoridades tradicionais
possuem uma capacidade de adaptação às mudanças sociopolíticas que lhe permite manterem-se
vivas. São como, afirma R. van Nieuwaal (1996), “elásticas”, ou, como mostra André C. José,
“ardilosas”, na medida em que detêm um poder e uma habilidade política que lhes permite
responder às imposições do Estado ou de entidades públicas e privadas, acatando selectivamente
compromissos, e manter a legitimidade junto das comunidades (José, 2005).
A grande crítica apontada aos defensores do pluralismo jurídico em África é a de romantizarem o
passado, ignorando que este foi marcado pela deturpação e a cristalização das normas por parte
dos colonizadores e que o pluralismo jurídico criou e continua a criar duas formas de cidadania:
uma de primeira classe, outra de segunda classe (Mamdani, 1996). No entanto, a pluralidade
jurídica africana é mais do que uma ficção inventada pelo Estado colonial. Como sugere
Boaventura de Sousa Santos (2006), é necessário olhar o subalterno dentro e fora da sua posição
de subalternidade. Analisar as instâncias comunitárias de resolução de justiça apenas a partir do
que o colonialismo reconheceu, criou e subordinou, negando toda a pluralidade jurídica e a
interlegalidade que estão para além disso, reflecte uma posição eurocêntrica.
Como argumenta Joanna Stevens (2001: 5), talvez devêssemos preocupar-nos menos com a
romantização do passado africano, que afinal foi reconfigurado pelos colonizadores, do que com
a romantização das instituições jurídicas que hoje são importadas do Ocidente. Issa Shivji
argumenta que as noções de direito costumeiro envolvido numa imagem de consenso e harmonia
social idílica, embora exageradas, podem estar ainda próximas da verdade. Para o autor, isso é
certamente verdade quando contrastadas com as noções de direito e justiça ocidentais (2000). Na
pluralidade, podemos encontrar modelos alternativos à justiça e ao direito de inspiração
neoliberal que se mostrem não só mais adequados a determinados contextos culturais, mas
também permitam uma referência à criação de modelos mais democráticos de justiça em todo o
mundo.
Conceber, à partida, as justiças comunitárias como “justiça de segunda” carrega consigo o
preconceito de uma hierarquização na qual a justiça de cariz ocidental assume sempre uma
posição de superioridade. Mesmo nos países do Norte, essa visão é hoje posta em causa
(Pedroso, 2002; Bonafé-Schmitt, 1992). Os estudos que têm vindo a ser realizados em África dão
conta de formas de justiça muito diversificadas: algumas são próximas das instâncias e dos
antigos chefes tradicionais, outras constituem realidades novas surgidas a partir da comunidade,
com ou sem impulso do Estado. São múltiplos os benefícios atribuídos às justiças comunitárias
no tocante à promoção do acesso à justiça. Eles passam pela proximidade cultural e geográfica;
pelos menores custos impostos aos litigantes; pela utilização de formas de resolução de conflitos
assentes na conciliação, mediação ou arbitragem; pela utilização das línguas locais; e pela
libertação dos tribunais judiciais de muitos processos (Bennett, 1998; Santos e Trindade, 2003;
Hinz, 2006; Waal, 2006).
Der Waal (2006) aduz um argumento fundamental. Segundo o autor, o direito costumeiro e os
tribunais que o administram não assentam tanto em normas e tradições, mas, antes de mais, em
formas de adjudicação comunitárias. Os tribunais costumeiros, afirma, mais do que impor
normas, procuram soluções. O direito costumeiro e as suas instituições podem albergar
contradições e fluidez. A pluralidade do direito costumeiro não é apenas uma questão de
diferentes sistemas, mas também de pluralidade no interior dos sistemas. Assim, conclui, o
direito costumeiro é um sistema não dispendioso, de adjudicação e arbitragem socialmente
sensíveis, dirigido às populações pobres e rurais, que vem envolvido num discurso sobre a
tradição e o patriarcado. Para ser entendido, é necessário analisar a forma como actua, isto é, o
direito em acção.
Apesar das vantagens, as justiças tradicionais e as restantes justiças comunitárias têm sido
confrontadas com críticas, que tendem a dar voz ao argumento de constituírem uma justiça de
segunda. Wilfried Schärf (2003) chama a atenção para a necessidade de não se pintar em tons
demasiado rosa o quadro das justiças comunitárias, referindo-se às justiças tradicionais como
uma realidade dura, que proporciona uma justiça dura. Grande parte das críticas prende-se com
os direitos das mulheres. Muitos/as académicos/as e activistas acusam os direitos tradicionais
africanos de serem patriarcais e tenderem a reproduzir a posição subalterna das mulheres. Este é,
sem dúvida, um debate complexo, cuja resposta passa por encontrar o complicado equilíbrio
entre o direito à igualdade e o direito à diferença. Existem diferentes estudos sobre a questão.
Alguns apresentam conclusões optimistas e acreditam na capacidade de transformação das
instâncias comunitárias e no poder de negociação da mulher no interior das mesmas (Griffiths,
1997; Hirsch, 1998), outros são menos confiantes no papel das instâncias comunitárias estudadas
(Khadiagala, 2001).

4.1. As formas de coexistência dos sistemas legais


De acordo com Marc Galanter, as sociedades “contêm diversas esferas ou sectores parcialmente
auto-regulados, com diferentes níveis de independência face ao Estado, organizados ao longo de
linhas espaciais, étnicas, familiares ou transnacionais variando desde grupos em que as relações
são directas e imediatas e dispersas, até grupos cujas regulações são indirectas, mediadas e
especializadas” (Galanter, 1981: 20). Quer isto dizer que as ordens legais coexistentes estão
constantemente numa relação dinâmica entre si (Vanderlinden, 1989: 151). Essa relação poderá
ser de diversa índole: articulação e colaboração, constituição mútua, ou conflito e concorrência.
Poderá significar também que existem diferentes regras ou mecanismos que se podem aplicar a
uma mesma situação, uma vez que as situações sociais específicas são relativas e que a
“formulação abstracta de uma ordem ideal em conformidade com as intenções do legislador”
nem sempre corresponde ao problema que o indivíduo tem para resolver (Vanderlinden, 1989:
155-156). Poderá significar ainda que existem vários sistemas que podem ser aplicados a várias
situações, bem como muitos tipos diferentes de interrelações e práticas sociais com diferentes
resultados e diferentes consequências. Em suma, no que toca à coexistência dos sistemas legais,
dificilmente se conseguirá encontrar um modelo analítico que funcione como padrão, pois
mesmo numa interacção de pequena escala é possível encontrar uma grande variação:
“participantes” e “decisores” podem mobilizar diferentes “repertórios legais” uns contra os
outros, podem acumular elementos de diferentes sistemas, ou combinar formas híbridas (Benda-
Beckmann, 2002: 69).
Começando pelas relações de conflito e concorrência, a generalidade da literatura considera que,
nestes casos, a coexistência de normas provenientes de diferentes fontes é frequentemente
problemática, pois como cada ordem jurídica tem a pretensão de ser totalitária e hegemónica,
verifica-se assim uma maior propensão para a competição entre elas (Vanderlinden, 1989: 153),
apesar de isso não implicar necessariamente um conflito, e de até poder ser negociado
pacificamente (Benda-Beckmann, 1997: 5). A extensão destes conflitos depende igualmente da
forma como ocorrem as interferências políticas e institucionais das diferentes ordens jurídicas no
âmbito umas das outras, pois estas, ao coexistir, acabam por comunicar frequentemente entre si.
Ao analisar o nível de interferência política e institucional entre sistemas legais coexistentes,
Gonçalo A. Ribeiro concluiu que se podem verificar três tipos de situações: a ausência de
interferência propícia a ausência de conflito; a interferência regulada conduz igualmente à
ausência de conflito, devido ao respeito pelos limites de autoridade de cada uma; e, finalmente, a
total ausência.
Conclusão
Do exposto resulta que o direito africano, da mesma forma que ocorreu com o direito
internacional, não foi aceito inicialmente como direito. E tal como este, tratava-se de um direito
cujas fontes era predominantemente de origem costumeira. Uma visão extremamente legalista e
positivista não podia, de facto, admitir um direito cuja a fonte não fosse estatal,
predominantemente escrita, e materializada sob a forma de leis.
Comentando sobre as opiniões de Pritchard e Timachef, ambos negadores da possibilidade de um
direito africano, Gonidec explica que os ocidentais tem uma tendência natural de aplicar seus
próprios conceitos as sociedades africanas, conceitos esses formados a partir de estruturas
socioeconómicas e experiencias inteiramente diversas das dos africanos. E recordando a
recomendação de Gurvitch, de se evitar qualquer tomada de posição filosófica e dogmatizada de
uma situação particular do direito (considerado como facto social), explicava o erro ou equivoco
daqueles autores como decorrente da ligação da noção de direito (sempre) a ideia de Estado
soberano, dado que, no seu parecer, o Estado não seria mais do que uma entre tantas outras
formas de sociedade política, uma das mais integradas, mas de qualquer forma uma a mais, o que
o reduziria a uma (mera) espécie dentro de um género.
África é um continente africano de pluralismo jurídico. Nele coexistem diferentes normas
consuetudinárias com o direito estatal. Este direito nem sempre é importante na gestão de
conflitos.
De uma maneira geral, o cidadão comum que corresponde a maior parte da população africana,
recorre a mecanismos tradicionais (tribunais comunitários, autoridades tradicionais, líderes
religiosos, régulos etc.) de resolução de litígios, isso deve-se, por um lado, a natureza
fragmentada por varias etnias e culturas dos países africanos, a distância cultural dos sistemas
judiciais impostos pela colonização europeia e os cidadãos e a grande diversidade linguística da
população. Por outro lado, o mundo contemporâneo vive a crise do Direito dogmático, havendo
insuficiência e a inércia estatal que transformam em ficção a pretensão de monopólio das normas
jurídicas do Estado.
O Estado se sente impossibilitado de monopolizar a feitura das normas jurídicas e não consegue
fazer prevalecer as suas fontes. Pelo contrário, diversas outras fontes e até sistemas étnicos se
apresentam evadindo a esfera estatal, e as vezes, se sobrepondo a ela, criando conflitos não
previsto no ordenamento estatal. Consequentemente, aparecem novas esferas normativas,
paralelas ao direito do Estado, dando origem ao chamado pluralismo jurídico.
A plurietnicidade esta na base da constituição de ordenamentos jurídicos plurissignificativos em
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