Nacionalismo Africano PDF
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O NACIONALISMO AFRICANO
NO CAMINHO PARA A
DEMOCRACIA: A TRANSIÇÃO
DO PODER COLONIAL PARA O
PARTIDO ÚNICO NOS PALOP
Fernando de Sousa Jr.
Resumo
Este texto efetua uma breve análise1 ao poder colonial português estabelecido na
“África Portuguesa”. O surgimento e a disseminação da ideologia do Nacionalismo
Africano pelo continente são também descritos, enquadrando a apropriação daqueles
ideais pelas elites nativas. É ainda enunciada a forma como os valores culturais das
elites foram harmonizados com as aspirações das massas, dinamizando movimentos de
oposição ao poder “metropolitano”. Procurar-se-á ainda analisar a ideologia que
conduziu à luta de libertação e às Independências face ao poder de Partido Único que
lhe sucedeu.
1
Tem-se a consciência de que os temas aqui propostos (Poder Colonial, Nacionalismo Africano, Partido
Único) têm uma profundidade e uma vastidão que carecem de uma apreciação muito mais alargada que
não cabem neste trabalho.
com o apoio
WP 119 / 2013
O AUTOR
2
Entende-se polis fundamentalmente como Cidade-Estado (apesar de também poder ser considerada
como Cidade-Igreja), ou seja o conjunto geo-histórico onde a comunidade organizada, formada por
cidadãos livres e “iguais”, exercia a política, através de um governo
(V. http://maltez.info/aaanetnovabiografia/Conceitos/cidadeestado.htm,
http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3lis e http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade-Estado).
3
V. http://maltez.info/aaanetnovabiografia/.
4
Salienta-se que na Europa os escravos eram pessoas sem direitos, podendo ser compradas e vendidas.
Mas ao contrário do que aconteceu com os escravos africanos levados nas rotas do comércio
transatlântico, de acordo com o seu desempenho poderiam vir a ascender a lugares de autoridade no seio
das famílias dos seus amos e mesmo a reaverem a sua liberdade (V. Davidson, 1981: 178-179).
5
V. http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/guerras/cadeir~2/as_degenerescencias_do_poder.htm .
6
V. http://maltez.info/biografia/laski.pdf .
7
Idem.
8
V. http://maltez.info/aaanetnovabiografia/Conceitos/Sistemas%20politicos%20modernos.htm .
Com base neste enquadramento onde a política se assume como um fator preponderante
na comunidade de determinado Estado, interessa perceber qual o caminho percorrido
pelos movimentos africanos no trajeto que se situou entre a autoridade e a liberdade, a
democracia e a tirania, dando lugar a novas ideologias como seja o nacionalismo.
Ao longo de vários séculos Portugal manteve uma relação estreita com diversos povos,
em particular, com os africanos13. Com o início da expansão marítima portuguesa
ocorrida durante o século XV foram-se estreitando os laços.
13
A Índia, o Brasil e África constituíram o “Primeiro Império”, “Segundo Império” e “Terceiro Império”
português, respetivamente (Sousa Lara, 2000: 61-111).
14
O Prof. Adriano Moreira afirmou que, apesar de o Brasil estar afastado de Portugal desde o início do
Séc. XIX, tal facto não representava “… o abandono (…) da tradição ecuménica e colonizadora
portuguesa” (Moreira, 1967:410).
Para Silva Cunha, os territórios situados na África Negra que estavam sobre a soberania
de Portugal eram: a Guiné, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, S. João Baptista de
Ajudá15, Angola e Moçambique (Silva Cunha, 1961: 54-55).
No que respeita às possessões portuguesas tendo por referência o período da ocupação
efetiva, verificada no último quartel do século XIX, pode dizer-se que tanto as ilhas
atlânticas (São Tomé, Cabo Verde e as ilhas da Guiné) como as terras firmes de Angola
e Moçambique participaram no processo de acumulação primitiva do capital à escala da
economia-mundo.
Salienta-se, no entanto, que em todos os territórios se verificou a pesada herança do
tráfico negreiro de escravos16. Segundo Braudel durante o século XVI o tráfico negreiro
tomou “proporções diabólicas”, tendo sido maioritariamente encaminhado para o Novo
Mundo até ao final do século XVIII (Braudel, 1993: 126-136). Por este motivo, Ki-
Zerbo defende que África participou involuntariamente no arranque económico da
Europa durante a Revolução Industrial17. Já Davidson estabelece uma correlação não tão
imediata. Este autor opta antes por argumentar que a herança do poder escravocrata que
levou tantos seres humanos de África para outras partes do mundo teve consequências
graves para aquele continente. Ou seja, contribuiu para “estragos” ao nível social,
económico e político (Davidson, 1981a: 176-200; 1981b: 41-44 e 338-351; 1994:42-
64). Estima-se que entre 9 a 10 milhões tenham sido levados pelo comércio escravo.
Logo, este fenómeno reduziu a capacidade produtiva do continente18, atendendo a que a
maioria da sua população com aptidões e/ou competências teve que se esconder ou
então foi levada, contribuindo com o seu trabalho noutros locais.
Deste modo, a diferença tecnológica entre os povos europeus relativamente aos
africanos, levou a que a partir de 1700 se espalhasse a convicção de que existia uma
“superioridade natural” (racial) dos europeus, o que precipitou a conquista colonial em
relação aos africanos19. Também Oliveira Marques (Oliveira Marques, 2001: 29-30) e
Pinto de Andrade consideram que foi com base na subjugação económica que se forjou
a justificação para a superioridade racial baseada na dialética comando/obediência
exercida pelo branco em relação ao negro (Andrade, 1997: 26). Foi através deste
mecanismo que se fomentou o racismo em África20. Esta suposta superioridade racial
legitimava o aproveitamento das riquezas que os vastos territórios africanos encerravam
(Instituto Democracia e Liberdade, 1979: 9)
15
Trata-se da Fortaleza que Portugal possuía na costa ocidental africana, na atual República do Benim, e
que serviu durante alguns anos para proteger os embarques de escravos. Também conhecida como
Feitoria de Ajudá, foi até 1961 – um ano após Daomé ter obtido a independência total da francesa - uma
dependência da colónia portuguesa de São Tomé e Príncipe.
16
Andrade, 1997: 21-22.
17
Ki-Zerbo, 1972, Vol. I: 283.
18
Davidson, 1981a: 198-199.
19
V. Davidson, 1981b: 348; 1994: 58-59.
20
V. Davidson, 1994: 42-64.
21
V. ponto 10 do texto de Maltez sobre o Estado no contexto africano (Consultar
http://maltez.info/Textos/a_questao_do_estado_no_contexto_.htm).
22
V. Almeida, 2004: 51.
23
Coord. Alexandre e Dias, 1998: 219-221.
24
No que se refere a São Tomé e Príncipe, Seibert indica que o país experienciou dois períodos distintos
de colonização portuguesa: o primeiro nos séculos XVI e XVII e o último do século XIX (cerca de 30
anos antes da Conferência de Berlim) até ao século XX. Segundo este autor, de meados do século XVII
até ao início do segundo período de colonização a população local crioula assumiu o controlo “virtual” do
governo local (Seibert, 2002: 19-20).
25
Por crioulo considerou-se todo o nativo africano que integrava valores culturais simultaneamente da
comunidade de pertença com os de Portugal (V. Andrade, 1997: 23).
26
Andrade, 1997: 22-23.
27
Coord. Alexandre e Dias, 1998: 229-231.
28
Andrade, 1997: 25.
29
Meneses, 2010: 74.
30
Idem, 2010: 80-81.
Deste modo, no início do século XX, o pensamento jurídico-colonial era tal que os
cidadãos – portugueses europeus – “reconheciam-se a si próprios o direito de
governarem os súbditos mais atrasados no caminho do progresso e do civismo”31.
Em 1910, com as alterações decorrentes da Implantação da República e da consequente
alteração de regime, destituição da monarquia constitucional e implantação de um
regime republicano, a legislação sobre a administração civil das províncias ultramarinas
passou a prever duas características de indígenas: os civilizados e os não civilizados32.
Destaca-se que para que os indígenas fossem considerandos civilizados ou assimilados
tinham que preencher um conjunto de requisitos, designadamente: saber ler e escrever,
vestirem e professarem a mesma religião que os portugueses e manterem padrões de
vida e costumes semelhantes aos europeus.
Salienta-se, ainda, que em Setembro de 1911, o Governo da República portuguesa criou
um novo ministério, o das Colónias. Todavia, não correspondeu a uma doutrina nova.
Na essência, manteve-se a perspetiva de que as colónias eram parte da Nação, ou seja,
os territórios ultramarinos constituíam um património tão sagrado quanto a mãe-pátria33.
A política colonial seguida pela I República visou pôr em prática os princípios da
ideologia republicana que previa a descentralização financeira e administrativa dos
territórios ultramarinos, bem como as normas básicas de como lidar com as populações
indígenas, em particular no que se refere ao trabalho. Deste modo, em cada colónia o
direito português metropolitano previa que os indígenas eram protegidos (tutorados)
pelos representantes da autoridade colonial, nomeadamente, do governador e seus
delegados.
Pretendeu-se assegurar a autonomia das colónias através da acumulação de funções por
parte dos governadores que seriam temporariamente designados altos-comissários.
Refira-se que esta autonomia apenas vigorou até ao advento da Ditadura, em 1930.
Pode afirmar-se que, na primeira metade do século XX, o poder hegemónico de
Portugal enquanto poder colonial era evidente, apesar de reduzido face à dimensão do
Ultramar Português ou “Império Colonial Português”34;35. Era notória uma pesada
herança do poder escravocrata, sobre a qual, durante séculos, a economia havia sido
sustentada como principal forma de criação de riqueza. A nível social verificava-se
31
Ibidem, 2010: 79-80. Ao referir-se a cidadãos portugueses esta autora destaca que o conceito aplicava-
se a homens e mulheres brancos, nascidos em Portugal, educados e com bens, assim como com a “alma
gentil da colonialização”.
32
Andrade, 1997: 26. Depois, em 1926 e em 1929 foram publicados outros diplomas que se destinavam a
definir o estatuto dos “indígenas não civilizados” e para a Guiné, Angola e Moçambique.
33
Oliveira Marques, 2001: 21-25.
34
Designação oficial utilizada no período de 1930 a 1951. Porém, durante o período anterior, a partir da
implantação da República a utilização da designação de Colónias e de Províncias ultramarinas era
utilizada com sentidos idênticos, tendo-se tornado mais usual o termo Colónia (Oliveira Marques,
2001:21-22).
35
Com o aumento do anticolonialismo e do movimento de descolonização, em Portugal promoveu-se à
revisão Constitucional em 1951, procurando alterar a política colonial através da supressão do Acto
Colonial (Duarte Silva, 2008: 7-27).
36
Oliveira Marques, 2001: 24-26.
37
Para Eduardo Mondlane, um dos fundadores da FRELIMO e quadro que esteve durante vários anos na
diáspora a oposição ao “sistema assimilacionista” português era algo que se impunha. Argumentava que a
prática deste sistema só era possível dadas as divisões entre as várias etnias, o que terá facilitado a
imposição da autoridade portuguesa, quando aqueles povos pertenciam à mesma família linguística Banto
com aspetos culturais semelhantes (V. Silva, 2009: 18-26).
38
Oficialmente este estava designava-se União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
39
Capoco, 2012: 30-31.
40
Também Nascimento descreve que na década de 30 do século XX São Tomé e Príncipe padecia da
mesma falta de infraestruturas sanitárias que desse resposta cabal aos problemas da população de
serviçais nativos. As deficientes condições de higiene nas roças terão inclusive ajudado a propagar surtos
endémicos (Nascimento, 2003: 150-154).
41
Só depois da abolição do Estatuto do Indigenato, em Setembro de 1961, a frequência do ensino pela
população africana passou a apresentar números significativos (V. Junta de Investigações do Ultramar,
1964: 18-19).
42
Em Moçambique, verificou-se o alargamento das atividades sanitárias às populações mais
desfavorecidas, nomeadamente, através do alargamento da componente da assistência materno-infantil e
de outras ações dirigidas à promoção da saúde das populações (V. Sousa, 2002: 13).
43
Para Portugal estes conflitos designaram-se: Guerra Colonial. Esta subtileza, reflete a diferença de
posições com que ambas as partes entendiam o confronto militar.
44
Wheeler & Pélissier, 2011: 249-273.
45
Lopes, 2010: 61-62.
46
Newitt, 1997: 447-465.
47
O reconhecimento jurídico da Independência da Guiné-Bissau por parte de Portugal ocorreu a 10 de
Setembro de 1974.
48
O golpe de estado militar que pôs fim ao regime do Estado Novo é também conhecido por Revolução de
Abril ou Revolução dos Cravos.
49
Em 1975 o processo de descolonização culminou nas Independências de Moçambique (25/Junho),
Cabo Verde (5/Julho), São Tomé e Príncipe (12/Julho), Angola (11/Novembro).
50
V. ponto 6 do texto de Maltez sobre o Estado no contexto africano (Consultar
http://maltez.info/Textos/a_questao_do_estado_no_contexto_.htm).
Para começar, é um conceito que surgiu no século XVIII com a Revolução Francesa 51.
Do ponto de vista etimológico nação provêm da palavra natio que significa nascimento
e faz apelo à origem comum (“naissance, extraction, rang”) (V. Hobsbawm, 1998: 20).
Segundo Hobsbawm podemos apoiar-nos na definição apresentada nalguns dicionários,
nomeadamente, “o agregado dos habitantes de uma província, de um país ou reino” ou
“um Estado ou corpo político que reconhece um centro supremo de governo comum” ou
ainda “ o território constituído por esse Estado e pelos seus habitantes individuais,
considerando um todo” (Dicionário da Academia Real Espanhola antes e após 1884).
Mais recentemente, nação também significava “a comunidade dos cidadãos de um
Estado que vivem sob o mesmo regime ou governo e têm uma comunhão de interesses,
a coletividade dos habitantes de um território com tradições, aspirações e interesses em
comum e subordinados a um poder central que se encarrega de manter a unidade de
grupo; o povo de um Estado” (Enciclopédia Brasileira Mérito).
O principal significado de nação é o político e este está associado à ideia de “povo”, a
“nossa terra comum”, o “público”, o “bem-estar público”. Pode assim referir-se que se
trata afinal de um “corpo de cidadãos cuja soberania coletiva constituía um Estado”.
Porém, para John Stuart Mill a posse do sentimento nacional não esgota o conceito de
nação. Para este filósofo inglês os membros de uma nacionalidade “desejam estar sob o
mesmo governo e ser governados por eles próprios ou por uma parte deles,
exclusivamente”52.
No fundo, o chão moral comum onde estão ancoradas as raízes, em que se encontram a
raça ou a língua, dá consistência à história imaginada das comunidades53.
A ligação de um conjunto de cidadãos a uma descendência comum, normalmente
pressupõe a existência de um território. E a terra de onde as pessoas são originárias
conduz ao surgimento da ideia de pátria, ou seja, local de nascimento, e assenta na
combinação da terra e do sangue, no chão sagrado dos (nossos) mortos. A veneração da
pátria e de um conjunto de coisas materiais e imateriais do passado, presente e futuro
reflete-se em patriotismo e representa sobretudo a total lealdade dos seus membros54.
Podemos assim referir que o nacionalismo é uma ideologia política que defende e exalta
a nação, tendo por base sentimentos comuns do grupo numa lógica identitária que
procura, por um lado, a autodeterminação e, por outro, assenta em sentimentos de
lealdade que são partilhados por um conjunto de indivíduos que têm valores culturais,
religiosos, étnicos ou linguísticos comuns aos restantes membros. Nesta perspetiva, as
nações existem enquanto se mantiverem como entidades espirituais desejadas na cabeça
e nos corações dos indivíduos55. Assim, essa identidade nacional confere aos cidadãos
51
V. http://estadosentido.blogs.sapo.pt/980309.html.
52
Hobsbawm, 1998: 19-23.
53
V. Maltez pontos 6 e 10 do texto sobre o Estado no contexto africano.
54
Hobsbawm, 1998: 19-46.
55
Esta ideia é defendida por Schultze citado por Capoco (Capoco, 2012: 27-33).
56
Capoco, 2012: 32.
57
Hobsbawm, 1998: 37-38.
58
Idem, 1998: 59-61.
59
V. Maltez ponto 10 do texto sobre o Estado no contexto africano.
67
Capoco, 2012: 53-54; Andrade, 1997: 161-170.
68
Idem, 2012: 71-72.
69
Na África lusófona foram vários os poetas e poetisas que se destacaram, de entre eles, Agostinho Neto,
Onésimo da Silveira, Amílcar Cabral, José Craveirinha, Francisco José Tenreiro, Alda do Espírito Santo.
70
Capoco, 2012: 68.
71
Refira-se que seis países africanos fizeram-se representar na Conferência de Bandung: Egipto, Etiópia,
Libéria, Sudão e Gana (Capoco, 2012: 73-76).
72
Capoco, 2012: 70.
73
Idem, 2012: 70.
74
Em 1960, os seguintes países obtiveram a sua independência: Janeiro - dia 1, Camarões; Abril – dia 4,
Senegal; 27, Togo; Junho – dia 26, Madagáscar; 30, República Democrática do Congo; Julho – 1,
Somália; Agosto – dia 1, Benim; 3, Níger; 5, Burkina Faso; 7, Costa do Marfim; 11, Chade; 13, República
Centro-Africana; 15, Congo; 17, Gabão; Setembro – dia 22, Mali, Outubro – dia 1, Nigéria; Novembro –
dia 28, Mauritânia.
75
Benot, 1981 (Vol. I) : 1-3.
Como foi anteriormente referido, o enquadramento jurídico era tal que permitia o
entendimento da parte da potência colonizadora de que poderia utilizar-se das riquezas
naturais ou produzidas nas várias possessões sob a sua soberania. As administrações
coloniais tinham ainda a possibilidade de estabelecer taxas e impostos junto das
populações nativas o que provocava em alguns casos forte contestação, como foi o
“Imposto de palhota” que cobrava por vezes coercivamente76 ou a legislação que
regulamentava sobre o trabalho indígena que desencadeou revoltas tanto em São Tomé
em 1953 com a população Forra77 como em Bissau (Pidjiguiti) em 1959 ou mesmo
como em Maputo em 1956 com a greve dos estivadores.
Ou seja, para os nativos desses territórios ultramarinos tratava-se na prática da recusa da
liberdade e como tal este comportamento da parte da metrópole e da sua máquina
administrativa era sentido como opressor e inibidor da obtenção de condições de bem-
estar para cada um dos indivíduos como punha em causa os valores e ações pretendidas
desenvolver.
76
A descrição do modo autoritário como se procedia na Guiné-Bissau à recolha do imposto de palhota
para os cofres do Estado português, por via de indivíduos a quem era delegada essa responsabilidade,
pode ser lido na obra de Pélissier. V. Pélissier (2001, Vol. II: 113).
77
Almeida, 2004: 78.
78
Andrade, 1997: 162-163.
79
Idem, 1997: 34.
80
O dinamismo e o alcance da atividade literária angolana, no período de 1851 a 1950, foram
particularmente estudados por Mário António de Oliveira (Oliveira, 1985).
81
Andrade, 1997: 31.
82
V. Sousa Jr., 2002: 11.
83
Disso mesmo dá conta Mário António Oliveira no capítulo da sua Dissertação de doutoramento relativa
à Formação da Literatura Angolana no período 1851-1950 (Oliveira, 1985: 3-8)
84
Foram vários os autores que referiram a importância da Liga Guineense, nomeadamente, Pélissier,
2001 – Vol. II: 130-138 e 181-183 e Coord. Oliveira Marques, 2001: 157-169.
semelhança do que sucedia nas restantes colónias portuguesas (Andrade, 1997: 81-92),
um trabalho relevante e em simultâneo um embrião de organização anticolonial85.
Em África, a instituição do Partido Único foi um modelo que se generalizou nas várias
repúblicas. Mesmo antes das independências o movimento nacional africano previa uma
organização política unificada de modo a ir ao encontro das aspirações nacionais em
oposição ao poder colonial86.
Os Partidos Únicos
Segundo Capoco, é inegável afirmar que os novos Estados africanos independentes não
conseguiram de imediato adotar o regime democrático que foi afinal de contas o seu
objetivo durante a luta anticolonial88. Os líderes políticos adotaram o sistema de partido
único, ou seja alguns dos novos governos não possuíam a legitimidade democrática. Tal
comportamento poderá ser explicado pelo facto dos líderes políticos terem desenvolvido
uma ação essencialmente baseada na revolução e na guerrilha contra a descolonização 89.
Logo, foi natural que os movimentos de libertação tivessem optado por uma via
autoritária que resultava, por um lado, da ideologia de sistema de partido único
afastando do seu caminho quaisquer forças que se lhes opusessem, mesmo que fosse por
intermédio de atentados à liberdade individual, nomeadamente com recurso a
conspirações ou prisões políticas, sem processos ou com processos secretos90. Para
Capoco esta atuação tinha por referência a matriz comunista que defendia o princípio de
um partido e um governo91. Por outro lado, no que se refere ao Partido Único e à
Democracia Benot92 chama a atenção para a falta de quadros formados e a escassez de
85
V. Pélissier, 2001: 130.
86
Benot, 1981 (Vol. II): 3.
87
Idem, 1981 (Vol. II): 2-18.
88
Capoco, 2012: 36-39.
89
Idem, 2012: 36-39.
90
Benot, (Vol. II) 1981: 45.
91
Capoco, 2012: 92.
92
Benot, (Vol. II) 1981: 59-64.
A organização destes Partidos tem variações de país para país. Todavia, encontram-se
organizados numa base local de aldeia ou de bairro. A ideologia socialista (marxista)
garantia que a sustentação destes Partidos abrangia toda a população. Mas distinguia
entre os militantes dos quadros do Partido. Aos quadros do partido eram-lhes conferidos
cargos com importância na hierarquia do Partido, enquanto os militantes representavam
uma multidão de indivíduos essencialmente passiva. Essa diferença tinha particular
razão de existir devido, como vimos, à escassez de quadros qualificados e por esse facto
estes assumiam funções críticas no aparelho de Estado94.
93
Benot, 1981 (Vol. II): 19-20; 25.
94
Idem, 1981 (Vol. II): 26-27.
95
Um bom exemplo disso foi o que sucedeu na Guiné-Bissau (Sangreman, 2008. V. páginas 6 e 7 do link
http://docserver.ingentaconnect.com/deliver/connect/brill/12570273/v15n1/s1.pdf?expires=1358206005&
id=72401502&titleid=75000163&accname=Guest+User&checksum=701EE92F111891EA99CBD71EA
C0D7042 ).
contexto educativo fundamental. Ou seja, foi feita uma aposta na educação do indivíduo
como “construtor da história”96.
Destaca-se, por outro lado, a relevância que a metrópole teve, em particular Lisboa, na
dinamização da atividade dos movimentos nacionalistas. De acordo com Capoco os
mais notáveis foram os seguintes101:
portuguesas. A Junta divulgava as suas ideias através do jornal “A Voz d’África” que
tinha publicação periódica.
Deve-se assinalar também algumas das figuras africanas mais marcantes da luta
anticolonial contra Portugal. Foram vários os intervenientes em todos os territórios
africanos da África Portuguesa, contudo, pela projeção e trabalho desenvolvido em prol
da referida causa salientam-se os seguintes por país:
É ainda de frisar que alguns destes intelectuais aprofundaram a sua ação de luta contra o
regime do Estado Novo precisamente enquanto estudavam em Portugal. A esse
propósito é de notar a relevância que a Casa dos Estudantes do Império assumiu, em
particular, na década de 50 do século XX como embrião da luta contra o colonialismo e
a opressão que esse poder impunha (Sousa, 2011: 193-195; Lopes, 1987: 43-44).
102
Idem, 2012: 65.
Destaca-se ainda que no caso de Angola e Moçambique após a guerra contra Portugal,
verificou-se posteriormente a continuidade dos conflitos com forças partidárias
originárias daqueles países, mas com ideologias políticas distintas, bem como apoios
financeiros de outra natureza.
Em Cabo Verde, em finais de 1974, foi discutida e aprovada entre Portugal e o Partido
Africano da Independência de Cabo-Verde (PAICV) a criação de um governo de
transição. Deste modo, a Independência foi proclamada a 5 de Julho de 1975.
103
A FRELIMO, criada em 1962, sob a direção de Eduardo Mondlane e por influência de Julius Nyerere
(Presidente da Tanzânia), resultou da fusão de três movimentos de libertação nacional moçambicanos: a
Mozambique African National Union (MANU), a União Democrática Nacional de Moçambique
(UDENAMO) e a União Nacional Africana para Moçambique Independente (UNAMI). Estas
no dia 25 de Junho de 1975. Dois anos após a Independência iniciou-se a Guerra Civil
que opôs a FRELIMO e a Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO). É de
notar que, dados os múltiplos interesses internacionais, um dos apoios com que a
RENAMO contou foi o do governo racista de Ian Smith, da Rodésia (agora Zimbabué).
Este conflito só terminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz, em 4 de Outubro de
1992, em Roma.
CONCLUSÕES
Este texto procurou, de um modo simples, analisar o percurso percorrido pelo conceito
de democracia e da liberdade e as suas implicações ao longo do tempo em particular na
luta pela emancipação dos povos da antiga “África Portuguesa” enquadrada no
Nacionalismo Africano.
As ideias veiculadas à escala global e o acesso a elas pelos mais diversos indivíduos,
seja pela via do ensino, da comunicação social ou no seio de grupos, são cada vez mais
velozes e fáceis de obter. A facilidade na difusão de conceitos de liberdade, apreendidos
organizações foram constituídas por emigrantes moçambicanos residentes nas colónias inglesas da África
Oriental, respetivamente, Tanzânia, Rodésia e Malawi (V. Silva, 2009: 41-43).
Neste sentido, a ideia de democracia tem vindo também a ser perseguida pelos
governantes destes países. Contudo, apenas no início da década de 90 do século XX,
seguramente após muita pressão internacional e após o reconhecimento interno de que
algumas das políticas não alcançaram os resultados esperados, se assistiu à abertura
política ao multipartidarismo, facto que tem permitido uma maior participação popular
junto de movimentos da sociedade civil, bem como de alguma intervenção de
contestação política.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
–––––––––––– (1994), The search for Africa: history, culture, politics, Times Books,
Random House.
MBEMBÉ, Achille (2010), Meio século depois do fim das colónias In Courrier
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Sites consultados
Degenerescência do poder
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