Paulo,+7 +A+Construção+da+Nação+no+Brasil+Imperial
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Recebido: 12-12-2019
Aprovado: 28-03-2020
Introdução
1
Renata Guimarães Vieira, brasileira, doutora em economia pela UFMG. Email –
[email protected].
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Paulo Roberto de Oliveira, brasileiro, doutor em Historia pela USP, professor no Departamento
de Ciencias Econômicas da UFOP. Email – [email protected]
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É sabido que o Brasil foi colônia de Portugal até 1822, quando se declarou
independente. Até então, não havia ainda uma intenção oficial de pensar o Brasil
enquanto nação, nem os brasileiros como cidadãos. Tais reflexões, porém,
marcaram todo o período imperial, sendo permeadas por acaloradas discussões
não só nos espaços institucionais, mas também na imprensa e, ao que tudo
indica, nas ruas das cidades e províncias do interior.
Ainda que as ideias próprias do liberalismo político – cuja matriz é a
modernidade europeia - tenham tido grande influência na época, as estruturas
coloniais, como a escravidão, ainda estavam presentes na constituição do que
seria a nação brasileira. Para compreender como se deu esse processo,
recorremos à noção de colonialidade, que segundo os que se dedicam aos
estudos decoloniais, é a face da modernidade europeia que cabe aos
colonizados. A partir destas reflexões, argumentamos que a colonização europeia
no Brasil, mesmo após a Independência, culmina em uma noção muito restrita de
cidadania.
Para os autores do projeto decolonial, as Américas coloniais são fundadas
a partir do paradigma moderno, sendo não somente formadas por esse
paradigma, mas também formadoras dele. O discurso da modernidade esteve e
está muito presente na conformação do que hoje entendemos como América
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Latina, uma vez que a ideia de hierarquização de lugares e povos operada desde
o período colonial é permeada pelo paradigma da modernidade. Mas, se a
relação colonial produz e é produzida pela modernidade, outro aspecto dessa
mesma relação não pode ser ignorado: a colonialidade.
Maldonado Torres (2007) destaca a diferença entre colonialidade e
colonialismo. O colonialismo precede a colonialidade e refere-se ao contexto
sócio-histórico de dominação colonial nas Américas, tendo as formas econômicas
de dominação e de subjugação do capitalismo como um ponto essencial para
justificar e manter o controle sobre os povos e as pessoas subjugadas. A
colonialidade não se restringe a esse contexto – e não é superada pelos processos
de independência - uma vez que não se refere a uma dada relação político-
econômica, mas a um padrão de poder que emerge dessa relação.
A colonialidade se refere, portanto, especialmente a dois eixos de poder
definidores da matriz espaço-temporal das ex-colônias em geral: a ideia de raça e
a naturalização de uma relação de inferioridade; e a constituição de uma
estrutura de trabalho baseada na servidão e na escravidão a serviço do comércio
internacional. Neste texto, buscamos refletir sobre as consequências de tais eixos
sobre a construção institucional da nação brasileira, e a noção de cidadania
associada a ela, que durante todo o período imperial se utilizou de argumentos
racistas para excluir indígenas, negros e mestiços, ou seja, a maioria da
população brasileira.
Para compreender de que se trata a colonialidade, é importante refletir
também sobre o que seria sua outra face – a modernidade. Nesse sentido, Dussel
(1994) argumenta que a ideia de modernidade se origina na Europa, mas só nasce
de fato enquanto geradora de realidades, no encontro com a América colonial,
em que o europeu se confronta com o Outro e busca violar, dominar e vencer
esse Outro. Nesse sentido, a modernidade está relacionada à origem de uma
noção de violência operada pelo ego europeu, que se materializa em um
processo de encobrimento deste Outro não-europeu.
A perspectiva de violência que permeia a modernidade europeia no
contexto colonial - em que o debate sobre liberdades individuais convive com a
defesa da escravidão - tem impactos que vão muito além do contexto das
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3 É certo que classificar as pessoas de acordo com sua origem não é uma discussão que se inicia
com a colonização das Américas. O dogma cristão da unidade fundamental da espécie humana,
discutido, por exemplo, na obra de Santo Agostinho, já dividia a humanidade em três partes,
relacionadas à passagem bíblica em que os três filhos de Noé se separam após o dilúvio, gerando
três povos diferentes. Segundo a interpretação europeia, filhos de Sem povoaram a Ásia, os filhos
de Cam (que deveria ser castigado por ter zombado de seu pai) povoaram a África e os filhos de
Jafé povoaram a Europa (Castro-Gómez, 2005), divisão essa que também já sugere certa noção de
hierarquização.
4 Carneiro da Cunha (2012 p.58) destaca que havia um amplo debate na comunidade científica
européia sobre os critérios adotados para diferenciar os humanos dos outros animais. Como
exemplo, cita os experimentos de um dos fundadores da antropologia física, Johann Friedrich
Blumenbach, que ao analisar o crânio de um índio Botocudo, o coloca entre o homem e o
orangotango.
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Não só na América Latina, mas em quase todo o mundo (ou a parcela dele
organizada a partir do encontro colonial), o Estado funcionará a partir da
perpetuação de uma hierarquia racializada, num contexto em que “raça” assume
sentidos que vão muito além da cor da pele, abrangendo de alguma forma todos
que estão alheios aos parâmetros do projeto modernizante. Assim, as políticas de
cidadania desses Estados que, inicialmente, excluem grande parte da população
não-branca, assumem posteriormente um caráter civilizatório – compatível com o
projeto de formação de uma nação moderna - e assumem o objetivo de incluir a
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É importante destacar que a escravização indígena foi abolida e retomada várias vezes ao longo
da história, e que até meados de 1850 ainda havia relatos de indígenas escravizados na Corte do
Rio de Janeiro (Carneiro da Cunha, 2012, p.83)
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Movimento feito pela burguesia portuguesa para pressionar a volta do monarca à Europa sob a
ameaça de perder o trono caso não retornasse.
7
Apesar de não ter sido abolida a escravidão, em 1831 decidiu-se que, por lei, qualquer pessoa
que desembarcasse no Brasil seria automaticamente considerada livre. Por conta dos interesses da
elite escravista brasileira e do Estado em formação, tal legislação quedou-se esquecida.
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regiões, antes e depois da Independência. Tal situação fez com que diferentes
regiões em um primeiro momento se insurgissem contra o projeto de nação
baseado nas elites do sudeste e feito a partir do Rio de Janeiro.
Esta expansão para dentro ligada à ideia de Império e de civilização, como
já se nota, prescindia da construção de uma unidade, que teria como um de seus
elementos a fundação de um mito nacional. Esta construção de um espaço de
identificação que buscava abranger a todo novo corpo político foi feito, além de
outras ações, pelo estabelecimento das datas comemorativas que marcassem a
fundação do Império do Brasil. Assim, o 7 de abril, data de abdicação de D.
Pedro I, passou a ter grande peso simbólico. Era o ponto de ruptura que se
construía, quando um imperador estrangeiro sedia lugar ao filho, este sim
considerado capaz de representar os novos tempos. Era inevitável a comparação
do 7 de abril com o 7 de setembro.
Além disso, era preciso reorganizar as estruturas do estado para que elas
pudessem ser capazes de implementar, no cotidiano da nação, as mudanças
pretendidas após a independência. As primeiras medidas para a construção do
Estado imperial foram tomadas ainda no Primeiro Reinado:
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Os membros do Partido Conservador eram conhecidos por saquaremas pelo fato de vários de
seus membros residirem no município fluminense de Saquarema, que passou a ser também local
de reuniões do partido.
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A Revolta dos Malês foi um grande levante de escravos de maioria muçulmana que ocorreu em
Salvador em 1835.
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Mas, na noite de 25 de setembro, por volta das dez e meia, desceram do morro
do Nheco (Santa Teresa) mais de trinta amotinadores, “a mor parte muito mal
vestidos e alguns descalços” (decerto, cativos), que arrombaram a casa de um
comandante de esquadra da Guarda Municipal, pegaram as armas e atacaram
duas rondas na Cidade Nova. No caminho, pararam em frente à casa do major
Miguel de Frias e Vasconcellos, “dando-lhe vivas, e intitulando-o o General”.
Reforçados por várias adesões, chegaram em grupo de cinqüenta a sessenta
pessoas aos quartéis do campo da Honra (praça da República), onde, dos portões,
exortaram os soldados a acompanhá-los. Sendo estes contidos pelos oficiais, o
bando decidiu ir embora, após dar “vivas à Constituinte, à República, morras aos
chumbos, ao ministro da Justiça e soltado gritos de – abaixo a Regência, fora os
Deputados, & c.” (Basile, 2017, p. 38).
Segundo o autor, três dias depois houve uma grande confusão no teatro
São Pedro de Alcantara (ponto habitual de reunião dos exaltados), que teria sido o
segundo de uma série de oito apenas durante a Regência. Na ocasião,
manifestantes iniciaram um tumultuo que atraiu mais de duzentos guardas
municipais, que ao invés de intimidar o movimento, tornou-o ainda mais
agressivo e numeroso, culminando, por fim em três indivíduos mortos.
Alguns aspectos do referido evento devem ser ressaltados. Segundo Basile
(2017, p.52), os manifestantes deveriam ser de baixa condição social, inclusive
escravos, descritos à época como “anarquistas”, “agitadores”, “amotinadores”,
“malfeitores”, a “ralé mais cívil da nossa população”, “Grupos de negros, e
pardos da ínfima classe, rotos, e meios descalços”, “pretos descalços”, “ímpios
bebedores de sangue”.
Acreditava-se que, além dos motivos óbvios que tal classe tinha para
rebelar-se, estariam também sendo influenciados pelos liberais exaltados, em sua
maioria provenientes das camadas médias urbanas, ressentidos da
desconsideração de suas pautas pelo atual governo. Além disso, contribuía para
os levantes a insatisfação dos militares, especialmente das mais baixas patentes,
muitas vezes recrutados à força, que sofriam maus-tratos e castigos corporais.
Outro fato era o antilusitanismo, alimentado especialmente pela consideração dos
portugueses como uma ameaça à independência, estando associados, ao menos
no imaginário popular, ao colonialismo e ao absolutismo.
Esta politização das ruas era a forma viabilizada de dar vazão a um potencial
participativo que não encontravam espaço dentro dos canais institucionais
desenvolvia-se uma prática informal de cidadania, construída de baixo para cima,
mediante a participação ativa das mais diversas camadas sociais nas instâncias de
ação política do espaço público. Ao se definirem como um lugar de exercício da
cidadania, agindo em nome de direitos que julgavam legítimos, os movimentos
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Em 1755 Pombal concede aos índios autonomia total no que ele entende como sua
emancipação dos jesuítas. Mas já em 1757 é instituído o regime de tutela que julga que os índios
são incapazes de governar suas povoações e por isso devem ser subordinados a um diretor. Na
Carta Régia de 1798, a emancipação dos índios aldeados de seus diretores. Quanto aos não
aldeados, os índios “bravos”, são comparados às crianças órfãs, que precisam de um tutor que os
introduza à vida em sociedade. O mesmo se aplicava aos africanos e afrodescendentes livres.
11
Coincidência ou não, o fato é que não se conhecem processo de defesa dos direitos indígenas
após 1845, quando os diretores das aldeias passam a exercer a função de procuradores dos índios.
carneiro da cunha P.94
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Considerações Finais
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A Construção da Nação no Brasil Imperial: uma análise sob a luz dos estudos
decolonias
Resumo
Em 1822, o Brasil deixa de ser colônia portuguesa ao declarar sua Independência. A partir de
então, inicia-se um esforço para construir a nação brasileira, identificar seus fundamentos político-
ideológicos, formar um aparato estatal capaz de administrar o território, criar uma legislação e
definir critérios de cidadania para sua população. Todo este processo se deu sem que os preceitos
colonialistas, como o racismo, fossem abandonados, por isso este trabalho busca acrescentar a
leitura decolonial à análise deste período.
Palavras-chave: cidadania, nação, Império, colonialidade.
Resumem
En 1822, Brasil deja de ser colonia portuguesa al declarar su independencia. A partir de entonces,
comenzó un esfuerzo por construir la nación brasileña, identificar sus fundamentos político-
ideológicos, formar un aparato estatal capaz de administrar el territorio, crear legislación y definir
criterios de ciudadanía para su población. Todo este proceso se llevó a cabo sin que se
abandonaran los preceptos colonialistas, como el racismo, por lo que este trabajo busca agregar la
lectura decolonial al análisis de este período.
Palabras clave: ciudadanía, nación, imperio, colonialidad.
Abstract
In 1822, Brazil ceases to be a Portuguese colony when declaring its Independence. From then on,
an effort began to build the Brazilian nation, identify its political-ideological foundations, form a
state apparatus capable of managing the territory, create legislation and define citizenship criteria
for its population. This whole process took place with the colonialist precepts, such as racism, so
this work seeks to add the decolonial reading to the analysis of this period.
Keywords: citizenship, nation, Empire, coloniality.
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