CartilhaCanguru Revisado 30jan
CartilhaCanguru Revisado 30jan
CartilhaCanguru Revisado 30jan
Coordenadoras
Andrielly Darcanchy
Adriana Marcondes Machado
Público-alvo
Público em geral
Famílias Acolhedoras atuantes
Candidatos a Famílias Acolhedoras
Técnicos e Gestores de Serviço de Acolhimento
Profissionais do Poder Judiciário envolvidos com acolhimento
São Paulo
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
2021
DOI: 10.11606/9786587596259
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
REITOR
Vahan Agopyan
VICE-REITOR
Antônio Carlos Hernandes
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
DIRETORA
Ana Maria Loffredo
VICE-DIRETOR
Gustavo Martineli Massola
Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Esta obra é de acesso aberto. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra,
desde que citada a fonte e autoria e respeitando a Licença Creative Commons indicada.
2
FICHA TÉCNICA
Realização Gestão do SFA Canguru
3
AGRADECIMENTOS
Às Famílias Acolhedoras que abraçam essa causa, abrindo suas casas e suas vidas para
realizar um trabalho voluntário transformador. Sem vocês, nada disso existiria!
4
APRESENTAÇÃO
Essa Cartilha nasce de uma construção coletiva entre essas pessoas que agem com funções
diferentes e complementares: a gestão do executivo, a equipe do Canguru, as próprias
Famílias Acolhedoras e o Judiciário. A publicação tem como objetivo trazer informações
e reflexões sobre o Acolhimento Familiar com a intenção de divulgar essa forma de
acolhimento no Brasil.
Já existem cartilhas escritas sobre acolhimento familiar no país, então, para iniciar, fizemos
uma revisão delas e ao longo desse texto citaremos algumas. Dessa forma, dividimos a
cartilha em duas partes:
5
SUMÁRIO
Ficha técnica 3
Agradecimentos 4
Apresentação 5
Introdução 7
1° PARTE
Um pouco de História 9
Essa história no Brasil 9
Nossa legislação atual 14
Quais os principais motivos de acolhimento? 16
Como funciona um Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora? 17
Composição da equipe técnica 18
Articulação com a rede 19
Captação, seleção e cadastro de Famílias Acolhedoras 22
Como está o acolhimento familiar no Brasil hoje? 23
2° PARTE
Como funciona o acolhimento em Famílias Acolhedoras? 26
Quem é acolhido por Família Acolhedora? 28
Como nomear os membros da Família Acolhedora? 32
Quais as possibilidades de desacolhimento? 33
Desacolhimento por adoção 34
Passos da aproximação 34
• Indicadores 37
• Como nomear o bebê? 40
• Como nomear a Família Adotiva? 41
Desacolhimento por maioridade 42
• A importância do acolhimento familiar para adolescentes 43
• O papel da Família Acolhedora no Plano de Maioridade 44
6
INTRODUÇÃO
A existência de crianças e adolescentes que não podem ser cuidados pela sua família
biológica é causada por uma diversidade de fatores e tem sido questão há muito tempo.
A estratégia para lidar com essas situações criando instituições para assumir os cuidados é
antiga: por volta do ano 1200. A proposta de instituições com essa função tem sido prática
utilizada de maneira excessiva.
Muitas pesquisas comprovaram que a permanência em uma instituição por longos períodos,
durante a infância e a adolescência, gera dificuldades na capacidade de estabelecer e
manter relações, inclusive na vida adulta. Por isso, desde o início do século XX começaram a
ser criadas alternativas de cuidado em meio familiar em vários países as quais comprovaram
promover mais proteção e melhores condições para o desenvolvimento dos acolhidos.
Nas últimas décadas tem ocorrido uma mudança no panorama mundial, com órgãos
internacionais incentivando e exigindo a construção de alternativas de cuidado em meio
familiar em todos os países. No início dos anos 2000 começou a ser formalizada, no Brasil,
a atual proposta de Serviços de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA), espalhando-se
pelo país em ritmo lento, mas contínuo.
7
Acolhimento: é uma medida protetiva excepcional e provisória para crianças e adolescentes,
descrita no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Dura o tempo que for necessário até que o acolhido possa ir para uma família de forma
definitiva. Ocorrem audiências concentradas a cada 3 meses para que o magistrado decida
sobre a conclusão do processo de acolhimento. O acolhimento deve durar no máximo 18
meses, mas pode ser estendido a partir de decisão judicial, conforme avaliação do caso.
8
1ª PARTE
UM POUCO DE HISTÓRIA
Há mais de 800 anos, o papa Inocêncio III (1198-1216) deu início à ideia de oferecer abrigo a
crianças e adolescentes desassistidos por suas famílias, em grandes instituições, promovendo
a criação de um artefato que ficou conhecido como Roda dos Expostos. Nessa época, a
Igreja Católica exercia um papel de liderança na sociedade. As primeiras instituições que
realizaram os cuidados dessas crianças e adolescentes eram principalmente religiosas e
dedicadas à caridade.
Fonte: Google
Fonte: Google
9
No início do século XIX ocorreram mudanças. O mundo caminhava para a existência de
formas de governo com organizações políticas não submetidas à ordem religiosa. Havia
uma pressão mundial para que o Brasil deixasse de utilizar mão de obra escravizada, apesar
de o tráfico escravo ser um negócio muito lucrativo na época, envolvendo diversos países.
Boris Fausto (2006), historiador e cientista político brasileiro, analisa esse período como
“uma etapa de formação do capitalismo industrial que se relaciona com a ascensão da
burguesia ao poder” (p. 109).
O Brasil, no final do século XIX, foi o último país a abolir a escravidão. Mesmo assim, fez isso
de forma injusta. Não houve qualquer política pública que desse condições mínimas para
que a população negra, até então escravizada, superasse essa condição. O trabalho que
faziam nas fazendas foi substituído pelo trabalho de imigrantes assalariados, deixando os
negros sem possibilidades de inserção social. Expulsa das fazendas, a alternativa de vida e
moradia para a população negra era em locais de grande pobreza.
Fonte: Google
Fonte: Google
10
Como forma de reparar as injustiças sofridas, existem movimentos que defendem a
necessidade da criação de políticas públicas a fim de promover reparações econômicas
a negros e descendentes de pessoas escravizadas. Nos Estados Unidos da América a
discussão foi retomada pelo movimento Black Lives Matter. Em 2016, no Brasil, foi criada
a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra, que visa à criação de um fundo
reparatório. No entanto, até o momento, não existe nenhuma normativa acerca do assunto,
havendo somente casos isolados de compensação a descendentes e a iniciativa de algumas
instituições, a partir de programas próprios para indenização de vítimas do período de
escravidão, como no caso dos EUA e do Reino Unido. No Brasil, o passo mais importante foi
dado pela Lei nº 12.711/2012, que institui cotas para estudantes negros nas universidades.
No ano de 1949, foi criado, no estado de São Paulo, o Serviço de Colocação Familiar (Brasil,
1949), vinculado aos Juízos de Menores. Ele ficou ativo até 1985 e, ao final, acabou por servir
como política de transferência de renda, destinando seus recursos ao apoio das Famílias de
Origem das crianças e adolescentes (Valente, 2008). Em 1984, esse Serviço foi transferido
do Poder Judiciário para o Poder Executivo e, no ano seguinte, foi desativado para a criação
do Instituto de Assuntos da Família (IAFAM), que tinha como finalidade, justamente, o
suprimento das necessidades das Famílias de Origem (Brasil, 1985), se aproximando mais do
modelo que temos hoje. Cláudia Fonseca (2005) relata a importância do Programa dos Lares
Substitutos em Porto Alegre/RS, o qual foi iniciado em 1972, mediado pela FEBEM, e tinha
muitos aspectos em comum com os atuais Serviços de Acolhimento em Família Acolhedora,
mas nunca foi oficialmente organizado em legislação, por isso em 1994 começou a ser
extinto com a justificativa de que era “administrativamente irregular” e foi interrompido
abruptamente em 2002, quando as famílias que acolhiam deixaram de receber qualquer
apoio estatal.
Outra prática comum na época era a Circulação de Crianças. Claudia Fonseca (2002)
estudou essa prática, que consistia na transferência de uma criança entre famílias – seja de
maneira informal, entre parentes ou conhecidos, seja sob a forma de guarda temporária
ou mesmo de adoção, com a troca de nomes carimbada pelo poder público da época.
A autora constatou (Fonseca, 2002) que tal prática era muito
comum em diferentes classes econômicas, com algumas
diferenças. Nas camadas de classe média a circulação das
crianças se restringia aos parentes com vínculos consanguíneos.
Já nas chamadas camadas populares, quase metade das
crianças que “circulavam” ia para abrigos ou ficava em famílias
não aparentadas. Essa antiga prática social ficou conhecida
como “adoção à brasileira”, um nome usado para definir esse
processo de “adoção” sem passar pelo judiciário. A mesma
autora faz um alerta para os preconceitos sociais envolvidos na
prática de criação de crianças e adolescentes fora do núcleo
familiar em que nasceram:
11
“Essa prática de compartilhar os cuidados
dos filhos, hoje facilmente considerada
como sintoma de desorganização familiar ou
abandono materno, não era necessariamente
mal vista. O fato de as camadas abastadas terem
adotado, nas últimas décadas, a família nuclear
conjugal como norma hegemônica explica por
que existe uma tendência de ver qualquer
desvio dessa norma como problemático”
(Fonseca, 2002, p. 50).
O início do século XX foi marcado por maior atenção governamental à infância nomeada
“desvalida”. A Era Vargas (1930 a 1945) consolidou uma política assistencialista e repressiva
da infância e adolescência, que se ampliou e reproduziu pelo país (Moura, 2017). Mas a
prática de institucionalizar só ganhou força e organização nacional durante a Ditadura
Civil-Militar. Em 1964, com o início desse período que durou mais de 20 anos, o governo
federal passou a orientar ações unificadas para atender aos então chamados “menores”,
criando a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), cujas práticas eram
executadas nos estados através das famosas FEBEMs.
As FEBEMs eram grandes internatos nos quais “os menores costumam ser classificados em
dois grandes grupos: os ‘infratores’ que foram recolhidos na rua pela polícia e julgados pela
Justiça, permanecendo sob custódia destas instituições; os ‘abandonados’, cujos pais não
possuem condições de criá-los ou são órfãos” (FEBEM, 1988, p. 6). Dessa forma, tornou-
se uma prática comum institucionalizar a infância considerada “em situação irregular”
(Brasil, 1979). A última versão do Código de Menores (Brasil, 1979) aplicava a medida de
“internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar,
psiquiátrico ou outro adequado” para menor de 18 anos “privado de condições essenciais
à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a)
falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou
responsável para provê-las”.
12
A cartilha do Ministério Público de Pernambuco “A Casa é Sua:
Implementando Programas de Acolhimento Familiar” também
contém informações sobre o acolhimento familiar em outros países e
como eles influenciaram a criação dessa modalidade no Brasil
13
NOSSA LEGISLAÇÃO ATUAL
O artigo 227 foi regulamentado pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei
8.069, de 13 de julho de 1990. O ECA estabelece que crianças e adolescentes devem ter
proteção integral, com a garantia de todos seus direitos.
14
O Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (Brasil, 2006) propôs a ampliação
do conceito de família, introduzindo os conceitos de família extensa e a importância da
rede social de apoio, em que, mesmo sem laços de parentesco, pessoas significativas para
a criança ou adolescente têm uma função social de apoio.
Por tudo isso, a Lei 12.010/2009 definiu o acolhimento familiar como preferencial em relação
ao acolhimento institucional:
Outra legislação fundamental nesse campo é a Lei 13.257/2016, que ficou conhecida como
Marco Legal da Primeira Infância. Ela regulamenta ações voltadas à fase entre zero e seis
anos de idade. Uma mudança significativa trazida por essa lei é a definição da assistência
social à família da criança como área prioritária para as políticas públicas da primeira
infância, expressando pela primeira vez em texto legal a compreensão de que há famílias
“com direitos violados para exercer seu papel protetivo de cuidado e educação” (art.14).
Essa lei também definiu de forma inaugural que “a União apoiará a implementação de
serviços de acolhimento em Família Acolhedora como política pública” (art. 28).
15
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS MOTIVOS DE ACOLHIMENTO?
4,4 % orfandade
Esses dados já têm alguns anos, mas referem-se ao último levantamento brasileiro que
menciona os motivos de acolhimento, pois o Censo do Sistema Único de Assistência
Social (Censo SUAS), realizado anualmente, não abarca essa questão. Eles, geralmente,
surpreendem quem não trabalha com acolhimento. Primeiro, porque demonstram como o
termo “orfanato” é equivocado, uma vez que a orfandade é o último dos motivos para o
acolhimento. Segundo, porque desfazem a visão do senso comum de que os acolhimentos
ocorreriam apenas quando a Família de Origem, intencionalmente, faz mal à criança ou
adolescente – afinal, os casos em que o motivo de acolhimento é a violência física ou sexual,
somados, representam 16%.
Esses números também trazem um alerta: desde 2009 o ECA afirma, em seu art. 23, que “a
falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a
suspensão do poder familiar”, ou seja, a pobreza nunca deve ser motivo de acolhimento,
mas em 2011 ainda era o principal motivo em quase 10% dos casos!
Por fim, esse levantamento coloca duas questões: mais de 20% dos acolhimentos ocorriam
por uma questão de saúde pública cujo debate ainda precisa avançar muito no Brasil –
a dependência química – e a outra questão é debatermos sobre quais comportamentos
caracterizam negligência. Essa é uma palavra abrangente sobre a qual é preciso refletir com
cuidado, caso a caso, para que esse termo não seja usado de maneira a ocultar questões
decorrentes da profunda desigualdade social brasileira.
16
COMO FUNCIONA UM SERVIÇO DE ACOLHIMENTO
EM FAMÍLIA ACOLHEDORA?
O Serviço de Acolhimento nesta modalidade é uma ação, de acordo com uma política
pública constituída, de caráter excepcional e provisório, prevista pelo ECA. É determinada
pelo Poder Judiciário diante de situações que causam riscos à integridade física e psíquica
da criança ou adolescente e somente após o esgotamento das possibilidades de sua
manutenção nos núcleos familiar e comunitário.
17
COMPOSIÇÃO DA EQUIPE TÉCNICA
Essa equipe é composta por, no mínimo, três pessoas com formação em ensino superior:
assistente social, psicólogo e coordenador técnico (Brasil, 2006). A equipe é formada
para promover de forma ampla o acompanhamento sistemático dos envolvidos no
acolhimento em prol da garantia de direitos da criança e do adolescente em ambiente
familiar e comunitário, respeitando sua individualidade, fortalecendo a função protetiva
da Família de Origem e apoiando o retorno da criança ou adolescente a essa família ou
respaldando o processo de colocação em Família Substituta.
18
ARTICULAÇÃO COM A REDE
Quando uma criança ou adolescente é afastado do meio familiar por negligência, violência
ou abandono, esta é considerada uma situação de alta complexidade. Em muitos casos,
vários profissionais já se envolveram no atendimento à família mesmo antes do acolhimento.
Essa “rede” de profissionais irá iniciar ações para avaliar a gravidade da situação e os riscos
aos quais estão submetidas as crianças e adolescentes e propor medidas para a recuperação
da capacidade protetiva dos pais ou responsáveis. Na prática, essas ações podem envolver
o início de um tratamento para a dependência química, a orientação familiar, o apoio e as
orientações quanto ao cuidado em saúde, a inclusão em programas socioassistenciais, entre
outras.
Na Assistência Social, os equipamentos que exercem essa função são o CRAS e o CREAS,
que atuam nas situações a depender de sua complexidade ou risco. Na saúde, diversos
equipamentos também atuam, como as UBSs, os CAPS, entre outros. Na educação, pelo
seu contato cotidiano com as famílias, as escolas representam um papel importante na
identificação de crianças e adolescentes submetidos a violações de direitos.
19
Toda essa rede que se organiza e articula para atender as crianças e adolescentes em ameaça
ou violação de direitos é chamada de Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
Adolescente – SGDCA.
Pro
Inte teção
SISTEMA DE GARANTIAS DE DIREITOS é n gral Mobilização
DA CRIANÇA E ADOLESCENTE me ossa
ta! Participação
Integração
Política Divulgação
Profissionalismo
de Garantia Popular
Compromisso CREAS/ do Convívio
com a causa CRAS Familiar
Política/
Programa Política/
Tratamento p/ Programa Política/
Drogadição de Apoio Programa
e Proteção Orientação
Secretaria
à Família Pais ou
Municipal
Assistência Respon.
Social CMAS
Secretaria e outros
Municipal Conselhos Monitoramento
de Saúde Setorias Constante
CMDCA Política/
Programa
Ministério Reinserção e
Público Contraturno
Escolar
Polícia Conselho
Civil e Juizado Tutelar
Militar da Infância
e Juventude
Política/ Secretaria
Programa Municipal
Sócioeducativo Educação
Defensoria
Pública
CAPS
PROTEÇÃO
INTEGRAL
Recursos Orçamento
Públicos prioridade Criança
Questões tão complexas que envolvem o acolhimento exigem ações integradas, sistemáticas
e colaborativas. A atuação em rede acontece de várias formas. A construção do Plano
Individual de Atendimento (PIA), elaborado para todas as crianças e adolescentes acolhidos
e atualizado a cada 3 meses, deve ser realizada de forma participativa. Deve envolver
diferentes atores envolvidos no caso, como os profissionais do Serviço de Acolhimento, do
CREAS, das unidades de Saúde, da Educação, Habitação, as equipes técnicas da Vara de
Infância e Juventude, Organizações da Sociedade Civil que atendem os acolhidos, entre
outros. Essas discussões são oportunidades efetivas de troca de experiências entre os
profissionais e permitem elaborar um diagnóstico do caso e planejar as ações necessárias
ao desacolhimento.
20
Para exemplificar a dimensão dessa rede, para cada acolhimento a equipe técnica
do Serviço de Acolhimento Familiar faz articulações com:
• A Atenção Básica em Saúde e a rede de Saúde Mental, que por vezes atendem a
Família de Origem e o acolhido;
• A Defensoria Pública;
Para que tenham efetividade, essas ações devem ser monitoradas e seus resultados
avaliados e atualizados periodicamente visando à melhor qualidade do trabalho e
seu impacto na melhoria das condições de vida das crianças e adolescentes.
21
CAPTAÇÃO, SELEÇÃO E CADASTRO
DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS
A partir da nossa experiência, dos relatos de outros Serviços de Famílias Acolhedoras (no
Grupo de Trabalho sobre Serviços de Acolhimento em Família Acolhedora do estado de
São Paulo) e da literatura científica sobre o tema (Gubert, Cordeiro, Furtado e Garcia, 2015;
Nunes, 2018), podemos perceber que a divulgação e a captação de famílias interessadas em
acolher são os maiores desafios dos Serviços novos. São necessários alguns anos de intenso
trabalho de divulgação na comunidade, até que a população modifique sua compreensão
sobre o acolhimento e vença os preconceitos e medos que sente ao ouvir falar sobre isso
pela primeira vez.
Os processos de seleção são específicos para cada Serviço de Família Acolhedora, mas é
fundamental que ele inclua um processo de capacitação, para que, minimamente, a Família
Acolhedora compreenda o que é a medida de acolhimento e o seu papel nesse contexto.
Por último, a equipe técnica envia relatório para a Vara da Infância e Juventude para cadastrar
a Família Acolhedora como apta a realizar acolhimentos, vinculados àquele Serviço de
Família Acolhedora.
22
COMO ESTÁ O ACOLHIMENTO FAMILIAR
NO BRASIL HOJE?
O cuidado mudou
ao longo do tempo
O Acolhimento Familiar surgiu em resposta
a condições históricas específicas, tais
como situações de guerra e pós-guerra,
crises econômicas e de avaliações sobre os
efeitos prejudiciais da institucionalização de
crianças, exigindo mudanças de paradigmas
em relação à infância e ao status da família
(Cerutti, 2010).
Todas as mudanças legais são parte do caminho necessário para a mudança da realidade.
A efetiva alteração do cenário brasileiro ainda necessita percorrer um longo caminho. O
primeiro Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento
foi realizado pelo então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre 2009
e 2010 (Assis & Farias, 2013). Os dados mostraram que, naquele momento, aproximadamente
95% dos acolhimentos eram realizados por instituições atendendo 98% das crianças e
adolescentes acolhidos – ou seja, dos Serviços de Acolhimento em funcionamento, apenas
5% eram de Famílias Acolhedoras e esses Serviços acolhiam apenas 2% do total de
crianças e adolescentes acolhidos.
Esses números têm mudado nos últimos anos e mostram que temos muito a caminhar.
Observando os dados de 2018 e 2019, podemos notar que entre esses anos houve
significativos aumentos nos números de Serviços de Acolhimento em Famílias Acolhedoras
(15%) e de crianças e adolescentes acolhidos neles (11%). No entanto, é importante lembrar
que os números mudaram também na modalidade de acolhimento institucional, dessa forma,
comparando os números dos Serviços de Acolhimento em Famílias Acolhedoras com os
dados dos Serviços de Acolhimento Institucionais, notamos que, em números totais do
país, os Serviços de Acolhimento em Famílias Acolhedoras cresceram apenas 2% entre
2018 e 2019 e o número de acolhidos em Famílias Acolhedoras cresceu apenas 1% entre
os dois anos.
23
DEMONSTRATIVO DE UNIDADES INSTITUCIONAIS E FAMILIARES
2.849 2.826
Diminuição de 1%
no nº de unidades de
acolhimento institucional
Institucional
90% 88%
Familiar
Aumento de 15%
10% 12% no nº de unidades de
acolhimento familiar
2.849 2.826
2018 2019
31.640
30.702
Diminuição de 3%
no nº de acolhidos em
instituições
Aumento de 11%
4% 5% no nº de acolhidos em
Famílias Acolhedoras
1.377 1.535
2018 2019
24
Lembramos que, em meados de 2017, o então Ministro do Desenvolvimento Social e
Agrário, Osmar Terra, assumiu como meta do Governo Federal zerar o número de crianças
entre zero e seis anos em acolhimento institucional até 2018 (Brasil, 2017). Entretanto, ao
final de 2018, ainda havia 32 SAICAs que atendiam exclusivamente a faixa etária de zero
a cinco anos (Censo SUAS 2018). Em fevereiro de 2020, o atual Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos voltou a anunciar que o “governo brasileiro vai priorizar
a política de acolhimento familiar como a melhor alternativa ao acolhimento institucional
(abrigo) para evitar, ao máximo, a institucionalização de crianças e adolescentes em situação
de vulnerabilidade” (Brasil, 2020).
25
2ª PARTE
No Brasil, esse é um trabalho voluntário. Na maior parte das cidades, é fornecido um auxílio
financeiro para os gastos envolvidos nos cuidados diários de mais uma pessoa na casa.
17% 69% 6%
Osasco está entre os 6% com maior valor, hoje a bolsa para as Famílias Acolhedoras é de
aproximadamente R$1.200.
26
DEPOIMENTOS DAS FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE OSASCO
A princípio, pensei que acolher uma criança ou jovem seria uma forma de ajudá-los a quebrar uma
sequência de falta de oportunidades na vida. Nunca imaginei o enorme ganho que venho tendo
com essa experiência. Ver o progresso da nossa criança, em vários aspectos, é impagável!
Com carinho, disciplina e dedicação, conseguimos reverter em 6 meses todo o déficit que ela
tinha na área do aprendizado. Recuperamos sua autoestima e, tenho certeza, resgatamos a pessoa
incrível que nem ela sabia existir.
Quando iniciamos no programa Família Acolhedora, imaginávamos ajudar e fazer a diferença para
alguém. Mas a realidade mostrou-se muito além disso.
Precisamos preparar também a nossa família para cada acolhimento, afinal é uma mudança muito
grande e é necessário que todos estejam preparados e dispostos a viver essa mudança. Às vezes
nos privamos de algumas coisas para podermos participar desse acolhimento, mas o cuidado com
nossa própria família é muito importante, pois, se for feito sem esse cuidado, pode gerar mal-estar
familiar, o que consequentemente gerará um acolhimento difícil para todos.
Hoje, meu esposo teve que sair e eu fiquei encarregada de ajudar a menininha com as lições.
Como estou “por fora” das matérias (e com a energia baixa) não consegui orientá-la. Quando meu
esposo chegou, eu disse que não tinha sido culpa dela. Qualquer criança de 10 anos teria dito: “isso
mesmo! A tia é que não soube me explicar”. Qual a reação da menininha? “Não! A culpa foi minha!
Eu é que deveria ter estudado melhor!”
De todas as muitas qualidades, seu caráter e seus valores são o que mais me encanta.
27
QUEM É ACOLHIDO POR FAMÍLIAS ACOLHEDORAS?
Por lei, toda criança e adolescente com determinação judicial para acolhimento pode ser
acolhido por Famílias Acolhedoras. No entanto, por muitas diferenças que existem nesse
modelo de acolhimento, são as Famílias Acolhedoras que escolhem o perfil do acolhimento
que poderão realizar, levando em conta fatos como:
• A organização familiar
Em que quarto o acolhido irá dormir? Ele precisará dividir quarto com
alguém que já mora na casa? Se sim, como será essa divisão?
28
Há diversas pesquisas mostrando os impactos da institucionalização na primeira infância*.
Por isso, o acolhimento familiar brasileiro vem sendo focado na primeira infância.
Você também pode ver alguns exemplos de bons cuidados institucionais em:
29
É importante levar em conta também o legado que a FEBEM deixou, até hoje, no imaginário
popular. Por reunir no mesmo lugar aqueles que tinham cometido alguma infração e os que
não podiam ser cuidados por sua família, ainda encontramos muitas pessoas com dificuldade
de entender como funciona o acolhimento de adolescentes.
30
DEPOIMENTOS DAS FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE OSASCO
O acolhimento é o relacionamento mais intenso que já vivi. Lembro bem do sentimento ao ver o
rostinho dos nossos acolhidos pela primeira vez e a sensação, quase instantânea, de proteção e
pertencimento à rotina da nossa família. Existe em nós uma urgência de trazer a eles o máximo de
cuidado e afeto que pudermos durante aquele breve período que viveremos juntos. Digo isso não
com a intenção de romantizar o processo. Pelo contrário… Como todo relacionamento profundo,
o verdadeiro ato de acolher e ser acolhido é construído no dia-a-dia, à base de trocas positivas e
negativas. O aprendizado é enorme e acompanhar de perto as transformações de vidas e histórias
é muito gratificante.... É ter a certeza, na despedida, que tudo valeu a pena.
Acolher uma criança é uma experiência difícil. Mas é aquele tipo de dificuldade que nos faz crescer
porque provoca sentimentos e nos convoca a lidarmos com eles. Entre a chegada de uma criança
desconhecida ao nosso lar e a partida de alguém que se tornou parte da dinâmica familiar, somos
levados a lidar com afetos e a refletir sobre o nosso próprio papel em cuidar do outro e, por que
não, de nós mesmos.
“Cuidado” – esta palavra que deveria ser a tônica das relações humanas e, ao mesmo tempo,
encontra-se tão em falta no mundo – também é algo que se aprende a cultivar pelo exercício. O que
nos levou a nos tornarmos uma família acolhedora foi justamente a percepção de que poderíamos
oferecer cuidado a algumas crianças que dele necessitam. Acredito que seja isto que motive a
maioria das famílias que aderem ao serviço. O que nem sempre fica claro de início, contudo, não
é o cuidado que podemos oferecer a essas crianças, mas o que elas nos ensinam sobre o cuidado
que devemos ter com nós mesmos e com o outro. Em outras palavras, nós entramos no serviço
pensando naquilo que podíamos oferecer, mas a cada acolhimento fomos reconhecendo o quanto
essas crianças têm a nos ensinar.
Ser Família Acolhedora abriu os meus olhos para o que acontece além da nossa casa. Apesar da
negação de outros familiares, seguimos em frente, sendo esta uma experiência nova, e isso envolveu
a família toda e amigos que se comoveram com a situação. Como é o meu primeiro acolhimento,
ainda não sei como será a partida, mas hoje espero que eu esteja fazendo o bem para esta criança.
Que a minha família seja a mudança na vida desta criança. Hoje ela é uma grande companheira no
meu dia a dia e espero que ela faça a outra família feliz.
Minha experiência como família acolhedora está sendo agora bastante desafiante a curto prazo,
mas a longo prazo não tem preço. Meu primeiro acolhimento foi um bebê, portador do vírus HIV,
e muitos perguntavam como era pra mim em relação ao vírus, queriam saber como eu lidava. Na
prática foi muito tranquilo. Se um dia eu fosse optar pela adoção, não teria problema algum em
adotar uma criança com HIV. Foi muito marcante esse cuidado com ele, mudou nossas vidas e a vida
de pessoas em nossa volta, que tinham poucas informações sobre o assunto, o que é um absurdo
nos dias atuais. Foi uma oportunidade para mostrar “o vírus” de outro ângulo.
31
COMO NOMEAR OS MEMBROS DA FA?
Esse é outro tema sobre o qual não há consenso entre os Serviços de Famílias Acolhedoras
do país.
É importante ressaltar que a família do acolhido permanece sendo sua Família de Origem, a
menos que haja decisão judicial determinando a destituição do poder familiar. Quando isso
ocorre, juridicamente, a criança/adolescente não faz parte de nenhuma família até que seja
adotada por uma Família Substituta.
32
QUAIS SÃO AS POSSIBILIDADES DE DESACOLHIMENTO?
3. Ao completar a maioridade
Pela experiência que estamos construindo no Canguru, entendemos que podemos contribuir
com discussões sobre os dois últimos motivos.
33
DESACOLHIMENTO POR ADOÇÃO
Passos da Aproximação
Estratégias utilizadas:
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III) Encontro: Pretendentes, VIJ, SFA e Família Acolhedora
Estratégias utilizadas:
Estratégias utilizadas:
• Apresentar os Pretendentes pelos seus nomes, evitando frases tais como “agora você
vai conhecer seu papai e sua mamãe”.
Objetivo principal: realizar uma aproximação gradual dos Pretendentes com a criança
ou adolescente, para que ela possa viver essa experiência de transição entre famílias,
acomodando em si todas as histórias que fazem parte de sua vida.
Estratégias utilizadas:
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Em momentos normais (sem pandemia), esses encontros ocorriam principalmente em
ambientes externos, como parques e praças, sendo muitos na sede do Serviço também.
Mas, com a experiência da pandemia, precisamos reduzir os encontros externos e limitarmos
os encontros à sede do Serviço e às casas das Famílias Acolhedoras, incluindo algumas
vezes a casa dos Pretendentes. Com isso, notamos que, nos casos em que a criança ou
adolescente só encontrou os Pretendentes em ambientes sem vinculação afetiva, o processo
foi vivenciado como algo mais confuso, pois algumas crianças entendiam aqueles encontros
como algo semelhante ao ato de ir à escola, onde encontravam adultos fora do seu círculo
de convívio e faziam alguma atividade, para depois voltar para sua casa com as referências
afetivas. Assim, aprendemos que no caso do acolhimento familiar é importante que, pelo
menos um desses encontros de aproximação ocorra na casa da Família Acolhedora –
sendo necessário, para tanto, que a Família Acolhedora se disponha à essa possibilidade
desde o processo de preparação. Visa-se, com esse tipo de encontro a que a criança ou o
adolescente possa ver suas referências afetivas compartilhando o mesmo ambiente onde se
sente em casa, facilitando nesse momento a compreensão de transição entre famílias.
Além desses benefícios, entendemos que esse encontro na casa da Família Acolhedora
pode transmitir confiança e transparência ao processo.
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Durante esses passos da aproximação, alguns indicadores são observados, para confirmar
que a criança ou adolescente está se adaptando ao novo núcleo familiar. São eles:
Indicadores
Para bebês:
Pretendentes conseguirem alimentar e fazer dormir sem a
intervenção da Família Acolhedora
A parte mais gostosa e também a mais difícil de um acolhimento é ver a criança indo para seu lar
definitivo. É um misto de sensações, missão cumprida, perda, saudades e ao mesmo tempo uma
felicidade em presenciar aquele encontro tão incrível com seus pais, aquele encontro de almas... é
algo simplesmente impagável de se ver, de se vivenciar, acredito que é comparável apenas com a
sensação de assistir um parto.
Os Serviços de Acolhimento são uma política pública que lida com vidas em momento
peculiar de sua história e seu desenvolvimento. Momentos marcantes na constituição
subjetiva dos acolhidos.
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A proposta desta cartilha é valorizar a história de vida da criança ou adolescente. Isso vai na
contracorrente do que historicamente ocorreu com essas pessoas. Como citamos no início,
crianças e adolescentes que não podiam ser cuidados por suas Famílias de Origem também
deixavam de ter direito à sua história, sendo cuidados de forma massificada em instituições
em que eram invisibilizadas socialmente.
Todos esses passos e cuidados na transição são para cuidar de um processo em que a
negligência do Estado e a violação de direitos foi transformada em situações de abandono. Por
isso a necessidade de atenção às reproduções perigosas que podem ocorrer nos processos
de acolhimento e adoção quando fragmentamos a vida dessas crianças e adolescentes de
maneira a intensificar a sensação de abandono. Nesse sentido, entendemos que a aliança
entre as Famílias Acolhedoras, os Pretendentes e as técnicas do SFA e da VIJ é fundamental
para a construção de narrativas de vida em que o presente, constituído por essas práticas
institucionais, carregue de forma potente as histórias do passado.
A partir dessas preocupações, foram pensadas algumas estratégias, para serem realizadas
após o início do período de convivência:
Antes de sabermos de você, ficamos pensando se estávamos realmente prontas para recebê-lo, se
vamos conseguir mais uma vez, se é o momento certo e se vai ser bom para você e para nós. É um
momento de reflexão, dúvidas e muita vontade de viver isso novamente. Quando entendemos que
sim, que podemos novamente e que tudo vai dar certo, começamos a ficar ansiosas, entusiasmadas,
imaginando quem será o próximo ou a próxima. “Que tamanho será que vai ter? De qual história
vai vir? Será que vai ser logo? Ou será que vai demorar muito?” Essas são só algumas de nossas
perguntas. E elas aparecem todas as vezes!
Quando recebemos a ligação para nos perguntar se queríamos saber de mais um caso, de mais
uma criança que pensaram para nós e que fomos pensadas para ela, é o momento que o coração
dispara. É quando pensamos: “Chegou? É você que vai viver com a gente pelos próximos tempos?
É de você que a gente vai cuidar? É você que também vamos amar?” E aí, se for você, vai começar
uma história nova e linda, com algumas dificuldades, como toda história, mas com amor, dedicação,
expectativas, preocupações e com muitos acontecimentos, como toda boa história. E então vamos
te conhecer, e vai ser aquele encantamento, aquele medo enorme e delicioso de começar a se
relacionar com uma pessoa nova e tão pequena, cheia de passado e com um futuro enorme pela
frente, que vai estar ali na nossa vida pra gente proteger, cuidar e ensinar por um tempo até curto,
mas intenso.
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Te levamos para casa e vamos nos descobrindo, nós a você e você a nós. É muita informação. Em
vários momentos é desafiador. Você precisa confiar em nós e nós precisamos acertar com você.
Mas na maioria dos momentos é delicioso. Cada sorriso de graça, cada carinho, cada evolução sua
e cada aprendizado nosso não tem preço! E vai ter tudo isso, pode ter certeza!
Então algum tempo passa e vai chegando a hora da sua “família para sempre” chegar. Sim, já
estamos com medo e entusiasmadas, preocupadas e felizes, ansiosas e tristes. A sua família para
sempre vai nos conhecer. Será que eles vão aceitar a gente? Será que vão entender a nossa relação?
Será que vão respeitar o nosso vínculo? Será que a gente vai fazer tudo da melhor maneira para
que você se sinta seguro? São épocas muito angustiantes e de muita expectativa. A gente acha que
você percebe toda essa movimentação e entende que de alguma maneira a sua vida vai mudar de
novo. Então, são épocas em que todos nós precisamos de acolhimento, porque vai chegar o dia de
você ir embora. Antes disso vamos tentar explicar o que está acontecendo para você, vamos tentar
cuidar dos seus medos, mesmo que a gente só os deduza e não saiba muito bem como evitá-los,
vamos estar do seu lado e deixar claro que todas as vezes nós amamos você, e que vai ficar tudo bem!
O dia de ir embora chega, vai ser muito bonito. Tem uma família toda te esperando há muito tempo.
Você pode ser o melhor presente deles, e eles tiveram que se dedicar muito para ter você. Nesse
dia vamos ficar muito felizes e aliviadas, mas também estaremos preocupadas e tristes.
Sim, é contraditório, não é? Mas na verdade é assim mesmo! Vamos te explicar o porquê. Você
não vai estar mais com a gente, mas vai estar onde deve estar. Você estará sendo muito amado, ou
amada, e nós estaremos sentindo sua falta.
Nos primeiros dias não temos muito como saber como será para você, mas imaginamos que você
não deve estar entendendo muito bem o que aconteceu. Imaginamos que deve se perguntar por
que sumimos. “Por que não somos nós que estamos cuidando de você? São essas pessoas agora?”
E imaginamos que você vai sentir nossa falta. Daqui, vamos ficar torcendo para sua família acolher
o seu momento, porque poderá ser um momento difícil, mas estaremos felizes porque agora você
está em um novo caminho, seguro e para sempre. E nós estaremos aliviadas porque fizemos tudo o
que estava ao nosso alcance e o nosso melhor possível para aqui ser o melhor lugar do mundo para
você, enquanto você estava com a gente.
Nos primeiros dias vamos ficar pensando se você comeu, se dormiu, se chorou, se brincou, se o
banho foi gostoso, se se divertiu. Vamos passar vários dias assim, pensando em você o tempo
todo. Depois vamos ficar mais calmas e confiar que tudo está bem, vamos sentir sua falta, seu
cheiro vai estar pela casa, suas coisas vão estar bagunçadas. Vamos mudar nossa rotina de novo
porque agora não tem mais você. Vamos descansar e em cada coisa que mexemos vamos lembrar
que você não está mais aqui. Vamos voltar para casa e procurar outras coisas pra fazer. Vamos ficar
imaginando o que você está fazendo naquele momento, se conheceu muitas pessoas novas, se está
brincando com outros brinquedos, como está a sua nova vida, se a sua saúde está boa, se você está
aprendendo muito. Enfim, vamos pensar muito em você. Estaremos dentro de você num cantinho
bem guardado, que talvez você tenha até se esquecido onde guardou, mas em nós você ocupará
um cantinho que lembraremos e relembraremos para sempre.
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COMO NOMEAR O BEBÊ
Em nossa experiência, observamos que existem duas maneiras diferentes de atribuir nomes
aos bebês em suas certidões de nascimento:
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COMO NOMEAR A FAMÍLIA ADOTIVA
As famílias adotivas costumam passar por um longo processo até conhecerem seu tão
esperado filho. A decisão por essa forma de filiação ainda enfrenta muitos preconceitos na
nossa sociedade. Por isso, sabemos que os Pretendentes chegam ao aguardado primeiro
encontro carregando a ansiedade de uma longa história de espera e de diversos processos
até aquele dia, assim, entendemos que queiram finalmente ser reconhecidos como pais e
mães o mais rápido possível.
Por outro lado, também é fundamental considerar todo o processo que a criança ou o
adolescente está vivenciando neste momento. Eles também têm uma longa história de vida,
anterior àquele encontro. Já tiveram outra filiação, e essa primeira relação tem valor (só eles
poderão atribuir qual). E, principalmente, é importante levarmos em conta que a criança
ou o adolescente tem pouquíssima autonomia em todo esse processo de acolhimento e
destituição (são os adultos que decidem pelo que seria o melhor para ela). Por tudo isso,
há um processo, um tempo, para que a criança ou o adolescente reconheça os adultos da
família adotiva como seus pais e mães.
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DESACOLHIMENTO POR MAIORIDADE
No Brasil, a juventude atual apresenta uma condição peculiar frente à realidade de outras
gerações. Homicídios são a principal causa de mortalidade de jovens entre 15 e 29 anos,
segundo o Atlas da Violência de 2020, e, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),
eles apresentam um alto índice de suicídio. É importante considerar também que 26,2% dos
estudantes matriculados no Ensino Médio estão fora da idade correta para a série escolar,
de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP).
Um dos motivos para esse grande número de adolescentes acolhidos é a diferença gritante
e já conhecida entre o número de Pretendentes cadastrados para adotar e a quantidade de
crianças e adolescentes aptos para adoção. Essa divergência aumenta conforme a idade,
tendo em vista que a maior parte dos Pretendentes deseja bebês e crianças pequenas, e a
maior parte daqueles que aguardam para serem adotados é formada por adolescentes
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A IMPORTÂNCIA DO ACOLHIMENTO
FAMILIAR PARA ADOLESCENTES
Ele veio para mostrar como podemos fazer a diferença na vida de cada um. Uns de uma maneira
mais visível, outros de uma maneira sutil, percebendo e trabalhando as dificuldades para prepará-
lo para o seu caminho, que nem sempre é o que sonhamos, mas para que seja o mais leve e feliz
possível para ele.
Acolher um adolescente é como ler um livro de trás para frente, você tem que tomar cuidado para
não avançar rápido demais, e cuidado também para não deixar o adolescente se sentir intruso onde
ele deve se sentir em casa. Afinal, pelo tempo que for necessário, sua casa é a casa dele.
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O PAPEL DA FAMÍLIA ACOLHEDORA
NO PLANO DE MAIORIDADE
A questão do acesso à educação também é um fator que prejudica o processo de busca por
autonomia financeira, pois esses jovens, pela própria situação de negligência de direitos que
viveram, tiveram pouco acesso à escola e a maioria, ao chegar no acolhimento, encontra-se
defasada em relação à idade/série escolar.
Uma fala comum nos serviços de acolhimento institucional é que “é preciso se preparar para
o mundo lá fora”. Essa expressão é usada para se referir aos desafios que o adolescente
terá ao completar a maioridade e traz a mensagem de distanciamento e ruptura entre a
vida dentro e fora da instituição, pois estar acolhido não deve ser entendido como estar
separado do mundo, medo de sofrer preconceito, de não conseguir um trabalho, de não ter
apoio e de estar sozinho no “mundo lá fora”.
Os desafios que se colocam são o de promover ações, construir planos e projetos de vida
que desenvolvam a autonomia do adolescente para viver a maioridade de forma a buscar
realizar suas expectativas. O trabalho deve ser desenvolvido com a lógica de que, ao deixar
a proteção de uma instituição ou de um acolhimento familiar, o adolescente possa vivenciar
a oportunidade de assumir a própria vida e, mesmo que isso seja desafiador, construir
planos e projetos de vida. Visamos a que seja uma jornada positiva, cujo destino é uma vida
desejada e sonhada. É direito do adolescente desejar. É dever do Estado que ele tenha
condições para realizar aquilo que busca, o que implica políticas públicas de apoio ao jovem
adulto desacolhido.
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O Plano de Maioridade apresenta um conjunto de ações sistematizadas e consideradas
necessárias ao desenvolvimento de condições e habilidades para o adolescente, a partir
dos 14 anos até os 18 anos, para que possa ter experiências que possibilitem organizar sua
vida. Cabe ressaltar que a palavra habilidades se refere às possibilidades e características
que foram desenvolvidas, a depender, das condições de vida e dos direitos que foram
garantidos.
No Serviço de Família Acolhedora, esse plano é elaborado a partir de uma análise inicial das
habilidades já construídas. Ele é definido junto com o adolescente e, também, com a Família
Acolhedora, levando em consideração a história, os interesses e projetos dos adolescentes.
EIXO AÇÕES
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Planejamento • Desenvolver planilha de orçamento; consumo essencial x
financeiro consumo supérfluo; realizar pesquisas de orçamento; aprender
as diferenças do uso e consumo consciente antecedendo as
compras; realizar compras em supermercados, padarias, feiras e
lojas de móveis, após analisar suas finanças e situação financeira
Autonomia no
• Identificação, localização e movimentação no território urbano
deslocamento pelo
utilizando transporte público coletivo
território
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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____. Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016: Dispõe sobre as políticas públicas para a
primeira infância e altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal),
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no5.452, de 1o de
maio de 1943, a Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei no 12.662, de 5 de junho
de 2012. Brasília, DF, 2016. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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____. Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069,
de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro
de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil,
e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de
1o de maio de 1943; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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_____. (1979). Código de Menores, Lei no 6.697 de 10 de outubro de 1979, institui o Código
de Menores, revogada pela Lei nº 8.069, de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.
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47
_____. (2006). Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS NOB-RH SUAS.
Disponível em: www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-RH.pdf
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Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a
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_____. (2017). Notícias: Governo federal quer zerar número de crianças até 6 anos em abrigos,
publicado em 31/05/2017. Ministério da Cidadania, Secretaria Especial do Desenvolvimento
Social. Disponível em: http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2017/maio/governo-
federal-quer-zerar-numero-de-criancas-ate-6-anos-em-abrigos
48
Neill, Alexander Sutherland. (1976). Liberdade sem medo – Sumerhill: radical transformação
na teoria e na prática da educação. Tradução de Nair Lacerda. São Paulo, SP: IBRASA.
Nota Técnica n° 91. Diretoria de Estudos e Políticas Sociais: IPEA. Janeiro 2021.
O CONTADOR DE HISTÓRIAS. Luiz Villaça. 1 vídeo (106 min). Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=kRJwQg-oavc.
O MENINO 23. Belisario Franca. 1 vídeo (91 min). Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=E1fHaFhYV3w.
49
____. (2008). O Acolhimento Familiar como Garantia do Direito à Convivência Familiar e
Comunitária. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
BORIS, Fausto. História do Brasil. 12ª ed. 1ª reimpr - São Paulo: EDUSP. 2006.
50
ANEXO
Nome
Data de Nascimento
Filiação
RG
CPF
Endereço completo
Telefones
2. Parecer Técnico
- Histórico afetivo da família e história de vida: por quem foram criados, referências
afetivas, como era o ambiente familiar na infância e adolescência, entre outros;
- Histórico geral da Família Acolhedora – se for um casal, como iniciaram o
relacionamento, se houve uniões anteriores, se há filhos e como os filhos entendem a
participação no acolhimento familiar; quem são os moradores da casa; se há filhos,
como é a relação entre os irmãos; quem faz parte da rede de apoio daquela família,
entre outros;
- Descrição das condições de habitação, higiene, segurança e privacidade da casa,
analisadas em visita domiciliar;
- Descrição individual dos guardiões – se mais de um – acerca da profissão, renda e
rotina de trabalho, ressaltando qual a disponibilidade de tempo para dedicação ao
acolhimento familiar, incluindo o acompanhamento técnico envolvido;
- Descrição das relações comunitárias da família – os grupos que frequentam (clubes,
grupos religiosos) e lugares que habitualmente visitam, como casas de temporada,
entre outros;
- O motivo do interesse em ser Família Acolhedora;
- Características da personalidade dos guardiões – se mais de um – analisadas pela
equipe técnica durante os encontros de apresentação e capacitação do serviço, e
como elas podem se expressar no acolhimento familiar.
Rua Dom Ercílio Turco, nº 180 – Bela Vista – Osasco/SP - CEP: 06080-000 - tel.: 2183-6744
[email protected]
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