Nova Dissertação Ferrao
Nova Dissertação Ferrao
Nova Dissertação Ferrao
Rio de Janeiro
2022
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV
146 f.
CDD – 353
Objetivo: Apontar soluções alternativas para que a gestão educacional municipal no Rio de
Janeiro, cuja rede é a maior do Brasil em número de escolas públicas geridas, promova
resultados de aprendizagem dos seus estudantes com mais qualidade e equidade.
Limitações: Apesar de cumprir seus objetivos, essa pesquisa apresentou algumas limitações
que podem ser abordadas em futuras pesquisas. O período de pandemia pelo qual passamos
entre 2020 e 2022 restringiu de certo modo o acesso às pessoas (e consequentemente a certos
dados) que poderiam contribuir para uma visão ainda mais plural a respeito dos acontecimentos
e percepções relacionadas à tomada de decisão por parte das lideranças educacionais do
município do Rio de Janeiro entre 2013 e 2020. Um segundo ponto a ser abordado aqui é que
os números oficiais primários disponíveis, como os produzidos pelo IBGE e Censo Escolar,
ainda não capturaram completamente as consequências do longo período de fechamento das
escolas. Não sabemos ainda dimensionar, por completo, os efeitos globais provocados pela
adoção (ainda que precária) das soluções de ensino remoto ou, principalmente, os prejuízos
para as camadas mais vulneráveis da população. Outro ponto a ser ressaltado aqui é que
usaremos o Ideb como sendo o indicador com legitimidade, no sentido de se avaliar o
aprendizado dos nossos alunos – seguindo a própria política do MEC. Sendo um indicador
calculado a partir de notas padronizadas (obtidas pelos estudantes na Prova Brasil), em Língua
Portuguesa e Matemática, apenas, além do fator relativo ao fluxo escolar, reconhecemos que o
Ideb ainda se apresenta com limitações para caracterizar a ampla diversidade de contextos e
dimensões da educação brasileira. As condições de aplicação das provas, o método estatístico
considerado, a correlação com nível socioeconômico entre outros, são fatores que podem
dificultar, ainda mais, a precisão da análise a ser feita.
Objective: To point out alternative solutions so that the municipal educational management in
Rio de Janeiro, whose network is the largest in Brazil in number of public schools managed,
promotes learning results for its students with more quality and equity.
Methodology: The research had a hybrid approach, with qualitative and quantitative aspects.
The transversal qualitative approach involved a survey and analysis of recent documents (public
policies, articles and theses) and the study of reports published by the MEC and by bodies
linked to the Education Departments, such as: National Education Plan, Brazilian Education
Guidelines and Bases Law, School Census, Basic Education Yearbooks and Reports. The
collection of primary data was made from the accomplishment and analysis of semi-structured
interviews (with script, face to face or by virtual platform, depending on the situation) with
(former) secretaries of education, technicians of the regional coordinators, professionals linked
to the Teachers' Union, managers of non-governmental organizations, school directors and
teachers. Content analysis was carried out based on the material obtained in the interviews,
which sought to identify perceptions of the interviewees' own experiences in relation to the
topic, due to the importance of the functions they performed, extending to the behavior of
people or groups, the functioning of institutions, conflicts, forms of group cooperation and
transition situations over time. In the case of secondary quantitative data, priority was given to
official government sources. The work used as a reference the models adopted by educational
systems, both in subnational and international networks, which describe the factors that lead to
the construction of a coherent governance of public basic education, continuously leading
students to obtain better learning outcomes and in tune with the established goals. The literature
visited was confronted with specific practices arising from successful Brazilian subnational
cases, such as in the capital Teresina (PI), in the state of Ceará, in addition to the international
example of successful reform, in Ontario (Canada).
Limitations: Despite fulfilling its objectives, this research had some limitations that can be
addressed in future research. The pandemic period that we went through between 2020 and
2022 somewhat restricted access to people (and consequently to certain data) that could
contribute to an even more plural view of events and perceptions related to decision-making by
leaders educational institutions in the city of Rio de Janeiro between 2013 and 2020. A second
point to be addressed here is that the official primary figures available, such as those produced
by the IBGE and the School Census, have not yet fully captured the consequences of the long
period of school closures. We still do not know how to fully measure the global effects caused
by the adoption (albeit precarious) of remote teaching solutions or, mainly, the damage to the
most vulnerable sections of the population. Another point to be highlighted here is that we will
use Ideb as the legitimate indicator, in the sense of evaluating the learning of our students -
following the MEC's own policy. As an indicator calculated from standardized grades (obtained
by students in the Prova Brasil), in Portuguese and Mathematics, only, in addition to the factor
related to school flow, we recognize that IDEB still has limitations to characterize the wide
diversity of contexts and dimensions of Brazilian education. The conditions of application of
the tests, the statistical method considered, the correlation with socioeconomic level, among
others, are factors that can make the precision of the analysis to be carried out even more
difficult.
Applicability of the work: Stimulate a careful and broad debate on the central points of the
educational challenges of the municipal network of Rio de Janeiro at the present time. Our hope
is that by sharing what we learn, we can spark new conversations about what it would mean to
build, in the future, an education system where quality learning is no longer the exception but
the rule.
Contributions to society: Enable citizens to LEARN a set of skills and acquire skills that will
enhance their talents and allow for the construction of prosperity, the reduction of inequalities,
the eradication of poverty and sustainable development.
Originality: Presentation of the reports of all former municipal education secretaries in Rio de
Janeiro between 2009 and 2022, regarding the challenges of managing a network as complex
as that of the municipality of Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. In addition, from the comparison
of these reports with the theory, to suggest priority paths to have a significantly better picture
in the future.
Figura 1: "Framework" de ações propositivas que suportam reformas em redes de grande porte
................................................................................................................................. 44
Figura 2: Coherence Framework .............................................................................................. 47
Figura 3: Organograma da SME-RJ ......................................................................................... 64
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Evolução do Ideb nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental no RJ entre 2005 e
2019 ....................................................................................................................... 29
Gráfico 2 - Evolução do Ideb nos anos finais do ensino fundamental no RJ entre 2005 e 2019
............................................................................................................................... 29
Gráfico 3 - Escolas afetadas por tiroteios com a presença de agentes de segurança ............... 60
Gráfico 4 - Frustração de Receita: Receita Prevista na LOA x Receita Executada ................. 63
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 17
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO E RELEVÂNCIA DO PROBLEMA ................................. 17
1.2 FEDERALISMO, ABRANGÊNCIA E FINANCIAMENTO ...................................... 19
1.3 RESULTADOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL E NACIONAL .......................... 25
1.4 PERGUNTA DA PESQUISA, JUSTIFICATIVA DE ESCOLHA E OBJETIVO(S) DO
ESTUDO ...................................................................................................................... 32
1.5 MÉTODO DE PESQUISA ........................................................................................... 33
1.6 (DE)LIMITAÇÃO DO ESTUDO ................................................................................. 35
1.7 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ............................................................................ 35
2 REVISÃO DE LITERATURA E REFERENCIAIS ............................................... 38
2.1 O QUE CONSIDERAMOS GOVERNANÇA PÚBLICA ........................................... 38
2.2 ESTRUTURAS TEÓRICAS PARA MELHORIA CONTÍNUA E SUSTENTÁVEL DE
RESULTADOS EDUCACIONAIS ............................................................................. 41
2.3 CANADÁ E CEARÁ: SISTEMAS EDUCACIONAIS COM EXCELENTES
RESULTADOS E REGIMES DE COLABORAÇÃO FORTALECIDOS ................. 49
2.3.1 A reforma da educação básica no Ceará e o regime de colaboração ..................... 49
2.3.2 O modelo de cooperação federativa no Canadá ....................................................... 51
2.4 UMA OUTRA BOA PRÁTICA NO BRASIL: TERESINA (PI), A CAPITAL QUE SE
TORNOU A DE MELHOR IDEB DO BRASIL ......................................................... 52
3 A REDE MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO ENTRE 2013 E 2020 .................. 57
3.1 FATOS DO CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO E SOCIAL ENTRE 2013-2020
...................................................................................................................................... 58
3.1.1 Alternância política, aspectos sociais, além do início da pandemia do COVID-19 -
fatos e dados do período 2013-2020 .......................................................................... 58
3.1.2 Paralisações e reivindicações dos profissionais de educação entre 2013 e 2020 .... 60
3.1.3 A crise nas contas públicas da cidade (2013-2020) ................................................... 62
3.2 A ESTRUTURA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E
RESULTADOS EDUCACIONAIS ............................................................................. 64
3.2.1 Recursos Humanos ...................................................................................................... 65
3.2.2 As Coordenadorias Regionais de ensino e as escolas da rede ................................. 66
3.2.3 Alguns resultados da rede associados ao Plano Nacional de Educação ................. 68
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E RESULTADOS DE ENTREVISTAS
E QUESTIONÁRIOS................................................................................................. 77
4.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A LIDERANÇA NA SECRETARIA MUNICIPAL DE
EDUCAÇÃO NO RIO DE JANEIRO ENTRE 2013 E 2020 ...................................... 78
4.2 O QUE PROFESSORES E DIRETORES DA REDE MUNICIPAL DO RIO DE
JANEIRO APONTARAM NOS QUESTIONÁRIOS DO SAEB, EM 2019 - QUANTO
À IMPORTÂNCIA DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS E AO APOIO DA SME ..... 81
4.3 CATEGORIAS DOS CONTEÚDOS ........................................................................... 85
5 DISCUSSÕES SOBRE OS RESULTADOS E OUTRAS IMPLICAÇÕES .......... 88
5.1 ASSOCIAÇÃO COM A ESTRUTURA DE COERÊNCIA DE FULLAN ................. 88
5.1.1 Direcionar o foco (16 depoimentos) ........................................................................... 89
5.1.2 Cultivar culturas colaborativas (13 depoimentos) ................................................... 90
5.1.3 Aprofundar a aprendizagem (15 depoimentos) ........................................................ 92
5.1.4 Garantir a responsabilização (32 depoimentos) ....................................................... 93
5.1.5 Liderar pela coerência (24 depoimentos) .................................................................. 96
5.2 A ASSOCIAÇÃO COM AS HIPÓTESES FEITAS NO CAPÍTULO 1 ...................... 98
5.2.1 Gestão administrativa ................................................................................................. 98
5.2.2 Gestão de pessoas ........................................................................................................ 99
5.2.3 Orçamento para resultados ...................................................................................... 101
5.2.4 Colaboratividade ....................................................................................................... 103
5.3 ASPECTOS GERAIS E OUTRAS POSSÍVEIS ABORDAGENS ............................ 104
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 107
6.1 EFEITOS DA PANDEMIA ........................................................................................ 107
6.2 PROPOSTA DE FRAMEWORK PARA O RIO DE JANEIRO: 4 ASPECTOS
CULTURAIS PRIORITÁRIOS ................................................................................. 109
6.2.1 Cultura para melhoria contínua - o ciclo PDCA (Plan-Do-Check-Act)............... 109
6.2.2 Cultura de dados - não prescindir da tecnologia e da transparência dos dados . 111
6.2.3 Cultura de colaboração............................................................................................. 113
6.2.4 Cultura do gosto pela aprendizagem ....................................................................... 115
6.3 AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA, LIMITAÇÕES E SUGESTÕES DE
MELHORIAS ............................................................................................................. 117
6.4 SANKOFA .................................................................................................................. 119
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 120
ANEXO A - CATEGORIZAÇÕES E SUBCATEGORIZAÇÕES DE CONTEUDOS
DAS ENTREVISTAS ................................................................................................ 125
17
1 INTRODUÇÃO
E como será que estamos atuando para cumprir o ODS 4? No Brasil, em relação às
competências educacionais, a Constituição Federal de 1988 trouxe o conceito de regime de
cooperação, segundo o qual os entes federativos devem colaborar entre si na oferta da educação,
em um sistema de repartição, em que há áreas de atuação prioritária de cada um.
Cabe aos Municípios e Estados a administração direta de redes de ensino, de modo que:
a educação infantil seja oferecida prioritariamente pelos Municípios; o ensino médio seja
ofertado prioritariamente pelos Estados; e o ensino fundamental seja ofertado de maneira
compartilhada pelos dois. E cabe à União: a organização do sistema federal e seu
financiamento, além da coordenação da educação nacional, por meio de:
• função supletiva e redistributiva, com assistência técnica e financeira aos entes
federativos, por exemplo, com a complementação ao Fundeb;
20
A magnitude e a abrangência são outros dois pontos fundamentais que devemos abordar
com o objetivo de compreender os desafios que estão presentes no contexto da Educação Básica
no Brasil - especialmente no que se refere ao número de alunos, de docentes (aproximadamente
80% dos professores da educação básica estão nas redes públicas) e de escolas existentes no
país. A seguir, apresentaremos três tabelas com essas informações, publicadas no Anuário
Brasileiro da Educação Básica 2021, baseadas em informações do Censo Escolar, realizado
pelo Inep.
Tabela 1 - Número de matrículas em 2020
Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2021).
21
Pela tabela acima, constatamos que a rede pública atende a mais de 80% das matrículas
de nossas crianças e jovens no ensino básico, sendo que a rede municipal corresponde a cerca
de 60% dessa parte, o que esclarece sua relevância. Deste modo, concluímos que pensar
alguma solução para o sistema educacional brasileiro passa por entender como as redes
municipais são geridas.
Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2021).
Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2021).
Por meio da análise da Tabela 3, constata-se que mais de 60% dos estabelecimentos de
ensino, e suas respectivas infraestruturas, são também geridos pelas redes públicas municipais.
22
Vale ressaltar que, em relação à equidade, dentre os vários indicadores que podem ser
produzidos com os dados coletados pelo Saeb, aquele que mensura as condições
socioeconômicas dos estudantes se destaca na literatura educacional devido à sua estreita
relação com as medidas de aprendizagem (ALVES; SOARES; XAVIER, 2014). Esse indicador
de nível socioeconômico auxilia na identificação das desigualdades educacionais e pode
orientar futuros investimentos que contribuam para uma sociedade mais igualitária. O Indicador
de Nível Socioeconômico (INSE), construído pela Diretoria de Avaliação da Educação Básica
(Daeb), com base nos resultados do questionário do estudante do Saeb 2019, tem como objetivo
contextualizar resultados obtidos em avaliações e exames aplicados por este instituto no âmbito
23
da educação básica. Dessa forma, possibilita-se conhecer a realidade social de escolas e redes
de ensino, bem como auxiliar na implementação, no monitoramento e na avaliação de políticas
públicas, visando ao aumento da qualidade e da equidade educacional. O Inse do Saeb 2019 é
a combinação de dois elementos: a escolaridade dos pais e a posse de bens e serviços. Para Rio
de Janeiro, São Paulo e Teresina, os valores de 2019 publicados pelo Inep são os seguintes:
1. as redes municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro são as duas maiores do país,
correspondendo a cerca de 40% do total de matrículas atendidas nas capitais brasileiras;
2. Teresina, no Piauí, é a capital que teve a maior soma de Ideb do país, para anos iniciais
e finais do ensino fundamental, em 2019, mesmo apresentando INSE menor que Rio de
Janeiro e São Paulo.
1
Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores-
educacionais/nivel-socioeconomico. Acesso em: 15 fev. 2022.
24
tempo que os municípios mais pobres não tinham recursos suficientes para assegurar um ensino
de qualidade e eram obrigados a pagar salários muito baixos aos professores, por exemplo.
Diante desse quadro, e com o intuito de reduzir as desigualdades de gasto entre estados
e municípios, foram criados, primeiramente, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) e, posteriormente, o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de
Educação (Fundeb), com o estabelecimento de um valor mínimo por aluno e de distribuição de
recursos entre redes.
Tendo entrado em vigor em 2007, o Fundeb foi um aperfeiçoamento do antecessor
Fundef (1997-2006): com ele, expandiu-se o mecanismo do ensino fundamental para toda a
educação básica e inseriu-se maior parcela de tributos na cesta de redistribuição, inclusive com
mais recursos da União. O Fundeb é um exemplo de política de financiamento educacional
bem-sucedida, com repartição automática de recursos financeiros por critérios exclusivamente
educacionais - e com um critério importante que incentivava a inclusão: a rede com mais
estudantes receberia mais recursos. Em 2020, foi alterado pela Emenda Constitucional 108, que
passou a vigorar em 2021, tornando-o um mecanismo permanente de redistribuição de recursos.
O Novo Fundeb passou a ser constitucional e com critérios mais equitativos.
Por força de dispositivos legais como o Fundeb, entre outros motivos, o Brasil vem
conseguindo ampliar significativamente os recursos destinados à Educação. Em doze anos
(2005-2017), o investimento público direto em Educação por estudante mais do que duplicou,
segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2021.
Tabela 6 - Estimativa de investimento público direto em Educação por estudante, com valores
atualizados para 2016 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por nível
de ensino - 2005-2017
Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2021).
25
Ainda de acordo com o Anuário, estima-se que o país invista, hoje, cerca de 6,3% de
seu PIB anual em educação. Contudo, segundo dados da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o gasto médio por aluno na Educação Infantil e
Ensino Fundamental, em 2015, ainda era aproximadamente 2,3 vezes maior entre os
países que integram a organização, do que no Brasil, como mostra a Tabela 7, a seguir.
Tabela 7 - Gasto público anual direto, em dólares convertidos pela paridade de poder de compra,
com equivalência de carga horária, por estudante da rede pública por etapa - 2015 - países
selecionados
Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2021).
De fato, nos últimos 25 anos, o acesso ao ensino tem melhorado muito. De acordo com
dados da Pnad/IBGE, divulgados nos Anuários Brasileiros da Educação Básica de 2014 e 2021,
a porcentagem de crianças:
• de 0 a 3 anos que frequentam a escola aumentou de 8,6%, em 1995 para 37%, em 2020;
• de 4 e 5 anos matriculadas aumentou de 48,1%, em 1995, para 94,1%, em 2020;
• e a taxa líquida de matrículas no ensino fundamental aumentou de 85,9%, em 1995, para
99,4%, em 2020.
Contudo, em termos de qualidade, apesar dos avanços, ainda há um bom caminho a ser
percorrido. Mesmo com novas leis, ampliação da base para o financiamento e o aumento dos
investimentos, a situação do nosso sistema educacional ainda não está satisfatória, pelo menos
26
se levarmos em consideração os resultados dos exames de larga escala feitos tanto em âmbito
internacional quanto nacional.
No âmbito internacional, o reconhecimento da educação como fator central para o
desenvolvimento dos países levou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) a criar o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (ou
Programme for International Student Assessment - PISA), visando aferir o conhecimento de
jovens em linguagem, matemática e ciências. Trata-se de uma iniciativa de avaliação
comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término
da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países (ORGANISATION FOR ECONOMIC
CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2018). O PISA é aplicado desde 2000, a cada três
anos, e participam da iniciativa os países membros da OCDE e outras nações convidadas. Para
se ter uma ideia da abrangência e da escala, na edição de 2018, 79 países/regiões e 600 mil
estudantes participaram do teste, que ocorre desde 2000 - o Brasil participa desde a primeira
edição como convidado. De acordo com o Relatório Brasil no PISA 2018, publicado em 2019
pela Diretoria de Avaliação da Educação Básica (DAEB), vinculada ao MEC, os resultados
obtidos pelos estudantes brasileiros ficaram abaixo da média dos países que compõem a
OCDE. Também vale ressaltar que, infelizmente, nossos resultados têm se apresentado
quase estagnados, em relação à edição de 2009 (como mostra a tabela a seguir), o que mostra
que o aprendizado dos jovens brasileiros não tem evoluído qualitativamente, comparado ao dos
jovens de outros países.
Tabela 8 - Notas obtidas por estudantes nas edições de 2009 a 2018 do PISA
Brasil Brasil Brasil
Áreas de Conhecimento Brasil 2009 Média OCDE 2018
2012 2015 2018
Leitura 412 407 407 413 487
Matemática 386 389 377 384 489
Ciências 405 402 401 404 489
Fonte: Inep (2019).
Tabela 9 - Ideb observado e respectivas metas das redes de ensino, de 2005 a 2021
Tabela 10 - Ideb observado e respectivas metas das redes de ensino, de 2005 a 2021
2
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 19 out. 2021.
3
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 19 out. 2021.
28
Tabela 11 - Ideb observado e respectivas metas das redes de ensino, de 2005 a 2021
4
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 19 out. 2021.
29
Gráfico 1: Evolução do Ideb nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental no RJ entre 2005 e 2019
Fonte: https://qedu.org.br/cidade/2801-rio-de-janeiro/ideb
Gráfico 2: Evolução do Ideb nos anos finais do ensino fundamental no RJ entre 2005 e 2019
Fonte: https://qedu.org.br/cidade/2801-rio-de-janeiro/ideb
30
Já nas Tabelas 12, 13 e 14, a seguir, ilustramos que apesar do aumento da despesa por
aluno - quando analisamos os números em 2015 e 2019 - e também do crescimento do Ideb, a
meta estabelecida para o município do Rio de Janeiro no Plano Nacional de Educação, para
2019, não foi atingida e o avanço médio, nos anos iniciais e finais do ensino fundamental, foi
abaixo da média das capitais brasileiras - números em azul representam meta do PNE atingida
e números em vermelho meta não atingida.
Tabela 12 - Despesas por aluno entre 2015 e 2019 - valores em reais (R$)
Despesas Despesas Despesas Despesas Despesas
por aluno por aluno por aluno por aluno por aluno
2015 2016 2017 2018 2019
Ensino Fundamental
6.540,75 7.022,28 6.560,21 6.812,86 7.425,74
- Rio de Janeiro
Tabela 13 - Ideb nas redes municipais das capitais brasileiras (2013-2019) - anos iniciais do
ensino fundamental
5
Disponível em: https://qedu.org.br. Acesso em: 19 out. 2021.
6
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 19 out. 2021.
31
Tabela 14 - Ideb nas redes municipais das capitais brasileiras (2013-2019) - anos finais do
ensino fundamental
Problema: diante desse quadro global brasileiro, com a constatação de que ainda não
estamos cumprindo o ODS 4 em nível satisfatório e nem mesmo atingindo as metas
estabelecidas em nosso PNE, esse trabalho se propõe a aprofundar a investigação por meio de
diagnósticos (realizados pelas secretarias de educação e institutos de pesquisa), consultar
referenciais teóricos, além de boas práticas tanto nacionais quanto internacionais e buscar
apontar soluções alternativas para que a gestão educacional municipal no Rio de Janeiro,
cuja rede é a maior do Brasil em número de escolas públicas geridas, promova resultados
de aprendizagem dos seus estudantes com mais qualidade e equidade. Ela será o nosso
objeto de estudo, considerando a governança, os eventos e decisões tomadas pelas lideranças
educacionais atuantes nos dois últimos ciclos eleitorais (2013-2016 e 2017-2020) - período que
julgamos ser suficiente para análise dos efeitos produzidos pelas diferentes equipes gestoras -
e os respectivos resultados de Ideb nos anos de 2015, 2017 e 2019.
É interessante observar que os bons trabalhos realizados nos anos iniciais do ensino
fundamental em 2013 e 2015 deveriam ter reflexos positivos nos resultados dos anos finais do
ensino fundamental dos anos 2017 e 2019, respectivamente. Afinal, as avaliações do SAEB são
feitas por alunos do 5o ano e do 9o, que apresentam intervalo de 4 anos. Portanto, os alunos
7
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 19 out. 2021.
32
dos anos iniciais do fundamental que apresentaram bons resultados em 2013, apresentaram
novamente resultados, agora como alunos dos anos finais do fundamental em 2017. E os alunos
dos anos iniciais do fundamental que apresentaram bons resultados em 2015, apresentaram
novamente resultados, agora como alunos dos anos finais do fundamental em 2019.
educacionais, em especial do nível central da SME, que influenciam diretamente o clima escolar
e o trabalho dos diretores e professores na ponta.
2. Gestão de pessoas: as práticas de seleção, formação continuada e remuneração de
profissionais da educação têm sido desenvolvidas de modo a garantir uniformidade e,
principalmente, a continuidade das boas políticas educacionais? Lidar com aspectos como custo
de vida e nível de violência, além do gigantismo da rede devem exigir atuações ainda mais
desafiadoras das pessoas que compõem a SME, principalmente de seus docentes.
3. Orçamento para resultados: é possível promover excelência com equidade entre redes
escolares mesmo tendo recursos escassos? O exemplo de Teresina, no Piauí pode indicar boas
iniciativas e políticas.
4. Colaboratividade: é possível que redes educacionais de grande porte, nacionais ou
internacionais, sejam geridas de forma colaborativa por parte dos(as) principais
atores/partes interessadas de modo a promoverem reformas educacionais que levem seus
alunos a melhorarem continuamente seus níveis de aprendizagem? O caso da grande
cooperação intergovernamental no Ceará, célebre pelos resultados educacionais apresentados
pelos estudantes de Sobral pode indicar boas alternativas também.
Como objetivo, pretende-se identificar como sistemas escolares de grande porte, como
o da cidade do Rio de Janeiro, podem também alcançar um sucesso notável e sustentável. Que
tipo de estratégias, diretrizes relevantes, prioridades devem ser identificadas e mantidas em seu
contexto? Fato é que os líderes educacionais que desejam fazer diferença duradoura devem
compreendê-las e implementá-las, afinal, apenas a partir de uma gestão de olhar sistêmico, -
que contribua para a coerente estruturação de sistema educacional, que dê continuidade às boas
políticas com foco em resultados e que apoie o trabalho da sala de aula, potencializando acesso,
permanência e aprendizagem dos estudantes - contribuirá para que se tenha, no futuro, um
quadro significativamente melhor.
Apesar de cumprir seus objetivos, essa pesquisa apresentou algumas limitações que
podem ser abordadas em futuras pesquisas. O período de pandemia pelo qual passamos entre
2020 e 2022 restringiu de certo modo o acesso às pessoas (e consequentemente a certos dados)
que poderiam contribuir para uma visão ainda mais plural a respeito dos acontecimentos e
percepções relacionadas à tomada de decisão por parte das lideranças educacionais do
município do Rio de Janeiro entre 2013 e 2020. Um segundo ponto a ser abordado aqui é que
os números oficiais primários disponíveis, como os produzidos pelo IBGE e Censo Escolar,
ainda não capturaram completamente as consequências do longo período de fechamento das
escolas. Não sabemos ainda dimensionar, por completo, os efeitos globais provocados pela
adoção (ainda que precária) das soluções de ensino remoto ou, principalmente, os prejuízos
para as camadas mais vulneráveis da população.
Outro ponto a ser ressaltado aqui é que usaremos o Ideb como sendo o indicador com
legitimidade, no sentido de se avaliar o aprendizado dos nossos alunos – seguindo a própria
política do MEC. Sendo um indicador calculado a partir de notas padronizadas (obtidas pelos
estudantes na Prova Brasil), em Língua Portuguesa e Matemática, apenas, além do fator relativo
ao fluxo escolar, reconhecemos que o Ideb ainda se apresenta com limitações para caracterizar
a ampla diversidade de contextos e dimensões da educação brasileira. As condições de
aplicação das provas, o método estatístico considerado, a correlação com nível socioeconômico
entre outros, são fatores que podem dificultar, ainda mais, a precisão da análise a ser feita.
sustentáveis ao longo do tempo, e é justamente sobre isso, que falaremos um pouco mais a
seguir.
Acerca das reformas educacionais em redes de grande porte, os autores Michael Fullan
e Alan Boyle (2014) no livro “Big-city school reforms” (publicado simultaneamente pelo
Teachers College Press, em New York, e pelo Ontario Principals Council, em Toronto) fazem
análises de casos de reformas educacionais internacionais, incluindo a de Toronto (que à época
possuía 1894 escolas públicas), no Canadá. Vale ressaltar que segundo relatório da OCDE
(INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA, 2019), na mais recente rodada do Pisa, os estudantes do Canadá obtiveram
pontuações mais altas do que a média da OCDE em leitura, matemática e ciências, e ficaram
entre os dez melhores resultados globais dentre as 79 regiões/economias participantes.
De acordo com Fullan e Boyle (2014), para a efetiva mudança de cada sistema por
completo, há uma maneira própria de ensinar e de aprender, voltada para o atingimento dos
objetivos, por meio de parcerias com os líderes educacionais do sistema e da escola. Os autores
acreditam que "...a prática produz teoria melhor do que o contrário. Usamos o conhecimento
existente para fundamentar nossos esforços e, por sua vez, aprendemos com cada esforço para
fazê-lo melhor da próxima vez. O objetivo é obter uma percepção detalhada do processo
dinâmico de mudança. Queremos identificar o menor número de fatores poderosos que, quando
combinados, têm uma grande chance de fazer uma diferença significativa."
É apresentada, então, a noção de “simplexity” para exaltar a importância de se construir
coerência sistêmica entre um pequeno número de fatores (simplicidade) que devem compor a
base das estratégias das reformas e a prática global (complexidade) realizada no dia-a-dia pelas
lideranças e diversos profissionais da educação. Segundo Fullan e Quinn (2016, p. xi):
Busca-se a partir daí, uma adoção equilibrada (balanceada), e que deve ser perfeitamente
adaptada à gestão da rede, de ações de “push and pull” ou de “pressão e suporte”. Segundo os
autores, “as ações de “push” são ações insistentes, implacáveis e inegociáveis, que pressionam
a equipe. A mudança não aconteceria em uma escala significativa se não houvesse líderes que
desafiassem fortemente o status quo”. Já as ações de “pull” têm o objetivo de atrair as pessoas
para um processo ou situação, de modo a aprender com elas, além de influenciá-las. “As ações
de “pull” podem ser resistidas, mas quando bem usadas, são sedutoras porque exploram as
condições humanas de motivação intrínseca e participação social". A partir dessas análises, os
autores propõem um "framework" de fatores que auxiliam a compreensão de reformas
educacionais sistêmicas em grandes redes e que são fundamentais para efetividade de
mudanças. São seis ações propositivas, que combinadas entre três conjuntos de estratégias de
“push and pull”, contribuem significativamente para o atingimento dos resultados planejados.
São as ações de início da reforma, que objetivam criar uma poderosa combinação de
forças para transmitir a mensagem de que nem mesmo sob circunstâncias muito difíceis os
problemas presentes podem continuar. As lideranças educacionais devem ser persistentes para
usar recursos políticos, sociais e econômicos a fim de desafiar o status quo, revigorar
aspirações, reunir ações propositivas e fazer as coisas acontecerem. A ideia central é a de iniciar
um processo de senso de propriedade, compromisso e responsabilização de modo a provocar
ações práticas em que o aprendizado do aluno/da criança esteja em primeiro lugar. Sem dúvida,
43
é um ponto desafiador, pois exige um sentimento coletivo de confiança onde, a princípio, isso
ainda não foi construído. É possível que alguns sintam-se ameaçados pelo novo ambiente.
Balancear esse efeito, engajar as pessoas em uma comunicação de mão dupla e criar uma
estratégia coletiva comum pode, então, ajudar a manter o ambiente positivo, incentivando a
busca por soluções com muito mais intensidade do que a procura de culpados.
Desafiar o status quo define o contexto de urgência, mas os líderes precisam reforçá-lo
constantemente e saber precisamente como o nível de aprendizagem de cada aluno está
evoluindo. A urgência contínua tem pouca credibilidade se permanecer no nível da retórica. Os
sistemas bem-sucedidos desenvolvem bancos de dados fortes que são específicos para o aluno
e todos os subgrupos, acessíveis de maneira fácil e transparente e usados para manter um senso
de aprendizado contínuo, com foco e urgência. É importante usar várias medidas e não apenas
depender de um único conjunto de dados, como as pontuações dos testes de larga escala. No
lado "pull", os dados são usados como parte integrante de aperfeiçoamento instrucional e
construção da capacidade profissional do grupo, de modo que toda equipe "puxe" no mesmo
sentido. Essa capacitação, focada no desenvolvimento profissional e comunitário, incentiva
diversas ações para resultados, simultaneamente: cria compromisso, dá às pessoas habilidades
essenciais para o progresso e gera confiança de que o progresso é possível, aumentando assim
a base para ações futuras. Líderes educacionais não chegam a lugar nenhum a menos que
mobilizem os talentos e o comprometimento da grande maioria dos membros do sistema
trabalhando para um propósito comum usando dados direcionados como o foco.
escolas persistirem em situação crítica de resultados ruins. Essas ações devem estar previstas e
devem representar outro impulso reativo contínuo. O outro lado de atender a problemas
persistentes é prestar atenção às condições de sustentabilidade. Atender para a sustentabilidade
inclui o seguinte: atenção contínua ao recrutamento de líderes e outros membros da equipe;
retenção de pessoas qualificadas para obter o máximo retorno em seu investimento; atenção aos
detalhes (como foco constante na qualidade implementação); criação de infraestrutura que
mantenha uma ação contínua em implementar um pequeno número de metas ambiciosas. Para
obter a sustentabilidade futura, é necessário se engajar em inovação que promete uma nova
ordem efetiva. A inovação está relacionada com a sustentabilidade porque há sempre
surgimento de maneiras para se melhorar e incrementar o que está sendo feito. Melhorar a
aprendizagem precoce, ir mais fundo na aprendizagem e usar a tecnologia para desenvolver
novas parcerias pedagógicas são algumas das inovações possíveis.
Os autores acreditam, portanto, que essa estrutura de seis fatores de "push" e "pull"
atende ao critério de simplicidade de um pequeno número de aspectos centrais que são fáceis
de entender, embora difíceis de usar em combinação. Equilíbrio e integração das duas forças é
fundamental, pois eles se alimentam um do outro.
Figura 1: "Framework" de ações propositivas que suportam reformas em redes de grande porte
Fonte: Adaptado de Fullan e Boyle (2014).
45
Seguindo linha semelhante, Fullan e Gallagher (2020), no livro “The Devil is in the
Details: System Solutions for Equity, Excellence, and Student Well-Being”, defendem que, em
se tratando de redes de grande porte, o caminho deve ser organizar o sistema de modo a criar
uma dinâmica de interação constante entre as três instâncias (central, regional e local), focada
no avanço de uma agenda sistêmica e compartilhada”. Ainda segundo os autores, a viabilização
da “autonomia conectada”, ou da “descentralização coordenada”, pressupõe uma “reforma
tripartite” – nos três níveis do sistema. Ademais, o argumento central é que melhorias precisam
ser lideradas pelos três níveis do sistema. Nesse sentido, sugerem que o papel de cada nível
deve ser repensado.
No nível da escola, migrar de “implementador de políticas do órgão central” para
“construtores proativos de políticas”, contextualizando políticas conforme as prioridades locais;
no nível central, sem abdicar da missão de direcionar os rumos da reforma, sair da lógica de
“produtor de políticas” e tratar o processo de implementação como uma proposta iterativa e de
aprendizado contínuo a partir da interação com os demais níveis; e no nível regional, o nível
“do meio”, se afastar da posição passiva e intermediária e passar a atuar como a “cola” entre o
“topo” e a “base” e como o principal agente de interação e apoio contextualizado ao nível local,
das escolas (FULLAN; GALLAGHER, 2020 apud BATISTA FILHO, 2021).
No livro de título "Coherence - The Right Drivers in Action for Schools, Districts and
Systems", Michael Fullan e Joanne Quinn, apresentam um framework para que as lideranças
educacionais consigam enfrentar os desafios da sobrecarga, da fragmentação de iniciativas e da
ausência de bons efeitos sustentados ao longo do tempo. O Coherence Framework é, segundo
Fullan e Quinn (2016, p. 11):
O Coherence Framework tem quatro ações como componentes, que caminham juntas:
direcionar o foco, cultivar culturas colaborativas, aprofundar o aprendizado e garantir a
responsabilização. Esses elementos se cruzam com a liderança em todos os níveis, para formar
46
um todo dinâmico, com as ideias centrais integradas. A estrutura de ação desenvolvida se alinha
aos quatro direcionadores corretos originais da seguinte forma:
Direcionar o foco: é necessário que as lideranças da mudança tenham clareza sobre seu
propósito moral profundo e sobre os objetivos específicos que podem influenciar melhor a
estratégia que vai começar a mobilizar as pessoas. Contudo, não se deve estabelecer a direção
no início e simplesmente persegui-la. Foco é algo que ganha vida por meio dos outros
elementos. Ele é moldado e remodelado pelas forças iterativas de colaboração, aprendizado
profundo e ações responsáveis. O foco fica mais claro e melhor compartilhado à medida que
um processo de ação deliberada evolui. Reduzir a confusão de iniciativas e focar em dois ou
três objetivos com uma estratégia clara cria coerência.
Cultivar culturas colaborativas: este segundo componente esclarece a relação do
trabalho em equipe com o individualismo e o papel da colaboração na produção de grupos e
indivíduos fortes. Desenvolver culturas colaborativas é um trabalho cuidadoso e preciso e tem
um impacto profundo quando bem feito porque o aumento do capital social melhora a
coerência, o que por sua vez, atrai recém-chegados e alimenta melhores resultados. Além disso,
os líderes devem estabelecer uma cultura de crescimento sem julgamento. Isso significa que
não há problema em cometer erros, desde que você esteja trabalhando nas metas e aprendendo
com sua ação – e, assim, cometendo cada vez menos erros. A política de expertise colaborativa,
citada no livro pelo trabalho de John Hattie, mostra que a eficácia coletiva é de longe a estratégia
de mudança mais poderosa se o grupo for focado e bem liderado. Os líderes usam o grupo para
mudar o grupo. Eles participam como aprendizes, mas também criam uma cultura na qual as
pessoas têm oportunidades de aprender umas com as outras sobre problemas específicos e
práticas que funcionam para resolvê-los. Nesse processo, a coerência se torna uma função da
interação entre a crescente explicitação da ideia (à medida que os líderes focalizam a direção)
e a cultura de mudança que promove o aprendizado do trabalho. Em suma, se a direção do foco
e as culturas colaborativas estiverem trabalhando de mãos dadas, você terá um começo forte e
estabelecerá as bases para ir mais fundo durante mais tempo. Colaborar não é apenas criar um
lugar onde as pessoas se sintam bem, mas sim cultivar a expertise de todos para se concentrar
em um propósito coletivo.
Aprofundar a aprendizagem: este componente reconhece que as escolas e sistemas
que influenciam a aprendizagem dos alunos têm um profundo compromisso com o nexo ensino-
aprendizagem. Em vez de procurar uma solução rápida, eles criam comunidades de
investigação coletiva que examinam profundamente as práticas de ensino e o impacto no aluno.
A mudança na pedagogia está transformando os papéis dos alunos, professores e famílias como
47
No centro da estrutura está a liderança, que funciona como a cola que conecta e integra
os quatro componentes da estrutura de coerência. Eles devem encontrar a combinação certa
desses quatro componentes para atender às diversas necessidades de seu contexto. Mas,
48
atenção! O modelo não se propõe ser linear. Não se deve realizar o trabalho pelos quadrantes
em sequência. Cada um dos quatro componentes é servido pelos outros três. As ações em um
têm impacto nos outros.
O papel dos líderes é internalizar a estrutura de coerência nas mentes e ações dos
membros do sistema. Porque as pessoas vêm e vão e as circunstâncias mudam, a construção de
coerência é interminável. Um último ponto-chave: o principal objetivo do líder é construir uma
cultura colaborativa coerente por cinco ou mais anos até o estágio em que o líder se torne
dispensável. Isso faz todo o sentido porque, se depender demais do líder, a organização
desmoronará com sua partida. Por outro lado, se o líder está constantemente tendendo ao
desenvolvimento da coerência nos outros, ele está preparando o caminho para o futuro. Os
membros juniores da equipe de liderança estão aprendendo a liderar a construção de coerência,
o que contribuirá para o benefício da organização. Em suma, fazer coerência é um enigma
contínuo e os líderes que querem fazer a diferença devem se sentir atraídos pelo desafio. Focar
a direção coloca o líder no jogo, cultivar culturas colaborativas fornece o caminho para a
mudança, aprofundar o aprendizado é a estratégia principal para afetar os resultados dos alunos
e garantir a responsabilidade é essencial para medir o crescimento e prestar contas à própria
pessoa e ao público. Essas ideias possibilitam que os líderes educacionais estejam à altura da
ocasião e façam uma diferença duradoura em suas organizações e na sociedade.
As pessoas no nível central têm uma agenda dupla: devem usar a estrutura em suas
próprias ações, mas também criar a infraestrutura de políticas, orçamento e parcerias nos níveis
médio e local para que a "melhoria de todo o sistema" floresça. A abordagem é uma proposta
ganha-ganha, que deve ser deliberadamente promovida por muitos líderes que trabalham
individual e coletivamente. Eles devem alcançar um entendimento compartilhado, por meio da
interação intencional entre os membros do sistema que trabalham, então, em uma agenda
comum, identificando e consolidando o que funciona e dando significado ao longo do tempo
para cada um dos contextos.
49
Dentre as capitais que mais aumentaram seu Ideb, tanto nos anos iniciais quanto nos
anos finais do ensino fundamental, entre 2013 e 2019, está Fortaleza, no Ceará. De acordo com
dados do Inep e da SEDUC (CEARÁ, 2020) o Ceará é o estado com a maior porcentagem de
municípios que atingiram a meta projetada pelo MEC, ainda nos anos iniciais do ensino
fundamental, com 98,9% do total. Ou seja, dos 184 municípios cearenses, 182 atingiram o
objetivo estipulado. Além disso, 131 municípios cearenses (71,2%) atingiram a média 6, valor
que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável ao dos países
desenvolvidos, conforme a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Dos 184 municípios cearenses, 154 obtiveram resultado acima do esperado nos anos
finais do ensino fundamental, representando índice superior a 83,7% das redes públicas
municipais. Os bons resultados obtidos no ensino fundamental são atribuídos ao regime de
colaboração entre estado e municípios, que proporciona intervenções do 1º ao 9º ano, por meio
do Programa Aprendizagem na Idade Certa (Mais Paic), desenvolvido pelo Governo do Ceará,
por meio da Secretaria da Educação (Seduc). Há o acompanhamento das redes municipais com
suporte às secretarias municipais por meio de formações, auxílio técnico-pedagógico e
disponibilização de materiais pedagógicos.
O Ceará teve uma trajetória precoce de municipalização iniciada na década de 1970 e
continuada na década de 1990. O governo do estado teve um papel importante de apoio aos
municípios, criando inclusive mecanismos de repasse de recursos financeiros como o chamado
"Fundefinho", antes mesmo da implementação do FUNDEF. Além disso, na década de 1990,
foi criado o sistema estadual de avaliação − o SPAECE − e 21 centros regionais de
desenvolvimento da educação, as CREDES, cujos dirigentes passaram a ser selecionados
publicamente. Estas ações na década de 1990 foram importantes para o alcance da
universalização do acesso à educação e para a construção de uma estrutura de gestão e
acompanhamento (ABRUCIO; SEGATTO; PEREIRA, 2016).
Segundo Naspolini (2001), o Ceará adotou um tipo de reforma, baseado na imagem de
uma espiral, em que são combinados fluxos vertical e horizontal. Nesse modelo, as decisões
50
transitam tanto a partir dos níveis hierárquicos superiores (como as secretarias municipais e
estadual de educação), como a partir da base (conjunto de escolas). Embora o percurso possa
parecer mais longo e demorado, este modelo mostrou-se mais resistente às pressões políticas e
econômicas, o que foi comprovado por sua capacidade de garantir a sustentabilidade e
adaptabilidade às mudanças. A construção desse modelo só é possível se for feita de maneira
coletiva e dialética: ao mesmo tempo todos participam e tomam decisões que consideram tanto
a experiência local, na escola, como as demandas de Estado.
Para Luiz Abrucio, Catarina Segatto e Maria Cecília Pereira (2016), em sua publicação
"Regime de colaboração no Ceará - Funcionamento, causas do sucesso e alternativas de
disseminação do modelo", as principais explicações para o sucesso do Regime de Colaboração
cearense residem em cinco macrofatores.
O primeiro refere-se à trajetória histórica do estado, com suas políticas mais
municipalistas do que no restante do país, na preocupação dos gestores estaduais com um
modelo de dividir as tarefas com o plano local e negociar com seus principais agentes, bem
como no caráter pioneiro e inovador de medidas de políticas públicas adotadas no Ceará. Em
segundo lugar, está a constituição de lideranças reformistas – empreendedores de políticas –
que foram capazes de criar uma coalizão em torno de um projeto incremental, baseado na
confiança mútua entre estado e municípios, e no qual a Educação tornou-se central na agenda
pública. O terceiro ponto é a criação de um arcabouço institucional que gerou os incentivos
adequados à cooperação e à busca de melhores resultados. Destaca-se, ainda, como quarto
aspecto a criação de uma política educacional baseada no tripé: seleção/formação de dirigentes
e professores, material pedagógico e monitoramento/avaliação constante, havendo uma
retroalimentação constante entre eles, com impactos efetivos na sala de aula. Por fim, o
estabelecimento de mecanismos combinados de competição administrada e ação colaborativa,
como os presentes na distribuição da cota-parte do ICMS vinculada a resultados educacionais
e no Prêmio Escola Nota Dez também merecem destaque. A análise dessas ações revelou que
é possível, e desejável, cobrar por metas, torná- las transparentes, premiar os que obtêm
melhores resultados e fazer com que estes ajudem os que tiverem pior desempenho, dentro de
certo prazo. Criou-se um círculo virtuoso em prol da busca por resultados, que ao final gera
uma nova cultura administrativa, de busca de excelência sem ignorar a questão sistêmica da
equidade.
51
comunidade daquele território, que são responsáveis pela fiscalização do uso dos recursos,
acompanhamento dos resultados educacionais e elaboração das diretrizes que orientam a
atuação dos técnicos do Distrito.
Os Distritos recebem recursos das províncias, mas seus gastos devem estar alinhados
com a política formulada no âmbito da província. As transferências aos Distritos e às escolas
combinam critérios per capita às características socioeconômicas dos alunos a fim de produzir
maior equidade entre as escolas/localidades.
Em uma matéria veiculada no site g1.globo.com em agosto de 2017, comentando sobre
o sucesso de alguns países no Pisa 2018, Andreas Schleicher, o diretor de educação da OCDE,
disse, sobre os diversos sistemas educacionais do Canadá: "Apesar de diversas diferenças nas
políticas educacionais, um traço em comum entre todas as regiões do país é o comprometimento
em oferecer igualdade de oportunidades na escola"8. Lá, existe um forte senso de equilíbrio e
igualdade de acesso, o que pode ser observado na alta performance acadêmica de filhos de
imigrantes, inclusive. Outra característica distinta é que os professores são muito bem pagos
em comparação com os padrões internacionais e o ingresso na profissão é altamente seletivo.
Na mesma publicação, David Booth, professor do Instituto para Estudos em Educação
da Universidade de Toronto, destacou um forte investimento de base em alfabetização.
"Existiram esforços sistemáticos para melhorar a alfabetização, com a contratação de
educadores bem treinados, investimento em recursos como bibliotecas nas escolas e avaliações
para identificar escolas ou alunos que possam estar tendo dificuldades."
2.4 UMA OUTRA BOA PRÁTICA NO BRASIL: TERESINA (PI), A CAPITAL QUE SE
TORNOU A DE MELHOR IDEB DO BRASIL
Em 2013, Teresina (PI) teve o 12o melhor um Ideb nos anos iniciais e o 10o melhor
Ideb nos anos finais do ensino fundamental, entre as capitais. Já em 2019, seu sistema
educacional atingiu o topo da tabela, apresentando o melhor resultado dentre as capitais. Além
disso, a desigualdade na aprendizagem vem diminuindo desde 2013, principalmente, pelo
avanço das escolas de pior desempenho (a escola de pior Ideb avançou 107% no período,
enquanto a de melhor Ideb evoluiu 55%).
8
Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/como-o-canada-se-tornou-uma-superpotencia-em-
educacao.ghtml. Acesso em: 15 fev. 2022.
53
Estimulados por essa bela história de sucesso recente, a organização da sociedade civil
Todos pela Educação implementou a iniciativa Educação Que Dá Certo, que tinha como
missão mapear, analisar e descrever os fatores que fundamentaram esse bom exemplo de gestão
de políticas educacionais voltada para resultados.
Em comparação com outras capitais do Brasil, inclusive da região Nordeste, Teresina
(PI) é uma das capitais com menor PIB per capita (R$24.333), ocupando a 23ª posição entre as
capitais brasileiras - segundo dados do Todos pela Educação. Para se ter uma ideia de
abrangência e tamanho, em 2020, a rede possuía 315 unidades de ensino, 91.430 estudantes
(25.032 na educação infantil, 64.098 no ensino fundamental e 2.300 na educação de Jovens e
Adultos) e 7.250 colaboradores, sendo 4.091 professores.
Segundo os pesquisadores do Todos, a força do sistema educacional de Teresina reside
na interação e na coerência entre diferentes partes, que são fundamentais para garantir a
aprendizagem dos estudantes. Um esforço de ações conjuntas e articuladas, e de continuidade
de políticas que mudaram o ponteiro educacional para melhor e transformaram as trajetórias
escolares de crianças e jovens.
A seguir, os cinco principais elementos que, dentro desse sistema de múltiplos fatores,
são os mais relevantes da gestão educacional do município, segundo os pesquisadores da
iniciativa Educação que Dá Certo:
os resultados bimestrais da escola (mais uma vez, os resultados das avaliações são
fundamentais).
Em linhas gerais, a equipe gestora das escolas faz a gestão da frequência em uma
plataforma e deve entrar em contato com os responsáveis dos estudantes mais faltosos. Em
casos mais graves, o Conselho Tutelar e o Ministério Público podem ser acionados. Além disso,
a secretaria monitora, constantemente, a frequência dos estudantes. Os diretores são cobrados
por esses números e os superintendentes, responsáveis pelo acompanhamento das escolas,
devem auxiliar os gestores escolares a traçar estratégias para garantir que os alunos estejam
presentes nas escolas todos os dias. Portanto, as políticas de garantia da frequência são
fundamentais para os baixíssimos níveis de abandono escolar no Ensino Fundamental,
verificado em Teresina, e uma condição necessária para avançar nos indicadores de
aprendizagem.
9
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3RloY45BiT4&t=4302s. Acesso em: 29 mar. 2022.
56
Em outubro de 2012, Eduardo Paes (PMDB) foi reeleito prefeito do Rio de Janeiro, em
primeiro turno. Vale destacar que o prefeito pertencia ao mesmo partido do governador Sérgio
Cabral (PMDB), apoiado também pela presidente do Brasil à época, Dilma Roussef (PT), e seu
vice, Michel Temer (PMDB). Teoricamente, a tão desejada colaboratividade política entre as
59
lideranças que ocupavam os cargos executivos nos governos federal, estadual e municipal
estava facilitada.
Contudo, nem houve muito tempo para isso… Em 2013, o país passou a viver uma crise
financeira, acompanhada e intensificada por uma crise política, com grandes protestos. Essas
crises se agravaram em 2014 com os escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava
Jato, que incluíam grandes empresas como a Petrobras. No âmbito do governo federal, em 2016,
Dilma foi afastada do cargo por um processo de impeachment, tendo assumido seu vice, Michel
Temer, que também foi alvo de muitos protestos.
Em outubro de 2016, com o apoio do, à época, deputado estadual Flávio Bolsonaro
(PSC-RJ), Marcelo Crivella foi eleito, em segundo turno, prefeito da cidade do Rio de Janeiro
para o período 2017-2020. O candidato do PMDB, partido do prefeito Eduardo Paes e do
governador, Luiz Fernando Pezão, na ocasião, não chegou nem ao segundo turno e não indicou
apoio oficial nem a Crivella nem a Freixo (o candidato derrotado nessas eleições).
Reportagens de 2017 e 2018, como a do site G110 sobre a realização da Olimpíada Rio
2016 e seu legado e a da Exame (Estadão Conteúdo)11 sobre a crise financeira pela qual passava
o Rio de Janeiro dão mostras de que o debate político em torno dos grandes eventos esportivos
ocorridos no mandato de Eduardo Paes estavam acalorados, e de que a cidade enfrentava
problemas em diversas áreas.
Em relação aos impactos da violência no cotidiano educacional, um estudo divulgado
em fevereiro de 202212, pelo CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) apontou
que 74% das escolas municipais cariocas vivenciaram ao menos um tiroteio no entorno ao longo
do ano de 2019. O levantamento usou dados do Instituto Fogo Cruzado sobre tiroteios com a
presença de agentes de segurança e também registros feitos por diretores de escolas junto à
Secretaria Municipal de Educação do Rio sobre operações policiais no entorno de escolas
municipais cariocas. Foram analisadas as mais de 1540 escolas municipais. Segundo a
plataforma digital colaborativa, o Fogo Cruzado - que registra dados de violência envolvendo
armas -, desse total 26% não tiveram registro de tiroteios com a presença de agentes de
segurança no entorno; porém, 74% passaram por esse tipo de situação.
10
Disponível em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/falta-de-recursos-impede-construcao-de-escolas-
publicas-prometidas-como-legado-da-rio-2016.ghtml. Acesso em: 15 fev. 2022.
11
Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,crise-financeira-deixou-marcas-no-estado-do-
rio,70002187692. Acesso em: 15 fev. 2022.
12
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/02/07/tiroteios-afetaram-3-
em-cada-4-escolas-do-ensino-fundamental-no-rio-em-2019.htm. Acesso em: 15 fev. 2022.
60
paralisação ou greve no período entre 2013 e 2020, sendo o mais relevante justamente o de
2013. A greve teve início no dia 8 de agosto e durou até 25 de outubro daquele ano, com um
intervalo e suspensão ocorridos no período entre 11 e 19 de setembro. A greve foi dirigida pelo
Sepe-RJ e se deu num cenário de movimentos sociais ocorridos no Brasil desde junho de 2013,
que tiveram como estopim manifestações contra o aumento das tarifas do transporte público
coletivo.
Segundo estudo de Souza, Pina e Souza (2019), "[...] o movimento de greve questionou
a meritocracia, modelo de avaliação do trabalho das escolas públicas baseado no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e pautado pela racionalidade mercantil."
Apurou-se por meio de entrevistas com profissionais da educação à época que "o
questionamento a respeito da política de meritocracia representa a defesa da autonomia
pedagógica dos professores e, ao mesmo tempo, da qualidade do trabalho e do ensino básico
no Brasil. A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro fornece ‘apostilas’ que servem
como guia metodológico e suporte à preparação das aulas, chamados de ‘cadernos
pedagógicos’." O estudo ainda destaca a "instauração, pela Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, da remuneração conhecida como 14º salário condicionada às metas de desempenho,
segundo cada órgão da administração direta. Consoante aos profissionais da educação do
município, essa remuneração está condicionada às metas anuais estabelecidas para cada escola.
Os trabalhadores acabam pressionados e sentem-se ‘fiscalizados’ pelos próprios colegas de
trabalho a cumprirem as metas para que todos recebam a ‘gratificação pela meritocracia."
Um outro estudo, de Alencar (2019), publicado na revista de financiamento da Educação
- Fineduca, intitulado "Trabalho e Carreira Docente na Rede Municipal do Rio de Janeiro"
investigou a política de carreira dos professores municipais do Rio de Janeiro, por meio de uma
descrição e análise comparativa a partir da Lei municipal nº 2.391 (RIO DE JANEIRO, 1995),
que continha o plano de carreira vigente durante o período da greve, em 2013, e da Lei
municipal nº 5.623 (RIO DE JANEIRO, 2013) sobre Plano de Cargos, Carreira e Remuneração
(PCCR) de professores do município do Rio de Janeiro, sancionada pelo ex-prefeito Eduardo
Paes em função da greve no mesmo ano. A proposta do artigo foi comparar os dois planos de
carreira: o vigente à época da greve, em 2013, e o que foi aprovado no decurso da mobilização.
Vale ressaltar aqui que uma das metas do PNE é valorizar os profissionais do magistério
das redes públicas da educação básica, a fim de equiparar o rendimento médio ao dos demais
profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano da vigência do PNE. Dentre
os parâmetros que permitem analisar a situação da remuneração dos professores, um dos mais
aceitos - e adotado pelo PNE - é a comparação com outros profissionais de mesma escolaridade.
62
Dados mostram que a remuneração média do professor da educação básica brasileira, em 2012,
era 50% da média salarial dos trabalhadores com formação superior, situada na faixa de R$ 3,6
mil mensais. Se a remuneração salarial for um fator relevante na escolha da carreira, é previsível
que o magistério não estivesse sendo a opção preferencial dos jovens naquele momento.
Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021 ((TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2021).
13
Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2020/crise-financeira-do-rio-saiba-como-os-
candidatos-prefeito-pretendemorganizar-as-contas-da-cidade-24654716. Acesso em: 15 fev. 2022.
63
14
Disponível em: https://www.corecon-rj.org.br/anexos/948E1628EB7C736B6483C5CF786CCF73.pdf. Acesso
em: 15 fev. 2022.
15
Disponível em: https://www.corecon-rj.org.br/anexos/948E1628EB7C736B6483C5CF786CCF73.pdf. Acesso
em: 15 fev. 2022.
64
Segundo as considerações finais dos autores, a gestão Eduardo Paes deixou uma
situação nada favorável para o mandato seguinte, sendo inegável sua responsabilidade no
cenário de crise do município do Rio de Janeiro, no período. No entanto, não eximiram de culpa
a participação da gestão Crivella, não apenas pela ineficiência de adotar medidas para reversão
das tendências que vinham do governo anterior, mas também na acentuação da crise. De acordo
com os autores, "apesar de ninguém querer assumir, ao que tudo indica essa crise tem dois
pais."
Atualmente, segundo seu próprio site, a Secretaria Municipal de Educação (SME) "é o
órgão da Prefeitura do Rio de Janeiro responsável por elaborar a política educacional do
município do Rio de Janeiro, coordenar a sua implantação e avaliar os resultados, com o
objetivo de assegurar a excelência na Educação Infantil e no Ensino Fundamental Público."
Em termos de estrutura organizacional, a secretaria conta com um organograma que
possui subsecretarias, gerências, coordenadorias, escola de formação de professores, ouvidoria,
além de conselhos municipais, como mostra a figura a seguir.
Fonte: https://educacao.prefeitura.rio/educacao-em-numeros/
Os professores são lotados nas escolas de acordo com sua classificação no concurso,
que geralmente é realizado de acordo com a demanda da unidade regional de ensino. Há estágio
probatório, de 3 anos de duração. A seleção dos diretores da rede municipal passou por
mudanças nos últimos anos. Na gestão do prefeito Eduardo Paes, para participar da eleição para
o cargo de diretor, os candidatos tinham que passar por um processo de certificação (curso com
prova ao final e apresentação do Plano de Gestão para uma banca de profissionais da
Secretaria). A gestão do ex-prefeito Marcelo Crivella retirou o critério da certificação e permitiu
que professores em estágio probatório se candidatassem. O último pleito ocorreu em 2017, com
o mandato de 3 anos iniciando em 2018. Há quem considere que a mobilização que tal processo
requer na escola acaba desviando o foco da aprendizagem dos alunos.
Coordenadoria
Regional de Ensino Áreas de Atuação
(CRE)
6ª CRE- Rua dos Costa Barros, Barros Filho, Coelho Neto, Pavuna, Deodoro,
Abacates, s/n, Deodoro Ricardo de Albuquerque, Guadalupe, Irajá, Colégio, Cascadura,
(113 unidades escolares) Anchieta, Parque Columbia, Acari, Pavuna, Parque Anchieta.
O Plano Nacional de Educação (PNE) define as diretrizes para que o Brasil atinja uma
Educação de qualidade até 2024. As 20 metas do Plano são referentes a diferentes campos,
como universalização das etapas da educação básica, formação adequada de professores e
ampliação do investimento financeiro.
A meta 2 do PNE, por exemplo, é "universalizar o Ensino Fundamental de nove anos
para toda a população de 6 a 14 anos e garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam essa
etapa na idade recomendada", até o seu último ano de vigência. Desde 2012, em todo Brasil, a
porcentagem de jovens de 16 anos que concluíram o Ensino Fundamental vem crescendo. De
acordo com o Relatório de Monitoramento das Metas do PNE, publicado em 2018, o
atendimento está considerado “praticamente universalizado”. Ainda assim, o ritmo de
crescimento observado não é suficiente para o cumprimento da meta do PNE. Em 2020, no
16
Disponível em: https://sistemas.rj.def.br/publico/sarova.ashx/Portal/sarova/imagem-
dpge/public/arquivos/3.1_CREs_no_Municipio_do_Rio_de_Janeiro.pdf. Acesso em: 20 nov. 2021.
69
Brasil, 82,4% concluíram esta etapa de ensino, enquanto que no município do Rio de Janeiro a
taxa foi de 93% - dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021.
No segmento de ensino fundamental, o indicador distorção idade-série do município do
Rio de Janeiro (consequência direta dos problemas de fluxo no sistema e definida pela diferença
de 2 anos entre a série e a idade esperada dos alunos) evoluiu de 2013 a 2019, da seguinte
forma:
A análise do quadro acima permite dizer, por exemplo, que há percentual significativo
dos alunos cariocas do ensino fundamental com idade superior ao esperado para as séries
cursadas. Dessa forma, por exemplo, avaliações como o Pisa, que medem conhecimentos
esperados de alunos de 15 anos, sofrem efeitos da alta defasagem idade-série, uma vez que
parcela importante desses alunos ainda está retida nos anos finais do ensino fundamental.
A meta 7, com foco na melhoria da qualidade da educação, propõe "fomentar a
qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar
e da aprendizagem" de modo a atingir, até o fim da vigência do plano, as seguintes médias
nacionais para o Ideb: anos iniciais do ensino fundamental, nota 6; e anos finais, nota 5,5.
Vale lembrar que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador
criado pelo governo federal para medir a qualidade do ensino nas escolas públicas, é calculado
70
Tabela 17 - Ideb nas redes municipais das capitais brasileiras (2013-2019) - anos iniciais do
ensino fundamental
17
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 28 maio 2021.
71
Tabela 18 - Ideb nas redes municipais das capitais brasileiras (2013-2019) - anos finais do
ensino fundamental
A partir das tabelas, pode-se verificar que a meta estabelecida para o município do Rio
de Janeiro no Plano Nacional de Educação, para 2019, não foi atingida nem nos anos iniciais
nem nos anos finais do ensino fundamental - números em azul representam meta do PNE
atingida e números em vermelho, meta não atingida. No período 2013-2019, houve aumento
absoluto de 0,5 ponto no Ideb do Rio, tanto nos anos iniciais quanto nos anos finais do ensino
fundamental. Contudo, quando analisamos os resultados relativamente ao das outras capitais,
nosso avanço é menor que o avanço-médio, de 0,87 e de 0,73, nos anos iniciais e nos anos
finais, respectivamente.
É interessante observar também que, devido a periodicidade da Prova Brasil (de 2 em 2
anos) os bons trabalhos registrados nos anos iniciais do ensino fundamental em 2013 e 2015
tiveram reflexos positivos (quando comparamos com a cidade de São Paulo, por exemplo, que
também tem uma rede municipal gigantesca) nos resultados dos anos finais do ensino
fundamental dos anos 2017 e 2019, respectivamente. Afinal, as avaliações do SAEB são feitas
por alunos do 5o ano e do 9o, que apresentam intervalo de 4 anos. Portanto, os alunos dos anos
18
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 28 maio 2021.
72
iniciais do fundamental que apresentaram bons resultados em 2013 tinham grande chance de
apresentarem novamente bons resultados, dessa vez como alunos dos anos finais do
fundamental, em 2017. E os alunos dos anos iniciais do fundamental que apresentaram bons
resultados em 2015 tinham grande chance de apresentarem novamente bons resultados, dessa
vez como alunos dos anos finais do fundamental, em 2019.
A fim de considerarmos as possíveis desigualdades sociais e regionais dentro do
município do Rio de Janeiro, ampliamos nossa lupa de pesquisa para as peculiaridades dos
Idebs apresentados pelos estudantes em cada uma das 11 Coordenadorias Regionais de Ensino.
Os resultados estão nas tabelas seguintes, para os anos iniciais:
Tabela 19 - Ideb nas CREs do município do Rio de Janeiro (2013-2019) - anos iniciais do
ensino fundamental
A tabela acima indica informações muito relevantes. Tanto a CRE 02 quanto a CRE 09,
foram as que tiveram maiores valores de "Ideb acumulado", sempre ficando entre os quatro
melhores resultados. A CRE 07 se destaca por ter apresentado em 2019 o melhor resultado,
além de ser uma das que conseguiu maior taxa de melhora do Ideb, no período 2013-2019. Em
contrapartida, as CREs 04 e 06 são as que têm o pior Ideb acumulado e vêm, desde 2013,
ocupando duas das três piores posições. A CRE 10 também merece bastante atenção pelos
resultados abaixo da média.
O desvio padrão calculado a partir dos Idebs das escolas desde 2013, é uma medida da
dispersão das notas, revelando diferenças entre elas. Na tabela a seguir, os resultados são
referentes aos anos iniciais:
19
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 28 maio 2021.
73
Tabela 20 - Desvios Padrão dos Idebs nas CREs do município do Rio de Janeiro (2013-2019)
- anos iniciais do ensino fundamental
Nesse quesito, destacamos as três maiores somas dos desvios apresentados pelas CREs
07, 04 e 02, sendo essas duas últimas as que apresentaram maior dispersão de notas em 2019.
A CRE 09 foi aquela onde a soma dos desvios foi a menor no período. Vale ressaltar que em
todas as CREs os desvios apresentados em 2019 são menores do que aqueles apresentados em
2013, o que pode indicar menor desigualdade.
Ainda buscando ampliar o olhar para os Idebs apresentados pelos estudantes em cada
uma das Coordenadorias Regionais de Ensino, apresentamos os resultados nas tabelas
seguintes, para os anos finais:
Tabela 21 - Ideb nas CREs do município do Rio de Janeiro (2013-2019) - anos finais do
ensino fundamental
20
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 28 maio 2021.
21
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 28 maio 2021.
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Novamente, entre aquelas com maiores Idebs acumulados estão a CRE 02 e a CRE 07,
que também apresenta uma das maiores variações de índice comparando 2013 a 2019. Agora,
é a CRE 01 que acompanha a dupla anterior, e não mais a CRE 09, como nos anos iniciais.
Tabela 22 - Desvios Padrão dos Idebs nas CREs do município do Rio de Janeiro (2013-2019)
- anos finais do ensino fundamental
Sobre os desvios, as que possuem maiores valores acumulados são as CREs 01, 02 e 07,
indicando que as duas últimas também continuam desiguais nos anos finais - o desvio ficou até
maior neste ciclo, no caso da CRE 07. As maiores variações de desvio, comparando-se 2013 e
2019, estão nas CREs 03 e 04. Contudo, nesse ponto, o destaque negativo volta a envolver a
CRE 06, pois apresentou aumento de dispersão de notas nesse período. A desigualdade entre
as notas nesse território piorou ou praticamente se manteve.
22
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 28 maio 2021.
23
Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 28 maio 2021.
75
Nesta tabela percebemos que a diferença entre os resultados dentro de cada CRE é ainda
mais relevante do que entre elas. A desigualdade de resultados entre os Idebs máximo e mínimo
nas CREs 02 e 07 é assustadora. Destacou-se também o valor desigual na CRE 04. Na CRE 06,
a desigualdade é mais baixa, o que nesse caso, reforça que trata-se de uma região em que o
investimento em qualidade deve ser bastante significativo.
Os números acima revelam um pouco dos contrastes existentes na cidade do Rio de
Janeiro. Enquanto a cidade brilha em segundo lugar no ranking do PIB (Produto Interno Bruto)
dos municípios do Brasil, ela também figura em posições muito abaixo quando se trata de IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) que, além da renda, busca medir a expectativa de vida e
os níveis de acesso da população à saúde e à educação. A disparidade indica que o
desenvolvimento econômico, embora necessário, não é suficiente para haver progresso social,
até porque a distribuição das riquezas pode ocorrer de forma a ampliar as desigualdades.
Segundo a publicação "O que os índices revelam sobre o Rio de Janeiro", escrita por
Márcia Pimentel (2019), no site da Multirio em abril de 2019, o Instituto Pereira Passos é o
órgão responsável pela elaboração do chamado Índice de Progresso Social (IPS), criado por
acadêmicos da Universidade de Harvard e do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e
inspirado no IDH. O IPS-Rio avalia o desempenho de cada uma das 32 Regiões Administrativas
do município em três dimensões do progresso social: Necessidades Básicas, Fundamentos do
Bem-Estar e Oportunidades. Cada dimensão é subdividida em quatro componentes,
alimentados por diversos indicadores, que ajudam a traçar uma radiografia mais detalhada da
cidade.
Numa escala de zero a 100, o IPS do Rio de Janeiro é 60,7. Um desempenho mediano
que, quando dissecado, expõe as grandes desigualdades da cidade. A Região Administrativa
(RA) de Botafogo, que inclui os bairros de Catete, Cosme Velho, Flamengo, Glória, Humaitá,
Laranjeiras e Urca, é a primeira do ranking de progresso social, com um índice de 86,90, mais
que o dobro da RA da Pavuna (Acari, Barros Filho, Coelho Neto, Costa Barros, Parque
Colúmbia), cujo desempenho foi o pior do município: 41,32.
Aliás, entre as 32 RAs da cidade, apenas 12 estão acima do IPS médio, compreendendo
cerca de 38% da população. Só seis, contudo, alcançam um índice acima de 70: Lagoa (85,18),
Copacabana (82,49), Tijuca (77,63), Vila Isabel (74,36) e Barra da Tijuca (70,83), além de
Botafogo. Já na casa do IPS 40 encontram-se oito RAs: Complexo do Alemão (43,34),
Jacarezinho (43,53), Rocinha (44,6), Guaratiba (45,18), Zona Portuária (45,25), Santa Cruz
(47,94) e Cidade de Deus (48,31), além da Pavuna.
76
Fica aqui a pergunta ou provocação: você seria capaz de adivinhar em qual RA está a
CRE 06? E as RAs das CREs 02 e 07? As respostas estão na tabela das áreas de atuação de cada
CRE, editada anteriormente, mas você pode presumir também pelos resultados dos Idebs.
77
situações de transição ao longo do tempo. Deste modo, e também por meio da identificação de
semelhanças e diferenças, serão interpretadas possíveis consequências nos resultados obtidos.
Como já foi abordado no capítulo anterior, enquanto a eleição para prefeito, em 2012,
representou um movimento pela continuidade da equipe de governo de Eduardo Paes (2009-
2012), a eleição de Marcelo Crivella, em 2016, para o período 2017-2020, indicou uma
significativa ruptura com as ideias do grupo político que estava no poder. De acordo com o site
da prefeitura,24 entre 2013 e 2020, as seguintes cinco pessoas ocuparam o cargo de secretário(a)
municipal de educação - suas respectivas experiências profissionais e formações acadêmicas
também estão descritas a seguir:
Cláudia Maria Costin (mandato: de 1 de janeiro de 2009 até 3 de junho de 2014, na gestão
Eduardo Paes - entre 2013 e 2014, período contido na análise deste estudo, 1,5 ano apenas
aproximadamente).
24
Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/epf/galeria-de-secretario-a-s. Acesso em: 13 mar. 2021.
25
Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/epf/galeria-de-secretario-a-s. Acesso em: 13 mar. 2021.
79
Organização das Nações Unidas (ONU), em Washington, nos Estados Unidos. Em seu lugar
entrou Helena Bomeny, que era subsecretária de ensino.
Regina Helena Diniz Bomeny (mandato: de 3 de junho de 2014 até 31 de dezembro de 2016,
na gestão Eduardo Paes - 2,5 anos).
26
Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/epf/galeria-de-secretario-a-s. Acesso em: 13 mar. 2021.
27
Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/epf/galeria-de-secretario-a-s. Acesso em: 13 mar. 2021.
80
chefe de gabinete, a professora Talma Romero Suane, nomeada pelo prefeito como nova
secretária.28
Talma Romero Suane (mandato: de 11 de julho de 2018 até 03 de abril de 2020; retornou em
28 de maio de 2020 até 31 de dezembro de 2020, na gestão Marcelo Crivella - 2,5 anos,
aproximadamente).
Pouco mais de 1 mês depois, Talma Romero Suane, que havia deixado a Secretaria de
Educação, foi renomeada comandante na mesma pasta (LACERDA, 2020).
28
Disponível em: https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2018/07/5556838-cesar-benjamin-e-exonerado-do-cargo-
de-secretario-municipal-de-educacao.html. Acesso em: 13 mar. 2021.
29
Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/epf/galeria-de-secretario-a-s. Acesso em: 13 mar. 2021.
81
Sueli Pontes Gaspar (mandato: de 07 de abril de 2020 até 27 de maio de 2020 / gestão Marcelo
Crivella - 1 mês e 20 dias).
30
Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/epf/galeria-de-secretario-a-s. Acesso em: 13 mar. 2021.
82
dos estudantes nos testes cognitivos permitem avaliar a aprendizagem, as respostas aos
questionários possibilitam analisar o nível socioeconômico, a infraestrutura, a formação de
professores, o material didático entre outros pontos.
Diretores de escolas de 5º e 9º anos do ensino fundamental, participantes do Saeb,
fornecem dados sobre o perfil e a experiência dos gestores escolares, as atividades
desenvolvidas, os recursos disponíveis e a infraestrutura do estabelecimento. O conjunto de
perguntas permite conhecer mais sobre a realidade da educação nas escolas. Professores
acrescentam informações sobre formação docente, experiência profissional, condições de
trabalho, dificuldades de aprendizagem dos alunos, violência no ambiente escolar, recursos
didáticos e práticas pedagógicas desenvolvidas na escola. No caso dos estudantes, o
questionário aborda temas como nível socioeconômico, participação da família e atividades
pedagógicas desenvolvidas.
A seguir, apresentaremos apenas algumas das perguntas respondidas por diretores
(foram 224 perguntas, no total, no questionário) e por professores (foram 128 perguntas) de 5º
e 9º anos do ensino fundamental, segundo dados dos questionários do Saeb 2019 - a seguir, a
cada linha, entre parênteses, há o número de respondentes da pergunta. Vale ressaltar que de
acordo com as respostas de professores e diretores da rede municipal do Rio de Janeiro, o
alinhamento quanto à importância do Ideb como indicador norteador de aprendizagem dos
estudantes e quanto ao apoio da secretaria municipal para superação das dificuldades do
cotidiano escolar não são tão acentuados quanto nas redes que obtêm os melhores resultados,
como a de Teresina (PI).
83
Para as perguntas (E) e (F) selecionadas para nosso estudo, o que constatamos foi o
seguinte:
• pergunta (E): o percentual de percepção de professores(as) quanto à colaboração das
famílias na superação de problemas que interferem na aprendizagem de estudantes é
semelhante nas duas capitais, apesar de no Rio ser ligeiramente maior;
• pergunta (F): em ambas as redes, a percepção do pouco (ou nenhum) apoio da secretaria
para superação das dificuldades do cotidiano escolar é maior do que entre os diretores,
com um agravante para a rede carioca: quase 3 em cada 4 não se sentem apoiados pelo
trabalho da SME.
tanto do Rio de Janeiro quanto de São Paulo; e outro para pessoas (foram 15) que tenham
ocupado cargos ligados ao trabalho da secretaria de educação, como (ex-)subsecretários(as),
(ex-)coordenadores(as) de CRE, (ex-)diretores(as) escolares, professores(as) e até mesmo
gestores de organizações do terceiro setor. A análise do material obtido nas entrevistas, foi
categorizada de acordo com a abordagem proposta por Fullan e Quinn (2016) e sub
categorizada a partir do que o autor deste trabalho considerou uma ação de "força da rede" ou
de "fraqueza da rede", no sentido do que provocaria melhora no Ideb. Para isso, passou-se pelas
fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e
interpretação. A fase apresentada a seguir é destinada ao destaque das informações, que
culminará nas interpretações críticas inferenciais a serem discutidas no próximo capítulo.
Vale lembrar que no livro de título "Coherence - The Right Drivers in Action for
Schools, Districts and Systems", Michael Fullan e Joanne Quinn, apresentam um framework
para que as lideranças educacionais consigam enfrentar os desafios da sobrecarga, da
fragmentação de iniciativas e da ausência de bons efeitos sustentados ao longo do tempo. Como
também já citamos e reforçamos aqui, o Coherence Framework é, segundo Fullan e Quinn
(2016, p. 11):
O Coherence Framework tem quatro ações como componentes, que caminham juntas:
direcionar o foco, cultivar culturas colaborativas, aprofundar o aprendizado e garantir a
responsabilização. Esses elementos se cruzam com a liderança em todos os níveis, para formar
um todo dinâmico, com as ideias centrais integradas. Os conteúdos destacados, assim como
suas categorizações e subcategorizações estão no anexo do trabalho.
A seguir, a síntese da categorização, com apontamento do que foi julgado pelo autor
deste trabalho como algo que representasse uma FORÇA ou uma FRAQUEZA do nosso
sistema educacional municipal. No próximo capítulo, discutiremos esses resultados.
87
A questão orçamentária estava ruim, mas a gestão desse processo também foi
muito ruim. Isso contribuiu muito para essa queda na qualidade […] Porque
veja assim "Ah! Talvez eles possam ter terminado com a prova Rio porque
tinha um custo, e talvez com o problema financeiro, eles não poderiam mais
fazer isso" [...] Mas a gente tinha outras coisas que a gente poderia ter
deixado de fazer! Entendeu? E as outras coisas que foram feitas que não
contribuíram para o aprendizado do aluno?! Era uma questão de escolha,
você tinha que ter priorizado. Sem dúvida nenhuma foi um período bastante
complicado […] (ex-subsecretária).
90
No que diz respeito aos conteúdos, houve surpresa quanto à declaração de uma ex-
secretária que apontou sua forma de ação em desfavor aos coordenadores regionais:
91
Em uma rede tão complexa como a do Rio de Janeiro, abrir mão dessa parceria com o
coordenador regional, não só pela experiência, formação e rede de relacionamento, mas também
pelos aspectos operacionais a serem alinhados entre a equipe do nível central e os diretores e
professores nas escolas, não nos parece algo que contribua para o aumento do nível de
aprendizagem do estudante na ponta.
Ainda quanto aos conteúdos, fazendo associação com o momento político vivido,
principalmente a partir de 2016, as pessoas entrevistadas destacaram durante um período maior
de suas falas as ações de relevante participação de outros atores. Isso ocorreu tanto no aspecto
positivo, como no caso do protagonismo estudantil em relação aos diversos projetos
pedagógicos desenvolvidos nas escolas, quanto no negativo, em relação ao papel pouco
colaborativo e muito conflituoso dos Sindicatos de professores, priorizando luta por melhores
condições de trabalho em detrimento, em alguns momentos, da melhora na aprendizagem dos
estudantes. Não que esses fatores não tenham sido citados pelas pessoas entrevistadas que
participaram mais ativamente do primeiro período de governo (2013-2016), mas a relevância
dada a esses aspectos não foi tão marcante. Atribuímos, então, essa diferença, sobretudo, ao
contexto político daquele momento (2017-2020).
Em um dos depoimentos sentimos a necessidade de se trabalhar melhor a
colaboratividade intraescolar como algo de larga escala.
Nesse ponto, além do apoio e orientação que a equipe da CRE pode dar, é fundamental
que sejam fortalecidos os programas de formação continuada tanto para diretores quanto para
coordenadores pedagógicos e professores.
92
Eu acho que tudo que tinha sido feito de boas experiências desde a Cláudia
Costin para cá, nesse governo, na época do Crivella, se acabou com tudo isso
[…] Por alguns motivos […] Primeiro porque eu não quero validar nada que
foi bom do outro porque eu não vou "botar azeitona na empada do outro" [...]
Outra questão era assim […] Eu vi pouco envolvimento, de fato, da gestão
passada com a aprendizagem do aluno, muito pouco envolvimento com isso
[…] Tinham outros interesses que era agradar o profissional, mas não o
aluno, a aprendizagem do aluno…Para mim, não era prioridade na gestão
passada. Foram acabando com algumas ações que eram muito importantes e
legais, uma delas era a avaliação bimestral e a prova Rio[…] (ex-
subsecretária).
Esta foi a categoria que mais depoimentos tivemos, e de todos os tipos de atores
entrevistados: desde ex-secretários(as) municipais (tanto do Rio de Janeiro quanto de São
Paulo) até professores e pessoas do terceiro setor, passando por ex-subsecretários(as), ex-
assessores de gabinete, ex-diretores e coordenadores de CRE. Tanto pelas responsabilidades
que precisam ser melhor desenhadas, implementadas, desenvolvidas e acompanhadas, como
também pelo desafio das transmissões das informações pelos diferentes níveis para ação,
podemos perceber que há amplo espaço para melhoria gerencial.
Não é de surpreender que isso tenha aparecido com essa ênfase, pois em se tratando de
uma rede tão abrangente quanto à do Rio, as 11 Coordenadorias Regionais de Ensino são como
"pequenos municípios"...Têm estruturas administrativas semelhantes às do nível central da
secretaria, respondem por mais de uma centena de unidades de ensino, gerenciam milhares de
dados de escala de professores e matrículas de alunos, acompanhamento e feedback de projetos
etc. Sem dúvida, um dos pontos centrais em relação à governança da rede está nessa
determinação de responsabilidades, na comunicação das diretrizes, no suporte de infra-estrutura
94
física e tecnológica, além dos elementos de gestão e motivação de seus profissionais para busca
de resultados, dentre muitos outros. A seguir, 10 depoimentos a respeito desses pontos:
Trocar um coordenador, dependendo da área, você tem que saber que você
está comprando alguma disputa com vereador. O cotidiano de uma CRE é
todo atravessado pelas ações dos vereadores daquela área […] Nessa
fiscalização que eles têm que fazer constrói-se um relacionamento […] Um
ex-secretário fez nova seleção do coordenador de CRE…Os diretores
escolheram o coordenador de CRE. É um cargo que deveria ser técnico e de
confiança. Esse cara para se manter no cargo, minimamente, eles fazem
política […] Realmente, existe uma perpetuação dos coordenadores. Que não
é saudável. Esse é um ponto importante. Não seria importante que as CREs
fizessem um plano coordenado com suas escolas? Falta professor na rede
[…] Mas é um buraco sem fundo […] O que já se colocou professor para
dentro? E não acaba essa falta […] Às vezes, o RH da CRE não usa toda
disponibilidade do professor…Permite sobra de tempo de aula para favorecer
o professor e não a necessidade da escola […] Vc vai fazer metade do tempo
nessa escola e a outra na outra escola (ex-assessora de gabinete).
Cada diretor tem autonomia de construir o horário com o seu corpo docente
[…] O horário é construído na escola, quando se tem todos os professores.
Aqueles que não conseguem, vão à coordenadoria e com o auxílio,
orientação, supervisão e fiscalização do RH, eles constroem uma estratégia
para lidar com a situação. Quando falta professor (a carência de professor
não é tão grande hoje), as equipes gestoras se reúnem com a gerente de RH
e eles buscam a melhor alternativa para essa falta, até que se chegue
professor…Geralmente, usa o professor da sala de leitura, o coordenador
pedagógico, que não é o ideal […] A gente está acompanhando o secretário,
que fez a chamada de quase 1000 professores […] Na última chamada,
tínhamos 5 professores convocados do fundamental I, de 40 horas […] Dos 5
convocados, três compareceram, dois ficaram "presos na biometria" (que
observou algum impedimento para assunção do cargo) e só recebi 1. Já
sinalizei para o secretário e na próxima chamada, ele fará mais convocações
(coordenadora de CRE).
É uma questão que acho que foi ruim nesse tempo […] Quando se
descentralizou as CREs […] O coordenador tinha autonomia para fazer suas
compras, para conduzir o processo pedagógico, sempre segundo as normas
[…] Mas no primeiro governo do Eduardo Paes, essa descentralização
retrocedeu […] O nível central centralizou algumas decisões e isso fez com
que o coordenador se sentisse sem responsabilidade sobre algumas ações,
95
alguns eventos […] Se a coisa não acontecia, não era responsabilidade dele
[…] Não são todos, é claro, mas eu percebo que a maioria tem essa postura,
embora sejam engajados […] Vc pode contar com eles para tudo […] Mas
eles são meio assim: "Mamãe, posso ir?" Entendeu? Como se fosse "Eu estou
aqui para cumprir ordens, então eu não tenho muita responsabilidade sobre
o resultado". O que eu percebo é que hoje, o modelo que a gente implantou
da Claudia Costin para cá, e aí não é crítica, mas o contexto foi mudando
[…] Eles começaram a achar "Ah! A responsabilidade é do nível central. Eu
tô aqui para cumprir ordem, então, eu não tenho muita responsabilidade
sobre o resultado (ex-subsecretária).
Acho que o nosso sindicato tinha que ser mais propositivo, indicando o que
ele gostaria que a política contemplasse. Nosso sindicato peca por ser muito
destrutivo […] Uma categoria grande, que não foi acostumada a responder
por seus resultados (ex-assessora de gabinete).
96
No centro do framework de Fullan (2016) está a liderança, que funciona como a cola
que conecta e integra os quatro componentes da estrutura de coerência. Eles devem encontrar a
combinação certa desses quatro componentes para atender às diversas necessidades de seu
contexto e internalizar a estrutura de coerência nas mentes e ações dos membros do sistema. O
principal objetivo é construir uma cultura colaborativa coerente por cinco ou mais anos até o
estágio em que o líder se torne dispensável. Isso faz todo o sentido porque, se depender demais
do líder, a organização desmoronará com sua partida. Por outro lado, se o líder está
constantemente tendendo ao desenvolvimento da coerência nos outros, ele está preparando o
caminho para o futuro. Em suma, fazer coerência é um enigma contínuo e os líderes que querem
fazer a diferença devem se sentir atraídos pelo desafio.
Focar a direção coloca o líder no jogo, cultivar culturas colaborativas fornece o caminho
para a mudança, aprofundar o aprendizado é a estratégia principal para afetar os resultados dos
alunos e garantir a responsabilidade é essencial para medir o crescimento e prestar contas à
própria pessoa e ao público. Essas ideias possibilitam que as lideranças educacionais
tenham olhar sistêmico, se planejem e façam uma diferença duradoura em suas
organizações e na sociedade. Com a palavra:
Deve-se tentar equilibrar o plano ideal para a educação com o plano de ação
que lide com as propostas de campanha. Nenhum secretário de educação é
dono do seu orçamento…E atenção para a Comunicação, tanto vertical
(subsecretários, diretores regionais, escolas), quanto lateral (com outros
secretários de governo como fazenda, planejamento etc). "Dizer e fazer"
97
Nessa busca por uma atuação como líder educacional, que transforme a educação básica
no Brasil em algo mais equitativo e de qualidade, uma das mais importantes reflexões a se fazer
ao longo do desenvolvimento pessoal e profissional é planejar ações voltadas para o
aprimoramento de competências gestoras. E essas competências devem representar um
conjunto de conhecimentos e habilidades capazes de mobilizar recursos de forma criativa e
inovadora para atuação em determinadas situações que exigem preparação não apenas
conceitual, mas também relacional, procedimental e ética. Voltando aos depoimentos:
O mais difícil não é formular o projeto […] O mais difícil é fazer a secretaria
se apropriar do projeto […] Coletivamente apropriado, que exista nas
escolas […] Demanda tempo e é muito difícil […] Tecnocrata formula
projeto, mas esse não é o problema […] Montar equipe, selecionar pessoal,
desenvolver metodologia, começar com projeto piloto, ter avaliação de
resultado […] Isso ou a rede faz ou ninguém faz (ex-secretário municipal de
educação).
não se falava mais […] Quando a gente se falava, às vezes, o assessor dele ia
perguntar sobre determinados status de alguns contratos. A SME gerenciava
cerca de 800 contratos. Houve desgaste grande com a câmara de vereadores
[…] Ele ficou enfraquecido junto à Câmara e nesse contexto, pediram a
minha cabeça. E na fase final, eu percebi que ele queria que eu saísse […]
(ex-secretário municipal de educação).
Por mais que contemos com funcionários públicos concursados nos quadros
administrativos da secretaria, foi possível apurar que tanto pelo desafio da questão fiscal, quanto
por aqueles ligados à continuidade das boas políticas de bonificação e dos programas
pedagógicos, os profissionais passaram por um período crítico, incluindo aspectos
motivacionais. As mudanças de liderança da secretaria, com ambiente bastante influenciado
por disputas políticas, não contribuíram, decerto, para que os planejamentos fossem realizados
da melhor forma, principalmente, no período de 2016 (ano de eleição) a 2020.
Manter a ordem dos contratos de prestação de serviços, organizar os bancos de dados,
integrar as informações das diversas áreas (saúde, desenvolvimento social, educação, por
exemplo), permitindo que haja um número único de identificação dos usuários de serviços
99
públicos, são passos importantes. Com grande grau de confiança, a integração das informações
sobre estudantes e suas famílias, o conhecimento das dimensões de vulnerabilidade existentes
e a governança compartilhada por todos os níveis permitiriam uma ação mais focada e direta
nos fatores que têm efeito no desenvolvimento e na aprendizagem de nossas crianças e jovens.
A sistematização de processos e as estratégias de uso de dados não foram suficientes
para que fosse mantida uma linha coerente de monitoramento, avaliação e feedbacks constantes.
Os posicionamentos, iniciativas e competências dos gestores e lideranças educacionais, em
especial do nível central da SME, foram o bastante, apenas, para que as atividades fossem
mantidas, sem que houvesse um planejamento voltado para melhoria significativa e sustentável
de resultados de aprendizagem relevantes e associados a cada contexto de CRE.
A formação de um comitê, conselho ou grupo de trabalho que estabeleça políticas,
garanta segurança de armazenamento e proporcione treinamento às equipes para lidar com os
dados da rede permitirá a conexão dos planos estratégicos educacionais às ações na ponta. A
consistência das informações propiciará maior transparência, accountability e eficiência na
comunicação e no uso dos recursos (humanos, financeiros e materiais) voltados às prioridades
pré definidas. Com certeza existem pessoas sérias e abnegadas na secretaria, mas sem
processos estruturados de informação e dados, além de equipamentos e tecnologia atualizados,
nem o melhor ou mais motivado profissional é capaz de resolver.
Como já foi comentado, o momento político pelo qual a cidade e o país passaram,
principalmente entre 2013 e 2016, trouxeram uma demanda por mais participação de
professores e diretores na escolha das lideranças (diretores de escola e coordenadores de CRE).
Contudo, tanto estas práticas mais democráticas de seleção quanto os programas de formação
continuada ou mesmo de remuneração de profissionais da educação não apresentaram efeito
significativo para a aprendizagem dos estudantes. Em nossa perspectiva, isso se deveu ao fato
de as ações não terem sido desenvolvidas de modo a garantir uniformidade em escala e,
principalmente, a continuidade das boas políticas educacionais. Os propósitos estavam
baseados em outras premissas contingenciais.
100
A grande maioria dos servidores que atuam no nível central são professores efetivos
concursados que se destacaram na rede como professores, coordenadores pedagógicos e
diretores. Apesar de existirem aspectos positivos aí, cabe notar dois pontos de atenção.
Primeiramente, de acordo com atores locais ouvidos, a atuação da equipe do nível
central tem sido muito diretiva e centralizadora. Algumas políticas tiveram baixo nível de
escuta e diálogo com membros da comunidade escolar na sua formulação e implementação, o
que gerou engajamento abaixo da expectativa. Esse é um desafio importante a ser enfrentado,
pois dificulta a institucionalização das políticas nas escolas, que muitas vezes, ainda enxergam
as ações da secretaria carioca como impositivas e, talvez por isso, não apresentem entusiasmo
em algumas ações.
Em segundo lugar, a questão envolvendo a atuação do coordenador de CRE também
merece destaque. As políticas de seleção, remuneração, desenvolvimento ou mesmo
desligamento desses profissionais precisam ser melhor estruturadas. Afinal, esse cargo tem
importância-chave não só para maior capilaridade do que se define em termos de estratégia
educacional no município como também para continuidade das boas políticas implementadas.
De acordo com o que foi apurado nas entrevistas, a atratividade eventual para a função se deve,
principalmente, pelas gratificações adicionais e pelas oportunidades de formação continuada
no período em que a pessoa está nesta função. Algo considerado quase casual para um cargo
tão importante em termos estratégicos para a governança e continuidade de políticas públicas
educacionais. Sob nosso ponto de vista, deveríamos ter muito mais cuidado com essa posição
profissional. Por que não há um concurso público rigoroso, específico e bem remunerado para
coordenador regional de ensino? Talvez fosse interessante considerá-lo como um ator para
garantia de estabilidade das boas práticas, que ficasse blindado às interferências políticas. O
tempo de ocupação da função poderia ser regulado em concurso. Além disso, para a apropriada
gestão de uma rede com a do Rio de Janeiro, a maior da América Latina, é vital que as pessoas
que ocupam esses cargos sejam lideranças transformadoras e inspiradoras.
Vale lembrar que, para além das questões burocráticas rotineiras, o enorme time de
diretores escolares, liderados pelo coordenador de CRE, precisa se sentir motivado a participar
da construção de diretrizes associadas aos seus diversos contextos. Sem senso de pertencimento
ou mesmo feedback em relação ao que foi produzido, dificilmente as políticas educacionais
chegarão à sala de aula, ainda mais em uma rede tão grande quanto à da cidade do Rio de
Janeiro. Além disso, a equipe da CRE pode e deve ajudar na facilitação do processo de cada
escola ter as próprias metas. Algumas que nasçam nelas mesmas e outras que sejam pactuadas
com o nível central, representativo de toda sociedade, defensora da garantia do direito, de suas
101
É possível promover excelência com equidade entre redes escolares/CREs mesmo tendo
recursos escassos. No Brasil, há exemplos práticos de sucesso, produzidos a partir de
102
orçamentos menores do que os da cidade do Rio de Janeiro. É o caso de Teresina, no Piauí, que
demonstrou que mesmo em cenário de restrições e escassez, boas iniciativas e políticas chegam
sim às salas de aula. É preciso aprender com o próprio Brasil!
No mundo todo e também no Rio de Janeiro, os aperfeiçoamentos de capacidade,
produtividade e inovação no setor público são cada vez mais necessários para que se possa
alcançar as expectativas dos cidadãos. Ocorre que para que esse aperfeiçoamento seja efetivo,
além da atenção às formas por meio das quais as escolhas são feitas é necessário que as
lideranças percebam a dinâmica orçamentária das organizações governamentais como também
um instrumento de gestão - incluindo o domínio sobre conceitos, métodos e procedimentos
associados ao ciclo orçamentário. Integrar decisões estratégicas e escolhas orçamentárias, além
de implementar práticas que aperfeiçoem o binômio execução e controle são ações árduas, mas
que devem fazer parte dos objetivos das lideranças do setor público, evitando, inclusive,
negligenciar a necessidade de se gerar cada vez mais envolvimento de gestores e profissionais
capazes para tal. Vale ressaltar que na perspectiva legal ou das relações de poder, para
compreensão do orçamento público na realidade brasileira cabe sempre discutir a consistência
entre os instrumentos legais que definem os planos plurianuais, as diretrizes orçamentárias e os
orçamentos anuais, em todas as esferas de governo.
O histórico de alto custo com pessoal e restrição fiscal no Rio de Janeiro, já descrito no
capítulo 3, aliado à falta de capacidade de resposta da equipe gestora entre os anos de 2017 e
2020, não favoreceram o surgimento de reformas inovadoras. Constatou-se: ausência de
padronização, principalmente, no que diz respeito a indefinição de prioridades; descontinuidade
nas melhorias incrementais obtidas ao longo do tempo; e falta de uma postura de "construir em
conjunto" tanto com os órgãos de controle quanto com o Poder Legislativo.
Apontamos aqui algumas possíveis razões para este quadro de baixo nível de eficiência
na gestão orçamentária da SME: i) falta de competência para fazer a gestão; ii) rodízio constante
de pessoas na secretaria; quando mudanças ocorrem, normalmente troca-se boa parte da equipe,
que estando a frente de projetos e ações que são interrompidos, fazem com que sucessores
tenham que retomar do “zero” ou exigem tempo para se familiarizar com os desafios; iii) falta
de projeto educacional que mantenha as diretrizes supostamente planejadas e estruturadas por
equipe responsável da prefeitura, o que gera ausência de assertividade em relação ao que o
contexto demanda.
Sabe-se que as reformas de gestão das finanças públicas devem se concentrar na
melhoria da gestão dos departamentos e das agências governamentais, pois são essas entidades
que determinam como o dinheiro público é gasto. Admitimos, contudo, que este trabalho possui
103
limitações nesse campo. Questões como: "O orçamento está orientado para resultados?" ou
ainda "Como é o nível de discricionariedade dos gestores (seja no nível central, nas CREs ou
nas escolas) para designação de gastos?" podem e devem ser melhor investigadas em outras
pesquisas. Nesta, não conseguimos chegar a um nível de refinamento destas informações
suficiente para respostas mais precisas nas possíveis relações de causalidade.
O contexto importa muito, o endosso do ator político que ocupa o cargo executivo
(prefeito, no caso), o trabalho das comissões na Câmara, as relações com os profissionais da
educação, com professores e diretores escolares, com a imprensa, com os estudantes e suas
famílias, tudo enfim, tem sua relevante influência. Contudo, é fato que a busca pela melhoria
do gasto público, por meio de inovações, é um dos caminhos a serem seguidos para se chegar
a um custo mais baixo na prestação de serviços públicos e a uma maior eficiência.
5.2.4 Colaboratividade
iniciais do ensino fundamental, com a menor desigualdade entre os estudantes de maior e menor
níveis socioeconômicos. Ou seja: qualidade com equidade, em escala. E é justamente nesse
ponto em que, pela análise dos resultados das CREs cariocas e pelos conteúdos nos discursos
ouvidos a partir de vários atores importantes no cenário educacional municipal do Rio de
Janeiro, precisamos avançar mais eficazmente.
O caso da grande cooperação intergovernamental no Ceará, célebre pelos resultados
educacionais apresentados pelos estudantes de Sobral e de outros municípios, como Fortaleza,
pode indicar boas lições. Segundo Segatto (2015, p. 22), "[...] o Ceará é o único caso em que
há uma coordenação estadual que busca criar padrões mínimos em termos de condições
institucionais, o que significa que os programas estaduais têm mais chances de efetivamente
influenciar o conjunto das políticas municipais de Educação".
Como foi abordado no capítulo 2, no Ceará, o Programa de Alfabetização na Idade Certa
(PAIC) foi construído com a articulação de diversos atores e organizações, incluindo as
Secretarias Municipal e Estadual de Educação, e envolve
cenário em que todos, família e profissionais da educação, ainda estão tentando recuperar os
níveis de saúde mental e emocional anteriores ao COVID-19. Infelizmente, a pandemia agravou
ainda mais o quadro.
Os desafios enfrentados pelo Rio de Janeiro, em especial, e pelo Brasil são significativos
e exigem esforços redobrados e incessantes. Estabelecer modelos de governança adequados a
essa realidade, estabelecer estratégias de ação, gerenciar riscos, promover transparência e maior
participação dos cidadãos, monitorar resultados e provocar a satisfação das partes interessadas
são ações que exigem muitos recursos. Uma parte da literatura sobre problemas complexos
afirma que abordar esses difíceis problemas, como desigualdade ou reforma de grandes
sistemas de educação, entre outros, requer soluções vigorosas e centralizadas. Contudo,
também existem argumentos viáveis de que soluções mais descentralizadas e “policêntricas”
podem ser tão ou mais eficazes. Essa literatura argumenta que as soluções centralizadas podem
não envolver os atores de forma adequada, ou não possuir a flexibilidade apropriada. Para além
dessa questão geral de soluções centralizadas e descentralizadas, pode-se também considerar a
escolha de instrumentos mais abertos e procedimentais (HOWLETT, 2000), que podem se
mostrar mais apropriados no desenho da política do que intervenções mais definitivas.
Trabalhar a reforma educacional da rede do Rio de Janeiro pensando em dividir o grande
problema em partes menores, a partir das demandas e particularidades de cada contexto, de
pessoas e de infra-estrutura das CREs, talvez nos conduza a uma situação melhor. Isso
permitiria abordagens que privilegiassem instrumentos específicos para solução de problemas
quanto à qualidade e à equidade da aprendizagem em cada território da rede. Seja em projetos
com equipes temporárias ou mesmo em rotinas regulares de trabalho, envolver as partes
interessadas em um debate sobre a definição de um problema central, mapear a variedade de
opiniões, democratizar e alcançar o consenso social são tarefas complexas, mas que podem
trazer novos caminhos e novas soluções.
É bom lembrar que, no caso da administração pública, de uma maneira mais abrangente,
a definição das competências a serem desenvolvidas depende da agenda governamental ou da
política que é estabelecida especificamente para as respectivas carreiras dos servidores
públicos. Não há determinações universalistas ou respostas pré-estabelecidas que possam ser
utilizadas de forma objetiva e padronizada. Essa definição exige a prospecção das necessidades
no nível micro, por intermédio de procedimentos muitas vezes customizados, e a formulação
de diretrizes no nível macro. E nesse sentido, mais uma vez, não faltam boas referências no
Brasil. Tanto a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) quanto o Centro de
Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE), baseado na Escola Brasileira de
106
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fato que entre 2013 e 2019, o Ideb do ensino fundamental da rede municipal do Rio
de Janeiro, tanto nos anos iniciais quanto nos anos finais, aumentou de maneira absoluta.
Contudo, os casos de sucesso estudados no capítulo 2, a permanente desigualdade de
indicadores nas CREs cariocas, além da não consideração do Ideb como referência para parte
da rede, apresentadas no capítulo 3 e os resultados das entrevistas reportados e discutidos nos
capítulos 4 e 5 indicam que, a fim de se alcançar as metas do PNE e a desejada sustentabilidade
de melhora nos resultados, é fundamental que as lideranças educacionais determinem e
concentrem esforços nas diretrizes relevantes em seu contexto. Há estratégias para isso, e
aqueles que desejam fazer diferença duradoura devem compreendê-las e implementá-las com
esmero. Nesta parte final do trabalho, apresentaremos considerações sobre o que deveria ser
priorizado para que se tenha, no futuro, um quadro significativamente melhor. Antes, porém,
serão feitas observações quanto aos efeitos da pandemia e, em seguida, às próprias limitações
para avaliação da educação básica, atualmente.
a proporção foi 29% menor para esses alunos em comparação aos com índices socioeconômicos
elevados.
Em outra publicação, de abril de 2021, o UNICEF em parceria com o Cenpec Educação
lançou o estudo “Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – um alerta sobre os impactos da
pandemia da Covid-19 na Educação”. De acordo com este relatório, o Brasil vinha avançando,
lentamente, no acesso de crianças e adolescentes à escola. Contudo, com a pandemia da Covid-
19, o País passou a correr o risco de regredir duas décadas. Em novembro de 2020, mais de 5
milhões de meninas e meninos não tiveram acesso à educação no Brasil – número semelhante
ao que o país tinha no início dos anos 2000. Desses, mais de 40% eram crianças de 6 a 10 anos
de idade, etapa em que a escolarização estava praticamente universalizada antes da Covid-19.
Com escolas fechadas por causa da pandemia, em novembro de 2020, quase 1,5 milhão de
crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não frequentavam a escola (remota ou presencialmente).
A eles, somam-se outros 3,7 milhões que estavam matriculados, mas não tiveram acesso a
atividades escolares e não conseguiram se manter aprendendo em casa. No total, 5,1 milhões
tiveram seu direito à educação negado em novembro de 2020. A exclusão escolar atingiu
sobretudo crianças de faixas etárias em que o acesso à escola não era mais um desafio. Dos 5,1
milhões de meninas e meninos sem acesso à educação, em novembro de 2020, 41% tinham de
6 a 10 anos de idade; 27,8% tinham de 11 a 14 anos; e 31,2% tinham de 15 a 17 anos – faixa
etária que era a mais excluída antes da pandemia (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A
INFÂNCIA, 2021).
Crianças de 6 a 10 anos sem acesso à educação eram exceção no Brasil, antes da
pandemia. Essa mudança observada em 2020 pode ter impactos em toda uma geração. São
crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, fase de alfabetização e outras aprendizagens
essenciais às demais etapas escolares. Ciclos de alfabetização incompletos podem acarretar
reprovações e abandono escolar. E o estudo mostra, também, que a exclusão afetou mais quem
já vivia em situação vulnerável - a exclusão foi maior entre crianças e adolescentes pretos,
pardos e indígenas, que correspondem a 69,3% do total de crianças e adolescentes sem acesso
à Educação. Com esse quadro tão desafiador, será fundamental que os governantes em todo
Brasil, em ação conjunta nos três níveis, federal, estadual e municipal, articulem políticas
educacionais que priorizem a Primeira Infância, com programas intersetoriais envolvendo
educação, saúde, cultura, assistência social e esporte que realizem a busca ativa de crianças e
adolescentes que estão fora da escola, e promovam não só a recuperação de aprendizagem,
como também a Alfabetização na Idade Certa, em especial entre os mais vulneráveis.
109
No Rio de Janeiro, nos últimos anos, assistimos a muitas mudanças na política e poucas
ações voltadas para a sustentação da melhoria da aprendizagem de nossos estudantes. A
combinação entre a alta rotatividade dos cargos, frágil sistema de monitoramento e avaliação,
e permanente pressão de nomeações decorrentes do multipartidarismo, impôs um grande
desafio: encontrar o melhor arranjo entre a técnica e a política, sem engessar o espaço necessário
para decisões de caráter eminentemente contingencial no interior do nível central da SME.
Possivelmente o caminho para que a política educacional se torne política de Estado e não de
um governo seja por meio do fortalecimento de uma cultura que ajude a criar comportamentos,
crenças e hábitos para melhorias incrementais e contínuas de qualidade.
Neste processo contínuo e incremental não é o tamanho de cada passo que é importante,
mas sim a probabilidade de que o melhoramento vai continuar toda semana, mês ou qualquer
período de tempo adequado. Esse tipo de hábito, assim como numa maratona, requer grande
110
esforço para mantê-lo no rumo certo por uma longa duração. A natureza do conceito de
melhoria contínua, de questionamento constante e repetitivo de cada etapa, programa ou passo,
é bem caracterizada pelo chamado ciclo PDCA ou "Roda de Deming", assim chamado em
homenagem ao famoso guru da administração e da qualidade, William Edwards Deming (1900-
1993) - um americano, estatístico, professor catedrático, autor de livros, que ganhou
notoriedade no esforço pós-guerra para o reerguimento do Japão nos anos 50. Deming teve seu
nome "emprestado" ao PDCA como consequência da grande notoriedade que deu ao uso
iterativo do ciclo, que envolve planejamento, produção, medição e aprendizado, muito
associado à gestão da qualidade total.
O ciclo PDCA é uma sequência de ações que são realizadas de maneira cíclica para
melhorar o desempenho de uma atividade ou processo, sendo que cada letra representa um
verbo em inglês: P - Plan; D - Do; C - Check; A - Act. A primeira etapa, a do Planejamento,
envolve a reflexão sobre objetivos, recursos disponíveis (tempo, dinheiro e pessoas envolvidas),
diretrizes e metas para estabelecimento dos planos de ação. Nesse estágio, conversar com as
partes interessadas mais estratégicas é fundamental, de modo a estabelecer pactos firmes,
calibrar expectativas e obter engajamento genuíno. Uma vez que o plano tenha sido bem
desenhado e acordado, o próximo estágio é o "D", do fazer. Esta é a fase de execução objetiva,
em que pode até haver miniciclos PDCAs para solução de problemas de implementação. A
seguir, vem a etapa do "C", da checagem (ou testagem), em que a solução nova implementada
é avaliada, para ver se resultou nas metas esperadas. Finalmente, vem a etapa "A", da ação
corretiva, a partir das discrepâncias, entre o planejado e os resultados obtidos. É uma etapa em
que ocorre o "feedback" às partes responsáveis, de modo que as premissas bem sucedidas
quanto ao que foi planejado são mantidas e aquelas de insucesso são reformuladas. A sequência
lógica aqui é a de identificar o que não esteve de acordo com o planejado, descobrir sobre o
porquê da discrepância, debater feedbacks e replanejar o próximo ciclo, de modo que os erros
cometidos não sejam repetidos. E aí, o processo se repete de modo que, ao longo do tempo, a
qualidade vai sendo melhorada continuamente.
Até mesmo do ponto de vista pedagógico, pode-se aplicar o PDCA, afinal, após
diagnóstico inicial do que o aluno tem de conhecimentos, é possível planejar uma trilha de
aprendizagem adaptada ao seu ritmo, forças e fraquezas. A partir disso, ele executa o plano,
assistindo às aulas e fazendo exercícios e atividades; em sequência, passa por avaliações
formativas e, finalmente chega à etapa da ação corretiva, com o feedback recebido das
avaliações realizadas, de modo que seu plano de aprendizagem seja adaptado ao apurado e
projetado para os desafios futuros.
111
Uma das célebres frases de Deming é a seguinte: "Não se gerencia o que não se mede,
não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que
não se gerencia". Dito de outra forma: o contínuo aprendizado sobre a prática, com seus detalhes
e informações, é fundamental para que se determine as ações que levarão a um desempenho
cada vez melhor. A liderança deve ter domínio e confiança em sua base de dados para apontar
112
os caminhos prioritários para solução. Sem isso, não há como se ter certeza de que o caminho
é o mais apropriado para aquele contexto.
Trazendo para a prática: sabemos que um dos caminhos para a vital recuperação de
aprendizagem nesse pós pandemia é o de buscarmos ampliar o tempo pedagógico dos
estudantes - seja por meio da ampliação da jornada escolar, do apoio pedagógico de tutoria para
a realização de deveres ou mesmo do tamanho e homogeneização das turmas. Para que isso seja
feito é fundamental que se conheça muito bem a disponibilidade de recursos materiais (salas e
equipamentos), humanos (disponibilidade de professores) e financeiro (orçamento). Será que
para o próximo período haverá contingente suficiente e capaz de cobrir toda demanda? Quantos
se aposentarão? Qual o histórico do percentual de afastamentos por questões de saúde? Em que
território será necessária a contratação? Quantos profissionais em regime de 40h podem ser
contratados a partir do orçamento disponível? Se não for possível contratar, como seria possível
otimizar os horários dos professores atuais a fim de que se preencha todas as lacunas de horário
existentes? Se está havendo dificuldade de contratação pela análise histórica dos últimos
concursos, por que não se aproximar das escolas de licenciatura locais e planejar em conjunto
o fluxo necessário de profissionais formados a cada ano, para que se atenda a demanda de
pessoal, em cada disciplina? E se isso ainda não for possível, que se planeje uma otimização de
processos dentro do nível central da secretaria, de modo que a partir da tecnologia, o nível
central possa abrir mão de pessoal e permita que esses profissionais retornem às escolas de
origem. São apenas alguns exemplos de caminhos, decisões e escolhas, tanto no âmbito do nível
central da secretaria municipal de educação quanto no das CREs que ajudariam nas possíveis
soluções.
Contudo, para que essa imensa quantidade de dados seja bem gerenciada e esteja
disponível, os governantes precisam investir fortemente em infra estrutura tecnológica, com
equipamentos, redes de transmissão e armazenamento de informações, além de pessoas muito
bem selecionadas, formadas e treinadas capazes de tornar mais eficientes as escolhas e o uso
do tempo. Não há dúvidas de que com uma confiável base de dados, as tomadas de decisão
serão menos erráticas. Além disso, a consistência das informações propiciará maior
transparência, accountability e eficiência na comunicação e no uso dos recursos (humanos,
financeiros e materiais) voltados às prioridades pré definidas.
No âmbito da escola, com base tecnológica suficiente e informações sobre os alunos
(seu rendimento escolar e situação familiar) seria possível não apenas a determinação de uma
trilha de (recuperação de) aprendizagem mais adaptada ao ritmo e ao tempo de cada aluno, mas
também o estabelecimento de programas de aproximação da família, com foco para a figura da
113
mãe, ao contexto escolar. Os exemplos de São Paulo e Londrina, também exibidos pela ONG
Todos pela Educação na série "Educação que dá certo" são emblemáticos nesse sentido: foi
apenas a partir da melhor gestão dos dados das crianças e de suas famílias que foi possível haver
organização da fila de demanda para vagas em creche e priorizar os casos de situação de maior
vulnerabilidade, contribuindo para a diminuição das desigualdades no acesso.
regras fiscais e critérios alocativos. Aprovado em 2020, o desenho do Novo Fundeb, por
exemplo, prevê um sistema de financiamento mais distributivo, que exigirá uma grande rede de
colaboração de todo sistema educacional, com procedimentos que envolverão os governos dos
três níveis: federal, estadual e municipal.
As possíveis colaborações com universidades e institutos de pesquisas seriam muito
oportunas não só para indicação de possíveis caminhos para políticas públicas, baseados em
evidências e publicações científicas, mas também para estruturação de programas de formação
inicial e continuada dos profissionais da educação. Aproximar o conhecimento teórico do que
exige a rotina prática é um dos desafios que precisamos enfrentar para obtenção de resultados
mais consistentes. Além disso, programas de mentoria para as lideranças educacionais que
ajudem nas transições de cargo, que muitas vezes acontecem nas secretarias, podem atenuar
efeitos de ineficiência e colaborar para a continuidade de programas de sucesso.
Podemos citar aqui outra importante parceria, que é aquela estabelecida com
organizações do terceiro setor. Além de dar um pouco mais de pluralidade ao debate público,
trazendo contribuições para discussão de metodologias pedagógicas ativas ou mesmo
provimento de cursos para desenvolvimento de competências socioemocionais nos estudantes
e profissionais da rede, também atuam em territórios em situação de vulnerabilidade.
Aqui no Rio de Janeiro, há o caso de sucesso da organização social civil "Associação
Samba Educa", que por meio de seus 4 eixos de ação (ensino-aprendizagem, cultura, inclusão
digital e empregabilidade), promove cursos de reforço escolar, preparação para o ENEM,
profissionalizantes e treinamento de professores, em áreas em situação de vulnerabilidade
social, ligadas ao Samba. A partir de investimentos em infra estrutura tecnológica,
equipamentos e rede de dados, são promovidos processos híbridos de ensino-aprendizagem,
que fomentam a educação por meio de recursos educacionais digitais, voltados para um público
formado por jovens pretos(as) e pardos(as), em sua maioria de mulheres, de baixo nível
socioeconômico. Os conteúdos ministrados nas aulas são estabelecidos a partir dos contextos
vividos pelos jovens em suas comunidades do Samba, de modo que a cultura local ajuda a criar
engajamento, sentimento de pertencimento e conexão dos alunos e de suas famílias com a
relevância do programa, desestimulando a evasão. Além disso, há parceria com uma
universidade próxima, em que seus estudantes de licenciatura são estimulados a participarem
do programa, na função de monitores ou professores, de modo que possam aprimorar suas
competências docentes e tenham sua empregabilidade potencializada em outros espaços,
inclusive. O estímulo à carreira docente acaba sendo local também. A Teoria da Mudança acaba
formando pessoas com competências (profissionais) associadas à inovação e tecnologia
115
democrático, com necessidade de se olhar melhor para as metas de cada rede. Elas devem ser
desafiadoras, factíveis e legítimas, em acordo com cada contexto pós pandemia.
Uma outra referência importante para a reflexão dos gestores educacionais e
especialistas acerca dos novos desafios de avaliação da educação básica é o documento
"Avaliações em Larga Escala no Brasil e no Mundo: uma análise comparada de 14
experiências", publicado pelo Instituto Reúna, em outubro de 2021. Trata-se de uma pesquisa
que mapeou 14 avaliações de larga escala no mundo, sendo seis no Brasil e oito fora do país.
No Brasil, foram analisados o Saeb e uma avaliação estadual por região geográfica, ambas com
pelo menos duas edições já realizadas. Fora do país, foram selecionadas cinco avaliações
estrangeiras aplicadas em diferentes países, um em cada continente (França, Estados Unidos,
Singapura, Austrália e Moçambique) e três avaliações internacionais, contemplando, assim,
uma diversidade de componentes e público-alvo. No estudo são revelados alguns pontos
importantes que podem contribuir para a melhoria do Saeb e de avaliações subnacionais, como
reflexões acerca do propósito das mesmas, além de informações sobre a devolutiva dos
resultados, escalas de proficiência, tipos de itens, escopo e matrizes de referência.
Gestão baseada em números e evidências, promoção de maior democracia nas tomadas
de decisão relativa aos gestores escolares, participação dos jovens em seus processos educativos
são questões que ainda exigem maior quantidade de dados e eventos, sobretudo no pós
pandemia, para que possamos identificar e recalibrar normas e políticas que melhor gerem
aprendizado nas escolas, além de garantir que os programas sejam protegidos de perdas, fraude
e má administração. Em relação a como estruturar um quadro conceitual mais abrangente,
também será um desafio identificarmos como articular, para diferentes contextos, as dimensões
do raciocínio com os conhecimentos de cada área e com as competências consideradas
essenciais para o século XXI.
Os desafios são imensos e a pandemia acentuou esse quadro, o que nos leva também a
chamar atenção para a importância de regulamentarmos, o quanto antes, o Sistema Nacional de
Educação (SNE), a exemplo do que ocorre na saúde, com o Sistema Único de Saúde (SUS). A
instituição do SNE trará fortalecimento da governança nacional na Educação Básica por
também normatizar espaços permanentes para que gestores educacionais da União, Estados e
Municípios possam pactuar as diretrizes e parâmetros educacionais na implementação das
políticas educacionais.
119
6.4 SANKOFA
REFERÊNCIAS
ACEMOGLU, D.; ROBINSON, J. Why nations fail: the origins of power, prosperity and
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124
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https://www.youtube.com/watch?v=3RloY45BiT4&t=4302s. Acesso em: 25 ago. 2021.
125
Direcionar o Foco:
O Ideb era uma questão prioritária…Era uma das grandes metas. Era uma
questão de honra […] Tinha o programa das escolas madrinhas…As boas
apadrinhavam as outras…A gente ia às CREs, acompanhávamos de perto
[…]. (ex-secretária municipal de educação) -> FORÇA
Ideb, para mim, era que nem Copa do Mundo...Era esse sentimento que
precisava ter sido colocado nos professores. (ex-secretária municipal de
educação) ->FRAQUEZA
O Programa Escolas do Amanhã era composto por escolas que tinham estado
em situações muito difíceis tanto na estrutura quanto na de pessoas que
estavam ali […] Eram escolas de menor desempenho […] Se procurou dar
gás maior para elas, atuando na equidade. Tudo que foi possível, melhor
equipamento, mais professores, organizando direções e estrutura financeira,
a partir das metas […] Mais quantidade de material […] Era tudo maior. A
educação sozinha não resolve tudo […] Ela é base. É tudo uma questão de
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gestão desse processo. A gente precisa resolver uma questão maior que é essa
questão da desigualdade social. Na infra-estrutura, no acesso…Na pandemia
agora, isso ficou ainda mais escancarado. Como os alunos vão lidar com essa
linguagem, se eles não têm acesso à internet? Como eles vão acompanhar
esse ritmo de desenvolvimento, se o "sinal não chega"? Onde eu focaria
minhas ações? Na desigualdade. (ex-subsecretária municipal) -> FORÇA
Uma outra questão que eu acho que pode impactar e que eu vivi, como estou
na rede desde 85 […] De 23 DECs, viraram 10 CREs […] Depois são
transformadas em 11. A gente tem sucesso de projetos […] A gente não tem
sucesso no que é estruturante […] O avanço, não fica perene [...] Qual o
sucesso desses projetos? Acompanhamento! A escola tem um projeto X,
alguém acompanha a escola […] E por acompanhar a escola, eu mostro
ferramentas de acompanhamento para a gestora, que acaba usando aqueles
aprendizados para acompanhar outras coisas na escola […] Mesmo com
todas as CREs que a gente tem, não se conseguiu construir as condições para
um acompanhamento efetivo das escolas […] Há que se acompanhar!!! E
precisa ficar muito claro que acompanhamento é esse […] Com objetivos
traçados, tendo claramente um diagnóstico da escola, sabendo o que se quer
mudar, com metodologia determinada, verificando o que se avança, tendo
metas claras e medidas […] Se não tivermos isso bem estruturado, depois de
um certo tempo, vira um café com diretores […] Vc vai lá fala, a diretora
chora as mágoas, faz um evento maravilhoso, mas no fim vc não modificou
nada. Se você não mudar estruturalmente, depois de um certo tempo aquele
efeito não se sustenta. Não se disciplina o método! (ex-assessora de gabinete)
->FRAQUEZA
Nós temos um grande problema, que deve ter piorado muito com a pandemia,
que é a alfabetização. Em tese, a pré escola desperta a criança para a
aprendizagem, e os 1o e 2o anos são os anos da alfabetização […] O 3o ano
é o ano em que a criança pode ser reprovada […] Logo que estudei os
números da secretaria, eu vi que o terceiro ano nós tínhamos em torno de
30% de crianças reprovadas e o muro ia aumentando, de tal maneira que a
rede carregava dentro dela, mais de 100 mil crianças que deveriam estar fora
dela, se não tivessem sido reprovadas. Algo que começava no 3o ano e que
começava com a alfabetização. Ali foi o centro da minha questão pedagógica.
Se não resolver ali, você não resolve nada. Se a criança não consegue ler três
linhas e fica cansada, não há como caminhar, como ler o conteúdo e ter
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prazer. Boa parte de nossas crianças têm essa relação com a LP e isso
impossibilita a trajetória acadêmica normal, regular em qualquer disciplina
(vai ter que ler, escrever e contar). Aí, acho que foi nosso maior êxito. Minha
jornada de trabalho era literalmente de 6h da manhã às 22h da noite […].
(ex-secretário municipal de educação) -> FORÇA
Por mais que você se esforce, o que chega na ponta é pouco, ainda mais num
período tão pequeno […] Esqueçam o nível central, o que tem que acontecer,
tem que ser nas escolas, não é aqui. Essa foi uma tentativa de mudança de
cultura. A secretaria são as escolas. Somos um órgão meio […] As CREs são
órgãos meio […] Todos nós somos empregados das escolas. Houve uma
revalorização das escolas em relação à burocracia do nível central. (ex-
secretário municipal de educação) ->FRAQUEZA
A rede do Rio não tem diretrizes claras, por isso os resultados não avançam
tanto. Muitos coordenadores pedagógicos não sabem o que fazer com os
dados de aprendizagem, por exemplo. E os professores não sabem, ou não
querem, trabalhar a partir dos descritores […] A comunicação das ações de
larga escala não é boa. (gestora de organização do terceiro setor) -
>FRAQUEZA
Eu tinha um trânsito nas CREs […] Esse é um nó! Se você tem um bom
coordenador de CRE e uma pessoa na secretaria que consegue dialogar bem
com eles, você consegue coisas mirabolantes […] Mas se eles te boicotam,
você não consegue nada. Ali é o gargalo […] Não tivemos greve de
professores […] Trabalhávamos com os sindicatos […] Tínhamos grupos de
pais […] O diálogo é uma grande chave para abrir a porta do sucesso. Grupo
de alunos, CECs - conselhos escola-comunidade […] Conseguíamos uma boa
comunicação em cascata. (ex-secretária municipal de educação) -> FORÇA
O Rio é uma cidade bastante heterogênea […] Precisa-se ter muito diálogo,
muita conversa, muita combinação com as equipes das CREs. Fazíamos (a
subsecretária de ensino e a subsecretária de gestão) as reuniões com as
coordenadorias, muitas vezes. Ela ia junto comigo. Para ter tantos projetos
diferentes era fundamental ter essa reunião em conjunto […] O pedagógico
se unia ao RH e à equipe de gestão. Gosto de trabalhar e formar equipe. Saber
fazer a gestão da equipe, organizar todas as pessoas de forma mais
"azeitada", das divergências […] Eu gosto muito de fazer. Essa característica
é fundamental para se ter capacidade de se lidar com grupos grandes. As
equipes das CREs funcionavam para facilitar [...] Comunicando, por
exemplo, a alguns professores, que em alguma situação específica de carga
horária que sobrava um tempo, e podiam ajudar […]. (ex-subsecretária) ->
FORÇA
Sou professora e já fiz muitas greves […] Mas existem umas e outras greves.
Sindicato é sindicato. Não estão aí para facilitar a vida de ninguém. (ex-
secretária municipal de educação) ->FRAQUEZA
alunos da rede pública foi o fato cultural mais importante do Rio de Janeiro
naqueles anos. Crianças de todas as partes da cidade – do Alemão, da
Babilônia, da Cidade de Deus, de Antares, de Guaratiba – estiveram juntas
num empreendimento cultural de altíssimo nível. (ex-secretário municipal de
educação) -> FORÇA
Tem escolas que tem resultado bom, porque fazem aquela exclusão velada,
indicando pro aluno que ele não faz parte daquele modelo que ela definiu […]
Apesar da matrícula online, pois os diretores não podem escolher quem
matriculam, mas ainda tem os mecanismos, aquela forma delicada de
convencer o menino de que ele não deveria estar ali […] A gente tem escolas
assim. A escola tem um Ideb maravilhoso, mas quando você olha mais
detalhadamente, não é bem bonito. E você tem a ponta de um Iceberg de uma
escola em que o resultado é ruim, mas que tem um fazer e uma relação entre
alunos que é interessante, mas ainda não resultou em aprendizagem. O que
torna tudo um grande desafio […] Temos que tentar entender o porquê desse
clima não gerar o resultado…Mesmo contrário a ideia do Ideb, pois ele não
mostra tudo […] Eu me lembro de ter participado de um conselho de classe
em uma escola com resultados muito bons […] Uma professora, em
determinado momento, colocou que estava muito preocupada com o
comportamento de uma turma muito desafiadora, muito difícil […] Ela muito
preocupada com o resultado da turma, e ninguém deu bola…E eu cheguei a
perguntar para o grupo de professores: como vamos ajudar a professora? Os
alunos são da nossa escola e não apenas dela! Será que a gente pode
reestruturar, com algum revezamento etc etc […] E será que a gente pode
conversar com a CRE? Vamos chamar os pais e pensar junto?" E a secretaria
não incentiva isso […] Tudo muito rígido à grade, sem que o pensar
pedagógico tenha alguma flexibilidade". Como estabelecer objetivos, metas e
resultados, a partir dessa proposta. Uma das propostas agora está em
diminuir o gap entre as melhores e piores escolas […]. (ex-assessora de
gabinete) ->FRAQUEZA
a partir do caos. Eles atuam para destruir a rede pública de educação. (ex-
secretário municipal de educação) ->FRAQUEZA
Aprofundar a aprendizagem:
A gente também contava com certos materiais que ajudaram nesse reforço
quando o aluno tinha um certa dificuldade e ficava um pouco mais para trás
em algum tipo de aprendizagem […] A Educopedia, como plataforma, servia
muito para isso, pois tinha aulas montadas para os professores e também
atividades para os alunos […] Já nessa época, ela ajudava a se lidar um
pouco mais com essa coisa da informática […]. (ex-subsecretária) ->
FORÇA
O pessoal das CREs super pressionados […] Ouvia dizer que algumas escolas
selecionavam os 20% piores alunos e mandavam não comparecer […] Isso
destrói um instrumento que pode ser muito útil…Sou a favor do Ideb, como
um instrumento entre outros […] O pessoal do sindicato sempre quis boicotar
o Ideb, mas nós queríamos usar esse instrumento de avaliação […] Eu
brigava com eles sobre isso. Fazendo direito, honestamente. O ideb virou uma
medalha no peito do secretário ou uma denúncia dos vereadores de oposição
contra o secretário, em vez de ser um instrumento de trabalho […]. (ex-
secretário municipal de educação) ->FRAQUEZA
Garantir a responsabilização:
É preciso haver abundância de dados, a fim de que eles nos ajudem a fazer
um diagnóstico, identificar as raízes dos problemas e, principalmente, a
melhorar a eficiência de qualidade do gasto. Em todo início de ano, as escolas
estabeleciam metas claras, em conjunto com a secretaria, e se conseguissem
alcançá-las, todos os servidores daquela escola ganhavam bônus no salário.
(ex-secretário estadual de educação – Wilson Risolia) -> FORÇA
Assumi durante um dos maiores períodos de greve e foi muito importante ter
feito acolhimento e estabelecido uma pauta para conversa e planejamento
conjunto, com leituras de artigo e foco nas convergências, ao longo de 3
meses. Além de dizer, é fundamental fazer o que se propõe, com mudança na
jornada e na carreira dos professores. Os sindicatos são corporativos e é
fundamental saber lidar com as divergências. Conseguimos aprovação da Lei
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A forma de se lidar com alunos da zona sul tem que ser diferente de se lidar
com o aluno de Santa Cruz…Eles têm outra cultura, outra forma de lidar com
as coisas […] Essa desigualdade na infra-estrutura das escolas também é
algo que tem que ser pensado..Não é só infra-estrutura, é também na
insistência com professores, alunos e famílias que mantenham o lugar
adequado e bem cuidado…E não tem professor sobrando […] Às vezes está
sobrando em um lugar, mas não está no outro […] vc não pode tirar o
professor de um lugar (CRE) e levar para o outro […] É raro haver esse
movimento, a menos que o professor solicitasse. (ex-subsecretária) -
>FRAQUEZA
A 2a CRE está numa região, zona Sul e Tijuca, muito visada [...] A imprensa
fica de olho e deixa a CRE em evidência [...] A gestão fica mais desafiadora
e, então, após a saída da anterior, que ficou muito tempo, houve muita
rotatividade. Em 2017, o César Benjamin instituiu eleição para Coordenador
da CRE, com votos dos diretores [...] A escolha sempre foi do secretário, em
geral, eram ex-diretores [...] Ninguém entendeu que isso tenha sido legal.
Com o retorno do Paes, isso foi modificado. (assessor do coordenador de
CRE) ->FRAQUEZA
Entrei em 2018 e nunca tinha tido uma reunião de feedback […] Logo no
primeiro ano que o novo secretário entrou, ao final do ano, eu tive uma
reunião de feedback, onde eu obtive também a avaliação do nível central […]
Eu não obtive isso na gestão anterior. Hoje temos reuniões periódicas […]
Que não deixam de ser uma formação continuada em serviço. A gente estuda,
discute, debate […] Apresenta um plano estratégico da educação […]
Gostaria de ter a oportunidade de fazer mestrado, doutorado […] Agora me
inscrevi para Líderes Cariocas […] Incentivei toda minha equipe a fazer
também […] Na gestão anterior aconteceu uma viagem para os gerentes de
gente que foram para Sobral […] Nem todos foram por conta da pandemia.
Era a proposta da ex-secretária…Primeiro os gerentes e depois seriam os
coordenadores […]. (coordenadora de CRE) -> FORÇA
Cada diretor tem autonomia de construir o horário com o seu corpo docente
[…] O horário é construído na escola, quando se tem todos os professores.
Aqueles que não conseguem, vão à coordenadoria e com o auxílio,
orientação, supervisão e fiscalização do RH, eles constroem uma estratégia
para lidar com a situação. Quando falta professor (a carência de professor
não é tão grande hoje), as equipes gestoras se reúnem com a gerente de RH
e eles buscam a melhor alternativa para essa falta, até que se chegue
professor […] Geralmente, usa o professor da sala de leitura, o coordenador
pedagógico, que não que o ideal […] A gente está acompanhando o
secretário, que fez a chamada de quase 1000 professores […] Na última
chamada, tínhamos 5 professores convocados do fundamental I, de 40 horas
[…] Dos 5 convocados, três compareceram, dois ficaram "presos na
biometria" (que observou algum impedimento para assunção do cargo) e só
recebi 1. Já sinalizei para o secretário e na próxima chamada, ele fará mais
convocações. (coordenadora de CRE) -> FORÇA
É uma questão que acho que foi ruim nesse tempo […] Quando se
descentralizou as CREs […] O coordenador tinha autonomia para fazer suas
compras, para conduzir o processo pedagógicos, sempre segundo as normas
[…] Mas no primeiro governo do Eduardo Paes, essa descentralização
retrocedeu […] O nível central centralizou algumas decisões e isso fez com
que o coordenador se sentisse sem responsabilidade sobre algumas ações,
alguns eventos […] Se a coisa não acontecia, não era responsabilidade dele
[…] Não são todos, é claro, mas eu percebo que a maioria tem essa postura,
embora sejam engajados […] Vc pode contar com eles para tudo […] Mas
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eles são meio assim: "Mamãe, posso ir?" Entendeu? Como se fosse "Eu estou
aqui para cumprir ordens, então eu não tenho muita responsabilidade sobre
o resultado". O que eu percebo é que hoje, o modelo que a gente implantou
da Claudia Costin para cá, e aí não é crítica, mas o contexto foi mudando
[…] Eles começaram a achar "Ah! A responsabilidade é do nível central. Eu
tô aqui para cumprir ordem, então, eu não tenho muita responsabilidade
sobre o resultado. (ex-subsecretária) ->FRAQUEZA
Hoje eu penso que o papel da CRE tinha que ser de estar muito mais perto da
escola do que na parte burocrática, pesado administrativamente…Eu estou
fazendo uma mudança na estrutura da minha equipe na subsecretaria de
gestão, e a minha proposta era essa, eu absorver o máximo possível de
burocracia no nível central para deixar a CRE livre para estar dentro da
escola. (ex-subsecretária) -> FORÇA
A SME do Rio de Janeiro, apesar do discurso, não tem como princípio a ideia
de que é responsabilidade e função da educação manter a criança na escola
[…] Pq que eu digo que esse discurso não corresponde à prática? Pq todas
as iniciativas que surgem, que um diretor vai fazer, ele diz: "o que é social
não é da escola pq eu estou aqui para dar aula". Isso atrapalha muito […] As
escolas não conseguem pensar em ações comunitárias […] As escolas do Rio
ainda se vêem deslocadas do território em que estão […] Não se percebem
como parte importante desses territórios […] Não conseguem se imaginar
como propulsora desses territórios […] E isso tem impacto na aprendizagem
[…] Ela ainda não consegue pensar soluções para os seus problemas, a partir
do território […] Para ele, com ele e dele. A manutenção da criança na escola
impacta o Ideb! Há alunos faltosos?? […] Manda o nome da criança para o
conselho tutelar, para a assistência social […] Encaminha para a clínica de
saúde […] A escola precisa entender que deve chamar outros atores para
resolver o problema […] Mas com uma chamada para dentro do
problema…Eu não vejo uma chamada para dentro do problema da escola
[…] Só vejo jogar o problema para fora. Eu já escutei diretores falarem: "eu
já passei o problema para […]"; É difícil escutar um diretor falar "eu já
chamei o conselho de pais, eu já chamei a associação de moradores, a ONG
tal que está aqui no território, o conselho tutelar para discutir soluções para
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A gente tem escolas lá no topo e outras aqui embaixo e muitas vezes a gente
não sabe porque umas estão lá em cima e outras aqui embaixo […] Como
atuamos para resolver o Gap? A educação faz projetos lindos […] Mas aí
todos devem estar em todas as CREs e ofertados para todas as escolas…A
escola participa se quiser […] Lamento: não deveria ser assim. "Que
participar? Não?!?! Mas você vai participar!" Não estou dizendo que seja
fácil fazer […] Tem que ter uma vontade política! E o que eu chamo de
vontade política? Todos querem deixar a marca de que melhorou, mas fazer
algumas coisas assim, impondo pela percepção de necessidade, é comprar
uma "briga com a rede"[...] Com uma categoria profissional imensa, que é a
maior categoria profissional dentro do funcionalismo público do Rio de
Janeiro. E aí, você esbarra num outro ponto delicado disso, né […] Eu sou
professora, não quero falar contra professores…São parte importante da
política pública […] Nada vai funcionar sem eles […] Mas os professores da
rede são extremamente corporativistas e avessos ao Ideb […] O Ideb ganha
força quando se vincula o resultado do Ideb ao prêmio…Tira o prêmio o Ideb
vai para o segundo plano […] Poucas escolas têm um corpo de professores
na ideia de que isso é relevante. É muito difícil […] Tenho 37 anos de
prefeitura […] Posso ter concluído de forma equivocada. (ex-assessora de
gabinete) ->FRAQUEZA
pandemia […]? A secretaria foi absurdamente ausente […] Não disse o que
deveria ser feito […]. (ex-assessora de gabinete) ->FRAQUEZA
Trocar um coordenador, dependendo da área, você tem que saber que você
está comprando alguma disputa com vereador. O cotidiano de uma CRE é
todo atravessado pelas ações dos vereadores daquela área […] Nessa
fiscalização que eles têm que fazer constrói-se um relacionamento […] Cesar
Benjamin fez nova seleção do coordenador de CRE […] Os diretores
escolheram o coordenador de CRE. É um cargo que deveria ser técnico e de
confiança. Esse cara para se manter no cargo, minimamente, eles fazem
política […] Realmente, existe uma perpetuação dos coordenadores. Que não
é saudável. Esse é um ponto importante. Não seria importante que as CREs
fizessem um plano coordenado com suas escolas? Falta professor na rede
[…] Mas é um buraco sem fundo…O que já se colocou professor para dentro?
E não acaba essa falta […] Às vezes, o RH da CRE não usa toda
disponibilidade do professor…Permite sobra de tempo de aula para favorecer
o professor e não a necessidade da escola […] Vc vai fazer metade do tempo
nessa escola e a outra na outra escola […] Não existe formação para o
coordenador de CRE…São sempre de prestação de contas burocráticas
(compras, lei tal, sistema tal […]). Por que não é feita uma imersão com os
caras? Como vamos inovar? Sair do cotidiano e pensar em ideias novas […].
(ex-assessora de gabinete) ->FRAQUEZA
Deve-se tentar equilibrar plano ideal para a educação com plano de ação que
lide com as propostas de campanha. Nenhum secretário de educação é dono
do seu orçamento. A parceria com a secretaria de fazenda é vital. (ex-
secretário municipal de educação) ->FRAQUEZA
Acho que minha escolha como secretária foi coisa de Deus! Talvez, por ser o
Crivella, ele é diferente […] Ele acredita na própria sensibilidade. Eu acho
que devemos ter uma pessoa da rede; minha relação de proximidade era
muito grande […] É muito importante conhecer a máquina [...] Se você
demorar a entender a máquina girar é um problema. (ex-secretária municipal)
->FRAQUEZA
Tive uma gestão muito curta […] Menos de 1,5 ano, o que em educação não
é nada. Os bons resultados, em geral, acontecem de maneira intergeracional.
O apoio à educação no Brasil é meramente retórico. Todo mundo é a favor
da educação, mas quando se encontra uma atividade lenta, trabalhosa que
leva tempo […] Vivemos na sociedade do espetáculo. Os políticos ficam
pensando nas eleições daí a dois anos […] As famílias estão pensando no que
vão comer na semana seguinte, a imprensa quer notícia […] E a boa
educação não é boa notícia, no Rio de Janeiro. (ex-secretário municipal de
educação) ->FRAQUEZA
O prefeito faz o que é demanda real política […] Vagas em creche? Tempo
integral? Infelizmente, só acesso é demanda. Qualidade não.
(gestor de organização do terceiro setor) ->FRAQUEZA