Fernando Pessoa-Temas Gerais
Fernando Pessoa-Temas Gerais
Fernando Pessoa-Temas Gerais
Não sou nada./Nunca serei nada./Não posso ser nada./ À parte isso,
tenho todos os sonhos do mundo.
SAUDOSISMO:
E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova,
que não existe no espaço, em naus que são construídas
“daquilo de que os sonhos são feitos”. E o seu verdadeiro e
supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro
e carnal anterremedo, realizar-se-á divinamente.
MISTÉRIO:
Toda constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para
mim nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em
torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo
para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é
prenhe de significação. Todas as coisas são Desconhecidas,
símbolos do desconhecido. O resultado é horror, mistério, um
medo por demais inteligente (...)
Por tudo isso o meu carácter é do gênero interior, autocêntrico,
mudo, não auto-suficiente mas perdido em si próprio. Toda a
minha vida tem sido de passividade e de sonho.(...) O meu
carácter é tal que detesto o começo e o fim das coisas, pois são
pontos definidos.
POETA DRAMÁTICO (“drama em gente”):
O que sou essencialmente – por trás das máscaras
involuntárias do poeta, do raciocinador e do que mais haja – é
dramaturgo.
O ponto central da minha personalidade como artista é que sou
um poeta dramático; tenho continuamente, em tudo quanto
escrevo, a exaltação íntima do poeta e a despersonalização do
dramaturgo. Vôo outro – eis tudo.
Para criar, destruí-me, tanto me exteriorizei dentro de mim, que
dentro de mim não existo senão exteriormente. Sou a cena viva
onde passam vários atores representando várias peças.
A HETERONÍMIA:
Escrevo como Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem
saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois
de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza
numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para
escrever e não sei o quê.
Pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização
dramática, ous em Ricardo reis toda a minha disciplina mental,
vestida da música que lhe é própria, pus em Álvaro de Campos
toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida.
Isso é toda uma literatura que eu criei e vivi, que é sincera,
porque é sentida. (...) O que eu chamo literatura insincera não é
aquela análoga à do Alberto Caeiro, do Ricardo Reis ou do
Álvaro de Campos (...) Isto é sentido na pessoa de outro; é
escrito dramaticamente, mas é sincero (no meu grave sentido da
palavra), como é sincero o rei Lear, que não é Shakespeare,
mas uma criação dele
Sendo nós portugueses, convém saber o que é que somos. O
bom português é várias pessoas. Nunca me sinto tão
portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim –
Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando
Pessoa e quantos mais haja havidos ou por haver.
Sê plural como o Universo!
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos
fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única realidade
que não está em nenhuma e está em todas.
Com uma tal falta de literatura, como há hoje, que pode um
homem de gênio senão converter-se, ele só, em uma literatura?
Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode
um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus
amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?