Simbolismo 1

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SIMBOLISMO 1896 - 1902

Em uma poca que, sob o pretexto naturalista, a arte foi reduzida somente a uma imitao do contorno exterior das coisas, os simbolistas voltam a ensinar aos jovens que as coisas tambm tm alma, alma da qual os olhos humanos no captam mais do que o invlucro, o vu, a mscara. O Simbolismo define-se assim pelo anti-intelectualismo. Prope a poesia pura, no racionalizada, que use imagens e no conceitos. uma poesia difcil, hermtica, misteriosa, que destri a potica tradicional.

Inimiga do ensinamento, da declamao, da falsa sensibilidade, da descrio objetiva, a poesia simbolista procura vestir a Idia de uma forma sensvel.

Os simbolistas retomam a subjetividade da arte romntica com outro sentido. Os romnticos desvendavam apenas a primeira camada da vida interior, onde se localizavam vivncias quase sempre de ordem sentimental. Os simbolistas vo mais longe, descendo at os limites do subconsciente e mesmo do inconsciente. Este fato explica o carter ilgico ou o clima de delrio de grande parte de sues poemas, como no fragmento de Cruz e Sousa: Cristais diludos de clares lacres, Desejos, vibraes, nsias, alentos, Fulvas vitrias, triunfamentos acres, Os mais estranhos estremecimentos

Diz Mallarm: Os parnasianos tomam os objetos em sua integridade e mostram-nos. Por isso carecem de mistrio. Descrever um objeto suprimir trs quartas partes do prazer de um poema, que feito da felicidade de adivinhar-se pouco a pouco. Sugerir, eis o sonho. E o uso perfeito deste mistrio o que constitui o smbolo: evocar o objeto para expressar um estado de alma atravs de uma srie de decifraes.

Cruz e Souza foi especialista na utilizao de imagens ousadas com efeito de sugesto. Angstia sexual e erotismo misturam-se na exaltao de uma mulher que parece devorar os homens: Crton* selvagem, tinhoro* lascivo, Planta mortal, carnvora, sangrenta, De tua carne bquica* rebenta A vermelha exploso de um sangue vivo

*Crton - arbusto ornamental *Tinhoro - erva ornamental *Bquica - relativo a Baco, deus grego do vinho e da dissipao

"A msica antes de qualquer coisa."

A msica obrigatria, como nesta espcie de receita potica de Cruz e Sousa: Derrama luz e cnticos e poemas No verso e torna-o musical e doce Como se o corao, nessas supremas Estrofes, puro e diludo fosse. Mesmo a morte, na obra do simbolista brasileiro, possui uma terrvel musicalidade: A msica da Morte, a nebulosa, Estranha, imensa msica sombria, Passa a tremer pela minh'alma e fria Gela, fica a tremer, maravilhosa...

"Ns no estamos no mundo",


brada Rimbaud, o mundo concreto se esvaiu, perdeu sua inteligibilidade. Agora puro mistrio: atrs da ordem aparente das coisas esto o caos, a nvoa, a bruma, a neblina, o incorpreo, o fantasmagrico, o estranho, o inefvel*.

S os "alquimistas do verbo" podem enxergar alm da obviedade do cotidiano e deparar-se com a essncia misteriosa da vida. Cruz e Sousa chega a implorar pelo mistrio: Infinitos, espritos dispersos, Inefvel, ednicos*, areos, Fecundai o Mistrio destes versos Com a chama ideal de todos os mistrios.

CRUZ E SOUZA OBRAS PRINCIPAIS: Broquis (1893) Missal (1893) - Evocaes (1899) - Faris (1900) ltimos sonetos (1905) A obra de Cruz e Sousa a mais brasileira de um movimento que foi, entre ns, essencialmente europeu. Nela opera-se uma tentativa de sntese entre formas de expresso prestigiadas na Europa e o drama espiritual de um homem atormentado social e filosoficamente. O resultado passa, s vezes, por poemas obscuros e verborrgicos mas, na maioria dos casos, a densidade lrica e dramtica do "Cisne Negro" atinge um nvel s comparvel ao dos grandes simbolistas franceses. O primeiro aspecto que percebemos em sua potica a linguagem renovadora.

No seus poemas, abundam substantivos comuns com iniciais maisculas e palavras raras. A linguagem denotativa quase desaparece na quantidade de smbolos, aliteraes*, sinestesias*, esquisitas harmonias sonoras. Ao contrrio do texto parnasiano, o simbolista exige do leitor um esforo de decifrao, de "traduo" da realidade sugerida para a realidade concreta. A todo momento, o poeta apela para a linguagem metafrica:
"O demnio sangrento da luxria..." "Punhais de frgidos sarcasmos..." " negra Monja triste, grande soberana." (A lua) "As luas virgens dos teus seios brancos..." "O chicote eltrico do vento..." A musicalidade se d atravs de aliteraes. Sejam em v: Vozes veladas, veludosas vozes, volpias dos violes, vozes veladas vagam nos velhos vrtices* velozes dos ventos, vivas, vs, vulcanizadas*...
*Sinestesias: correspondncia entre as diversas sensaes, sons, olhares e cheiros. *Aliteraes: repetio de fonemas no incio, meio ou fim das palavras. *Vrtices: redemoinho, turbilho. *Vulcanizadas: ardentes, exaltadas.

Sejam em m : Mudas epilepsias, mudas, mudas, mudas epilepsias Masturbaes mentais, fundas, agudas negras nevrostenias*. Os exemplos so infinitos. Em s: "Surdos, soturnos, subterrneos desesperos..." Em f: "Finos frascos facetados" E assim por diante, sempre a "msica antes de qualquer coisa." Vale a pena lembrar tambm que o escritor no ignorava a sinestesia, utilizando-a com frequncia: "vozes luminosas" - "aromas mornos e amargos" - "claridade viscosa" - "vermelhos clarinantes", etc. Da mesma forma, quando necessitado de novas palavras com sonoridade originais, ele no tinha vergonha de invent-las: "purpurejamento - suinice tentaculizar - maternizado, etc.

TEMA DE CRUZ E SOUZA


A obsesso pela cor branca O erotismo e sua sublimao O sofrimento da condio negra A espiritualizao
Se caminhares para a direita, baters e esbarrars ansioso, aflito, numa parede horrendamente incomensurvel de Egosmos e Preconceitos! Se caminhares para a esquerda, outra parede, de Cincias e Crticas, mais alta do que a primeira. Se caminhares para a frente, ainda nova parede, feita de Despeito e Impotncias, tremenda, de granito, broncamente se elevar do alto! Se caminhares, enfim, para trs, h ainda uma derradeira parede, fechando tudo, fechando tudo - horrvel! - parede de Imbecilidade e Ignorncia, te deixar n'um frio espasmo de terror absoluto. (...) E as estranhas paredes ho de subir - longas, negras, terrficas! Ho de subir, subir, subir mudas, silenciosas, at as Estrelas, deixando-te para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho...

O ser que ser e que jamais vacila Nas guerras imortais entra sem susto, Leva consigo este braso augusto Do grande amor, da grande f tranqila. Os abismos carnais da triste argila Ele os vence sem nsia e sem custo... Fica sereno, num sorriso justo, Enquanto tudo em derredor oscila.
Ondas interiores de grandeza Do-lhe esta glria em frente Natureza, Esse esplendor, todo esse largo eflvio*. O ser que ser transforma tudo em flores... E para ironizar as prprias dores Canta por entre as guas do Dilvio!

Ningum sentiu o teu espasmo obscuro, ser humilde entre os humildes seres. Embriagado, tonto dos prazeres, o mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste no silncio escuro a vida presa a trgicos deveres e chegaste ao saber de altos saberes, tornando-te mais simples e mais puro. Ningum te viu o sentimento inquieto, magoado, oculto e aterrador, secreto, que o corao te apunhalou no mundo. Mas eu que sempre te segui os passos sei que cruz infernal prendeu-te os braos e o teu suspiro como foi profundo!

Dos sofrimentos fsicos e morais de sua vida, do seu penoso esforo de ascenso na escala social, do seu sonho mstico de uma arte que seria uma 'eucarstica espiritualizao', do fundo indmito de seu ser de 'emparedado' dentro da raa desprezada, ele tirou os acentos patticos que lhe garantem a perpetuidade de sua obra na literatura brasileira. No h gritos mais dilacerantes, suspiros mais profundos do que os seus.

ALPHONSUS DE GUIMARAENS (1870-1921) Mineiro, passado quase toda a sua vida nas cidades barrocas e decadentes da regio aurfera, Alphonsus de Guimares sofreu as influncias ambientais dessas cidades, povoadas apenas, no dizer de Roger Bastide, "de sons e sinos, de velhas deslizando pelos becos silenciosos, de vultos que se escondem sombra das muralhas. Cidades de brumas, conhecendo as mesmas existncias cinzentas e os mesmos fantasmas noturnos: donzelas solitrias, vestidas de luar." Sua poesia gira em torno de pouco assuntos: a morte da amada a religiosidade litrgica

Ho de chorar por ela os cinamomos Murchando as flores ao tombar do dia Dos laranjais ho de cair os pomos Lembrando-se daquela que os colhia. As estrelas diro: - "Ai, nada somos, Pois ela se morreu silente* e fria..." E pondo os olhos nela como pomos, Ho de chorar a irm que lhes sorria. A lua que lhe foi me carinhosa Que a viu nascer e amar, h de envolv-la Entre lrios e ptalas de rosa. Os meus sonhos de amor sero defuntos... E os arcanjos diro no azul ao v-la, Pensando em mim: - "Por que no vieram juntos?"

* Silente: silencioso, secreto.

Quando Ismlia enlouqueceu, Ps-se na torre a sonhar... Viu uma lua no cu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu Banhou-se toda em luar... Queria subir ao cu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu Na torre ps-se a cantar... Estava perto do cu, Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do cu, Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao cu, Seu corpo desceu ao mar

Quando Ismlia enlouqueceu, Ps-se na torre a sonhar... Viu uma lua no cu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu Banhou-se toda em luar... Queria subir ao cu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu Na torre ps-se a cantar... Estava perto do cu, Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do cu, Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao cu, Seu corpo desceu ao mar

Ilustrativo das tendncias simblicas, msticas e musicais de Alphonsus o seu poema A catedral: Entre brumas ao longe surge a aurora. O hialino* orvalho aos poucos se evapora, Agoniza o arrebol*. A catedral ebrnea* do meu sonho Aparece na paz do cu risonho Toda branca de sol. E o sino canta em lgubres responsos*: Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus! (...) E o sino dobra em lgubres responsos: Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus! O cu todo trevas: o vento uiva. Do relmpago a cabeleira ruiva Vem aoitar o rosto meu. E a catedral ebrnea do meu sonho Afunda-se no caos do cu medonho Como um astro que j morreu. E o sino geme em lgubres responsos: Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!

Por entre lrios e lilases desce A tarde esquiva: amargurada prece Pe-se a lua a rezar. A catedral ebrnea do meu sonho Aparece na paz do cu tristonho Toda branca de luar.

Hialino: transparente, Arrebol: vermelhido do nascer ou do pr do sol, Ebrnea: de marfim, Responsos: versculos rezados ou cantados.

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