Artigo Doença Psicossomática
Artigo Doença Psicossomática
Artigo Doença Psicossomática
Elizandra Cardinal1
Giovana Pinto¹
Mayara Eloiza Kiescoski Hoffmann¹
Claudia Maio Antonelli²
RESUMO: O presente artigo trata-se de uma revisão bibliográfica, partindo das contribuições da Psicanálise e de
referenciais teóricos da área de estudo da psicossomática, objetivando abordar as relações entre mente e corpo que
resultam em quadros orgânicos, cada vez mais frequentes na vida contemporânea da população. Para isso, realizou-se
um breve histórico da psicossomática, abordando a evolução do tema na história e os principais autores que definiram
este conceito. Adiante, descrevem-se as características que são apresentadas por pacientes psicossomáticos, desde o
pensamento operatório, a dificuldade de representação simbólica dos afetos, até a descarga pulsional no corpo. Por fim,
discute-se a atuação clínica com estes pacientes, considerando seu entendimento e atuação do profissional da psicologia
nesses casos, visando possibilidades de intervenções sob enfoque da Psicoterapia de Orientação Psicanalítica.
1 Acadêmicas do curso de Psicologia da Unipar, Campus de Francisco Beltrão/PR.²Docente da Unipar, Campus de
Francisco Beltrão/PR.
ENFOQUE PSICANALÍTICO DE LAS ENFERMEDADES PSICOSOMÁTICAS
RESUMEN: El presente artículo se trata de una revisión bibliográfica, partiendo de las contribuciones del
Psicoanálisis y de referenciales teóricos del área de estudio de la psicosomática, objetivando abordar las relaciones entre
mente y cuerpo que resultan en cuadros orgánicos, cada vez más frecuentes en la vida contemporánea de la población.
Para ello, se realizó un breve histórico de la psicosomática, abordando la evolución del tema en la historia y los
principales autores que definieron este concepto. En adelante, se describen las características que son presentadas por
pacientes psicosomáticos, desde el pensamiento operatorio, la dificultad de representación simbólica de los afectos,
hasta la descarga pulsional en el cuerpo. Por último, se discute la actuación clínica con estos pacientes, considerando su
entendimiento y actuación del profesional de la psicología en esos casos, visando posibilidades de intervenciones bajo
enfoque de la Psicoterapia de Orientación Psicoanalítica.
O adoecimento físico associado ao sofrimento mental foi descrito há várias décadas, porém
percebe-se que esse, cada vez mais, faz parte da vida contemporânea. Alguns quadros menos
frequentes outrora, tem se tornado comuns na atualidade, são as descritas como psicopatologias
atuais -síndromes do pânico, depressões, bulimias, anorexias, somatizaçõs, etc - que se caracterizam
pelo discurso vazio de representações dos pacientes, falta de criatividade, carência da vida interna e
“auto-investimento no “eu”, ou melhor, no corpo” (MENDES; PRÓCHNO, 2004, p.147). Os
pacientes ditos psicossomáticos compõem essa categoria apresentando características similares,
onde o auto investimento surge pela via corporal.
Na abordagem psicossomática, a somatização, ou seja, o sofrimento orgânico é uma das
respostas à dor mental, onde o paciente, por não conseguir transformar em palavras o seu
sofrimento, registra-o em seu próprio corpo. O contexto psicossocial vivenciado pelo indivíduo
influencia em sua subjetividade e é determinante para sua saúde ou seu adoecimento. Sendo assim,
a análise dos fenômenos psicossomáticos deve levar em conta os diversos aspectos que constituem
o indivíduo e o predispõem as doenças orgânicas.
As novas configurações do sofrimento humano tendem a privilegiar as descargas no corpo,
segundo Zimmerman (2008), a inciativa para estudos envolvendo casos de somatização, deram-se a
partir do movimento da “medicina psicossomática”, juntamente com as contribuições de Franz
Alexander, que descreveu em seus estudos as “sete doenças psicossomáticas”, sendo elas: asma
brônquica, úlcera gástrica, artrite reumatoide, retocolite ulcerativa, neurodermatose, tireotoxicose e
hipertensão essencial, assim, a partir de suas pesquisas atribuiu a cada uma delas uma
especificidade do conflito psicogênico. A psicossomática “interessa-se não só pela forma como os
múltiplos aspectos psíquicos e somáticos da doença se entrecruzam, mas como essas relações se dão
também em sujeitos normais ou com pequenos desvios da normalidade” (FILIPPON; CARDOSO;
AGUIAR, 2008, p.604).
Na compreensão atual, as doenças resultantes do processo de somatização vão muito além
daquelas citadas por Alexander, os atuais estudos na área evidenciam que casos psicossomáticos
demonstram a “íntima conexão que pode existir entre os fatores emocionais e a utilização do corpo
como cenário para a dramatização simbólica de um determinado conflito” (ZIMMERMAN, 2008,
p.329). Sendo possível, através de diversificados estudos, incluindo a medicina, psicologia, as
neurociências, entre outras, destacar características em comum que pacientes psicossomáticos
apresentam na sua descarga corporal.
O crescimento dos estudos de Psicologia nas áreas da Psicanálise tem contribuído para a
ressignificação dos conflitos existentes na mente humana nos dias atuais. Neste estudo enfatiza-se a
Psicanálise no tratamento dos processos psicossomáticos de adoecimento, tendo como proposta
proporcionar maior conhecimento e entendimento de importantes apontamentos sobre a
psicossomática e como os profissionais de Psicologia através da Psicoterapia de Orientação
Psicanalítica podem avançar no tratamento dos pacientes caracterizados com um funcionamento
predominantemente psicossomático.
A psicossomática na história
A medicina psicossomática é estudada desde a Grécia Antiga, onde Galeno “atribuía uma
existência totalmente autônoma à doença orgânica” (ZIMERMAN, 1999, p.239) e Hipócrates
“concebia a doença como uma reação global do corpo e do espírito do indivíduo” (ZIMERMAN,
1999, p.239). Os filósofos Aristóteles, Platão e Sócrates também fizeram algumas contribuições
para o entendimento do fenômeno mente-corpo, pois caracterizavam a dor como uma emoção, e no
século XVII o filósofo René Descartes salientou a visão dualista, separando mente e corpo
(ANDRADE; ANDRADE, 2005).
A terminologia psicossomática se deu através do clínico e psiquiatra Johann C. A. Heinroth, em
1818, que pretendia empregar um modelo característico adjetivo de insônia, no entanto o modelo
sofreu fortes críticas por parte do meio científico da época, e a grafia do termo se apresentava como
“psico-somático”, fazendo referência à separação de psique (mente) e soma (corpo), porém em
1940 “o termo “psicossomático” adquiriu grafia unificadora e passou a ser empregado como
substantivo, para designar [...] a decisiva influência dos fatores psicológicos na determinação das
doenças orgânicas” (ZIMERMAN, 1999, p.239), reconhecendo-se assim a indissociação entre
ambas (mente-corpo) e proporcionando uma nova perspectiva em relação ao campo psicossomático.
Em outras palavras, “com o surgimento da psicanálise, temos um retorno a uma visão de unidade
alma/corpo, marcada pelo estabelecimento do conceito de pulsão, criado por Freud, em 1976, que
expressa a relação indissociável entre o orgânico e o psíquico” (FILIPPON; CARDOSO; AGUIAR,
2008, p.604).
O termo Medicina Psicossomática é definido como “[...] um estudo das relações mente-
corpo com ênfase na explicação psicológica da patologia somática, uma proposta de assistência
integral e uma transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais” (EKSTERMAN,
2010, p.93), representando uma nova perspectiva da Patologia e da Terapêutica, com o objetivo de
tratar doentes e não doenças. O fenômeno psicossomático, como afirma Zimerman (1999), é
utilizado para designar conflitos psíquicos que provocam reações orgânicas, pois os indivíduos que
carecem de capacidade simbólica descarregam essa energia psíquica represada fisiologicamente,
produzindo afetações nos órgãos mais sensíveis. Nesse sentido, entende-se que:
[...] seja qual for a natureza da manifestação psicossomática é necessário definir que: elas
sempre exigem a presença de um fator psicológico que determine uma influência essencial
na etiologia da somatização, junto com uma concomitante existência de alguma área
orgânica particularmente sensível para funcionar como uma espécie de “caixa de
ressonância”, sendo que isso é variável de pessoa para pessoa, de acordo com os fatores
genético-constitucionais de cada um. (ZIMERMAN, 1999, p.247).
De acordo com Filho (2010), pode-se dizer que a evolução da psicossomática se deu em três
fases: inicial – psicanalítica, com investigações sobre origens inconscientes das doenças; secundária
– behaviorista, marcada por pesquisas em seres humanos e animais, com tentativa de
enquadramento nas ciências exatas, que culminou em maiores investigações a respeito do estresse; e
por fim a atual – multidisciplinar, que enfatiza a influência do meio social e de como a
psicossomática deve estar articulada com múltiplos profissionais da saúde. No entanto, no presente
artigo pretendemos evidenciar e detalhar as contribuições psicanalistas para a evolução da
psicossomática, visto que a psicanálise e a psicossomática estão articuladas teórica e praticamente.
Por volta dos anos 30, o psicanalista Franz Alexander, destaque da Escola de Chicago,
contribuiu com sua ideia de que, além dos aspectos psicológicos do paciente é de significativa
importância fazer o reconhecimento dos conflitos psíquicos ocultos apresentados por ele, e também
descreveu as “sete doenças psicossomáticas” (asma brônquica, úlcera gástrica, artrite reumatoide,
retocolite ulcerativa, neurodermatose, tireotoxicose e hipertensão essencial), atribuindo-lhes a cada
uma, uma particularidade do conflito psicogênico; e na década de 40, igualmente nos Estados
Unidos, o psicanalista René Spitz, realizou importantes trabalhos a respeito de casos de
hospitalismo infantil, que através de filmagens, comprovou que crianças pequenas quando
separadas por tempo prolongado de suas mães sentem sentimentos de vazio e desespero, que podem
culminar em uma maior propensão a contrair doenças infecciosas devido ao enfraquecimento das
defesas imunológicas (ZIMERMAN, 1999). Sobre a influência da escola de Chicago temos:
[...] entre os anos 30 e 60, inspirada principalmente na “escola de Chicago”, floresceu a
medicina psicossomática, sendo inúmeros os trabalhos que estudavam especificamente
cada uma das especialidades médicas (ginecologia, gastroenterologia, dermatologia...)
segundo uma abordagem que atribuía uma particular conflitiva psíquica inconsciente para
cada um dos respectivos sintomas orgânicos, separadamente. (ZIMERMAN, 1999, p.241).
Outro conceito atribuído por Marty para descrever as características dos pacientes
somáticos, foi o conceito de “relação branca”, onde o paciente, em sua relação com o analista, se
mostra vazio de afeto e incapaz de tornar evidente o que se faz presente num processo associativo
(ZIMERMAN, 1999), mostrando-se de maneira mecânica, onde só responde a perspectiva concreta
dos acontecimentos descritos.
E obviamente não podemos deixar de citar Sigmund Freud, médico neurologista e fundador
da psicanálise, que contribuiu amplamente, mesmo que implicitamente, para estudos de pacientes
psicossomáticos, visto que sua teoria e seus escritos perduram e se fazem significativos até os dias
de hoje. “Ao instituir o inconsciente e seu respectivo método de estudo – a psicanalise -, Freud
demonstrou a importância de conhecer a biografia do indivíduo para a compreensão mais ampla da
pessoa na saúde e nas doenças” (ANDRADE, 2005, p.112). Podemos elencar as seguintes
contribuições de Freud: representações, a complacência somática, o fenômeno das conversões, as
neuroses atuais, os processos primários e secundários do pensamento, o ego corporal e as
identificações patógenas.
As representações, conceito cunhado por Freud em 1915 em seu artigo intitulado de “O
inconsciente”, traz “a noção de que a junção da “representação-coisa” com a “representação-
palavra” produz a consciência dos fatos psíquicos” (ZIMERMAN, 1999, p.242), e essa transição da
“representação-coisa” (situada no inconsciente) para a “representação-palavra” (elaborada no pré-
consciente) beneficia-se do ganho da possibilidade de nomear as emoções desordenadas e da
significação, trazendo assim o inconsciente à luz da consciência, e este entendimento se faz
imprescindível dentro da teoria psicanalítica atual sobre as manifestações psicossomáticas.
Freud descreveu o termo complacência somática no “caso Dora”, onde discorreu que podem
ocorrer somatizações nas repressões neuróticas, nas renegações das perversões, nos actings dos
indivíduos psicóticos e nas forclusões dos indivíduos psicopatas, desse modo “não existe uma única
e definida estrutura psíquica nos pacientes que somatizam” (ZIMERMAN, 1999, p.242) e no
fenômeno das conversões “transparece o modelo da “conversão histérica”, pelo qual os conflitos
sexuais não reconhecidos pelo sistema consciente utilizam o corpo como uma forma de linguagem e
no qual os sintomas narram uma história inconsciente, sem palavras” (ZIMERMAN, 1999, p.242).
Freud nunca levou em consideração os processos somáticos diretamente, mas se atentava
aos processos biológicos, e a partir disso apresentou a classificação das neuroses em duas
categorias: de transferência (formas histéricas, fóbicas e obsessivas) e neuroses atuais (neurastenia,
neurose de angústia e hipocondria). Para Freud, segundo Zimerman (1999):
As “neuroses atuais” [...] tinham por causa o bloqueio das excitações libidinais,
consequentes tanto de uma privação de satisfação sexual (principalmente o “coito
interrompido”), como também de um excesso de estimulação, como seria o caso de
masturbação excessiva. A primeira delas provocaria a “neurose de angústia”, com os
sintomas de palpitações, palidez, sudorese, dispneia suspirosa, etc., enquanto a excessiva
excitação não satisfeita determinaria os quadros de “neurastenia”, manifestada nos sintomas
de cefaleias, distúrbios da digestão e evacuação, diminuição da atividade sexual, etc. Em
ambos os casos, o acúmulo da libido bloqueada se escoaria por outras vias fisiológicas.
(ZIMERMAN, 1999, p.242).
No ano de 1911, em sua obra “Dois princípios do suceder psíquico” Freud descreveu os
princípios fundamentais em relação aos processos da teoria do pensar, processos primários
(inconsciente) e processos secundários (pré-consciente), sendo que as somatizações estão
“relacionadas às falhas dos processos simbólicos (os quais estão unicamente presentes no processo
secundário e possibilitam a capacidade de abstração dos pensamentos) que então cedem lugar aos
processos sígnicos [...] sob a égide das leis do processo primário” (ZIMERMAN, 1999, p.243) e em
relação ao ego corporal, citado anteriormente, refere-se à afirmação de Freud onde declarou que o
ego, antes de tudo, é corporal, possibilitando assim um maior entendimento acerca dos processos
psicossomáticos, “a importância das representações do corpo no ego e da cenarização das defesas
do ego no corpo” (ZIMERMAN, 1999, p.243), fazendo ainda, ligações com as identificações
patógenas, visto que:
A partir de seu clássico Luto e Melancolia, de 1917, Freud estabeleceu a importante
concepção de que, nos quadros melancólicos, “a sombra do objeto cai sobre o ego”, isto é,
forma-se uma identificação do sujeito com o objeto perdido de tal forma que, nesses
estados melancólicos, a frase de Freud “a sombra do objeto cai sobre o ego”, poderíamos
acrescentar: “e lá pode ficar morando o resto da vida”, forçando aquilo que,
particularmente, costumo chamar de “identificação com a vítima”. Nesses casos, o sujeito
sente-se como que obrigado a ser igual em tudo ao objeto perdido, e isso adquire uma
especial importância nos processos psicossomáticos, porquanto tal identificação, com
grande frequência, faz-se com os sintomas clínicos da doença que acompanhou ou que
vitimou a pessoa que ambivalentemente ele amou e odiou. Isso explica o fato tão comum de
que em datas que lembram a pessoa perdida (aniversário, etc.) recrudesce, no sujeito, o
surgimento de sintomas e temores hipocondríacos equivalentes aos do objeto desaparecido.
(ZIMERMAN, 1999, p.243).
E para finalizar o contexto histórico vale mencionar que em relação ao diagnóstico, o termo
evoluiu de “transtorno somatoforme” (DSM-IV) para “transtorno de sintomas somáticos e
transtornos relacionados” (DSM-V), pois o primeiro termo era considerado confuso devido à
“sobreposição entre os transtornos e a falta de clareza das fronteiras dos diagnósticos” (DSM-V,
APA, 2014, p.309).
Devido a essa forma peculiar de pensar e de lidar com suas emoções, sentem dificuldades
em descrever suas emoções e até mesmo de senti-las, por isso manifestam formas de pensamento
operatório e alexitimia, sendo que isso ocorre porque “o somatizador tem dificuldades de fantasiar,
de sorte que o ego não consegue processar, elaborar e representar as pulsões, do que resulta que ele
super libidiniza o corpo de forma concreta.” (ZIMERMAN, 2008, p.325), ou seja, o indivíduo
somático tem uma capacidade de simbolização comprometida. Para complementar:
Os portadores de pensamento operatório têm um mundo interno pobre e investem
intensamente na realidade externa, da qual passam a ser dependentes ou
“hiperadaptados”. De orientação pragmática, são “tenazmente aderidas ao
circunstancial”. Quando sofrem problemas existenciais, intensificam o investimento no
trabalho para que este ocupe o lugar do objeto interno segurador (mãe). (FILHO, 2010,
p.155).
A noção de pulsão de morte, conceituada por Freud, também está associada aos pacientes
psicossomáticos, em razão de ser uma das responsáveis pela desorganização psíquica e corporal,
que propicia o aparecimento dos sintomas, e por consequência esses pacientes “acabam ficando
com um pobre ou nenhum domínio sobre a angústia” (SILVA; CALDEIRA, 2010, p.161), tendem a
apresentar vínculos afetivos pouco consistentes e podem então, para amenizar seus sofrimentos
psíquicos, manter relações simbióticas, voltando-se para os primeiros meses de vida, onde buscam
uma tentativa de se fundir ao outro e uma função protetora, incapazes de nomear seus próprios
sentimentos, é “a mãe que tem de nomear os afetos do filho no início. O adulto alexitímico funciona
como se fosse esta criança não verbal, no que se relaciona com seus afetos” (SILVA; CALDEIRA,
2010, p.161), o corpo passa a ser sentido como relativo ao mundo exterior, pertencente à mãe. Vale
destacar que “esse instinto de “morte” não tem nada a ver com morte orgânica inevitável, mas deve
ser percebido como um princípio de morte psíquica que, na forma de um movimento ou mesmo de
uma força desencarnadora, ataca e mata o pensamento na essência de seu processo” (AISENSTEIN,
2015, p.666).
Marty introduz o conceito de depressão essencial, referindo-se a uma depressão sem objeto,
ou seja, é possível afirmar que é uma depressão “sem autoacusação nem culpabilidade consciente,
na qual o sentimento de desvalorização e de ferida narcísica se orienta para a esfera somática,
relacionando-se com uma precariedade do trabalho mental” (COSTA; ALVAREZ, 2015, p.147).
Segundo Costa e Alvarez (2015, p.147), Marty caracterizou essa forma de depressão “pelo total
apagamento da dinâmica mental, como deslocamentos, condensações, introjeções, projeções,
identificações, atividade fantasmática e vida onírica”. Explicitando ainda mais:
Esses indivíduos, então, não conseguem estabelecer conexões com seus conteúdos
simbólicos, e essa desvinculação pode resultar em actings - inconscientemente o sujeito passa para
o ato a fim de evitar entrar em contato com seus conteúdos recalcados, que do ponto de vista
psíquico, são poucos elaborados e usados para reduzir as perturbações causadas pelas excitações.
Evidenciando-se assim, que o inconsciente do indivíduo somático, não consegue se expressar a
partir de representações, utilizando-se de comportamentos e ações como meio de comunicação, pois
“as representações que desencadeiam os fenômenos somáticos não têm uma ligação simbólica com
perda ou separação, mas uma ligação imaginária, ou seja, são representações sem a mediação de um
discurso” (FILHO, 2010, p.156).
Diante do exposto, pode-se supor que a restrição fantasmática que os caracteriza faz do
aparelho sensório-motor uma via privilegiada de exteriorização das demandas pulsionais (PERES,
2006), para Silva & Caldeira (1993), o psiquismo desses pacientes não se encontra totalmente
desligado do inconsciente, contatos primitivos ainda são mantidos, porém não são suficientes para o
desenvolvimento das elaborações pulsionais.
Ademais, como característica dos psicossomáticos, se encontra a desorganização
progressiva, onde “o pensamento operatório e a depressão essencial são expressões da
desorganização do aparelho mental, promovida por eventos traumáticos que suplantam a sua
capacidade de elaboração” (COSTA; ALVAREZ, 2015, p.148), e a depressão essencial é
considerada a primeira fase dessa desorganização, sendo o pensamento operatório caracterizado
como sendo a segunda fase.
Outra característica presente em pacientes psicossomáticos é a desafetação, termo criado por
McDougall, que é descrito como sendo uma incapacidade de manter contato com suas próprias
emoções e as de outros indivíduos, sendo assim, caracteriza-se por uma economia afetiva
(CLEMENTE; PERES, 2010) e está ligada a uma fase pré-neurótica, relacionada ao
empobrecimento da capacidade de simbolização, sendo que esta baixa capacidade é uma das
características mais atuantes nos pacientes psicossomáticos. Dessa forma, o indivíduo desafetado
encontra nas atuações a única possibilidade de escape para suas tensões, deixando de lado as
atividades mentais da simbolização, e por esta razão resta às tensões desprovidas de significações
buscarem expressar-se de forma orgânica, ocorrendo assim manifestações somáticas no corpo, em
consequência da baixa capacidade de simbolização possuem grandes dificuldades de verbalização
de seus pensamentos, sentimentos, angústias, desejos e etc. (PERES, 2006). Zimerman assinala que:
Assim, acima de tudo, a moderna psicanálise atribui um papel de primeira grandeza para
a compreensão dos pacientes somatizadores a uma incapacidade desses indivíduos em
conseguir conter e poder pensar as suas experiências emocionais dolorosas, porquanto a
aquisição das capacidades de formar símbolos, a de pensar e a de conhecer, são funções
que estão intimamente conectadas entre si, sendo que todas elas dependem de uma exitosa
passagem pela posição depressiva. (ZIMERMAN, 1999, p.250)
A partir dessa leitura entende-se que pacientes psicossomáticos apresentam em seu corpo a
história daquilo que foi calado, recalcado e que encontram na somatização, a única forma de
expressar-se. O corpo torna-se palco para suas tensões e o paciente sofre sem muitas vezes
descobrir o real motivo das suas doenças físicas, como dores de cabeças, gastrointestinais, manchas
na pele entre outros sintomas, que são resultados das desorganizações do aparelho psíquico,
aumentando assim a vulnerabilidade do sujeito para adoecer. Cabe assim, a nós terapeutas, buscar e
propiciar intervenções psicoterapêuticas mais eficazes, a fim de possibilitar a minimização do
sofrimento, auxiliando na reestruturação do aparelho psíquico desses indivíduos, como será exposto
no tópico a seguir.
Para Alves e Lima (2016), o diagnóstico para os pacientes psicossomáticos são sempre
difíceis porque são doenças com causas pouco mensuráveis, decorrentes de estresse e emoções,
geralmente são pacientes “poliqueixosos” e que necessitam de uma avaliação mais criteriosa e
cuidadosa por parte dos médicos, sendo que os exames laboratoriais não apresentam alterações para
uma doença orgânica. A somatização pode levar a “testes laboratoriais desnecessários e
dispendiosos, hospitalizações repetidas, condutas iatrogênicas, como, por exemplo, múltiplas
cirurgias, uso abusivo e inadequado de medicamentos, impacto na família e na vida social [...]”
(BRASIL et al, 2012, p.320) do indivíduo, o que consequentemente faz com que esses pacientes
tenham “um custo total com saúde nove vezes maior do que outros pacientes e média de internação
hospitalar de até sete dias por mês” (BRASIL et al, 2012, p.320). Entretanto:
Como já visto anteriormente, estes pacientes não conseguem fazer associações entre seu
corpo enfermo e seu emocional, por isso tendem a manifestar um desejo de livrar-se do sintoma de
forma mágica, em uma única sessão, e por isso se faz necessário criar uma demanda de psicoterapia
no paciente, instigando-o a querer participar ativamente do processo psicoterapêutico (BORGES,
2001), a fim de proporcionar entendimento, que outros médicos não propiciaram, acerca de sua
doença e da indissociabilidade/correlação entre orgânico e psíquico, pois “o psiquismo é definido
por Freud no campo das representações, e a prática clínica por seu deciframento” (MENDES;
PRÓCHNO, 2004, p.148). A psicoterapia tem se mostrado eficaz na diminuição dos sintomas, pois
apresenta bons resultados em tratamentos prolongados, quando o paciente se sujeita e aceita esse
tipo de intervenção, o sucesso está em conseguir perceber os elementos inconscientes que
ultrapassam os sintomas (PAULIN; OLIVEIRA, 2012). De acordo com Filippon, Cardoso e Aguiar
(2008, p.609) “recomenda-se de uma a três sessões semanais, em um setting estável e onde a
neutralidade do terapeuta deve ser buscada”.
No entanto, a caminhada por esse árduo percurso só será possível nas circunstâncias “em
que o analista conseguir desde o início trabalhar com o paciente sobre a importância de sua
permanência ali, construir com ele um lugar em que ele possa se sentir seguro para estar com o seu
corpo, com a sua doença” (BORGES, 2001, p.268), é necessário que ele não se sinta ameaçado
pelas interpretações, pelo silêncio e pelas demais configurações do setting terapêutico, por isso é de
extrema importância que o terapeuta não adote uma postura invasiva, respeitando o tempo do
paciente para se abrir a uma nova forma de linguagem, já que ele não conhece outra forma se não a
do corpo, sendo necessário que o paciente aceite e suporte a condição inicial, pois ele vem com um
histórico de insucesso na sua melhora, portanto, pode-se enfatizar a importância da relação médico-
paciente e da formação do vínculo terapêutico para a continuidade e o progresso do trabalho
psicoterapêutico (BORGES, 2001), pois “o confronto do paciente com o “caráter artificial” de seus
sintomas dificulta o tratamento” (BRASIL et al, 2012, p.329). Em outras palavras, pode-se
complementar que:
Contudo, existe o paciente difícil de ser tratado pela Psicanálise e pela Psicoterapia de
Orientação Psicanalítica, principalmente porque não “consegue aceitar a sua parcela de
responsabilidade na criação de seus sintomas” (MCDOUGALL, 1996, p.9), característica que
exerce significava importância dentro do tratamento. Para isso McDougall (1996) fez um roteiro
para a entrevista com possíveis pacientes e que faz parte do início do tratamento psicanalítico, onde
postulou que em primeiro lugar a pessoa deve “perceber o seu sofrimento psíquico”, caso contrário,
não existe uma possibilidade de análise. Em segundo, buscar “conhecer a si mesmo”, é importante
que ele reconheça que a culpa por seu estado mórbido, não é somente da família, da sociedade, do
ambiente, etc. Em terceiro, a “situação psicanalítica é suportável?” e ele precisa dizer tudo o que lhe
causa incômodo, a omissão e a falta de confiança no terapeuta contribuem para o fracasso da
análise, do tratamento psicanalítico. E em quarto lugar, “é possível depender do outro sem medo?”,
o paciente deve estar preparado para receber ajuda, para assim se abrir a possibilidade de evolução
no tratamento e consequentemente avançar no processo de melhora. A mudança do ponto de vista
do paciente psicossomático é sempre dolorosa e difícil, porque exige dele uma revisão de seus
conceitos, pensamentos e anseios (MCDOUGALL, 1996), existem os que querem a cura e também
os que “querem” a perpetuação da doença, da dor e do sofrimento. Como se constata:
Como afirma Borges (2001, p.269) “uma proposta de atendimento psicoterápico a esse
paciente tem de ter como objetivo levá-lo a uma reconstituição existencial possível”, pois sua
existência coexiste com sua doença e os sintomas que ela produz, por isso “é fundamental que ele
possa se ver como parte do sintoma, como construtor do sintoma e, sobretudo, perceber o uso que
muitas vezes faz deste” (BORGES, 2001, p.269). Trabalhar com o paciente, durante as sessões
psicoterápicas, os ganhos secundários que a doença e seus sintomas lhe propiciam faz com que
ascenda nele o desejo de elaborar uma nova forma de linguagem, e que “ele saia de uma posição
passiva, de vítima, de sofredor, para ocupar uma posição de alguém que deseja entender o porquê de
sua doença ser expressão de si mesmo” (BORGES, 2001, p.269). Complementando ainda:
É esse desejo que faz com que o paciente fique no consultório, pois se antes ele acreditava
que o seu lugar não era ali, agora ele começa a desconfiar que a sua doença pode ter alguma
articulação com a sua história, como o que ele não sabe sobre si mesmo. Essa desconfiança
é provocada pelo terapeuta por meio de intervenções que possibilitarão ao paciente
perceber que agora existe outra escuta. (BORGES, 2001, p.269).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dessa revisão bibliográfica foi possível vislumbrar vários elementos envolvidos na
relação mente e corpo, a evolução histórica percorrida até chegar-se a atual abordagem da
psicossomática, os principais conceitos psicanalíticos utilizados na compreensão dos pacientes
psicossomáticos e também as dificuldades encontradas no diagnóstico e tratamento deste.
REFERÊNCIAS
ZIMERMAN, D. E. Manual de Técnica Psicanalítica: uma revisão. Porto Alegre: Artmed, 2008.