Artigo Doença Psicossomática

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ABORDAGEM PSICANALÍTICA DAS DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS

“Quando o sofrimento não pode expressar-se pelo pranto,


ele faz chorarem os outros órgãos” William Motsloy

Elizandra Cardinal1
Giovana Pinto¹
Mayara Eloiza Kiescoski Hoffmann¹
Claudia Maio Antonelli²

RESUMO: O presente artigo trata-se de uma revisão bibliográfica, partindo das contribuições da Psicanálise e de
referenciais teóricos da área de estudo da psicossomática, objetivando abordar as relações entre mente e corpo que
resultam em quadros orgânicos, cada vez mais frequentes na vida contemporânea da população. Para isso, realizou-se
um breve histórico da psicossomática, abordando a evolução do tema na história e os principais autores que definiram
este conceito. Adiante, descrevem-se as características que são apresentadas por pacientes psicossomáticos, desde o
pensamento operatório, a dificuldade de representação simbólica dos afetos, até a descarga pulsional no corpo. Por fim,
discute-se a atuação clínica com estes pacientes, considerando seu entendimento e atuação do profissional da psicologia
nesses casos, visando possibilidades de intervenções sob enfoque da Psicoterapia de Orientação Psicanalítica.

Palavras-chave: Psicologia; Psicanálise; Psicossomática; Psicoterapia.

PSYCHOANALYTIC APPROACH OF PSYCHOSOMATIC DISEASES


ABSTRACT: The present article deals with a bibliographical review, based on the contributions of Psychoanalysis
and theoretical references of the area of study of the psychosomatic, aiming to approach the relations between mind and
body that result in organic pictures, increasingly frequent in the contemporary life of the population. For this, a brief
history of the psychosomatic was carried out, addressing the evolution of the theme in history and the main authors who
defined this concept. The characteristics that are presented by psychosomatic patients, from the operative thinking, the
difficulty of symbolic representation of affections, to the impulsive discharge in the body are described later. Finally, we
discuss the clinical performance with these patients, considering their understanding and performance of the Psychology
professional in these cases, aiming at possibilities of interventions under the approach of Psychoanalysis Counseling
Psychotherapy.

Keywords: Psychology; Psychoanalysis; Psychosomatic; Psychotherapy.

1 Acadêmicas do curso de Psicologia da Unipar, Campus de Francisco Beltrão/PR.²Docente da Unipar, Campus de 
Francisco Beltrão/PR.
ENFOQUE PSICANALÍTICO DE LAS ENFERMEDADES PSICOSOMÁTICAS

RESUMEN: El presente artículo se trata de una revisión bibliográfica, partiendo de las contribuciones del
Psicoanálisis y de referenciales teóricos del área de estudio de la psicosomática, objetivando abordar las relaciones entre
mente y cuerpo que resultan en cuadros orgánicos, cada vez más frecuentes en la vida contemporánea de la población.
Para ello, se realizó un breve histórico de la psicosomática, abordando la evolución del tema en la historia y los
principales autores que definieron este concepto. En adelante, se describen las características que son presentadas por
pacientes psicosomáticos, desde el pensamiento operatorio, la dificultad de representación simbólica de los afectos,
hasta la descarga pulsional en el cuerpo. Por último, se discute la actuación clínica con estos pacientes, considerando su
entendimiento y actuación del profesional de la psicología en esos casos, visando posibilidades de intervenciones bajo
enfoque de la Psicoterapia de Orientación Psicoanalítica.

Palabras clave: Psicología; el psicoanálisis; psicosomática; Psicoterapia.


INTRODUÇÃO

O adoecimento físico associado ao sofrimento mental foi descrito há várias décadas, porém
percebe-se que esse, cada vez mais, faz parte da vida contemporânea. Alguns quadros menos
frequentes outrora, tem se tornado comuns na atualidade, são as descritas como psicopatologias
atuais -síndromes do pânico, depressões, bulimias, anorexias, somatizaçõs, etc - que se caracterizam
pelo discurso vazio de representações dos pacientes, falta de criatividade, carência da vida interna e
“auto-investimento no “eu”, ou melhor, no corpo” (MENDES; PRÓCHNO, 2004, p.147). Os
pacientes ditos psicossomáticos compõem essa categoria apresentando características similares,
onde o auto investimento surge pela via corporal.
Na abordagem psicossomática, a somatização, ou seja, o sofrimento orgânico é uma das
respostas à dor mental, onde o paciente, por não conseguir transformar em palavras o seu
sofrimento, registra-o em seu próprio corpo. O contexto psicossocial vivenciado pelo indivíduo
influencia em sua subjetividade e é determinante para sua saúde ou seu adoecimento. Sendo assim,
a análise dos fenômenos psicossomáticos deve levar em conta os diversos aspectos que constituem
o indivíduo e o predispõem as doenças orgânicas.
As novas configurações do sofrimento humano tendem a privilegiar as descargas no corpo,
segundo Zimmerman (2008), a inciativa para estudos envolvendo casos de somatização, deram-se a
partir do movimento da “medicina psicossomática”, juntamente com as contribuições de Franz
Alexander, que descreveu em seus estudos as “sete doenças psicossomáticas”, sendo elas: asma
brônquica, úlcera gástrica, artrite reumatoide, retocolite ulcerativa, neurodermatose, tireotoxicose e
hipertensão essencial, assim, a partir de suas pesquisas atribuiu a cada uma delas uma
especificidade do conflito psicogênico. A psicossomática “interessa-se não só pela forma como os
múltiplos aspectos psíquicos e somáticos da doença se entrecruzam, mas como essas relações se dão
também em sujeitos normais ou com pequenos desvios da normalidade” (FILIPPON; CARDOSO;
AGUIAR, 2008, p.604).
Na compreensão atual, as doenças resultantes do processo de somatização vão muito além
daquelas citadas por Alexander, os atuais estudos na área evidenciam que casos psicossomáticos
demonstram a “íntima conexão que pode existir entre os fatores emocionais e a utilização do corpo
como cenário para a dramatização simbólica de um determinado conflito” (ZIMMERMAN, 2008,
p.329). Sendo possível, através de diversificados estudos, incluindo a medicina, psicologia, as
neurociências, entre outras, destacar características em comum que pacientes psicossomáticos
apresentam na sua descarga corporal.

Os pacientes psicossomáticos expressam na via corpórea, conflitos e sentimentos


inconscientes, “por meio de mecanismos de defesa, como negação, repressão, racionalização, que
os impediriam de serem simbolizados, conscientizados e, finalmente, verbalizados” (FILIPPON;
CARDOSO; AGUIAR, 2008, p.604), por isso, podem ser queixosos em diversas doenças,
apresentando dores que se tornam frequentes, prejudicando seu bem-estar, suas atividades
cotidianas e laborais, pois a rapidez com que as circunstâncias se processam na contemporaneidade,
faz com que os indivíduos não tenham tempo suficiente para elaborá-las, sendo assim, “o corpo
torna-se passivo diante das rápidas transformações” (MENDES; PRÓCHNO, 2004, p.149).

A Psicoterapia Psicanalítica pode oferecer alternativas bem sucedidas no tratamento desses


pacientes, visto que o psicoterapeuta através do domínio de sua técnica, da escuta qualificada, do
entendimento do discurso do paciente, e em conjunção com a interpretação, pode proporcionar ao
paciente, questionamentos que o levem a compreender o funcionamento de sua mente e como ela
pode interferir no funcionamento do corpo, seu desenvolvimento narcísico e a sua relação no
processo de adoecimento.

O crescimento dos estudos de Psicologia nas áreas da Psicanálise tem contribuído para a
ressignificação dos conflitos existentes na mente humana nos dias atuais. Neste estudo enfatiza-se a
Psicanálise no tratamento dos processos psicossomáticos de adoecimento, tendo como proposta
proporcionar maior conhecimento e entendimento de importantes apontamentos sobre a
psicossomática e como os profissionais de Psicologia através da Psicoterapia de Orientação
Psicanalítica podem avançar no tratamento dos pacientes caracterizados com um funcionamento
predominantemente psicossomático.

A psicossomática na história

A medicina psicossomática é estudada desde a Grécia Antiga, onde Galeno “atribuía uma
existência totalmente autônoma à doença orgânica” (ZIMERMAN, 1999, p.239) e Hipócrates
“concebia a doença como uma reação global do corpo e do espírito do indivíduo” (ZIMERMAN,
1999, p.239). Os filósofos Aristóteles, Platão e Sócrates também fizeram algumas contribuições
para o entendimento do fenômeno mente-corpo, pois caracterizavam a dor como uma emoção, e no
século XVII o filósofo René Descartes salientou a visão dualista, separando mente e corpo
(ANDRADE; ANDRADE, 2005).
A terminologia psicossomática se deu através do clínico e psiquiatra Johann C. A. Heinroth, em
1818, que pretendia empregar um modelo característico adjetivo de insônia, no entanto o modelo
sofreu fortes críticas por parte do meio científico da época, e a grafia do termo se apresentava como
“psico-somático”, fazendo referência à separação de psique (mente) e soma (corpo), porém em
1940 “o termo “psicossomático” adquiriu grafia unificadora e passou a ser empregado como
substantivo, para designar [...] a decisiva influência dos fatores psicológicos na determinação das
doenças orgânicas” (ZIMERMAN, 1999, p.239), reconhecendo-se assim a indissociação entre
ambas (mente-corpo) e proporcionando uma nova perspectiva em relação ao campo psicossomático.
Em outras palavras, “com o surgimento da psicanálise, temos um retorno a uma visão de unidade
alma/corpo, marcada pelo estabelecimento do conceito de pulsão, criado por Freud, em 1976, que
expressa a relação indissociável entre o orgânico e o psíquico” (FILIPPON; CARDOSO; AGUIAR,
2008, p.604).
O termo Medicina Psicossomática é definido como “[...] um estudo das relações mente-
corpo com ênfase na explicação psicológica da patologia somática, uma proposta de assistência
integral e uma transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais” (EKSTERMAN,
2010, p.93), representando uma nova perspectiva da Patologia e da Terapêutica, com o objetivo de
tratar doentes e não doenças. O fenômeno psicossomático, como afirma Zimerman (1999), é
utilizado para designar conflitos psíquicos que provocam reações orgânicas, pois os indivíduos que
carecem de capacidade simbólica descarregam essa energia psíquica represada fisiologicamente,
produzindo afetações nos órgãos mais sensíveis. Nesse sentido, entende-se que:
[...] seja qual for a natureza da manifestação psicossomática é necessário definir que: elas
sempre exigem a presença de um fator psicológico que determine uma influência essencial
na etiologia da somatização, junto com uma concomitante existência de alguma área
orgânica particularmente sensível para funcionar como uma espécie de “caixa de
ressonância”, sendo que isso é variável de pessoa para pessoa, de acordo com os fatores
genético-constitucionais de cada um. (ZIMERMAN, 1999, p.247).

De acordo com Filho (2010), pode-se dizer que a evolução da psicossomática se deu em três
fases: inicial – psicanalítica, com investigações sobre origens inconscientes das doenças; secundária
– behaviorista, marcada por pesquisas em seres humanos e animais, com tentativa de
enquadramento nas ciências exatas, que culminou em maiores investigações a respeito do estresse; e
por fim a atual – multidisciplinar, que enfatiza a influência do meio social e de como a
psicossomática deve estar articulada com múltiplos profissionais da saúde. No entanto, no presente
artigo pretendemos evidenciar e detalhar as contribuições psicanalistas para a evolução da
psicossomática, visto que a psicanálise e a psicossomática estão articuladas teórica e praticamente.
Por volta dos anos 30, o psicanalista Franz Alexander, destaque da Escola de Chicago,
contribuiu com sua ideia de que, além dos aspectos psicológicos do paciente é de significativa
importância fazer o reconhecimento dos conflitos psíquicos ocultos apresentados por ele, e também
descreveu as “sete doenças psicossomáticas” (asma brônquica, úlcera gástrica, artrite reumatoide,
retocolite ulcerativa, neurodermatose, tireotoxicose e hipertensão essencial), atribuindo-lhes a cada
uma, uma particularidade do conflito psicogênico; e na década de 40, igualmente nos Estados
Unidos, o psicanalista René Spitz, realizou importantes trabalhos a respeito de casos de
hospitalismo infantil, que através de filmagens, comprovou que crianças pequenas quando
separadas por tempo prolongado de suas mães sentem sentimentos de vazio e desespero, que podem
culminar em uma maior propensão a contrair doenças infecciosas devido ao enfraquecimento das
defesas imunológicas (ZIMERMAN, 1999). Sobre a influência da escola de Chicago temos:
[...] entre os anos 30 e 60, inspirada principalmente na “escola de Chicago”, floresceu a
medicina psicossomática, sendo inúmeros os trabalhos que estudavam especificamente
cada uma das especialidades médicas (ginecologia, gastroenterologia, dermatologia...)
segundo uma abordagem que atribuía uma particular conflitiva psíquica inconsciente para
cada um dos respectivos sintomas orgânicos, separadamente. (ZIMERMAN, 1999, p.241).

Outras importantes contribuições foram a de Sifneos e Nemiah que introduziram o conceito


de alexitimia e o definiram como “uma impossibilidade de nomeação dos próprios sentimentos,
como uma falha no reconhecimento dos estados afetivos do próprio sujeito e o condiciona a um
achado clínico nos pacientes psicossomáticos” (FILHO, 2010, p.155). Zimerman (1999) ressalta
que:
[...] o conceito alude à dificuldade de os pacientes somatizadores conseguirem “ler” as suas
emoções e, por isso, elas expressam-se pelo corpo. Para os pesquisadores dessa escola, na
causa da alexitimia existe um substrato neurofisiológico às dificuldades de simbolização
das vivências emocionais, que resultaria de uma falha das conexões neuronais entre o
sistema límbico do cérebro (responsável pelas emoções) e o córtex cerebral (responsável
pela capacidade de síntese das percepções, julgamento e antecipação das ações).
(ZIMERMAN, 1999, p.241).

Avançando no estudo da psicossomática, Pierre Marty e seus colaboradores, fundadores da


Escola Psicossomática de Paris (atualmente denominada de Instituto de Psicossomática),
contribuíram com a introdução do conceito de “pensamento operatório”, que utilizaram para
nomear a forma de pensar e de lidar com as emoções de pacientes psicossomáticos (CERCHIARI,
2000), no entanto, vale salientar que a alexitimia e o pensamento operatório, por si só, não são
responsáveis unicamente pela somatização. Entre as descrições encontra-se:
[...] o que acima de tudo caracteriza esses pacientes é que o inconsciente não tem condições
de expressar-se pelas representações, de modo que, no lugar de reprimir as pulsões do id,
como acontece nas neuroses, ou de forcluir (grau extremo de negação da penosa realidade
externa ou interna), como fazem os psicóticos, os pacientes somatizadores utilizam o
pensamento operatório, isto é, eles superinvestem libidinalmente tudo aquilo que existe de
concreto, como, e principalmente, os seus sintomas corporais. (ZIMERMAN, 1999,
p.241).

Outro conceito atribuído por Marty para descrever as características dos pacientes
somáticos, foi o conceito de “relação branca”, onde o paciente, em sua relação com o analista, se
mostra vazio de afeto e incapaz de tornar evidente o que se faz presente num processo associativo
(ZIMERMAN, 1999), mostrando-se de maneira mecânica, onde só responde a perspectiva concreta
dos acontecimentos descritos.
E obviamente não podemos deixar de citar Sigmund Freud, médico neurologista e fundador
da psicanálise, que contribuiu amplamente, mesmo que implicitamente, para estudos de pacientes
psicossomáticos, visto que sua teoria e seus escritos perduram e se fazem significativos até os dias
de hoje. “Ao instituir o inconsciente e seu respectivo método de estudo – a psicanalise -, Freud
demonstrou a importância de conhecer a biografia do indivíduo para a compreensão mais ampla da
pessoa na saúde e nas doenças” (ANDRADE, 2005, p.112). Podemos elencar as seguintes
contribuições de Freud: representações, a complacência somática, o fenômeno das conversões, as
neuroses atuais, os processos primários e secundários do pensamento, o ego corporal e as
identificações patógenas.
As representações, conceito cunhado por Freud em 1915 em seu artigo intitulado de “O
inconsciente”, traz “a noção de que a junção da “representação-coisa” com a “representação-
palavra” produz a consciência dos fatos psíquicos” (ZIMERMAN, 1999, p.242), e essa transição da
“representação-coisa” (situada no inconsciente) para a “representação-palavra” (elaborada no pré-
consciente) beneficia-se do ganho da possibilidade de nomear as emoções desordenadas e da
significação, trazendo assim o inconsciente à luz da consciência, e este entendimento se faz
imprescindível dentro da teoria psicanalítica atual sobre as manifestações psicossomáticas.
Freud descreveu o termo complacência somática no “caso Dora”, onde discorreu que podem
ocorrer somatizações nas repressões neuróticas, nas renegações das perversões, nos actings dos
indivíduos psicóticos e nas forclusões dos indivíduos psicopatas, desse modo “não existe uma única
e definida estrutura psíquica nos pacientes que somatizam” (ZIMERMAN, 1999, p.242) e no
fenômeno das conversões “transparece o modelo da “conversão histérica”, pelo qual os conflitos
sexuais não reconhecidos pelo sistema consciente utilizam o corpo como uma forma de linguagem e
no qual os sintomas narram uma história inconsciente, sem palavras” (ZIMERMAN, 1999, p.242).
Freud nunca levou em consideração os processos somáticos diretamente, mas se atentava
aos processos biológicos, e a partir disso apresentou a classificação das neuroses em duas
categorias: de transferência (formas histéricas, fóbicas e obsessivas) e neuroses atuais (neurastenia,
neurose de angústia e hipocondria). Para Freud, segundo Zimerman (1999):
As “neuroses atuais” [...] tinham por causa o bloqueio das excitações libidinais,
consequentes tanto de uma privação de satisfação sexual (principalmente o “coito
interrompido”), como também de um excesso de estimulação, como seria o caso de
masturbação excessiva. A primeira delas provocaria a “neurose de angústia”, com os
sintomas de palpitações, palidez, sudorese, dispneia suspirosa, etc., enquanto a excessiva
excitação não satisfeita determinaria os quadros de “neurastenia”, manifestada nos sintomas
de cefaleias, distúrbios da digestão e evacuação, diminuição da atividade sexual, etc. Em
ambos os casos, o acúmulo da libido bloqueada se escoaria por outras vias fisiológicas.
(ZIMERMAN, 1999, p.242).

No ano de 1911, em sua obra “Dois princípios do suceder psíquico” Freud descreveu os
princípios fundamentais em relação aos processos da teoria do pensar, processos primários
(inconsciente) e processos secundários (pré-consciente), sendo que as somatizações estão
“relacionadas às falhas dos processos simbólicos (os quais estão unicamente presentes no processo
secundário e possibilitam a capacidade de abstração dos pensamentos) que então cedem lugar aos
processos sígnicos [...] sob a égide das leis do processo primário” (ZIMERMAN, 1999, p.243) e em
relação ao ego corporal, citado anteriormente, refere-se à afirmação de Freud onde declarou que o
ego, antes de tudo, é corporal, possibilitando assim um maior entendimento acerca dos processos
psicossomáticos, “a importância das representações do corpo no ego e da cenarização das defesas
do ego no corpo” (ZIMERMAN, 1999, p.243), fazendo ainda, ligações com as identificações
patógenas, visto que:
A partir de seu clássico Luto e Melancolia, de 1917, Freud estabeleceu a importante
concepção de que, nos quadros melancólicos, “a sombra do objeto cai sobre o ego”, isto é,
forma-se uma identificação do sujeito com o objeto perdido de tal forma que, nesses
estados melancólicos, a frase de Freud “a sombra do objeto cai sobre o ego”, poderíamos
acrescentar: “e lá pode ficar morando o resto da vida”, forçando aquilo que,
particularmente, costumo chamar de “identificação com a vítima”. Nesses casos, o sujeito
sente-se como que obrigado a ser igual em tudo ao objeto perdido, e isso adquire uma
especial importância nos processos psicossomáticos, porquanto tal identificação, com
grande frequência, faz-se com os sintomas clínicos da doença que acompanhou ou que
vitimou a pessoa que ambivalentemente ele amou e odiou. Isso explica o fato tão comum de
que em datas que lembram a pessoa perdida (aniversário, etc.) recrudesce, no sujeito, o
surgimento de sintomas e temores hipocondríacos equivalentes aos do objeto desaparecido.
(ZIMERMAN, 1999, p.243).

E se tratando da atualidade não podemos deixar de fazer referência a Joyce McDougall,


psicanalista neozelandesa radicada na França, que é considerada um dos principais expoentes da
psicossomática na atualidade (PERES, 2006). McDougall segue a mesma linha de pensamento
defendida por Pierre Marty de que os pacientes somáticos são incapazes de lidar com os afetos
potencialmente desestruturantes, de modo que tendem a recorrer às estratégias defensivas arcaicas
(MCDOUGALL, 1996), infantilizadas diante da sobrevivência ou de sofrimentos. Essas estratégias
defensivas são adotadas inconscientemente e por vezes se transformam em sintomas psíquicos
(PERES; SANTOS, 2010). Para McDougall existe uma fragilidade afetiva nos pacientes somáticos,
e quando colocados em situações estressantes e inseguras, tendem a estabelecer seus vínculos
simbióticos, semelhantes aos de um bebê com a sua mãe, eles buscam proteção e quando não
encontram se deparam com sentimentos de insatisfação e desprazer, transformando-se em
somatização, sofrimentos, fantasias (MCDOUGALL, 1996).

Pierre Marty e Joyce McDougall concordam que os processos de somatização desenvolvidos


pelos seres humanos se caracterizam por uma marcante restrição da capacidade de compreender as
modificações que ocorrem no meio ambiente ou no próprio indivíduo, conhecida como elaboração
psíquica. Além disso, os pacientes somáticos apresentam “pensamentos superficiais, desprovidos de
valor libidinal, excessivamente orientados para a realidade externa e estreitamente vinculados à
materialidade dos fatos” (PERES, 2006, p.168) e demais características que serão apresentadas a
seguir.

E para finalizar o contexto histórico vale mencionar que em relação ao diagnóstico, o termo
evoluiu de “transtorno somatoforme” (DSM-IV) para “transtorno de sintomas somáticos e
transtornos relacionados” (DSM-V), pois o primeiro termo era considerado confuso devido à
“sobreposição entre os transtornos e a falta de clareza das fronteiras dos diagnósticos” (DSM-V,
APA, 2014, p.309).

Caracterização do paciente psicossomático

Tendo em vista a compreensão histórica do conceito de psicossomática, torna-se importante


aprofundar o conhecimento do funcionamento do indivíduo que se apresenta nesse ordenamento
psíquico. De acordo com os autores estudados fica claro que nos variados casos de somatização, “o
corpo fala! – e fala especialmente àqueles sentimentos que ainda não puderam ser expressos com o
simbolismo das palavras” (ZIMERMAN, 2008, p.329), e esse conflito pode se manifestar em uma
zona corporal que já esteja sensibilizada, ou ainda, “pode se constituir como um “cenário” no qual
são representados dramas íntimos, com as respectivas fantasias inconscientes.” (ZIMERMAN,
2008, p.329). O sistema imunológico está diretamente ligado aos fatores emocionais, para
Zimerman (2008), esse sistema desempenha um importante papel no corpo, e está particularmente
ligado às doenças somáticas, que são resultados de doenças “autoimunes”.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, APA,
2014), os transtornos gerados a partir da ligação entre mente e corpo são classificados como
Transtornos de Sintomas Somáticos, e estes indivíduos geralmente apresentam sintomas somáticos
variados, provocando sofrimento e/ou perturbação significativos da vida diária, entretanto, às vezes
pode apresentar-se apenas um sintoma grave, sendo este geralmente a dor, que pode manifestar-se
no organismo de diferentes formas “aguda ou crônica, a de origem orgânica ou traumática com
repercussões psíquicas ou a de origem inicialmente psicógena com repercussões orgânicas, assim
como a dor que é comunicada de forma superlativa, ou aquela que o sujeito sofre silenciosamente,
etc.” (ZIMERMAN, 2008, p.328). Outros autores, como Brasil et al, afirmam também que:
É importante lembrar que, no período de uma semana, cerca de 60 a 80% das pessoas
saudáveis apresentam pelo menos uma queixa somática. Tais queixas podem, portanto, ser
parte da experiência normal daqueles que gozam de saúde física. Isso quer dizer que todos
nós “somatizamos” em algum momento. No entanto, a frequência com que isso ocorre, a
intensidade do estresse que provocou essa manifestação, as queixas vivenciadas e suas
consequência variam muito. A somatização pode ser conceituada de diferentes formas, mas
em geral ela caracteriza uma maneira de responder ao estresse. (BRASIL et al, 2012,
p.319).

Para entender as características dos pacientes psicossomáticos é fundamental ter


compreensão acerca dos conceitos fundamentais da psicossomática, mas de antemão pode-se citar
como característica dos pacientes somáticos: inadequação frente às vicissitudes da vida, regressões
somáticas/mentais, dificuldade de simbolização e representação, depressão sem objeto,
irregularidade do funcionamento psíquico, pensamento operatório (COSTA; ALVAREZ, 2015) e
demais particularidades que abordaremos em sequência. De modo geral, também tendem a
apresentar insuficiência de cuidado afetivo na infância, histórico de vida permeado por violência,
submissão e conformismo, apresentação de doenças físicas de modo contínuo, preponderância de
transtorno da personalidade, traços antissociais na família, dependência do Outro e ampliação
somática das implicações corpóreas (BRASIL et al, 2012), e retiram “todo seu interesse das coisas
do mundo exterior que não se relacionem com seu sofrimento. Enquanto sofre, retira de seus
objetos de amor o interesse libidinal para de amar” (MENDES; PRÓCHNO, 2004, p.150).
Inicialmente pode-se apontar o conceito de traumatismo, onde “as manifestações somáticas
resultam de inadequações do indivíduo diante das vicissitudes da vida, a partir de seu nascimento,
cuja experiência, em si, não pode ser subestimada” (COSTA; ALVAREZ, 2015, p.142). Entende-se
que o ser humano dispõe de três artifícios para lidar com esses acontecimentos imprevisíveis da
vida: o corpo, o aparelho mental e o controle sobre o comportamento, e “quando uma exigência
externa ultrapassa a disponibilidade do aparelho mental, conjugado com o comportamento, é o
somático que passa a responder” (COSTA; ALVAREZ, 2015, p.142), por isso o conceito referido se
articula com as circunstâncias em que o sujeito não consegue se adaptar, e por isso busca atingir o
aparelho mental na tentativa de impedir a chegada da desorganização na esfera somática.
Apresentam também uma forma de pensamento chamado operatório, onde ocorre a redução
da atividade fantasmática, visto que além de sonharem pouco, os restringem a sonhos realistas,
ficando presos à repetição daquilo que vivenciaram durante o dia, pois “os resíduos diurnos não se
articulam com os traços de memória, portanto, não se traduzem em elaborações adequadas de
sonhos, tornando pobre a vida fantasmática” (SILVA; CALDEIRA, 2010, p.158); caracterizando a
inexistência de afeto, a incapacidade de elaboração psíquica e a falta de representações, pois não
conseguem realizar conexão simbólica com episódios que lhe acontecem, como por exemplo em
situações de perda ou separação, são um tipo de paciente que “relata seus sintomas sem vínculos
relacionais, como fatos isolados, não estabelecendo com o interlocutor qualquer envolvimento
afetivo” (COSTA; ALVAREZ, 2015, p.145), posto que:
Se acontece um lapso, ele não é seguido de associações; não há afeto, nem
representações investidas fantasmaticamente, nem via imaginária... Se lhe sobrevém um
acidente da existência, uma perda qualquer, luto, licença, reage com uma doença
somática, mais ou menos grave. (FILHO, 2010, p.155).

Devido a essa forma peculiar de pensar e de lidar com suas emoções, sentem dificuldades
em descrever suas emoções e até mesmo de senti-las, por isso manifestam formas de pensamento
operatório e alexitimia, sendo que isso ocorre porque “o somatizador tem dificuldades de fantasiar,
de sorte que o ego não consegue processar, elaborar e representar as pulsões, do que resulta que ele
super libidiniza o corpo de forma concreta.” (ZIMERMAN, 2008, p.325), ou seja, o indivíduo
somático tem uma capacidade de simbolização comprometida. Para complementar:
Os portadores de pensamento operatório têm um mundo interno pobre e investem
intensamente na realidade externa, da qual passam a ser dependentes ou
“hiperadaptados”. De orientação pragmática, são “tenazmente aderidas ao
circunstancial”. Quando sofrem problemas existenciais, intensificam o investimento no
trabalho para que este ocupe o lugar do objeto interno segurador (mãe). (FILHO, 2010,
p.155).

A noção de pulsão de morte, conceituada por Freud, também está associada aos pacientes
psicossomáticos, em razão de ser uma das responsáveis pela desorganização psíquica e corporal,
que propicia o aparecimento dos sintomas, e por consequência esses pacientes “acabam ficando
com um pobre ou nenhum domínio sobre a angústia” (SILVA; CALDEIRA, 2010, p.161), tendem a
apresentar vínculos afetivos pouco consistentes e podem então, para amenizar seus sofrimentos
psíquicos, manter relações simbióticas, voltando-se para os primeiros meses de vida, onde buscam
uma tentativa de se fundir ao outro e uma função protetora, incapazes de nomear seus próprios
sentimentos, é “a mãe que tem de nomear os afetos do filho no início. O adulto alexitímico funciona
como se fosse esta criança não verbal, no que se relaciona com seus afetos” (SILVA; CALDEIRA,
2010, p.161), o corpo passa a ser sentido como relativo ao mundo exterior, pertencente à mãe. Vale
destacar que “esse instinto de “morte” não tem nada a ver com morte orgânica inevitável, mas deve
ser percebido como um princípio de morte psíquica que, na forma de um movimento ou mesmo de
uma força desencarnadora, ataca e mata o pensamento na essência de seu processo” (AISENSTEIN,
2015, p.666).
Marty introduz o conceito de depressão essencial, referindo-se a uma depressão sem objeto,
ou seja, é possível afirmar que é uma depressão “sem autoacusação nem culpabilidade consciente,
na qual o sentimento de desvalorização e de ferida narcísica se orienta para a esfera somática,
relacionando-se com uma precariedade do trabalho mental” (COSTA; ALVAREZ, 2015, p.147).
Segundo Costa e Alvarez (2015, p.147), Marty caracterizou essa forma de depressão “pelo total
apagamento da dinâmica mental, como deslocamentos, condensações, introjeções, projeções,
identificações, atividade fantasmática e vida onírica”. Explicitando ainda mais:

O processo é equiparável ao da morte, quando a energia vital se perde sem compensação. O


instinto de morte é o senhor da depressão essencial que se estabelece quando
acontecimentos traumáticos desorganizam certo número de funções mentais, devido a um
transbordamento das capacidades de elaboração psíquica. (COSTA; ALVAREZ, 2015,
p.147).

Esses indivíduos, então, não conseguem estabelecer conexões com seus conteúdos
simbólicos, e essa desvinculação pode resultar em actings - inconscientemente o sujeito passa para
o ato a fim de evitar entrar em contato com seus conteúdos recalcados, que do ponto de vista
psíquico, são poucos elaborados e usados para reduzir as perturbações causadas pelas excitações.
Evidenciando-se assim, que o inconsciente do indivíduo somático, não consegue se expressar a
partir de representações, utilizando-se de comportamentos e ações como meio de comunicação, pois
“as representações que desencadeiam os fenômenos somáticos não têm uma ligação simbólica com
perda ou separação, mas uma ligação imaginária, ou seja, são representações sem a mediação de um
discurso” (FILHO, 2010, p.156).
Diante do exposto, pode-se supor que a restrição fantasmática que os caracteriza faz do
aparelho sensório-motor uma via privilegiada de exteriorização das demandas pulsionais (PERES,
2006), para Silva & Caldeira (1993), o psiquismo desses pacientes não se encontra totalmente
desligado do inconsciente, contatos primitivos ainda são mantidos, porém não são suficientes para o
desenvolvimento das elaborações pulsionais.
Ademais, como característica dos psicossomáticos, se encontra a desorganização
progressiva, onde “o pensamento operatório e a depressão essencial são expressões da
desorganização do aparelho mental, promovida por eventos traumáticos que suplantam a sua
capacidade de elaboração” (COSTA; ALVAREZ, 2015, p.148), e a depressão essencial é
considerada a primeira fase dessa desorganização, sendo o pensamento operatório caracterizado
como sendo a segunda fase.
Outra característica presente em pacientes psicossomáticos é a desafetação, termo criado por
McDougall, que é descrito como sendo uma incapacidade de manter contato com suas próprias
emoções e as de outros indivíduos, sendo assim, caracteriza-se por uma economia afetiva
(CLEMENTE; PERES, 2010) e está ligada a uma fase pré-neurótica, relacionada ao
empobrecimento da capacidade de simbolização, sendo que esta baixa capacidade é uma das
características mais atuantes nos pacientes psicossomáticos. Dessa forma, o indivíduo desafetado
encontra nas atuações a única possibilidade de escape para suas tensões, deixando de lado as
atividades mentais da simbolização, e por esta razão resta às tensões desprovidas de significações
buscarem expressar-se de forma orgânica, ocorrendo assim manifestações somáticas no corpo, em
consequência da baixa capacidade de simbolização possuem grandes dificuldades de verbalização
de seus pensamentos, sentimentos, angústias, desejos e etc. (PERES, 2006). Zimerman assinala que:
Assim, acima de tudo, a moderna psicanálise atribui um papel de primeira grandeza para
a compreensão dos pacientes somatizadores a uma incapacidade desses indivíduos em
conseguir conter e poder pensar as suas experiências emocionais dolorosas, porquanto a
aquisição das capacidades de formar símbolos, a de pensar e a de conhecer, são funções
que estão intimamente conectadas entre si, sendo que todas elas dependem de uma exitosa
passagem pela posição depressiva. (ZIMERMAN, 1999, p.250)

A partir dessa leitura entende-se que pacientes psicossomáticos apresentam em seu corpo a
história daquilo que foi calado, recalcado e que encontram na somatização, a única forma de
expressar-se. O corpo torna-se palco para suas tensões e o paciente sofre sem muitas vezes
descobrir o real motivo das suas doenças físicas, como dores de cabeças, gastrointestinais, manchas
na pele entre outros sintomas, que são resultados das desorganizações do aparelho psíquico,
aumentando assim a vulnerabilidade do sujeito para adoecer. Cabe assim, a nós terapeutas, buscar e
propiciar intervenções psicoterapêuticas mais eficazes, a fim de possibilitar a minimização do
sofrimento, auxiliando na reestruturação do aparelho psíquico desses indivíduos, como será exposto
no tópico a seguir.

Clínica e Psicoterapia Psicanalítica

Para Alves e Lima (2016), o diagnóstico para os pacientes psicossomáticos são sempre
difíceis porque são doenças com causas pouco mensuráveis, decorrentes de estresse e emoções,
geralmente são pacientes “poliqueixosos” e que necessitam de uma avaliação mais criteriosa e
cuidadosa por parte dos médicos, sendo que os exames laboratoriais não apresentam alterações para
uma doença orgânica. A somatização pode levar a “testes laboratoriais desnecessários e
dispendiosos, hospitalizações repetidas, condutas iatrogênicas, como, por exemplo, múltiplas
cirurgias, uso abusivo e inadequado de medicamentos, impacto na família e na vida social [...]”
(BRASIL et al, 2012, p.320) do indivíduo, o que consequentemente faz com que esses pacientes
tenham “um custo total com saúde nove vezes maior do que outros pacientes e média de internação
hospitalar de até sete dias por mês” (BRASIL et al, 2012, p.320). Entretanto:

[...] a presença de “somatização” não exclui a possibilidade de que o paciente também


tenha uma doença física concomitante, nem garante que o paciente não desenvolverá
problemas orgânicos. Além disso, o problema dos “somatizadores” em geral não é
apenas psicogênico ou orgânico, mas uma complexa combinação de ambos. (BRASIL et
al, 2012, p.320).
De acordo com Brasil et al (2012) em geral, o primeiro profissional procurado pelo paciente
somatizador é o médico clínico, generalista ou não, é ele quem tenta tranquilizar o paciente sobre a
ausência de patologia somática (muitas vezes sem sucesso por isso os pacientes somatizadores não
costumam buscar a psicoterapia espontaneamente, e sim por encaminhamento de seus médicos
clínicos; encaminhamento estes que muitas vezes são feitos de modo inadequados, que tendem a
fazer com que o paciente não siga a recomendação, pois se sente desprezado e negligenciado pelo
clínico, sente que sua doença e seus sintomas foram descaracterizados. Quando o médico clínico
descarta os sintomas de uma patologia orgânica, classificando a doença como psicológica, é
importante que o paciente não se sinta abandonado, mas sim com possibilidade de acrescentar
novas práticas de tratamento, visando a sua melhora.

É importante ressaltar que como o paciente psicossomático apresenta um déficit de


afetividade, as doenças podem surgir como uma necessidade de afeto, de ganhar atenção, e de ser
cuidado e ouvido pelo outro, pois a manutenção da doença e do sofrimento é uma forma de
masoquismo e é nessa relação entre a saúde e doença que ele pode encontrar prazer ou a atenção
que almeja (ELAEL; FORTES, 2016). No entanto, seja no campo biomédico ou específico da área
da saúde mental, “a valorização da escuta como instrumento terapêutico” deve ser aderida e levada
em consideração (BRASIL et al, 2012, p.328), “escutar ativamente é fundamental para que se possa
perceber e avaliar os aspectos psicossociais do paciente, como a presença de eventos estressantes
que possam atuar como desencadeantes ou agravantes de sofrimento mental” (BRASIL et al, 2012,
p.328).

Como já visto anteriormente, estes pacientes não conseguem fazer associações entre seu
corpo enfermo e seu emocional, por isso tendem a manifestar um desejo de livrar-se do sintoma de
forma mágica, em uma única sessão, e por isso se faz necessário criar uma demanda de psicoterapia
no paciente, instigando-o a querer participar ativamente do processo psicoterapêutico (BORGES,
2001), a fim de proporcionar entendimento, que outros médicos não propiciaram, acerca de sua
doença e da indissociabilidade/correlação entre orgânico e psíquico, pois “o psiquismo é definido
por Freud no campo das representações, e a prática clínica por seu deciframento” (MENDES;
PRÓCHNO, 2004, p.148). A psicoterapia tem se mostrado eficaz na diminuição dos sintomas, pois
apresenta bons resultados em tratamentos prolongados, quando o paciente se sujeita e aceita esse
tipo de intervenção, o sucesso está em conseguir perceber os elementos inconscientes que
ultrapassam os sintomas (PAULIN; OLIVEIRA, 2012). De acordo com Filippon, Cardoso e Aguiar
(2008, p.609) “recomenda-se de uma a três sessões semanais, em um setting estável e onde a
neutralidade do terapeuta deve ser buscada”.
No entanto, a caminhada por esse árduo percurso só será possível nas circunstâncias “em
que o analista conseguir desde o início trabalhar com o paciente sobre a importância de sua
permanência ali, construir com ele um lugar em que ele possa se sentir seguro para estar com o seu
corpo, com a sua doença” (BORGES, 2001, p.268), é necessário que ele não se sinta ameaçado
pelas interpretações, pelo silêncio e pelas demais configurações do setting terapêutico, por isso é de
extrema importância que o terapeuta não adote uma postura invasiva, respeitando o tempo do
paciente para se abrir a uma nova forma de linguagem, já que ele não conhece outra forma se não a
do corpo, sendo necessário que o paciente aceite e suporte a condição inicial, pois ele vem com um
histórico de insucesso na sua melhora, portanto, pode-se enfatizar a importância da relação médico-
paciente e da formação do vínculo terapêutico para a continuidade e o progresso do trabalho
psicoterapêutico (BORGES, 2001), pois “o confronto do paciente com o “caráter artificial” de seus
sintomas dificulta o tratamento” (BRASIL et al, 2012, p.329). Em outras palavras, pode-se
complementar que:

Deve-se, portanto, evitar confrontos e abordar os aspectos psicossociais de forma discreta,


geralmente durante o processo de anamnese. A resistência em falar sobre esses aspectos
subjetivos de sua vida, sobretudo quando associado à cronicidade na evolução do quadro,
precocidade no surgimento de múltiplas queixas somáticas e grave incapacidade funcional,
é forte indicador da presença de transtorno crônico, e não apenas da presença de
somatização como um processo ou uma maneira de manifestar sofrimento psíquico.
(BRASIL et al, 2012, p.328-329).

Para Aisenstein (2015), adepta da psicoterapia psicodinâmica, o trabalho clínico com


pacientes psicossomáticos deve iniciar sempre pela conversação, atraindo-o para o pensamento e o
envolvimento no processo, instigar o paciente a contar sua história, suas riquezas, sucessos, tristezas
e fracassos. Para isso o terapeuta tem que estimular a arte, a sedução da conversação, mediante
abordagens indiretas, interpretações psicodramáticas com objetivo a estimular a descoberta do
prazer do funcionamento mental. A Psicanálise:

[...] entende os fenômenos físicos e somáticos como um somatório de interações dinâmicas


que são objeto de movimentos de organização e desorganização no desenvolvimento do
indivíduo. Considera que são as atividades de representação psíquica que permitem integrar
as tensões pulsionais e protegem, assim, a saúde física individual. (FILIPPON;
CARDOSO; AGUIAR, 2008, p.604).

Outra premissa importante para a continuidade do paciente no tratamento é a de levar em


consideração toda sua subjetividade e a de seus sintomas, pois em muitos casos o paciente já chega
regredido em crises e sofrimentos com eles, exigindo assistência e paciência da figura do analista,
para que assim possa dar conta de seus anseios, incômodos, dores e angústia e ter possibilidade,
através da psicoterapia de orientação psicanalítica, de ter um insight afetivo, entender e resignificar
os seus sintomas (BORGES, 2001), é importante que ele consiga associar o sintoma com o
sofrimento emocional, percebendo assim “como eles se associam cronologicamente às situações
estressantes” (BRASIL et al, 2012, p.329). É necessário observar que:

Diante da intolerância desse tipo de paciente às interpretações, o analista deve desenvolver


um tipo especial de “escuta do corpo” (que é diferente da escuta neurótica, psicótica, ou dos
casos de perversão) e também deve ficar comprometido com a tarefa de auxiliar o paciente,
no mínimo, a três aspectos: 1) Evitar a tentação de querer descobrir uma relação simbólica
tipo causa-efeito (o que cabe fazer nos casos de conversões histéricas). 2) Não impedir o
livre fluxo das fantasias, pelo contrário, prestar alguma forma de estímulo ao surgimento
das mesmas. 3) Ajudar esse paciente a, de fato, pensar, ou seja, a fazer conexões afetivas
entre as suas experiências emocionais presentes e as passadas, juntamente com o
desenvolvimento da capacidade para fazer uma leitura das mesmas. (ZIMERMAN, 1999,
p.251).

Contudo, existe o paciente difícil de ser tratado pela Psicanálise e pela Psicoterapia de
Orientação Psicanalítica, principalmente porque não “consegue aceitar a sua parcela de
responsabilidade na criação de seus sintomas” (MCDOUGALL, 1996, p.9), característica que
exerce significava importância dentro do tratamento. Para isso McDougall (1996) fez um roteiro
para a entrevista com possíveis pacientes e que faz parte do início do tratamento psicanalítico, onde
postulou que em primeiro lugar a pessoa deve “perceber o seu sofrimento psíquico”, caso contrário,
não existe uma possibilidade de análise. Em segundo, buscar “conhecer a si mesmo”, é importante
que ele reconheça que a culpa por seu estado mórbido, não é somente da família, da sociedade, do
ambiente, etc. Em terceiro, a “situação psicanalítica é suportável?” e ele precisa dizer tudo o que lhe
causa incômodo, a omissão e a falta de confiança no terapeuta contribuem para o fracasso da
análise, do tratamento psicanalítico. E em quarto lugar, “é possível depender do outro sem medo?”,
o paciente deve estar preparado para receber ajuda, para assim se abrir a possibilidade de evolução
no tratamento e consequentemente avançar no processo de melhora. A mudança do ponto de vista
do paciente psicossomático é sempre dolorosa e difícil, porque exige dele uma revisão de seus
conceitos, pensamentos e anseios (MCDOUGALL, 1996), existem os que querem a cura e também
os que “querem” a perpetuação da doença, da dor e do sofrimento. Como se constata:

O ideal é que o paciente possa reconhecer os componentes psicossociais de suas queixas,


pois assim será melhor sua evolução. Grande parte das intervenções é, portanto,
direcionada a aumentar a consciência do paciente somatizador sobre a origem não orgânica
de suas aflições, deslocando-o do polo da atribuição puramente somática para a direção da
compreensão psicológica dos sintomas. (BRASIL et al, 2012, 322).

Como afirma Borges (2001, p.269) “uma proposta de atendimento psicoterápico a esse
paciente tem de ter como objetivo levá-lo a uma reconstituição existencial possível”, pois sua
existência coexiste com sua doença e os sintomas que ela produz, por isso “é fundamental que ele
possa se ver como parte do sintoma, como construtor do sintoma e, sobretudo, perceber o uso que
muitas vezes faz deste” (BORGES, 2001, p.269). Trabalhar com o paciente, durante as sessões
psicoterápicas, os ganhos secundários que a doença e seus sintomas lhe propiciam faz com que
ascenda nele o desejo de elaborar uma nova forma de linguagem, e que “ele saia de uma posição
passiva, de vítima, de sofredor, para ocupar uma posição de alguém que deseja entender o porquê de
sua doença ser expressão de si mesmo” (BORGES, 2001, p.269). Complementando ainda:

É esse desejo que faz com que o paciente fique no consultório, pois se antes ele acreditava
que o seu lugar não era ali, agora ele começa a desconfiar que a sua doença pode ter alguma
articulação com a sua história, como o que ele não sabe sobre si mesmo. Essa desconfiança
é provocada pelo terapeuta por meio de intervenções que possibilitarão ao paciente
perceber que agora existe outra escuta. (BORGES, 2001, p.269).

Outra proposta de atendimento aos psicossomáticos é articular as formas múltiplas de


conhecimento entre os profissionais que já atendem ou atenderam o paciente, ou seja, a interlocução
entre os profissionais da saúde, para que assim se tenha um maior entendimento acerca do
funcionamento do paciente, para que ele se sinta acolhido em sua totalidade e não fragmentado em
pedaços (BORGES, 2001). Possibilitar uma “relação semiótica entre corpo e emoção” (BRASIL et
al, 2012, p.331) e o estabelecimento de “pontes entre o físico e o psíquico” (BRASIL et al, 2012,
p.331), auxilia no processo de ressignificação, possibilitando assim dar um novo sentido a sua
história.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dessa revisão bibliográfica foi possível vislumbrar vários elementos envolvidos na
relação mente e corpo, a evolução histórica percorrida até chegar-se a atual abordagem da
psicossomática, os principais conceitos psicanalíticos utilizados na compreensão dos pacientes
psicossomáticos e também as dificuldades encontradas no diagnóstico e tratamento deste.

De acordo com esse estudo, os pacientes psicossomáticos possuem uma desorganização


psíquica devido à falta da capacidade de representação, baixa atividade fantasmática, pensamento
operatório e a incapacidade de entrar em contato e vivenciar seus sentimentos, o que culmina em
descargas pulsionais no corpo, aumentando assim a vulnerabilidade do sujeito para adoecer.

Essa dificuldade de representação e subjetivação do afeto, tende a se apresentar quando há


insuficiência de cuidado afetivo na infância ou ainda por um histórico de vida permeado por
violência, negligência ou dependência do outro (BRASIL et al, 2012). Fatores esses, comumente
encontrados na contemporaneidade caracterizada pela diminuição e superficialidade dos laços
afetivos.
Pode-se concluir afirmando que, através da aceitação do tratamento psicoterápico, o paciente
passa a ter a possibilidade de resignificar o seu sintoma, através da conversação e a escuta
qualificada do terapeuta e suas diversificadas técnicas. “No trabalho clínico com esses pacientes, é
preciso estimular a arte da conversação, mediante abordagens indiretas, interpretações
psicodramáticas, como objetivo de apoiar e estimular a descoberta do prazer do funcionamento
mental” (AISENSTEIN, 2015, p.667), sendo possível dizer que este nem sempre é um caminho
tranquilo, e que cabe ao analista encontrar meios para auxiliar o paciente na reconstrução de seu
aparelho psíquico, fazendo com que ele passe a compreender as causas de seus sintomas,
possibilitando assim, a aceitação de fenômenos que ele rejeita ou desconhece.

Dada a importância do assunto e tendo em vista que as doenças psicossomáticas apresentam-


se atualmente com mais frequência e de formas menos restritas do que as sugeridas na visão de
autores tradicionais psicanalíticos, torna-se importante a busca por mais discussões na área e
estudos envolvendo a origem e desencadeamento dessas doenças associadas ao funcionamento
psíquico desses pacientes. Dessa forma, amplia-se o conhecimento e experiência de estudantes e
profissionais da área da psicologia e da psicanálise, no sentido de propiciar alternativas para o
avanço das formas de intervenções clínicas e o maior sucesso no tratamento desse quadro.

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