Paicofarmaco
Paicofarmaco
Paicofarmaco
PSICOFARMACOLOGIA
TIAGO C. RAMACCIOTTI
RICARDO HENRIQUE-ARAÚJO
EDUARDO PONDÉ DE SENA
gico da esquizofrenia e levando a melhor com- les com histórico de boa resposta e efeitos cola-
preensão da neurobiologia e da neurofarmaco- terais toleráveis durante o tratamento com um
logia da doença.4,5 No entanto, a etiologia preci- APG.
sa da esquizofrenia, incluindo diáteses genéti- Um episódio de esquizofrenia aguda apre-
cas e ambientais, permanece pouco entendida.6 senta sintomas psicóticos graves e pode incluir
Desde a clorpromazina, muitos outros an- alucinações, delírios, desorganização do pensa-
tipsicóticos foram descobertos e comercializa mento, desconfiança e excitação p sicomotora.
dos nas últimas seis décadas. As estruturas Aqui, há necessidade de intervenção rápida,
químicas dos diversos antipsicóticos são muito muitas vezes demandando hospitalização pa-
diversas; contudo, esses fármacos têm ação far- ra proteção do paciente e de terceiros. Há muito
macológica similar ao produzirem bloqueio do se sabe da eficácia dos agentes antipsicóticos
receptor de dopamina D2. Os antipsicóticos são no controle dos sintomas positivos da esquizo-
geralmente classificados como “típicos” e “atípi- frenia, portanto esses agentes terapêuticos são
cos”, com base em seus efeitos clínicos e meca- utilizados no episódio agudo. A capacidade dos
nismo de ação.7 APGs de reduzir os sintomas positivos e o r isco
Os antipsicóticos típicos ou convencionais de recaída contribuiu para os desfechos clínicos
(também chamados de APGs) podem ser classi- de muitos indivíduos com esquizofrenia. No en-
ficados como de baixa potência (clorpromazina, tanto, cerca de 30% dos pacientes com exacer-
tioridazina), média potência (perfenazina, tri- bações psicóticas agudas têm pouca ou nenhu-
fluoperazina) e alta potência (pimozida, flufe- ma resposta aos APGs, e até 50% apresentam
nazina e haloperidol).1 Além disso, podem ser apenas resposta parcial. Além disso, os APGs
divididos de acordo com sua estrutura química, oferecem pouco benefício para melhora dos sin-
conforme listado na Tabela 10.1. tomas negativos ou do comprometimento cog-
Os APGs exibem alta afinidade pelos recep- nitivo.12
tores D2 e são antagonistas totais destes, en- O tratamento de manutenção continuado pa-
quanto os ASGs são antagonistas dos receptores ra indivíduos com esquizofrenia é considerado,
D2, mas têm maior afinidade por outros em geral, como a melhor conduta, para evitar
neurorreceptores, entre os quais os receptores retorno dos sintomas após a resolução dos sin-
(CÓPIA CONTROL ADA)
serotonérgicos 5-HT2A.12 Mais recentemente,
foram desenvolvidos compostos representando
tomas do episódio agudo. O argumento presente
em algumas publicações16-18 é o de que o impac-
variações nessa superfamília dos receptores D2, to a curto e a longo prazos das exacerbações e
por exemplo, os agonistas parciais nos recepto- das hospitalizações no bem-estar dos pacientes
res D2 (aripiprazol e brexpiprazol)13 e compos- justifica os efeitos adversos imediatos e cumu-
tos com seletividade para o receptor dopami- lativos dos medicamentos. Como não existem
nérgico D3 (cariprazina).14 marcadores diagnósticos que distingam entre
Os APGs produzem vários efeitos colaterais, indivíduos que podem manter períodos muito
inclusive síndromes extrapiramidais (SEPs) longos de estabilidade (com remissão dos sin-
agudas, bem como discinesia tardia associada à tomas) na ausência de agentes antipsicóticos
exposição a longo prazo, que são causadas pelo versus aqueles que podem experimentar exacer-
bloqueio das vias nigroestriatais dopaminérgi- bação,19 e uma vez que o impacto da exacerba-
cas. Os APGs de baixa potência têm alta afini- ção é prejudicial e desmoralizante, todos os in-
dade pelo receptor colinérgico M1 muscaríni- divíduos afetados por esquizofrenia crônica são
co, além de produzirem bloqueios de recepto- encorajados a aceitar o tratamento de manuten-
res histaminérgicos H1 e α1-adrenérgicos, re- ção contínuo.
sultando em perfis de efeitos colaterais parcial- O bloqueio permanente dos receptores pode
mente distintos e sobrepostos (p. ex., d éficits causar supersensibilidade, que pode, após a in-
cognitivos e sedação).15 Em grande parte, de- terrupção abrupta dos antipsicóticos, contribuir
vido às SEPs, muitos clínicos argumentam que para a exacerbação rápida e frequente.20,21 Essa
os únicos pacientes para quem os antipsicóti- ideia é apoiada por estudos em roedores que de-
cos típicos são claramente preferíveis são aque- monstram que o tratamento crônico com an-
TABELA 10.1
CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIPSICÓTICOS TÍPICOS CONFORME A ESTRUTURA QUÍMICA
Fenotiazinas alifáticas
Fenotiazinas piperidínicas
Periciazina – – 15-75
Pipotiazina – – 10-20
Fenotiazinas piperazínicas
Butirofenonas
Droperidol 2 1 2,5-10
Tioxantenos
Zuclopentixol 20 50 10-75
(5-HT), quando ativa o heterorreceptor pré- relatos de agranulocitose, levando alguns pa-
-sináptico 5-HT2A, inibe a liberação de dopa cientes à morte.44 Ela causa ganho de peso e dis-
mina (DA). Assim, o antagonismo 5-HT2A do túrbios metabólicos e está associada a aumen-
antipsicótico atípico vai impedir essa inibição, to da incidência de convulsões e miocardite.45
predominando a liberação de DA. Esse efeito Apesar das preocupações em relação à seguran-
compensa a ação do antagonismo D2, o que po- ça, a clozapina é o medicamento antipsicótico
de diminuir efeitos colaterais extrapiramidais, mais eficaz e foi reintroduzida no mercado dos
por exemplo.27,28 Outro aspecto relevante diz Estados Unidos em 1990, mas usada apenas
respeito à rápida dissociação dos antipsicóticos para esquizofrenia resistente ao tratamento.31
atípicos dos receptores D2, favorecendo que os A clozapina sofre metabolismo oxidativo no fí-
receptores fiquem livres para serem estimula- gado, predominantemente pela CYP1A2.46 O ta-
dos também pela DA endógena em algumas ho- bagismo leva a uma potente indução da ativida-
ras do dia, sem comprometer o efeito antipsicó- de enzimática da CYP1A2, o que resulta em ní-
tico.29 Outro aspecto relacionado a alguns an- veis sanguíneos de clozapina significativamen-
tipsicóticos atípicos é o agonismo parcial D2, te menores em fumantes em comparação a não
em que a função dopaminérgica é diminuída, fumantes.47
mas não bloqueada totalmente.30
A clozapina é considerada o protótipo dos
ASGs, demonstrando eficácia elevada sem pro- EFEITOS COLATERAIS DOS
duzir SEPs. Além disso, a clozapina mostrou-se ANTIPSICÓTICOS
superior à clorpromazina na esquizofrenia re-
sistente ao tratamento. No entanto, a clozapina SÍNDROMES EXTRAPIRAMIDAIS
também foi associada a risco elevado de toxici-
dade hematológica potencialmente letal (agra- Parkinsonismo
nulocitose).31 Consequentemente, ASGs adicio- Esse tipo de sintoma extrapiramidal é assim de-
nais foram introduzidos, entre os quais risperi- nominado por ser fenomenologicamente simi-
dona, olanzapina, quetiapina e ziprasidona, no lar aos sintomas de rigidez, tremor, bradicinesia
esforço de manter os benefícios terapêuticos da e instabilidade postural encontrados na doença
(CÓPIA CONTROL ADA)
clozapina sem o risco associado de discrasias
sanguíneas.32,33 O aripiprazol é outro agente far-
de Parkinson. Não obstante o advento da clo-
zapina e de outros agentes antipsicóticos atí-
macologicamente diferente que, às vezes, é con- picos, os agentes antipsicóticos convencionais
siderado um ATG.34 A menor incidência de SEPs (típicos) continuam sendo utilizados. O parkin-
é a principal vantagem dos antipsicóticos de no- sonismo induzido por antipsicóticos é um efei-
va geração em comparação com a maioria dos to adverso altamente frequente. O exame neu-
APGs.35 Entretanto, a maioria dos ASGs tem ris- rológico é geralmente suficiente para a detecção
co maior de causar ganho de peso36 e distúrbios do início do parkinsonismo e deve ser realiza-
no metabolismo glicídico37 e lipídico.38 do com frequência nos primeiros três meses de
Os antipsicóticos atípicos (alguns não dispo- tratamento. Além de diminuir o desconforto do
níveis no Brasil) dividem-se em classes,39 con- paciente, o monitoramento do parkinsonismo
forme mostra a Tabela 10.2. induzido por antipsicóticos também serve para
identificar a dosagem minimamente eficaz ne-
cessária para cada paciente individual. Várias
CLOZAPINA estratégias são utilizadas no manejo do parkin-
A clozapina tem farmacologia muito rica (uma sonismo induzido por antipsicóticos, entre as
forma talvez mais elegante de dizer que é um fár- quais redução da dose, mudança para outros
maco “sujo”, por atuar em diversos receptores). agentes antipsicóticos e uso de medicamentos
Ela atinge receptores adrenérgicos, muscaríni- antiparkinsonianos, como agentes anticolinér-
cos, histaminérgicos, dopaminérgicos e seroto- gicos e amantadina. No Brasil, é comum a utili-
nérgicos. A clozapina foi introduzida na Europa zação da prometazina, um agente anti-histamí-
na década de 1970 e retirada do mercado após nico com propriedades anticolinérgicas, no ma-
TABELA 10.2
CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIPSICÓTICOS ATÍPICOS CONFORME A ESTRUTURA QUÍMICA
Benzodiazepínicos
Indolonas
Benzamidas
Agonistas parciais D2
pressivos e é muito mais frequente com a uti- persistentes, e um aumento subsequente da do-
lização de antipsicóticos, particularmente com se não é apenas ineficaz, mas muitas vezes exa-
os APGs. A distonia aguda causada pelo trata- cerba a acatisia induzida por antipsicóticos52,53
mento medicamentoso pode perturbar grave- ou por inibidores seletivos da recaptação de se-
mente a relação entre médico e paciente e deve rotonina (ISRSs).54 A falha em identificar corre-
ser evitada. Pacientes que desenvolvem postu- tamente a acatisia pode ter implicações catas-
ra anormal ou que apresentam espasmos mus- tróficas, uma vez que o aumento de sua gravi-
culares dentro de sete dias do início da farma- dade tem sido associado ao surgimento e/ou ao
coterapia ou de rápido aumento na dose de agravamento de ideação suicida, agressão e vio-
um medicamento podem ser diagnosticados lência.55
com distonia aguda induzida por tratamento
medicamentoso. Para tratar a condição, é ne- Discinesia tardia
cessário administrar 5 mg de biperideno por A discinesia tardia é uma das complicações mais
via intramuscular; isso é quase sempre efetivo temidas do tratamento com antipsicóticos, em-
em 20 minutos. Os fatores de risco para disto- bora também possa ocorrer com outras classes
nia aguda induzida por medicamentos incluem de medicamentos.56 Ela tipicamente se desen-
idade jovem, sexo masculino, uso de cocaína e volve após meses ou anos de exposição e é ca-
história de distonia aguda. A distonia induzida racterizada por movimentos atetoides ou co-
por medicamentos pode ser evitada adicionan- reiformes involuntários da face inferior, extre-
do-se, durante os primeiros 4 a 7 dias de trata- midades e/ou músculos do tronco. Mais comu-
mento, agentes a nticolinérgicos à farmacotera- mente, tais movimentos apresentam-se como
pia com antipsicóticos ou iniciando-se o trata- caretas, estalos, movimentos da língua e piscar
mento com antipsicóticos atípicos.49 de modo excessivo. Representando d esconforto
maior, os sintomas podem persistir por m uito
Acatisia tempo depois que o medicamento é desconti
A acatisia é um transtorno do movimento carac- nuado e ser permanentes em alguns casos
terizado por sentimentos subjetivos de inquie- (a discinesia com duração inferior a um mês
tação interna ou nervosismo com um desejo ir- após a retirada do antipsicótico pode ser consi
(CÓPIA CONTROL ADA)
resistível de se mover, levando à realização de
movimentos repetitivos, como balanço e cruza-
derada uma entidade clínica separada, a “disci-
nesia de retirada”).57 As estimativas de preva
mento de pernas, oscilação ou mudança persis- lência variam, mas uma grande revisão sistemá
tente de um pé para outro. O primeiro relato de tica de aproximadamente 40 mil pacientes, pu-
acatisia relacionada a medicamentos o correu blicada em 1992,58 sugeriu que cerca de 24% dos
a partir de 1960, quando Kruse50 descreveu pacientes tratados com antipsicóticos tinham
três pacientes que desenvolveram “ inquietação discinesia tardia. Acredita-se que a prevalência
muscular” enquanto tomavam fenotiazinas. tenha declinado desde então, devido ao uso de
A acatisia foi subsequentemente agrupada com medicamentos mais novos e a doses mais mo-
outros transtornos do movimento induzidos deradas. A presença precoce de SEPs é um fator
por antipsicóticos, entre os quais parkinsonis- de risco particularmente útil, justificando a re-
mo e distonia, sob a denominação de SEPs.51 dução da dose ou a substituição do antipsicóti-
A acatisia representa um desafio significati- co antes que a discinesia tardia seja induzida.59
vo na prática clínica. A apresentação clínica da
acatisia pode ser de difícil reconhecimento na- Síndrome neuroléptica maligna
queles pacientes que frequentemente descre- A síndrome neuroléptica maligna é um dos efei-
vem queixas vagas e inespecíficas, como nervo- tos adversos mais perigosos dos antipsicóticos.
sismo, tensão interna, desconforto, inquietação Os sinais da síndrome são febre, instabilidade
e/ou incapacidade de relaxar. Como resultado, autonômica, rigidez e estado mental alterado,
esses sintomas costumam ser diagnosticados associados a leucocitose e elevação da creatino-
erroneamente como ansiedade e/ou agitação fosfoquinase (CPK). A mortalidade foi estimada
em cerca de 5%.60 A síndrome neuroléptica ma- ça articular degenerativa, diabetes melito tipo 2
ligna relacionada a ASGs, particularmente a clo- e suas complicações, doenças c ardiovasculares
zapina, pode ser menos provável de apresentar e cerebrovasculares, bem como alguns tipos de
sinais de parkinsonismo.61,62 As estimativas de câncer e patologias hepáticas e renais. Embora
incidência variam amplamente, com os maio- o ganho de peso comumente acompanhe outros
res estudos recentes relatando taxas de 0,02 efeitos metabólicos colaterais, alterações adver-
a 0,04%.60,63,64 O fator de risco mais importan sas nos lipídeos e sensibilidade à insulina podem
te é história prévia da síndrome. Os fatores de ocorrer independentemente do ganho de peso.68
risco farmacológicos incluem polifarmácia an-
tipsicótica, antipsicóticos de alta potência, ad- Ganho de peso
ministração parenteral, aumento rápido da do- Os antipsicóticos apresentam diversos efeitos
se e uso de aripiprazol, lítio e benzodiazepínicos colaterais. De maneira geral, há uma diferença
(BZDs).60,63,64 Diversas comorbidades médicas, no perfil de tolerabilidade entre os agentes an-
exposição ao calor, desidratação e contenção tipsicóticos típicos e os atípicos, refletindo pro-
também estão associados à síndrome.63,65 priedades farmacológicas distintas.69,70 Os an-
A síndrome neuroléptica maligna é uma tipsicóticos atípicos têm maior propensão a
emergência médica, muitas vezes exigindo cui- produzir ganho de peso e obesidade. Uma me-
dados intensivos. A evidência encontra-se em tanálise36 concluiu que a clozapina e a olan-
relatos de casos, em vez de ensaios clínicos ran- zapina estão associadas a maior ganho de peso,
domizados. Para o psiquiatra, os primeiros pas- com efeitos intermediários demonstrados para
sos são a retirada imediata de todos os antipsi- a quetiapina, a risperidona e a clorpromazina
cóticos e medicamentos relacionados (p. ex., e alterações menores ou mínimas no peso com
metoclopramida), medidas de resfriamento e haloperidol, ziprasidona e aripiprazol. Nessa
transferência para um nível mais intensivo de metanálise,37 foi verificado que ganhos de pe-
atendimento.64 A hidratação intravenosa agres- so em 10 semanas foram de 4,45 kg para a clo-
siva e a correção de desequilíbrios eletrolíticos zapina, 4,15 kg para a olanzapina, 2,10 kg para
são essenciais. Os BZDs podem ser úteis no tra- a risperidona e 0,04 kg para a ziprasidona. Au-
tamento da síndrome e são preferíveis à conten- mentos acima de 4 kg podem representar ganho
(CÓPIA CONTROL ADA)
ção física em pacientes agitados.61 O relaxante
muscular dantrolene e o agonista D2 bromo-
superior a 5% do peso total, o que está associado
a aumento da morbidade e da mortalidade. Es-
criptina estão entre os medicamentos de primei- ses efeitos relativos para os ASGs foram aceitos
ra linha para o tratamento da síndrome maligna por uma conferência de consenso em 2004, que
ou neuroléptica maligna moderada.60 A eletro- enfatizou que a clozapina e a olanzapina não
convulsoterapia (ECT) tem sido usada com su- são apenas diferenciadas dos outros ASGs em
cesso em casos refratários ao tratamento.66 seus efeitos sobre o peso corporal, o diabetes e
a hiperlipidemia, mas também dos agentes an-
tipsicóticos clássicos de primeira geração.71
EFEITOS METABÓLICOS
Muitos medicamentos antipsicóticos estão as- Hiperprolactinemia
sociados, em graus variáveis, a ganho de peso, Há associação entre hiperprolactinemia de lon-
hipertensão e efeitos adversos no m etabolismo ga duração e osteoporose, fraturas do quadril e
de lipídeos e glicose.67 Vários antipsicóticos es- até câncer de mama. Estudos mostram aumen-
tão associados a ganho de peso significativo, e to de risco para o câncer de mama em mulhe-
praticamente todos os antipsicóticos são conhe- res com esquizofrenia de 20 a 42% e de 16% em
cidos por causar ganho de peso entre os jovens.68 usuárias de antipsicóticos antagonistas dopa-
O ganho de peso está entre os efeitos colaterais minérgicos. Queixas de amenorreia também
mais importantes dos antipsicóticos, porque são comuns em pacientes com a doença medi-
é angustiante para os indivíduos e aumenta o cadas com antagonistas dopaminérgicos. A ris-
risco de eventos adversos à saúde, como doen- peridona e a amissulprida apresentam taxas de
tores de risco podem tornar perigoso um pro- tes,92-94 sendo a cetamina um bom exemplo dis-
longamento modesto do intervalo QT, entre so.95
eles bradicardia, hipocalemia, hipomagnese- O restante de tal tópico tenta traçar um pa-
mia, insuficiência cardíaca congestiva, fibrila- norama dos mecanismos de ação implicados
ção atrial, sexo feminino, polimorfismos do ca- nesse processo e as classificações dos fármacos
nal iônico87 e uso crônico de cocaína e álcool.86 de acordo com suas características partilhadas.
Devido ao escopo do capítulo, não serão explo-
radas as idiossincrasias de cada molécula dis-
ponível no mercado nacional.
ANTIDEPRESSIVOS
Conforme mencionado no início deste c apítulo, PRINCIPAIS MECANISMOS DE
o surgimento da clorpromazina na década de AÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS
1950 caracteriza o início da psicofarmacologia
moderna, deflagrando a busca por outros psico- Em geral, os medicamentos listados nesta seção
fármacos que resultou, ainda na mesma década, otimizam a neurotransmissão nas três vias já
na descoberta – por meio do teste de moléculas citadas: a serotonérgica, a noradrenérgica e/ou
estruturalmente similares à clorpromazina – do a dopaminérgica. As formas distintas de atingir
primeiro antidepressivo, a imipramina.88 esses efeitos e os agrupamentos diferentes des-
Esse é o início do uso terapêutico dos antide- sas ações determinam a classe do antidepressi-
pressivos tricíclicos (ADTs), classe da imipra- vo em questão.
mina, para os pacientes com humor rebaixado. No que concerne à via serotonérgica, as prin-
Ao conhecer melhor as outras classes atualmen- cipais ações descritas são: redução da recaptação
te disponíveis de antidepressivos, é p ossível no- da 5-HT por meio da inibição de seu transporta-
tar que os ADTs são, entre as principais, a única dor (SERT), inibição da enzima monoaminoxi-
nomeada por sua estrutura química (possuem dase (MAO), com consequente redução da degra-
três anéis, o que embasou a nomenclatura); to- dação de 5-HT, e modulação dos neurônios sero-
das as demais apresentam nomes em referência tonérgicos mediante a interação noradrenérgica
com os heterorreceptores α2-pré-sinápticos.
(CÓPIA CONTROL ADA)
ao mecanismo de ação proposto. Esse fato, pa-
ra além de mera curiosidade, é importante por A via noradrenérgica, por sua vez, é estimu-
ilustrar a indisponibilidade inicial de informa- lada por meio da redução de recaptação da NA
ções técnicas acerca das substâncias utilizadas pela inibição do transportador de noradrenalina
e sua farmacodinâmica; tais incertezas se in- (NAT), da modulação dos neurônios noradre
serem também no contexto maior de dúvidas nérgicos por antagonismo nos autorreceptores
sobre a etiologia e as alterações biológicas dos α2-pré-sinápticos, bem como da inibição da
transtornos mentais em si. MAO agindo nos mesmos moldes relatados pa-
Contudo, o avanço no entendimento dos cir- ra a 5-HT.
cuitos de neurotransmissão envolvidos na ação Já para a otimização de neurotransmissão da
terapêutica dos antidepressivos ajudou a for- DA, os principais mecanismos implicados são a
mular hipóteses ainda essenciais para o enten- redução de recaptação dessa monoamina pela
dimento atual desses transtornos, como a hi- inibição de seu transportador (DAT) e, mas ape-
pótese monoaminérgica.89-91 Esse foi o pilar de nas em uma área específica do SNC, pelo blo-
todos os tratamentos farmacológicos propostos queio do NAT (i.e., devido à baixa concentração
para a depressão por um bom tempo, com base de DAT no cortéx pré-frontal, é o NAT que exer-
na observação de que as moléculas clinicamente ce essa função para a DA, portanto, aumentando
relevantes atingiam seus efeitos por meio da re- a disponibilidade e o raio de difusão dopaminér-
gulação de vias serotonérgicas, noradrenérgicas gico nessa área cerebral).
ou dopaminérgicas. Atualmente, há outras hi- Ademais, há outros efeitos mediados pelas
póteses em circulação, bem como investimento moléculas não relatados anteriormente que in-
em terapias que atuem mediante vias diferen- terferem em sua tolerabilidade ou seu perfil de
efeitos colaterais, o que será mencionado a se- rica (a iproniazida, primeiro fármaco que teve
guir nos subtópicos de cada classe. seu efeito antidepressivo observado e atribuído
à inibição da MAO, foi descoberta por serendi-
pismo na mesma década da imipramina)102 e,
PRINCIPAIS CLASSES DISPONÍVEIS além disso, partilham com eles o fato de terem
DOS ANTIDEPRESSIVOS eficácia terapêutica confirmada, mas uso práti-
co restrito devido a seu perfil de segurança.
ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS A MAO é uma enzima com dois subtipos, A e
Os fármacos pertencentes a essa classe são ca- B, que apresentam padrão de distribuição dife-
racterizados por, além da estrutura química rente pelo corpo e metabolizam um grupo dis-
já citada, atingirem seu efeito terapêutico por tinto de substâncias. Nosso interesse recai sobre
meio da inibição de recaptação tanto da 5-HT a MAO-A, já que é esse o subtipo implicado no
quanto da NA (agindo no SERT e no NAT con- efeito antidepressivo da classe.103
forme já mencionado).96 Contudo, no caso dos A preocupação clássica com esses fármacos
ADTs, tão importante quanto os mecanismos está vinculada à orientação dietética acerca dos
que geram a ação benéfica é o entendimento do alimentos com tiramina (p. ex., queijos enve-
que medeia seus efeitos colaterais, já que – com- lhecidos), já que a inibição da MAO-A gera di-
provadamente efetivos na depressão – 97,98 esse é ficuldade de processar essa substância, e, caso
o maior impedimento ao uso dos agentes dessa o paciente consuma algum alimento rico nela,
classe na prática clínica.99 Tais características pode haver picos pressóricos com graves reper-
adicionais das moléculas também são o que as cussões clínicas. Essa reação é conhecida como
diferencia dos inibidores da recaptação de se- cheese effect, embora esse não seja o único ali-
rotonina e noradrenalina (IRSNs), ou antide- mento passível de restrição, tampouco todos os
pressivos duais, já que essa outra classe utiliza queijos causem o descontrole tensional.104
os mesmos mecanismos de ação dos ADTs (con- Outra preocupação pertinente em relação à
vém lembrar que, por inibirem o NAT, ambas as utilização dos IMAOs é o uso concomitante com
classes causam otimização da neurotransmis- outros fármacos, marcadamente os ADTs sero-
são dopaminérgica no córtex pré-frontal). tonérgicos (p. ex., clomipramina), pelo risco de
(CÓPIA CONTROL ADA)
Esses efeitos paralelos dos ADTs ocorrem
por sua marcante interferência nas vias colinér-
síndrome serotonérgica,105 e os agentes simpa-
ticomiméticos, pelo risco de crise hipertensiva.
gicas, histamínicas e adrenérgicas (todos em Nesses casos, é interessante, como princípio ge-
bloqueio), o que explica boa parte dos sintomas ral, apenas introduzir IMAO após dias da sus-
adversos mais relatados com os agentes dessa pensão de fármacos como os recém-citados.
classe (p. ex., xerostomia, obstipação, hipoten- Apesar de haver outros fármacos dessa clas-
são postural, taquicardia, ganho de peso e so- se disponíveis no mercado nacional, o medica-
nolência). Entre os efeitos adversos dessa clas- mento de maior interesse psiquiátrico comer-
se, é necessário dar atenção especial para o ris- cializado atualmente é a tranilcipromina.
co cardíaco aumentado devido ao bloqueio dos
canais de sódio sensíveis à voltagem (VSSC) no
coração, o que pode gerar arritmias e constitui INIBIDORES SELETIVOS DA
grande preocupação em caso de intoxicação por RECAPTAÇÃO DE SEROTONINA
ADTs.100,101 Os ISRSs foram, devido a sua tolerabilidade e
São exemplos de fármacos dessa classe a eficácia clínica,106 os principais responsáveis
imipramina, a desipramina, a clomipramina, a pela difusão do tratamento farmacológico para
nortriptilina e a amitriptilina. a depressão.
Apesar de haver particularidades farmaco-
dinâmicas de cada molécula (como é o caso,
INIBIDORES DA MONOAMINOXIDASE p. ex., da interação com o σ1 descrita na fluvo-
Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) xamina), o mecanismo antidepressivo caracte-
competem com os ADTs em importância histó- rístico dessa classe é a inibição do SERT.
( C Ó P I A C O N T R ANSIOLÍTICOS
CARBAMAZEPINA E OXCARBAZEPINA O L A D A )E HIPNÓTICOS
Esta seção envolve fármacos cujas finalidades
A carbamazepina e a oxcarbazepina são medi- prioritárias na psiquiatria são os efeitos sobre
camentos estruturalmente similares; contudo, a ansiedade (ansiolíticos) e a indução do so-
a diferença sutil em suas estruturas químicas no (hipnóticos). Alguns deles apresentam um
é responsável por melhorar a tolerabilidade da desses efeitos terapêuticos (p. ex., o zolpidem
segunda em relação à primeira. Ademais, é im- é apenas indutor do sono), ambos os efeitos
portante frisar que outra diferença essencial en- (p. ex., o clonazepam e o diazepam são ansiolíti
tre esses medicamentos é que a carbamazepina cos e sedativos) ou, ainda, outros efeitos adicio-
tem eficácia comprovada na polaridade positiva nais aos recém-citados (p. ex., os BZDs também
do transtorno bipolar, enquanto a oxcarbazepi- têm ação anticonvulsivante e de relaxamento
na não tem essa comprovação. muscular). É importante que a prescrição para
Deve-se evitar associar a carbamazepina tratar transtornos psiquiátricos não se baseie
com a clozapina, devido ao risco hematológico exclusivamente nesses medicamentos, deven-
oferecido por ambas. do-se buscar aqueles que são de primeira linha
para esses quadros, e que sejam instituídas es-
tratégias não farmacológicas (psicoterapia e
LAMOTRIGINA higiene do sono). Destarte, reserva-se aos an-
siolíticos/indutores do sono a utilização prefe-
A lamotrigina é o único anticonvulsivante que, rencialmente por curtos períodos e nas meno-
em vez da polaridade positiva, é efetivo para o res doses possíveis, principalmente no caso dos
BZDs e das drogas-z. A Tabela 10.3 apresenta a de 1960.138 A partir daí, vários outros foram lan-
equivalência de dose, a meia-vida e a faixa tera- çados e são muito utilizados até os dias atuais.
pêutica dos ansiolíticos e hipnóticos. O largo repertório de condições psiquiátricas
e clínicas que podem ser tratadas com BZDs
(transtornos de ansiedade, fobias, agressivi
BENZODIAZEPÍNICOS dade, efeito agudo de substâncias e stimulantes,
sia, insônia, epilepsia, quadros espásti
acati
Um número considerável de medicamentos faz cos, abstinência de álcool e sedação para proce
parte dessa classe farmacológica. O clordiaze- dimentos médicos)139-141 e o uso e a prescrição
póxido foi o primeiro deles, comercializado des- excessivos, sobre os quais se faz necessário um
TABELA 10.3
EQUIVALÊNCIA DE DOSE, MEIA-VIDA E FAIXA TERAPÊUTICA DOS ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS
Flurazepam
( C Ó P I25-114
A C O N T 15R O L A D A15-30
)
Lorazepam 8-20 0,5-1 1-10
Drogas-z
* Na síndrome de abstinência de álcool, podem ser necessárias doses de 60 mg/dia ou até mesmo superiores.
Fonte: Cordioli e colaboradores,10 Bernik e Corregiari,131 Lader,132 Sordi e colaboradores,133 Hara e colaboradores,134 Brett e
Murnion,135 Ochoa e Kilgo,136 e Henrique-Araújo e colaboradores.137
esclarecimento de longo alcance dirigido à po- dência química, com evidente desenvolvimento
pulação em geral e aos médicos no sentido de de tolerância e síndrome de abstinência.138,148,149
evitá-los, concorrem para o amplo emprego des- Vários efeitos colaterais podem decorrer do uso
ses agentes. de BZDs, como modificações na arquitetura do
Os BZDs apresentam em sua estrutura quí- sono, prejuízos nas funções motoras e cogniti-
mica um anel benzênico que se liga a um anel vas, quedas e acidentes, que podem ser particu-
diazepínico e, em conjunto com um grupamento larmente preocupantes em idosos e em pessoas
5-arila, constituem o 5-aril-1,4-benzodiaze- que exerçam atividades que envolvam condu-
pínico.142,143 Essa classe de medicamentos age ção de veículos.149,150
sobre o ácido γ-aminobutírico (GABA), neuro-
transmissor inibitório fundamental do SNC, e
eleva sua atividade em importantes áreas na re- AGONISTAS DOS RECEPTORES
gulação de estados emocionais, a saber: amígda BENZODIAZEPÍNICOS
la, córtex pré-frontal e alças corticoestriadas-
-talâmicas-corticais.144 Os BZDs atuam nos re- Os medicamentos desse grupo, chamados de
ceptores GABAérgicos, sobremaneira nos recep drogas-z, são também conhecidos como hip-
tores GABA-A (ionotrópicos), modulando-os nóticos GABAérgicos não BZDs. Modulam a li-
alostericamente, ou seja, mediante ligação em gação do GABA no receptor GABA-A,151 a par-
um local diferente do agonista no complexo tir de modulação alostérica, assim como os
receptor. Por meio dessa ligação, ocorre a am- BZDs.140,147 Comparados aos BZDs, as drogas-z
pliação da condutância de íons cloreto pelo canal são mais seletivas em nível da subunidade al-
iônico,144,145 gerando a hiperpolarização da mem- fa, o que, em associação a meia-vida mais curta,
brana e, por consequinte, a redução da geração confere a esses agentes possível maior seguran-
dos potenciais de ação (efeito inibitório).145 ça quanto à fadiga no dia seguinte.150
Os BZDs diferem entre si por c aracterísticas O zolpidem é considerado mundialmente
tanto farmacocinéticas quanto farmacodinâmi o mais prescrito do grupo152 e, no Brasil, exis-
cas. Os efeitos predominantes (ansiolítico, hip- te em várias apresentações que variam entre 5 e
nótico, miorrelaxante, anticonvulsivante e am- 12,5 mg, de liberação imediata ou controlada e
(CÓPIA CONTROL ADA)
néstico), do mesmo modo, são peculiares a ca-
da medicamento146 e decorrem do subtipo de re-
para uso por via oral ou sublingual, e a escolha
deve ser feita de acordo com as características
ceptor GABA-A (determinado a partir das sub da insônia. A apresentação de liberação imedia-
unidades α, β, γ e δ que formam suas estruturas ta pode ser utilizada em horário próximo ao dei-
pentaméricas) que é alvo da ação do fárma- tar à noite, para facilitar a indução do sono; em
co.136,145 O conhecimento das características de padrões de despertares ao longo da madrugada,
cada BZD permite que o médico escolha o mais deve ser dada preferência às apresentações de
adequado, considerando o efeito desejado, a liberação controlada ou, ainda, pode ser utiliza-
partir do quadro a ser tratado, e o perfil de se- da a apresentação de liberação imediata no mo-
gurança. mento da interrupção do sono (quando ainda há
A via hepática de metabolização é a pre- pelo menos quatro horas para dormir, ressal-
ponderante, geralmente por meio das enzimas tando-se que essa estratégia está mais relacio-
2C19 e 3A4.133,147 Em hepatopatas, o oxazepam nada a efeito residual no período matutino).151
(indisponível no Brasil) e o lorazepam (dispo- As drogas-z são capazes de gerar um sono
nível no Brasil apenas por via oral) devem ser cuja arquitetura é mais próxima do sono natu-
priorizados, pois são metabolizados apenas pe- ral.140,153 A princípio, foram consideradas como
lo mecanismo de fase II (conjugação) e não ge- de elevada segurança, mas foi identificado pos-
ram metabólitos ativos.133 teriormente que tais agentes requerem cuida-
Alguns problemas podem estar associados dos no uso, em qualquer circunstância, e, com
aos BZDs, sobretudo diante de uso indiscrimi- maior importância, na população idosa, levan-
nado. São capazes de induzir quadros de depen- do em conta, sobretudo, o risco de quedas.154
tanto de quantidade quanto de número de dias ca congestiva aguda, perda de consciência, con-
do ato de beber.157,160 Efeitos significativamente vulsões, coma e morte.157,165
favoráveis à naltrexona em comparação ao pla- O dissulfiram apresenta um mecanismo adi-
cebo foram evidenciados por meio de metaná- cional de inibição da DA β-hidroxilase, que ca-
lise para a diminuição da autoadministração talisa a conversão da DA à NA. Por conseguinte,
do álcool e para a redução do craving em hu- há elevação por acúmulo de DA em nível cen-
manos no contexto de laboratório.160 Em outra tral e periférico,157,159,165 o que pode colaborar
metanálise, foi encontrada proteção contra re- para os efeitos benéficos do fármaco quanto a
tornos ao consumo pesado (number need to treat quadros de dependência de cocaína, mesmo que
[NNT] = 12) quando a naltrexona foi usada na não haja comorbidade com o uso problemático
dose de 50 mg/dia.161 Para os indivíduos que de álcool. O aumento da DA evita o rápido de-
não respondem a doses habituais de 50 mg/dia, créscimo desse neurotransmissor no sistema
é possível que doses maiores, 100 mg/dia, pro- nervoso após a interrupção do uso da cocaína,
duzam melhores desfechos.162 Além da apre- evitando a fissura e a anedonia. Já durante a in-
sentação de comprimidos de 50 mg para uso toxicação aguda, o dissulfiram pode gerar efei-
diário por via oral, existe a formulação de depó- tos desagradáveis pelo acentuado acúmulo de
sito de 380 mg (não disponível no Brasil) para DA decorrente das ações conjuntas com a co-
aplicação intramuscular em pacientes que apre- caína.165,166 Uma pesquisa com uma pequena
sentam dificuldade de adesão.163 amostra encontrou que, na presença do dissul-
A naltrexona apresenta aplicabilidade na de- firam, as concentrações sanguíneas de cocaína
pendência de opioides, mas requer alguns cui- atingiram níveis mais elevados, por mecanis-
dados para essa finalidade, como não iniciar mos que não foram esclarecidos.167
o uso antes de uma semana da superação dos A prescrição do dissulfiram, para qualquer
sintomas de abstinência. Há risco potencial de uma das situações descritas, deve estar atrela-
overdose em pacientes que descontinuam a nal- da à assinatura de termo de consentimento e a
trexona e recaem no uso de opioide, após longo orientações sobre a interação com o álcool (evi-
período de abstinência, devido à perda da tole- tar o uso/consumo de bebidas, alimentos, pro-
rância. Por fim, as taxas de continuidade no tra- dutos de higiene pessoal e perfumaria e produ-
tempo médio para o primeiro consumo.170 Jonas captação de NA e DA (produz efeito estimulante
e colaboradores161 encontraram em metanálise semelhante ao da nicotina, em um mecanismo
que o acamprosato preveniu qualquer consu- de simulação), promove inibição não competi-
mo de bebida alcoólica (NNT = 12). A posolo- tiva em diversos receptores colinérgicos nico-
gia padronizada do acamprosato é de dois com- tínicos (α7, α4β2, α3β4, entre outros), e a so-
primidos de 333 mg, três vezes ao dia para peso ma dessas ações parece relevante para a eficá-
corporal acima de 60 kg, com doses mais baixas cia antitabagística, com resultados positivos em
em casos de insuficiência renal (o uso não é re- pesquisas envolvendo modelos animais e hu-
comendado em quadros de prejuízo renal gra- manos.171,176 Um estudo ainda evidenciou que,
ve).163,169 em ratos, a bupropiona ocasionou inibição dos
efeitos da nicotina nos neurônios da ATV e au-
mentou a liberação de DA via bloqueio de recep-
NICOTINA tores nicotínicos não α7 em neurônios GABAér-
gicos, colaborando possivelmente para o suces-
A terapia de reposição de nicotina (TRN) cria so no controle do tabagismo.177 Uma metanálise
a oportunidade de manutenção da autoadmi- revelou que a associação de bupropiona e TRN
nistração de nicotina sem a exposição aos de- foi mais exitosa que o tratamento apenas com
mais produtos nocivos decorrentes da reação de bupropiona.178
combustão associada ao tabagismo. A oferta da
nicotina é feita normalmente em concentrações
um pouco menores que as consumidas por meio VARENICLINA
dos cigarros, em processo de decréscimo a mé-
dio e longo prazos e em apresentações que per- É um agente não nicotínico que, com eleva-
mitem liberação mais lenta171 – até mesmo as da afinidade e seletividade, atua como agonis-
versões em gomas de mascar, spray nasal, ina- ta parcial dos receptores nicotínicos colinérgi-
ladores e pastilhas liberam nicotina mais lenta- cos α4β2, que são os principais responsáveis pe-
mente que o cigarro.172 los efeitos aditivos da nicotina, por sua carac-
Atualmente, a reposição de nicotina está dis- terística de mediar a liberação de DA na ATV.
(CÓPIA CONTROL ADA)
ponível em adesivos transdérmicos (liberação
mais longa), gomas de mascar, pastilhas, ina-
A vareniclina reduz a liberação de DA em 35 a
60% do observado com a ocupação pela nicoti-
latório e spray nasal (os dois últimos não estão na.171,179-181 Mediante agonismo parcial, há alí-
disponíveis no Brasil), e essas apresentações vio tanto dos sintomas de abstinência quanto
podem ser usadas isoladamente ou em combi- dos relacionados à fissura. Por ocupar os recep-
nação. As melhores evidências de encontram- tores, a vareniclina bloqueia os efeitos da nicoti-
-se nos adesivos transdérmicos e nas gomas de na (em situações de lapsos no tabagismo) e, as-
mascar, e as piores, no spray nasal.172,173 O uso sim, reduz o efeito de recompensa, minimizan-
combinado de adesivos com alguma apresenta- do a satisfação e o reforço e, consequentemen
ção de liberação mais rápida pode promover re- te, a continuidade no consumo.171,180,182 A vare
sultados ainda mais promissores.174,175 niclina tem ação agonista total nos receptores
nicotínicos homoméricos α7, que também con-
tribuem para a liberação de DA decorrente dos
BUPROPIONA efeitos agudos da nicotina; essa ação parece co-
laborar para o efeito antitabagístico.180 Apre-
Pertence à classe dos antidepressivos e tem efi- senta baixo nível de ligação a proteínas plasmá-
cácia sobre o tabagismo, o que independe da ticas (menos de 20%). É pouco metabolizada e
presença de quadro depressivo comórbido. Foi excretada em maior parte de forma inalterada
o primeiro medicamento não nicotínico insti- pela via renal.180,181
tuído para a dependência de nicotina, atuando Por meio de ensaios clínicos, foram encon-
em vias de neurotransmissão relacionadas ao tradas taxas maiores de interrupção do taba-
quadro. Além do mecanismo de inibição da re- gismo ao longo de semanas a meses no grupo
nismos possivelmente implicados e as dúvidas 14. Durgam S, Starace A, Li D, Migliore R, Ruth A, Nemeth G, et al.
An evaluation of the safety and efficacy of cariprazine in patien-
subsequentes a essa mesma complexidade e ri- ts with acute exacerbation of schizophrenia: a phase II, rando-
queza. Portanto, o prescritor deve estar atento a mized clinical trial. Schizophr Res. 2014;152(2-3):450-7.
esses diversos aspectos quando da formulação 15. Hill SK, Bishop JR, Palumbo D, Sweeney JA. Effect of second-
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sível, racionalizar a escolha dos medicamentos 16. Correll CU, Solmi M, Veronese N, Bortolato B, Rosson S, Santo-
de modo a potencializar os efeitos desejados na nastaso P, et al. Prevalence, incidence and mortality from car-
menor quantidade possível. diovascular disease in patients with pooled and specific seve-
Além disso, devemos considerar sempre os re mental illness: a large-scale meta-analysis of 3,211,768 pa-
tients and 113,383,368 controls. World Psychiatry. 2017;16(2):
aspectos socioculturais de que se imbui a práti- 163-80.
ca clínica, visto que a utilidade dos fármacos es- 17. Goff DC, Falkai P, Fleischhacker WW, Girgis RR, Kahn RM,
tá atrelada não só a sua eficácia, mas sobretudo Uchida H, et al. The long-term effects of antipsychotic medi-
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