Psicanalitica 2007
Psicanalitica 2007
Psicanalitica 2007
EDITORES
COMISSO EDITORIAL
DIRETOR DA BIBLIOTECA
SECRETARIA ADMINISTRATIVA
SUPERVISORA
SECRETRIA
ASSISTENTE ADMINISTRATIVO
Loretta Passaro
Selma Pereira Conceio
Agnaldo Marins Teixeira
EDITORAO ELETRNICA E
PRODUO GRFICA
29.11.2007, 09:27
CONSELHO DIRETOR
PRESIDENTE
SECRETRIA E VOGAL ASSOCIADO
TESOUREIRA
VOGAL EFETIVO
Alexandre Kahtalian
Maria Aparecida Duarte Barbosa
Maria Ins Pinto MacCulloch
Rosa Sender Lang
COMISSO CIENTFICA
Veronica Portella Nunes
Isis de Souza Figueiredo
Sandra Maria Martins Pereira
Thereza Christina Rosa Pegado Ribeiro
Vanja Rodrigues Mattos
DIRETORA
MEMBROS
29.11.2007, 09:27
Sumrio
Editorial ....................................................................................... 5
Entrevista Charles Hanly ............................................................ 9
ARTIGOS
A influncia alem na
psicanlise no Rio de Janeiro ................................................... 39
Hans Fchtner
Principais Contestaes da
Psicanlise na Atualidade .......................................................... 71
Alexandre Kahtalian
Scheherazade, a mulher-menina ou
a princesa que encantou o sulto ............................................... 77
Ambrozina Amalia Coragem Saad
ARTIGOS INTERNACIONAIS
29.11.2007, 09:27
O discurso multidisciplinar
sobre o tema obesidade ............................................................ 151
Terezinha de Souza Agra Belmonte
ENSAIOS
MONOGRAFIA
HOMENAGEM
RESENHAS
29.11.2007, 09:27
Editorial
29.11.2007, 09:27
29.11.2007, 09:27
29.11.2007, 09:27
29.11.2007, 09:27
ENTREVIST A*:
Charles Hanly
29.11.2007, 09:27
10
10
29.11.2007, 09:27
11
11
29.11.2007, 09:27
12
12
29.11.2007, 09:27
13
13
29.11.2007, 09:27
14
14
29.11.2007, 09:27
15
15
29.11.2007, 09:27
16
16
29.11.2007, 09:27
ARTIGOS
17
29.11.2007, 09:27
18
29.11.2007, 09:27
O analista como
objeto persecutrio*
Maria Ins Neuenschwander Escosteguy Carneiro**
Resumo
Atravs de um caso clnico, a autora procura demonstrar como a
relao primitiva dominante, correspondendo quele padro que
mais se repete na relao me-beb, se impe na transferncia, em
busca de solues para os impasses dos encontros primitivos. Tal
repetio na transferncia pode ser to intensa, o objeto-analista
to idealizado , o controle e a onipotncia to agudos, que tornam
as anlises de pacientes desse tipo s vezes impossveis, quando
alguma ameaa externa de fato acontece.
Unitermos: relao primitiva dominante; impasses relacionais;
objeto persecutrio.
**
Primeira verso desse trabalho publicada no Boletim Cientfico 18, 1996, Sociedade
Brasileira de Psicanlise do Rio de Janeiro.
Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanlise do Rio de Janeiro.
19
19
29.11.2007, 09:27
Summary
Through the description of a clinical material the author formulates
the hypothesis of a pattern, in the primitive mother/child relation,
which is mostly repeated there and which the author calls the
domineering primitive relation. Such pattern comes to the fore in
the transference as a possibility for solving primitive impasses.
Nevertheless, the repetition of such a pattern in the transference
can be so intense, the analyst so idealized, control and omnipotence
so acute that sometimes the whole analytical process becomes
impossible, mainly in cases when an external threat really occurs.
Key-words: domineering primitive relation; relational impasses;
persecutory
20
20
29.11.2007, 09:27
21
21
29.11.2007, 09:27
22
22
29.11.2007, 09:27
Uma das hipteses que fao para o caso clnico aqui relatado a de que
tal transio no pde ocorrer na vigncia contempornea da relao me/
beb, gerando uma inexorabilidade na repetio desse modelo primitivo,
o dos objetos persecutrios.
Pessoas com tais caractersticas paranides desenvolve, ao longo da
vida, um agudo senso de observao do mundo externo, para control-lo
e, assim, onipotentemente, minimizar suas ansiedades. Acredito que no
chegam a formar uma organizao patolgica, como diz Steiner (15), onde
h um enrigecimento defensivo entre as posies, ou no interior de uma
ou de outra. As defesas, como no caso aqui apresentado, no so rgidas,
ao contrrio, afrouxam-se a qualquer ameaa e aumentam o pnico.
Entretanto, o sentido de realidade freqentemente distorcido, o que faz
com que o mundo externo seja visto pela tica do ser ou no persecutrio,
apenas, e a repetio de um impasse relacional primitivo o resultado .
Como sabemos que, desde o princpio do desenvolvimento, h constante
interao entre o interno e o externo, fcil entender o porqu dessa tica
distorcida: apenas quando o objeto vivido como um todo e, como tal, amado
e sentido como confivel, que a falta pode ser sentida como um todo, e no
apenas como sinal de um objeto mau e perseguidor. Se as dificuldades na
introjeo de um objeto bom inteiro e reparado no se amainaram, o modelo
relacional que o sujeito levar ser o dos objetos persecutrios.
A anlise do mundo interno , portanto, a anlise das relaes de
objetos internos, dever centrar-se em explorar tais relaes e as
maneiras pelas quais o paciente resiste, alterando essas relaes internas
inconscientes para as experincias presentes, diz Ogden (11). Essa uma
clara compreenso sobre o que dever ocorrer num processo psicanaltico.
Nesse mesmo trabalho de 1983, Ogden(11) refere-se ao fato de Melanie
Klein misturar idias de que as relaes de objetos internos so fantasias
e, ao mesmo tempo, relaes entre duas instncias com capacidade para
sentir, pensar, perceber, etc. Parece-me que seria mais prprio considerar
uma relao entre fantasias inconscientes. Nesse tipo de pacientes, existe
uma equiparao do objeto s fantasias a ele relacionadas. No h uma
simbolizao desenvolvida o suficiente para representar mentalmente o
objeto, como mostra Segal (14), mas sim, uma equao simblica, a
equiparao do objeto s fantasias a ele relacionadas. Portanto, os objetos
tornam-se altamente ameaadores . Na transferncia, espera-se que o
analista esteja integrado o suficiente para receber as projees de seus
pacientes e process-las, devolvendo-as, pelas interpretaes, de maneira
menos ameaadora. Em certos casos, como no que relatarei, as experincias
23
23
29.11.2007, 09:27
24
24
29.11.2007, 09:27
25
25
29.11.2007, 09:27
b) As entrevistas
Chega pontualmente e cumprimenta-me com educao, at mesmo com
formalidade e pompa, curvando a cabea. Sua postura poderia ser descrita
como a de quem vai tratar de negcios .Tem aparncia cuidada, veste-se
com simplicidade, com barba cerrada e longa e cabelos grisalhos. Parece
desenvolto, exatamente o oposto da precria comunicao da ficha
.Todavia, h algo em toda essa atmosfera atenuante que transmite extrema
26
26
29.11.2007, 09:27
27
27
29.11.2007, 09:27
28
28
29.11.2007, 09:27
29
29
29.11.2007, 09:27
30
30
29.11.2007, 09:27
31
31
29.11.2007, 09:27
d) As frias
Nas semanas antes das frias, as sesses de Oscar mudam de tom e so
francamente queixosas: so queixas do trabalho, da ex-mulher, da
namorada, dos pais. Deseja que algo acontea, que no o faa dependente
da namorada, para que possa viver a prpria vida. Digo a ele que a
iminncia das frias faz com que ele fique apreensivo, pois sente-se to
dependente de mim, que se v sem vida prpria se eu no estiver disponvel,
ao que responde que depender, em qualquer modalidade, extremamente
humilhante. E Oscar, que afirmara no sonhar nunca e no se lembrar de
sonhos, trs dias antes de minha sada , traz o primeiro sonho: Sonhei
com um filhotinho de collie . Voc conhece collie? um cachorro bobo.
Demanda cuidados constantes, seno fica com um cheiro insuportvel.
um cachorro muito trabalhoso. Bom, no sonho o tal filhote estava solto
pela rua, indefeso e eu, na calada fazia sinais para os carros, para no
atropelarem o cachorro. No sei se consegui, pois acordei. evidente
que Oscar sente-se francamente desprotegido com meu afastamento,
merc de desastres e atropelos, que fazem parte de seu mundo interno
32
32
29.11.2007, 09:27
e) Os antecedentes da interrupo
Na volta das frias, Oscar est francamente ressentido: continua a se
queixar, ora do chefe, que est impondo uma mudana que no interessa
a ele; do pai, que no emprestou dinheiro; da me, que provavelmente foi
quem proibiu; das filhas, que esto desrespeitosas...Diz: Tem alguma coisa
errada comigo, no sei o que . Nesses dias sem anlise, eu no sei muito
bem como explicar isso... eu tentava me distanciar de mim mesmo, me
olhar de fora, e me perguntava: Eu sou s isso? S isso? S queixas e
mgoas, mais nada? Mostro que ele teme me enxergar somente com os
olhos da mgoa e do ressentimento, e ao me reencontrar, s enxergar a
analista que o abandonou. Conta, ento, um episdio ocorrido nas frias:
escrevera irm, que mora em outro pas, pedindo US$ 5,000
emprestados. Ela negou, mandando um carto em preto e branco, de uma
guia, com os dizeres: Aos meus amigos, dou at a minha roupa. Mas
voc nunca foi meu amigo. Uma ave de rapina! Ela me comparou a uma
ave de rapina! Juro que vou colocar numa moldura para nunca mais
esquecer. Eu no quero jamais esquecer. Digo a Oscar que ele est me
vendo e sentindo dessa forma, como uma ave de rapina, que levou consigo
a capacidade dele de se proteger, abandonando-o merc dos medos e
ressentimentos. Sente que eu no fui amiga dele. Na verdade, Oscar ouviu
da irm, da maneira mais penosa e crua,uma referncia maneira pela
qual se relaciona com as pessoas: tenta control-las onipotentemente,
exigindo que o sirvam. Os dias que se seguiram foram raivosos. Oscar falava
com os dentes trincados sobre qualquer assunto. Tal raiva era sinal, me
parece, de outro sentimento: o de perceber-se incapaz at mesmo de
manter um bom objeto dentro dele, o que configuraria uma dependncia
benigna e criativa. Minha ausncia potencializou o contato com o aspecto
que caracterizou como humilhante, a dependncia . A recusa da irm,
acusando-o, mobilizou seu dio ao objeto. Como suas figuras parentais
internas so cheias de descaso e egosmo , eu tambm estava me tornando
assim: no me importei com ele, abandonei-o, deixando-o exposto a
sentimentos vorazes, atacadores dele prprio, que esto constantemente
projetados nos objetos, os quais tenta controlar, com a onipotnca que
33
33
29.11.2007, 09:27
atribui sua raiva. Como tal defesa s eficaz na sua fantasia, o resultado
esse ressentimento constante em que vive, sua pobreza interna, sempre
se sentindo roubado, incompreendido.
f) A interrupo
Nesse momento delicado e intenso da anlise de Oscar, precisei cancelar
duas sesses, pois minha filha adoecera e precisou ser hospitalizada. No
encontrei Oscar e deixei um recado na secretria eletrnica, informando
que no compareceria . Oscar telefonou quatro vezes, at conseguir falar
comigo, pois ligara para minha casa, e quem o atendeu informou que eu
estava no hospital com minha filha. Est , ao telefone, muito aflito,
perguntando se estava tudo bem, para minha surpressa perguntando-me
sobre minha filha. Eu no sabia que fora informado da hospitalizao. Digo
a ele que minha filha estivera doente, mas que j estava bem, e que, no dia
seguinte, retomaramos nosso trabalho. Quando retorno, Oscar me olha
com muita preocupao, pergunta-me mais uma vez pela minha filha. Digo
que j est bem e agradeo. Ento, deita-se, e sua primeira comunicao
a seguinte: Hoje acordei pensando na minha me. Quando eu era
pequeno, com uns dois anos mais ou menos, ela viajou com o meu pai por
trs meses, pela Europa. Minha av ficou comigo. Quando ela voltou, ,
enderecei uma vingana para ela. Eu perguntei: Quem essa moa?
Sabe, ela nunca esqueceu disso. Mostro a Oscar que esse sentimento de
vingana muito atual, pois para ele eu tambm no soube cuidar dos
filhos, deixando-os adoecerem, ficarem ressentidos, me ausentando...
Oscar diz que tem o pressentimento de que todos os seus problemas
vm da me, pois no se lembra de ter sido cuidado, nem mesmo
amamentado. E imagino Oscar, na sua raiva infantil, exasperado de dio,
prescindindo fantasiosamente dos cuidados maternos, exatamente por
desej-los tanto! Nessa mesma semana, relata o seguinte sonho: Tive um
sonho engraado... era mais engraado que outra coisa... Eu estava indo
a um mdico, no me lembro por causa de que doena. Tinha um elevador
mnimo, que me deixava espremido. Na sala do mdico tinha duas
mulheres, tambm vestidas de branco. Sentaram-se junto a mim, uma
de cada lado. Uma me acariciava a mo, colocava sobre a barriga dela,
me pareceu uma coisa assim sexual, de marido e mulher, sabe? Eu at
gostava. Quando o marido sente o beb, sabe? A outra, em compensao,
pegou uma seringa e veio me aplicar uma injeo. Eu disse: Ei! Eu tenho
uma consulta, calma! Ela respondeu que eu tinha que tomar aquilo e foi
me dando a injeo. Nem tive tempo de perguntar se a agulha era limpa.
34
34
29.11.2007, 09:27
35
35
29.11.2007, 09:27
36
36
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliogrficas
1. BION, WR. (1962). Learning from Experience. London,Heinemann.
2. BRIERLEY, M. (1942) Internal Objects and Theory .IJP, 23,107-112.
3. FAIRBAIRN, WRD. (1943) . La Represin y el Retorno de los Objetos malos:
con especial referencia a las neurosis de Guerra. Revista de Psicoanalisis,
vol5,# 1,p. 225-227, Buenos Aires, 1947.
4. FREUD, S. (1900/1901) The interpretation of Dreams . SE 4-5.
5. ______(1917/1915). Mourning and Melancholia S.E. 14.
6. HEIMANN, P. (1942). A Contribution to the Problem of Sublimation and its
Relation to Processes of Internalization. IJP, 23, 8-17.
7. KLEIN, M. (1935). A Contribution to the Psychogenesis of Manic-Depressive
States . IJP, 16, 145-174.
8. __________ (1945). The Oedipus Complex in the Light of early anxieties. IJP
26, 11-33.
9. MEISSNER, W.W. (1980). The Problem of Internalization and Structure
Formation . IJP , 61, 237-248.
10. MUNRO, L. (1952). Clinical Notes on Internalization and Identification . IJP,
33, 132-143.
11. OGDEN, T. (1983). The Concept of Internal Object Relations . IJP , 64:227-241.
12. Riesenberg-Malcolm R. (1999) . On Bearing Unbearable States of Mind. The
constitution and operation of the superego, p. 53-70, Routledge, London.
13. RIVIERE, J. (1991). The Inner World and Joan Riviere. Collected Papers 19201958, p. 302, Karnac Books, London .
37
37
29.11.2007, 09:27
38
38
29.11.2007, 09:27
Resumo
O autor aborda a questo da influencia da psicanlise de lngua alem
no Brasil, depois de mencionar algumas dificuldades para pesquisar
a Psicanlise no pas. Mostra a importncia dos primeiros psiquiatras
brasileiros interessados na psicanlise, que leram Freud no original,
e quais foram as primeiras tradues em portugus dos textos de
Freud. Inclui caracterizaes dos alemes mais importantes para o
desenvolvimento da psicanlise, em So Paulo e no Rio de Janeiro,
com destaque para Adelheid Koch e o casal Werner e Katrin Kemper.
Finaliza apresentando aspectos atuais do tema.
Summary
The author investigates the role of the influence of German-language
psychoanalysis in Brazil, after elaborating some difficulties in
researching the history of psychoanalysis in the country. He shows
the importance of the first Brazilian psychiatrists interested in
psychoanalysis, who read Freud in the original, and who were the
first translators of Freud into Portuguese. The most important
German analysts for the development of psychoanalysis in Rio de
Janeiro and Sao Paulo are portrayed, especially Adelheid Koch, and
couple Werner and Katrin Kemper. Finally he points out the
contemporary relevance of the topic.
*
**
39
39
29.11.2007, 09:27
Observaes gerais
Farei primeiro algumas observaes gerais sobre as dificuldades de se
pesquisar a psicanlise como cientista social. No algo fcil. E no somente
no Brasil. As instituies psicanalticas no gostam de dar informaes e
muito menos de permitir o acesso aos documentos existentes. Isso
naturalmente um erro delas, embora compreensvel. de supor que os
psicanalistas receiem um resultado do tipo que a poetisa inglesa Edith Sitwell
(1887 1964), ironizando o servio do pesquisador, formulou. Ela disse
que a diferena entre a lavagem numa lavanderia e uma pesquisa por
historiadores que, freqentemente, se recebe de volta o material entregue
aos historiadores mais sujo do que antes. Talvez por isso muitos psicanalistas
no gostem de pesquisas histricas exatas. E at achem prefervel esconder
o material sujo ou tentem censurar os documentos existentes. Mas,
justamente psicanalistas deveriam saber que s a verdade pode libertar.
Na Histria da Psicanlise h exemplos famosos como a primeira edio
censurada e incompleta da troca de cartas de Freud e Wilhelm Fliess. Prova
que censurar documentos pode prejudicar muito mais a psicanlise do
que liberar um material com todos os seus prs e contras. Esconder e
censurar favorece sempre a longo prazo os inimigos da psicanlise.
Neste contexto posso mencionar que pesquisando a psicanlise no Brasil
fiz uma experincia extraordinria. O ensaio que escrevi h uns anos atrs
sobre Werner Kemper, o fundador da SPRJ, sofreu trs tentativas de
censura (Fctner, 2000). Uma no Brasil, uma na Alemanha e uma na
Frana. Consegui driblar todas estas tentativas e entretempo o ensaio de
acesso fcil nas trs lnguas desses pases. Mas algumas pessoas no
gostaram. Seja porque no querem reconhecer que erraram em sua
avaliao dos fatos ou porque nem querem saber dos fatos... Assim, aprendi
tambm que tal problema no especificamente um problema brasileiro.
Porm, existe uma dificuldade na pesquisa no Brasil que penso que
seja talvez maior do que em outros pases. Baseio-me nas numerosas
entrevistas que fiz aqui com psicanalistas de vrias geraes. Nestas
entrevistas recebi muitas vezes informaes que, mais tarde, pesquisando
nos respectivos documentos, pude avali-las somente como informaes
falsas. Pior ainda, ouvi tantas fofocas, que fiquei s vezes, literalmente,
boquiaberto. Naturalmente no posso fazer uso delas como cientista. Sei
que a psicanlise uma disciplina na qual a subjetividade tem um papel
particularmente grande, mas mesmo assim no sei at hoje como avaliar
exatamente a funo destas fofocas na cena psicanaltica.
40
40
29.11.2007, 09:27
41
41
29.11.2007, 09:27
42
42
29.11.2007, 09:27
Mas voltemos aos primrdios da psicanlise no Rio. Vrios pesquisadores brasileiros mostraram o uso da psicanlise que fizeram os psiquiatras
brasileiros no incio do Sculo XX. Eles lidavam com as doenas mentais
que faziam parte da misria das massas pobres numa tentativa de sanear
os problemas sociais e morais como eles os percebiam. Eles tentaram
aproveitar a psicanlise como uma doutrina capaz de dar conta no s da
explicao dos sintomas e das origens dos problemas mentais, mas
sobretudo da preveno, deteco e correo das anomalias. (Ponte, 1999,
pg.17). A psicanlise no era vista por eles como uma cincia totalmente
nova, mas sim, como uma corrente nova na psiquiatria. Nesta perspectiva,
os psiquiatras brasileiros fizeram um uso bastante pragmtico da
psicanlise nos seus primrdios, mas que freqentemente no correspondia essncia da psicanlise.
43
43
29.11.2007, 09:27
44
44
29.11.2007, 09:27
Karl Weissmann
Gostaria de mencionar ainda uma figura de menor importncia sobre
a qual no consegui at agora dados suficientes. Sobretudo, no me foi
possvel verificar quanto tempo ele viveu no Rio de Janeiro. Trata-se de
Karl Weissmann. Ele veio ainda jovem da ustria para o Brasil. E
primeiramente sobreviveu aqui dando aulas de ingls e alemo. Descobriu
aqui a psicanlise, atravs de um livro de Ernest Jones traduzido para o
portugus e se tornou um fervente seguidor de Freud. Ele praticava e
defendia tambm o hipnotismo. Por isso, no se pode falar no caso dele de
uma influncia direta da psicanlise alem no Brasil. Mas vale a pena
mencion-lo como um dos seguidores de Freud no Rio de Janeiro. Uma
carta que lhe enviou Freud, em resposta ao envio de seu trabalho intitulado
O dinheiro na vida ertica (Weissmann, 1937), est reproduzida na
biografia de Ernest Jones sobre Freud. Por boas razes. A carta foi escrita
em 21 de maro de 1938, coincidentemente alguns dias depois que Hitler
entrou triunfante em Viena e um dia antes que Anna Freud foi forada a
depor durante longas horas na Gestapo. Alm do mais, Freud j se
encontrava gravemente doente. Mesmo assim, ele se esforou em
responder ao desconhecido que se tinha engajado pela psicanlise no Brasil.
Weissmann escreveu ainda outros livros sobre psicanlise. E trabalhou
mais tarde como psiclogo na Penitenciria Neves, em Belo Horizonte.
Ele menciona numa carta a Ernest Jones que contou num seminrio de
Werner Kemper suas experincias com os criminosos na penitenciria.
Em 1964 ele apoiou ideologicamente o golpe de Estado no Brasil, no seu
livro Masoquismo e Comunismo. Contribuio Patologia do
Pensamento Poltico (Weissmann, 1964). Nele, defende a tese que o
comunismo uma conseqncia do masoquismo. Abstenho-me de
45
45
29.11.2007, 09:27
comentrio. Mas dois anos mais tarde, ele foi agraciado no Rio de Janeiro
com o ttulo de Carioca Honorrio.
46
46
29.11.2007, 09:27
Adelheid Koch (1896 1980), que era judia e tinha de fugir da perseguio
nazista, aceitou o convite da IPA para vir para So Paulo. Ela havia sido
recomendada por Otto Fenichel, seu didata. E, de fato, ela fundou no correr
dos anos a Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo. Assim, deu
certo a aventura de ter-se carregado com tanta responsabilidade e trabalho
uma psicanalista to inexperiente. E provavelmente porque Adelheid Koch
era como descrita - uma pessoa muito conscienciosa e aplicada. Foilhe obviamente de grande importncia a ajuda de Durval Marcondes, que
organizou a sua vinda.
47
47
29.11.2007, 09:27
A questo do nazismo
Kemper formou-se em medicina e se especializou em ginecologia
cirrgica. Em 1928, comeou sua formao psicanaltica no famoso
Instituto de Berlim. Seu didata foi Carl Mller-Braunschweig e seus
supervisores foram Otto Fenichel, Wilhelm Reich, Ernst Simmel e Felix
Boehm. Em 1931, ele se tornou membro associado da Sociedade
Psicanaltica Alem. e em 1933 seu membro efetivo. Kemper era com
certeza um analista de talento conforme testemunhou Otto Fenichel. Mas
fato que sua nomeao em 1933 como revisor das finanas da Sociedade
Psicanaltica Alem e sua promoo a docente do comit de formao do
Instituto da sociedade, foi indubitavelmente uma conseqncia da
expulso de colegas judeus. Naquela altura j no havia mais muitos colegas
qualificados na sociedade. A partir de 1936, ele passou a trabalhar como
didata. Nesse mesmo ano foi nomeado tambm para o cargo de terceiro
diretor da sociedade ao lado de Mller-Braunschweig e Felix Boehm. Estes
dois eram dezoito anos mais velhos do que Kemper e dirigiram a sociedade
at a sua dissoluo pelos nazistas em 1938. E, a partir de 1938, os
psicanalistas foram enquadrados no ento denominado Instituto Alemo
de Pesquisas Psicolgicas e de Psicoterapia, dito Instituto Goering. Seu
diretor, um psiquiatra de orientao adleriana, era primo do Marechal
Hermann Goering. Nesse instituto tiveram de colaborar terapeutas de
diferentes orientaes para o desenvolvimento de uma pretensa cincia
alem da terapia da alma. Kemper tambm colaborou nele como docente
da turma dos psicanalistas. Mas ele clinicava em consultrio particular.
Somente em 1941 passou a trabalhar tambm na policlnica do Instituto,
como colaborador independente e se tornou colaborador fixo em 1942.
Em 1943 foi nomeado diretor da policlnica depois da morte do psicanalista
John Rittmeister. Rittmeister foi um dos poucos psicanalistas que resistiu
ao regime nazista e pagou com sua vida por isso.
Note-se que fazer resistncia ao regime nazista era uma coisa que exigia
muita coragem. Foram poucos os que fizeram. Quem era descoberto tinha
48
48
29.11.2007, 09:27
49
49
29.11.2007, 09:27
criminoso. A rigor, isto pode ser avaliado tambm como culpa. Mas para
tirar concluses negativas a respeito do carter de outrem, deve-se
perguntar primeiramente a si mesmo, se numa ditadura to violenta se
teria a coragem de arriscar a prpria vida. Seja como for, est provado que
Kemper no era nazista.
50
50
29.11.2007, 09:27
4
5
51
51
29.11.2007, 09:27
52
52
29.11.2007, 09:27
53
53
29.11.2007, 09:27
54
54
29.11.2007, 09:27
55
55
29.11.2007, 09:27
56
56
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliograficas
Brecht, K.; Friedrich, V.; Hermanns, L., M., u.a..(1985): Hier geht das Leben auf
eine sehr merkwrdige Weise weiter... Zur Geschichte der Psychoanalyse in
Deutschland. Hamburg: Michael Kellner.
Frot, P. (Hg.)(1998): Cent ans aprs. Paris: Gallimard.
Fchtner, H. (2000): O caso Werner Kemper: psicanalista, seguidor do nazismo,
nazista, homem da Gestapo, militante marxista? In: Pulsional, Vol. 10 / 2000,
49-89.
Fchtner, H. (2007): Fremdartiger bunter Vogel oder Groe Dame der
Psychoanalyse? Zur atypischen Berufsbiographie von Anna Kattrin Kemper.
In: Luzifer-Amor, Bd. 39, 80-117.
Medeiros e Albuquerque, J. J. d. C. d. C.(1922): Graves e Fteis. Rio de Janeiro:
Livraria Editora Leite Ribeiro.
Oliveira, C. L. M. V. d.(2006): Histria da psicanlise. So Paulo. So Paulo: Escuta.
Ponte, C. F. d.(1999): Mdicos, Psicanalistas e Loucos: Uma contribuicao Histria
da Psicanlise no Brasil. Rio de Janeiro (Diss. Mestrado Escola Nacional de
Sade Publica).
Porto-Carrero, J. P.(1929): Ensaios de Psychanalyse. Rio de Janeiro: Flores e Mano.
Queiroz Junior, J.(1957): O Suicidio de Getlio Vargas atravs da psicanlise na
interpretacao de Gastao Pereira da Silva. Rio de Janeiro: Editorial Copac S.A..
Ramos, A. d. A. P.(1926): Primitivo e Loucura. Bahia.
Ramos, A. d. A. P.(1931): Estudos de Psicanlise. Bahia: Livraria Cientifica Editora.
Srio, N. M. F.(1998): Reconstruindo Farrapos. A trajetria histrica da SPRJ:
instituio e poder. Niteri (Tese de doutoramento. UFF).
Silva, G. P. d.(o.J.): Getlio Vargas e a Psicanlise das Multides. Rio de Janeiro:
Zelio de Valverde.
Weissmann, K.(1937): O Dinheiro na Vida Erotica. Rio de Janeiro:Brasilia Editora.
Weissmann, K.(1964): Masoquismo e Comunismo. Contribuicao Patologia do
Pensamento Poltico. So Paulo: Martins.
57
57
29.11.2007, 09:27
58
29.11.2007, 09:27
O desejo de nada ou a
completude de vazios*
Tania Leo Pedrozo**
Resumo
A autora aborda um aspecto da clnica contempornea com
pacientes que se caracterizam por falta de energia vital e
desinvestimento quase total do mundo exterior, como se houvesse
uma morte simblica. Organizao do vazio como forma de
evitao, de fuga do eu ? Falha na constituio do sujeito a partir
da assuno da falta ? Desorganizao da ancoragem do sujeito na
rede significante ?
**
59
59
29.11.2007, 09:27
Summary
The author considers an aspect of the contemporary clinic in which
the patients are deprived of vital energy and they are not able to
invest the external world as there was a kind of symbolic death.
Would it be an organized emptiness as a form of avoiding, a running
away from the Me? Would it be a failed constitution of the subject
from the assumption of the fault? Disorganization in the anchorage
of the subject in the significant chain?
These patients show a poor capacity of associating, a lack in the
constitution of fantasy, a non-engagement to their desire. The
psychosomatic manifestations are common as well it is the drugs
addiction. Some clinical examples are presented.
In this field the Psychoanalysis contribution is not satisfactory. It is
not precise to nominate depression the feeling of sadness because
in doing that we dilute the subjective and clinical differences. Freud
himself was not worried in explaining depression by itself, he rather
used the word melancholy.
Jacques Lacan named sadness a moral cowardice.
60
60
29.11.2007, 09:27
In the beginning of the third millenium, we all know as psychoanalysts that the depressed subjects need to be listened carefully in order
to substitute the pain of existence for the joy of living.
Key words: clinic of emptiness, pain of the existence, desire,
depression, melancholy, mental anorexia.
Introduo
A depresso no existe. Na clnica, o que encontramos so estados
depressivos que ocorrem na vida de uma pessoa de forma muito
diversificada j que inseridos numa histria subjetiva precisa. Nem mesmo
podemos falar de depresses, pois no h como descrever tipos que
tenham alguma consistncia.
No entanto, no temos como duvidar de que esta a civilizao do mal
estar, onde os acontecimentos da depresso emergem quase como
epidemia, ora em queixas dos pacientes, ora em diagnsticos mdicos e/
ou psicanalticos.
A estandardizao e o anonimato superegico dos modos de vida, a
deteriorao dos laos sociais, as catstrofes mundiais, so acontecimentos
que determinam no sujeito uma experincia de morte do Outro, deixandoo sem as antigas crenas no universal e as grandes causas do passado.
O que provoca a dor psquica? Desde Freud, a psicanlise tem estado
s voltas com o fenmeno depressivo em suas vrias formas, sem recuar
diante dos obstculos; ainda que a psicanlise apresente uma duplicidade
em relao tristeza, ao mesmo tempo acusando os afetos tristes de
complacncia e deixando cair os semblantes que do uma certa iluso de
felicidade.
Os estados de tristeza provam de maneira exemplar a onipotncia do
mental sobre o corpo e assim apaixonaram Freud desde os primrdios. A
princpio, como retrao da libido, determinando efeitos de mortificao,
a explicao freudiana para os estados depressivos foi mudando para o
conflito inconsciente, a libido do eu, a pulso de morte.
Para alm dos estados de esprito, numa perspectiva transpsicolgica,
temos a clnica do vazio e das modalidades de experincia do vazio,
passando dos diversos sentimentos de falta no neurtico at as psicoses
com seu peso de real abolindo toda traduo metafrica.
61
61
29.11.2007, 09:27
62
62
29.11.2007, 09:27
O mal-estar do desejo
Lacan definiu depresso como covardia moral frente ao dever de se
referenciar na estrutura, ou seja, se reconhecer como sujeito desejante. O melanclico rejeita o desejo e se coloca fora do simblico. A suspenso da causa
do desejo na psicose melanclica determina a sada do jogo, a perda da relao com o mundo, o ser petrificado do sujeito que se tornou o objeto rejeitado.
Ali onde o desejo cai, o gozo sobe, assim que o estado depressivo uma
forma de gozar, como vemos frequentemente na clnica desses pacientes.
63
63
29.11.2007, 09:27
O que leva algum a renunciar a seu desejo? Lacan fala que essas
pessoas, os depressivos, no querem renunciar ao ideal do Tudo, sempre
se comparando com a perfeio e a onipotncia, frente a que s podem se
sentir um nada. Um paciente que no se decide a estudar para as provas,
na verdade, teme perder a imagem ideal que deveria ou poderia ter. Afinal
de contas, se ele no estuda para um exame pode continuar pensando que
no se deu bem porque no estudou o suficiente, em vez de se confrontar
com as suas possibilidades.
Essa uma estratgia de evitao, de fuga do eu, em que o sujeito se
nega a lutar por algo como uma forma de arranjo para evitar o confronto
com algo que o angustia. Na inibio, o sujeito se defende do real atravs
de um dispositivo de renncia que dribla a diviso subjetiva e a
determinao inconsciente. Evocando um momento de subtrao do
sujeito da rede significante, a inibio implica em que essas pessoas no
articulam seu desejo pela palavra ou, ento, denuncia uma relao
mortfera com o Outro em que a Morte o Senhor.
Cabe ao supereu a responsabilidade pela inibio dos atos, uma vez
que ele funciona como a instncia judiciria do psiquismo. Por suas
funes de censor e de ideal, o supereu poderia ser designado o agente da
depresso. E como j foi dito, no sofrimento da depresso que a pessoa
goza, pois nada fora ningum a gozar, seno o supereu.
Qual o gozo do melanclico? Freud responde que, ao desmascarar a
si mesmo como algum desprezvel e demais atributos negativos, o
sujeito melanclico obtm satisfao, pois, na verdade, ao objeto
perdido que suas acusaes se dirigem. O melanclico no apenas se
tortura, mas tortura todo o mundo sua volta. uma pessoa pesada,
parada, sem iniciativa, sempre falando sobre o mesmo tema. A doena
gira em torno de um amor marcado por uma renncia impossvel; por
sua fragilidade, o investimento amoroso se esgota e, em vez do amor
pelo objeto buscar um substituto, o sujeito se identifica com o objeto
perdido. Na base da depresso, h o gozo de reter algo e assim impedir
o saber da falta.
Lacan diz que, no luto, trata-se menos da falta do objeto perdido do
que uma identificao falta de que ele era objeto. Nessa falta, o sujeito
encontra seu lugar de objeto causa do desejo para um Outro. Em certas
montagens toxicomanacas, o luto interminvel uma forma de eternizao
da falta. A substncia qumica preenche imaginariamente a falta no Outro,
em vez da pessoa tecer representaes da perda sobre o buraco do
desaparecimento.
64
64
29.11.2007, 09:27
A dor de existir
A melancolia como pura cultura da pulso de morte desvela o
masoquismo primrio do sujeito. Se, nas neuroses, o Outro se ausenta,
sua falta abandono e covardia, pois para o inconsciente o Outro culpado,
na melancolia a rejeio do inconsciente induz uma culpa delirante que
determina o gozo. Falar de masoquismo primrio falar daquilo que na
65
65
29.11.2007, 09:27
A clnica
A abordagem do psicanalista frente esse vazio de representaes visa
implicar o sujeito naquilo que ele experimenta, assumir sua tristeza,
implic-lo em seus afetos. O instrumento mais valioso do analista o
desejo. A paciente, em momento de vacilao durante o processo
psicanaltico, fala em despedida, a empatia no foi suficiente, mas talvez
66
66
29.11.2007, 09:27
67
67
29.11.2007, 09:27
O desejo de nada
O que pode levar algum a renunciar ao seu desejo? Na anorexia mental,
Lacan situou um gozo que ele denominou apetite de morte, relacionado
a uma rejeio da simbolizao, obstculo para a associao livre. Se a
anorexia exprime um desejo, que desejo este que no se articula no
discurso? Ou estaria denunciando uma relao mortfera em que a Morte
o Senhor? O anorxico nada demanda, denunciando uma paixo pela
ignorncia, ele nada quer saber sobre os efeitos de seus atos. So os outros
que lhe demandam: que ele coma, que fale, que trabalhe, que se divirta,
que faa amigos, etc.. Ao anorxico nada lhe falta, ele est preenchido de
comida e tambm em outros nveis. No se reduz a anorexia a uma ausncia
de apetite, a questo central uma inapetncia generalizada, uma espcie
de deslibidinizao do corpo assexualizado que atua.
Trata-se de uma manobra radical para produzir a falta no Outro como
forma de construir um desejo, ainda que seja um desejo de nada. H,
portanto uma demanda muda, no articulada em palavras, que o torna
escravo tanto do seu ato como do seu no-dizer. Da que o seu no-dito
pode ser abordado como uma forma de adico sem drogas, marcado pelo
gozo auto-ertico, representante da pulso de morte. Em seu prprio corpo
o anorxico denuncia que onde o sujeito no diz, ele faz. Aquilo que o
sujeito no pode dizer, ele o grita por todos os poros de seu ser. (Lacan)
Diante desse sujeito que interpela o analista como Outro, mas no lhe
enderea nenhuma demanda, j que perguntar por em evidncia a falta
daquilo que o sujeito no suportaria saber, o que o analista tem a oferecer?
Como transformar o silncio em enigma? Como instalar a transferncia
frente a formaes psquicas mais prximas do fazer do que do dizer?
Contra o no querer desejar como forma desesperada de querer desejo,
o psicanalista tem a oferecer uma escuta singular para possibilitar a
passagem de uma boca forada a se fechar a uma boca que pe em palavras
o seu sofrimento mudo e no dialetizado, transformando o silncio em
enigma.
Consideraes finais
Na contemporaneidade, a concepo radicalmente individualista da
vida manifesta-se, no mbito social, por indiferena em face das questes
pblicas e por enfraquecimento do sentimento de pertencer a uma
68
68
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliograficas
Freud, S. (1969). Luto e melancolia . In S. Freud, Edio standard brasileira da
obras psicolgicas completas de Sigmund Freud ( J. Salomo, trad., Vol.14).
Rio de Janeiro: Imago. ( Trabalho original publicado em 1915).
Freud, S. (1969). Alm do princpio do prazer. In S. Freud, Edio standard
brasileira das obras psicolgicas completas de Sigmund Freud ( J. Salomo,
trad., Vol. 18). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1920).
Freud, S. (1969). Inibio, sintoma e angstia. In S. Freud, Edio standard
brasileira das obras psicolgicas completas de Sigmund Freud ( J. Salomo,
trad., Vol. 20). Rio de Janeiro: Imago. ( Trabalho original publicado em 1926).
69
69
29.11.2007, 09:27
70
70
29.11.2007, 09:27
Principais Contestaes da
Psicanlise na Atualidade
Alexandre Kahtalian*
Resumo
O autor discute, utilizando o contexto em que a Psicanlise se situa
no inicio desta nova dcada, as mais comuns argumentaes contra
a existncia do mundo inconsciente descoberto por Freud e seus
seguidores. Discute as questes: cientificidade, auto-ajuda, mito da
verdadeira Psicanlise, desatualizao profissional dos analistas,
neurocincias e drogas medicamentosas.
Summary
The author discuss , contextualizing \Psychoanalisis in the beggining
of this century , the most common conflits about the existence of a
Unconcious mind, discovered by Freud and theirs followers a hundred
years ago. The issues are : Psychoanalysis as a a Science, Help-self,
mith like the True Psychoanalysis, Neurosciences, drugs, no up to
dating psychoanalytical studies by the professionals and so on.
Introduo
O tema bem oportuno, por duas razes principais : a primeira delas
a retomada das contestaes , elas mesmas, semelhana das que
ocorreram no incio do sculo XX, quando a Psicanlise foi instituda por
71
71
29.11.2007, 09:27
Contestaes
Cientificidade
bem antiga e conhecida, e j muitas vezes debatida, a de que a
Psicanlise no tem leito garantido no vrtice das cincias. Se ela no pode
ser enquadrada como cincia da natureza, ou do campo fsico-matemtico,
isto no a retira do seu carter de ser cincia. Como diz Dilthey, uma cincia
emprica de sentido e de significado, ou como quer Muniz Resende, uma
cincia Ps-paradigmtica, cujo objeto de estudo o sujeito consciente x
sujeito do inconsciente e que tem a interpretao como agente operativo
deste campo. tambm, ao meu ver, uma cincia constitutiva, relacional
e contextualizada do ser. Mesmo o problema da Verdade, uma exigncia
do absolutismo cientfico, pode ser suportada pela Psicanlise em vrios
de seus conceitos. Igualmente, se tomarmos o parmetro subjetivo da
72
72
29.11.2007, 09:27
Auto Ajuda
uma outra arma e muito poderosa nos efeitos contestadores da
Psicanlise. fcil de t-la, e-mails, livros, ongs, religies e seitas, encontro
de casais, associaes anti-tudo. Isto provavelmente est a nos indicar que
no estamos fazendo que nosso instrumento de ajuda chegue populao.
O acesso anlise ainda continua difcil. Claro est que tais agentes sociais
fazem parte da funo teraputica que a sociedade demanda. No h tantos
profissionais disponveis. A questo que mais se faz sentir que o
imaginrio popular ache que isto seja psicanlise , mas no s ele, tambm
em ambientes mais educados e letrados, que vo a conferncias, mesmo
de nvel universitrio, isto ocorre. Livros, pregaes, discursos, salas de
palestras onde a cultura fashion. So instrumentos de conquista onde se
transmite a idia de que preceitos sendo seguidos vo revelar a norma,
aliviar os sentimentos de culpa, vo finalmente tranqilizar e resolver os
dilemas. Um salmo fumegante, uma palestra filosfica, uma confisso
artstica vo trazer a redeno do ser e da paz de esprito. Um Caminho de
Santiago trar a glria e a salvao desejada. Alm do que mais barato,
accessvel, descompromissado e tem muito mais fora simblica.
73
73
29.11.2007, 09:27
Verdadeira Psicanlise
Outro grande descrdito (ou desservio) a contemplar a Psicanlise a
babel de teorias de que dispomos e que tentamos impor nossa
comunidade ou fora dela, de que sabemos e temos a verdadeira Psicanlise.
Muitos de ns tm procurado entender este fenmeno, quando pacientes
trazem, na primeira entrevista, a indefectvel pergunta : qual a sua linha?
O desconhecimento ingnuo ou leigo indica que deve haver uma verdadeira
psicanlise, quem sabe a linha tal, geralmente aconselhado por familiares
e ou amigos do mesmo mundo cientifico.
Esta confuso de lnguas tericas no um fenmeno novo na
comunidade analtica, vem desde a poca das batalhas dos idos de 40 na
British Society. Wallerstein, em 1987, no Congresso da IPA, em Roma,
questionava o que poder-se ia ter como terreno comum para que pudesse
se chamar Psicanlise. Esta questo ressurge agora com o fato de que
teorias intersubjetivas trazem novamente a questo do que seria a
verdadeira Psicanlise, questionando modelos clssicos de uma certa
ortodoxia freudiana. Este um problema atual na psicanlise contempornea. Estamos diante de uma teoria de mente pulsional, relacional ou
de ambas.
Afora esta questo , diria, de carter mais ideolgico, estamos tendo
que conviver com simulacros de formao psicanaltica, trazidos por grupos
religiosos e mesmo de provenincia universitria que acreditam que cursos
tericos de dois anos de durao, supervises precrias e pouca experincia
da prtica de psicoterapia, transmitem a Psicanlise e autorizam o
candidato a se intitular analista.
Desatualizao Profissional
Esta questo diz mais respeito aos psicanalistas, pois atravs deles
que a psicanlise veiculada, perdendo crdito como instrumento de
conhecimento progressivo, assim como o de tratamento psicanaltico.
Outrora a procura psicanaltica se fazia mais para aliviar sofrimentos
longamente cultivados, para lidar com conflitos sexuais bem delimitados,
existenciais por vezes, que acompanhavam o individuo sofredor. Hoje, a
demanda tem sido diferente, ela, demanda, a prpria procura para o
tratamento analtico. O sujeito trocou sofrimento psquico por dor psquica.
Uma psicanlise de conflitos por uma psicanlise do trauma. A sexualidade
74
74
29.11.2007, 09:27
75
75
29.11.2007, 09:27
Concluses
As consideraes aqui expostas no pretenderam abordar em mais
profundidade o universo de aspectos que se levantou e sim oferecer um
buffet self service para que vocs faam suas escolhas. De outra maneira,
poderamos saciar nossa fome, porm teramos que escrever um grosso
compendio, o que no momento, para o autor, seria uma forma de mantlo com excesso de peso.
Referencias bibliogrficas
Freud, S. - St Editions Obras Completas
Muniz Resende, A O Paradoxo da Psicanlise Via Lettera Editora e Livraria,
2000.
Soczek, D, - Utopia e Realidade : uma reflexo a partir do pensamento de Zygmund
Bauman Rev. Sociol. Pol. vol. 23 , 2004.
Perestrello, D. Medicina da Pessoa 4 Edio.
76
76
29.11.2007, 09:27
Scheherazade, a mulher-menina ou
a princesa que encantou o sulto*
Ambrozina Amalia Coragem Saad**
Resumo
A autora descreve a sua relao com uma paciente em anlise, a
quem chama de Scheherazade - aquela que encantou o sulto com
mil e uma histrias - que, regredida, mostra defesas poderosas, um
arranjo que lhe tem permitido lidar com a sua aguda angstia de
existir e extrema dor psquica.
**
77
77
29.11.2007, 09:27
Summary
The author describes her relationship with a patient, whom she cals
Sheherazade the one who enchanted the sultan for one thousand
and one nights. Regressed, she shows powerful defences, an
arrangement that has allowed her to cope with her acute anxietyand
psychic pain. When with her analyst, Sheherazade unfolds one by
one painful stories of enchantment and horror. These narratives
involve both patient and analyst in a peculir emotional compact, in
which the patients pain and pleasute become entangled, hypnotising
her and involving the analyst in a mental state of curiosity and
fascination like the imaginary tentacles of an octopus in a real
scene of 1001 nights. In each evening meeting, the princess and the
sultan meet, and look for the personal development of the couple in
order to pursue their personal development.
Key words: Neurosis; clinic
Scheherazade chegou.
Veio porque teve uma crise nervosa e est muito mal.
Eis Scheherazade minha porta, acompanhada da filha, quase
carregada, cambaleando. Deparo-me com uma mulher bem tratada,
pequena, bonita e aparentando fragilidade extrema.
Chora muito e relata a sua crise. Tivera uma discusso com o marido,
que afinal nem foi discusso porque s quem falava era ele. Falou tanto,
mas tanto
Aquela boca se derramou sobre ela, jorrando um enorme rumor de
palavras. Deslimites (entendi). Um desacontecimento, verdadeiro susto
78
78
29.11.2007, 09:27
para ela e para todo mundo. Olhos arregalados - dela e de todos! O choro
no cedia... e tanto, atacou, depreciou e menosprezou, e foi tanto barulho
nos meus ouvidos que de repente comecei a chorar e a gritar descontrolada,
sem poder parar, sem entender.
Depois, veio a depresso. No sair da cama, no comer nada, no querer
nada, no-nada...No mbito da sucedncia, precisou ser medicada e
dormiu.
Situao muitssimo gravssima.
Assim aconteceu. E assim ela est: deprimida. Corpo dormente,
formigando, principalmente nos braos, mos e dedos, que ela massageia
e movimenta continuamente, enquanto conversa comigo.
(Penso: uma histrica clssica. Uma daquelas maravilhosas mulheres
tratadas por Freud. Na verdade, tal e qual...)
Fala-me da dificuldade de relacionamento com o marido, que frio,
distante e vive recriminando-a, fazendo-a sentir-se com a sua auto-estima
l em baixo. No cho mesmo e ainda por cima pisoteada. Uma amarga
corroso no seu cotidiano. Dilaceramento. Coitadeza que ela desconsegue
fazer acabar.
Pois . Scheherazade sedutora e no incio de nosso contato, nos
primeiros dias em que estive com ela (e ela vinha de segunda a sexta feira),
surpreendia-me a mim mesma, olhos arregalados, fascinada com as
histrias (ou seriam estrias?) que me contava. E pensava, enquanto
aguardava a sua chegada: qual ser a histria de hoje?
Shahriar, o sulto, tinha razo....
As mil e uma noites. Maravilha e espanto.
Sim, freqentemente, durante as sesses, precisava eu mesma chamarme ateno por causa desse encantamento. Era bom ouvi-la. Lembravame meu neto ouvindo as minhas historinhas, estrelas acesas nos olhinhos
presos aos meus, um susto no ar. O sulto com a bela princesa, que ele
ouvia a cada noite, noite a dentro. Mil e uma noites... Histrias contadas
para evitar a morte... espremidas do apalpamento das intimidades do seu
mundo, fruto de - ser? - fantasias paralisantes insistentemente reencenadas.
Histrias de desencantar. Era como se me dissesse: -Preciso do desperdcio
das palavras para conter-me. (Obrigada, Manoel de Barros).
Scheherazade julga-se feia. Tem uma irm lindssima, parece uma
princesa, muito loira e de olhos azuis, que sempre chamou a ateno de
todo mundo. [Dinarzade vem-me mente]. Ela no, nem loira, nem olhos
azuis, magrinha e mirrada, cabia numa caixa de sapatos quando nasceu.
Ento, ficava escondida atrs da saia da me, quando chegavam visitas.
79
79
29.11.2007, 09:27
80
80
29.11.2007, 09:27
Scheherazade teve uma outra gravidez. Nasceu uma menina, mais uma
vez. Famlia de mulheres... Na poca, no existiam ultrassonografias e ela
s soube do problema quando a criana nasceu: tinha uma deformidade e
portava tambm uma srie de complicaes (uma cardiopatia grave,
principalmente).
Outro choque. Um sofrimento que durou todo o tempo de vida do beb.
Scheherazade dedicou-se, ocasio, exclusivamente a essa criana. Vivia
com ela nos hospitais em que era internada, na prpria cidade e em centros
mais avanados tambm. Cirurgias, recuperaes, cuidados constantes,
dia e noite.
Choravam muito, ela e o marido. E, um dia, a filha se foi... Ela desvivia
de tanta dor. Essa doena de estar viva...
Scheherazade guarda experincias dolorosas de doena e de morte.
Lutos que - percebo - no foram elaborados.
E penso: teria ela uma fantasia fundamental de destruio? De ser
mediadora da doena e da morte? Uma me assassina, que gera e mata?
Ela estraga o que toca, bem ao contrrio do Rei Midas, que tudo
transformava em ouro com o seu toque.
Scheherazade... A menininha mirrada extremamente poderosa...
Nos nossos encontros, ela continua desfiando suas histrias bem assim:
- Hoje, vou falar da minha primeira filha.
- Hoje, vou falar do meu pai.
- Hoje, vou continuar a histria da vez passada, sobre a minha filha.
Parece estar lendo um livro para mim ou falando um discurso que nada tem
a ver com ela mesma. como se estivesse hipnotizada pelas prprias histrias
(ou seria pela sua prpria fala? Pela sua oralidade?) e assim vai, como um
autmato, desfiando relatos para mim, sua analista, afogada em lembranas
de vastas amarguras. Todavia, raramente apreendo emoo de verdade nos
relatos. Chamo a sua ateno para isso. Ela se surpreende. Parece no
entender a minha observao. Ora, pois, ela no vive apenas em rascunho?
Os afetos... Ah! Os afetos... Onde esto? Como esto? O que so?
Anestesia psquica?
Ao terminar as sesses, sai flutuando levemente, como se fora uma
pluma ou uma menininha travessa. Esvaziada dos incmodos que habitam
as veias da sua alma, voa leve como borboleta.
H dias em que aparece nas sesses extremamente produzida,
perfumada, maquiada, bem vestida, como se fosse para uma festa. Outros
dias, surge desarrumada, cara lavada, cabelo que ela mesma tesourou e
com falhas no corte, desqualquerficada. E faz questo de me dizer isso:
81
81
29.11.2007, 09:27
quando no est bem, corta os prprios cabelos. Assim sempre fora, desde
h quase uma vida.
Scheherazade tambm, segunda ela, me da neta, porque a minha
filha no cuida. ela que leva e vai buscar a neta na escola, no bal, no
curso de ingls e seja onde for. Sua vida gira em torno dessa menina, seu
xod. Ensina tarefas, escova o cabelo dela, serve o lanche e tudo o que for
preciso. Ama a neta, de paixo. Para ela, todas as demasias do seu corao.
Assim mesmo, demasiando uma doura docemente doce. E tem cimes
do fascnio que a me (sua filha) exerce sobre a criana.
Tento faz-la discriminar entre ser me e ser av. Ouve e d l o seu
risinho... dissolvida naquela pausa, numa fulminncia de relmpejo.
Desliza...
Sheherazade tem medo das conseqncias da homossexualidade da me
sobre a garota. A companheira da me um tipo vulgar, meio hippie,
cabelo sujo, ensebado, grosseira. Uma vez, ela me relatou que a neta
lhe contou, achando muito estranho, que a tia estava tomando banho e a
chamou para vir tambm. A menina entrou no banheiro e se assustou com
o tamanho do clitris da tia. - Vov, era uma coisa to grande e
esquisita!... Scheherazade receia que a menina fique gostando dessa tia e
a ela se apegue. Teme ser substituda, trocada. Afinal, aquele clitris-pnisfalo, ela no tem. da tia!
E assim Scheherazade vai vivendo no seu tear de entrexistncias, ruando
por a, desmapeada e sem destino.
E vamos vivendo a anlise. Scheherazade precisa ficar grudada ve-getal-men-te naquelas pessoas que ama... Pregada. Viscosidade de libido.
Iluso de fuso, ela se cola em mim, sua analista e fica, assim, con-fundida.
Fica ficando. Con-fuso.
Scheherazade tem muitos medos. Tempestades, trovoadas, elevadores,
metr, confinamentos, multides. Sou muito medrosa e insegura, vive
repetindo para mim.
Scheherazade assim: dependente, regredida, infantil. Queixa-se das
limitaes que a dependncia impe sua vida. Mas, por outro lado, reconhece tambm as vantagens secundrias que obtm disso. Comodidades
gostosas, pseudo-protees das quais no se dispe a abrir mo.
- Para que crescer, apropriar-se de si e de sua vida, se isso vai exigir
dela tanto esforo e desacomodao? Peter Pan de saias. Para ela, ser
criana traz l suas benesses... Muito bom ser objeto de famlia.
Conversamos sobre isso. Ela ri. Acha muito engraado. E varre para
debaixo do tapete. No se toca, no se deixa atingir.
82
82
29.11.2007, 09:27
83
83
29.11.2007, 09:27
84
84
29.11.2007, 09:27
85
85
29.11.2007, 09:27
da me, imagina a sua morte e pensa: -O que ser de mim e do meu pai?
- O que acontecer conosco, na ausncia da minha me?
Sentido dbio, evidentemente... porm sem formato no pensamento.
E com Scheherazade, a princesa (ou ser a anti-princesa?) que vai
roando a superfcie das coisas com suas histrias por demais admirosas,
j que tem uma fantasia fundamental destrutiva, todo cuidado pouco,
no mesmo?
- Afinal, no ela que abriga uma bactria dentro de si, que a fez
adoecer e afastou o marido, morto de medo de pegar a dita-cuja?
E por falar nisso, penso que essa destrutividade que ela acredita ter fatal na sua eficcia - est relacionada com a inveja que sente no seu mago.
Inveja de Dinarzade, a sua belssima irm de olhos de turquesa; inveja da
filha, absolutamente livre no seu viver e tambm inveja do marido, um
homem de sucesso e poder, que tem vida prpria, independente. Mas ela,
no tem nada. Desconseguiu tudo. Desvalia. Ou melhor, tem sim: coisas
terrveis e cruis dentro de si. - No ela que gera, deforma e mata suas
prprias crias? - No ela to competente para gestar e dar luz produtos
defeituosos, sempre? Filha natimorta, filha doente, sapato...
Ela, a princesa-que-encantou-o-sulto, mulher ensolarada por fora
e plena de sombras, dentro - como to bonito nos diz Lia Luft. Encharcada
em chuva de lgrimas. Marcada por vincos duradouros, nem tenta
remendar c e l as descosturas do tempo...
Essa a vida que est podendo ter. Famlia: abrigo e priso. Ninho e
gaiola. Proteo e jaula.
Scheherazade tem muito medo de, acreditando-se habitada de
possibilidades, sair por a, girando insanamente nessa vertigem de iluso,
e de repente ver-se entregue a si mesma, autnoma, independente, senhora
de si. Como? Ela? O que fazer com isso? Impossvel!... Sua crena parece
ser a de ter nascido mal-equipada para viver. Quer que tomem conta dela.
Ser que no existe a proteo de uma pele? At mesmo o doce e fresco ar
da manh pode provocar feridas?
Ela, at que um dia, l longe-bem-distante-no passado, experimentou
a candura de crer que tudo poderia ser felicidade...
- Mas ser que existe mesmo essa tal felicidade? Assim to inteira e
plena?
Melhor ir vivendo como o faz, fingindo apenas dormir ou se divertir,
enquanto no est certa de que haveria de verdade uma outra alternativa
de vida ardente, lucidez para enxerg-la e competncia para geri-la. Isso
pode doer como uma facada no peito. E fazer sangrar at morrer...
86
86
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliogrficas
BARROS, Manoel de. O livro das ignoras. Rio de Janeiro: Record, 1997.
BION, W.R. A ateno e interpretao: o acesso cientfico intuio em psicanlise
e grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p. 46.
FREUD, S. (1895) Historiales clnicos In: Obras Completas, vol I. Madrid:
Editorial Biblioteca Nueva, 1948, p. 33-103.
LUFT, Lia. O Rio do Meio. So Paulo: Mandarim, 1996.
YALON, D. Irwin. Quando Nietzsche chorou. So Paulo: Ediouro, 2005.
87
87
29.11.2007, 09:27
88
29.11.2007, 09:27
ARTIGOS INTERNACIONAIS
89
29.11.2007, 09:27
90
29.11.2007, 09:27
Ser e Sexualidade:
contribuio ou confuso?*
Lesley Caldwell**
Resumo
Este trabalho trata das tentativas de Winnicott de discutir
sexualidade , usando Freud e diferenciando-se dele. Descreve as
descobertas que ocorrem ao se ler as anotaes que Winnicott fazia
em seu consultrio, e a sua perspiccia clnica, especialmente no
que se refere ao seu trabalho sobre elementos femininos e
masculinos.Leva em considerao sua tentativa de desenvolver uma
idia de diferena baseada na diversidade sexual e sua manifestao
na transferncia , menos convincente do que a discusso do
crescimento do self em seu encontro com um outro- a me ou o
analista- elaborada atravs da distino entre o ser e o fazer.
Segundo a autora, ele pretende unir esses elementos, sem sucesso,
com idias de feminino e masculino.
Summary
This paper engages with some of Winnicotts own attempts to
engage with sexuality, while both using freud and differentiating
himself from him. It describes the insights to be gained from the
records of Winnicott at work in the consulting room, and the clinical
*
**
91
91
29.11.2007, 09:27
92
92
29.11.2007, 09:27
93
93
29.11.2007, 09:27
94
94
29.11.2007, 09:27
95
95
29.11.2007, 09:27
96
96
29.11.2007, 09:27
97
97
29.11.2007, 09:27
98
98
29.11.2007, 09:27
99
99
29.11.2007, 09:27
100
100
29.11.2007, 09:27
101
101
29.11.2007, 09:27
102
102
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliogrficas
Adams, P. (1986). Versions of the Body. m/f, 1112: 2734.
Freud, S. (1923). The Ego and the Id. S.E., 19. London: Hogarth.
Laplanche, J. (1987). New Foundations for Psychoanalysis. Oxford: Basil Blackwell.
Lvi-Strauss, C. (1977). The structural study of myth. In: Structural Anthropology
(pp. 206231). Harmondsworth: Peregrine.
Mitchell, J. (1974). Psychoanalysis and Feminism. London: Penguin.
Mitchell, J. (1995). Psychoanalysis and Feminism: 20 years on. British Journal of
Psychotherapy, 12: 7377.
Phillips. A. (2000). Winnicotts Hamlet. In: L. Caldwell, Art, Creativity, Living
(pp. 31- 48). London: Karnac.
Rodman, F.R. (Ed.) (1987). The Spontaneous Gesture: Selected Letters of D.W.
Winnicott. London: Karnac. Rose, J. (2004). On Not Being Able to Sleep. London:
Vintage.
Winnicott, C., Shepherd, R., & Davis, M. (Eds.) (1989). Psycho-Analytic
Explorations. London: Karnac.
Winnicott, D.W. (1958). Through Paediatrics to Psycho-Analysis. London: Hogarth,
1975.
Winnicott, D.W. (1965a). The Family and Individual Development. London:
Tavistock. [Routledge, 2006]
Winnicott, D.W. (1965b). The Maturational Process and the Facilitating
Environment. London: Hogarth. [Karnac, 1990]
Winnicott, D.W. (1966). The split off male and female elements to be found in
men and women. In: C.Winnicott, R.Shepherd & M.Davis (Eds.), PsychoAnalytic Explorations. London: Karnac, 1989.
Winnicott, D.W. (1971). Playing and reality. London: Tavistock. [Routledge, 1982]
Winnicott, D.W. (1977) The Piggle: An Account of the Psychoanalytic Treatment
of a Little Girl. London: Hogarth.
Winnicott, D.W. (1986). Holding and Interpretation. London: Hogarth.
Winnicott, D.W. (1988). Human Nature. London: Free Association Books.
103
103
29.11.2007, 09:27
104
29.11.2007, 09:27
Resumo
No h criana entre os 6 e 10 anos que seja estudiosa ou quieta.
Muitas so agitadas ou mesmo insuportveis. Podemos ento nos
perguntar se elas esto realmente na latncia. Algumas no, mas
outras apesar de alteradas parecem estar. Contudo, o recalque no
funciona adequadamente para elas. Paul Denis, num texto
recentemente publicado na revista Information Psychiatrique,
qualifica de represso o mecanismo de suplncia do recalque que
permite a estas crianas entrar na latncia apesar de tudo. Procuro
neste trabalho apreender um pouco mais sobre as diferentes
variedades de funcionamento que se poderia classificar sob o termo
represso.
Summary
There are no quiet or hardworking children between the ages of 6
to 10.Many are restless and many are unbearable. We could then
wonder if they are really going through latency.Some arent, but
others, in spite of looking a little altered, are. However, repression
doesnt work properly to them. Paul Denis, in a recently published
article, in the Information Psychiatrique journal qualifies as
**
105
105
29.11.2007, 09:27
106
106
29.11.2007, 09:27
107
107
29.11.2007, 09:27
MARTY Pierre, Les mouvements individuels de vie et de mort. Payot, Paris, 1976, 244
pages.
108
108
29.11.2007, 09:27
109
109
29.11.2007, 09:27
110
110
29.11.2007, 09:27
111
111
29.11.2007, 09:27
9
10
112
112
29.11.2007, 09:27
11
12
113
113
29.11.2007, 09:27
114
114
29.11.2007, 09:27
13
115
115
29.11.2007, 09:27
14
116
116
29.11.2007, 09:27
15
GESELL A. et FRANCES L. ILG. Lenfant de 5 10 ans. PUF, Paris, 1980, 492 pages, p. 335.
117
117
29.11.2007, 09:27
118
29.11.2007, 09:27
SEO TEMTICA:
PSIQUISMO E
FIGURAS CORPORAIS
119
29.11.2007, 09:27
120
29.11.2007, 09:27
Resumo
Nascida do encontro analtico surge a percepo de que a anorexia
e a bulimia so manifestaes de um sofrimento psquico, sintomas
orais que escondem angstias arcaicas, ligadas a momentos
primitivos da constituio da psique, especialmente no que concerne
a rupturas precoces na relao com a figura materna internalizada.
Uma histria de paixes, me e filha unidas numa intensa
dependncia e paradoxalmente sentindo um horror a esta
dependncia que nutre a relao, aprisionadas num mesmo corpocrcere, numa perverso do querer, numa eterna busca de
completude para um vazio interior oriundo de seu mundo objetal
violento, procurando sentido para afetos estampados no corpo e
registrados na concretude de seus atos.
Unitermos: Anorexia Bulimia Alimentao Relao me-filha
Angstias arcaicas
**
Este artigo constitui-se como desdobramento da tese de Doutorado defendida pela autora
em Maio de 2003 na PUC-SP intitulada Anorexia Nervosa e Bulimia luz da Psicanlise
a complexidade da relao me-filha e foi originalmente publicado na Revista Brasileira
de Psicanlise de So Paulo, vol. 38, no. 2, 2004.
Psicanalista membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo.
Mestre e Doutora em Psicologia Clnica do Ncleo de Psicanlise da PUC-SP. Especialista
e supervisora clnica pelo Conselho Regional de Psicologia de So Paulo.
121
121
29.11.2007, 09:27
Summary
The psychological approach arouses the perception that anorexia
and bulimia are manifestations having origin in psychological
suffering, oral symptoms which hinds archaic anguish, linked to
primitive stages of the mind development, specially as early ruptures
with an internalized maternal image. A story of passion, mother
and daughter bound together, dependent on each other, but at the
same time feeling haunted by the dependence which involves their
relationships, fused in a corporeal prison, in a desire perversion, in
eternal search for filling an empty interior that comes from their
violent objectal world, looking for sense to some affects printed on
their body and on their acting - out.
Key-words: Anorexia Bulimia Nourishment Mother-daughter
relationship Archaic anguish
Unitermos: Anorexia Bulimia Alimentao Relao me-filha
Angstias arcaicas
Palavras perdidas
(poesia inspirada na clnica)
Idade da flor,
Triste menina
Vaga e franzina,
Encolhida e distante
Procura o amor.
Olhar devorador
Corpo de fome
Sensao de limite
Angstia e dor
Procura o amor.
Silenciosa e plida
Distante da vida
Anseia por vida
Mente fechada
Procura perdo.
Mulher da fronteira
Habitante do nada
Estado de penitncia
Sensao de rasteira
Procura clemncia.
122
122
29.11.2007, 09:27
Trmula e assustada
Me engolida...confuso
Fuso com desafeto
Corpo fetiche
Procura separao.
Vazio mortfero
Emoo nefasta
Expe vsceras
Desnuda o interior
Procura o calor.
Sonhos de caminho
Clama por ajuda
Busca quem
Encontra quem no
Procura o ninho.
Anseio de compreenso
Sombras minhas...
Medo do abismo profundo
O mundo interno
Vcuo sem fundo!
Tolerar a frustrao
Da incompreenso
Agentar a pausa
Do lugar vazio
Da no-cousa.
Um par se forma
Duas mentes se aproximam
Monstros se transformam
Coloridos se resgatam
Encontra a interioridade.
Quem sabe um dia
Deixar de sentir frio
E mais nenhum vazio
Cessar a dor
Chegar ao esplendor!
123
123
29.11.2007, 09:27
Nomes das pacientes e histrias misturados com a fico, para resguardar o sigilo da
sala de anlise.
124
124
29.11.2007, 09:27
125
125
29.11.2007, 09:27
126
126
29.11.2007, 09:27
A contribuio da psicanlise
Definio dos termos:
Anorexia: palavra que vem do grego orexis, que significa desejo em
geral e no apenas desejo de comer, precedida do prefixo a de negao,
anorexia quer dizer negao do desejo. Podemos constatar desde aqui
As pesquisas apontam para o fato de que 90% das pessoas acometidas pela anorexia so
jovens mulheres, o mesmo ocorrendo com a bulimia: dados extrados do Current Medical
Diagnosis & Treatment, ed. Lawrence Thierney, Stephen McPhee, Maxine Papadakis.
Stamford: Appleton & Lange, 1999.
127
127
29.11.2007, 09:27
O mal-estar da contemporaneidade
Questes de identidade, falhas no processo identificatrio, reas do
desenvolvimento mental que ficaram sem representao e portanto
impedidas de desdobramentos, mentes que burlam a possibilidade de
pensar a dor: sinais dos nossos tempos, as lacunas (equivalentes ao que
Eliana denominava como brancos) da chamada era contempornea
do a luz a aparelhos psquicos que no conseguem abrigar reas de
representabilidade do afeto. Da anorexia e bulimia (assim como a chamada
sndrome do pnico, alcoolismo, drogadices) serem consideradas hoje
como perturbaes pertinentes era contempornea, pela concretude de
suas expresses, pelo vazio de significaes, pelos sucessivos actings, pelos
constantes splittings e pela impulsividade das aes violentas em
detrimento da ponderao elaborada do pensamento.
Meninas anorxicas/bulmicas que se mostram sombrias, assustadas e
que relatam uma sensao frustrada de desencontros, de constantes buscas
128
128
29.11.2007, 09:27
129
129
29.11.2007, 09:27
Continua Kristeva:
No se dispe nem do tempo nem do espao necessrios para
constituir uma alma (...) Umbilicado sobre seu quanto a mim, o
homem moderno um narcisista talvez cruel, mas sem remorso. O
sofrimento o prende ao corpo ele somatiza (...) O homem moderno
est perdendo a sua alma. Mas no sabe disso, pois precisamente
o aparelho psquico que registra as representaes e seus valores
significantes para o sujeito. Ora, a cmara escura est avariada.
(grifos meus)
130
130
29.11.2007, 09:27
131
131
29.11.2007, 09:27
132
132
29.11.2007, 09:27
Maria Ceclia Pereira da Silva aborda esse tema em sua tese de doutorado A herana
psquica na clnica psicanaltica, defendida na PUCSP em 2002.
133
133
29.11.2007, 09:27
A clnica soberana
Confuso e fuso com desafeto
Numa certa manh, conheci Juliana. Procurou-me pressionada pelo
seu medo de estar ficando louca. Conta-me, angustiada que passa grande
parte de seu dia entre dois lugares: a academia e a cozinha. Sente-se
esvaziada, triste, com uma sensao de oco por dentro e odeia o seu
corpo, se pudesse, teria outro com tudo, tudo diferente.
Corpo e comida representam sua razo de viver. No tem namorado,
detesta os homens por j ter sido vtima da falta de carter deles.6
Est eternamente de regime, come muito pouco, quase nada. Passa
horas de seu dia exercitando-se em casa ou na academia. No sente fome,
magra. Mas... noite...tem muita insnia, fica acordada, pensando,
nervosa, agitada e sente muita fome. Uma fome de boi... e corre para a
cozinha, abre a geladeira e come at se fartar.
Como tudo o que vejo: feijo com arroz, frio mesmo, queijo, macarro,
pur, tomo uns trs copos de leite. Ontem tinha bolo de chocolate que fiz
de manh e devorei metade. Depois tomei mais dois copos de coca-cola,
uma barra de chocolate e meio pacote de suspiros. Quando terminei esse
ataque, sentei no cho, encostada na geladeira e chorei, acho que chorei
por meia-hora, como criana, chorei de raiva de mim, chorei de pena de
mim, chorei muito.
Fui para o banheiro, pus o dedo na garganta e vomitei. Vomitei tudo o
que comi, porque no posso engordar, e alm do mais aquela comilana
estava me fazendo muito mal, fiquei enjoada e tonta.
Veneno comida que faz adoecer
S. Freud, 1933
Juliana foi noiva e s vsperas do casamento descobriu que o noivo a traa com vrias
mulheres.
134
134
29.11.2007, 09:27
135
135
29.11.2007, 09:27
refratria entre ns, que muito nos conta sobre a sua anorexia e sobre os
ataques bulmicos aos objetos.
No incio da anlise, conversvamos muito sobre telas de pintores
famosos, como Edvard Mnch, trazidas por Juliana em xerox, telas com
temas de vampiros, sangue, amores imortais e vida aps a morte, e foi
com a ajuda das imagens que pudemos, aos poucos, acessar reas de
representabilidade do afeto, to interditadas pelas lacunas identificatrias
que Juliana trazia, responsveis pelas palavras muitas vezes perdidas.
Briga muito com a me, que a acusa de ser parecida com a av. Aps
algum tempo de anlise, Juliana conta-me:
Quando minha me se descontrola comigo, faz uma confisso: diz
que eu tenho todo o gnio ruim da me dela, que era considerada
louca pela famlia, que eu sou a encarnao dela e que ela vai ter
que agentar isso tudo de novo.
136
136
29.11.2007, 09:27
O lugar da sensorialidade
Ao olhar para o prato de comida que minha me, coitada, preparou
com tanto carinho e com tanta preocupao, fico parada, com o
olhar perdido, nem parece que estou enxergando aquelas
comidas...fico pensando... por onde vou comear?...ser que dou
uma mordida naquele pedao de tomate? Engorda menos... mas...
137
137
29.11.2007, 09:27
Assim desabafa Mrcia, uma adolescente de 16 anos, que vive com muita
intensidade as caractersticas tpicas de um psiquismo de predominncia
anorxica, mas que contm em si em estado de stand by os fortes traos
bulmicos, que nem sempre emergem em seu comportamento.
Mrcia continua em outro momento:
Ontem, tive uma sensao... enquanto tentava comer, que pensei
que deveria no me esquecer para poder te contar: era hora do
jantar, eu estava na mesa com o papai, a mame e a Carla. Quando
fui comer o bife, e espetei ele no garfo saiu um suco dele e lembreime de sangue novamente...mas desta vez pus a carne na boca e
comecei a mastigar. Devagar, bem devagar, fui mastigando, foi
saindo para a minha boca aquele gosto salgado, a minha boca se
encheu de gua, salgada da minha saliva, as fibras daquele pedao
de carne grudaram no meu dente e a cada mastigada eu sentia que
aquilo era agressivo para mim, aquela carne nojenta que eu ia ter
que engolir e que ia levar para dentro de mim... essa carne de repente
cresceu na minha boca em vez de diminuir para ser engolida.
Cresceu e ficou gigante, estava me fazendo mal, at que cuspi tudo
no prato e sa correndo para vomitar.
138
138
29.11.2007, 09:27
139
139
29.11.2007, 09:27
140
140
29.11.2007, 09:27
141
141
29.11.2007, 09:27
142
142
29.11.2007, 09:27
143
143
29.11.2007, 09:27
Do cru ao cozido11
Penso ser de interesse para este artigo uma breve referncia histria
da alimentao, uma vez que o comer est comprometido com modelos
alimentares e identidades culturais que nos levaro a um aumento de
compreenso do mundo interno daqueles que usam a comida e o ato de
10
11
144
144
29.11.2007, 09:27
145
145
29.11.2007, 09:27
E, mais frente:
... a arte da cozinha consiste em no apenas tornar o sabor dos
alimentos mais agradvel, mas tambm, e ao mesmo tempo,
146
146
29.11.2007, 09:27
Consideraes finais
As meninas adolescentes, viradas do avesso pela anorexia e pela bulimia,
chegam aos nossos consultrios intoxicadas, como se tivessem sido
tomadas por uma carga emocional venenosa, que se espalhou pelo seu ser
12
147
147
29.11.2007, 09:27
13
148
148
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliogrficas
AULAGNIER, P.(1986) Nascimiento de un cuerpo, origen de una histria. In:
Horstein, L., Aulagnier, P. et al, Cuerpo,Historia, Interpretacin. Argentina:
Paids, 1991, p. 121.
__________ La violence de linterprtacion. Paris: Presses Universitaires de
France, 1991.
BION, W. D.(1962) Aprendiendo de la experincia. Mexico: Paids, 1991.
__________ (1974) Superviso com Dr. Bion, IDE. So Paulo: SBPSP, 1974, p. 4.
BREEN, D.B.(1996) Phallus, penis and mental space. International Journal of
Psychoanalysis, 77.
DEL PRIORE, M. (2000) Corpo a corpo com a mulher: pequena histria das
transformaes do corpo feminino no Brasil. So Paulo: Senac, 2000.
FARRELL, E. (1995) Lost for Words The Psychoanalysis of Anorexia and
Bulimia. London: Process Press, 1995.
FLANDRIM, J. L. e MONTANARI, M.(orgs.) Histria da Alimentao. So Paulo:
Estao Liberdade, 1998.
FREUD, S.(1892-3) Um caso de cura pelo hipnotismo, ESB, I, p. 171.
_________(1893-95) Estudos sobre a histeria, ESB, II, p. 63.
_________(1895) Rascunho G, ESB, I, p. 275-6.
_________[1924(1923)] Uma breve descrio da psicanlise, ESB, XIX, p. 247.
_________(1933) Conferncia XXXIII Feminilidade, ESB, XXII, p. 151.
HERCOVICI, C. R., BAY, L.Anorexia nervosa e Bulimia ameaas autonomia.
Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997, p. 33.
JEAMMET, P.(1984) A abordagem psicanaltica dos transtornos alimentares. In:
Urribarri, R. (org.) Anorexia e Bulimia. So Paulo: Escuta, 1999, p. 31.
KLEIN, M.(1921- 1945) Amor, Culpa e Reparao e Outros Trabalhos. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
________ (1946-1963) Inveja e Gratido e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro:
Imago, 1991.
KRISTEVA, J. As Novas Doenas da Alma. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 9.
149
149
29.11.2007, 09:27
150
150
29.11.2007, 09:27
O discurso multidisciplinar
sobre o tema obesidade*
Terezinha de Souza Agra Belmonte**
Do luto luta
A Teogonia uma sinopse no s de mitos mas uma
sinopse do prprio processo cosmognico.
Ela mostra que neste canto arcaico pulsa j o primeiro
impulso do pensamento racional
Resumo
A idia nesse trabalho de concluso da disciplina a Histria da
Psicanlise (Arquivo, Arqueologia e Memria) ministrada no
Instituto de Psicologia no Programa de Ps Graduao em Teoria
Psicanaltica, apresentar a perplexidade e a admirao perante o
conhecimento que adquiri durante o seu perodo de durao (abril
a junho de 2006 ) e como ela contribuiu para a reflexo sobre a
rea de interesse da minha pesquisa a obesidade (do latim
**
151
151
29.11.2007, 09:27
Summary
The idea of this paper on the conclusion of the discipline The History
of the Psychoanalysis: file, archeology and memory, is to show the
perplexity and the admiration towards the accomplishments he
learned during its period , as well as the way it contributed efficiently
on the searchet area of the present paper work : the obesity (from
Latin obesus: ob = too much; edere: eating too much). A chronic
disease having a multidisciplinary approach in which the object of
the discourse is to treat and rehab through the alimentary
reeducation; physical activities and bariatric surgeries, in order to
improve the citizens life who portraits this kind of pathology which
is responsible for the high amount of medical complications, leading
even to death. Also this problem turns the person excluded from the
society, which many of the times it may occur since his / her early
existence, due to the body slim performance demanded by the
current media in our todays society.
Key Words: psychoanalysis, obesity, chronic disease,
multidisciplinar
Introduo
O tema obesidade objeto de pesquisa da autora desde 1976. Ela, em
sua experincia clnica, no atendimento aos que se queixavam de
obesidade, percebia na relao mdico-paciente que alguns no eram
152
152
29.11.2007, 09:27
153
153
29.11.2007, 09:27
154
154
29.11.2007, 09:27
As Vnus
Vnus, a deusa romana da formosura e do amor a origem da palavra
venereal (venreo).
A Vnus da mitologia romana equivale a Afrodite na mitologia grega e
a Iemanj na mitologia africana.
As Vnus representam as mulheres na qualidade de objeto.
Os especialistas da pr histrica comentam que as esttuas de deusas
- mes aparecem segurando crianas, parindo ou copulando.
O pesquisador Cludio Quintino, autor de A Religio da Grande Deusa
mostra que a nossa sociedade sofre de uma carncia do elemento feminino
que se manifestam na religio vrias vezes ao longo da histria, sem haver
continuidade entre essas manifestaes.
A Alimentao
A questo do conhecimento da cincia da nutrio que envolve aspectos
do ser humano e a sua relao com o alimento e os diferentes rituais
alimentares ao longo da histria da civilizao, marcando cada etapa do
processo de civilizao e a modificao dos seus hbitos tornam-se um
campo de estudo a ser investigado. Atualmente as doenas nutricionais
esto sendo causadas pelos excessos alimentares e pelos atuais e errneos
estilos de vida da nova gastronomia.
155
155
29.11.2007, 09:27
A Histria da Beleza
Busse, 2004 em seu livro: Anorexia, Bulimia e Obesidade explicita que
o conceito de beleza ao longo da histria, encontra-se ligado ao de perfeio,
com traos que afastam o ser humano da animalidade. A beleza uma
obrigao feminina e um sistema monetrio semelhante ao padro ouro.
O padro esttico de beleza relacionado mulher, na maioria das culturas,
est ligado a irrealidade e ao esquecimento da maternidade. J vimos que
a Vnus de Willendorf, da horda primitiva, representava a deusa me, nas
sociedades matriarcais e nas sociedades mais estruturadas aparece
Nefertiti e Clepatra, no Egito e Helena de Tria , na Grcia. Na Idade
Mdia, temos a mulher me (Eva, primeira me, imagem feminina, branca,
pura, corpo virginal e to delgado que poderia ser cercado com duas mos)
e a mulher amante (Lilith, aquela que se rebela do domnio do deus
masculino e passa a viver entre os demnios). O sculo XIII marcado
pelas santas medievais, autosacrifcio, com ingesto somente da eucaristia,
abstinncia sexual, e rejeio ao casamento, aparecendo no final desse
perodo mulher Branca de Neve e no sculo XIX, a mulher burguesa,
me de famlia e honesta que se contrapem as santas e anorxicas.
O sculo XX marcado pela mulher magra que sinnimo de sade,
dona de casa, me e esposa !?
Eco, 2004, narra que a religio esttica comea no incio da segunda
metade do sculo XIX: perodo vitoriano na Inglaterra, o Segundo Imprio
na Frana, no qual dominam as slidas virtudes burguesas e os princpios
de um capitalismo em expanso. A classe operria toma conscincia da
prpria situao. O artista, diante da opresso do mundo industrial, do
crescimento das metrpoles percorridas por multides imensas e
annimas, do surgimento de novas classes cujas necessidades no incluem
a esttica, o fendido pela forma das novas mquinas que ostentam a pura
funcionalidade de novos materiais, sente ameaados os prprios ideais ,
percebe como inimigas as idias democrticas que avanam gradualmente,
decide se fazer diverso.
A Beleza vitoriana um valor primrio a ser realizado a qualquer custo,
a tal ponto que muitos vivero a prpria vida como obra de arte. Ela acaba
por coincidir no mais com o suprfluo, mas com o valor. O espao ocupado
pelo vago, indeterminado, agora preenchido pela funo prtica do objeto.
O burgus no tem dilemas morais: moralista e puritano em casa,
hipcrita e libertino com as jovens de bairros proletrios..
nesse contexto que surge a Psicanlise: com um corpo terico, uma
metodologia de investigao e a busca de um tratamento para a Doena
156
156
29.11.2007, 09:27
Nervosa Moderna. Sigmund Freud resgata esses saberes descontnuos prhistricos e histricos, para aplicar na clnica psiquitrica da poca, que
no conseguia encontrar elementos anatmicos alterados para explicar a
psicopatologia e a fisiopatologia desse sofrimento e atravs da procura
da essncia da narrativa dessa pessoa que o procura, que ele aprende a
resgatar a sade desse ser humano, repetindo o aprendizado descrito na
Teogonia, pelas Musas.
O texto Moral Sexual Civilizada e Doena Nervosa Moderna (1908) foi
a primeira de longas exposies de Freud sobre o antagonismo entre
civilizao e vida instintual, pois num memorando escrito em 1897, ele
fala que o incesto anti - social e a civilizao consiste numa renuncia
progressiva ao mesmo.
As extraordinrias realizaes dos tempos modernos, as descobertas,
as invenes em todos os setores e a manuteno do progresso, apesar da
crescente competio, s foram alcanados e s podem ser conservados
por meio de um grande esforo mental.
Em todas as classes aumentam as necessidades individuais e a nsia de
prazeres materiais; um luxo sem precedentes atingiu camadas da
populao a que at ento era totalmente estranho; a falta de religiosidade,
o descontentamento, e a cobia intensificam-se em amplas esferas sociais.
A vida urbana torna-se cada vez mais sofisticada e intranqila. Os nervos
exaustos buscam refgio em maiores estmulos e em prazeres intensos,
caindo em ainda maior exausto.A observao clnica permitiu-nos
distinguir dois tipos de distrbios nervosos: as neuroses e as psiconeuroses.
A evoluo da civilizao levou o homem , a renunciar a sua satisfao
instintual e a oferecer divindade como um sacrifcio ( e assim ele
declarado santo ).A essa capacidade de trocar seu objetivo sexual original
por outro, no mais sexual, mas psiquicamente relacionado com o primeiro,
chama-se sublimao. Parece-nos que a constituio inata do indivduo
que ir decidir qual parte do seu instinto sexual ser capaz de sublimar e
utilizar. A criana tem um estgio autoertico que depois passa para a fase
de amor objetal e ento autonomia das zonas ergenas, o que inibido no
seu desenvolvimento caso seja intil funo reprodutora (nos casos
favorveis ela sublimada e em outros temos os pervertidos e os
homossexuais). A educao das mulheres impede que se ocupem da
questo sexual por se tratar de assunto pouco feminino e pecaminoso. As
mulheres ao sofrerem as desiluses do casamento contraem graves
neuroses. A experincia nos ensina que existe para a imensa maioria das
pessoas um limite alm do quais suas constituies no podem atender s
157
157
29.11.2007, 09:27
158
158
29.11.2007, 09:27
As Musas
As Musas so filhas de Zeus, com Mnemosyne (Memria), elas so a
combinao do esplendor fulgurante de Zeus com a potente presena da
negao do esquecimento, a memria. por essa filiao, por essa gnese,
que as Musas tm por prerrogativa dizer a verdade (dar a ouvir revelaes).
Na Grcia Antiga, essa palavra cantada tinha o poder de restaurar a sade
dos enfermos, na medida em que os punha em contato com as foras
primevas e pulsantes da vida que estariam adormecidas ou esquecidas,
arrancando-os da obscuridade mortfera do silncio. em profunda
solidariedade com esse poder da palavra que a psicanlise se funda como
talking cure, como a batizou uma paciente de Breuer, Anna O.
O analisante dedica-se ao relato (uma das tradues possveis de
mythos), como o poeta arcaico.
159
159
29.11.2007, 09:27
Mito e realidade
O desejo de conhecer a origem das coisas caracteriza a cultura ocidental.
Para a psicanlise, o verdadeiro primordial o primordial humano, a
primeira infncia. A criana vive num tempo mtico, paradisaco. A
Psicanlise elaborou tcnicas capazes de nos revelar os primrdios de
nossa histria pessoal e, sobretudo, de identificar o evento preciso que
ps fim a beatitude da infncia e decidiu a orientao futura de nossa
existncia. Traduzindo isso em termos de pensamento arcaico, pode-se
dizer que um paraso (para a psicanlise, o estado pr - natal ou o perodo
que se estende at a ablactao) e uma ruptura, uma catstrofe (o
traumatismo infantil) e que, seja qual for atitude do adulto em face desses
eventos primordiais, eles no so menos constitutivos do seu ser. A tcnica
psicanaltica permite que o indivduo volte atrs ao seu tempo mtico de
origem e reatualize determinados eventos decisivos da primeira infncia.
Nas sociedades arcaicas, uma comunidade inteira, revivia, por meio de
rituais, os acontecimentos narrados nos mitos.
A questo do corpo
Estudando se o corpo, percebe-se que ele se apresenta ao conhecimento em dois momentos: antes da razo cientfica, estgio natural, onde
era visto pelos traos da tradio e da auto regulao moral e na
Modernidade, estgio da liberdade, com a criao do homem e o conceito
de corpo/organismo pela razo do conhecimento cientfico e das prticas
institucionais mdicas.
O corpo no perodo medieval se fundia em matria e esprito, tudo que
se fizesse matria ou vice- versa ofendia o esprito. A cremao era
proibida, pois se acreditava que a ressurreio atravs do esprito no se
faria, caso isso fosse permitido. O corpo era visto com algo sagrado e a
dissecao de cadveres era considerada uma profanao ao corpo humano.
Esse rito pertencia aos brbaros pagos e criminosos graves ou hereges. O
sentido da tortura e da dor era que a punio sobre o fsico era tambm
160
160
29.11.2007, 09:27
Consideraes finais
A autora conclui o trabalho aps uma investigao arqueolgica do
arquivo que compe as diferentes estruturas de saberes que compe a
investigao desse conhecimento. Ela interroga se o poder mdico ao
enunciar a questo da epidemia da obesidade, est denunciando o caos
global, a impotncia em imprimir nesse sujeito a ordem da nova esttica e
o coloca numa instituio, impossibilitando-o de ter uma vida com
alguma qualidade, com a sublimao em algum nvel, das pulses sexuais.
161
161
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliograficas
Arajo, Jos Augusto Carvalho de, O uso do corpo: produo de saberes e hbitos
corporais. Revista dos ps- graduandos de sociologia daUFP- n.2, junho
de2002 - Disponvel em <Paraaiwa> julhode 2006.
162
162
29.11.2007, 09:27
163
163
29.11.2007, 09:27
164
29.11.2007, 09:27
Resumo
O trabalho apresenta aspectos tericos e clnicos sobre leses
corporais e trauma originados a partir de uma rea especfica do
corpo: o rosto. Desenvolve o tema com apoio nas noes de
desamparo, trauma, identificao, iluso, um rosto estranho e
funo especular. Do ponto de vista da clnica, destaca o papel do
terapeuta, a dimenso corporal da transferncia e o holding como
vias de acesso ao processo de reconstruo do rosto.
Palavras-chaves: desamparo, reconstruo da face, psicanlise.
Summary
Regarding the knowledge and understanding of traumatic events,
the theme grows supported ideas of helplessness and trauma, by
the current meaning of scheme and body image, and by the
165
165
29.11.2007, 09:27
166
166
29.11.2007, 09:27
FREUD, Sigmund. Projeto para uma psicologia cientfica. In: ESB. Vol. I. Rio de Janeiro:
Imago, 1977 (1950[1895]).
FREUD, Sigmund. Inibies, sintomas e ansiedade. In: ESB. Vol. XX. Rio de Janeiro:
Imago, 1976 (1926[1925]).
LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, J.-B. Vocabulrio da psicanlise. So Paulo: Martins
Fontes, 1994.
167
167
29.11.2007, 09:27
168
168
29.11.2007, 09:27
169
169
29.11.2007, 09:27
vida e fazer com que o ego a elas reaja em situaes posteriores, ou ainda
que vrias delas possam entrar em ao, em simultaneidade.
Freud, ao relacionar a origem da angstia a uma situao de perigo,
afirma que os sintomas estabelecem-se para tirar o ego de tal situao. Se
houver um impedimento da expresso da angstia atravs de sintomas, o
perigo de fato se concretiza, isto : uma situao anloga ao nascimento
se estabelece na qual o ego fica desamparado em face de uma exigncia
instintual constantemente crescente o determinante mais antigo e
original da ansiedade. (p. 168)
Os pacientes com os quais tive contato, encontravam-se, na maioria
das vezes, extremamente desprotegidos e dependendo inteiramente dos
outros para satisfazerem suas necessidades mais bsicas. Impedidos de
locomoverem-se e alimentarem-se ss, em alguns momentos ficavam
totalmente dependentes do cuidado de outros. O prprio processo de
hospitalizao, remete o paciente condio de dependncia, de regresso.
Freud nos ensinou que uma situao de perigo uma situao reconhecida, lembrada e esperada de desamparo.
Paradoxalmente, ao encontrarem uma equipe disposta a auxili-los na
reconstruo de seus rostos, de responder aos seus gritos de socorro, os
pacientes apresentam tal determinao e fora que impressionam a todos
os que se dedicam aos cuidados desses pacientes.
Nas situaes limites, parecem freqentes afirmaes tais como: No
vou desanimar frase dita pelo piloto italiano de Frmula I, Alessandro
Zanardi, que teve as duas pernas amputadas aps sofrer um acidente
quando seu carro foi atingido por um outro a 320 km por hora. A despersonalizao, o perigo e a angstia de no mais se encontrar, no reconhecerse, so companheiros freqentes desses pacientes. Portanto, desamparo e
vulnerabilidade fazem parte do seu dia a dia.
Parece desnecessrio apontar a importncia do rosto para a imagem
que cada um tem de si mesmo. Tornou-se ento relevante para o trabalho
considerar a construo subjetiva do rosto.
Parti da idia de que a imagem que cada um tem de seu prprio rosto
uma iluso. possvel a algum acordar um dia e se achar lindo e no outro
dia achar-se horroroso. Assim possvel tambm pensar na possibilidade
de reconstruo para um rosto.
A identificao , com certeza, o primeiro conceito a ser considerado
nesta construo subjetiva do rosto. De incio, o beb identifica tudo o que
se assemelha ao rosto humano, inclusive mscaras. Posteriormente que
reconhecer o rosto de sua me ou substituta, identificando-se, para em
170
170
29.11.2007, 09:27
171
171
29.11.2007, 09:27
172
172
29.11.2007, 09:27
173
173
29.11.2007, 09:27
174
174
29.11.2007, 09:27
Continuando com Fontes, a autora aponta que determinadas experincias s podero ser rememoradas pela via do sensorial, visto que justamente
por terem sido impressas em tal registro, tornam-se portanto inacessveis
representao. Acredita-se que permaneam silenciosas, porm s com
o lado incmodo do silncio.
As relaes transferenciais que se estabelecem entre paciente e
terapeuta nas situaes de uma internao hospitalar referente ao corpo
175
175
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliogrficas
CYRULNIK, B. La rsilience: um espoir inattendu; In: POILPOT, M.P.R.S.A. (org.)
Souffrir mais se construire. res, 1999.
DOLTO, F. A imagem inconsciente do corpo. So Paulo: Perspectiva, 1992.
DOLTO, F.; NASIO, J.D. Lenfant du miroir. Paris: Rivages, 1992.
FONTES, I. Psicanlise do sensvel : a dimenso corporal da transferncia.
FREUD, S. Alm do princpio do prazer. In: ESB, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago,
1976 (or. 1920).
. Construes em anlise. In: ESB, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago,
1975 (or. 1937).
. O Estranho. In: ESB, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1972
(or. 1919).
. O futuro de uma iluso. In: ESB, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago,
1974 (or. 1927).
176
176
29.11.2007, 09:27
177
177
29.11.2007, 09:27
178
29.11.2007, 09:27
ENSAIOS
179
29.11.2007, 09:27
180
29.11.2007, 09:27
Velocidade e represso
Marcelo Coelho*
Resumo
As relaes entre infncia e a experincia do tempo so analisadas
neste artigo a partir de alguns poemas de William Wordsworth e
do pensamento de Bergson. Procura-se definir de que modo, a partir
de um fluxo contnuo de impresses inconscientes, mecanismos como
ritmo, interrupo, narrativa e medo se tornam necessrias
aquisio do comportamento adulto.
Palavras-chave: infncia, temporalidade, medo, Wordsworth,
Bergson.
Summary
In this essay, the relationship between childhood and temporality
is analysed taking as a point of departure some poems by William
Wordsworth as well as Bergsons philosophy. The author tries to
describe how the subject, from a continuous stream of unconscious
impressions, acquires the manners and discipline needed in adult
life through the devices of rythm, interruption, narrative and fear.
Keywords: childhood, temporality, fear, Wordsworth, Bergson.
181
181
29.11.2007, 09:27
1
O Preldio [The Prelude], de William Wordsworth (1770-1850), um
longo poema autobiogrfico que o escritor romntico ingls comeou a
escrever por volta dos trinta anos de idade, sem chegar a public-lo em
vida. Um de seus temas principais, presente alis nas obras mais
significativas do poeta, o do papel das primeiras impresses da infncia
na constituio da personalidade adulta, e o do valor que adquirem, nas
primeiras fases da vida, determinadas experincias de comunho e sintonia
com a natureza. Mesmo se aparentemente esquecidas ou obliteradas pelo
hbito e pela rotina, essas experincias constituem uma espcie de
repositrio, de tesouro ntimo, que felizmente somos capazes, periodicamente, de reviver.1
1
182
182
29.11.2007, 09:27
183
183
29.11.2007, 09:27
One summer evening (...) I found/A little boat tied to a willow-tree/Within a rocky
cave, its usual home./Straight I unloosed her chain, and stepping in/Pushed form the
shore. It was aan act of stealth/ And troubled pleasure; nor without the voice/ Of
mountain-echoes did my boat move on;/Leaving behind her still, on either side,/ Small
circles glittering idly in the moon,/Until they melted all into one track/ Of sparkling
light. But now, like one who rows,/Proud of his skill, to reach a chosen point/ With an
unswerving line, I fixed my view/ Upon the summit of a craggy ridge,/The horizons
utmost boundary; far above/ Was nothing but the stars and the grey sky./She was an
elfin pinnace; lustily/ I dipped my oars into the silent lake,/ And, as I rose upon the
stroke, my boat/ Went heaving through the water like a swan;/When, from behind that
craggy steep till then/ The horizons bound, a huge peak, black and huge,/As if with
voluntary power instinct,/ Upreared its head. It struck and struck again,/ And growing
still in stature the grim shape/ Towered between me and the stars, and still,/ For so it
seemed, with purpose of its own/ And measured motion like a living thing,/ Strode after
me. With trembling oars I turned,/ And through the meadows homeward went, in grave/
And serious mood; but after I had seen/ That spectacle, for many days, my brain/ Worked
with a dim and undetermined sense/ Of unknown modes of being; oer my thoughts/
There hung a darkness, call it solitude/ Or blank desertion. No familiar shapes/
Remained, no pleasant images of trees,/ Of sea or sky, no colours of green fields;/ But
huge and mighty forms, that do not live/ Like living men, moved slowly through the
mind/ By day, and were a trouble to my dreams. A traduo para o portugus de
Alberto Marsicano e John Milton, em O Olho Imvel pela Fora da Harmonia, p. 30-41.
184
184
29.11.2007, 09:27
The Child is father of the Man, verso do poema My heart leaps up when I behold,
tambm includo em O Olho Imvel..., cit.
185
185
29.11.2007, 09:27
186
186
29.11.2007, 09:27
...in the frosty season, when the sun/ Was set, and visible for many a mile/ The cottage
windows blazed through twilight gloom,/ (...) for me/ It was a time of rapture! Clear
and loud/The village clock tolled six, I wheeled about,/Proud and exulting like na
untired horse/ That cares not for his home. All shod with steel,/We hissed along the
polished ice in games/Confederate, imitative of the chase/And woodland pleasures,
the resounding horn,/The pack loud chiming, and the hunted hare./So through the
darkness and the cold we flew,/And not a voice was idle; with the din/Smitten, the
precipices rang aloud;/The leafless trees and every icy crag/Tinkled like iron; while
far distant hills/Into the tumult sent na alien sound/ Of melancholy not unnoticed,
while the stars/ Eastward were sparkling clear, and in the west/ The orange sky of
evening died away./Not seldom from the uproar I retired/ Into a silent bay, or
sportively/ Glanced sideway, leaving the tumultuous throng,/To cut across the reflex
of a star/ That fled, and , flying still before me, gleamed/ Upon the grassy plain; and
oftentimes,/ When we had given our bodies to the wind,/ And all the shadowy banks on
either side/ Came sweeping through the darkness, spinning still/ The rapid line of
motion, then at once/ Have I, reclining back upon my heels,/ Stopped short; yet still
the solitary cliffs/ Wheeled by me even as if the earth had rolled/ With visible motion
her diurnal round!/ Behind me did they stretch in solemn train,/Feebler and feebler,
and I stood and watched/ Till all was tranquil as a dreamless sleep.
Impressed, upon all forms, the characters/ Of danger and desire; and thus did make/
The surface of the universal earth,/ With triumph and delight, with hope and fear,/
Work like a sea (...)
187
187
29.11.2007, 09:27
2
Escrevendo no final do sculo 20, o romancista Milan Kundera soube
relativizar com toques de humorismo esse poder, digamos, teraputico
que a velocidade moderna parecia possuir aos olhos de um poeta como
188
188
29.11.2007, 09:27
189
189
29.11.2007, 09:27
3
Passo agora ao tema central deste artigo, o das relaes que, como pai
de dois meninos pequenos, tenho podido observar entre a experincia
moderna da passagem do tempo e o processo gradativo da imposio de
limites e de padres de comportamento sobre as crianas da era do
videogame, do shopping center e da TV a cabo.
Ibidem, p.11.
190
190
29.11.2007, 09:27
191
191
29.11.2007, 09:27
Este paradoxo, creio, o que est por trs de um conto muito conhecido
de Jorge Lus Borges, Funes o Memorioso, cujo protagonista tem a
particularidade de ser incapaz de esquecer qualquer coisa; guardava a
memria de todos os mais insignificantes detalhes da prpria vida. Podia
lembrar-se, por exemplo, de todas as minsculas transformaes das
nuvens que passam pelo cu numa tarde. A rememorao daquela tarde,
diz Borges, ocupou toda uma outra tarde da vida de Funes...
Certamente, estamos aqui diante de uma impossibilidade, ou de uma
armadilha ficcional. Pois uma mente que fosse capaz de reencenar todas
as variaes das nuvens na memria teria de entregar-se, alm disso, a
uma operao suplementar: teria, por exemplo, de saber que est se
lembrando daquelas nuvens; e tambm de prolongar voluntariamente a
sua experincia de rememorao. Haveria, portanto, um vaivm entre a
ateno dada a si mesmo (estou me lembrando, foi exatamente assim,
vou continuar a me lembrar mais um pouco...) e a ateno dada cena
rememorada. Sem dvida, a cada mudana de foco no seu pensamento,
Funes estaria interrompendo o processo contnuo de sua rememorao.
Estaria vendo uma seqncia muito grande, certo de fotos daquelas
nuvens, mas no estaria vendo um filme com a durao exata, em tempo
real, do processo de sua transformao.
Se Funes estivesse vendo imaginariamente o filme daquela tarde, no
diramos que ele estava lembrando-se daquela tarde, mas sim que estava
sonhando aquela tarde, sem conscincia de cada um dos momentos de
sua rememorao. Para ver toda a tarde de novo, ele teria de se esquecer
de quem , do ato voluntrio de sua memria; e, depois de despertar desse
sonho, Funes no teria (justamente ele!) como se lembrar de que foi ele
quem sonhou. Uma memria consciente seria, ento, necessariamente
fragmentada, e no contnua. Recupera o tempo, mas o v parado, de fora,
no o vive de dentro...
inevitvel relacionar essa diferenciao entre a experincia de um
tempo vivido de dentro e a de uma memria fragmentada, descontnua,
com uma clebre passagem de Henri Bergson em Matire et Mmoire8
em que, muito a propsito, o filsofo francs utiliza como exemplo uma
situao de aprendizado.
Estou estudando uma lio, diz Bergson (e podemos imaginar que
um texto que deve ser decorado, como os que havia nas escolas antigamente). Leio a passagem uma vez, duas, trs, e aos poucos algumas seqncias
8
192
192
29.11.2007, 09:27
de palavras vo se cristalizando na memria, vo surgindo automaticamente; leio mais vezes, e depois de muitas repeties torno-me capaz de
reproduzir o texto inteiro mentalmente. No dia seguinte, na aula, posso
recit-lo em voz alta: eu me lembro do texto, conheo-o de cor.
Suponha-se e continuamos a parafrasear Bergson, que eu trate agora
de rememorar como foi a tarde em que decorei a lio. Lembro-me, por
exemplo, que da terceira vez em que li o texto algum tocou a campainha;
que determinado trecho me foi especialmente difcil de memorizar; que
depois de eu ter decorado o primeiro pargrafo comeou a chover, e que
tomei um caf em seguida... Lembro-me, portanto, do que se passou
naquelas horas; lembro, tambm, do texto decorado. Mas, pergunta
Bergson, algum diria que essas duas memrias so a mesma coisa?
Num caso, houve o treino, o exerccio, a repetio, e me dou por satisfeito
se chego a reproduzir o texto em minha mente tal e qual podia l-lo no papel.
No outro caso, acontecimentos foram se sucedendo, e se fixaram, mais ou
menos, na minha memria; posso traz-los de volta minha conscincia, e
tenho conscincia de que aqueles fatos se deram num fluxo de tempo. Essa
seria a memria do vivido, enquanto o texto , por assim dizer, a memria
do aprendido, do hbito mental que conseguimos adquirir para decor-lo.
Pensando nesses dois conceitos de memria descritos por Bergson,
tento imaginar o que se passa na experincia de uma criana pequena.
Talvez as suas sensaes se assemelhem, inicialmente, s de um estudante
que no pudesse distinguir com clareza entre a lio que tem a decorar, e
os eventos que se sucediam no decorrer de seu processo de estudo. Dito
de outra forma, como se a criana fosse aquele estudante, que tem de
decorar a lio, mas tem diante de si uma lio enorme, de quinhentas
pginas, tendo de l-la inteiramente antes de voltar para estud-la uma
segunda vez, e em seguida ler as mesmas quinhentas pginas de novo, e
assim por diante. Esse livro de quinhentas pginas tem, na verdade, a
durao de um dia. Durante esse dia, vrias palavras se repetem, vrios
movimentos tm de ser refeitos, vrias situaes so parecidas, mas em
meio a tal quantidade de informaes, diferenas, novidades, que a
aquisio de qualquer hbito por exemplo, o da linguagem, ou o de andar,
se vestir, etc., se perde e se mistura com a qualidade extremamente intensa
de tudo o que est em curso.
justamente em outros versos de Wordsworth que podemos encontrar
uma descrio desse processo; trata-se de uma verso inicial de um trecho
de The Prelude, s encontrada posteriormente entre os manuscritos do
poeta. Wordsworth comea fazendo referncia aos fragmentrios acidentes
193
193
29.11.2007, 09:27
Then everyday appearances, which now/The spirit of thoughtful wonder first pervades,/
Crowd in and give the mind needful food;/Natures unfathomable works, or Mans/
Mysterious as her own, a ship that sails/The seas, the lifeless arch of stones in air/
Suspended, the cerulean firmament/ And what it is; the River that flows on/Perpetually,
whence comes it, whither tends,/ Going and never gone; the fish that moves/ And lives
as in an element of death;/ Or aught of more refind astonishment,/Such as the Skylark
breeds, singing aloft/ As if the Bird were native to the heavens,/There planted like a
star: with these combine/Objects of fear, yet not without their own/ Enjoyment
lightning and the thunders roar,/Snow, rain and hail, and storm implacable. Apud
Herbert Read, Wordsworth. Londres: Faber and Faber, 1965 [1930], p.130. Trad. MC.
194
194
29.11.2007, 09:27
quem cumpre impor uma srie de repeties, para que a criana por fim
saiba de cor a sua lio. como se tivssemos um livro de ensinamentos,
de regras bsicas, a ser inculcado num aluno que est completamente
entregue experincia casual, aos scattered accidents of sight and sound
da campainha que toca, da chuva que comeou a cair, e assim por diante.
Sou levado a imaginar que a criana pequena, entregue a esse fluxo de
acontecimentos e sensaes que no reconhece inteiramente, vivendo essa
experincia em que tanto o que acontece com ela mesma quanto o que
acontece fora dela constituem, por assim dizer, um espetculo ininterrupto,
experimenta a vida do mesmo modo que Funes rememorava aquela tarde
de nuvens: ou seja, a criana estaria sonhando a vida sonhos bons ou
ruins, claro e por isso, justamente, que no nos lembramos dos
primeiros anos da infncia.
Nesse sentido, talvez a repetida presena da idia de medo, nos dois excertos
que citamos de Wordsworth, revele alguma funcionalidade psicolgica. Ao
sentir-se ameaado, o eu pode por fim voltar-se sobre si mesmo, adquirindo
precisamente aquela conscincia que faltava a Funes em seu fluxo de
contemplao ininterrupta do dia real ou do dia rememorado.
Com ameaas ou no, o fato que os pais conseguem impor algumas
regras para as crianas pequenas, e talvez seja interessante contar certas
experincias que tive com meus filhos a esse respeito. Creio que os perodos
em que meus filhos estavam mais impacientes, birrentos, fazendo
escndalos por qualquer ninharia, foram os que antecederam alguma
grande conquista, seja na linguagem, seja no controle das necessidades
fisiolgicas, seja na prpria percepo do tempo.
curioso como as crianas so relativamente rpidas em aprender
muitas coisas, no s de vocabulrio mas de estrutura gramatical, e demore
tanto para elas perceberem a diferena entre ontem, hoje, amanh,
semana prxima e semana passada. Meu filho maior j capaz de ler e
escrever em letras de forma h algum tempo, mas s muito mais recentemente aprendeu a diferenciar entre o que aconteceu ontem e o que
aconteceu anteontem. Quanto ao menor, um dos sinais de que a fase das
birras est passando que ele aprendeu o significado da palavra depois.
Sem essas conquistas, tudo o que lhes negado ou proibido assume a
fora de uma catstrofe absoluta, porque sua experincia no pontuada
e dividida no tempo, sendo sempre imediata. Um dos sinais de que as
coisas comeavam a melhorar, em termos de comportamento, foi o de que
ambos, numa certa idade, aprenderam o mecanismo dos faris de
trnsito. Os prprios adultos obedecem conveno segundo a qual com
195
195
29.11.2007, 09:27
4
Claro que muita coisa se perde e dolorosa, talvez traumtica, nesse
processo. Justamente ns podemos entender que a psicanlise procura
recuperar parte do que foi perdido, do que foi mutilado, nesse treinamento,
e vai procurar ouvir aquilo que, sem antes nem depois, sem causa
nem conseqncia, est perpetuamente no presente de cada um de ns.
Cito mais uma vez Wordsworth, agora alguns versos de sua Ode:
Vislumbres da Imortalidade Vindos da Primeira Infncia.
Nosso nascimento no seno sonho e esquecimento:
A alma que conosco se ergue, Estrela de nossa vida,
Teve poente noutro recanto
196
196
29.11.2007, 09:27
Com certeza, tanto Freud quanto Bergson, praticamente contemporneos, procuraram chamar a ateno para esse mar imortal, sem antes
nem depois, que se perde com a rigidez de um treinamento, de uma
disciplina, de um ritmo, de todas as lies decoradas que nos impe a
vida em civilizao, e que predominava com especial intensidade na
10
11
Our birth is but a sleep and a forgetting:/The soul that rises with us, our lifes Star,/
Hath had elsewhere its setting,/And cometh from afar:/Not in entire forgetfulness,/
And not in utter nakedness,/But trailing clouds of glory do we come/ From God, who is
our home:/Heaven lies about us in our infancy!/Shades of the prison-house begin to
close/Upon the growing Boy,/But He beholds the light, and whence it flows,/He sees it
in his joy;/The Youth, who daily farther from the east/ Must travel, still is Natures
Priest,/And by the vision splendid/ Is on his way attended;/At length the man perceives
it die away,/And fade into the light of common day. In O Olho Imvel..., cit., p.46-49.
Hence in a season of calm weather/Though inland far we be,/Our souls have the sight
of that immortal sea/ Which brought us hither (...) Ibid., p. 54-55.
197
197
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliogrficas
Bergson, Henri. Matire et Mmoire. In: Oeuvres. Paris: PUF, 1959.
Borges, Jorge Lus. Funes el Memorioso. In: Obras Completas. Buenos Aires:
Emec, 1974.
Kundera, Milan. La Lenteur. Paris: Gallimard, 1995.
Poulet, Georges. tudes sur le Temps Humain. Paris: Gallimard, 1981.
Read, Herbert. Wordsworth. Londres: Faber and Faber, 1965.
Wordsworth, William. O Olho Imvel pela Fora da Harmonia. Traduo de
Alberto Marsicano e John Milton. Cotia: Ateli Editorial, 2007.
198
198
29.11.2007, 09:27
Sonhos e devaneios em
Dom Casmurro e Esa e Jac,
de Machado de Assis
Dayane Celestino de Almeida*
Resumo
Este trabalho tem como objetivo explorar uma possibilidade de
conjuno entre Psicanlise e Literatura, analisando, para tal,
episdios de sonhos e devaneios nos romances Dom Casmurro e Esa
e Jac, de Machado de Assis, com base na teoria psicanaltica
freudiana.
Palavras-chave: Literatura; Psicanlise; Machado de Assis; sonhos;
devaneios
Summary
This paper intends to exploit a possibility of conjunction between
Psychoanalysis and literature, through the analysis of some episodes
of dreams and fantasies in the novels Dom Casmurro and Esa e
Jac, by Machado de Assis, based on Freuds Psychoanalysis.
Key words: Literature; Psychoanalysis; Machado de Assis; dreams;
fantasies.
199
199
29.11.2007, 09:27
I - Introduo
A anlise literria nos leva, muitas vezes, a buscar, no aparato terico
de outras reas, instrumentos que nos auxiliem a melhor explicar
determinados fenmenos ou aspectos presentes nos textos. Segundo
Passos,
todos sabemos o quanto a crtica literria tem se valido da histria,
sociologia, filosofia, lingstica, psicanlise, etc. no anseio de
encontros profcuos que permitem abordagens mais abrangentes
(1995, p.15).
200
200
29.11.2007, 09:27
201
201
29.11.2007, 09:27
Para este estudo, nos valemos da edio de 1995, publicada pela Ediouro e Publifolha
(Coleo Biblioteca Folha).
202
202
29.11.2007, 09:27
203
203
29.11.2007, 09:27
outras grossas, todas geis como o diabo. Acordei, busquei afugentlas com esconjures e outros mtodos, mas to depressa dormi como
tornaram, e, com as mos presas em volta de mim, faziam um vasto
crculo de saias, ou, trepadas no ar, choviam ps e pernas sobre a
minha cabea.
Esse sonho de Bentinho apresenta algumas caractersticas interessantes. Antes de estud-lo, porm, abriremos um parntese e voltaremos
parte II deste estudo quando mencionamos os trabalhos de condensao
e de deslocamento, pois cabe agora expor o que seria cada um deles. O
primeiro corresponde ao fato de os sonhos serem truncados. Nas palavras
de Freud (s/d, p.297) breves, insuficientes, lacnicos. Os sonhos,
geralmente, no se apresentam como uma narrativa linear e, muitas vezes,
nos parecem bagunados e com partes faltando ou que no se encaixam.
Quanto a serem breves, Freud comenta que quando escrevemos um sonho
a narrativa no chega a uma pgina. O outro trabalho o de deslocamento
- o que faz com que o desejo seja manifestado , no direta, mais
indiretamente no sonho, ocorrendo em um elemento secundrio. De
acordo com Freud, o deslocamento funciona como uma espcie de censura.
Ele afirma que este mecanismo:
no apresenta mais que uma deformao do desejo do sonho que
existe no inconsciente. Mas j estamos familiarizados com a
deformao do sonho. Remontamo-la censura que exercida na
mente (...). O deslocamento do sonho um dos principais mtodos
pelo qual essa deformao alcanada. Podemos presumir, ento,
que o deslocamento do sonho verifica-se atravs da influncia na
mesma censura (s/d, p.328).
204
204
29.11.2007, 09:27
205
205
29.11.2007, 09:27
Devido ao grande nmero de linhas que ocuparia a transcrio de tal sonho, optamos
por no coloc-lo no corpo do trabalho.
Para este estudo, nos valemos da edio de 2005, publicada pela Editora tica (Srie
Bom Livro).
206
206
29.11.2007, 09:27
Este sonho tambm trata da fuso dos dois irmos em uma nica pessoa,
configurando mais uma vez, o desejo impossvel de Flora de ter os dois.
Esta impossibilidade amorosa s possvel no sonho ou no devaneio.
Podemos perceber o trabalho de deslocamento, uma vez que o desejo dos
dois se desloca para uma s figura. O trabalho de condensao tambm
est presente, conforme lemos em mal se podia crer bastasse o espao da
noite. E bastava. E sobrava. Um outro ponto bastante interessante no
trecho transcrito a parte em que a pessoa nica imaginada volta a ser
duas e Flora sente medo. Este medo causado pela estranheza provocada
pela duplicidade, sendo duas pessoas semelhantes. Tal estranheza foi
tratada por Freud no estudo intitulado Das unheimliche (1919), que alguns
traduzem por A inquietante estranheza ou O estranho. Freud explica
que Das unheimliche est relacionado a alguma categoria do assustador
que remete ao que conhecido e, h muito, familiar. Ora, Pedro e Paulo
so, h muito familiares a Flora e, mesmo assim, causam este sentimento
de estranheza da moa. Segundo Freud, vrias coisas podem causar essa
estranheza e dentre elas, est a noo do duplo. Pedimos licena para
citar algumas palavras do mdico acerca do assunto:
O tema do estranho relaciona-se indubitavelmente com o que
assustador com o que provoca medo e horror (p.85).
Segundo Schelling, unheimlich tudo o que deveria ter permanecido
secreto e oculto mas veio luz (p.92)
Devemo-nos contentar em escolher aqueles temas de estranheza
que se destacam mais, (...). Todos estes temas dizem respeito ao
fenmeno do duplo, que aparece em todas as formas e em todos os
graus de desenvolvimento. Assim, temos personagens que devem
207
207
29.11.2007, 09:27
Este sonho de Flora vai ao encontro do que disse Freud a respeito dos
sonhos serem compostos de fragmentos, sem uma narrativa linear. De
fato o que vemos, pois neste sonho, uma imagem d espao a outra e
tudo parece lacunar. No incio do sonho, Flora sonha com o canto dos
galos, isso denuncia uma influncia do mundo exterior nos nossos sonhos,
visto que j deveria ser a hora em que os galos cantam quando Flora
comeou a dormir de novo. Na Interpretao, Freud fala de estmulos
Devaneios e sonhos de Flora ocupam o captulo todo. Devido ao grande espao que
ocuparia, optamos por no fazer a sua transcrio completa no corpo do trabalho.
208
208
29.11.2007, 09:27
sensoriais externos. Ento Flora deve mesmo ter ouvido o canto do galo
(dado o horrio) e sonhado com isto, em conseqncia.
A repetio do teor dos devaneios e sonhos de Flora reiteram e ajudam
a intensificar a idia de que ela estava realmente apaixonada pelos dois
irmos. Com eles, podemos entender melhor a grandeza do desejo da moa.
Esse desejo impossvel, to forte que chega a lev-la morte.
Com as anlises que fizemos neste trabalho, podemos concluir que o
sujeito que sonha ou fantasia um sujeito em falta. Tal falta, porm, no
desencadeia um fazer, uma ao que poder repar-la; ao contrrio, este
fazer deslocado para o inconsciente e no sonho ou na imaginao que
ele se d e no na vida real. A ao que poderia reparar a falta no
desencadeada porque o sujeito no pode ou no deve faz-la (devido a
coeres morais/sociais e/ou motivos individuais).
Referncias bibliogrficas
ASSIS, Machado. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: Ediouro; So Paulo: Publifolha,
1997. (Biblioteca Folha; 20).
ASSIS, Machado. Esa e Jac. So Paulo: tica, 2005.
FREITAS, Luiz Alberto Pinheiro de. Freud e Machado de Assis: uma interseo
entre psicanlise e literatura. Rio de Janeiro: MAUAD, 2001.
FREUD, Sigmund. A Interpretao dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, V. IV
(1900), s/d.
________. Delrios e Sonhos na Gradiva de Jensen & Escritores criativos e
devaneios. In: Gradiva de Jensen e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago,
V. IX (1906-1908), 1969.
________. Das unheimliche (O estranho). 1919. fotocpia, s/d.
HISGAIL, Fani. Cem anos de interpretao freudiana dos sonhos. In: A cincia
dos sonhos: um sculo de interpretao freudiana. So Paulo: Unimarco,
2000.
NOL, Jean Bellemin. Psicanlise e Literatura. So Paulo: Cultrix, s/d.
NUNES, Clara Helena P. & NUNES, Eustachio Portela. Machado de Assis e a
Psicanlise. In: Psicanaltica a revista da SPRJ, v. V, n.1. Rio de Janeiro,
2004.
PASSOS, Cleusa Rios. Confluncias Crtica Literria e Psicanlise. So Paulo:
Edusp, 1995.
________. Crtica literria e Psicanlise: contribuies e limites. In: Literatura
e Sociedade, n.1. So Paulo: USP/FFLCH/DTLLC, 1996.
209
209
29.11.2007, 09:27
210
210
29.11.2007, 09:27
MONOGRAFIA
211
29.11.2007, 09:27
212
29.11.2007, 09:27
Resumo
A pele possui muitas funes importantes em diversos nveis desde
o nascimento, tendo um papel primordial na constituio do
aparelho psquico. atravs dela que se d o primeiro contato do
beb com o mundo externo e com o outro (a me).
A existncia de um problema de pele demonstra alguma falha na
relao inicial me-beb, e pode representar tanto uma busca de
contato com o outro, como uma defesa para evitar um contato mais
ntimo. Dependendo do grau e da forma de manifestao, a doena
de pele modifica a vida de forma global.
Tenho observado na minha clnica particular e no trabalho junto
ao Servio de Dermatologia do Hospital dos Servidores do Estado,
onde trabalho, a influncia de fatores emocionais no desencadeamento e agravamento de diversas patologias de pele, especialmente
213
213
29.11.2007, 09:27
Summary
The skin has many different important functions in different levels
since the beginning of life, and it has a primordial paper in the
formation of psychism. The first contact of the baby with the world
and with the other (the mother) is through the skin.
The existence of skin disorder demonstrates a fault in the first
relation baby-mother, and it represents a way to get contact with
other or, on the contrary, a defense to avoid closer contact.
Depending on the degree and the form, the skin disorder modifies
the whole life.
I have observed from my private clinic and from job in the
Dermathology Service of States Servidores Hospital, where I work,
the influence of emotional factors on the beginning and aggravation
of skin disorders, specially in cases of psoriasis disease, and it takes
me to have an interest to study about and to understand the
subjectivity of skin disorders. I note that these patients present a
tendency to introspection and a special difficult to express their
feelings, and the skin is a canal of expression the things that couldnt
be said, conscious and inconsciously.
I will introduce some illustrative cases and vignette of patients
showing the correlation between physical, psychical and emotional
aspects in this pathology. Most of data are collected from therapeutic
group that its not possible an individual attendance because of the
big request from the Dermathology Service in the institution that I
work.
214
214
29.11.2007, 09:27
Introduo
Ao escrever o presente trabalho encontrei dificuldades em reunir
material terico pois apesar de algumas referncias respeito da
importncia da pele na constituio do aparelho psquico e nas primeiras
relaes de objeto, poucos so os trabalhos que se aprofundam no estudo
deste tema.
A pele exerce muitas funes importantes em diversos nveis e aspectos
da vida. Uma das primeiras ligaes do beb com o mundo externo se d a
partir do contato de pele com o corpo da me. Estes contatos deixaro um
registro impresso no ego corporal como diz Freud em O Ego e o Id (1923).
Freud d destaque pele em alguns de seus trabalhos: Tres Ensaios
Sobre Sexualidade (1905); O Ego e o Id (1923); Esboo de Psicanlise
(1940). Algumas citaes de Freud mostram claramente a importncia da
pele na constituio do aparelho psquico, e, ao descrever a gnese a as
funes do ego em O Ego e o Id, Freud assenta as bases da noo de egopele que mais tarde ser definido por Didier Anzieu, como podemos
acompanhar nas citaes abaixo:
fcil ver que o ego aquela parte do id que foi modificada pela
influncia direta do mundo externo, por intermdio do Pcpt-Cs
(Sistema Perceptivo-Consciente); em certo sentido, uma extenso
da diferenciao de superfcie . (pg. 39).
O prprio corpo de uma pessoa e, acima de tudo, a sua superfcie,
constitui um lugar de onde podem originar-se sensaes tanto
externas quanto internas (pg. 39).
O ego , primeiro e acima de tudo, um ego corporal; no
simplesmente uma entidade de superfcie, mas , ele prprio, a
projeo de uma superfcie (pg. 40).
215
215
29.11.2007, 09:27
216
216
29.11.2007, 09:27
217
217
29.11.2007, 09:27
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
218
218
29.11.2007, 09:27
219
219
29.11.2007, 09:27
220
220
29.11.2007, 09:27
A Importncia do Toque
Desde quando nascemos as experincias tteis apresentam um papel
primordial na formao do aparelho psquico, como relata Freud em O
Ego e o Id (1923) fazendo referncia em nota de rodap sobre as sensaes
corporais e a formao do ego, j citado no trabalho (pg.9) : o ego em
ltima anlise deriva das sensaes corporais, principalmente das que se
originam da superfcie do corpo (O Ego e o Id, pg. 40).
O beb, inicialmente indiferenciado da me, vai adquirindo a noo
entre mundo interno e mundo externo a partir destas experincias de toque
da me, do contato de pele com a me. As sensaes provindas deste
contato do beb com a me deixam impresses no psiquismo que iro
influenciar a forma do indivduo se relacionar com o mundo.
Harlow, a partir dos seus estudos com macacos (1958) observou que os
bebs-macacos criados em laboratrio mostravam um forte vnculo com
pedaos de pano (fraldas de gaze dobradas) usados para forrar o tecido
spero do cho e das gaiolas. Percebeu que os bebs criados em gaiolas de
arame sem nenhum revestimento de soalho sobreviviam com dificuldade,
se que conseguiam, nos primeiros cinco dias de vida. Com base nestas
observaes, Harlow decidiu construir uma me substituta coberta de pano
felpudo e dotada de uma lmpada que irradiasse calor : uma me macia
terna e quente. E construiu uma segunda me substituta inteiramente de
arame sem a camada de pele de pano felpudo.
O resultado foi que os bebs-macacos valorizavam a estimulao ttil
mais do que a alimentao. Eles preferiam pendurar-se na me de pano,
que lhe fornecia contato fsico sem dar leite, ao invs da me de arame que
os alimentava. Esse experimento nos mostra a importncia do contato
corporal entre o beb-macaco e sua me durante a amamentao, e como
esse contato fundamental para o seu bom desenvolvimento.
Winnicott (1951) no compara os bebs humanos com os animais, mas
descreve os fenmenos transicionais e o espao transicional que a me
estabelece para a criana entre ela e o mundo que poderiam ser entendidos
como efeitos do apego. Assinala que alm das necessidades do corpo, h
as necessidades psquicas que precisam ser satisfeitas por uma me
suficientemente boa (1962a). Como diz Winnicott, a insuficincia de
resposta essas necessidades levam perturbaes da diferenciao entre
eu e o no-eu que podem ser irreversveis.
Segundo Anna Freud (1965), as crianas que foram inadequadamente
levadas ao colo ou foram pouco acariciadas sofrero de carncia afetiva
221
221
29.11.2007, 09:27
Relato de Casos
Relatarei inicialmente alguns casos do hospital e, posteriormente, trarei
um caso da clnica particular. Comearei pelo caso de P.R. que me chamou
ateno pelo fato do paciente ter comparecido integralmente s sesses
por um longo perodo sem faltar, e estes pacientes, por apresentarem
dificuldade em estabelecer vnculo, costumam faltar com freqncia ao
atendimento.
Caso A
P. R., de 62 anos, sexo masculino, casado, aposentado, chegou ao
hospital aps ter passado por inmeros outros hospitais sem um
diagnstico definido e portanto sem resultado no tratamento. Tendo se
submetido a alguns exames foi confirmado o diagnstico de psorase,
222
222
29.11.2007, 09:27
Caso B
Este um outro caso que mostra claramente o que relatei acima respeito
da segunda pele como conteno da angstia aps uma situao de perda
de um objeto amado. S aps 3 anos da perda da me e do pai ter sofrido
derrame D., 49 anos, sexo feminino iniciou um quadro de psorase. Comenta:
fui forte na hora que precisou mas parece que agora veio tudo para fora e
no est dando mais para segurar. A segunda pele surge como continente
das angstias primitivas que a pele psquica no consegue conter.
D. mostra toda a sua vulnerabilidade e fragilidade atravs da doena
de pele, como um apelo de tambm ter algum que cuide dela.
Caso C
O., 51 anos, sexo masculino, traz o sentimento de rejeio por parte da
famlia, e principalmente pela sua me, relatando diversas situaes em que
223
223
29.11.2007, 09:27
Caso D
Z., 54 anos, sexo feminino, casada, dona de casa, apresenta psorase h
9 anos, alternando entre perodos de total reminiscncia e perodos de
recidiva. Passado um longo perodo sem qualquer manifestao da doena,
surgem placas por todo o corpo imediatamente aps o casamento de sua
nica filha de uma prole de dois meninos e uma menina. Paciente relata
que se sente muito s sem a filha em casa apesar da presena constante do
marido, trazendo a vivncia de perda de um objeto amado sobre o qual
tanto deve ter investido ao longo dos anos. Parece ter feito uma intensa
transferncia na relao com essa filha sentindo-se esvaziada aps sua
sada, lembrando o que Bion fala sobre a angstia de um escoamento da
substncia vital atravs dos buracos psquicos, no uma angstia de
fragmentao mas de esvaziamento.
Z. traz sua vulnerabilidade psquica atravs da psorase que surge como
uma defesa para evitar um contato mais prximo e assim se proteger da
angstia primria de separao. A sada da filha mobilizou aspectos
infantis, trazendo a revivncia de uma perda primria do objeto amado.
Outro fator importante a ser assinalado a no-aceitao de seu corpo
trazida por Z. que, desde que desenvolveu a psorase, se distanciou
fisicamente do marido evitando expor seu corpo. Z. traz o medo de se ligar
e perder e ento se protege a partir do problema de pele em que se afasta
do outro que ameaa ao mesmo tempo que precisa ter um outro que cuide
dela, assim trazendo toda a sua ambivalncia.
224
224
29.11.2007, 09:27
Caso E
Trarei agora um caso da minha clnica particular mostrando a falta de
contato de pele e o aspecto transgeracional no surgimento da doena. E.,
6 anos, sexo masculino, nico filho do segundo casamento de ambos os
pais, chega ao meu consultrio com queixa de dificuldades na escola e
muita agitao. Aps passar por muitos mdicos com dvidas sobre seu
diagnstico, finalmente o quadro foi definido como psorase. E. comeou
a apresentar a doena no ano anterior aps sua meia-irm ter se separado
e ter vindo morar na sua casa com a filha de 4 anos. Sua me passa a ter
que se dividir entre cuidar dele e da neta. uma me muito sca, pouco
afetiva, que tambm apresenta psorase. Entendo que ela possivelmente
deve ter sofrido alguma falha inicial na sua relao com a prpria me
(av da criana) demonstrando dificuldades em externalizar seu amor pelo
filho, o qual por sua vez fica carente de afeto e de contato de pele, repetindo
o mesmo sintoma da me. A me provoca na criana o mesmo sintoma,
apontando para um aspecto transgeracional. A psorase representa para
E. uma forma dele ter sua me mais prxima a partir dos cuidados dirios
e procedimentos medicamentosos exigidos. Atravs da doena de pele a
criana traz a me distante mais para perto como tambm recebe o estmulo
que precisa num momento de carncia afetiva.
Em relao ao eczema infantil, Ren Spitz questiona se essa reao
cutnea no representaria um esforo adaptativo ou, o contrrio, uma
defesa. Uma forma da criana provocar uma reao na me que a levasse
a toc-la mais freqentemente; ou, uma forma de retraimento narcisista
no sentido de que, atravs do eczema, a criana estaria dando a si mesma
os estmulos da esfera somtica que sua me lhe nega.
Concordo com ele se pensarmos que muitos problemas de pele surgem
aps alguma situao de perda e carncia afetiva. O beb que sofre uma
falha de contato de pele na sua primeira relao de objeto (com a me) ficar
pr-disposto a desenvolver essa forma de expresso atravs da pele visto
que, atravs da patologia de pele, receber os cuidados que lhe faltaram.
Concluso
Quase todos os autores, desde S. Freud aos mais contempornneos como
Ren Spitz., M. Mahler, E. Bick, Winnicott, W. Hoffer, Roberto Fernandez,
Didier Anzieu, falam da importncia da pele como funo integradora num
momento em que no h ainda unidade egica. A pele e todas as suas
partes o meio pelo qual o mundo externo sentido, recebendo sinais que
225
225
29.11.2007, 09:27
226
226
29.11.2007, 09:27
Expresso empregada por Freud para explicar a etiologia das neuroses e aparece pela
primeira vez em 1916 na Conferncia XXII: Algumas Idias sobre Desenvolvimento e
Regresso - Etiologia (Pg. 406).
227
227
29.11.2007, 09:27
228
228
29.11.2007, 09:27
Agradecimentos
Anna Guelerman P. Ramos, minha analista, por todo o seu amor e
dedicao, sendo uma luz que clareou o meu caminho, levando-me
realizaes em diversos aspectos da minha vida.
Eronides Borges da Fonseca, minha eterna supervisora, pela sua
dedicao e disponibilidade para ensinar e me ajudar a crescer.
minha orientadora neste trabalho, Rosa Sender Lang, pelo seu carinho
e ajuda.
Ao meu pai, que sem o seu apoio e incentivo no teria sido possvel
realizar a Formao.
Ao meu marido, companheiro em todas as horas e sempre contribuindo
para meu crescimento.
Ao meu filho, que me inspira e me incentiva a nunca desistir dos meus
sonhos.
E minha mezinha, minha maior amiga, que est comigo sempre.
Referncias bibliogrficas
ANZIEU, Didier. O eu-pele. Editora Casa do Psiclogo, 1989.
ANZIEU, Annie. Emboitements. Nouvelle revue de psychanalyse (Paris), n 9,
printemps, 1974.
*
Traduo do livro Tocar: O Significado Humano da Pele, de Ashley Montagu, pg. 244.
229
229
29.11.2007, 09:27
230
230
29.11.2007, 09:27
231
231
29.11.2007, 09:27
232
232
29.11.2007, 09:27
HOMENAGEM:
Manhes da Psicanlise
Vera Mrcia Ramos*
233
233
29.11.2007, 09:27
Resumo
Ao pensar em um artigo de divulgao da psicanlise, a autora
escreveu sobre Maria Manhes, enfocando sua biografia, uma
evoluo de suas idias psicanalticas, desenvolvidas em livros e
trabalhos publicados, enaltecendo a importncia da valorizao dos
autores brasileiros.
Summary
On writing an article to broaden the knowledge about psychoanalysis,
the author wrote about Maria Manhes, focusing in her biography,
an evolution of her psychoanalytical ideas develop in books and works
published, emphasizing the value of brasilian authors.
234
234
29.11.2007, 09:27
Um Esboo de Biografia
Seu pai, Doutor Manhes, era negro, de estatura mediana nem gordo
nem magro. Falava muito bem francs e alemo, imprescindvel para os
mdicos da poca. Escrevia e discursava com muita facilidade. A me, Dona
Caridade era mulata de pele clara, com os traos negros acentuados.
Recebiam em sua casa os visitantes importantes.
A primeira infncia foi vivida em So Carlos do Pinhal, cidade onde
nasceu, que lembra Terespolis, por ter a mesma altitude e clima agradvel.
Esse clima ameno e o fato de haver calamento e bonde, estimularam a
ida para l de estrangeiros como alemes, franceses e italianos.
Com idade de 10 anos, a famlia muda para Catanduva, onde fez o
admisso e at que, em 1931, mudam para o Rio de Janeiro. A situao da
famlia comea a decair e frustraram-se uma srie de expectativas
profissionais. O pai adoeceu e, posteriormente, se soube que era diabetes.
Ele reagiu e teve que retornar para o interior paulista. Partiram todos para
Marlia, menos Maria que permaneceu no Rio, aluna interna no Instituto
LaFayette. Entrou para a Faculdade Nacional de Medicina na Praia
Vermelha em 1938.
Seu pai, era mdico, formado no Rio de Janeiro, colega de turma dos
maiores professores de sua faculdade. Quando estava na faculdade no
podia matar aula No pode matar aula no, voc filha do Dr. Manhes.
Voc est aqui sozinha; eu fico vigiando voc. Maria me contou com sorriso
e humor esses fatos, o que, a seu ver, era bom pois lhe dava segurana.
Sentia-se cuidada e querida pelos professores, pois morava sozinha no Rio
de Janeiro, afastada dos pais.
No seu livro Manh de Manhes relata suas memrias, a vida de sua
famlia e a sua prpria vida. Conta as mudanas de cidade do pai, a
diversidade de origem das pessoas de So Carlos e refere a sua vocao
para a medicina.
Da advocacia para a medicina no s um passo. Mas, se algum
dia hesitei entre os dois caminhos dei decidida e rapidamente os
passos para a carreira mdica. Teria marcado presena na opo
235
235
29.11.2007, 09:27
o velho e bom dipo? Por certo. Mas no apenas. Nem argirei aqui
o ter brincado de doutor na infncia; isso faz qualquer criana, e
sua lembrana o mais das vezes serve de lenitivo para as frustraes.
foroso lembrar, no entanto, que, em pequena, certa feita entrei
no consultrio do papai e, dirigindo-me a uma cliente na sala de
espera, disparei-lhe de supeto uma srie de perguntas: - O que
que voc est sentindo? Est com dor de barriga? O Chico no desceu?
Faltava apenas o estetoscpio pendurado no meu pescoo 1.
236
236
29.11.2007, 09:27
237
237
29.11.2007, 09:27
238
238
29.11.2007, 09:27
239
239
29.11.2007, 09:27
240
240
29.11.2007, 09:27
241
241
29.11.2007, 09:27
ser essa tambm uma das razes pelas quais ela alvo dos ataques
invejosos do homem. So momentos to importantes nos quais ela
se d conta que realmente no s, ela no quer ficar s. Ela precisa
do homem. Ele o seu companheiro.2
242
242
29.11.2007, 09:27
243
243
29.11.2007, 09:27
individuao, esto atuantes tambm os elementos da bissexualidade em busca de definio, e predomnio do masculino para o
menino e o feminino para a menina.
Alm das presses internas verificamos a existncia das advindas
do exterior, atravs da cultura, objetivamente representadas pelas
instituies sobretudo a escolar. Elas podem tornar-se to exigentes
e impeditivas ou to liberais e permissivas que afetaro de maneira
no sadia o desenvolvimento do latente.3
244
244
29.11.2007, 09:27
5
6
Ibid, p. 38-39
Ibid, p.136.
245
245
29.11.2007, 09:27
Penso que em parte vem da sua satisfao com a valorizao que est
tendo a Neurocincia, repetindo as investigaes de Freud expostas no
Projeto. Acredita de maneira firme, que esta ser uma forma de resgatar
a psicanlise para os mdicos.
medida que vou aproximando do final desse trabalho, me dou conta
de como a vida de Maria foi preenchida por seu trabalho clinico, pelas
anlises que fez e pacientes que se trataram, pelos relacionamentos que
conquistou e manteve ao longo de sua vida. A lealdade aos amigos uma
caracterstica, bem como a vinculao com a SPRJ, os artigos e livros que
foi produzindo. Com esse caminhar, estabelece um percurso e uma histria,
e surge o passar do tempo e a aproximao da morte. Para Heidegger, se
adquiro conscincia de que sou um ser finito, sou um ser temporal, eu passo
a existir de acordo com essa conscincia. Assim sendo, a qualquer momento
o existir se implanta no morrer, e no morrer o ser a alcana ao mesmo
tempo sua singularidade e totalidade. O final da morte no significa o ser
a chegado a seu fim, mas significa o ser relativo ao fim. A morte o modo
de ser que o ser a assume desde o momento em que existe7. poder
viver morrendo, a aceitao da dimenso temporal, estar aberto para
possibilidades de ser. Para ele o homem um ser que faz projetos.
E assim Manhes fazendo projetos se aproxima do tema da morte em
1990 com o livro Enigma do Suicdio. Trata-se de um assunto corajoso e
espinhoso, ao qual se dedica com o mesmo afinco, encontrado em todos
os seus trabalhos. Para ela vida e morte esto presentes a cada instante.
No entanto, o homem comum desenvolveu um aparente horror e medo da
morte, embora no perceba que esteja a maior parte do tempo, convivendo
e participando, ativa e passivamente, de pensamentos e atos destrutivos
para consigo mesmo e para com seus semelhantes. A psicanlise iniciouse aceitando os instintos de vida e, posteriormente, o instinto de morte,
que foi desenvolvido por Melanie Klein e seus seguidores. Conclui que
Freud, entre outras razes, devido ao seu prprio envelhecimento e doena,
no procurou investigar a fundo o instinto de morte e o fim da existncia.
Fez uma abordagem dos diversos fatores, internos e externos que levam
as pessoas a abreviar o seu percurso natural de vida. Sua viso abrangente
incluindo aspectos filosficos, religiosos, sociolgicos e jurdicos. Procurou
desta forma ampliar sua abordagem tentando no se restringir viso
psicanaltica, qual questiona o valor universal, ou seja, um homicdio
246
246
29.11.2007, 09:27
247
247
29.11.2007, 09:27
Finalizando
Considerei que a melhor maneira de finalizar o trabalho seria um
depoimento de Maria Luiza Pinto, que psicanalista da Sociedade
Brasileira de Psicanlise e amiga prxima de Maria Manhes. Amigas desde
a infncia quando a famlia de Maria mudou para Catanduvas, interior de
So Paulo, com cerca de 10 anos. Por coincidncia ambas so Maria. Maria
Luiza inicialmente me faz uma descrio de Dr. Manhes, o pai. Homem
de muita cultura e inteligncia, bom orador e escritor, havia sido professor
de francs, mdico, e por quem Maria tinha muita admirao. De sua me
D Caridade herdou a capacidade de relacionamento e comunicao. O pai
de Maria Luiza tambm era mdico, e era o prefeito da cidade e isso
aproximou as famlias que se mantiveram sempre em contato. Com Maria
houve momentos em que estiveram mais prximas ou mais afastadas.
Um ponto comum entre as duas foi a admirao e a identificao com os
pais. Depois desse perodo inicial em Catanduvas, Maria e famlia veio
para o Rio de Janeiro fazer o ginsio no Instituto Lafayete. A famlia de
Manhes retorna para o Estado de So Paulo, cidade de Marilia e Maria
fica no Rio de Janeiro terminando seus cursos e ingressando na faculdade
de Medicina. Maria Luiza cujo pai estudara medicina no Rio, veio fazer o
curso de Medicina na Praia Vermelha, e por recomendao de seu pai
reencontra Maria Manhes. Foi morar em um pensionato, onde conheceu
Inaura Carneiro Leo, j falecida, psicanalista, uma das fundadoras da
Sociedade Psicanaltica do RJ e da Sociedade Brasileira de Psicanlise do
RJ. As trs com o tempo tornaram-se grandes amigas.
Maria Luiza posteriormente foi trabalhar no Servio Nacional de
Doenas Mentais (SNDM) no Hospital do Engenho de Dentro, substituindo Inaura, no mesmo internato no qual Manhes havia morado e
trabalhado com crianas. Posteriormente foi para o Pinel trabalhar em
248
248
29.11.2007, 09:27
Referncias bibliogrficas
HEIDDEGER, M. Ser e Tempo. RJ:Vozes,1990.
MANHES, M. Psicologia da Mulher e Outros Trabalhos. RJ:Atheneu, 1977.
____________. Kaleidoscpio. RJ: Grfica MEC. 1987.
____________. Prisma da Psicanlise na Cultura. RJ: 1988.
____________. O Enigma do Suicido. RJ:Imago, 1990.
____________. O dio Mortal. RJ: Imago, 1991.
____________. Manhes de Manhes. RJ: Armazm das Letras, 1997.
____________. Identidade da Mulher Muito Barulho Para Nada.. 13 Congresso Brasileiro de Psicanlise So Paulo, 1991.
RAMOS, V.M. Algumas Consideraes sobre Anlise de Criana. Boletim Cientfico
da SPRJ, 1991.
249
249
29.11.2007, 09:27
250
29.11.2007, 09:27
RESENHAS
251
29.11.2007, 09:27
252
29.11.2007, 09:27
Resenhado por:
Doutora em Psicologia pela PUSP, Analista em formao pela SBP/IPA, ncleo de Braslia,
professora Titular da Universidade Catlica de Gois.
253
253
29.11.2007, 09:27
254
254
29.11.2007, 09:27
255
255
29.11.2007, 09:27
do Ego grandioso, seu ideal do Ego, que encobre a imagem do Ego pequeno
e fraco e que se identifica coma organizao. No plano da transferncia
uma operao de fuso com a me agressiva , de identificao com o
agressor, que o defende contra a agresso da me e, ao mesmo tempo,
contra sua prpria agressividade. Constri-se assim, uma organizao
imaginria que engloba as caractersticas da organizao real com as quais
o indivduo se identificou. A agressividade dirigida para a organizao
canalizada por um lado para o exterior, por outro lado, para o prprio
sujeito, ele deve eliminar a imagem do Ego fraco, deve merecer a imagem
que faz de si mesmo, constantemente culpado. O individuo desenvolve
formas de prazer do tipo sadomasoquista.
Terceiro momento Introjeo. A organizao imaginria invade o
indivduo e torna-se parte dele. Os limites com a vida pessoal e privada
so frgeis; Esta ltima torna-se o lugar privilegiado para viver a angstia
e a agressividade reprimidas. O sistema psicolgico conflitante. Est
baseado numa oposio permanente entre a procura de um prazer
agressivo e uma angstia de morte reprimida. um sistema fechado onde
o prazer leva angstia e vive-versa .
O ideal do Ego se constitui em um modelo ao qual o sujeito procura se
moldar. O ideal do Ego tem exigncias ilimitadas de perfeio e de poder.
Existem dois tipos de identificaes inconscientes. Uma paternal, cujo
agente o Superego; outra maternal, que passa pelo ideal do Ego. Assim,
existem duas formas de ameaas inconscientes sobre a quais recaem as
identificaes, no primeiro caso a ameaa da castrao pela figura paternal,
no segundo a ameaa de retirada do amor da me.
A economia feudal pr-capitalista corresponde a um sistema psicolgico
dominado pelo superego e identificao ao pai, representado pelo chefe.
O capitalismo nascente um sistema hbrido, essa organizao funciona
como o ideal do Ego coletivo e favorece a apario de um sistema
psicolgico coletivo dominado pelo ideal do Ego e a identificao me.
No capitalismo e na organizao hipermoderna, os ltimos vestgios do
poder dos chefes, da identificao ao pai, da estrutura mental dominada
pelo superego tendem a desaparecer, na mesma ocasio em que o ltimo
contrapeso ao novo sistema scio-mental passa a ser dominado no plano
sociolgico, pelo poder da organizao, e no plano psicolgico, pelo ideal
do Ego e a identificao me.
A substituio do ideal do Ego dos indivduos pelo ideal coletivo
apresentado pela organizao tem suas mltiplas consequncias. A mais
direta a introjeo pelos indivduos das exigncias fixadas pela
256
256
29.11.2007, 09:27
257
257
29.11.2007, 09:27
258
258
29.11.2007, 09:27
Psicanlise interminvel
ou com fim possvel?
Autor: Theodor Lowenkron
Editora: Imago, Rio de Janeiro, 2007
Resenhado por:
Moacyr Spitz*
259
259
29.11.2007, 09:27
260
260
29.11.2007, 09:27
Resenhado por:
Pedro Rosaes*
261
261
29.11.2007, 09:27
262
262
29.11.2007, 09:27
263
263
29.11.2007, 09:27
264
264
29.11.2007, 09:27