Aula Sobre Teoria Da Literatura

Fazer download em doc, pdf ou txt
Fazer download em doc, pdf ou txt
Você está na página 1de 8

1

A tarefa do analista: O exercício de pensar a ficção

Boa tarde. Gostaria de começar citando dois ensaios de Luiz Costa Lima que constituem uma
importante fonte de consulta para os estudantes de literatura: “Quem tem medo de teoria?”,
publicado em Dispersa demanda, de 1981 e “A teoria da literatura entre nós”, palestra proferida no
X Congresso Internacional da Abralic, de 2006, e que está disponível na Internet, no Portal da
Educação Pública do governo do Estado do Rio de Janeiro. Esses ensaios potencializam a postura
combativa do professor Costa Lima em defesa da necessidade de uma reformulação no estudo da
literatura, na defesa de um pensamento teórico e crítico, e mostram aos estudantes de letras que o
aprendizado da teoria é um instrumento de construção do pensamento. O que ele procura é
restabelecer o divórcio da teoria com sua raiz primeira: seu caráter de indagação reflexiva, e
ressaltar a importância de não propagarmos o equívoco de que a teoria é algo que exista para ser
aplicado.
Nessa defesa por um pensamento teórico-reflexivo, Roberto Acízelo, em Teoria da Literatura,
nos fornece, já no título do primeiro capítulo, um argumento que justifica a importância do estudo
dessa disciplina: “Sem uma teoria, a literatura é o óbvio”. Acízelo explica que “fazer da literatura
um objeto de questionamento ou problematização implica a construção de uma teoria. Uma teoria
implica sempre criar problema onde o senso comum não vê obscuridades cujo esclarecimento
justifique o empenho da razão analítica”.
A ênfase na Teoria da Literatura como instrumento de reflexão nos conduz ao cerne do estudo
da literatura, que como alerta Costa Lima, já não se trata simplesmente de ressaltar o lugar de
onde se produz a obra ficcional, mas sim perguntar-se o que é a ficção literária.

Examinaremos a partir de agora alguns problemas específicos que constituem essa disciplina:

1) Temporalidade/ Historicidade

No ensaio intitulado “História da Literatura”, publicado em Palavras da crítica. Tendências e


conceitos no Estudo da Literatura,1992, José Luis Jobim explica que “ a própria história da
Literatura nos mostra que houve sucessivas e diferentes representações daquilo a que chamamos
literatura. Nossa civilização ocidental concebeu de modos diferentes o que denominou literatura”.
Ao falar sobre essa questão, o professor Vitor Manuel de Aguiar e Silva, em seu Teoria da
Literatura, utiliza o conceito de “período literário”, a que podemos chamar também “Estilo de
época”, conforme nos mostrou o professor Jobim.
2

Um período não se caracteriza por uma perfeita homogeneidade estilística, mas pela
prevalência de um determinado estilo. (...) O conceito de período literário, tal como o entendemos,
implica ainda outra conseqüência muito importante: os períodos não se sucedem de modo rígido e
linear, como se fossem entidades discretas, blocos monolíticos justapostos, mas sucedem-se através
de zonas difusas de imbricação e de interpenetração. Apesar disso, Vitor defende “que os
historiadores e os estudiosos do fenômeno literário, movidos por autênticas exigências críticas, ou
por razões meramente didáticas tenham procurado estabelecer determinadas divisões e balizas no
domínio vastíssimo da literatura”.
No entanto, o recurso ao conceito puramente numérico de século revela-se desprovido de
qualquer valor crítico. O século é uma unidade estritamente cronológica, cujo início e cujo término
não determinam forçosamente a eclosão ou a morte de movimentos artísticos, de estruturas
literárias, de idéias estéticas etc. Dentro dessa unidade cronológica, existe sempre uma profunda
diversidade em todos os campos da atividade humana, de forma que falar de literatura do século
XVII ou de literatura do século XIX, como se se tratasse de unidades periodológicas, equivale a
colocar, sob um rótulo comum, obras e experiências literárias fortemente díspares e antagônicas. O
enfeudamento da história literária à história geral, política e social também carrega o mesmo
problema.
É necessário, por conseguinte, escolher critérios literários para fundamentar e definir os
períodos literários, evitando a intromissão perturbadora de esquemas e classificações originários da
política, da sociologia, da religião etc. Victor Manuel cita o tcheco René Wellek, que em 1942,
escreveu, juntamente com o norte americano Austin Warren, o livro que acabou por difundir e
consagrar o termo Teoria da Literatura. Para Victor, Wellek “encontrou o caminho justo, ao definir
o período literário como uma “categoria histórica” ou como uma “idéia reguladora” excluindo quer
a tendência nominalista, quer a tendência metafísica, pois os caracteres distintivos de cada período
estão enraizados na própria realidade literária e são indissociáveis de um determinado processo
histórico. Como acrescenta Wellek, com o auxílio desta “idéia reguladora”, deste esquema,
interpretamos o processo histórico. Mas encontramos este esquema de idéias no próprio processo.
Quando usamos conceitos como “periodo literário” ou “estilo de época”, é importante
estarmos conscientes de que este uso implica normalmente adotar um tipo de descrição de um grupo
de autores e suas obras com o qual estes próprios autores não se descreveriam. Por exemplo, não
seria possível para Lima Barreto descrever sua obra Triste fim de Policarpo Quaresma como uma
obra “pré-modernista”, pelo simples fato de que esta descrição não é contemporânea da obra: o
termo “pré-modernismo” foi criado depois do Modernismo.
3

2) Literariedade
O objeto da Teoria da Literatura não é o conjunto das obras consideradas literárias stricto
sensu, mas “propriedades específicas” de que tais obras são dotadas.
Uma corrente da teoria da literatura – o formalismo russo – situou essa questão de maneira
contundente e programática. Sua enunciação coube ao lingüista russo Roman Jakobson, em trabalho
de 1919. “o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna
determinada obra uma obra literária”. Uma discussão longa e complexa sobre o que Jakobson
chamou “literariedade” (elemento que uma vez presente num dado texto, permite distingui-lo de
outras composições que não integram a literatura em sentido estrito, apesar de também constituírem
mensagens verbais. A maioria de tendências e autores da teoria da literatura vê como marca
distintiva da literatura a operação de certo “desvio” organizado na linguagem, desvio perceptível em
relação a outras ocorrências da linguagem consideradas mais conformadas aos usos tidos como
normais.

Costa Lima – definição de literatura – linguagem espessa, em seu livro mais recente História.
Ficção. Literatura. “Espessura da linguagem: aquela cuja composição nem se dirige a uma rede de
conceitos ou que se destaca a partir do momento em que essa direção já não se mostra suficiente,
nem se contenta com o automatismo de seu uso corrente.”

Desvio do uso desgastado das palavras – sentido puro à linguagem da tribo, como disse
Mallarmé. Poema é lugar de pensar fora da moeda gasta da linguagem (Valéry). Linguagem da
comunicação é essa moeda gasta que impede de pensar determinadas coisas.
Estranhamento – noção que o formalista russo Chklovski vai usar. Defesa de uma
negatividade na poesia é o que defende Adorno, contra a reificação/ obra de arte quando deixa falar
aquilo que a ideologia esconde – o que está subjacente.
Jacques Rancière (Polícias da escrita e A partilha do sensível)- reconfiguração polêmica do
sensível acontece na linguagem. O poema seria o lugar de colocar promessa e resistência. Segundo
Ranciére é é pela linguagem que se articula a promessa de uma outra relação entre os homens.
“A política da escrita seria colocar as palavras em liberdade. Exemplo do poema “Explosões”,
in: Convergência, de Murilo Mendes. Outros significados para “ode/ explode” – libera os sons dos
sentidos habituais – cria ovas relações.

3) Principais correntes da Teoria da Literatura


4

A maioria das correntes da teoria da literatura circunscreveu seu objeto segundo um critério baseado
em traços da linguagem. E o que vimos na primeira metade do século XX foi a redução da teoria da
literatura à lingüística, tendência que predominou na primeira metade do século XX. A principal
crítica às correntes formalistas da teoria da literatura é que elas desconsideravam a questão do
ficcional. Hoje há uma reação a essa tendência.
No entanto, como chama a atenção o professor Roberto Acízelo, em seu Teoria da Literatura, o
privilégio do método lingüístico resultou no mérito de superar tanto o impressionismo crítico
quanto a superficialidade das orientações positivistas do século XIX; mas o apego intransitivo ao
texto, conseqüência dessa atitude, acabou vedando o acesso a questões do maior interesse. Daí o
desenvolvimento de novas atitudes metodológicas, cujas análises não pretendem simplesmente
desconsiderar o método lingüístico, mas partir das insuficiências que ele revela. Tais análises
tornam a teoria da literatura permeável a outros métodos de investigação, sobretudo os de base
sociológica, antropológica, psicanalítica e histórica.
A diversidade das correntes:
Correntes textualistas – privilegiam o texto – Estilística, Formalismo eslavo, Escola
morfológica alemã, new criticism, Estruturalismo e a Poética gerativa.
Correntes fenomenológicas – giram na órbita da filosofia fenomenológica e que, em certos
casos, combinam a essa matriz ao diálogo com a filosofia de Martin Heidegger – Teoria
fenomenológica dos estratos, de Roman Ingarden, exposta em livro em 1931, a Escola de Zurique,
de Emil Staiger, Conceitos fundamentais da poética, 1946, em que o pesquisador suíço empreende
um estudo dos três gêneros literários reconhecidos pela tradição: lírico, épico e o dramático, e a
Crítica ontológico-hermenêutica, ou leitura poética, conforme a terminologia proposta no meio
universitário brasileiro pelo professor Eduardo Portella – se fundamenta no pensamento
heideggeriano.

Há ainda, conforme nos mostra Roberto Acízelo, as correntes sociológicas, termo amplo para
designar a corrente em que predominam preocupações sociológicas, onde incluem-se os trabalhos
de Sartre, Marx, Auerbach e os teóricos da Escola de Frankfurt, como Adorno e Benjamin.

4) Produção/ Recepção
A orientação metodológica mais recente é a Estética da recepção, que surge no final dos anos
60. São os estudos empreendidos na Universidade de Konstanz, Alemanha, por Wolfgang Iser e
Hans Robert Jauss.
5

Em um texto escrito por ocasião da morte de Iser, Costa Lima que também participou dos
estudos na Universidade de Konstanz, escreveu que “O nome de Wolfgang Iser começou a transpor
fronteiras com o ensaio "A Estrutura Apelativa do Texto", de 1970. É ele o texto inaugural do que
viria a ser chamado de "estética do efeito", menos difundida, porém de raízes mais profundas, do
que a "estética da recepção", desenvolvida por H.R. Jauss. Iser cada vez mais se inclinava por uma
indagação antropológica -no sentido filosófico do termo- da literatura. A Iser importava a que
fundamentos no ser humano correspondia a demanda pelo ficcional.

Wolfgang Iser:
Perspectivização
Necessidade da literatura neste efeito de perspectiva – na sua propriedade de obrigar o leitor,
ao identificar-se com um personagem, ou com o narrador, a olhar-se e ao mundo, por um ângulo
novo, por um ângulo inusitado – por uma nova perspectiva.

teoria do efeito estético (...) buscava evidenciar as transgressões que a literatura realiza na
estrutura e na semântica dos sistemas sociais, ao trazer para o texto fragmentos sociais e culturais
deslocados dos seus sistemas de origem. 27

Interação do texto com o leitor


A leitura une o processamento do texto ao efeito sobre o leitor. Esta influência recíproca é
descrita como interação.
Vazio
(...) são os vazios, a assimetria fundamental entre texto e leitor, que originam a comunicação
no processo da leitura.

Conceito de Mímesis
Conceito seminal, que vem de Aristóteles, em sua Arte Poética. E do qual podemos devotar
um sem número de aulas, estudos e pesquisas.

A arte não tem o perceptivo por necessária matéria-prima. Mas como iluminar a
circulação do que ela então produz? Como fazê-lo sem a tornar ou exclusividade
da intencionalidade do produtor ou da interpretação proposta? Ou seja, como
romper o privilégio, operacionalmente danoso, de um sujeito privilegiado? É este
o papel que Costa Lima reserva à mímesis (Costa Lima, 2000, 55).
6

A tarefa de repensar o conceito de mímesis é decisiva na trajetória intelectual de Costa Lima, e ele a
justifica pelo desejo de criar uma alternativa à banalização da vida, numa tentativa de reverter o
divórcio entre arte e mundo (idem).

Sucintamente podemos dizer que a experiência da mímesis é histórica e culturalmente variável


(depende do horizonte de expectativa dos receptores), é a correspondência entre obra de arte e
mundo, a mímesis literária “supõe a sensação de semelhança, a que se acrescenta a sensação de
diferença” e se cumpre “dentro de um circuito específico, o da experiência estética” (Costa Lima,
1989, 68-9).

Se a mímesis está na correspondência entre obra e mundo, e a constitui a interação entre


semelhança e diferença, lembremos que estas diferenças, por mais radicais, sempre mantêm
“um resto de semelhança, uma correspondência, não necessariamente com a natureza, mas
sim com o que tem significado em uma sociedade, com a maneira como a sociedade concebe
a própria natureza” (Costa Lima, 2000, 64).

Enquanto produção textual, somada à categoria estética, a mímesis nos permite pensar o social,
pois, “a literatura é movida pela imaginação quando dotada da capacidade de co-mover, de conduzir
o receptor a questionar emocionalmente as instituições sociais que o acompanham” (Costa Lima,
2006a, 328).

Em Mímesis e modernidade. Formas das sombras, segundo livro da trilogia a que Costa
Lima se dedicou para repensar o conceito de mímesis, ao refletir sobre a poética de Rimbaud,
ele ressalta a relação indireta que a obra poética mantém com o real e afirma que, ao contrário
do discurso científico, a expectativa de uma evolução da abordagem é ilegítima no caso do
poético, porque, “não pretendendo o maior domínio do real, não supõe a constância de uma
posição perante o real” (Costa Lima, 1980, 134). Esta descontinuidade torna-se uma regra na
modernidade, “onde se cultua o indivíduo e é forçosa a mudança” (idem) e isto impõe ao
analista o “permanente reajuste de sua aparelhagem ante cada novo objeto” (idem, ibidem).

5) Vida social
Cobranças que pesam sobre a literatura.

Cecília – lugar excêntrico que ela ocupa. Singularidade da poesia de Cecília Meireles, que
surgiu com o Modernismo, mas manteve uma dicção própria, resultado do interesse pela exploração
dos recursos expressivos da arte verbal que a aproximou das tradições simbolista e das métricas
clássicas da poesia lusófona. O que podemos pensar a partir dos versos do poema “Canção
excêntrica”, de Vaga música: “Ando à procura de espaço para o desenho da vida”.

Gullar – Como poeta moderno, foi cobrado por abandonar as vanguardas em prol de um
engajamento político em meados da década de 60, quando optou por escrever os poemas de cordel.
7

Outro exemplo é Machado de Assis- Entre os textos críticos de Machado, um dos mais
conhecidos é “Instinto de nacionalidade”, publicado na revista Novo Mundo de 24 de março de
1873. Em aproximadamente doze páginas, o autor desenvolve raciocínios dos mais ferinos sobre a
literatura brasileira, “que não existe ainda”, porém se mostra promissora.

A genialidade machadiana teria sofrido o mesmo ostracismo que enterrou um Joaquim de


Sousândrade se o romancista não tivesse aprendido a usar a tática de capoeira nas relações sociais.
Primeiro sinal de sua esperteza: não insistir no exercício da crítica. Se houvesse perseverado em
artigos como seu "Instinto de nacionalidade" (1873), provavelmente teria multiplicado inimigos
ferozes. Em troca, a criação da Academia Brasileira de Letras lhe punha em relações cordiais com
os letrados e com os compadres dos "donos do poder". Sua salvação intelectual, no entanto, foi paga
pela estabilização das linhas fixadas desde a independência.

6) Ciências humanas
Literatura absorve todas as ciências humanas. Exemplo da ascensão da História como
disciplina, no século XIX que corresponde ao auge da História da Literatura.
Séc. XX surge a psicanálise, sociologia, antropologia etc, o romance absorve todas essas
disciplinas, mas a relação com as ciências humanas é de respeito, não é de subserviência.
Filosofia- diálogo mais profícuo pelo caráter indagador, questionador dessa disciplina.
Exemplo de Machado. Filosofia Borbiana, “Quincas Borba”, onde o autor fala sobre a teoria
da evolução Darwin, sobre a filosofia de Shopenhauer, Voltaire, mas numa visão particular e
irônica.

Conclusão
Na verdade, para que a teoria da literatura se firmasse entre nós teria ela de contrariar hábitos
que vêm desde o início das considerações sobre a literatura nacional, ou seja, desde Gonçalves de
Magalhães. Em seu "Discurso sobre a história da literatura no Brasil" (1836), a literatura era
apresentada como a quintessência do que haveria de melhor e mais autêntico em um povo. E, como
o país se tornara independente sem um prévio sentimento de nacionalidade que integrasse as
regiões, o serviço que ela, de imediato, haveria de prestar seria de incentivá-lo. Teria, portanto, de
conter uma palavra empolgada, entusiasta e logo sentimental, que entrasse mais pelos ouvidos do
que exigisse inteligência. Dentro deste circuito curto, o interesse se dirigia à formação de um Estado
e quase nada concernia à própria literatura.
8

A ênfase na Teoria da Literatura como instrumento de reflexão nos conduz ao cerne do estudo
da literatura, que como alerta Costa Lima, já não se trata simplesmente de ressaltar o lugar de
onde se produz a obra ficcional, mas sim perguntar-se o que é a ficção literária.

Você também pode gostar