A Lei No Código Da Santidade
A Lei No Código Da Santidade
A Lei No Código Da Santidade
A lei no judaísmo
A formulação da lei israelita é encontrada nas leis civis e criminais do código da aliança. O mesmo existe no
código deuteronômico, com certas variantes. Em vez da oração condicional, emprega-se ou o particípio ou a
oração relativa. Exemplo da primeira está em Ex 21, 15: "Quem ferir seu pai ou sua mãe será morto." A
segunda é ilustrada por Lv 20, 10: "O homem que cometer adultério com a mulher do seu próximo deverá
morrer, tanto ele como a sua cúmplice."
Na maioria dos outros códigos, aparece um simples imperativo ou proibição na segunda pessoa do singular e
no imperfeito. Essa formulação não encontra paralelo em outras coleções do antigo Oriente Médio. É
empregado nas leis morais, rituais e cultuais, e não em leis civis e criminais. Isso é uma criação da crença
religiosa israelita. Essas leis exprimem a vontade revelada de Yahweh e os termos da aliança.
O rei israelita era um juiz, e não um legislador. A fonte da lei consuetudinária era o próprio costume; muitas
leis existiam simplesmente porque constituíam a maneira como as coisas sempre tinham sido feitas. O juiz
decidia com base no costume conhecido e aceito. Geralmente, a fonte da lei israelita era a tradição
determinada pelo juiz: o rei, o ancião e o sacerdote.
As coleções israelitas são todas atribuídas à revelação que Yahweh fez a Moisés. A obrigação do
cumprimento de sua lei decorria da aliança, de que a vida sob a submissão à lei constituía o dever que as
promessas da aliança de Yahweh lhes impuseram. Em Israel não existia distinção entre a lei secular e a lei
religiosa. Toda a lei é encarada como um dever religioso e impõe uma obrigação sagrada. Yahweh é quem
recompensa e castiga sua observância ou a sua violação.
A concepção da lei como a vontade revelada de Deus não encontra semelhança em outras coleções do antigo
Oriente Médio. Tanto Hamurabi como Lipit-Ishtar recebem dos deuses a autoridade necessária para
promulgar leis e a sabedoria requerida para formulá-las; mas as leis são resultantes de sua própria obra, de
sua obra pessoal.
Os escribas pós-exílicos identificam a lei com a sabedoria (Eclo 24; 39, 1-11) e nela encontram todo o
conhecimento, humano e divino. A alegria dos judeus diante da lei reflete-se na Torá e nos salmos 19 e 119.
Os rabinos incluíam a Torá entre os seres que existiam antes da criação. Por isso, a observância da lei era
perfeição. Surgiu no judaísmo uma escola de fé que interpretava as obrigações da lei no sentido mais
rigoroso.
Moldura A – A’ – O Código da Aliança está emoldurado por disposições que tem a ver com o âmbito
religioso propriamente dito. Tanto em Ex 20,22-26 quanto em Ex 23,13-19 tematizam-se questões próprias
dessa esfera: altar, ídolos, nome de Deus, festas religiosas. São determinações que tem a ver com o reto culto
a Javé como o Deus de Israel. Essa moldura encontra em Ex 22,19 o seu centro de sustentação. A frase
“Quem sacrificar aos deuses e não somente para Javé será destruído” tem obviamente uma formulação
negativa / proibitiva. Traduzindo-a para uma formulação positiva / propositiva, teremos: “Deve-se sacrificar
(adorar) somente a Javé”. Trata-se de uma versão distinta do 1. Mandamento, que teologicamente norteia
todo o código.
Moldura B – B’ – Marcante para esses dois blocos são as disposições legais orientadas por um ritmo de 6 / 7
anos ou dias. São as chamadas leis sabáticas. Prescrevem um ritmo de tempo que deve ser aplicado para as
relações sociais e de trabalho potencialmente e realmente causadoras de conflito nesta sociedade.
Basicamente propõe-se uma libertação de escravos (não escravas!) no sétimo ano (Ex 21,2-11), a observância
de um ano sabático da terra (Ex 23,10-11) e a observância do dia sabático de descanso para as forças de
trabalho envolvidas na produção agrícola familiar (animais, filhos de escravas e forasteiros: Ex 23,12).
A explicação para esta aparente incongruência na estrutura do Código da Aliança pode exatamente provir do
fato de que este código é uma tentativa de dar uma solução legal / jurídica para os angustiantes e prementes
problemas na sociedade do antigo Israel / Judá no final do século VIII aC. Isso se dá dentro da idéia geral de
celebração de uma aliança como uma espécie de pacto social. Não há uma necessidade última de datar o
surgimento (compilação) deste código para esta época; há, sem dúvida, argumentos que falam para uma
datação no início da monarquia. Alguns destes argumentos tem sido a menção do boi (Ex 21,28–22,1) e a não
menção do rei (Ex 22,28). Porém, sobretudo a menção dos pobres que viram escravos de dívidas (Ex 21,2-11)
e sujeitos a violência físico-coercitiva (Ex 21,12-27) e o próprio problema das relações de dívidas por
dinheiro (prata / relações de empréstimo) são mais condizentes com a situação social (conjuntura) no final do
século VIII aC.
Em outros textos já procuramos demonstrar que exatamente as leis sabáticas são um intento de solucionar os
graves conflitos sociais entre israelitas pobres e senhores nesta sociedade.[14] No seu todo, as leis sabáticas
são um acerto parcial, entre as partes em conflito, com vantagens parciais para ambos os lados. Em termos
concretos, os israelitas empobrecidos, sobretudo por dívidas, que geralmente entravam para o regime de
escravidão por tempo indeterminado (cf. 2Rs 4,1) segundo a (nova) lei só (!) poderão ser submetidos à
escravidão por um período de seis anos, devendo ser libertos no sétimo ano. Para quem está tendo engolir
esse “nó”, há alguma “luz no final do túnel”. Simultaneamente, a manutenção da instituição da “escravidão
por dívidas” e os “parágrafos em letras menores” nas respectivas leis favorecem os senhores fortes do povo
de Israel. Neste sentido, essas leis são um freio parcial às “leis do mercado”, ou mais exatamente às leis
dominantes nesta fase inicial de uma economia monetária no antigo Israel, estabelecida mais tarde pelos
persas, os primeiros a usarem moedas.
Se quisermos falar de “direito dos pobres” no Código da Aliança devemos olhar com mais atenção para o
bloco de Ex 22,20–23,9. Aqui encontramos um conjunto de determinações legais de cunho apodítico, isto é,
afirmações contundentes que têm uma autoridade inquestionável atrás de si. Fala-se aqui dos estrangeiros
(22,20; 23,9), das viúvas e órfãos (22,22-23) e dos pobres (hebraico: ´anî) do próprio povo. Estas categorias
de pessoas “em-processo-de-exclusão” são claramente incluídas e colocadas sob a proteção da lei.
Este bloco de Ex 22,20–23,9 tem uma delimitação claramente marcada na composição do texto.
Tanto o início (Ex 22,20) quanto o final (Ex 23,9) estão assinalados com determinações de proteção aos
estrangeiros (hebraico: gerîm). O termo hebraico ger designa uma pessoa que vive fora do seu habitat cultural
e geográfica normal. Exemplo clássico disso são os israelitas que viveram no Egito (Ex 1–15). No texto até se
faz referência teológica a essa realidade do povo de então. Aqui, nos termos da lei, a palavra ger /
estrangeiro / migrante, muito provavelmente se refere à situação de muitos israelitas do antigo Reino do
Norte que fugiram ou migraram para o reino do Sul / Judá para escapar das atrocidades dos invasores assírios.
As escavações arqueológicas de Laquis, por exemplo, no estrato correspondente a este período final do século
VIII aC, evidenciaram um aumento substancial de construções “pobres” dentro e fora dos muros da cidade.
Nesta “pequena constituição” do povo de Israel, esses grupos de “pobres - estrangeiros”, que certamente
constituíam um pequeno “exército de reserva” nas relações de produção neste período, recebem acolhida
protetora na lei codificada. Eles não deverão ser submetidos a “pressão” (hebraico: `anah IV) e opressão
arbitrária.
O mesmo se afirma no caso das viúvas e dos órfãos (Ex 22,22-23). Não deverão ser “oprimidos/as”
nem ser “afligidos/as”. Reaparece o mesmo verbo para “oprimir”. O verbo hebraico lachats / “afligir” poder
ser melhor traduzido ou interpretado por “criar inimizade contra alguém”. Aqui se pode concretamente pensar
nas denúncias de Is 10,1-2. Possivelmente trata-se de uma perversão deliberada de leis de proteção familiar.
Órfãos e viúvas constituem presas mais fáceis para a voracidade de “senhores empreendedores”, que, nesta
suposta sociedade de “mercado”, desejam ampliar sua base de produção. Para isso tratam de “incorporar”
viúvas e órfãos, como legítimos donos de posses de lotes de terra, dentro da estrutura de sua casa patriarcal
(bet-ab). Não se afirma explicitamente de que forma essas categorias de pobres têm o seu direito garantido.
Em suas formulações contundentes, essas leis parecem ser mais exortativas e apelativas. De uma forma mais
genérica, faz-se uma alusão à experiência do êxodo. Observe-se a ocorrência dos verbos “gritar / clamar” e
“ouvir” (Ex 22,23) que fazem ecoar os conteúdos de Ex 3,7-10: Deus ouve o grito / clamor do seu povo.
No caso de empréstimo de prata / dinheiro aos mais pobres do próprio povo há uma explícita
determinação de não cobrança de juros (Ex 22,25). Tal determinação interferia profundamente nas relações
sociais de modo a prevenir situações de grave e crescente endividamento e empobrecimento dos que já estão
“descendo o barranco” dentro da “escala social” do antigo Israel. Na aplicação dessa determinação estaria se
prevenindo uma série de situações de famílias que tem de “vender-se” para a escravidão. Também a lei sobre
as práticas de penhorar objetos por ocasião de empréstimos privilegia os mais pobres (Ex 22,26-27). Os
objetos penhorados, expressamente o “manto”, devem ser devolvidos antes do pôr-do-sol. Supõe-se que em
caso de penhor também se aplica a norma da não cobrança de juros.
Por fim, em Ex 23,1-9 trata-se no todo de disposições sobre o comportamento e a atitude nos
processos jurídicos e no cotidiano. Os membros do povo de Deus, sobretudo a elite, deveriam ser um
exemplo na prática da justiça e do direito, não favorecendo nem os ricos nem os pobres. Essas “instruções”
funcionam, na verdade, como proteção aos pobres. Nestas leis convém ouvir ecos da profecia de Amós (Am
2,7; 5,10-12) e também de Isaías. Estes justamente denunciam que a “jurisprudência no portão” estava sendo
palco para “arrebentar” de vez com os pobres, que buscavam na assembléia popular o seu caminho de direito.
No todo, recomenda-se aqui o exercício da equidade na arbitragem de casos conflitivos. A elite de Israel,
representada pelos pater familias, deveria ser exemplo de justiça.
Tarefa: