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A Psicoterapia cognitivo-comportamental

para Crianças e Adolescentes vítimas


de Violência Psicológica
e Alienação Parental
Ilana Luiz Fermann
Mestre em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
E-mail: <[email protected]>.

Cátula da Luz Pelisoli


Doutora em Psicologia. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
E-mail: <[email protected]>.

Resumo

A violência é um problema social e de saúde pública vitimizando milhares de crianças e adolescentes no


Brasil e no mundo. Crianças/adolescentes se tornam frequentemente vítimas de violência perpetrada
comumente por familiares e pessoas próximas. A violência psicológica (VP) pode se manifestar sob for-
ma de rejeição, humilhação, isolamento, depreciação, desrespeito, rotulação, discriminação, corrupção,
terrorismo, punição ou cobranças exageradas advindas do responsável/cuidador em relação à criança/
adolescente. Esses fatores podem gerar sintomas e transtornos psicológicos, prejudicando a vida desses
indivíduos. A psicoterapia cognitivo-comportamental é uma alternativa para prevenção e tratamento
em casos de violência contra crianças/adolescentes. Este artigo buscou caracterizar e discutir a VP sof-
rida por crianças e adolescentes e as consequências desta para o desenvolvimento. Além disso, o artigo
objetivou verificar como a psicoterapia cognitivo-comportamental está sendo utilizada para o trata-
mento desses casos. Os resultados apontaram que a psicoterapia cognitivo-comportamental é eficaz
para o tratamento de vítimas de VP. Além disso, é importante que exista uma boa relação terapêutica e
que o paciente possa cooperar no tratamento e na realização de tarefas propostas pelo psicoterapeuta.
Sugere-se também que estudos futuros adaptem o modelo de grupoterapia cognitivo-comportamental
para crianças/adolescentes vítimas de violência sexual, para crianças e adolescentes vítimas de VP.
Palavras-chave: violência psicológica, alienação parental, infância, adolescência, psicoterapia cogni-
tivo-comportamental

Introdução et al., 2012). Segundo a Organização Mundial da


Saúde (OMS), a violência é definida como o uso
da força real ou ameaça, contra si próprio, outra
A violência é considerada um problema so-
pessoa, ou um grupo ou comunidade. A violência
cial e de saúde pública (Zambon, Jacintho, Me-
deve resultar ou ter qualquer intencionalidade e
deiros, Guglielminetti, & Marmo, 2012; Williams
possibilidade de resultar em lesão, morte, dano
& Habigzang, 2014), tornando vítimas crianças/
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou
adolescentes de várias partes do mundo (Zambon
privação (OMS, 2002).

Revista de Psicologia da IMED, 8(1): 76-86, 2016 - ISSN 2175-5027 76


DOI: 10.18256/2175-5027/psico-imed.v8n1p76-86
Violência Psicológica e Alienação Parental…

No Brasil, a temática da violência contra infantil. Nesse artigo será abordada como tema
crianças e adolescentes se tornou mais conhecida central, a violência psicológica (VP) que também
devido à Constituição Federal de 1988 e ao Esta- pode ser nomeada como abuso emocional (Habi-
tuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos anos gzang & Koller, 2011). Este artigo tem como obe-
noventa. Com a criação do ECA, profissionais tivo caracterizar e discutir a VP sofrida por cri-
que trabalham com esses indivíduos, bem como anças/adolescentes, e as consequências desta para
os responsáveis por eles, se tornaram obrigados a o desenvolvimento. Além disso, o artigo objetiva
notificar casos suspeitos ou confirmados de vio- verificar como a psicoterapia cognitivo-compor-
lência, prevendo punições para aqueles que não o tamental está sendo utilizada para o tratamento
fizerem (Zambon et al., 2012). desses casos.
Considerada um fenômeno interdisciplinar,
que não abrange apenas aspectos psicológicos,
mas também sociais, jurídicos, educacionais e mé- Violência Psicológica
dicos, pesquisas verificaram que 80% dos casos de
maus tratos ocorrem no ambiente familiar (Ha- A VP é um dos tipos de violência que mais
bigzang & Koller, 2011; Williams & Habigzang, ocorre durante a infância e adolescência (De An-
2014). Essas experiências podem ser traumáticas toni, 2012). Entendida como um fenômeno com-
e repercutir negativamente no desenvolvimento e plexo por não deixar marcas físicas (De Antoni,
vida adulta dessas crianças e adolescentes. Como 2012; Barbosa, Labronici, Sarquis, & Mantovani,
consequência dessas experiências de maus tratos, 2011), a VP ainda é pouco diagnosticada, apesar
o prejuízo cognitivo, emocional e mudanças com- de apresentar maior prevalência do que os outros
portamentais podem estar presentes (Williams tipos (Sears, Byers, Whelan, & Saint-Pierre, 2006;
& Habigzang, 2014). Além disso, déficits em fun- Abranches & Assis, 2011).
ções neurocognitivas como atenção, linguagem, A VP pode se manifestar na forma de rejei-
inteligência (Oliveira, Scivoletto, & Cunha, 2010), ção, humilhação, isolamento, depreciação, desres-
transtornos mentais como Transtorno de Défi- peito, rotulação, discriminação, corrupção, terro-
cit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno de rismo, punição ou cobranças exageradas advindas
Conduta, comportamento impulsivo, problemas do responsável/cuidador em relação à criança/
de aprendizagem e uso de substâncias psicoativas adolescente. Além disso, também são consideradas
também estão entre as consequências dessas expe- formas de VP a negação de afeto, ameaças e agres-
riências de maus tratos (Zambon et al., 2012). sões verbais, geralmente ocorridas por pessoas pró-
Estudos apontam a relação entre maus tratos ximas à criança ou adolescente (De Antoni, 2012;
ocorridos na infância e fatores como condições Habigzang & Koller, 2011). Como consequência
sociais desfavoráveis (habitação, saúde, desem- dessas ações, podem estar presentes sintomas fí-
prego), conflitos familiares intensos (separação sicos e psíquicos, além da possibilidade de haver
dos pais, pais abusadores e/ou abusados durante transtornos psicológicos, causando prejuízos na
a infância), pais ou responsáveis negligentes, usu- vida das vítimas (Barbosa, Labronici, Sarquis, &
ários de substâncias e com diagnóstico de trans- Mantovani, 2011). Como exemplo de VP que ocor-
tornos psicológicos. Além disso, outros fatores en- re no contexto familiar, pode-se citar a alienação
volvendo vulnerabilidade infantil também estão parental (AP). De acordo com uma estimativa nor-
associados a maus tratos, como por exemplo, ser te-americana, 20 milhões de crianças já foram ex-
uma criança recém nascida, adotada, viver em um postas a comportamentos psicologicamente agres-
abrigo ou sistema de detenção compulsória ou ter sivos por parte dos pais, e 25 milhões ainda serão
algum tipo de retardo mental (Hussey, Chang, & expostas até a vida adulta (Baker, 2005).
Kotch, 2006). Alguns autores consideram a exis- Alguns autores que estudam a VP em crian-
tência de predisposição para a agressão, associa- ças/adolescentes conceituam-na de duas formas.
da a fatores externos como o contexto familiar, A primeira diz respeito à qualidade parental
comunitário e cultural (Dahlberg & Krug, 2007). exercida e comportamentos dos pais, como por
A violência contra crianças/adolescentes pode exemplo, ações sistemáticas buscando o conven-
ocorrer de formas distintas e com características cimento da criança de que ela não é boa o sufi-
específicas. Pode-se citar, por exemplo, a violência ciente, ou que não é amada, podendo ser compa-
sexual, violência física, negligência e a exploração rada negativamente a outras crianças (O’Hagan,

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1995; Brassard & Hart, 1993). A segunda forma de violência, como possuir irmãos de casamentos
postulada pelos autores é considerar a VP como diferentes dos pais, ser o filho do meio e possuir
ponto central de qualquer tipo de maus tratos in- uma família monoparental (Abranches, Assis, &
fantis, associada à violência sexual ou negligência. Pires, 2013).
(Claussen & Crittenden, 1991). Os pais que declararam possuir relação mais
Estudos referentes especificamente à VP que ou menos satisfatória ou insatisfatória com o ado-
acometem crianças/adolescentes ainda são escas- lescente possuíam maiores probabilidades de pra-
sos. Um dos motivos atribuídos a isto é o fato ticarem VP do que os que referiram possuir re-
de que por ser considerada uma violência que lação satisfatória. Além disso, destacou-se o alto
não deixa marcas físicas, muitas consequências uso de substâncias utilizadas pelos responsáveis,
oriundas deste tipo de violência são identificadas o consumo de remédios (calmantes ou indutores
após um tempo do ocorrido, podendo manifestar- de sono) entre as mães e álcool (embriaguez) por
se através de sintomas e comportamentos (Abran- parte dos pais (Abranches, Assis, & Pires, 2013).
ches & Assis, 2011). Entretanto, na última década A VP esteve associada a outras formas de
essa temática tem tido maior visibilidade e com violência, segundo os autores. Esteve associada
isso, mais estudos têm sido realizados. com violência física perpetrada por membros da
Um estudo proposto por Abranches, Assis, família no passado dos participantes e associada
& Pires (2013) objetivou investigar a associação da à violência sexual que ocorria no momento pre-
VP na adolescência com fatores sociodemográfi- sente da vida deles. Através desse estudo foi pos-
cos, estrutura/relacionamento familiar com outras sível constatar que o adolescente vítima de vio-
formas de maus-tratos. Os resultados apontaram lência física no passado tem até 5,17 vezes mais
que a maioria dos adolescentes era do sexo mascu- chances de ser vítima de VP do que adolescentes
lino (53,2%), de pele/raça branca (33,8%) e perten- que nunca sofreram maus tratos (Abranches, As-
cente a estratos sociais populares (83,5%). Sobre os sis, & Pires, 2013).
questionamentos relacionados à VP apenas cinco Outro estudo nacional realizado por Cos-
adolescentes responderam “nunca” aos itens inda- ta, Carvalho, Santa Bárbara, Santos, Gomes, &
gados na pesquisa. Sobre o relacionamento com os Sousa (2007) teve como objetivo estimar a pre-
responsáveis e os comportamentos estabelecidos valência de tipos de violência contra crianças e
por estes, mais de 10% dos adolescentes referi- adolescentes registrados nos Conselhos Tutelares
ram a frequência “sempre/quase sempre” para as em um município Baiano e associar a violência
seguintes ações: ser criticado pelo o que faz/diz, sofrida de acordo com a faixa etária das vítimas
não ser encorajado quando tenta atuar de forma e vínculos estabelecidos com os agressores. Espe-
autônoma, ser chamado de nomes desagradáveis e cificamente no que diz respeito à VP, foram rea-
o adulto mencionando que o adolescente está er- lizadas 374 denúncias envolvendo VP, incluindo
rado ao tentar agir. Outros comportamentos que o amedrontamento (219), humilhação pública ou
compõem o relacionamento familiar foram relata- privada (52), ameaça de morte (28) e outras formas
dos com menor frequência, porém estiveram pre- de violência como ameaça de abandono, discri-
sentes nas afirmativas “às vezes/raramente”, como minação racial, mendicância e impedimento de
por exemplo, a culpabilização por falhas (58,5%), contato com outro genitor (75) (Costa, Carvalho,
críticas das coisas que o adolescente faz/diz (58%), Santa Bárbara, Santos, Gomes, & Sousa, 2007).
gritos sem motivo (45,4%), não acreditar no ado- Na maioria dos casos, a denúncia foi realizada
lescente (53,7%) e dizer ao adolescente que ele anonimamente (30,8%), pelas mães (21,2%), pais
está errado quando faz/diz alguma coisa (45,4%) (14,9%) e outros parentes (8,5%). Desta forma,
(Abranches, Assis, & Pires, 2013). tanto este estudo quanto o anterior (Abranches,
Ainda neste estudo, a mãe foi apontada como Assis, & Pires, 2013; Costa, Carvalho, Santa Bár-
a principal responsável por perpetrar esse tipo de bara, Santos, Gomes, & Sousa, 2007) referem os
violência (67,5%), seguida pelo pai e irmãos. Além pais como sendo os principais perpetradores de
desses, primos, sobrinhos, amigos, vizinhos, namo- VP, com ocorrência na maioria dos casos no am-
rados, professores e diretora da escola também fo- biente familiar. Dessa forma, conflitos familiares
ram referidos pelos adolescentes como agressores. como o divórcio, podem resultar em comporta-
Alguns aspectos referentes à estrutura familiar mentos e condutas agressivas por parte de pais e
podem elevar a chance da ocorrência desse tipo familiares da criança/adolescente.

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Em consonância com esses resultados, Avanci, centes vítimas desse processo (Brasil, Lei 12.318,
Assis, César dos Santos, e Oliveira (2005) encontra- 2010). A Lei estipula sete tipos de comportamen-
ram que os perpetradores de VP eram considera- tos considerados alienantes: realizar campanha
dos pessoas significativas na vida de adolescentes de desqualificação da conduta do genitor no
vítimas. Esses adolescentes indicaram ainda serem exercício da paternidade ou maternidade; dificul-
vítimas de violência física, possuírem baixa auto tar o exercício da autoridade parental; dificultar
estima e sentir-se sem apoio afetivo e emocional. contato de criança ou adolescente com genitor;
O estudo de Brito, Zanetta, Mendonça, Ba- dificultar o exercício do direito regulamentado
rison, & Andrade (2005) teve como objetivo co- de convivência familiar; omitir deliberadamente
nhecer as características da família, da criança a genitor informações pessoais relevantes sobre a
que sofreu violência e de seu agressor, bem como criança ou adolescente, inclusive escolares, médi-
descrever, de acordo com relatos da família, os cas e alterações de endereço; apresentar falsa de-
fatores desencadeantes da violência. A partir dos núncia contra genitor, contra familiares deste ou
resultados encontrados, foi possível concluir que contra avós, para obstar ou dificultar a convivên-
os principais fatores identificados pelas famílias cia deles com a criança ou adolescente e mudar
como desencadeantes da violência são na sua o domicílio para local distante, sem justificativa,
maioria conflitos entre o casal (58%) e histórico visando a dificultar a convivência da criança ou
de vida dos pais (49%). Como exemplo de confli- adolescente com o outro genitor, com familiares
tos conjugais, pode-se mencionar a repercussão deste ou com avós (Brasil, Lei 12.318, 2010).
do rompimento conjugal, considerando a exis- Além da criança/adolescente envolvido nes-
tência de um divórcio litigioso ou ressentimentos se processo, os genitores alienadores e alienados
oriundos deste, pré ou pós divórcio. também podem ser considerados vítimas. Seus
comportamentos podem estar associados muitas
vezes a psicopatologias e transtornos de persona-
Alienação Parental lidade como Transtorno de Personalidade Para-
nóide ou Narcisista (Kopetski, 1998). Esse tipo de
A AP é um fenômeno considerado como uma comportamento pode ocorrer devido ao fato de
forma VP e abuso emocional (Lago & Bandeira, que muitos genitores não aceitam o divórcio ou
2009), que ocorre comumente em decorrência de a forma como ele ocorreu. Dessa forma, utilizam
divórcios litigiosos e disputas de guarda (Brito, a criança/adolescente como meio de vingança, as
2012; Ferreira, 2012). O conceito de AP foi defi- tornando vítimas de uma “lavagem cerebral” e as
nido pelo psiquiatra Richard Gardner na década obrigando a se posicionarem contra um genitor e
de oitenta (Major, 2000), a partir de sua prática a favor do outro (Major, 2000).
profissional, que estava atrelada a atendimentos No que diz respeito às publicações científi-
clínicos infantis e nos tribunais na realização de cas sobre a temática da AP, grande parte são in-
avaliação de casos envolvendo disputa de guarda. ternacionais e abordam aspectos da sua origem,
A AP envolve situações e comportamentos definições conceituais e as consequências advin-
hostis de um dos genitores em relação ao outro, das desta para os membros da família. Porém, não
incluindo a criança como participante nesse pro- foram encontrados estudos empíricos que referis-
cesso. Comportamentos como desqualificar um sem formas de intervenção eficazes nesses casos.
dos genitores para a criança ou adolescente, difi- No estudo proposto por Suárez (2011) realizado
cultar a convivência e omitir informações da vida na Espanha com o objetivo de avaliar a presença
do filho sistematicamente e conscientemente são de sintomas e características dos filhos envolvidos
exemplos de condutas adotadas pelo genitor alie- em situações de AP, os resultados apontaram que
nador (Darnall, 2011; Sousa, 2010). Para configu- as características mais presentes foram: rechaço,
rar-se AP faz-se necessário que a criança/adoles- crítica e depreciação por parte desses em relação
cente comporte-se de forma a recusar conviver e ao genitor alienado, assim como a idealização e
possuir relações próximas com um dos genitores valorização positiva sobre o divórcio dos pais e
(Darnall, 2011). sobre o genitor alienador, comumente o detentor
No Brasil, a Lei da Alienação Parental (12.318/ da guarda (Suárez, 2011).
2010) considera a prática da AP como uma forma Lavadera, Ferracuti, e Togliatti (2012) se pro-
de interferência psicológica para crianças/adoles- puseram a avaliar as características de AP pre-

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sentes em famílias envolvidas nessas situações e nhecido como diagnóstico, os prejuízos cognitivos
verificar quais patologias eram encontradas em e emocionais apresentados por crianças/adoles-
crianças/adolescentes. Os resultados encontra- centes podem ser compreendidos como consequ-
dos apontaram que as mães foram consideradas ências de um problema na relação parental e na
alienadoras em 50% dos casos e os pais em 35%, dificuldade no exercício da co-parentalidade.
além de avós ou instituições de acolhimento em Alguns autores referem que o relacionamen-
15%. Foi constatado que os genitores envolvidos to entre pais e filhos pode ser um fator fundamen-
nessas situações possuem dificuldade em expres- tal para o desenvolvimento das crianças e saúde
sar emoções e que a razão do conflito e acusações mental de adolescentes (Parke & Slaby, 1893). A
de um genitor ao outro diz respeito à irresponsa- maneira como os pais se relacionam com seus fi-
bilidade, criminalidade e perigo. Sobre as patolo- lhos poderá gerar diferentes intensidades de tran-
gias presentes nos membros da família, as mães quilidade e segurança para crianças/adolescentes
apresentaram traços de insegurança e as crianças (Lago, Amaral, Bosa, & Bandeira, 2010). Dentre
apresentaram problemas no desenvolvimento, os aspectos considerados para a existência de um
como dificuldade no relacionamento interpes- bom relacionamento entre pais e filhos destacam-
soal, problemas relacionados à sua identidade, e se alguns fatores a serem exercidos pelos pais,
tendência à manipulação e distorção da realidade. como: função de apoio, proteção e responsabilida-
Neste estudo, foi possível concluir que 12% dos de, práticas educativas, preocupações com cuida-
casos avaliados existia AP, e que os alienadores dos corporais e com as necessidades afetivas dos
identificados podem ser outros membros da famí- filhos (Wagner, Ribeiro, Arteche, & Bornholdi,
lia e não somente a mãe (Lavadera, Ferracuti, & 1999; Dantas, Jablonski, & Féres-Carneiro, 2004).
Togliatti, 2012). Importante salientar que a SAP poderá ser
Além do conceito de AP, Gardner (1999) utilizada de forma prejudicial na identificação de
considerou a existência de uma síndrome em de- casos que envolvam violência contra a mulher ou
corrência do processo de AP. De acordo com o criança e adolescente. A falsa alegação de sinto-
psiquiatra, os comportamentos/sintomas apresen- mas/comportamentos ocasionados do processo de
tados pelas crianças/adolescentes, como por exem- AP poderá encobrir o comportamento do agressor
plo, ansiedade, sentimentos hostis e desejo de não e desvalorizar a palavra da vítima (Sottomayor,
conviver com um dos genitores se configurariam 2011). No entanto, faz-se necessário descartar a
como tal. Porém, a existência dessa síndrome de presença de maus tratos para que se confirme a
alienação parental (SAP) ainda é controversa no presença de AP (Suàrez, 2011).
meio científico. Além de o psiquiatra ter funda- Devido aos prejuízos que podem ocorrer
mentado a SAP apenas com sua prática profissio- no que diz respeito ao desenvolvimento e saúde
nal, estes achados foram publicados em formato de mental de crianças/adolescentes, a psicoterapia
artigos publicados em editoras próprias não sendo de abordagem cognitivo-comportamental po-
submetidos à revisão por pares (Sottomayor, 2011). derá se tornar um recurso para o tratamento de
Além disso, existe dificuldade em avaliar sintomas resultantes da violência sofrida.
esses sintomas e comportamentos como sendo
exclusivamente oriundos de um processo de AP.
Crianças/adolescentes que presenciam conflitos e Psicoterapia cognitivo-com-
situações de violência familiar, como consequên-
cia de divórcio, ou que presenciam um divórcio
portamental e suas contri-
mesmo que não litigioso, por exemplo, poderão buições para o tratamento de
apresentar os mesmos sintomas/comportamentos vítimas de violência psicoló-
(Sousa, 2010).
Outro fator que contribui para as divergên-
gica e alienação parental
cias quanto considerar a existência da SAP é o não
reconhecimento da síndrome como um diagnósti- A psicoterapia cognitivo comportamental foi
co incluso no Manual Diagnóstico de Transtornos uma das primeiras abordagens de psicoterapia ca-
Mentais - DSM-V (APA, 2014) ou no Código Inter- pazes de demonstrar eficácia através de pesquisas
nacional de Doenças - CID-10 (OMS, 2008) (Sot- científicas (Dobson & Scherrer, 2004) e se fortale-
tomayor, 2011). Porém, mesmo que não seja reco- ceu através da credibilidade adquirida por meio
da divulgação de resultados comprovados cien-

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tificamente, principalmente no que diz respeito reformulação e codificação, alteração do conteú-


a pesquisa no contexto clínico (Pereira & Rangé, do semântico multissensorial e capacidade asso-
2011). A abordagem cognitivo comportamental foi ciativa e generalista da memória (Caminha, Ha-
pioneira em considerar os problemas emocionais bigzang, e Bellé, 2003). Sabe-se que se o trauma
e comportamentais de crianças/adolescentes. As infantil oriundo de maus tratos não for tratado,
abordagens desse processo psicoterapêutico são existe um aumento significativo na probabilidade
baseadas principalmente em teorias da aprendiza- de ocorrência de Transtorno Borderline de Perso-
gem como princípios de condicionamento clássi- nalidade, na vida adulta (Ventura, Pedrozo, Ber-
co e operante, teoria da aprendizagem cognitiva e ger, Figueira, & Caminha, 2011).
da aprendizagem social (Asbahr & Ito, 2009). Entretanto, destacam-se alguns estudos inter-
Embora as redes de proteção às vítimas de nacionais que buscam a prevenção e tratamento
violência no país sejam frágeis e o despreparo de de crianças/adolescentes em situações de VP atra-
alguns profissionais que atuam na área seja evi- vés da psicoterapia cognitivo-comportamental.
dente (Habigzang & Williams, 2014), alguns pro- Um deles referidos por Darnall (2011), apresenta
tocolos de intervenção e tratamento são adotados a “Reunification therapy”, uma modalidade psico-
nesses casos. Porém, grande parte deles, diz res- terapêutica desenvolvida recentemente para trata-
peito à violência sexual contra crianças/adolescen- mentos de alto risco, muito utilizada em casos en-
tes e não à VP. No que diz respeito às práticas de volvendo AP. Os atendimentos envolvem todos os
prevenção e intervenção com vítimas de VP, pou- membros da família e possuem três focos princi-
cos estudos foram encontrados e os encontrados pais: amenizar o conflito e a hostilidade do genitor
foram estudos internacionais. Autores ressaltam que possui comportamentos alienantes, assegurar
a escassez de ferramentas a serem utilizadas para um ambiente seguro e saudável emocionalmente
detectar e investigar a VP e salientam que a não para a criança/adolescente em relação a ambos os
existência dessas ferramentas contribui para a di- genitores e reparar os vínculos prejudicados entre
ficuldade em diagnosticar esse fenômeno (Avanci, a criança/adolescente e os genitores.
Assis, César dos Santos, & Oliveira, 2005). Poucos estudos avaliam esse tipo de atendi-
Para vítimas de eventos traumáticos, a psico- mento atualmente, no entanto, essa abordagem
terapia cognitivo-comportamental tem sido eficaz é considerada eficaz na maioria dos casos que
tanto no tratamento quanto na prevenção de fu- envolvam famílias em situações de alto conflito.
turos quadros similares. Estimativas apontam que Torna-se menos eficaz em situações onde a crian-
60% a 90% da população geral seja exposta a pelo ça/adolescente possua muito prejuízo em decor-
menos um tipo de evento traumático ao longo rência da situação de AP e em situações em que
da vida. Esses eventos estão relacionados em sua o genitor alienador esteja comprometido em vin-
maioria a diferentes tipos de violência (Caminha, gar-se ou prejudicar o outro genitor. Além dis-
Kristensen, & Dornelles, 2009). so, outras dificuldades poderão ser encontradas,
O tratamento psicoterapêutico da aborda- como por exemplo, o fato de a criança/adolescen-
gem cognitivo-comportamental para vítimas de te ser dependente dos pais e não procurarem o
TEPT inclui aprimoramento de funções adapta- tratamento psicoterapêutico sozinha, bem como
tivas, limitação da generalização da percepção de havendo boicote por parte de um dos genitores,
perigo decorrente do trauma, restabelecimento do não se mantém em atendimento (Darnall, 2011).
sentimento de confiança e segurança do paciente e Darnall (2011) descreve o papel desempe-
por fim, prevenir recaídas (Ventura, Pedrozo, Ber- nhado pelo psicólogo que atua nesses atendimen-
ger, Figueira, & Caminha, 2011). As técnicas mais tos como sendo leal à família como um todo e não
utilizadas nesses casos são: psicoeducação, exposi- somente a um membro dela. A principal tarefa
ção imagística, exposição gradual, reestruturação do psicólogo é trabalhar o vínculo entre a crian-
cognitiva, terapia do processamento cognitivo, ça/adolescente com seus genitores e auxiliar aos
manejo da ansiedade e técnicas de relaxamento pais no exercício da parentalidade, respeitando a
(Caminha, Kristensen, & Dornelles, 2009; Ventura, relação da criança com ambos. Além disso, auxi-
Pedrozo, Berger, Figueira, & Caminha, 2011). liá-los a não permitir que as percepções pessoais
No tratamento do TEPT especificamente negativas em relação ao ex cônjuge, e comporta-
para crianças, as técnicas mais efetivas são: re- mentos alienantes estejam presentes no contexto
estruturação cognitiva da memória traumática, no qual a criança/adolescente está inserida.

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Embora a investigação sobre as experiências entanto, estudos que avaliaram a efetividade da


de crianças/adolescentes em psicoterapia seja li- grupoterapia para vítimas de TEPT, divergem dos
mitada, alguns estudos estão começando a surgir citados anteriormente. A psicoterapia cognitivo-
(Davis & Wright, 2008; Freake, Barley, & Kent, comportamental em grupo não demonstrou me-
2007). Destaca-se a importância do estabeleci- lhoras significativas em relação aos sintomas apre-
mento de uma boa relação e aliança terapêutica sentados pós trauma, se comparadas a outros tipos
para tratamentos que sigam a abordagem de psi- de intervenções psicológicas, como a psicoterapia
coterapia cognitivo-comportamental. Isso deve- individual, por exemplo (Bisson et al., 2007).
se ao fato de que as crianças/adolescentes preci- Por fim, considera-se necessária a capacita-
sam estar engajadas no tratamento e nas tarefas ção de profissionais que atuam na área clínica, nas
oferecidas para alcançar seus objetivos de trata- redes de apoio às vítimas e escolas para a detecção
mento (Shirk & Korver, 2003; Shirk, Korver, & de sinais e sintomas expressos por crianças/ado-
Brown, 2011). Além disso, faz-se fundamental que lescentes nesses contextos. Por tratar-se de um
as crianças/adolescentes sejam capazes de com- tipo de violência imperceptível fisicamente, os
preender quais são os objetivos a serem alcança- profissionais precisam estar informados, capaci-
dos com a psicoterapia para que reconheçam as tados e especializados em como proceder, seja na
mudanças ocorridas (Shirk, Korver, & Brown, investigação, prevenção ou tratamento desses ca-
2011). Para crianças/adolescentes que vivencia- sos, que poderão inclusive ser revelados durante a
ram situações traumáticas e possuem sintomas de fase adulta, onde muitas vítimas sentem-se mais
TEPT, a psicoterapia cognitivo-comportamental seguras para expor o que lhes aconteceu. Dessa
focada no trauma foi recomendada pela Academy forma, faz-se necessário também a realização de
of Child and Adolescent Psychiatric (Cohen et al., estudos nacionais referentes à VP, protocolos de
2010) e no Reino Unido (Nice, 2005). tratamento e métodos de investigação.
O tratamento é caracterizado como uma in-
tervenção de curto prazo, onde serão abordados
aspectos como a psicoeducação sobre reações do Considerações Finais
trauma, treinamento para manejo do estresse,
expressões afetivas, modulações de habilidades A VP e a AP são fenômenos pouco estudados
e reconstrução do cenário do trauma e das ava- empiricamente no Brasil. Neste artigo se objetivou
liações mal adaptativas realizadas pelo paciente caracterizar e discutir a VP sofrida por crianças/
(Dittmann & Jensen, 2014). Os pais participarão adolescentes, assim como as consequências desta
de sessões juntamente com a criança/adolescente para o desenvolvimento. Além disso, se buscou
e de sessões individuais (Cohen, Mannarino, & verificar como a psicoterapia cognitivo-compor-
Deblinger, 2006). A colaboração de todos faz-se tamental está sendo utilizada para o tratamento
fundamental para resultados satisfatórios serem desses casos. Os resultados encontrados apontam
alcançados. Em casos envolvendo situações trau- que a violência é considerada um problema social
máticas, a não colaboração poderá se acentuar, na e de saúde pública que acomete crianças/adoles-
medida em que reviver o trauma através da fala centes e que em grande parte das vezes é perpetra-
e de exposições poderá fazer com que crianças/ da por algum familiar próximo.
adolescentes evitem comparecer ao tratamento A VP mesmo quando sofrida na infância,
devido aos sentimentos associados a essa situação poderá em alguns casos ser identificada somente
(Dittmann & Jensen, 2014). na idade adulta. Tratamentos baseados na psico-
Existem estudos nacionais que comprovam terapia cognitivo-comportamental para crianças/
a efetividade de grupoterapia para crianças/ado- adolescentes vítimas de VP têm sido desenvolvi-
lescentes vítimas de outros tipos de violência, dos e realizados e, apesar de incipientes, demon-
como a violência sexual, por exemplo. Os resulta- stram efetividade. Dessa forma, acredita-se que
dos de um estudo envolvendo grupoterapia cog- técnicas cognitivo-comportamentais como psi-
nitivo-comportamental apontaram a redução de coeducação, reestruturação cognitiva, exposição
sintomas de depressão, ansiedade, stress infantil imagística, exposição gradual, manejo da an-
e TEPT. Essa intervenção contribuiu para rees- siedade e técnicas de relaxamento consideradas
truturações cognitivas e percepções distorcidas efetivas para o TEPT, possam ser aplicadas com
sobre o trauma vivenciado (Habigzang, Stroeher, resultados positivos no tratamento de crianças/
Hatzenberger, Cunha, Cassol, & Koller, 2009). No adolescentes vítimas de VP e AP.

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Cognitive- behavioral therapy for Children and Adolescents


victims of Psychological Violence and Parental Alienation

Abstract

Violence is a social problem and public health victimizing thousands of children/adolescents in Brazil
and worldwide. Children/adolescents often become victims of violence perpetrated often by relatives
and close people. Psychological violence (PV) can manifest itself in the form of rejection, humilia-
tion, isolation, depreciation, disrespect, labeling, discrimination, corruption, terrorism, punishment
or exaggerated charges arising from the charge / caregiver for the child / adolescent. These factors can
cause psychological symptoms and disorders, affecting the lives of these individuals. Cognitive-beha-
vioral therapy is a alternative for prevention and treatment in cases of violence against children/ado-
lescents. This article aimed to characterize and discuss the PV suffered by children and adolescents,
as well as the consequences of this for development. In addition, the article aimed to verify how the
cognitive-behavioral psychotherapy is being used to treat these cases. The results showed that cogni-
tive-behavioral therapy is effective for treating victims of PV. Moreover, it is important to have a good
therapeutic relationship and that the patient can cooperate in treatment and performing the tasks
proposed by the psychotherapist. It is also suggested that future studies adapt the model of cognitive
behavioral group therapy child/adolescent victims of sexual violence to child/adolescent victims of PV.
Keywords: psychological violence, parental alienation, childhood, adolescence, cognitive behavioral
psychotherapy

Recebido em: 1/4/2016


Avaliado em: 12/5/2016
Correções em: 28/5/2016
Aprovado em: 8/6/2016
Editor: Vinícius Renato Thomé Ferreira

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