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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

PROCESSO CIVIL EUROPEU


TÓPICOS DE CORRECÇÃO — EXAME FINAL DE 27.05.2019

I. DEFINA OS SEGUINTES CONCEITOS, ILUSTRANDO A SUA VIGÊNCIA NOS INSTRUMENTOS


JURÍDICOS RELATIVOS AO PROCESSO CIVIL EUROPEU (6X1VAL.)

a) Forum Prorogatum
• Definição do instituto, enquanto extensão da competência baseada na vontade tácita das
partes;
• Sua relevância limitada no CPC ao domínio da violação dos pactos privativos de jurisdição
(art. 97.º/1 CPC); relevância limitada nos Regulamentos das Sucessões (art. 9.º) e dos
Regimes Matrimoniais (art. 9.º) às situações em que era possível celebrar pactos de jurisdição;
sua aceitação geral no Regulamento Bruxelas I-bis (art. 28.º)— embora envolvida em cautelas
nas causas com parte mais fraca (art. 26.º/2 Bruxelas I-bis). Sua irrelevância no Regulamento
Bruxelas II-bis (art. 17.º/2 Bruxelas II-bis).

b) Actor sequitur forum rei


• Sua definição enquanto critério clássico de competência internacional: órgãos jurisdicionais
do Estado do domicílio do réu;
• Fundamento: realização da justiça (eficácia na produção de prova), eficácia na futura
execução da decisão judicial e promoção da defesa do réu;
• Consagração como critério geral no Regulamento Bruxelas I-bis (art. 5.º).

c) Forum non conveniens


• Instituto de direito anglo-saxónico que permite a um tribunal declarar-se incompetente
(ainda que tenha competência atribuída por lei) quando preveja que há outro tribunal mais
bem posicionado para julgar da causa.
• Irrelevância geral nos instrumentos de processo civil europeu, embora com um afloramento
limitado (ao nível da modelação do objecto do processo) nos Regulamentos das Sucessões
(art. 12.º) e no Regulamento dos Regimes Matrimoniais (art. 13.º), permitindo excluir da
acção os bens imóveis situados em país que, previsivelmente, não reconhecerá a decisão a
proferir.

d) Iura novit curia


• Princípio segundo o qual cabe ao Tribunal, independentemente de alegação e prova das
partes, o conhecimento do direito aplicável — nacional ou estrangeiro.
• Inexistência de opção legislativa europeia sobre o problema;
• Consagração deste princípio no direito português (artigo 348.º do Código Civil e artigo 674.º
do Código de Processo Civil).

e) Carta rogatória
• Instituto tradicional através do qual uma autoridade judiciária solicita a uma autoridade
estrangeira a prática de certo acto processual (citação, notificação ou produção de prova).
• Sua decadência actual no espaço europeu, em virtude dos mecanismos de cooperação
judiciária civil (Regulamento Citações e Notificações; Regulamento de Obtenção de Prova).

f) Competência exorbitante
• Competência jurisdicional exercida sem que esse Estado tenha uma ligação pessoal, territorial
ou que resulte de autonomia da vontade.
• Sua ilicitude em face das regras de direito internacional público e garantia da sua evicção
através do controlo oficioso de competência internacional (art. 97.º CPC; art. 28.º
Regulamento Bruxelas I-bis; art. 17.º Regulamento Bruxelas II-bis; art. 15.º Regulamento
Sucessões; art. 15.º Regulamento Regimes Matrimoniais).

II. CASO PRÁTICO


António, português residente em Portugal que explora um café em Lisboa, propôs num
tribunal português uma acção de responsabilidade contratual contra a sociedade BebidasBrasil, SA,
com sede no Brasil, por cumprimento defeituoso de um contrato de fornecimento de Guaraná.
Efectivamente, a BebidasBrasil SA havia assumido a obrigação de entregar, em Lisboa, 100.000 latas
de Guaraná, mas parte da mercadoria encontrava-se fora do prazo de validade.
Na contestação, a BebidasBrasil SA sustenta a incompetência internacional dos tribunais
portugueses pelo facto de estar pendente, no Brasil, uma acção sobre o mesmo litígio.
Tenha em consideração que as partes haviam celebrado um pacto de jurisdição, em cláusulas
contratuais gerais, no qual atribuíam competência aos tribunais irlandeses, porquanto ambos os
contraentes se deslocam frequentemente a Dublin.

a) Tem o Tribunal português competência para julgar esta causa? (3,5 val.)

• Não submissão da competência dos tribunais portugueses ao âmbito de qualquer Regulamento


Europeu em matéria de Processo Civil Europeu: não sujeição material às regras dos Regulamentos
Bruxelas II-bis, Sucessões e Regimes Matrimoniais; sujeição material ao Regulamento Bruxelas I-
bis mas falta do requisito de aplicação do capítulo das competências (domicílio do réu num Estado-Membro
— arts 4.º e 6.º).
• Concretização do domicílio nos termos do Regulamento Bruxelas I-bis
o Todavia, relevância do pacto de jurisdição a favor de tribunais irlandeses, pelo que o
Regulamento se aplica na determinação da competência designada aos tribunais irlandeses (arts.
6.º e 25.º).
o Alusão ao problema da validade do pacto de jurisdição incluído em cláusulas contratuais
gerais e regime do art. 25.º Regulamento Bruxelas I-bis.
• Quanto à competência dos tribunais portugueses, aplicação do regime interno (Considerando n.º
14 do Regulamento Bruxelas I-bis), sem prejuízo da competência do tribunal designado pelo pacto de
jurisdição, nos termos do art. 25.º (art. 6.º Bruxelas I-bis).
• Nos termos do CPC, verifica-se a competência internacional dos tribunais portugueses, quer pelo
critério da coincidência (art. 62.º/1/a) conjugado com o art. 71.º CPC), quer pelo critério da
causalidade (art. 62.º/1/c) CPC).
• Irrelevância da litispendência com tribunal brasileiro no controlo da competência judiciária directa
(art. 580.º/3 CPC)
• Relevância do pacto de jurisdição (nesta parte, por aplicação do art. 25.º Bruxelas I-bis), que se
presume privativo da competência dos tribunais portugueses, caso se preencham todos os
requisitos de validade.
o Todavia, a sua violação — através da propositura de uma acção em Portugal — não é de
conhecimento oficioso, carecendo de ser invocada, quer ao abrigo do art. 97.º/1/parte
final do CPC, quer ao abrigo dos arts. 26.º, 28.º e 31.º/2 do Regulamento Bruxelas I-bis).

b) A sua resposta seria a mesma caso a ré fosse uma sociedade com sede em Bruxelas,
invocando a pendência de causa num tribunal belga? (3,5 val.)
• Submissão, neste caso, às regras do Regulamento Bruxelas I-bis, por se verificar o pressuposto
que faltava (domicílio do réu num Estado-Membro).
• Alusão ao conceito autónomo de domicílio para efeitos do Regulamento (art. 63.º).
• Nos termos do art. 7.º/1/a), verifica-se prima facie a competência internacional dos tribunais
portugueses.
• Relevância, da litispendência com causa afecta a um tribunal de um Estado-Membro, em favor
da causa intentada em primeiro lugar (art. 29.º), gerando a suspensão a instância até à decisão do
tribunal belga quanto à sua própria competência;
• Uma vez que foi celebrado pacto de jurisdição a favor de um Estado-Membro (Irlanda), caso
venha a ser intentada acção nesse Estado (mesmo depois de proposta a acção em Portugal),
suspensão da instância até que os tribunais irlandeses decidam da sua própria competência (art.
31.º/2) — o problema do torpedo italiano.

III. CASO PRÁTICO


Belmira e Carlos, portugueses, divorciaram-se por sentença emitida em Itália, em 20 de
Março de 2019. Tinham residido em Milão até Dezembro de 2018, altura em que Belmira se mudou
para Portugal.
Na sentença italiana, decidiu-se que a guarda do filho Dário seria atribuída a Belmira e
procedeu-se à partilha do património conjugal, tendo sido atribuída a Belmira a propriedade de um
prédio situado no Estoril e sido condenado Carlos a pagar 100.000€ a título de indemnização pelos
danos não patrimoniais causados a Belmira durante o casamento. Carlos recusa-se a entregar os
filhos a Belmira e a pagar a quantia em que foi condenado.
Belmira pretende, em Portugal, alterar o seu estado no Registo Civil (i); inscrever a
propriedade do imóvel a seu favor a propriedade do imóvel no Registo Predial (ii); exigir a entrega
do seu filho (iii); e executar o património de Carlos situado em Portugal, com vista a satisfazer o seu
crédito de 100.000€ (iv).

a) Como a aconselharia? (5 val.)


• O problema do reconhecimento de decisões judiciais estrangeiras e a multiplicidade de fontes
(CPC e Regulamentos Europeus de Cooperação Judiciária Civil).
• A sentença italiana (de um Estado-Membro) abrangida por três fontes distintas:
o Na parte que decreta o divórcio e regula as responsabilidades parentais —
reconhecimento ao abrigo do Regulamento Bruxelas II-bis;
o Na parte que partilha o património conjugal — reconhecimento ao abrigo do
Regulamento UE 2016/1103 (Regimes Matrimoniais;
o Na parte que condena Carlos a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais
causados durante o casamento, vigência subsidiária do sistema de reconhecimento
previsto nos arts. 978.ºss CPC, por não se incluir no campo de aplicação de qualquer
Regulamento Europeu em matéria de cooperação judiciária civil.
• Em qualquer caso, ausência de controlo da competência do tribunal estrangeiro.
• Assim:
o Reconhecimento automático da decisão de divórcio e suficiência da decisão estrangeira
para alteração do estado civil de Belmira (art. 21.º/1 e 21.º/2 Regulamento Bruxelas II-
bis), apenas com a certidão a que se refere o artigo 39.º;
o Reconhecimento automático da decisão relativa à regulação das responsabilidades
parentais, embora sem força executiva (art. 28.º Regulamento Bruxelas II-bis). Assim, Belmira
deverá requerer a atribuição de força executiva num tribunal de comarca, de acordo com
o procedimento de declaração de executoriedade, de modo a poder solicitar a execução da
decisão relativa às responsabilidades parentais.
o Reconhecimento automático da decisão relativa à partilha do património conjugal (art.
36.º Regulamento 2016/1103), embora sem força executiva (art. 42.º Regulamento
2016/1103). Porque apenas pretende a inscrição da propriedade a seu favor, a sentença
italiana é título bastante.
o Reconhecimento por controlo prévio da sentença italiana em matéria de indemnização por
danos não patrimoniais causados a Belmira durante o casamento. Assim, Belmira deverá
intentar uma acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira, no Tribunal da
Relação (arts. 978.ºss CPC), de modo a poder solicitar a execução da condenação em
100.000€.

a) Suponha que Carlos demonstra que, caso a causa tivesse sido julgada num tribunal
português, o resultado lhe teria sido mais favorável. Teria isso alguma relevância? (2 val.)

• Descrição do privilégio da nacionalidade enquanto critério de controlo do mérito da sua decisão


estrangeira.
• Vigência limitada ao sistema de reconhecimento do CPC (art. 983.º/2) e eventual
inconstitucionalidade.
• A aceitar-se a vigência, relevância restrita à parte da condenação em danos não patrimoniais
e não reconhecimento dessa parte da sentença.

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