Exame de Processo Civil I

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Direito Processual Civil I – Turma A

Regência: Professor Doutor José Luís Ramos | 10 de janeiro de 2023 | 90 m.

Em fevereiro de 2023, António, de nacionalidade portuguesa, decide que é tempo de fazer umas
férias. O seu plano consistia em deslocar-se de carro de Coimbra, município em que se encontrava
domiciliado, até Nápoles, no sul de Itália, aproveitando a estadia para conhecer os locais por onde
passasse.

Quando conduzia pelo sul de França, António foi vítima de um aparatoso acidente automóvel. O
acidente ocorreu porque Jean, de nacionalidade francesa e domiciliado em Veneza, circulava em
contramão na mesma via de trânsito de António. Felizmente os ferimentos não foram graves. No
entanto, o carro de António ficou seriamente danificado. A recuperação do carro foi efetuada na
sua totalidade em Portugal, em Viseu, na oficina de um mecânico amigo de António.

No seguimento, António propõe uma ação declarativa no juízo central cível do Tribunal de
Comarca de Coimbra, pela qual pediu a condenação de Jean no pagamento de 50.000,00 EUR,
quantia monetária que correspondeu na totalidade ao valor de recuperação do carro.

1. Jean compareceu no processo, mas não arguiu a falta de nenhum pressuposto processual.
Responda justificadamente se a referida ação declarativa de condenação foi proposta
no tribunal e no juízo competente. (7 valores)
 Indicar, justificando, que estamos perante um conflito plurilocalizado.
 Indicar que os âmbitos material, temporal e subjetivo do Regulamento (EU) n.º
1215/2012 (“reg.”) estão preenchidos, nos termos dos arts. 1.º; 6.º; 62.ª e 66.º do reg.
 Afirmar que os arts. 4.º, 1; 5.º e 7.º, 2 do reg. não atribuem competência internacional
aos tribunais portugueses.
 Afirmar que ao abrigo do art. 26.º, 1, 1.ª parte do reg. verifica-se um pacto de
jurisdição tácito que atribui competência internacional aos tribunais portugueses.
 Analisar a competência interna em razão da matéria, hierarquia, território e valor ao
abrigo dos arts. 64.º; 66.º; 67.º; 80.º, 3, 2.ª parte e 297.º, 1 do Código de Processo
Civil (“CPC”), dos arts. 40.º; 42.º; 52.º e ss.; 72.º e ss.; 79.º; 80.º; 81.º; 83.º; 117.º, 1,
a); 130.º, 1 e Anexo II da Lei n.º 62/2013 (“LOSJ”) e do Mapa III do Decreto-Lei n.º
49/2014 concluindo justificadamente que o tribunal competente é o tribunal de
comarca de Coimbra e o juízo competente é o juízo local cível de Coimbra.
 Indicar que se aplica o regime da incompetência relativa (art. 102.º do CPC), que no
caso é de conhecimento oficioso (art. 104.º, 2 do CPC), que a incompetência pode
ser suscitada e decidida até à prolação do despacho saneador ou que, não havendo
lugar a despacho saneador, a questão pode ser suscitada até à prolação do primeiro
despacho subsequente ao termo dos articulados (art. 104.º, 3 do CPC) e que, se
julgada procedente, a verificação da incompetência dá azo à remissão do processo
para o juízo competente (art. 105.º, 3 do CPC).

2. Na sentença, o tribunal condenou Jean no pagamento de 40.000,00 EUR, mas a título de


danos não patrimoniais sofridos por António. O tribunal sustentou a sua decisão com base
em factos alegados pelas partes que considerou provados, contudo nenhuma das partes tinha
alguma vez argumentado a existência de danos não patrimoniais, nem o tribunal as tinha
chamado para se pronunciarem sobre tal. Quid juris? (4,5 valores)

 Indicar que não estamos perante uma violação do princípio do dispositivo, porque o
tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à interpretação e aplicação
das regras de direito (art. 5.º, 3 do CPC), afirmando igualmente que a vinculação do
tribunal ao pedido (arts. 3.º, 1 e 609.º do CPC) não impede que se profira uma decisão
em que se atribua menos do que o autor pediu.
 Afirmar justificadamente que se está perante uma violação do princípio do
contraditório, na vertente de direito à audiência prévia (art. 3.º, 3, parte final do CPC).
 Referir a discussão existente relativamente ao desvalor de uma sentença proferida em
violação do princípio do contraditório na vertente de direito à audiência prévia, em
concreto se se aplica o regime previsto nos arts. 195.º e ss. ou o previsto nos arts.
615.º, 1, d), 2.ª parte e ss. do CPC, tomando, justificadamente, uma posição.

3. António é casado em comunhão de adquiridos com Luísa, que é devedora de um montante


monetário resultante da compra de bens alimentares para o casal. A dívida ainda não está
vencida, mas, independentemente disto, o merceeiro Lucas, credor da referida dívida,
pretende propor uma ação declarativa de condenação in futurum apenas contra Luísa. Analise
a legitimidade processual de Luísa e o interesse processual. (5,5 valores)

 Definir a legitimidade e o interesse processual.


 Quanto à legitimidade processual de Luísa, indicar que se está perante uma dívida
comunicável, ao abrigo do art. 1691.º, 1, b) do Código Civil (“CC”), aplicando-se o
art. 34.º, 3, 2.ª parte do CPC.
 Discutir se o art. 34.º, 3, 2.ª parte do CPC, analisando igualmente o art. 1695.º do CC,
impõe um litisconsórcio necessário ou é um caso de litisconsórcio voluntário,
tomando, justificadamente, uma posição.
 Quanto ao interesse processual, questionar se este pressuposto processual está
preenchido nas ações condenatórias in futurum com a alegação e prova dos requisitos
expressos no artigo 557.º do CPC ou se tal se verifica independentemente do
preenchimento destes requisitos, tomando, justificadamente, uma posição.

4. Comente a seguinte frase: “O litisconsórcio conveniente é radicalmente distinto do


litisconsórcio natural” (3 valores)
 Não existe radical contraposição entre as duas figuras, pois ambas são categorias de
legitimidade plural.
 No entanto, o litisconsórcio conveniente é uma modalidade específica de
litisconsórcio voluntário.
 Sendo ele um litisconsórcio que a lei determina, não para evitar a absolvição da
instância, mas para prosseguir outra vantagem, sob pena de a perder. Como sucede,
por exemplo, nas ações de investigação de maternidade e de paternidade, a ser
proposta contra herdeiros e legatários cujos direitos sejam atingidos pela procedência
da ação (arts. 1819.º, 2 e 1873.º do CC).
 Ao passo que o litisconsórcio natural é uma modalidade de litisconsórcio necessário.
 Na verdade, a lei determina (art. 33º, 2 do CPC) a necessidade de intervenção de
todos os interessados quando, pela natureza da relação jurídica, ela seja
imprescindível para que a decisão produza o seu efeito útil normal. Isso ocorre, nos
termos do nº 3 do artigo 33º do CPC, sempre que seja suscetível de regular
definitivamente a situação concreta das partes, relativamente ao pedido formulado.
Será esse o caso, por exemplo, da ação de divisão de coisa comum (arts. 1412.º e
1413.º do CC).

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