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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I (TA)

Exame de Coincidências
Regência: Professora Doutora Paula Costa e Silva
28 de janeiro de 2021 - Duração: 100 minutos

I.
Em 20 de agosto de 2019, Antónia, portuguesa domiciliada no Porto, celebrou um contrato de
compra e venda de um imóvel sito em Granada, Espanha, com a RabatImo, S.A., sociedade com
sede em Marrocos, pelo preço de 250.000,00 EUR (duzentos e cinquenta mil euros). A última
cláusula desse contrato estipulava o seguinte: “todos os litígios emergentes do presente contrato
serão dirimidos nos tribunais de Madrid”. Após a celebração do contrato, Antónia procedeu ao
pagamento do preço, contudo a RabatImo, S.A. nunca chegou a entregar as chaves do imóvel a
Antónia.

Em 28 de janeiro de 2020, Antónia propôs contra a RabatImo, S.A. uma ação no juízo local cível
do Porto. Na petição inicial, a Autora alegou que a Ré nunca chegou a entregar as chaves do
imóvel, mesmo depois desta a ter interpelado inúmeras vezes para o efeito.

Na contestação a Ré alega que:

i. O tribunal onde foi intentada a ação é internacionalmente incompetente.


ii. A Autora não tem legitimidade processual uma vez que já vendeu o imóvel a um
terceiro: o Sr. Joaquim, primo da Autora.
iii. Não há interesse processual na medida em que a Autora já se encontra munida de um
título executivo: a escritura pública do contrato de compra e venda do imóvel.

Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

1- No despacho saneador, o juiz considerou-se, ao contrário do alegado pela Ré, competente.


Procedeu bem? (6,5 v.)
2- Se a Autora o pretendesse, poderia ter proposto a ação contra a sucursal lisboeta da
sociedade RabatBlanca, S.A.? (2,5 v.)

3- Pronuncie-se sobre os pontos ii. e iii. da defesa da Ré. As exceções invocadas por esta são
procedentes? Se sim, com que fundamentos? (4,5 v.)

4- Imagine que o contrato havia sido celebrado entre três contraentes: RabatImo, S.A.
(vendedor), Antónia (primeira compradora) e Bento (um segundo comprador). Poderia
Antónia propor a ação nos mesmos termos acima descritos? (2,5 v.)

5- Imagine agora que o juiz profere despacho saneador-sentença absolvendo a Ré do pedido,


com o fundamento em irregularidades da Petição Inicial e na falta de junção de documentos
essenciais por parte da Autora. Quid Iuris? (3 v.)

Ponderação global: (1 v.)

TÓPICOS DE CORREÇÃO

1.ª questão (competência internacional e interna):


- Conflito plurilocalizado;

- Aplicação do Reg. (UE) 1215/2012 de 12 de dezembro de 2012 devido ao primado da União


Europeia na matéria de competência internacional (artigo 8.º, n.º 4 da CRP);

- Análise dos âmbitos de aplicação do Reg. 1215/2012:

(1) Âmbito material/objetivo estava preenchido (artigo 1.º do Reg.) porquanto o objeto do
processo é de matéria civil: a causa de pedir é a celebração do contrato de compra e venda de um
imóvel.

(2) Âmbito temporal estava preenchido, tendo em conta que a ação foi proposta a 28 de janeiro de
2020;
(3) Âmbito Espacial/Subjetivo: no caso era irrelevante a Ré não ter domicílio num Estado –
Membro na medida em que se estava perante uma das exceções do artigo 6.º do Regulamento
1215/2012: análise do artigo 24.º e 25.º do Regulamento:

i. As partes celebraram um pacto de jurisdição que atribui competência aos tribunais de Madrid (artigo
25.º do Reg.). Os alunos teriam de explicar em que consiste o pacto de jurisdição e mencionar que este
atribui competência exclusiva aos tribunais que a autonomia privada designar. Contudo este pacto não
seria válido nos termos do artigo 25.º, n.º 4 do Regulamento.

ii. Nos termos do artigo 24.º do Regulamento 1215/2012 seriam exclusivamente competentes os
tribunais espanhóis, uma vez que o imóvel fica situado em Espanha, assim no despacho saneador o
juiz procedeu mal na medida em que é absolutamente incompetente para conhecer do mérito da causa,
devendo-se declarar oficiosamente incompetente (artigo 27.º do Regulamento), e absolver o réu da
instância nos termos do artigo 278.º do CPC.

2.ª questão (personalidade judiciária das sucursais):

- Não tendo a sucursal personalidade jurídica, a sua personalidade judiciária não decorre da regra geral
do art. 11.º/2, sendo necessário analisar as extensões dos artigos seguintes.

- Não se aplica o art. 13.º/1, pois o contrato foi celebrado pela sociedade.

- Aplica-se o art. 13.º/2, porque a sociedade tem sede no estrangeiro, a sucursal seria em Lisboa, e A
Autora é portuguesa e domiciliada em Portugal. A sucursal tem, assim, personalidade judiciária,
podendo ser ré nesta ação.

3.ª Questão (Legitimidade e interesse processual)

No que diz respeito ao ponto ii. da contestação estamos perante a defesa por exceção da Ré. A Ré
alega que a Autora não tem legitimidade processual uma vez que esta já vendeu o imóvel a um
terceiro: o Sr. Joaquim, primo da Autora. Contudo a invocação desta exceção é improcedente uma
vez que à luz do regime da substituição processual (artigos 30.º, n.º3, primeira parte e 263.º, n.º 1
do CPC) o transmitente (Autora) continua a ter legitimidade processual, ainda que indireta,
enquanto o adquirente (Sr. Joaquim) não for, por meio de incidente de habilitação (artigo 356.º do
CPC), admitido a substituí-lo.
Em relação ao ponto iii. da contestação também estamos perante a modalidade de defesa por exceção
dilatória da Ré. Estava em causa a invocação de falta de interesse processual. Abordar a divergência
doutrinária existente entre o Professor Miguel Teixeira de Sousa e a Professora Paula Costa e Silva
quanto a este pressuposto (nas consequências de falta de interesse processual). No caso já havia título
executivo, o que significa que não se justificava a instauração de uma ação declarativa. Logo, seria
procedente a invocação de falta de interesse em agir, mas como o réu contestou não se aplica a posição
da Professora Paula Costa e Silva (aplicação do artigo 535.º do CPC) tendo em conta que o réu
contestou, sendo que a consequência seria a absolvição do réu da instância nos termos do artigo 278.º,
n.º1, al. e) do CPC porquanto estamos perante uma exceção dilatória inominada.

4.ª Questão (Legitimidade processual)

Importa saber se entre Antónia e Bento existe litisconsórcio necessário, nos termos do art. 33.º CPC.

- Não existe litisconsórcio necessário legal ou convencional.

- Existe litisconsórcio necessário natural, previsto nos arts. 33.º/2 e 3, pois atendendo a que o
fundamento da invalidade afeta o contrato por inteiro, e as obrigações contratuais também não são
divisíveis, quaisquer duas sentenças, ainda que proferidas entre diferentes intervenientes processuais,
que decidissem em sentido diverso sobre a validade do contrato, seriam incompatíveis. Assim, sem a
presença de Bento, a sentença da presente ação não poderia produzir o seu efeito útil normal, pois
não regularia definitivamente a questão litigiosa.

5.ª Questão (Princípios – Inquisitório em sentido amplo – Gestão Processual)

Segundo o Professor Miguel Teixeira de Sousa neste caso e nos termos do artigo 590.º, n.º 3 e n.º 4
do CPC há um poder-dever do tribunal que concretiza o disposto no artigo 6/2.º do CPC (dever de
gestão processual), como o juiz não deu oportunidade à Autora de melhorar a exposição de facto que
consta na Petição Inicial a sentença é nula nos termos da al. d) do artigo 615.º do CPC por excesso de
pronúncia (artigo 608/2.º do CPC): o juiz só se podia pronunciar depois de cumprir com os seus
deveres de gestão processual.

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