Dip Analise Do Acordao (Lei Aplicavel)

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 7

1.1.

DA LEI APLICÁVEL ÀS PESSOAS SINGULARES

Sobre a lei aplicável as pessoas singulares na analise deste segundo acórdão discutir em volta da
lei aplicável às pessoas singulares, nas suas várias vertentes: noção e âmbito da lei pessoal, a
nacionalidade, o domicílio e a residência habitual, a determinação da lei do apátrida e do
refugiado, o Estado e a capacidade.

1.2. Noção e âmbito da lei pessoal

O número 1 do art. 31 do Código Civil (CC), define lei pessoal como lei da nacionalidade do
indivíduo. Segundo Lima Pinheiro, lei pessoal é aquela que afecta a pessoa na totalidade de sua
esfera jurídica ou um sector importante dela, verificando-se assim dois princípios:

a) O princípio da conexão mais estreita.

b) O princípio da personalidade dos indivíduos.

Quanto ao âmbito, a lei pessoal rege o conjunto de matérias previstas no art. 25 CC: o estado dos
indivíduos (arts. (26 a 34 CC); a capacidade das pessoas (art. 63 CC); as relações de família (arts.
49 à 61) e as sucessões por morte (arts. 62 a 65 CC).

1.3. Determinação geral da lei pessoal

Tanto a nacionalidade como o domicílio ou residência habitual são elementos de conexão que,
em princípio, exprimem uma ligação estreita com a pessoa em causa e asseguram uma
continuidade das qualidades e situações jurídicas do estatuto pessoal. Para o ordenamento
jurídico moçambicano, a determinação da lei pessoal consta do art. 31/1 do CC que consagra o
princípio da nacionalidade considerando-se como lei pessoal a da nacionalidade do indivíduo,
ora limitado pela relevância concedida à lei da residência habitual quanto aos negócios jurídicos
celebrados, em conformidade com esta lei, no país da residência habitual, nos termos do artigo
31/2 do CC.
Identificação do acórdão

Com trabalho em discussão prende-se na analisar o acórdão do processo nº2341/13.8TFUN.L1-


7 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Relator: Cristina Coelho

Sessão: 07 março 2017

Número: rl

Votação: Unanimidade

Meio processual: Apelação

Decisão: Procedente

Exposição da Matéria de facto:

 O acordao em analise discute a questão do cidadão que William. L. faleceu em 09 de


Maio de 2010 no estado de casado com Oksana B em regime de separação de bens., este
nasceu em Portugal, no dia 23 de Maio de 1941, no sítio de São João, da freguesia de
São Pedro, Consta do seu assento de nascimento que: “Em virtude de declaração de
opção de nacionalidade, prestada perante a Câmara Municipal pelo seu pai, este passaria
a seguir a nacionalidade inglesa;
 William faleceu no ano de 2010 no estado de casado no segundo casamento, deixando
outorgado um testamento cerrado que foi aprovado notarialmente no dia 01 de Marco de
20210 no qual, legava a sua esposa todos os meus bens móveis, bem como todos os
meus bens imóveis situados na Região autónoma da Madeira e no reino Unido da Grã-
Bretanha e da Irlanda do Norte, que à data da minha morte lhe pertenciam, no todo ou
em parte, naqueles se incluindo os direitos de crédito;
 A data da sua morte, William deixou três filhas, nomeadamente: Vina. L que nasceu no
dia 8.1.1972, na freguesia de (São Pedro), e a Marina. L que nasceu no dia 18.12.1976,
na freguesia do ... (São Pedro) e por fim a Mary que nasceu no dia 2.8.1981, também na
freguesia de (São Pedro), sendo as primeiras filhas fruto do primeiro casamento;
 Após terem tomado conhecimento sobre o conteúdo do testamento as suas duas filhas
provenientes do primeiro testamento, inconformadas com o seu conteúdo, interpuseram
em primeira instancia a acção de partilha de bens. Todavia, a viúva, em sede de tribunal
alegou a incompetência dos tribunais português para conhecer do mérito da causa pelo
facto de no caso subjudice sobre a sucessão por morte, ser obrigatoriamente aplicado o
direito britânico, pelo facto de o falecido ter disposto de forma legal e validade de todos
os seus bens ao abrigo da lei britanica, portanto, aos olhos da viúva, não existe qualquer
património sujeito a partilha;
 Da decisão em primeira instância, julgou-se extinta a instancia por inutilidade
superveniente da lide, pelo facto de não existirem bens a partilhar, porem, as sucessíveis
fruto do primeiro casamento, inconformadas coma decisão que tivera sido proferida em
primeira instancia, interpuseram recurso de apelação daquela decisão, tendo, então, sido
proferido o Acórdão da Relação de 7/3/17, que, julgando procedente a apelação,
revogou a decisão recorrida e determinou o prosseguimento do processo de inventário
em causa.

Questões de Direito suscitadas:

Como resulta da exposição dos factos, a questão fundamental que se coloca no processo julgado
improcedente (e neste recurso) é a da determinação da lei aplicável à sucessão por morte de
William Leacock e, consequentemente, a ponderação sobre a validade legal do testamento por
este outorgado no dia 1 de Março de 2010, sopesando a factualidade concreta do caso,
nomeadamente, ser o referido William Leacock, cidadão britânico, nascido e falecido no
Portugal, onde outorgou o referido testamento. Uma vez que as relações jurídicas em causa se
acham em contacto com dois sistemas jurídicos (o português e o britânico), cumpre determinar a
lei aplicável fazendo intervir as Regras de Conflitos, previstas nos arts. 14º e ss. do CC

I - A sucessão por morte de um cidadão de nacionalidade britânica, é regulada, por regra, pela lei
da nacionalidade, em concreto, pela Lei britânica – arts. 25.º, 31.º e 62.º, todos do CC.
II - A Lei britânica congrega diferentes sistemas legislativos locais, mas não contém normas de
direito interlocal ou normas de direito internacional privado unificado, pelo que, por excepção, a
sucessão por morte é regulada pela Lei da residência habitual (ainda que esta não coincida com o
Estado de que é nacional), em concreto, pela Lei portuguesa – art. 20.º, n.os. 1 e 2, do CC.

III - A Lei portuguesa prescreve que, por testamento, o de cujus não pode dispor da porção de
bens que constituem a legítima, sob pena de redução dessa disposição – arts. 2156.º, 2168.º,
2169.º e 2172.º, todos do CC, pelo que, o facto de o testador ter disposto da totalidade dos seus
bens a favor do cônjuge sobreviva, não determina a inutilidade do processo de inventário para
partilha do acervo hereditário entre todos os herdeiros.

IV- Ao testar, o de cujus deixou claro a sua intenção de fazer vigorar a lei inglesa (lei da
nacionalidade), em detrimento da lei portuguesa (lei da residência habitual);

V- A lei inglesa considera-se competente para reger a sucessão mobiliária, bem como a sucessão
quanto aos imóveis situados em Inglaterra;

VI- As disposições testamentárias feitas pelo de cujus são válidas e eficazes perante o direito
inglês, razão por que as filhas, em caso de necessidade, poderão requerer da herança atribuições
patrimoniais para o seu sustento, conforme o permite a lei inglesa no Inheritance (provision for
family and dependants) act 1975.

Da decisão a luz do Direito Português

Relativamente a determinação da Lei aplicável:

Do que se discute no acórdão, a questão fundamental que se coloca no processo (e neste recurso)
é a da determinação da lei aplicável à sucessão por morte de William Leacock e,
consequentemente, a ponderação sobre a validade legal do testamento por este outorgado no dia
1 de Março de 2010 a favor da sua cônjuge sobreviva, tendo em conta a factualidade concreta do
caso, nomeadamente, ser o interessado, cidadão britânico, nascido e falecido em Portugal e com
residência habitual também em Portugal onde outorgou o referido testamento. Uma vez que as
relações jurídicas em causa se acham em contacto com dois sistemas jurídicos (o português e o
britânico), cumpre determinar a lei aplicável fazendo intervir as Regras de Conflitos, previstas
nos arts. 14º e ss. do CC.
O Douto Tribunal da relação de Lisboa, por força da aplicação do disposto nos arts. 25º, 62º e
63º, à sucessão por morte e especificamente quanto à capacidade de disposição por morte, é
aplicável a lei pessoal, a qual corresponde, nos termos do disposto no art. 31º, à lei da
nacionalidade do indivíduo ( Reino Unido). A significar, no caso, a lei britânica, face à
factualidade provada sob os nºs 2 e 3. Dispõe o art. 16 do C.C que “a referência das normas de
conflito a qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a
aplicação do direito interno dessa lei”, querendo isto significar pela interpretação feita a
aplicação do Direito material, prevendo-se, porém, nos arts. 17º e 18º situações de reenvio da lei
estrangeira aplicável para a lei de um terceiro estado ou para a lei portuguesa, por força das
regras de direito de conflitos respectivas, e em que poderá aceitar-se esse reenvio (L1-L2-L1).

As normas de conflito britânicas de direito internacional privado no que à sucessão respeita


distinguem entre bens móveis e imóveis, remetendo para a lei do domicílio do falecido
(Portugal), no que aos primeiros respeita, e para a lei do local onde os imóveis se encontrem (lex
rei sitae), quanto aos segundos, o que poderia levar a aplicar a lei portuguesa, por força do
disposto no art. 18º. Contudo, a remissão feita pelas referidas normas não é feita para o direito
interno português, mas opera, pelo contrário, como referência global para o direito interno e para
as normas de conflito portuguesas, que, como vimos, mandam aplicar a lei britânica, entrando-se
desta forma em um verdadeiro Pingue-pongue, que deverá ser solucionado pela aplicação da lei
britânica que aceita o retorno.

Deste modo, a determinação da lei aplicável percorre a seguinte ordem:

L1- Portugal; Lei da residência habitual, lugar do nascimento;

L2- Reino Unido – Lei da Nacionalidade.

Trata-se de matéria de estatuto pessoal, concretamente a sucessão por morte que pode ser
reflectido a partir do artigo 25 + 31/1.

Esquema:

(art.62+25+31/1) do código civil, L1-L2-L1


Chegados a este ponto, é importante referir que a Lei Britanica é um ordenamento jurídico
plurilegislativo, assim sendo, haverá que aplicar o art. 20º que dispõe que “1 - Quando, em razão
da nacionalidade de certa pessoa, for competente a lei de um Estado em que coexistam
diferentes sistemas legislativos locais, é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o
sistema aplicável. 2 – Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao direito
internacional privado do mesmo Estado; e, se este não bastar, considera-se como lei pessoal do
interessado a lei da sua residência habitual. …”.

De acordo com o artigo mencionado, é ao ordenamento complexo que compete fixar o sistema
de direito interno aplicável (através, nomeadamente, do sistema unitário de direito interlocal);
não existindo, deve aplicar-se aos conflitos de leis interlocais o direito internacional privado
unificado; e na falta de ambos, atende-se à lei da residência habitual, no caso, do de cujus. Tal
como referem as apelantes, o Reino Unido é precisamente um dos casos em que se revela
impossível, por inexistente, o recurso a regras unificadas de direito interlocal e de regras de
conflitos num sistema internacional privado, unificado, o que obriga ao recurso à solução
prevista na parte final do nº 2 do artigo 20º.

Relativamente a sucessão legitimaria:

De acordo com o ordenamento jurídico inglês, não há limitações à liberdade de testar, ou seja, a
lei inglesa desconhece o instituto da sucessão legitimária. Nessa medida, o testamento outorgado
por William Leacock, no qual legou à esposa Oksana Baiguzina, “todos os meus bens móveis,
bem como todos os meus bens imóveis situados na Região autónoma da Madeira e no reino
Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, que à data da minha morte me pertençam, no todo
ou em parte” é válido perante a lei inglesa.

Cumpre, então, apreciar a 2ª questão colocada pelas apelantes, à cautela, e que se prende com o
disposto no art. 22º. Dispõe este preceito, com a epígrafe “Ordem Pública”, que “1 – Não são
aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos, quando essa
aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado
português.2 – São aplicáveis, neste caso, as normas mais apropriadas da legislação estrangeira
competente ou, subsidiariamente, as regras de direito interno português”.

Interpretação e Aplicação do Direito Inglês


Aplicando ao caso a lei inglesa, e, consequentemente, considerando-se válido o testamento
outorgado pelo de cujus, a única herdeira de todos os seus bens, móveis e imóveis, é a sua
esposa, nos autos cabeça de casal, nada recebendo as suas 3 filhas, em manifesta violação do
direito destas interessadas consagrado na lei portuguesa (art. 2156º e ss.). O de cujus era de
nacionalidade britânica, e não obstante tenha nascido em Portugal e aqui residido quase 69 anos,
aqui tendo nascido as 3 filhas, nunca quis adquirir a nacionalidade portuguesa, tendo, no
testamento, outorgado em Portugal, não só reafirmado a sua nacionalidade britânica, como
declarado que pretendia que fosse aplicada a lei inglesa.

Você também pode gostar