Família e Superdotação A Questão Do Assincronismo

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XIV Jornada de Educação Especial e II Congresso Internacional de Educação Especial e Inclusiva

Faculdade de Filosofia e Ciências


30 de abril a 03 de maio 2018 ISSN 2177-4013

Família e superdotação: a questão do assincronismo


Paula Mitsuyo Yamasaki Sakaguti1; Helga Loos-Sant’Ana2;
Angela Magda Rodrigues Virgolim3
[email protected]
1
Coordenadora do Curso de Educação Especial, Centro Universitário Internacional UNINTER; 2Do-
cente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná
(UFPR);3Docente e pesquisadora do Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília (UnB).

Introdução
O presente artigo trata sobre o assincronismo e sua relação com as interações familia-
res de alunos com Altas Habilidades/Superdotação. Conforme a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, esta parcela da população que constitui um dos
públicos alvo da Educação Especial apresenta “potencial elevado em qualquer uma das seguin-
tes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes”,
além de elevada criatividade, comprometimento na aprendizagem e realização de tarefas nas
áreas de interesse (BRASIL, 2008, p. 15).
Literalmente, o termo assincronia significa “fora-de-sincronia”, isto é, não estar em
sincronia em comparação com os demais indivíduos (tidos como normais), tanto interna quan-
to externamente. Ou seja, em qualquer contexto cultural, de acordo com a literatura científica,
as crianças superdotadas apresentam discrepâncias no desenvolvimento quando comparadas a
seus colegas (SILVERMAN, 1997, 2002, 2005).
O denominado assincronismo, entendido como uma disparidade entre os níveis
cognitivo e afetivo-emocional no curso do desenvolvimento (por vezes é incluído também o
âmbito motor), vem sendo considerado na área das Altas Habilidades/Superdotação (AH/S)
enquanto uma das características do indivíduo superdotado, um funcionamento inerente à
condição de superdotação que o leva a diferir qualitativamente da norma. É tratado como um
fenômeno naturalizante, e é nosso entendimento que essa concepção normalizadora decorre de
critérios biologizantes e deterministas na compreensão das demandas emocionais-afetivas e das
questões interacionais desta população, uma vez que não explicita – apesar de reconhecer sua
importância – os diversos e dinâmicos contextos que afetam o desenvolvimento do indivíduo
superdotado e a lógica de como este indivíduo é afetado por eles.
Defendemos, aqui, com base nos fundamentos epistemológicos do Sistema Teórico
da Afetividade Ampliada (STAA) de Sant’Ana-Loos e Loos-Sant’Ana (2013 a, b, c, d, no prelo),
que tal pressuposto pode ser revisto, uma vez que assumir a existência per se de um assincro-
nismo entre os âmbitos cognitivo e afetivo-emocional da pessoa com AH/S pode ofuscar a real
compreensão dos fenômenos que estejam, de fato, em questão. Tal compreensão insere-se na
convicção da existência de uma unidade psicológica básica que se perfaz em todos os indivídu-
os humanos ao longo de seu desenvolvimento, a Célula Psíquica, formada por três instâncias
psíquicas: identidade (dimensão configurativa), self (dimensão recursiva), resiliência (dimensão

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criativa e ampliadora). Estas três categorias básicas do “eu” (que se apoiam na identidade, no
self e na resiliência ampliada) estão em interação com o ambiente por meio da alteridade (di-
mensão moduladora) (SANT’ANA-LOOS; LOOS-SANT’ANA, 2013 a, b, c, d, no prelo).
Assim sendo, conforme o STAA, as instâncias integram a Célula Psíquica são: (1)
Identidade, fenômeno que configura, conforma, delineia, isto é, identifica uma pessoa ou coisa,
referenciando-a enquanto algo definido e, ao mesmo tempo, diferenciando-a das demais; (2)
Self, uma espécie de “banco de recursos” que guarda o conceito de si (autoconceito) e tudo o
que se atrela a ele, como os sentimentos ligados a si mesmo (autoestima), bem como um con-
junto de indicadores sobre suas próprias competências e a confiança que deposita nelas (crenças
de controle, de auto eficácia ou autoconfiança), constituído e ajustado continuamente; contém
ainda as demais crenças sobre o funcionamento do mundo e os valores desenvolvidos por cada
indivíduo no decorrer das interações experienciadas; (3) Resiliência, refere-se à própria capaci-
dade de criar recursos para as mais variadas situações, especialmente aquelas que exigem recon-
figurações de crenças e valores de maneira a não sucumbir às dificuldades. As situações adversas
podem ter um caráter destruidor ou fomentador, o que dependerá dos recursos já construídos e
dos fatores de proteção disponíveis ao sujeito pelo ambiente, que são, por sua vez, dependentes
da dimensão que envolve a alteridade; (4) Alteridade, pois, é a partir do feedback do ‘outro’
que as crenças construídas pelo sujeito sobre si mesmo são validadas (ou não), permitindo a ele
regular seu comportamento. É a “engrenagem” de coordenação, modulação, das interações dos
elementos que compõem a realidade existencial.
Conforme o recorte elegido neste trabalho, pretendemos demonstrar a existência
de certas condições interacionais presentes em contextos familiares de indivíduos com AH/S
e apresentar indicadores de como estas condições podem influenciar a manifestação do que é,
comumente, compreendido como assincronismo.

Objetivo
O estudo em questão é parte integrante de uma tese de doutorado que teve como
objetivo geral investigar as bases epistemológicas do conceito de assincronismo e apresentar
dados empíricos que possam contribuir para a revisão de seu significado no desenvolvimento
socioemocional e cognitivo dos indivíduos com AH/S, reposicionando o importante papel da
família nesta dinâmica. O recorte selecionado para este trabalho tem como objetivo investigar
a qualidade das interações familiares e sua relação com o conceito de assincronismo.

Método
Trata-se de um estudo exploratório, utilizando-se uma abordagem mista entre os en-
foques quantitativo e qualitativo, indicados para examinar um tema como esse, pouco estudado
na realidade brasileira.
Para o levantamento de dados foram utilizadas quatro escalas: (1) Escalas de
Qualidade na Interação Familiar EQIF – Para Crianças e Adolescentes, de Weber, Salvador e
Brandenburg (2009); (2) Escalas de Qualidade na Interação Familiar - EQIF – Para Pais, de
Weber, Viezer e Brandenburg (2003); (3) Escala de Bem-Estar Psicológico – EBEP com adap-

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tação para o português brasileiro e evidências de validade feitas por Machado (2010); (4) Escala
de Resiliência para Crianças e Adolescentes – ERCA de Sandra Prince-Embury (BARBOSA,
2008). Foram aplicados, ainda, três procedimentos de caráter qualitativo: (1) Grupo de discus-
são orientada ou grupo focal; a partir do caráter interativo do grupo para a produção de dados
e insights (FLICK, 2009); (2) Roteiro de Entrevista Semiestruturada; (3) Sessão de Desenho-
Estória (D-E) desenvolvido por Trinca (1997 apud BARBOSA, 2009).
A pesquisa foi realizada em três Centros Municipais de Atendimento Especializado
(CMAEs) na cidade de Curitiba, Estado do Paraná, totalizando cinco salas de recursos de aten-
dimento a indivíduos superdotados.
A pesquisa empírica foi organizada em duas etapas. A primeira etapa incluiu os 100
alunos matriculados nas Salas de Recursos para Altas Habilidades/Superdotação dos CMAEs.
Dentre estes, 63 alunos apresentaram, voluntariamente, o desejo de tomar parte da pesquisa e
retornaram à pesquisadora o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado
por seus pais, autorizando participação. Mas, por motivos diversos, apenas 58 alunos parti-
ciparam efetivamente desse primeiro momento, que consistiu na aplicação do instrumento
“Escalas de Qualidade na Interação Familiar – EQIF para crianças e adolescentes” (WEBER;
SALVADOR; BRANDENBURG, 2009).
A EQIF foi utilizada para coletar dados referentes à percepção da qualidade das
interações familiares por meio do relato dos filhos (alunos) e com as quais foram levantadas as
categorias para a análise das famílias superdotadas (expressão aqui escolhida para designar as
famílias que contêm pelo menos um indivíduo superdotado em sua composição) participantes
do presente estudo. Este instrumento consiste em 40 questões com respostas que variam em
uma escala de cinco pontos (nunca, quase nunca, às vezes, quase sempre, sempre), agrupadas
em nove subescalas, sendo que seis delas abordam aspectos da interação familiar considerados
“positivos” (envolvimento, regras e monitoria, comunicação positiva dos filhos, clima conjugal
positivo, modelo parental, sentimentos dos filhos) e três referem-se aos aspectos considerados
“negativos” (clima conjugal negativo, punição corporal, comunicação negativa).
A partir dos resultados das escalas da EQIF para crianças e adolescentes e funda-
mentados nos pressupostos do Sistema Teórico da Afetividade Ampliada (STAA), organizamos
dois grupos: um composto por alunos inseridos em famílias com predomínio de interações
qualitativamente positivas, e outro por alunos em famílias com predomínio de interações qua-
litativamente inconsistentes. Selecionamos, para aprofundamento das análises, as escalas de
“Comunicação positiva” e “Clima conjugal positivo”; pois estas sugerem alteridade, lingua-
gem e afetividade, construtos fundamentais ao desenvolvimento da dimensão moduladora da
Célula Psíquica.
Na sequência foi observado como o resultado destas duas escalas combinou com as
demais escalas da EQIF, resultando na formação do grupo com predomínio de “Interações
Qualitativamente Positivas”. Já para a formação do grupo com predomínio de “Interações
Qualitativamente Inconsistentes”, consideramos os escores obtidos na “Punição física”,
“Comunicação negativa” e “Clima conjugal negativo”, por servirem como parâmetros para ana-
lisar possíveis condições de emergência para o assincronismo de origem interacional, como o
que aqui se defende. Com base nos critérios expostos, para a segunda etapa foram selecionados

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15 alunos e suas famílias, para o grupo das “interações qualitativamente positivas” (Giovana e
Roberto Carlos/irmãos, Marcos, Guilherme, Bianca e Cirilo), “interações qualitativamente in-
consistentes” (Mateus, Diego, Ariel, Leo, Li, Emanuel, Alexandre), além de outros dois irmãos
identificados (Hércules e Aquiles) para a realização de Estudo de Caso. Cabe enfatizar que os
nomes aqui mencionados são fictícios.
A faixa etária dos 15 alunos participantes variou entre 8 e 13 anos, e a faixa etária dos
22 pais ou responsáveis variou entre 31 e 61 anos de idade. Quanto ao estado civil declarado
pelos pais ou responsáveis, observou-se 19 casados/união estável, uma separada e duas soltei-
ras. Em relação à escolarização destes, um cursou pós-graduação, sete concluíram o Ensino
Superior, três com Ensino Superior incompleto, oito fizeram o Ensino Médio, dois com Ensino
Médio incompleto e um completou o Ensino Fundamental. Quanto à profissão, atuavam em
várias áreas, o que o torna um grupo bastante heterogêneo em seu conjunto, chamando atenção
que seis participantes são “do lar” e três são professoras; e dentre outras ocupações ou profissões
citam-se: autônomo, balconista, desempregado, aposentada, analista de sistemas, metalúrgico,
Parceiro Estratégico em Recursos Humanos, taxista, agente de trânsito, gerente de vendas, ge-
rente executivo, eletricista de automóvel e operador de qualidade.  
A síntese interpretativa apresentada a seguir procedeu-se a partir dos dados obtidos na
EQIF e nas sessões de Desenho-Estória (respondidos pelos alunos); entrevista e EQIF (respondidos
pelos pais); dos pressupostos teóricos do STAA e das contribuições de alguns teóricos contemplados
na revisão de literatura cujas contribuições entram em consonância com os argumentos do STAA.

Resultados e Discussão
Apresentaremos, inicialmente, elementos que perfazem a constituição familiar de
dois casos (família de Giovanna e Roberto Carlos e família de Mateus), enquanto exemplos
dos dois grupos formados, para que o leitor tenha uma visualização mais dinâmica destas duas
famílias em estudo.
Pedro e Malu são os pais de Roberto Carlos (14 anos) e Giovanna (11 anos). Apesar
dos contratempos, a casa está sempre cheia e parece que todos gostam de ir. Uma característica
marcante nesta família é a solidariedade, segundo Malu. Para Pedro, sua família é o “sentido
vida”. Os pais contam que “Roberto Carlos foi muito precoce em tudo”. O casal tinha o costu-
me de ler para o filho e percebeu que quando ele tinha um ano, memorizava e falava as figuras
e todo o conteúdo da história. Com dois anos, os pais lhe deram uma bicicleta, mas, como as
rodinhas de apoio atrapalhavam, o pai tirou e ele conseguiu andar. Chamava a atenção o voca-
bulário. Certa vez, a vizinha, que tinha um bebê com a mesma idade de Roberto Carlos, ficou
impactada quando ouviu: “Mamãe, o cachorro tá doente e precisa levar ao veterinário”, sendo
que o bebê dela falava “a-a”, quando queria “água”. No 2º ano, Roberto Carlos foi encaminhado,
pela escola, para avaliação porque estava demonstrando desinteresse pelos estudos e o resultado
foi o que a família já percebia desde bebê.
Já, com a Giovanna, o casal relata que foi mais tranquilo e fácil de lidar, até porque
ela é mais independente e tem perfil bem diferente do irmão. Sempre precoce, mas tímida e
reservada. Ela é extremamente acadêmica. Desde pequena demonstrava boa memória. Malu
indica sua preocupação e atual dificuldade em lidar com as expressões psicossomáticas mani-

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festadas atualmente por Giovanna. Muito sensível, às vezes não conseguia dormir, chorando
intensamente. Roberto Carlos também passou por isso quando estudava na escola anterior:
tinha cólicas, vômito, dores de barriga.
Relacionar construtos do desenvolvimento da psique humana conforme postulados
pelo STAA (identidade, self, resiliência e alteridade) e o sistema imune é promissor no enten-
dimento de certas expressões psicossomáticas, devido à sensibilidade intensa de alguns super-
dotados. Neste sentido, corpo são/doente transmite uma mensagem à família. Giovanna está
clamando “eu também quero atenção”. A família toda foi afetada (e afeta) quando Malu diz:
“Giovanna resolvia tudo sozinha.”; e deixando-a resolver sozinha, vieram as crises e dores que
buscam, em conjunto, denunciar esta situação. O trabalho conjunto com a psicóloga ajuda
Malu a validar os sentimentos de Giovana, demonstrando relações de alteridade com a filha.
Na sessão de Desenho-Estória, Roberto Carlos relatou que a sua família é “divertida,
descontraída, inteligente”, o que revela o ambiente animado, sem formalidades e inteligente em
que vive. Tais características foram relatadas também por sua mãe: “a casa está sempre cheia,
todos gostam de vir”, e por seu pai que tem orgulho “do convívio e da forma que a gente vive”
(coletados na entrevista). Corroboram estes atributos o significado atribuído à casa por sua
irmã: “acolhimento” (Desenho-Estória por Giovanna).
Mateus (10 anos), tem uma irmã, a Mel (1 ano), e são filhos de Luisa e Carlos que
estão juntos há doze anos. Luisa tem outra filha, Vic, que mora com a avó materna. Luísa relata
que Vic mostra rebeldia e lhe causa grande preocupação. Afirma que, Mateus, ao acompanhar
o problema com a irmã mais velha, disse: “Calma mãe. Mãe, não adianta, se a Vic não aprender
pelo amor ela vai aprender pela dor” e ela não conseguia parar de chorar. Carlos também tem
outro filho, da primeira união; atualmente o menino vive com a mãe e mantém o contato por
meio da escola e às vezes pela visita que ele faz aos irmãos Mateus e Mel. Para o casal, o maior
orgulho da família é o primogênito, por Mateus ser um “excelente aluno e filho, intelectual,
atencioso, preocupado com o próximo, tem um coração enorme” e, nas palavras de Luisa,
representa “o meu muito melhor”. Luisa relata que a partir do 2ºano passou a ser chamada na
escola porque Mateus atrapalhava os colegas e, por isso, frequentemente era colocado de “casti-
go”. Carlos relata que tenta se aproximar de Mateus para conversarem, pois, percebe que o filho
tem dificuldades para expressar sobre o que sente.
O pai diz: “Ele é obediente comigo, mas com a Luisa, ele dá umas reinadinhas porque
ela não chega com ele [não tem autoridade]”, o que é admitido pela própria Luísa: “eu sou mui-
to banana com ele”. Ela relata sua dificuldade em lidar com o comportamento do filho e afirma
que resolve “do jeito errado”, pois “grita com ele” e percebe seu descontrole ao dizer que “de-
pois eu me arrependo e peço desculpas; me machuca”. Esta forma de comunicação é percebida
como negativa por Mateus, o que fica claro quando diz: “Precisa gritar? não precisa gritar, é só
falar”. Outra questão que envolve a percepção de sua falta de controle emocional quando diz:
“Eu não bato nele... às vezes vou dar um tapa nele e falo: Mateus! Olha o que você me fez fazer”.
A baixa autoestima e autovalorização, a falta de orientação da mãe quanto às formas
de comunicação adequadas podem ter resultado em dificuldades na interação cotidiana entre
mãe e filho.

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Na sessão de Desenho-Estória Mateus narrou sua preocupação com a mãe diante de


um episódio que aconteceu, segundo ele, pela quinta vez: o desaparecimento de sua irmã Vic.
Conforme sua mãe, “ele é atencioso, preocupado com o próximo”. A mãe não narra a situação
que ocorreu, mas afirma que Mateus é “muito maduro em relação à nossa família”. A mãe per-
cebe que seu filho está num nível de maturidade emocional superior em seu contexto familiar.
A super-sensibilidade emocional de Mateus, aspecto apontado pela Teoria da Desintegração
Positiva de Dabrowski (PIECHOWSKI, 2013; GALLAGHER, 2013; FORTES-LUSTOSA,
2004), foi observada por sua elevada preocupação com os outros.
A partir da EQIF será apresentada a percepção dos filhos e pais sobre punição física
de acordo com os escores individuais dos filhos e os escores dos pais e das mães conforme as
respostas que vão do (1) nunca para (5) sempre:
Gráfico 1: Percepção dos filhos e dos pais sobre punição física

O eixo vertical corresponde aos escores obtidos pelos participantes listados no eixo
horizontal. Os alunos Alexandre e Diego não têm contato com o pai e não responderam. Os pais
de Cirilo e Leo não participaram desta parte da pesquisa. Os resultados indicaram que, de acordo
com a percepção dos pais, não há uso de punição física na interação com seus filhos; já os filhos
interpretam com maior sensibilidade atitudes punitivas dos pais. O valor/escore 3 indica que não
há punição física nas interações, ou seja, responderam “nunca” para: (1) quando o filho faz algu-
ma coisa errada, ele sabe que o pai vai bater; (2) o pai costuma bater no filho sem ele ter feito nada
errado; (3) o pai costuma bater no filho por coisas sem importância. Esta situação foi observada
pelos pais-filhos de Giovanna e Roberto Carlos. A alta frequência de punição física foi percebida
por Mateus, embora não tenha sido percebida (ou assumida) por seu pai.
A comunicação negativa entre as mães e os seus filhos está representada no Gráfico 2:
Gráfico 2: Percepção de comunicação negativa entre mães e filhos

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Observou-se que a mãe de Mateus percebe que há falhas na comunicação, e indica


que certas vezes: (1) briga com o filho por coisas sem importância; (2) costuma falar alto ou
gritar com o filho; (3) costuma descarregar no filho quando estão com problemas; (4) costuma
ofender ou usar palavras de baixo calão para o filho; (5) costuma criticar o filho. Estas situações
são percebidas de modo mais intenso pelos filhos. A mãe de Giovana e Roberto Carlos percebe
mais que os filhos que há alguns indicadores de comunicação negativa entre eles. Estes, por sua
vez, não os percebem na mesma intensidade. Talvez o autojulgamento e a crítica das mães em
relação ao seu próprio comportamento as tenham feito perceber que usam de diálogos negati-
vos, mas como não foram apresentados na mesma medida por seus filhos, pode-se entender que
as crianças percebem que “o que a mãe fala é para o seu bem”.
O Gráfico 3 mostra a percepção da comunicação negativa entre os pais e os seus
filhos:

Gráfico 3: Percepção da comunicação negativa entre pais e filhos

20
15
10
5 FILHO(A)
0

ROBERT…
GUILHER…
ALEXAND…

PAI
LEO
AQUILES

EMANUEL

LI
ARIEL
BIANCA
CIRILO
DIEGO

GIOVANNA

HÉRCULES

MARCOS
MATEUS

As lacunas que aparecem no eixo horizontal são devidas à ausência do pai por mo-
tivos diversos, como não morar com a criança ou adolescente e ordem judicial para manter-se
afastado da mãe da criança. Na configuração geral da escala de comunicação negativa, dentre
outros, Mateus também indica que há problemas na comunicação com os pais.
Em relação aos dois alunos que indicaram utilização de punição física em suas famí-
lias, os pais de Emanuel percebem que há uma falha na comunicação, indicando, por exemplo,
gritos por parte da mãe e falta de controle emocional por parte dos pais. Já no caso de Mateus
não ocorreu esta percepção dos pais na mesma intensidade que o filho. Bianca (colocada no
grupo das interações qualitativamente positivas) demonstra, juntamente com seus pais que
há uma comunicação negativa, há reciprocidade na auto percepção de ambas as partes (pais e
filha), que conseguem visualizar que algo está desorganizado.
As práticas parentais percebidas por Mateus (EQIF e Desenho-Estória) podem ser
consideradas como fatores de risco ao desenvolvimento afetivo-emocional. O STAA amplia
esta visão de fatores de risco, considerando que as dificuldades ou incapacidades do meio de
prover condições e recursos adequados caracterizam-se como risco para o desenvolvimento de
desajustes, descompassos ou problemas afetivo-emocionais.
Observou-se que a família de Giovanna e Roberto Carlos, com interações qualita-
tivamente positivas, estabelece diálogo de comunicação, não utiliza punição física; os filhos
identificam a família como apoio e envolvimento. Apresenta dificuldade em lidar com a super-

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dotação da filha em relação a expressões psicossomáticas. Em relação à família de Mateus, com


interações qualitativamente inconsistentes, apresenta falha na comunicação, utiliza punição
física, descontrole emocional da mãe, apresenta dificuldade em lidar com retraimento do filho
para falar o que sente.
A literatura da área apresenta o conceito de assincronismo como uma das caracterís-
ticas inerentes ao desenvolvimento dos indivíduos superdotados. Contrariamente, de acordo
com o defendido pelo Sistema Teórico da Afetividade Ampliada (STAA), o fenômeno do as-
sincronismo tem origem interacional, uma vez que características e necessidades de indivíduos
superdotados em desenvolvimento não são, frequentemente, adequadamente compreendidas
e atendidas. O presente estudo apresenta indicadores que confirmam o entendimento do as-
sincronismo como um fenômeno interacional. Logo, o assincronismo entre aspectos afetivo-
-emocionais e cognitivos, quando existe, não está no indivíduo em si, mas nas relações disfun-
cionais dele com o ambiente – o que inclui a família. Isso porque é por meio das interações,
como postula o STAA, que “se dá nexo às coisas e à realidade” (SANT’ANA-LOOS, LOOS-
SANT’ANA, 2013b, p. 4).

Conclusão
A partir dos fundamentos do STAA, o foco da discussão sobre o assincronismo des-
loca-se para a qualidade das interações existentes entre o indivíduo e o seu entorno. E é neste
pressuposto inter-relacional que se tem o suporte para a compreensão do fenômeno do assin-
cronismo na circunscrição da família. Em famílias onde predominam indicadores de relações
positivas, harmônicas, estáveis, plenas de confiança, com manifestações de alteridade, os filhos
são “bem resolvidos” e buscam redes de apoio para lidar com suas dificuldades, comuns aos
processos de desenvolvimento. Já em ambientes familiares onde há punição, ausência de diá-
logo, falta de confiança e de alteridade, há comportamentos indicativos de desajustamentos
afetivo-emocionais, o que pode comprometer o desenvolvimento saudável de seus membros,
incluindo os indivíduos superdotados.
O conceito de assincronismo entendido sob o foco interacional tem como funda-
mento a compreensão de que o desenvolvimento afetivo-emocional, social, cognitivo e motor
não se manifesta de modo isolado e nem meramente no indivíduo, mas em conjunção com
outros diferentes aspectos subjetivos dos indivíduos em interação, como por exemplo, a moti-
vação, a afetividade e a presença de relações de qualidade (alteridade) na família. Assim sendo,
defende-se que o assincronismo está relacionado aos desajustes interativos e não como uma
condição atribuída meramente às condições intelectuais do indivíduo superdotado, pois, se o
desenvolvimento humano é um fenômeno interacional, não se deve atribuir à criança a carac-
terística do assincronismo como inerente à sua condição de ser superdotada. Além disso, acre-
ditamos que esta tendência não pode ser atribuída a todas as pessoas com AH/S, uma vez que
é necessário considerar a heterogeneidade deste grupo e buscar uma visão integradora das inte-
rações e do contexto social, histórico e cultural no qual o indivíduo superdotado está inserido.

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