Educação Infantil Aula 01

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AULA
Confabulações na
Educação Infantil
Meta da aula
Apresentar um mapeamento de alguns temas que
serão estudados neste material didático.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
1. reconhecer os conteúdos que serão trabalhados
ao longo do semestre;
2. identificar questões sobre infâncias presentes na
contemporaneidade.
Educação Infantil 1 | Confabulações na Educação Infantil

INTRODUÇÃO Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condi-
cionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais
além dele. Está é a diferença profunda entre o ser condicionado e
o ser determinado (FREIRE, 1999).

Mais um semestre se inicia e com certeza temos muitas expectativas com


relação aos estudos deste componente curricular de Educação Infantil!
Dialética A busca pelo aprofundamento do conhecimento requer o exercício d i a l é t i c o
Em Hegel, a dia- da reflexão-ação-reflexão, com uma disponibilidade pessoal e profissional para
lética é o movi-
mento racional resignificarmos conceitos e concepções anteriormente construídas! É impres-
que nos permite
ultrapassar uma sionante, o quanto de conhecimento construímos e o quanto ainda temos
contradição. por elaborar, como seres inacabados, desejosos de tornar mais complexo e
Não é método,
mas um movi- intenso aquilo que já percorremos em nossos estudos e práticas pedagógicas.
mento conjunto
do pensamento Estamos sempre aprendendo! E é pela problematização da realidade e pelo
e do real. (...)
diálogo entre os sujeitos, numa construção crítica e criativa, que vamos nos
Marx faz da
dialética um fazendo seres singulares e coletivos, feitos pela linguagem, em interação no/
método. Insiste
na necessidade com o mundo! A educação é diálogo, troca, relação comunicativa! Assim, ser
de considerar-
educador enseja um espírito investigador, criativo, com uma escuta sensível
mos a realidade
socioeconômica na relação com o outro e o mundo! Ao invés de acomodarmo-nos em ver-
de determinada
época como um dades hegemônicas, a educação tem um papel de inquietadora para a vida!
todo articulado,
atravessado por Como diz Paulo Freire: “A humanização do homem, que é a sua libertação
contradições permanente, não se opera no interior da sua consciência, mas na história
específicas, entre
as quais a da luta que eles devem fazer e refazer constantemente.”
de classes.
A partir dele,
mas graças
sobretudo à Breve Apresentação da Disciplina
contribuição de
Engels, a dialé- A Educação Infantil como campo de estudo e prática na educação é
tica se converte
no método do relativamente recente, como você poderá observar ao longo das aulas.
materialismo
e no processo
Iniciaremos o semestre com uma análise dos diferentes olhares
do movimen- para a infância ao longo do tempo, atentando para o fato de que não
to histórico...
(JAPIASSU; podemos compreender a infância fora de suas relações sociais e da pró-
MARCONDES,
1993, p. 72) pria cultura na qual está inserida. É importante também perceber que
existia/existe uma tendência nesta concepção de acordo com os fatores
históricos, sociais, culturais e políticos de cada época, mas não significa
dizer que existia/existe uma única concepção de infância.
Após esse mergulho nas diferentes concepções de infância ana-
lisaremos a história do atendimento à criança no Brasil. Revisitaremos
a própria história do Brasil, mas enfocando a infância e as formas

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de atendimento a ela, as principais mudanças ocorridas, entre outros

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aspectos relevantes. Você será levado a: compreender o panorama do

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atendimento à infância no Brasil, sobretudo da tutela da criança pobre
pelo Estado nos diferentes períodos históricos; perceber as condutas que
permaneceram em relação à criança pobre, mesmo que, em cada período,
as estratégias tenham sido diferenciadas, e as condutas que realmente
mudaram ao longo dos períodos históricos.
Você também será apresentado à história da creche no Brasil.
Quando e quais foram as finalidades de seu surgimento, que tipos de
crianças atendia. Poderá constatar que a trajetória da creche está direta-
mente relacionada às mudanças do papel da mulher na sociedade e suas
repercussões na estrutura familiar, em especial na educação dos filhos.
Tanto o surgimento quanto as mudanças ocorridas neste tipo de insti-
tuição estão envolvidos em um conjunto de fatores sociais, econômicos,
políticos e culturais. Você perceberá que, historicamente, creche e pré-
escola se constituíram em dois campos diferentes de atuação. Enquanto
a pré-escola, desde o seu início, evidenciou um caráter pedagógico,
de preparação para a escola regular, a história da creche nos aponta que
o assistencialismo foi presença marcante em toda a sua história.
Também faremos um mapeamento da atual legislação destinada
à infância e à Educação Infantil no Brasil. Faremos uma breve apre-
ciação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (Lei n. 9394/96) no que diz respeito à Educação Infantil.
Ambas asseguraram atendimento público e gratuito em creches e pré-
escolas às crianças de zero a seis anos de idade. Analisaremos também
a lei 11.274 de 2007, que aumentou de 8 (oito) para 9 (nove) anos a
duração do Ensino Fundamental, diminuindo a idade da finalização da
Educação Infantil para 5 (cinco) anos. Refletiremos sobre a condição
da infância na perspectiva de cidadania e de inclusão e apresentaremos
documentos e norteadores legais para a Educação Infantil, tais como:
as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, o Referencial
Nacional para Educação Infantil (RCNEI), os Parâmetros Nacionais
de Qualidade para Educação Infantil e os Parâmetros Básicos de Infra-
estrutura para Instituições de Educação Infantil.
Você será levado a perceber que atualmente as instituições de
Educação Infantil não têm mais a conotação de um simples cuidado com
a criança enquanto a família trabalha. Hoje se preconiza que o cuidar e

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o educar devem estar presentes de forma integrada e que a rotina diária


deve ser planejada, organizada e considerada como elemento consti-
tutivo da prática pedagógica. A organização do ambiente e do tempo
no cotidiano da Educação Infantil devem ser cuidados atenciosamente,
considerando uma construção flexível e com a participação das próprias
crianças, respeitando as individualidades, os interesses do grupo, levando
a construção de conhecimentos, mas sem esquecer que este ambiente
precisa ser e transmitir segurança para acolher as crianças. Atentaremos
também para a forma como acolhemos não só as crianças, mas também as
suas famílias. Refletiremos sobre a necessidade de se estabelecer parcerias
entre família e escola e as consequências advindas do estabelecimento
ou da falta desta parceria.
Ao pensar em propostas pedagógicas para essa faixa etária,
precisaremos conhecer as concepções de desenvolvimento humano e
aprendizagem para podermos ofertar uma proposta com qualidade e de
acordo com as potencialidades de crianças entre zero e seis anos. Conhe-
cer como elas aprendem, conhecem o mundo e se desenvolvem deve ser
a base para todo o trabalho do educador, além de compreendermos a
importância do lúdico e, especialmente, das brincadeiras de faz de conta
para o desenvolvimento.
Não podemos afirmar que ao final do semestre daremos conta de
todos os aspectos relacionados à história, à política e ao cotidiano da
Educação Infantil. Seria muita pretensão! Faremos um grande mapea-
mento de várias questões pertinentes ao atendimento nesta faixa etária
e esperamos que seja útil e proveitoso todo o conteúdo trabalhado para
a sua formação, principalmente para aqueles que se interessam nesta
faixa etária. No próximo semestre, na disciplina de Educação Infantil
2 e, posteriormente, na experiência do estágio supervisionado, algumas
questões serão aprofundadas e outras novas trazidas para a reflexão.

Breves questionamentos sobre as infâncias

Por que, hoje, se fala em infância e/ou infâncias? Será que di-
ferentes culturas se relacionam da mesma forma com suas crianças?
Você já parou para pensar se os modos como nos relacionamos hoje com
as crianças e o sentimento a elas empreendidos sempre foram ou são os
mesmos? Estaria aí, no modo como nos relacionamos com as crianças,
um sentido de infância enquanto categoria social?

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Continuemos com mais questionamentos. Por que hoje, falamos

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tanto em concepções de infância, vozes das crianças e culturas infantis?

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Será que todas as crianças vivem a infância da mesma forma? Pense...

ATIVIDADE

Atende aos Objetivos 1 e 2

1. Agora, considerando suas reflexões, faça um cartaz com recortes de


jornais e revistas que mostre diferentes cenas e situações do mundo em
que vivemos, adultos e crianças. A partir deste painel, elabore um pequeno
texto refletindo sobre como você se posiciona diante dessas cenas.

Resposta comentada
Reflita se há desigualdades, preconceitos, se a criança está sendo
adultorizada, se ela é tratada como cidadã de direitos e/ou consu-
midora, se os direitos de crianças e adolescentes estão presentes
na imagem...

Indicamos o site: http://www.unicef.org/spanish/


salgado, onde você pode encontrar fotografias que
Sebastião Salgado realizou pelo mundo.

De acordo com Delgado (2004) “nossas conceituações sobre


infância estão submersas em visões de adultos que viveram suas infân-
cias em outros tempos e espaços”. Isso nos aponta para caminhos que
possibilitem a rememorização da infância, reflexão sobre o espaço profis-
sional e de vida, a macro e microestruturas sociais, práticas pedagógicas,
as relações que são estabelecidas...

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!
Nos dicionários da língua portuguesa, infância é considerada como o período de
crescimento, no ser humano, que vai do nascimento à puberdade. Para o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei no. 8.069, de 13/7/90) criança é a pessoa até os 12 anos
de idade incompletos e adolescentes aquela entre 12 e os 18 anos. Etimologicamente,
a palavra infância refere-se a limites mais estreitos; oriundo do latim, significa a inca-
pacidade de falar. Essa incapacidade, atribuída em geral ao período que se chama de
primeira infância, às vezes era vista como se estendendo até 7 anos, que representariam
a passagem para a idade da razão. Corsini analisa que a idade cronológica, como fato
biológico, permite inúmeras delimitações para os períodos da vida, sem ser elemento
determinante suficiente para a sua definição. Infância tem um significado genérico e,
como qualquer outra fase da vida, esse significado é função das transformações sociais:
toda sociedade tem seus sistemas de classes de idade e a cada uma delas é associado
um sistema de status e de papel. (KUHLMANN JR, 1998, p. 16)

Temos um longo caminho a percorrer, sabendo que como seres


históricos, sociais e culturais nossas perguntas e respostas não acontecem
no vazio, mas em contexto, com marcas de visões de mundo ora às claras
ora de forma obscura. E entre incertezas, dúvidas e achados podemos,
em diálogo,construir autoria como seres produzidos e produtores de
conhecimento e cultura.

Assista ao filme Anna dos 6 aos 18, de Nikita


Mikhalkov (1994). Nele o diretor faz as mesmas
perguntas à protagonista (sua filha) em diferentes
etapas de sua vida e apresenta um paralelo entre
a vida dela e da sociedade soviética entre os anos
de 1979 à 1991.

Para auxiliar nossas reflexões sobre a infância podemos ler


um trecho do texto “O conceito histórico da Infância” (Disponível
em: http://www.overmundo.com.br/overblog/o-conceito-historico-
da-infancia), escrito por Débora Guaraná, onde retrata alguns aspec-
tos importantes relativos a uma parte da sociedade contemporânea
brasileira e a infância:

A criança pequena hoje está com agenda lotada. A televisão que


se transforma em babá. Os pais ausentes. Carinho transformado
em objeto. O tamagoshi e a afetividade objetificada. Segundo
Solange Jobim e Souza, estes são apenas alguns dos fragmentos
que compõem o contexto da infância contemporânea, além desses,
pode-se citar a cultura do consumo que, através da publicida-
de, descobriu a criança sozinha em casa, mandando nos pais.

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Para entender, entretanto, o lugar social que a criança ocupa na

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sociedade não se pode analisar tais fragmentos de forma isolada.

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Isso porque cada época irá proferir um discurso que revela seus
ideais e expectativas em relação às crianças. A intenção, então, é
revelar as transformações e orientações dos modos de “ser” da
infância ao longo dos tempos (GUARANÁ, 2007).

Como afirmado pela autora a “infância” retratada acima não


pode ser generalizada a todos os casos. Sabemos que muitas crianças,
ao contrário de agendas lotadas com atividades complementares e diver-
sões, têm agendas lotadas com o trabalho, por exemplo. A diversidade
na concepção de infância sempre existiu, mas em determinadas épocas
históricas podemos mapear as principais tendências em relação à criança.
No que condiz à concepção de infância na modernidade, a autora citada
discute alguns aspectos muito importantes para nos ajudar a pensar sobre
a infância contemporânea:

Na contemporaneidade, entretanto, está acontecendo um proces-


so retrógrado: ao invés de mais resguardadas, as crianças estão
emancipando-se. Dois fatores cruciais para que esse processo
aconteça são a ausência dos pais e a onipresença dos meios de
comunicação. Se antes, na Idade Média, eles serviram para fomen-
tar o desenvolvimento da concepção moderna de infância, hoje a
mídia promove a desinfantilização de crianças, provocando, entre
outras conseqüências, a erotização precoce. A televisão, mais que
um eletrodoméstico, transformou-se num fato social. É através
desse eletrodoméstico que a infância recebe seus ensinamentos
e informações sobre o mundo, o que antes, na década de 50,
acontecia apenas por seus familiares e pela escola. Mas a TV se
adianta: ela inicia o processo de socialização antes que a escola
tenha a oportunidade de fazê-lo. No Brasil, a influência da mídia
torna-se ainda mais poderosa em virtude de um sistema educacio-
nal precário que possibilita, em muitas ocasiões, que a televisão
tenha o poder “soberano” de informar, educar e distrair, sem um
público capaz de criticá-la (GUARANÁ, 2007).

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ATIVIDADE

Atende aos Objetivos 1 e 2

2. Leia o texto abaixo de Cristovam Buarque, publicado no jornal O Globo


em 25/09/2000. Você irá observar que vários nomes são identificados por
ele : menino-na-rua, flanelinha, prostituta-infantil, bezerrinha, ninfeta-de-
praia, menina-da-noite, menino ou menina-de-programa, delinqüente,
infrator, avião, pivete, trombadinha, menor, pixote, meninos-do-lixo,
recicladores-infantis, filhos-da-safra,,pagãos-civis, entre outros. Anote outros
termos que você conhece que se refiram à criança e seus “significados”.
Escreva um pequeno texto sobre o que você encontrou.

Os Nomes da Criança

Os esquimós têm diversos nomes para indicar a neve. Para eles,


cada tipo de neve é uma coisa diferente de outro tipo. Para os po-
vos da floresta, cada mato tem um nome específico. Os habitantes
dos desertos têm nomes diferentes para dizer areia, conforme as
características específicas que ela apresenta. Para conviver com seu
meio ambiente, cada povo desenvolve sua cultura com palavras
distintas para diferenciar as sutilezas do seu mundo. Quanto mais
palavras distinguindo as coisas que a rodeiam, mais rica é a cultura
de uma população. Os brasileiros urbanos desenvolveram sua cultura
criando nomes especiais para diferenciar o que, para outros povos,
seria apenas uma criança. Para poder circular com segurança nas
ruas de suas cidades, os brasileiros do começo do século XXI têm
maneiras diferentes para dizer criança. Não se trata dos sinônimos
de indicam uma sutil diferença no tipo de criança. O português
falado no Brasil é certamente o mais rico e o mais imoral dos idiomas
do mundo atual no que se refere à definição de criança. É um rico
vocabulário que mostra a degradação moral de uma sociedade que
trata suas crianças como se não fossem apenas crianças. Menino-
na-rua significa aquele que fica na rua em lugar de estar na escola,
em casa, brincando ou estudando, mas tem uma casa para onde
ir – diferenciado sutilmente dos meninos-de-rua, aqueles que não
apenas estão na rua, mas moram nela, sem uma casa para onde
voltar. Ao vê-los, um habitante das nossas cidades os distingue das
demais crianças que ali estão apenas passeando. Flanelinha é aquele
que, nos estacionamentos ou nas esquinas, dribla os carros dos
ricos com um frasco de água em uma mão e um pedaço de pano
na outra, na tarefa de convencer o motorista a dar-lhe uma esmola
em troca da rápida limpeza no vidro do veículo. São diferentes dos
esquineiros, que tentam vender algum produto ou apenas pedem
esmolas aos passageiros dos carros parados nos engarrafamentos.
Ou dos meninos-de-água-na-boca, milhares de pobres crianças que

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carregam uma pequena caixa com chocolates, tentando vendê-los mas sem o
direito de sentir o gosto do que carregam para os outros. Prostituta-infantil já
seria um genérico maldito para uma cultura que sentisse vergonha da realidade
que retrata. Como se não bastasse, ainda tem suas sutis diferenças. Pode ser be-
zerrinha, ninfeta-de-praia, menina-da-noite, menino ou menina-de-programa ou
michê, conforme o local onde faz ponto ou o gosto sexual do freguês que atende.
E tem a palavra menina-paraguai, para indicar crianças que se prostituem por apenas
um real e noventa e nove centavos, o mesmo preço das bugigangas que a globali-
zação trouxe de contrabando, quase sempre daquele país. Ou menina-boneca, de
tão jovem que é quando começa a se prostituir, ou porque seu primeiro pagamento
é para comprar a primeira boneca que nunca ganhou de presente. Delinqüente,
infrator, avião, pivete, trombadinha, menor, pixote: sete palavras para o conjunto
da relação de nossas crianças com o crime. Cada qual com sua maldita sutileza,
conforme o artigo do código penal que lhe cabe, a maneira como aborda suas
vítimas, o crime ao qual se dedica. Podem também, no lugar de crianças, ser boys,
engraxates, meninos-do-lixo, recicladores-infantis, de acordo com o trabalho que
cada uma delas faz. Ainda tem filhos-da-safra, para indicar crianças deixadas para
trás por pais que emigram todos os anos em busca de trabalho nos lugares onde
há empregos para boias-fria, nome que indica também a riqueza cultural do sutil
vocabulário da maldita realidade social brasileira. Ou os pagãos-civis, vivendo sem
registro que lhes indique a cidadania de suas curtas passagens pelo mundo, em
um país que lhes nega não apenas o nome de criança, mas também a existência
legal. Como resumo de todos estes tristes verbetes, há também criança-triste: não
se refere à tristeza que nasce de um brinquedo quebrado, de uma palmada ou re-
primenda recebida, ou mesmo da perda de um ente querido. No Brasil há um tipo
de criança que não apenas fica ou está triste, mas nasce e vive triste – seu primeiro
choro mais parece um lamento pelo futuro que ainda não prevê do que um respiro
no novo ar em que vai viver, quando pela primeira vez o recebe em seus diminutos
pulmões. Criança-triste, substantivo e não adjetivo, como um estado permanente
de vida: esta talvez seja a maior das vergonhas do vocabulário da realidade social
brasileira. Assim como a maior vergonha da realidade política é a falta de tristeza
no coração de nossas autoridades diante da tristeza das crianças brasileiras, com
as sutis diversidades refletidas no vocabulário que indica os nomes da criança.
A sociedade brasileira, em sua maldita apartação, foi obrigada a criar palavras que
distinguem cada criança conforme sua classe, sua função, sua casta, seu crime.
A cultura brasileira, medida pela riqueza de seu vocabulário, enriqueceu perversa-
mente ao aumentar as palavras que indicam criança. Um dia, esta cultura vai se
enriquecer criando nomes para os presidentes, governadores, prefeitos, políticos
em geral que não sofrem, não ficam tristes, não percebem a vergonhosa tragédia
de nosso vocabulário. Quem sabe não será preciso que um dia chegue ao governo
uma das crianças-tristes de hoje, para que o Brasil torne arcaicas as palavras que hoje
enriquecem o triste vocabulário brasileiro e construa um dicionário onde criança...
seja apenas criança (BUARQUE, 2000).

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comentário
Para realizar esta atividade você deverá refletir, a partir do sentido das palavras, a
situação que cada um dos termos remete no seu cotidiano.

Conclusão

Como você deve ter percebido durante a aula, são muitas as


questões que perpassam pela disciplina de Educação Infantil 1 e o nosso
desejo é que, a partir desta aula, você se sinta motivado para se debruçar
nos temas que iremos trabalhar ao longo do semestre. Esperamos que
com esses primeiros exercícios você tenha podido refletir sobre a multi-
plicidade de visões de infância e a diversidade de vivências de ser criança.
Esse será um assunto a que voltaremos nas próximas aulas.

Atividade Final

Atende aos Objetivos 1 e 2

Para auxiliar em suas reflexões sobre a infância, nada mais adequado do que você
relembrar a sua própria infância. Converse com familiares, resgate fotos e objetos da
sua infância e mergulhe na sua memória para obter informações. Em seguida escreva
um pequeno texto sobre essas lembranças e suas impressões sobre a sua infância.

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Realizada esta tarefa você poderá ir adiante comparando a sua infância com a

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infância que se apresenta ao seu redor. Você pode usar observações feitas de

AULA 
crianças que convivem próximo a você ou aproveitar situações que se apresentarem
nos noticiários dos jornais, revista e TV.

comentário
Através desta atividade você poderá refletir sobre a multiplicidade de visões de
infância e a diversidade de vivências de ser criança, partindo da sua infância e o
que você observa na infância ao seu redor.

R E S U MO

Durante o semestre, você terá a possibilidade de refletir sobre as diferentes


concepções de infância, a história da Educação Infantil, as políticas públicas voltadas
à infância e a Educação Infantil e começará a refletir sobre algumas questões práticas
relacionadas ao cotidiano com crianças de zero até seis anos de idade.

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