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RESUMO - O objetivo deste artigo é compreender a melancolia e a depressão e sua relação com a cultura a partir da psicanálise.
Para Freud a melancolia é uma psiconeurose narcísica e a depressão um sintoma que pode estar presente em qualquer estrutura
psíquica. Ao criar a categoria das psiconeuroses narcísicas Freud se dá conta da insuficiência do modelo neurótico para a
compreensão da melancolia. Partindo do pressuposto de que as condições da vida pós-moderna interferem na subjetividade,
causando uma mudança na estrutura dos sentimentos, propomos o modelo narcísico-melancólico para a compreensão das
patologias contemporâneas. Constatamos que tanto a melancolia quanto a depressão podem ser patologias ou uma posição do
sujeito diante das demandas da sociedade do narcisismo e do espetáculo.
Assim como a melancolia tornou-se uma patologia 2004), mas por outro lado, amplia as possibilidades de
predominante no século XIX, a depressão tornou-se a forma surgimento de outras interpretações.
de expressão do mal-estar nos dias atuais. O sofrimento Dentre os fatores que contribuíram para essas mudanças
psíquico manifesta-se atualmente sob a forma de depressão ressaltamos as transformações nos laços sociais como a
(Birman, 2007; Berlinck, 2008; Edler, 2008; Kehl, 2009; passagem da família extensa para a família nuclear (Birman,
Roudinesco, 2000). 2007), a valorização do individualismo competitivo (Lasch,
Já não é mais novidade que as transformações sociais, 1983), da sociedade do espetáculo, com ênfase no mundo
econômicas e culturais alcançadas na contemporaneidade das imagens, do consumo exacerbado e do desenvolvimento
modificaram também as formas de constituição da tecnológico e científico (Debord,1997). A alta valorização
subjetividade. Essas transformações são consequências do individualismo, do mundo das imagens e do consumo,
da passagem da modernidade para a pós-modernidade, aliado ao volume excessivo de informações, substitui a troca
que é caracterizada pela presença da heterogeneidade e de experiências, causando o empobrecimento da vida interior
da diferença, tendo como características fundamentais e, consequentemente, a dificuldade de simbolização (Ferraz,
a fragmentação, a indeterminação e a desconfiança nos 2003; Mendes & Próchno, 2004; Mendes & Paravidini,
discursos universais. Tudo isso implica numa mudança 2007). Nesse sentido, segundo Debord (1997), o sujeito passa
profunda na estrutura do sentimento (Harvey, 1989). a valer pelo que aparenta ser e ter. Assim faz-se necessário
Vivemos numa era marcada pelo questionamento das certezas buscar a melhor performance possível. Nesse contexto,
absolutas, das grandes narrativas, o que por um lado deixa assistimos a uma proliferação de novas psicopatologias
o indivíduo frágil, vulnerável, desbussolado (Lipovetsky, como os estados narcisistas, casos limites (borderlines), etc.
Segundo Celes (2009), Green (1983/1988) por meio
do conceito de mãe morta, busca discriminar modos do
1 Apoio: CAPES narcisismo que possam dar sustentação à compreensão das
2 Agradecimentos: Agradecemos a CAPES pela concessão da bolsa que formas psicopatológicas contemporâneas. Surge então o
possibilitou esta pesquisa e aos revisores anônimos por suas valiosas
modelo melancólico, que reintroduz as questões dos limites.
sugestões.
Nesse modelo, o eu é o centro da discussão, uma vez que
3 Endereço para correspondência: Universidade Federal de Goiás,
Departamento de Psicologia, Campus Catalão, Rua Doutor Lamartine
enfatiza o narcisismo.
Pinto de Avelar, 1120, Setor Universitário, Catalão, GO, Brasil. CEP: As transformações sociais aliadas às transformações na
75704020, E-mail: [email protected] estrutura dos sentimentos nos levam a pensar que o modelo
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ED Mendes et al.
neurótico, desenvolvido por Freud para analisar a histeria, que retém apenas o termo depressão e que não corresponde
é insuficiente para a compreensão das patologias narcísicas. às estruturas psíquicas conservadas pela psicanálise.
Pensando que o estudo da melancolia em Freud nos permite
compreender a constituição subjetiva contemporânea,
propomos uma análise destas patologias a partir do modelo História da melancolia
narcísico-melancólico, que de acordo com Celes (2009),
Moreira (2008), Pinheiro e Verztman (2003) é mais Desde a Antiguidade aos dias atuais, a melancolia aparece,
condizente com as características da vida contemporânea. sem cessar, assumindo diferentes nomes e formas, como tema
Neste trabalho, seguindo as recomendações de Green de estudos médicos ou filosóficos e como inesgotável fonte
(1983/1988), articulamos narcisismo, melancolia e pulsão de de inspiração para poetas e artistas. Fala-se da melancolia
morte para compreendermos as patologias contemporâneas. como sinônima do furor dos alienados, da acedia dos monges,
Birman (2012) faz uma análise das transformações na da genialidade na Renascença, da tristeza no Romantismo e
experiência subjetiva evidenciadas no contraste dos valores da depressão tratada atualmente por psiquiatras e psicólogos
entre a modernidade e a contemporaneidade. Para Birman (Pringent, 2005).
(2012) o mal-estar contemporâneo se inscreve no corpo, No século IV a. C. Hipócrates e seu genro Polybe, num
na ação e na intensidade, se caracterizando como dor que trabalho intitulado: A natureza do homem isolam no corpo
não pode ser simbolizada. Dentre estas novas formas de humano quatro humores: sangue, fleuma, bílis branca e
subjetivação, a depressão tem se destacado em função de bílis negra. A saúde é definida como o equilíbrio dos quatro
um aumento significativo deste diagnóstico e previsões de humores. A doença provém do domínio de um dos humores
que a sociedade futura será predominantemente depressiva sobre os outros. Hipócrates estabelece uma relação entre as
(Kehl, 2009). características físicas e o comportamento mental (Pringent,
No entanto, as palavras melancolia e depressão têm sido 2005).
empregadas corriqueiramente sem uma preocupação com um Ainda no século IV a. C., a noção de melancolia é
diagnóstico diferencial. Atualmente, a palavra melancolia revolucionada pelo Problema XXX 1. Trata-se de uma
tem sido substituída pela palavra depressão, causando, no monografia sobre a bílis negra, que é atribuída a Aristóteles.
nosso entendimento, uma grande confusão. Percebemos Aristóteles define a melancolia como um estado originário
que na nossa sociedade não encontramos um consenso em da bílis negra que corresponde aos homens de exceção, aos
relação ao termo depressão, uma vez que alguns autores a homens que são considerados gênios. Todos os que têm sido
associam à melancolia e outros defendem a necessidade de homens de exceção, os filósofos, os poetas, os artistas, são
uma distinção entre estas patologias (Moreira, 2002, Kehl, manifestamente melancólicos. Eles têm uma propensão a
2009 e Lambotte, 2007). seguir a imaginação que é inseparável da memória. Desta
Nesse contexto, nos interrogamos sobre a origem dessa forma, a partir de Aristóteles a melancolia é associada
confusão. O que tem desencadeado o aumento da depressão à imaginação (Klibansky, Panofsky & Saxl, 1964/1989;
e o que vem a ser a depressão? Trata-se de um estado ou de Prigent, 2005).
uma patologia? Qual a origem da depressão? Melancolia Clair (2005) afirma que a partir do século XIV a
e depressão são sinônimas? Como podemos pensar a acedia é associada à melancolia. Os sintomas da acedia e
melancolia e a depressão a partir da psicanálise? da melancolia se misturam. A acedia e a melancolia são
O objetivo deste artigo é compreender as especificidades originadas pelas faltas, pelos erros, pelo diabo que semeia a
da melancolia e da depressão e sua relação com a cultura dúvida e a incredulidade. As duas teorias estabelecem uma
a partir da psicanálise. Os objetivos específicos são: 1) relação do corpo com a alma.
percorrer a história e a evolução do conceito de melancolia A Renascença italiana é caracterizada pelo retorno aos
no Ocidente, apontando para o desaparecimento do termo escritos de Aristóteles e de Platão. De acordo com Földényi
melancolia nos manuais de diagnóstico psiquiátricos e a (2012) para Platão o delírio está associado ao poder divino.
sua difusão na depressão; 2) analisar os estudos freudianos Durante o sono o escolhido de Deus tem acesso a outro
acerca da melancolia e resgatar a importância desse conceito mundo. Ele é capaz de profetizar o futuro.
para a psicanálise; 3) ressaltar a importância do diagnóstico Antes mesmo do fim do século XVI, há uma
diferencial na condução do tratamento psicanalítico; 4) desmistificação dos prestígios relacionados à melancolia.
apontar as contribuições de Freud e dos psicanalistas Há uma dissociação entre a melancolia e a imaginação e
contemporâneos para a compreensão da melancolia e da também entre a genialidade e a melancolia. Nos séculos
depressão como sintomas do mal-estar na cultura. XVII e XVIII ganham relevo os males e as consequências
Neste trabalho, faremos um estudo bibliográfico sobre a que a melancolia engendra. A melancolia é definida como
melancolia e a depressão. Faremos um histórico da evolução uma patologia inquietante, ligada à imaginação devendo
do conceito da melancolia no Ocidente. Analisaremos as ser tratada.
contribuições freudianas em relação à melancolia. Por fim, No Romantismo o vocabulário da acedia reaparece, os
para compreendermos as diferenças entre a melancolia e a artistas românticos conciliam-se com certas características
depressão retomaremos as contribuições dos psicanalistas da melancolia antiga. No plano filosófico e literário, a
contemporâneos, particularmente, a posição de Lambotte melancolia é caracterizada como tédio, como falta de
(2007), que afirma que a melancolia é um tipo de afecção interesse pelo mundo externo, dor existencial, paralisia
dificilmente classificável e que tende a desaparecer nas psíquica, tristeza profunda, abatimento, desgosto, etc.
escalas de avaliação de humor da psiquiatria contemporânea,
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Melancolia e Depressão
No século XIX, com a instauração do saber psiquiátrico, a lugar, tais como pátria, liberdade, um ideal, etc.” (Freud,
melancolia é associada à doença mental. Para Prigent (2005) 1917[1915]/2006, p. 103). No luto, o indivíduo sofre porque
com o nascimento da psiquiatria começa-se uma análise dos perdeu o seu objeto de amor. O enlutado sofre, porque deseja
sintomas da melancolia. Esquirol (1838) e Pinel (1856) a o objeto de amor, que está ausente. O luto é uma perda real,
definem como uma mania, uma loucura caracterizada por um em função disso, é fácil compreender que a pessoa enlutada
delírio parcial com uma tendência triste ou opressiva. Para não tenha vontade de fazer nada. Na melancolia encontramos
Esquirol (1805) não somente as paixões são as causas mais as mesmas características do luto profundo, no qual houve a
comuns da alienação mental, mas ela tem com essa doença perda real de uma pessoa amada. Porém na elaboração normal
e suas variedades, relações de semelhança extraordinária. do luto, espera-se que a pessoa enlutada retire todo o seu
Segundo Esquirol (1838), a palavra melancolia, consagrada investimento libidinal do objeto perdido. Isso demanda do
na linguagem vulgar para exprimir o estado de tristeza de enlutado um grande dispêndio de tempo e energia. No caso
qualquer indivíduo, deve ser deixada aos moralistas e aos da melancolia é como se houvesse uma negação da realidade
poetas, que em suas expressões não são obrigados a tanta exterior e a pessoa se agarrasse ao objeto por meio de uma
seriedade quanto os médicos. Esquirol (1838) propõe o termo psicose alucinatória de desejo. A melancolia pode ser uma
monomania que designa um estado anormal da sensibilidade reação à perda de um objeto amado, mas pode ser também
física ou moral, com um delírio circunscrito e fixo. Para uma reação a uma perda idealizada, na qual o objeto de amor
Esquirol, a monomania é mais frequentemente de origem não morreu, mas foi perdido enquanto objeto de amor.
hereditária, sendo fortificada pelos vícios da educação, e Até aqui, parece que uma das diferenças fundamentais
também por causas morais (Clair, 2005). em relação à perda no luto e na melancolia, refere-se
Esse fato marca o início da substituição, e ao fato de que no luto a perda pode ser nomeada. No
consequentemente, confusão dos termos melancolia e luto, trata-se de uma perda consciente, ao passo que na
depressão. De acordo com Berrios (2012), o que facilitou a melancolia, trata-se de uma perda inconsciente, portanto
remodelação da melancolia e a predominância do conceito não simbolizada. Interessa-nos investigar o que impede
de doença depressiva foram os estudos de Esquirol (1805, a elaboração da perda na melancolia, uma vez que Freud
1838) que ao fazer a distinção entre melancolia e depressão, (1917[1915]/2006) ressalta que existe uma predisposição
enfatizou a natureza afetiva primária da doença. Ainda patológica para o desenvolvimento da melancolia. Freud
segundo Berrios (2012), a palavra depressão já aparece nos esclarece: “Entretanto, em algumas pessoas – que por isso
dicionários médicos em 1860. suspeitamos portadoras de uma disposição patológica – sob
No século XIX muitos escritores associam melancolia e as mesmas circunstâncias de perda, surge a melancolia, em
memória. Freud (1917[1915]/2006) renunciou a aproximar vez do luto” (Freud, 1917[1915]/2006, p. 103).
a mania da depressão, preferindo associá-la a um destino Como o narcisismo é uma das condições fundamentais
subjetivo. Freud estuda as histéricas e compreende que para a constituição do eu, partimos do pressuposto de que
a doença está ligada a um passado distante. Para Freud há uma falha narcísica na constituição do eu, no sujeito
(1917[1915]/2006) a melancolia é uma psiconeurose melancólico. Sabemos que o eu não é dado à priori. Ele é
narcísica. constituído no decorrer do desenvolvimento. O bebê nasce
desprovido de condições básicas para a sobrevivência. É
necessário que alguém exerça a função materna, ou seja,
O sentido da melancolia na psicanálise propicie os primeiros cuidados, garantindo segurança e
conforto ao recém-nascido para que ele possa desenvolver
Freud (1895/1996c), afirma que o afeto que corresponde o seu eu.
à melancolia é o luto, o desejo de recuperar algo que foi Nos Três ensaios da teoria da sexualidade (Freud,
perdido. Trata-se de uma perda pulsional, da perda da libido. 1905/1996g), o eu é concebido como lugar pulsional. A
Para Freud, no caso da melancolia é como se houvesse um princípio, a atividade sexual apoia-se nas funções que
buraco na esfera psíquica. Esse buraco nos faz pensar em servem à preservação da vida, às pulsões de autoconservação.
algo que não pôde ser representado. Posteriormente, a necessidade de satisfação sexual dissocia-
N o t e x t o “ S o b re a t r a n s i t o r i e d a d e ” F r e u d se da fome, tornando-se independente. Existem fases do
(1916[1915]/1996f) tece considerações sobre a dificuldade desenvolvimento psicossexual nas quais o prazer percorre as
de um poeta, que ao apreciar a beleza da natureza era invadido zonas erógenas, localizadas no corpo do indivíduo, desde o
por um sentimento de tristeza, por constatar que tudo o que nascimento. Cada estágio do desenvolvimento psicossexual
é belo é transitório, uma vez que, está condenado a finitude. fornece uma possibilidade de fixação. A disposição à neurose
Freud conclui que o medo da perda leva o poeta a introjetar está relacionada à possibilidade de fixação em uma das fases
o objeto, se identificando com ele. Neste sentido, ele se perde do desenvolvimento psicossexual.
com o objeto tornando-se também transitório. Os primeiros contatos da mãe com o bebê possibilitam
Freud (1917[1915]/2006) opta por relacionar a melancolia a erogeneização do seu corpo. Assim, o eu se constitui a
ao luto pelas semelhanças apresentadas nos dois quadros e partir da relação com o outro. Se existem falhas na relação
pelo fato de serem desencadeadas por circunstâncias de vida do bebê com o outro, por uma insuficiência ou ineficiência
parecidas. Bom, mas o que seria então a melancolia? O que de quem faz a função materna, ou ainda, algum problema
a diferencia do luto normal? no próprio aparelho sensório do bebê, pode haver um
Para Freud: “O luto é, em geral, a reação à perda de uma desenvolvimento precário da sua personalidade. De acordo
pessoa amada, ou à perda de abstrações colocadas em seu com Winnicott (1958/1983), se a mãe é suficientemente
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boa, se ela consegue propiciar ao bebê o suporte necessário acrescenta: “a predisposição à afecção melancólica (ou uma
às suas necessidades básicas, às vivências relacionadas ao parte dela) é derivada da predominância da escolha objetal
período de dependência absoluta, o bebê consegue passar do tipo narcísico” (p. 109). Há uma substituição do amor
dessa fase para a dependência relativa, na qual consegue depositado no objeto por uma identificação com o objeto “a
vivenciar as ausências da mãe de uma forma criativa. O sombra do objeto caiu sobre o Eu” (Freud, 1917[1915]/2006,
bebê pode encontrar nos objetos que lhe são familiares, p. 108).
que Winnicott denomina transicionais, traços ou marcas da Freud (1914/2004) explica que uma das condições que
imagem materna, que lhe possibilitam vivenciar a ausência faz das pessoas narcísicas as mais atraentes não é apenas de
da mãe de forma menos traumática. natureza estética, mas a grande atração que elas exercem
Segundo Lazzarini e Viana (2010): “É o outro que sobre aqueles que renunciaram ao pleno exercício de seu
concede e possibilita o nascimento do corpo do sujeito e, próprio narcisismo. Dessa forma, numa escolha objetal de
portanto, a constituição do seu eu” (p. 273). As ausências da tipo narcísico, o objeto de amor será à imagem e semelhança
mãe são sentidas pela criança como uma falta, uma vez que do eu, ou pela transformação do indivíduo num ideal, no
mostram para a criança que a mãe possui outros interesses qual o objeto de amor será alguém que seja capaz de amar,
além dela, que existe um mundo fora dela. A presença do pai de elevar a autoestima do eu.
e/ou a ausência da mãe são fundamentais na constituição do Parece que o mecanismo fundamental para a predisposição
sujeito como um ser desejante, um ser da falta, que necessita à melancolia é a fixação da libido no estágio do narcisismo.
do outro para se constituir. Ao se deparar com a perda, real ou ideal, o melancólico
No trajeto da libido, das zonas erógenas até a genital regride a um estágio anterior no seu desenvolvimento,
há um patamar em que o investimento incide sobre o eu, no qual houve uma ferida narcísica, ficando paralisado,
unificando os objetos parciais do autoerotismo. A fase impossibilitado de realizar o luto, uma vez que há uma
narcísica tem uma atividade autoerótica. Sua importância retração da libido de volta ao eu. O melancólico se identifica
consiste no fato de efetivar a constituição do eu pela com o objeto perdido.
inauguração de um objeto tomado como total (Sarmento,
2008). Dessa forma, o narcisismo é um estágio normal e
indispensável do desenvolvimento do indivíduo. No entanto, Melancolia e morte
muitas pessoas demoram muito tempo nesse estágio, sendo
muitas características dessa fase transportadas para as fases Freud (1917[1915]/2006) ao teorizar sobre a melancolia
posteriores de seu desenvolvimento. Nesse caso, podemos cria a categoria das psiconeuroses narcísicas para explicá-la.
dizer que houve uma fixação no narcisismo, o que pode, A melancolia é uma neurose narcísica, caracterizada por um
posteriormente, predispor o indivíduo a algum tipo de conflito entre o eu e o supereu, e que pode assumir formas
enfermidade. diversificadas de representação clínica. Ao tentar diferenciar
Para Freud (1914/2004) o narcisismo primário designa a neurose da psicose, Freud (1924[1923]/1996d) pontua:
um estado precoce no qual a criança investe toda a sua Podemos provisoriamente presumir que tem de haver
libido em si mesma, ou seja, toma a si mesma, como objeto também doenças que se baseiam em um conflito entre o
de amor. O narcisismo primário é, portanto, necessário à ego e o superego. A análise nos dá o direito de supor que a
constituição do eu. Já o narcisismo secundário corresponde melancolia é um exemplo típico desse grupo, e reservaríamos
à retirada do investimento libidinal do mundo exterior e o nome de ‘psiconeuroses narcísicas’ para distúrbios desse
ao redirecionamento dessa libido de volta para o eu. Freud tipo (pp. 169-170).
(1914/2004) esclarece: “Assim, esse narcisismo, que se De acordo com Lambotte (2007), as neuroses narcísicas
constitui ao chamar de novo para si os investimentos são caracterizadas pela perda da estima de si, pela perda de
anteriormente depositados nos objetos, pode ser concebido interesse pelo mundo exterior e por uma falha, ou ferida,
como um narcisismo secundário, superposto a outro, própria à constituição narcísica do sujeito. Assim, as neuroses
primário” (p. 98). As afecções narcísicas representam um seriam caracterizadas por um conflito entre o eu e o id, as
excesso de investimento no eu. psicoses por um conflito entre o eu e a realidade e as neuroses
Freud (1917[1915]/2006) relaciona o narcisismo às narcísicas por um conflito entre o eu e o supereu.
causas da melancolia. Freud explica que, a princípio, houve Ao estudarmos a melancolia nos deparamos com
uma forte fixação no objeto erótico. No caso da melancolia sintomas que a aproxima dos quadros clínicos de psicose. O
parece ter havido uma fixação no estágio infantil do predomínio da realidade interna sobre a realidade externa,
narcisismo devido a uma situação sucedida no início do fazendo com que o indivíduo se isole da sociedade, voltando-
desenvolvimento libidinal e que tenha rompido com algum se para si mesmo, a gravidade dos seus sintomas, a presença
laço afetivo importante. A escolha objetal do melancólico foi de conflitos de ambiguidade e de componentes sádicos nas
feita sobre base narcisista. Assim, a melancolia é um tipo de suas relações e a sua proximidade com a morte, ressaltam
escolha objetal que regride ao narcisismo primitivo. os seus perigos e o seu poder destrutivo.
Nas pessoas cujo desenvolvimento libidinal sofreu Aqui se impõe uma questão extremamente relevante
perturbações, como no caso dos homossexuais e dos para compreendermos a estrutura melancólica e as suas
perversos, a escolha do objeto de amor não passa pela imagem características destrutivas. Por que essa proximidade do
da mãe, mas pela sua própria imagem. Eles fazem um tipo de melancólico com a morte? Como explicar a sua tendência ao
escolha de objeto que Freud denomina narcísico, tomam-se masoquismo e ao suicídio? Por que na melancolia o supereu
a si mesmo como objeto de amor. Freud (1917[1915]/2006) se volta contra o eu de forma tão cruel, mortífera?
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Melancolia e Depressão
Para Freud (1917[1915]/2006), o eu só pode se condenar O bebê estabelece uma relação de causa e efeito entre a
à morte a partir do momento em que trata a si mesmo como realização alucinatória do desejo e a experiência da satisfação.
um objeto, um objeto para o qual o eu dirige toda a sua É o narcisismo dos pais em relação aos filhos que possibilita
hostilidade. De acordo com Edler (2008): a constituição do eu, uma vez que esse banho narcísico,
“Tal hostilidade se volta ao próprio eu do sujeito numa erogeneizado, faz com que a criança sinta-se desejada. A
espécie de confusão entre ele e o objeto. Como resultado mãe, ou seu substituto, ao interpretar as necessidades do bebê
dessa ação sádica, temos o ato suicida, a destruição do eu, colabora para a construção da sua imagem corporal. Se há
pela identificação inconsciente com o objeto. O eu trata a um investimento precário ou excessivo da mãe a constituição
si mesmo como trataria o objeto do seu amor ambivalente” da identidade do bebê será prejudicada.
(p. 37). Com o conceito de ‘mãe morta’ Green (1988), nos
Quando há a regressão narcísica o objeto se revela mais possibilita compreender a estrutura narcísica. “A mãe morta
poderoso do que o eu. No caso em que predomina o sadismo é, portanto, ao contrário do que se poderia crer, uma mãe
dirigido ao objeto, ele se volta para o eu, que sob a ação do que permanece viva, mas que está, por assim dizer, morta
supereu tenta direcioná-lo à autoextinção. O suicídio é uma psiquicamente aos olhos da pequena criança de quem ela
passagem ao ato, expressa uma dificuldade de simbolização. cuida” (p. 240). No caso em que o bebê se depara com a
Em Dostoiévski e o parricídio (1928[1927]/1996b), Freud mãe morta, depois que ele lutou contra a angústia de diversas
atribui a melancolia do escritor como derivada dos seus maneiras, haverá um desinvestimento do objeto materno e a
desejos parricidas. identificação inconsciente com a mãe morta. A libido desvia-
O sentimento de culpa e o desejo de punição presentes na se dos objetos e volta-se para o eu.
melancolia estão associados à ambivalência de sentimentos Green (1988) ressalta que na melancolia há uma
vivenciados em relação às figuras parentais, ainda no decorrer articulação necessária a ser encontrada entre o narcisismo e
do complexo de Édipo. O indivíduo desejou a morte da figura a pulsão de morte. Na melancolia predomina o narcisismo
parental, por isso ele se culpa. O melancólico é atacado por negativo. O eu encontra nele mesmo um objeto de amor, por
seu próprio supereu. O eu do melancólico é extremamente meio do investimento libidinal no eu. O narcisismo permite
autocrítico, ele se julga o pior dos humanos e se condena à a ilusão da realização unitária, pela via da identificação
morte. Humilha-se diante de todos, colocando-se como uma imaginária. Desta forma, no narcisismo o eu procura ser
pessoa indigna. Ao delírio de inferioridade, junta a insônia, a amado como seu próprio ideal.
inapetência e as pulsões de autodestruição. As autoacusações Podemos dizer que existem dois tipos de escolhas
do melancólico têm um sentido, revelam o seu estado amorosas: a escolha objetal, pautada nas primeiras relações
patológico e o predomínio da pulsão de morte. O que revela objetais, na qual o eu torna-se sujeito de investimento e, a
o caráter patológico desse comportamento do melancólico segunda, a escolha narcísica, apoiada na sua própria imagem,
é a forma que ele faz essas autoacusações, o fato de não se na qual o eu torna-se seu próprio objeto de investimento.
envergonhar e o fato de se sentir satisfeito. No caso da melancolia, podemos afirmar que predomina
O comportamento do melancólico, as suas autoacusações, a escolha narcísica, na qual o eu se constitui no próprio
a depreciação do sentimento de si, a sua desvalorização e investimento amoroso.
sua expectativa de punição nos levam a afirmar que, o que Assim, para o desenvolvimento da melancolia enquanto
se perdeu para o melancólico foi o próprio eu. O eu foi uma patologia fazem-se necessárias algumas condições: a
destruído pelo objeto amado/odiado: “a sombra do objeto precariedade da relação mãe-bebê, que pode ser compreendida
caiu sobre o Eu” (Freud, 1917[1915]/2006, p. 108). Assim, pela presença da ‘mãe morta’, que dificulta a constituição
a melancolia coloca em evidência a pulsão de morte, por do eu; a predominância da escolha narcísica, que resulta no
meio de um ideal do eu cruel, a ponto de assassinar o sujeito investimento na própria imagem como objeto amoroso; a
(Freud, 1923/1996a). Hassoun (2002) evoca a crueldade identificação com o objeto de amor perdido e a destruição do
na subjetivação melancólica, revelando que a identificação objeto amado/odiado por um supereu extremamente rígido.
narcísica do sujeito com o objeto perdido implica na sua Como vimos, na melancolia a ação da pulsão de morte torna
tentativa de destruição. o supereu extremamente forte e cruel a ponto de destruir o
De acordo com Green (1988), o narcisismo é uma eu. Nesses casos, o manejo clínico exige do analista uma
teorização deixada em suspenso por Freud. O narcisismo atenção especial no que diz respeito à crueldade e violência
primário não pode ser compreendido como um estado, do melancólico consigo mesmo.
mas sim como uma estrutura. No início da vida psíquica,
o eu é investido de pulsões, sendo em certa medida, capaz
de satisfazê-las por si mesmo. Este estado é denominado A melancolia e a depressão na psicanálise
narcisismo e esta maneira de obter a satisfação, autoerótica.
No autoerotismo o corpo toma o lugar do mundo externo. Moreira (2002), ao analisar a evolução dos estudos
Green aponta que “a característica do narcisismo absoluto é freudianos sobre a melancolia mostra que desde o início de
a procura de um nível zero de excitação” (1988, p. 123). Para seus trabalhos Freud distingue a melancolia da depressão.
Green (1988), o desejo é o movimento pelo qual o sujeito é Freud (1895/1996c) afirma que a melancolia é acompanhada
descentrado, no qual a busca pelo objeto de satisfação leva de uma anestesia sexual psíquica, na qual o indivíduo não
o sujeito a perceber que o seu centro está fora de si, num apresenta desejo sexual. Em relação à depressão, ele a
objeto que lhe falta. Quando o bebê vivencia a sua primeira aproxima da neurose de angústia. De acordo com Moreira
experiência de falta há a realização alucinatória do desejo. (2002), houve um afastamento da metapsicologia freudiana
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no interior da própria psicanálise. O termo melancolia pelo trauma, em que o excedente pulsional escoa por meio
desapareceu do Manual diagnóstico e estatístico de da ação.
transtornos mentais, 4a edição, da Associação psiquiátrica Kehl (2009) afirma que a desesperança no melancólico
americana e da Classificação de transtornos mentais e de está relacionada com o fato de o Outro, em sua primeira
comportamento da CID-10, da Organização Mundial de versão imaginária (materna), não ter conferido ao recém-
Saúde. Essa dissolução da melancolia na depressão tem nascido um lugar em seu desejo. Assim, o melancólico
sérias consequências teóricas e clínicas, uma vez que faz ficou preso num tempo morto, no qual o Outro deveria ter
desaparecer traços distintivos da própria dinâmica psíquica comparecido, mas não compareceu. No caso do depressivo, o
dos pacientes melancólicos, sobretudo, os impulsos tempo morto funciona como um refúgio contra as exigências
destrutivos e o sentimento de culpa. Essa indiferenciação das demandas do Outro. No depressivo, parece que o Outro
entre melancolia e depressão traz inclusive problemas no compareceu em excesso, não deixando espaço para a falta,
estabelecimento da direção do tratamento. o que dificulta a capacidade de sonhar.
Delouya (2001) pontua que a depressão não consta entre Fédida (2002) faz uma correlação da depressão com a
os quadros clínicos clássicos da psicanálise e nunca ocupou vivência do tempo e levanta a hipótese de que “a depressão
um lugar de destaque entre seus temas. Freud fala em estados é um afeto cuja característica seria a alteração do tempo, a
depressivos. O que significa que a depressão pode estar perda da comunicação intersubjetiva e correlativamente, um
presente em qualquer estrutura clínica. extraordinário empobrecimento da subjetividade” (p.11).
Segundo Lambotte (2007), a melancolia é uma patologia Fédida afirma que a depressividade faz parte da vida psíquica,
narcísica diferente da depressão. A falta de interesse pelo é necessária para o desenvolvimento da criatividade. De
mundo exterior representa um dos sintomas principais acordo com Fédida (1999/2003) a depressão é caracterizada
tanto da depressão quanto da melancolia. No entanto, na por uma falha na simbolização da ausência. Para Kehl (2009)
depressão, o sujeito se desinteressa do mundo externo em no caso da depressão enquanto uma posição, a criança
função de um acontecimento real, traumático, como o luto, foi excessivamente atendida por uma mãe extremamente
dificuldades profissionais, separações, etc. O desinteresse cuidadosa, uma vez que a mãe compareceu antes mesmo que
pelo mundo externo é necessário para a elaboração do a criança pudesse perceber a falta, o que dificultou a vivência
acontecimento traumático. Representa um investimento da ausência. Neste caso, a criança abriu mão do seu desejo em
de energia na tentativa de elaboração, de resolução de uma função do desejo do Outro. Daí a pobreza imaginária desses
situação traumática, difícil. Além disso, a depressão não está pacientes, a incapacidade de sonhar, de acreditar num futuro
relacionada a uma falha narcísica. melhor, de fazer planos.
Para Pinheiro (2005) o melancólico não perdeu o objeto, Para a psicanálise tanto a melancolia quanto a depressão
mas perdeu-se no objeto. Quando o depressivo fala do que estão relacionadas com a perda. Para Freud a depressão está
perdeu, refere-se a uma perda do que ele foi um dia, uma vinculada a um afeto, sintoma ou estado que envolve tristeza,
perda de si mesmo. Na depressão também há uma perda, desgosto, inibição e angústia. Já a melancolia está associada
mas uma perda da imagem de si, uma perda que se deu num a um estado inconsciente de impossibilidade de elaboração
tempo que não volta mais. do luto, uma neurose narcísica. A psicanálise se volta para
Moreira (2008) ao analisar a diferença entre a melancolia a compreensão da singularidade da vivência da perda e sua
e a depressão retoma o pensamento aristotélico de que a significação subjetiva. Neste sentido, o trabalho psicanalítico
melancolia é inerente aos homens de exceção, faz parte da nos permite resgatar a possibilidade da vivência da perda e
sua natureza. Neste sentido, na época clássica a melancolia possivelmente elaborá-la, o que exige um trabalho cuidadoso
era compreendida não apenas como uma patologia, mas como de rememoração.
uma posição subjetiva. Essa análise amplia a concepção da Na atualidade a vida cotidiana é preenchida com inúmeras
melancolia. atividades, que exigem do indivíduo uma organização rígida
Moreira (2008), Berlinck e Fédida (2000) propõem em relação ao uso do tempo. Uma das características da
que a culpa e o conflito são elementos diferenciadores da nossa sociedade é a hiperatividade (Lipovetsky, 2004). Esse
melancolia. Na depressão o conflito não se dá entre o ego excesso de ações impede que o sujeito possa vivenciar as
e o superego, daí a ausência de culpa. O conflito se dá suas experiências de forma tranquila. Não há mais tempo
entre o ego e o ideal de ego. O vazio ao qual se referem os para refletir, relembrar, rememorar, assim como também
deprimidos parece ser o vazio de não realizarem os ideais não há mais espaço para a dor, o sofrimento e a angústia. O
inerentes à cultura do narcisismo, uma cultura que determina indivíduo é convidado o tempo todo a reagir rapidamente
um superinvestimento no eu, no consumo, na aparência às experiências de perda, o que acaba dificultando e muitas
(Lasch, 1983). vezes impedindo a elaboração do luto. Os estados de
Assim, segundo Moreira (2008), o pensamento ou depressão são banalizados, generalizados e medicados, uma
ruminação presente na melancolia e que acionava todo o vez que alguns médicos, inclusive alguns psiquiatras não têm
processo criativo dos homens de exceção, é substituído pela mais tempo para observar e escutar os pacientes. No entanto,
compulsão, presente na depressão, consumo de drogas, o uso inadequado ou excessivo dos medicamentos contribui
objetos, alimentos, etc. Enquanto no estado de subjetivação para a “desresponsabilização” do sujeito em relação à sua
melancólico, característico dos homens criativos, filósofos, dor. Se o problema da depressão é considerado endógeno,
predominava a simbolização, na depressão temos o vazio, a devendo ser medicado, não há nada mais a fazer, a não ser
impossibilidade de lidar com a frustração. Assim, as novas tomar passivamente a medicação e esperar o seu resultado.
patologias são pobres de simbolização, são caracterizadas A medicalização da tristeza ou do luto impede a elaboração
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Melancolia e Depressão
do trauma, interfere na capacidade criativa e na construção das patologias contemporâneas, denominadas psicopatologias
de novas referências. do vazio, narcísicas. Constatamos que no caso das patologias
Na contemporaneidade, o aumento dos diagnósticos narcísicas o modelo narcísico-melancólico, desenvolvido
de depressão parece sinalizar um descompasso entre as por Green, se mostra mais adequado para a compreensão
exigências sociais como a valorização da hiperatividade das patologias contemporâneas. No entanto, não devemos
e do consumo desenfreado e a necessidade de tempo abandonar nem o modelo neurótico, nem o paranoico na
necessária para a elaboração psíquica. Na nossa sociedade análise dos processos de subjetivação, uma vez que um
nos deparamos com uma cultura que supervaloriza o modelo de entendimento do psiquismo não exclui o outro.
individualismo, o consumo, o culto ao corpo e o mundo Concluímos que a psicanálise se constitui como um
das imagens, o que propicia o surgimento das patologias discurso importante na compreensão dos problemas sociais
narcísicas. Assim como a melancolia foi uma forma de e culturais da sociedade contemporânea. Quando Freud criou
expressão do mal-estar no século XIX, a depressão tem sido a psicanálise prevaleciam valores fundamentados em grandes
considerada o mal-estar do século XXI. ideais e que privilegiavam a coletividade. A figura paterna
No entanto, faz-se necessário diferenciarmos esses ocupava um lugar central, o que de certa forma regulava o
quadros clínicos, uma vez que a melancolia consiste numa desejo e dava um mínimo de conforto ao indivíduo. Já na
patologia na qual nos deparamos com uma destruição do nossa condição de vida pós-moderna constatamos a crise
eu. Nossos profissionais de saúde devem estar atentos da paternidade, o que facilita a proliferação da cultura do
aos aspectos clínicos analisados por Freud em relação narcisismo, com um investimento no individualismo, na
à melancolia, devem tomar cuidado ao diagnosticar um competitividade e no consumo. Na contemporaneidade
paciente, uma vez que o diagnóstico é o ponto de partida na constatamos uma precariedade na constituição do superego.
condução do processo terapêutico. Não existem mais leis capazes de frearem o desejo do ser
Em trabalho anterior (Mendes, 2013), constatamos humano. Nossa sociedade padece da falta de limites que
que a melancolia é uma patologia narcísica, mas também culmina no aumento da violência não apenas nas classes
um sintoma de uma sociedade que supervaloriza o menos abastadas, mas nas famílias ditas ‘normais’.
individualismo. Acreditamos que as condições para a Nosso trabalho não tem a pretensão de esgotar o estudo da
emergência das patologias narcísicas, que por sinal tem melancolia e da depressão, muito menos das psicopatologias
aumentado na contemporaneidade, já estavam postas no contemporâneas. Considerando que as transformações
início do século XIX, com a instauração dos princípios que sociais, econômicas e culturais interferem na evolução da
desencadearam a Revolução Francesa, e consequentemente, subjetividade, causando uma mudança na estrutura dos
com as mudanças na organização dos laços sociais. sentimentos, sugerimos aos psicanalistas contemporâneos
Constatamos que na melancolia predomina um conflito um estudo mais aprofundado das patologias narcísicas,
entre o eu e o supereu, enquanto na depressão o conflito se dá que têm se colocado como um desafio para a psicanálise
entre o eu e o ideal do eu. A melancolia pode ser uma patologia contemporânea, a partir do modelo narcísico-melancólico.
narcísica, caracterizada por uma falha na constituição do Neste trabalho, concluímos que a depressão pode ser
eu, na qual predominam os impulsos destrutivos, podendo um estado, que pode aparecer numa estrutura neurótica ou
levar à destruição do eu, mas pode também ser uma posição psicótica, mas pode também ser uma posição assumida pelo
subjetiva, caracterizada pela capacidade de simbolização. No sujeito diante das demandas do Outro. A depressão pode ser
entanto, a depressão também pode ser uma patologia ou uma uma posição subjetiva do sujeito contemporâneo diante das
posição subjetiva acionada pela resistência às altas demandas demandas culturais que supervalorizam o individualismo
da sociedade que supervaloriza a produção, o consumo e o e a cultura do espetáculo. Diante de tais exigências, o
espetáculo. Nesse caso, o depressivo se vê impossibilitado depressivo fica paralisado, distanciado em relação ao seu
de atender às exigências sociais. O excesso de atividades e desejo, o que pode ser interpretado como uma resistência
exigências da condição de vida pós-moderna diminui a troca a essas demandas sociais. Neste caso, podemos articular a
de experiências e aumenta a pobreza interior, trazendo como posição depressiva como fruto de uma sociedade na qual
consequências um sentimento de vazio, o que dificulta o impera a exigência do gozo, uma sociedade que não tolera
processo de simbolização. a falta, a dor, o sofrimento. O depressivo se vê imobilizado
diante das possibilidades que as escolhas o envolvem. Ele
não sabe lidar com as perdas, fica paralisado. Sendo assim,
Considerações Finais a depressão pode se constituir como uma posição do sujeito
ou ainda como uma dentre outras patologias da condição de
Freud (1917[1915]/2006) ao teorizar sobre a melancolia vida pós-moderna.
questiona a famosa sentença de Esquirol (1905, 1938), As perdas, das ilusões, dos desejos ou a morte de um
que abandona o termo melancolia aos poetas e filósofos, ente querido, trazem além da dor, a certeza da finitude. Ao
empregando no seu lugar, o termo monomania. Freud retoma entrar em contato com qualquer tipo de perda, o indivíduo
o termo melancolia e a define como uma patologia, uma é confrontado com a situação de desamparo. A perda coloca
neurose narcísica. o indivíduo diante da castração, diante de um limite, de
Podemos inferir que ao criar a categoria das psiconeuroses uma impossibilidade da qual ele não pode ir adiante. Para
narcísicas para explicar a melancolia, Freud se dá conta da a psicanálise o desenvolvimento psíquico se dá por meio
insuficiência do modelo neurótico na análise dos quadros da vivência das frustrações e elaborações das perdas. A
melancólicos e dá os primeiros passos para a compreensão subjetividade na atualidade, atormentada pelo excesso do
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consumo e pelo acúmulo de objetos, impede que o sujeito Freud, S. (1996c). Manuscrito G. Melancolia. In Edição Standard
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defronta com a impossibilidade de perceber que a perda traz I, pp. 246-253). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original
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Nesse sentido, a psicanálise ao valorizar a escuta e o método Freud, S. (1996d). Neurose e psicose. In Edição Standard das
interpretativo abre a possibilidade de restituir ao sujeito Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. (Vol. V, pp.
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Aceito em 15.05.2014 n
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