2010VolIICapIIIp305 315FerreiraM.Q.
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Mário Quinta-Ferreira
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Geologia Aplicada
J.M. Cotelo Neiva, António Ribeiro, Mendes Victor, Fernando Noronha, Magalhães Ramalho
“Ciências Geológicas – Ensino e Investigação e sua História” - 2010
RESUMO
Abordam-se alguns aspectos da aplicação da Geologia de Engenharia ao estudo dos taludes e da sua
estabilidade com base na prática Portuguesa recente. São referidos casos de instabilizações ocorridas em
Portugal, realçadas algumas das suas principais características, bem como factores naturais e antrópicos
que estiveram na origem das instabilizações
PALAVRAS-CHAVE: taludes, estabilidade, geologia de engenharia.
ABSTRACT
The Engineering Geology study of the slopes and of its stability is presented, based on the recent
Portuguese practice. Examples of slope failures occurred in Portugal are referred, their main
characteristics are stressed both with the natural and human factors considered relevant for the occurrence
of the failure.
KEY-WORDS: slopes, stability, engineering geology
INTRODUÇÃO
A abordagem aqui efectuada pretende apresentar alguns aspectos em que a Geologia de Engenharia
tem contribuído para o estudo dos taludes e da sua estabilidade, com particular incidência para a realidade
portuguesa recente. Não se descrevem os métodos de cálculo da estabilidade nem os procedimentos de
estabilização que podem ser encontrados em diversos livros (e.g.: Hoek e Bray, 1981; Abrmson et al.,
2002; Vallejo et al., 2002; Hunt, 2005).
A evolução natural das vertentes (Gomes Coelho, 1979) tem sido ao longo dos tempos geológicos
um importante processo de modelação da superfície terrestre, tendo como principal motor a força da
gravidade. A instabilização tende a resultar dos processos geológicos, nomeadamente dos mecanismos de
alteração (Barros e Monteiro, 1997) e de erosão, sendo a instabilização frequentemente desencadeada por
uma ocorrência excepcional, tal como uma chuva intensa (Campos e Matos et al., 2002a; Borges e Correia,
2003; Roxo, 2004; Vazquez et al., 2004; Lemos e Quinta Ferreira, 2004a,b; Quinta Ferreira et al., 2005;
2006; Andrade e Saraiva, 2006; Barradas, 2008), um sismo ou mesmo uma intervenção humana, reduzindo
o factor de segurança para valores inferiores à unidade.
Nos taludes artificiais geralmente adopta-se a maior inclinação possível, desde que compatível com as
necessárias condições de segurança, em função do tipo de terrenos, da obra e da sua finalidade,
efectuando uma modificação drástica nas condições iniciais dos taludes, o que os torna mais susceptíveis
de instabilizar (Jeremias et al., 2004). Quando o espaço disponível, as condicionantes económicas, ou
outras exigências obrigam à utilização de inclinações elevadas, acima das condições mínimas de segurança
há que recorrer a medidas de estabilização adicionais e a estruturas de suporte que garantam a estabilidade
(Cardoso e Quintanilha de Menezes, 2006).
De entre os factores com importância na estabilidade dos taludes podemos considerar os factores
condicionantes ou passivos: geológicos, hidrogeológicos e geotécnicos, que são intrínsecos aos materiais
naturais, e os factores desencadeantes ou activos: cargas estáticas ou dinâmicas, mudanças nas condições
hidrogeológicas, factores climáticos e variações na geometria ou nos parâmetros resistentes dos terrenos
(Vallejo et al., 2002). O conjunto dos vários factores actuantes influenciam o comportamento dos
1 Professor Associado , Dep. Ciências da Terra e Centro de Geociências , Universidade de Coimbra. 3000-272 Coimbra. [email protected]
CLASSIFICAÇÃO
A enorme diversidade no tipo de rotura, na sua geometria, no volume envolvido, na distância
percorrida e na velocidade de movimento torna cada instabilização singular. A rotura dos taludes pode
ocorrer a escalas muito diversas, desde pequenas instabilizações sem consequências relevantes, até grandes
deslizamentos com efeitos catastróficos. A rotura implica apenas que ocorreu movimento, não
significando que este tenha parado.
A classificação dos tipos de rotura dos taludes pode ser efectuada com base na forma, na velocidade
e no movimento, tendendo as principais formas de movimento a ser dependentes das condições
geológicas do talude. No Quadro 1 apresenta-se uma classificação dos tipos de rotura dos taludes, enquanto
que no Quadro 2 se apresenta a classificação tendo em conta a velocidade e o movimento. No Quadro 3
procura-se relacionar as principais formas de movimento em função das condições geológicas do talude.
Quadro 1 - Classificação dos tipos de rotura de taludes.
Classificação Forma
Desmoronamento Queda livre. Rolamento. Ressalto.
Tombamento Flexural. Blocos.
Rotacional.
Deslizamento Planar ou translaccional:
blocos, cunhas, espalhamento lateral, detritos.
Avalanche Rocha. Detritos.
Fluxo Rocha. Detritos. Solo.
Soliflucção Superficial devido ao degelo.
Fluência Deformação lenta, mais intensa superficialmente.
Complexo Qualquer associação de formas.
Quadro 2 - Velocidade e movimento da rotura de taludes (baseado em Cruden e Varnes, 1996).
Velocidade Movimento Classificação
> 18 km/h Extremamente rápido Desmoronamento, avalanche e fluxo.
> 180 m/h Muito rápido
> 1,8 m/h Rápido Deslizamento.
> 13 m/mês Moderado
>1,6 m/ano Lento
>1,6 mm/ano Muito lento Fluência.
<1,6 mm/ano Extremamente lento
a) b)
Figura 1 – a) Fluxo de solos da Av. Elísio de Moura, Coimbra. b) Rotura por
basculamento de talude de escavação na EN242.
Volume II, Capítulo III - Geologia de Engenharia |307
As zonas com vertentes íngremes tendem a apresentar condições de segurança dos taludes difíceis de
compatibilizar com a sua ocupação. Em Almada, a estrutura geológica em monoclinal inclinando para sul,
gera uma falésia abrupta, enquanto que na margem norte, onde se implanta Lisboa, o declive é suave e a
mergulhar para o rio. A necessidade de ocupar a margem Sul do Tejo tem obrigado, ao longo dos anos, a
numerosos estudos e trabalhos de estabilização de modo a minorar os problemas de instabilização
essencialmente resultantes da evolução geomorfológica da arriba e da alteração dos materiais carbonatados
(Lamas e Rodrigues Carvalho, 1991; 2002; Rosa et al., 2000).
As características geológicas e as condições hidrogeológicas particulares podem também criar
condições propícias à instabilização em situações que aparentemente não o justificariam. Nestes casos a
presença de solos de baixa resistência ao corte e de condições hidrogeológicas capazes de gerar pressões
neutras elevadas são frequentemente as causas das instabilizações, que podem mesmo ocorrer em taludes
com uma inclinação reduzida (Roxo, 2004).
Roxo e Tareco (2006) relatam um outro caso muito singular em que as condições geológicas
estiveram na origem da instabilização de um talude constituído por rochas brandas/solos rijos tendo
causado elevados danos, obrigando à demolição do bloco de anexos com vários pisos, adjacentes ao Hotel
Estoril-Sol, em Cascais. Com base na prospecção por perfis de resistividade eléctrica e nas sondagens
mecânicas, concluíram da existência de um mecanismo complexo de rotura em resultado da ocorrência de
uma chaminé basáltica, em torno da qual o maciço mais deformável rodava.
A presença de filões com forte alteração tendem a degradar as condições de estabilidade (Barros e
Monteiro, 1997), o que é agravado por obras de escavação e pela precipitação intensa. Quando os maciços
rochosos se encontram alterados e as superfícies das descontinuidades possuem baixa resistência, a
recolha de amostras para ensaios de laboratório é bastante difícil. Uma alternativa para minorar esta
dificuldade é proposta por Pinheiro et al. (2003) e consiste na execução de estudos geotécnicos
pormenorizados de campo de modo a caracterizar com rigor as superfícies de escorregamento e efectuar
retroanálises das instabilizações para determinar as condições que estiveram na origem da rotura.
Diversos trabalhos abordam a caracterização de taludes xistosos que sofreram instabilização, ou o
estudo das características dos materiais (Valverde Miranda e Ramos, 1997; Andrade e Saraiva, 1999; Melo
et al., 2004; Saraiva et al., 2006; Andrade e Saraiva, 2008), bem como dos procedimentos e ensaios de
laboratório e da sua interpretação (Gomes, 1999). A análise de instabilizações por tombamento em xistos
é abordada nos trabalhos de Quinta Ferreira (2000) e de Andrade e Saraiva (2002).
Na região do Douro, a modelação da topografia para a cultura da vinha tem apresentado algumas
situações que geraram instabilizações (Vazquez et al., 2004; Leal Gomes et al., 2008). Sendo a região do
Douro Património Mundial há que concertar esforços para evitar a degradação da paisagem e das
estruturas tradicionais de socalcos da região, que muitas vezes estão na origem das instabilizações
verificadas.
A fracturação excessiva dos materiais rochosos resultante da utilização de explosivos durante o
desmonte dos taludes, originam danos nos maciços que, mais tarde, podem desencadear problemas de
estabilidade (Costa, 2000).
40
Precipitação mensal (mm)
150 1200
6 Jun 98
Precipitação (mm)
1000 18 Abr 98
30
(Av. Elísio
100 800 de M oura)
M édia (80,6mm)
20 27 Dez 00
600
50 400
10
200
0 0
A S O N D J F M A M J J 0
A S O N D J F M A M J J
Meses Meses
a) b)
Figura 2 – a) Precipitação mensal (traços horizontais) e número total de deslizamentos por mês
(colunas), num gráfico de duplo eixo dos yy para a zona de Coimbra.
b) Precipitação acumulada para alguns anos hidrológicos com indicação de algumas datas de
instabilizações. O talude da Av. Elísio de Moura é assinalado com círculos maiores.
120 120
100 100
80 80
P-3 (mm)
P-3 (mm)
60 60
40 40
20 y = 24 20
y = -0,58x + 69 y = -0.61x + 41
0 0
0 50 100 150 200 250 300 350 0 50 100 150 200 250 300 350
P-15 (mm) P-15 (mm)
a) b)
Figura 3 – a) Precipitação acumulada nos 3 dias anteriores ao deslizamento (P-3), versus precipitação
acumulada nos 15 dias anteriores a esses 3 dias (P-15), para um mínimo de 3 deslizamentos em 72
horas; b) P-3 e P-15 para todos os deslizamentos registados.
OBRAS LOCALIZADAS
Para um adequado planeamento urbano há que ter em conta os problemas da estabilidade dos
taludes naturais conseguindo-se uma redução drástica do risco sempre que a ocupação é baseada no
conhecimento dos terrenos (Gomes Coelho, 1979). Numa área urbana os problemas de instabilização de
taludes e do seu tratamento podem ser muito diversificados, sendo bem exemplificados pelo trabalho de
Bogossian (1997), que apresenta um extenso relato de casos de obra resultantes da experiência de décadas
de trabalhos de estabilização das encostas da cidade do Rio de Janeiro.
Nas escavações necessárias para a execução das obras há muitas vezes necessidade de executar
taludes de elevada inclinação que tendem a propiciar a ocorrência de instabilizações. No trabalho de Pinto
et al., (2008) são relatados os principais critérios de concepção e de execução adoptados nas soluções de
estabilização de taludes de escavação com uma profundidade máxima de 50m, no Complexo Vulcânico de
Lisboa, com o objectivo de viabilizar a construção de um empreendimento comercial e das estruturas de
acesso. Tendo-se verificado algumas instabilizações foram preconizadas diversas soluções de contenção e
de estabilização, bem como um plano de instrumentação e observação, que segundo os autores, se
mostrou eficiente. As soluções de contenção constaram essencialmente de cortinas de estacas em betão
armado e de microestacas ancoradas ou travadas por contrafortes, de geodrenos e de betão projectado.
A ocupação urbana de antigas pedreiras em que não foi acautelada a estabilidade a longo prazo dos
taludes de escavação, tende a gerar graves problemas, que crescem com a proximidade aos taludes. As
quedas de blocos, o deslizamento de solos e de materiais de alteração são problemas frequentes. As
soluções de estabilização podem ser muito variadas procurando adequar-se às condições geológicas,
topográficas e aos processos de alteração e de instabilização. Xavier e Pina (2006) apresentam o exemplo
do Bairro da Pedreira Italiana, onde foram utilizados procedimentos como a colocação de redes de
protecção contra a queda de blocos, a execução de muros e de valas para retenção de blocos na base das
escarpas, o reperfilamento dos taludes com a criação de banquetas, a aplicação de betão projectado, a
colocação de pregagens e a drenagem.
O acidente de Vajont apesar de ter ocorrido fora de uma zona urbana, teve gravíssimas
consequências nas povoações a jusante da albufeira, tendo lançado um alerta mundial sobre a necessidade
de avaliar a estabilidade das vertentes das albufeiras. O estudo pormenorizado da estabilidade das
vertentes da albufeira da barragem de M´Jara em Marrocos (Mineiro, 1979) é um bom exemplo deste tipo
de estudos.
A preservação do património também pode passar pela estabilidade dos taludes tal como se deduz da
necessidade de preservar as Muralhas de Santarém (Neves et al., 2002). Um outro exemplo bastante
interessante é dado por Ludovico Marques e Costa (2006) que analisam a estabilidade dos taludes
rochosos das gravuras rupestres do vale do Côa. A abordagem utilizada procura encontrar as soluções de
estabilização, em muitos aspectos com uma interface entre as obras de conservação e restauro e as obras
geotécnicas, de modo a minimizar os problemas de instabilização essencialmente devidos ao basculamento
e à influência nefasta da água nas diaclases.
OBRAS LINEARES
As obras lineares tendem a apresentar elevado potencial para o desencadear de instabilizações, em
particular quando a topografia é íngreme, devido às modificações na geometria dos terrenos em resultado
das escavações e dos aterros necessários ao seu desenvolvimento. No que se refere às estradas as situações
mais correntes de instabilização tendem a ocorrer em resultado da escavação dos taludes em conjunto
com outras causas de que se destaca o aumento das pressões de água (Lemos, 1991; Ballesteros et al.,
1995; Jeremias et al., 2004; Vazquez et al., 2004; Roxo, 2004; Quinta Ferreira et al., 2005; 2006; Andrade e
Saraiva, 2006; Barradas, 2008).
As obras rodoviárias em terrenos com uma forte componente argilosa tendem a apresentar
ARRIBAS LITORAIS
Os problemas de instabilização das arribas litorais tendem a diferenciar-se dos restantes fenómenos
de deslizamento pois que a acção do mar se traduz principalmente pela erosão da sua base, sendo tanto
mais efectiva quanto mais erodíveis forem os materiais das arribas e mais activas as ondas e as correntes
marítimas litorais.
O recuo das arribas tem originado problemas de instabilidade cujas consequências são agravados
com a ocupação antrópica (Marques e Romariz, 1991; Marques, 2002), sendo relatadas para o litoral do
Algarve taxas de recuo desde alguns metros por ano, nos solos e rochas brandas, até alguns milímetros por
ano, nas rochas metamórficas mais resistentes. As instabilizações planares identificadas por Marques
(2002) na costa Algarvia, variaram entre superfícies com inclinação de 45º e superfícies entre 20º a 25º,
correspondendo estas últimas a superfícies com resistência próximo da residual.
OBSERVAÇÃO E INSTRUMENTAÇÃO
A observação e a instrumentação dos taludes são procedimentos de grande interesse prático pois
permitem acompanhar e compreender o seu comportamento, verificar se está de acordo com o
pretendido, permitindo prever a sua evolução e antecipar eventuais episódios de rotura. A utilidade da
instrumentação e da observação melhora com o aumento do intervalo de tempo durante o qual é
efectuada (Carvalho, 2000), possibilitando inferir o comportamento do talude no tempo, avaliar a
influência de factores externos ao talude, como é o caso da precipitação, e efectuar previsões com base
nos processos identificados como tendo influencia nos mecanismos de instabilização (Barradas, 2008).
De entre os equipamentos mais utilizados na observação e instrumentação dos taludes destacam-se
as marcas superficiais, os inclinómetros, os piezómetros e as células de carga. Por vezes a dimensão e
características dos trabalhos de estabilização obrigam a grandes investimentos na observação e
instrumentação tal como referem Pinto et al., (2008), que na estabilização de taludes de escavação no
Complexo Vulcânico de Lisboa, para a construção de um empreendimento comercial e das estruturas de
acesso, foram utilizados 47 inclinómetros, 77 alvos topográficos e 41 células de carga em ancoragens.
No trabalho de Dinis da Gama e Delgado (2006) apresenta-se o desenvolvimento de metodologias
probabilísticas de avaliação do nível de risco geotécnico permanentemente actualizáveis em função das
condições de pluviosidade da região, relacionadas com a previsão em tempo real, de instabilizações de
taludes adjacentes à via férrea, permitindo efectuar a telegestão do trafego ferroviário tendo em vista evitar
e minimizar danos e permitir estabelecer prioridades nas acções de manutenção.
AGRADECIMENTOS
O autor expressa o seu profundo agradecimento ao Professor João Manuel Cotelo Neiva pela
orientação científica e incentivo desde a licenciatura. A sua personalidade, o seu percurso académico e
profissional tem sido, e continuará a ser, uma fonte de saber e de inspiração.