Análise Fiorin

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INTRODUÇÃO

O trabalho será realizado com base no texto de José Luiz Fiorin, sobre
Elementos de Análise do Discurso.
O objetivo do trabalho é rever informações estudadas na disciplina de Língua
Portuguesa V, fixando informações acerca do percurso gerativo do sentido, nos níveis
Fundamental, Narrativo, Discursivo e de Manifestação. Desse modo, foram
selecionados dois textos com o tema "mulher", criados em períodos históricos bem
distintos um do outro, de modo que a visão de Dalton Trevisan, em "Apelo", e Martha
Medeiros, em "Mulherão", apresentam idéias diferentes sobre a função da mulher
dentro da sociedade.

DESENVOLVIMENTO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O trabalho será realizado com base no texto de José Luiz Fiorin, sobre
Elementos de Análise do Discurso. De acordo com José Luiz Fiorin, apud Profª Drª
Carme Regina Schons, "o texto pode ser abordado de dois pontos de vista
complementares: pela análise dos mecanismos sintáxicos e semânticos responsáveis
pela produção do sentido; pela compreensão do discurso como objeto cultural,
produzido a partir de certas condicionantes históricas, em relação dialógica com outros
textos". Desse modo, foram selecionados dois textos com o tema "mulher", criados em
períodos históricos bem distintos um do outro, de modo que a visão de Dalton Trevisan,
em "Apelo" (anexo 01), e Martha Medeiros, em "Mulherão" (anexo 02), apresenta
idéias distintas em períodos históricos distintos.
O Percurso gerativo de sentido analisa o nível abstrato do sentido, que leva em
conta o nível profundo ou fundamental, o nível narrativo e o nível discursivo; o nível da
manifestação, que analisa a sintaxe discursiva, apresenta no caso dos textos analisados a
instância do eu pressuposto, no papel dos escritores, do eu projetado, na voz dos
narradores, do tu pressuposto, representado pelo enunciatário, leitor, e do tu projetado,
representado pelo narratário "Senhora", como destinatário de uma correspondência.
Cada nível de leitura dentro do percurso gerativo tem o nível semântico e o sintático. A
semântico consta dentro da oposição.
Também serão observadas, nos textos, as metáforas utilizadas para criar
diferentes sentidos às expressões, favorecidos pela polissemia da língua portuguesa.
Assim, esse trabalho pretende analisar a relação na perspectiva da Análise do
Discurso entre os textos: “Mulherão”, crônica de Martha Medeiros, e “Apelo”, crônica
de Dalton Trevisan.

ANÁLISE

Os dois textos a serem analisados são semelhantes quanto ao tema proposto, uma
vez que ambos tratam do tema mulher, embora esse tema seja tratado de formas
distintas em cada um deles. Eles também se assemelham quanto à forma, pois os dois
são crônicas.
A criação do sentido de um texto, segundo José Luiz Fiorin leva em conta a
semiótica que concebe o seu plano de conteúdo sob a forma de um percurso gerativo de
sentido, que é estabelecido em três etapas. A primeira etapa do percurso recebe o nome
de nível fundamental; a segunda de nível narrativo e a terceira de nível de discursivo.
No caso dos textos analisados, no nível fundamental as categorias são
determinadas como positivas ou eufóricas e negativas ou disfóricas. Na crônica de
Martha Medeiros, a categoria é definida como eufórica, pois identifica as diversas
qualidade na mulher que trabalha e soma funções como dona-de-casa e mãe, porque
exigem mais do que já têm, buscando uma perspectiva de crescimento na qual pretende
agregar mais elementos essenciais à manutenção de sua atividade como mulher
batalhadora e mãe, em dupla jornada; em Dalton Trevisan, “Apelo”, “Senhora” é um
elemento disfórico, pois limita a mulher ao papel de dona-de-casa, escrava e submissa
ao homem, cuja falta só é sentida quando os afazeres domésticos se acumulam dias após
sua ausência: “Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde,
esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no
lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho”.
O texto de Martha Medeiros, no primeiro parágrafo, pode ser visto como
disfórico, pois limita a mulher às suas características físicas;

Peça para um homem descrever um mulherão.Ele imediatamente vai falar do


tamanho dos seios,na medida da cintura,no volume dos lábios,nas
pernas,bumbum e cor dos olhos.Ou vai dizer que mulherão tem que ser
loira,1,80m,siliconada,sorriso colgate.Mulherões,dentro deste conceito,não
existem muitas:Vera Fischer, Leticia Spiller,Malu Mader,Adriane
Galisteu,Lumas e Brunas.Agora pergunte para uma mulher o que ela
considera um mulherão e você vai descobrir que tem uma a cada esquina.
Ocorre, inicialmente, um momento de frustração na descrição do mulherão
identificado negativamente, mas o choque da identificação se desfaz quando a cronista
continua falando sobre as características do que ela considera ser um mulherão. O texto
é formado por predicativos, caracterizando o mulherão através de adjetivos e funções
que definem o que a mulher batalhadora, dona-de-casa e mãe necessitam para se
tornarem mulheres de verdade.
No texto “Apelo”, a mulher é representada através das funções que
desempenhava e que agora, com sua ausência não estão sendo feitas.

Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da
noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na
varanda, a todas as aflições do dia.

Os actantes dos textos são, respectivamente, o mulherão, e o narrador; e a


“Senhora” e o narrador.
A debreagem enunciativa em Martha Medeiros mostra um “ela”, através do
mulherão, num “hoje”, continuamente atualizado, pois a crônica é um texto atemporal; a
debreagem enunciativa em “Apelo”, mostra um “eu”, representado pelo narrador em
primeira pessoa, num “agora”, tempo em que o narrador sofre pela ausência da
“Senhora”, pois todas as atividades que eram exercidas por ela, agora estão pendentes,
num espaço limitado à casa.
Os dois textos são subjetivos, pois os dois cronistas incluem opiniões sobre o
objeto do texto: a mulher.
No nível discursivo, ficamos mais próximos da manifestação textual, pois, é aqui
que se desenvolve o tema dos textos que são expostos por meio de figuras (metáforas).
Diante disso, é interessante analisar detalhadamente a temática desses textos.
O “mulherão” de Martha Medeiros não é pejorativo, pois estabelece um laço de
poder e força oriundo da mulher que se supera todos os dias, mostrando a capacidade de
superar obstáculos.
Em “Apelo”, há um número bem maior de metáforas: o leite primeira vez
coalhou, a pilha de jornais ali no chão, um corredor deserto, o canário ficou mudo,
última luz na varanda, a todas as aflições do dia, violetas murcham, botão na camisa,
meia furada. Todos indicando a ausência e a relação morna, cuja paixão “murchou” e o
casal deixou de conversar.
No nível abstrato, em Martha Medeiros, há um elemento eufórico, pois todas as
mulheres são identificadas pelas superações, pelas conquistas e atividades
desempenhadas no dia-a-dia. Em Martha Medeiros, o elemento eufórico está na
ausência da senhora, pois pode representar a mudança da dona-de-casa e percepção de
seu mundo antes limitado e agora aberto pelo abandono da monotonia.
O verbo em primeira pessoa, “senti”, indica a debreagem, incluindo o eu-lírico
como actante destinador, que se utiliza das palavras para criar um quadro de
arrependimento do ser homem, que se vê dependente da mulher.
A crônica de Martha Medeiros é uma crítica à sociedade atual e a valorização do
corpo, mostrando que há outras características na mulher que devem ser valorizadas.
O texto de Dalton Trevisan, no nível abstrato, apresenta elementos disfóricos de
negação, pois destaca a visão machista do narrador, que só se dá conta da ausência da
mulher quando percebe o acúmulo de serviços prestados anteriormente. O nível
fundamental na produção desse texto leva em conta a oposição preconceito x revolta,
pois a “Senhora” se ausenta, provavelmente, pelo excesso de trabalho e falta de
reconhecimento. As contradições do universo patriarcal (machista), revelada pelo
narrador-protagonista, por meio de flashbacks, são resposta instantânea para esta
ausência. O leitor infere sobre o passado da personagem e se satisfaz, de uma certa
forma, com as explicações que são encontradas no texto. À falta delas, no entanto, é
completada com a própria experiência, abrindo caminho para as muitas inferências. A
percepção da mulher de que ela tem mais valor fora de casa é que provoca o
estranhamento no narrador, pois ele está tão acostumado a ter tudo pronto que nem se dá
conta da presença da mulher.
O texto de Martha Medeiros propõe uma reflexão para a própria mulher que
deve se ver como heróina, quando carrega uma família nas costas, quando trabalha fora,
quando é responsável pelos filhos, pelo marido, por ela mesma. No nível fundamental,
percebe-se que os valores da autora são diferentes do outro texto, em oposição à
manutenção da mulher dentro de casa, submissa e obediente. Martha Medeiros deixa
claro que há outros tipos de mulherão que devem ser valorizadas.
As palavras da cronista deixam claro que embora ela valorize todas as mulheres,
o verdadeiro “mulherão” é aquele que enfrenta uma luta a cada dia, sendo empresária,
mãe, dona-de-casa, estudante.
O ponto de vista em primeira pessoa, em Dalton Trevisan, é negativo, mostrando
o egocentrismo do narrador, pois enquanto a casa permanecia organizada, ele não se deu
conta da ausência da Senhora.
É interessante ressaltar que esses dois textos são escritos em épocas bastante
diferentes. Nesse sentido, a mulher de Martha Medeiros já saiu de casa há muitos anos
e, a cada dia, permanece mais tempo fora. A mulher moderna trabalha e estuda. Por
outro lado, a mulher de Dalton Trevisan é a singela dona-de-casa, que prepara o café
para o marido antes que ele saia para o trabalho, deixa o almoço pronto na hora certa e o
espera para o jantar. Assim, a debreagem temporal em Martha Medeiros é um agora,
bastante atual, mas em Dalton Trevisan essa debreagem é um ontem, remoto. De
qualquer modo, o fato narrado em “Apelo” não deixa de ser atual, uma vez que a dona-
de-casa submissa e obediente que não deixa o trabalho de casa atrasar continua a existir,
concomitante à existência da mulher que sai de casa e se torna dependente dela mesma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dois textos analisados, “O mulherão”, de Martha Medeiros, e “Apelo”, de


Dalton Trevisan, tratam do mesmo tema, mulher. Enquanto o primeiro se apresenta com
uma voz feminina, já que inicia dizendo que um homem descreveria o mulherão através
de suas características físicas, o segundo texto é apresentado por um narrador
masculino, que apela para que a senhora, que mantinha a casa em ordem volte.
A análise dos elementos de análise do discurso permite que se verifique a
trajetória da criação de um texto. No caso dos textos analisados, observa-se a posição
dos narradores que definem o tema descrito, vendo a mulher como a responsável pela
organização da casa, em “Apelo”, e a responsável por qualquer área na qual decida
atuar, em “O mulherão”. No primeiro caso, a mulher só faz falta quando se acumulam
os afazeres domésticos, no segundo, em qualquer momento em que deixe de atuar.
Através da hipérbole mulherão, Martha Medeiros abrange toda mulher que faz
diferença no setor em que atua, mesmo quando este setor é a própria casa. A senhora de
Dalton Trevisan representa a própria casa, da qual ela toma conta e com o que se
identifica. A visão da cronista é bastante positiva, enquanto que o escritor é percebido
como egocêntrico, pois tudo o que quer é o próprio bem-estar de volta, independente do
que quer e deseja a senhora.
ANEXO 01

Apelo

Dalton Trevisan

Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer
a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi
ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a
imagem de relance no espelho.

Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio
aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda
a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah,
Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o
perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.

Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem.
Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas
murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-
rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas
mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
ANEXO 02

O mulherão

Martha Medeiros

Peça para um homem descrever um mulherão. Ele imediatamente vai falar do


tamanho dos seios, na medida da cintura, no volume dos lábios, nas pernas, bumbum e
cor dos olhos. Ou vai dizer que mulherão tem que ser loira, 1,80m, siliconada, sorriso
colgate. Mulherões, dentro deste conceito, não existem muitas: Vera Fischer, Leticia
Spiller, Malu Mader, Adriane Galisteu, Lumas e Brunas. Agora pergunte para uma
mulher o que ela considera um mulherão e você vai descobrir que tem uma a cada
esquina.
Mulherão é aquela que pega dois ônibus por dia para ir ao trabalho e mais dois
para voltar, e quando chega em casa encontra um tanque lotado de roupa e uma família
morta de fome.Mulherão é aquela que vai de madrugada para a fila garantir matricula na
escola e aquela aposentada que passa horas em pé na fila do banco para buscar uma
pensão de 100 reais.

Mulherão é a empresária que administra dezenas de funcionários de segunda a


sexta, e uma família todos os dias da semana. Mulherão é quem volta do supermercado
segurando várias sacolas depois de ter pesquisado preços e feito malabarismo com o
orçamento. Mulherão é aquela que se depila, que passa cremes, que se maquia, que faz
dieta, que malha, que usa salto alto, meia-calça, ajeita o cabelo e se perfuma, mesmo
sem nenhum convite para ser capa de revista. Mulherão é quem leva os filhos na escola,
busca os filhos na escola, leva os filhos para a natação, busca os filhos na natação, leva
os filhos para a cama, conta histórias, dá um beijo e apaga a luz. Mulherão é aquela mãe
de adolescente que não dorme enquanto ele não chega, e que de manhã bem cedo já está
de pé, esquentando o leite.

Mulherão é quem leciona em troca de um salário mínimo, é quem faz serviços


voluntários, é quem colhe uva, é quem opera pacientes, é quem lava roupa pra fora, é
quem bota a mesa, cozinha o feijão e à tarde trabalha atrás de um balcão.Mulherão é
quem cria filhos sozinha, quem dá expediente de oito horas e enfrenta menopausa,
TPM, menstruação. Mulherão é quem arruma os armários, coloca flores nos vasos,
fecha a cortina para o sol não desbotar os móveis, mantém a geladeira cheia e os
cinzeiros vazios. Mulherão é quem sabe onde cada coisa está, o que cada filho sente e
qual o melhor remédio pra azia.

LUMAS, BRUNAS, CARLAS, LUANAS E SHEILAS: Mulheres nota dez no


quesito lindas de morrer, mas MULHERÃO É QUEM MATA UM LEÃO POR DIA.
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do Discurso. São Paulo: Ática, 1988.

MEDEIROS, Martha. O mulherão. Obtido em:


http://www.pensador.info/frase/NTIwMDk1/. Acessado em: 25/06/2009.

SCHONS, Carme Regina. Elemento de análise do Discurso. Material para aula de


Língua Portuguesa V.

STUBE NETO, Ângela. Língua Portuguesa V. Revisão: Percurso Gerativo do Sentido.

TREVISAN, Dalton. Apelo. Obtido em:


http://www.releituras.com/daltontrevisan_apelo.asp. Acessado em: 20/06/2009.

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