A Representação Feminina No Conto de Lygia Fagundes Telles
A Representação Feminina No Conto de Lygia Fagundes Telles
A Representação Feminina No Conto de Lygia Fagundes Telles
CHAMADA Revista
TEMÁTICA Diálogos
(RevDia)
R E S U M O:
PALAVRAS-CHAVE:
Esta pesquisa, bibliográfica, tem como objetivo analisar a
representação feminina da personagem Alexandra por meio da Lygia Fagundes Telles;
Crítica Feminista. Lygia Fagundes Telles conta a história de Um Coração Ardente;
Discurso do Privado;
uma mulher, prostituta e satisfeita com a sua realidade. Para esta
Crítica Feminista;
análise, além da Crítica Feminista, buscou-se dentro das Representação Feminina.
construções de Roger Chartier, que entende a realidade social
como uma construção cultural, corresponder as perspectivas
desta pesquisa. Em linhas gerais, a narrativa analisada aponta
como a representação da subversão e da liberdade do sujeito
pode refletir, significativamente, para a renovação de práticas e
cultura.
As autoras:
¹ Mestranda em Letras pelo Programa de Pós- Graduação em Letras: Cultura, Educação e
Linguagens, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0191-4045
² Professora Titular da Cadeira de Teoria da Literatura no Departamento de Ciências Humanas e
Letras (DCHL) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: [email protected] .
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3525-9413
1 Introdução
1
Segundo Adriana Barbosa (2011), linguagem labiríntica é: “uso da linguagem como espaço de
invenção e não de representação”(p.57). “O labirinto proposto nas narrativas analisadas requer uma
inteligência emocional: o discurso que desenha a trama é feminino e isso implica um discurso em desvio,
pouco objetivo, hesitante e incompleto.”(p.73)
Lygia Fagundes Telles, no conto “Um coração ardente”, permite que seja feita
uma análise da representação da personagem feminina, Alexandra, partindo das
confissões de um homem que se expõe sensível e vulnerável, mas obrigado, pela
cultura patriarcal, a se comportar como os homens tradicionais e machistas. É
importante anotar que, segundo Barbosa (2011), seria uma marca da escrita feminina,
A autora, quando representa um homem com uma outra vertente, não aquela
construída culturalmente, demonstra um confronto interno e social que se instala na
sociedade. E revela ao leitor que este personagem pode ser considerado como uma
forma simbólica já que para Chartier, levando em consideração o idealismo crítico,
“designa assim por <<forma simbólica>> todas as categorias e todos os processos
que constroem <<o mundo como representação>>.”( CHARTIER. 2002, p.19)
Partindo dessa breve análise do protagonista, foi possível reconhecer um
desvio intencional, feito por Lygia Fagundes Telles, quanto o papel social do gênero
masculino, pois este se abre às sentimentalidades que se tornou, segundo a cultura
patriarcal, um espaço reservado às mulheres. No entanto, identificar essas situações
não quer dizer que o protagonista não seja privilegiado. Ao contrário, quando Lygia
expõe o fracasso do homem dentro da poesia e filosofia, fica claro que a sua posição
na sociedade foi a única coisa que o manteve vinculado a esses campos do saber.
Portanto, já que se trata de uma confissão do personagem, foi necessário situá-lo no
texto para, enfim, analisar a subversão de Alexandra.
Lygia Fagundes Telles e sua estética realista2, como afirma Alfredo Leme
Coelho de Carvalho (2016), conduz o leitor a imaginar uma mulher que, inserida em
uma época tradicional, seria digna de piedade. Diferentemente de Machado, a autora
deixa claro as intenções da personagem e surpreende aos leitores e, sobretudo, ao
protagonista. De certo que, esta análise não tem como fins comparar Lygia a
Machado de Assis, apenas foi possível reconhecer que ambos possuem semelhanças
na estética realista.
A autora, com uma visão mais engajada e pós-moderna, corresponde aos
anseios pessoais e sociais na sua escrita. Logo, Lygia busca dar voz, ainda que
timidamente, a uma mulher que vive à margem da sociedade já que, o enredo se dá
nas confissões de um homem. Ela, Lygia, valoriza, no meio social, quem Alexandra
representa no texto. Sobre essa representação subversiva, pode ser explicado pela
Crítica Feminista, como comentado por Barbosa (2011).
Essa nova forma de escrever alavancou ainda mais a importância de estudar a
escrita feminina e deu margem a um discurso que viveu oprimido e discriminado pela
sociedade patriarcal. Assim como também possibilitou o reconhecimento das
intenções da crítica feminista que é o fim das ideologias machistas, patriarcais,
opressoras e discriminatórias. Então, Barbosa anota:
2
Em entrevista ao Diário da Região, São José do Rio Preto, Alfredo Leme Coelho de Carvalho explica os tipos
de realismos: “ Costumo dizer que há dois tipos de realismo. O de Eça de Queiroz, que vê as coisas como elas
são exatamente, que descreve a ação como aconteceu e ponto, e o de Machado, que também descreve a
ação antes da ação, aquilo que se passa dentro da mente do personagem, mostrando o que poderia ser e o
que realmente é, e todos os conflitos internos até a ação estar completa.”
Comprei um ramo de rosas e fui até a tal rua mas perdi a fala quando me
atendeu uma velhota de cabelos pintados de vermelho, era a dona do
prostíbulo. Entreguei-lhe tremendo o ramo de rosas, Para a Alexandra,
ela sabe, o amigo da leiteria! disse e fui indo completamente
desnorteado pela rua afora, mas então a Alexandra. (TELLES. 2012, p. 6)
Se no dia que ele pagou para entrar no quarto ele mandava, aqui fora do script,
da cena, quem manda é ela, pois o jogo de poder é apenas situacional. Então, Lygia
compreende as modificações e exigências das mulheres e reforça isso dentro de seus
textos. Como afirma Roger Chartier:
Esse conto desarruma um modo clássico de ler a prostituta. O conto sugere uma
reflexão de como o gênero masculino e feminino são representados na sociedade.
Lygia subverte, por meio de sua escrita, o contexto de mulheres que são
marginalizadas pela sociedade e constrói uma personagem que não se permite
dominar e tem a sua liberdade como sua maior perspectiva. Lygia permite que o leitor
entenda que as mulheres podem escolher e determinar como gostariam de viver.
Mesmo revelando aos leitores Alexandra, jovem, bonita e dona de si, a autora
menciona rapidamente o suicídio de uma adolescente que se frustrou morando no
mesmo local da personagem.
Quando Lygia retrata essa situação da jovem adolescente, não configura um
erro de escolha do protagonista para quem ele deveria ter salvo. A autora se
“Canalha, sujo! Saiba que a Dedê era uma menina direitinha, vinha
conversar e chorava tanto, queria a mãe, queria o pai, ah! a coitadinha
queria mudar de vida, se casar e ter uma família, filhos, tudo assim
direitinho, mas alguém pensou em dar a mão pra ela? Repetiu tantas
vezes que se ao menos soubesse ler mas assim, com tudo tão difícil lá
fora que emprego podia arrumar? Chorou muito, escutou isso? Tinha só
quinze anos mas vocês, uns canalhas, canalhas!…”. (TELLES. 2012, p. 8)
Para algumas o discurso dominante aprisiona, porém Lygia prefere dar lugar a
quem este discurso não oprime e nem limita. Por estas razões, ela reconhece que: a
ideologia machista e o julgamento social são arbitrários e responsáveis pela
dificuldade de construir um espaço igualitário e respeitador.
O conto reforça a crítica ao machismo e a sociedade patriarcal, quando o
protagonista assume que seu “coração é primitivo”( TELLES. 2012p. 8) Um espaço
com marcas sociais de preconceito, discriminação e um tom de superioridade que
não intimidou a vida e a identidade de Alexandra. Este coração, construído e educado
para ser opressor, torna-se alienado a uma verdade construída segundo as suas
vivências. No entanto, Alexandra não muda de opinião no término do conto, não está
à espera de um príncipe encantado, a personagem, ao contrário do que pensou o
protagonista, “a Xandra passou a noite fora e não tinha ainda voltado”( TELLES.
2012p. 7).
Lygia visa a objetividade das estruturas e abomina, dentro desse conto, as ideias
ilusórias dos contos de fadas que terminam com uma mulher sem voz, exclusa da vida
social, política e cultural de seu espaço.
Portanto, aos olhos do protagonista, Alexandra não é uma “princesa” pelo
espaço em que vive e Lygia, propositalmente, induz, aos leitores, a pensar e
questionar o olhar do homem para com a mulher, e por fim, afirmar que a construção
identitária feita pelo protagonista para com Alexandra supre as necessidades dele e
do seu meio social. Todavia, a construção identitária que Alexandra faz de si, não tem
intenção de seguir as idealizações do outro, mas as suas.
O protagonista limita a sua perspectiva e mesmo com a sua intensidade
revelada no início do conto, ele é egoísta e estereotipado e não admite a presença de
Alexandra na casa e na prostituição. Lygia comprova essas anotações quando joga
com os léxicos flor e pedra, palavras cujos conceitos não se hibridizam e, quando se
fundem, denota uma estranheza e insatisfação. E pontua:
4 Conclusão
Essa leitura reconhece que a construção identitária do protagonista é
reforçado, também, nas suas idealizações de mulher. Porém, com a perspectiva da
objetividade, o cuidado com a recepção e como seu texto pode refletir na sociedade,
Lygia desconstrói a representação feminina, construída pelo protagonista. A autora
joga com os léxicos, com o discurso de subalternidade de Alexandra para, então,
reivindicar o direito dessa mulher subalterna falar, como trata SPIVAK (2012), e
oferecer ao discurso de superioridade do gênero masculino, disfarçado de ajuda e
compaixão, o não que, imediatamente, reflete a satisfação diante de suas escolhas.
Assim, tratando-se do protagonista do conto “Um coração ardente”, é
perceptível que a sociedade e a cultura patriarcal não o permite se revelar. Algo
verossímil e recorrente, ainda, no século XXI. A autora confronta a máscara que o
homem precisa utilizar para ser inserido na sociedade e época. Assim como também
evidencia e reforça a necessidade de mulheres serem escritas de maneira engajada e
subversiva como representa Alexandra, pois essas características refletem na
sociedade e construirá uma realidade social diferente e mais flexível para com o
sujeito.
O conto Um coração ardente é apenas mais um dos muitos contos do livro
também intitulado de “Um coração ardente” que trata das sentimentalidades dos
sujeitos que representam os seus signos. Dessa forma, o conto, não se preocupa,
apenas, em passar a imagem de uma mulher livre, mas em relatar, por meio dela, as
inverdades contadas sobre ela no século XX e até os dias atuais. Alexandra exerceu a
função denunciadora, o que a fez ser um grande tabu e incógnita para o protagonista.
Portanto, os resultados a que se chegou foram estes: a) a literatura do privado
ou a que revela as sentimentalidades não representa só o gênero feminino; b) a
Referências
BARBOSA, Adriana Maria de Abreu. Ficção do Feminino. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2011.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difusão Europeia do livro, 1960b.
CARVALHO, Alfredo L. C. (2016). A fascinante ficção de Lygia Fagundes Telles: seis estudos críticos. São
Paulo: Vitrine Literária.
CARLOMAGNO, Beto. Realismo quase fantástico: Professor analisa o estilo de Lygia Fagundes Telles em
livro. Diário da Região, São José do Rio Preto, 19 de novembro de 2016. Disponível em:
https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/cultura/literatura/professor-analisa-o-estilo-de-lygia-
fagundes-telles-em-livro-1.610185.html. Acesso 30 de outubro de 2019.
CESAR, Ana Cristina. Literatura e mulher: essa palavra de luxo. In: Crítica e tradução. São Paulo: Ática,
1999. p. 224-232.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. 2.ed. Lisboa: Difel, 2002.
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2015.
SPIVAK, Gayatri. Quem reivindica alteridade? In: SHOWALTER, Elaine. O feminismo como crítica da
cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. P. 187-205.
TELLES, Lygia Fagundes. Um coração ardente. 1ª ed. Companhia das Letras, 2012.
WOOLF, Virginia. Profissões para mulheres e outros artigos feministas/ Virginia Woolf; tradução de
Denise Bottmann. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013.
CHAMADA Revista
TEMÁTICA Diálogos
(RevDia)
A B S T R A C T: KEYWORDS:
This bibliographic research aims to analyze the female representation Lygia Fagundes Telles;
A Burning Heart;
of the character Alexandra through Feminist Criticism. Lygia Private Speech;
Fagundes Telles tells the story of a prostitute woman satisfied with her Feminist Criticism;
reality. For this analysis, in addition to Feminist Criticism it was sought Female Representation.